A CONVERSAÇÃO COMO APROPRIAÇÃO NA COMUNICAÇÃO
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A CONVERSAO COMO APROPRIAO NA COMUNICAO MEDIADA PELO COMPUTADOR1
Raquel Recuero2
Resumo: O presente artigo busca discutir a conversao como uma apropriao da Comunicao Mediada pelo Computador (CMC), sistematizando caractersticas dessa apropriao na simulao da fala e da organizao dialgica, bem como dos elementos caractersticos da interao face a face. A partir de um aporte terico e de exemplos, discute-se a conversao a partir da escrita oralizada, da representao da presena, da unidade temporal, da construo do contexto e da conversao em rede. Palavras-chaves: Conversao. Apropriao. Comunicao Mediada pelo Computador.
1. Introduo
Recentemente, o Facebook3 atingiu a marca de 400 milhes de usurios em todo o
mundo, tornando-se uma das maiores ferramentas de comunicao na Internet em nmero de
usurios4. O Orkut5, no mesmo caminho, no final de 2009 tinha mais de 30 milhes de
usurios apenas no Brasil, de acordo com dados do Ibope/Nielsen6. O Twitter7, ainda outra
ferramenta bastante popular, tem cerca de 180 milhes de usurios estimados em abril de
20108. Todos esses servios representam formas de Comunicao Mediada pelo Computador
(CMC), ou seja, ferramentas que esto focadas nas interaes entre pessoas. O conceito,
utilizado por diversos autores, foca a capacidade do ciberespao de proporcionar um ambiente
de interao e de construo de laos sociais. Com sua popularizao, essas ferramentas
passam a fazer parte do dia a dia de milhares de pessoas em todo o mundo, incorporados no
cotidiano de suas prticas de comunicao. Passam a ser utilizadas, tambm, como espaos
conversacionais, ou seja, espaos onde a interao com outros indivduos adquire contornos
semelhantes queles da conversao, buscando estabelecer e/ou manter laos sociais. Esses
espaos so decorrentes de prticas sociais que vo reconstruir sentidos e convenes para a
conversao online.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Essa pesquisa desenvolvida com o apoio do CNPq, processo nmero 471759/2008-2. 2 [email protected] - Professora e pesquisadora do Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Catlica de Pelotas. Doutora em Comunicao e Informao (UFRGS) e pesquisadora vinculada ao CNPq. 3 http://www.facebook.com 4 Dados de http://www.facebook.com/press/info.php?statistics . Acesso em marco de 2010. 5 http://www.orkut.com 6 Dados de novembro de 2009. 7 http://www.twitter.com 8 Dados do Techcrunch em http://techcrunch.com/2010/04/16/how-big-twitter/.
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A partir desta perspectiva, este trabalho busca discutir como compreender essas
prticas conversacionais a partir dos conceitos de Comunicao Mediada por Computador
procurando v-las atravs de um prisma social e cultural. A partir de uma reviso terica,
pontuada pela discusso atravs de exemplos, focam-se aspectos fundamentais dessas
conversao, buscando sistematizar suas caractersticas no ambiente virtual.
2. Comunicao Mediada pelo Computador e Conversao
A Comunicao Mediada por Computador (CMC) discutida por diversos autores
desde o princpio dos estudos a respeito do impacto do ciberespao como ambiente
comunicacional. Para Baron (2002, p.10) a CMC definida de modo amplo como quaisquer
mensagens de linguagem natural que sejam transmiritdas e/ou recebidas atravs de um
computador. Falando de modo geral, o termo CMC se refere linguagem natural escrita
enviada via Internet9. December (1996) d uma definio semelhante, focando tambm os
aspectos tcnicos da mediao, ampliando-a para a troca de informaes usando servios de
telecomunicaes em rede. A comunicao mediada pelo computador , para esses autores,
um conceito amplo, aplicado capacidade de proporcionar trocas entre dois interagentes via
computadores. H inmeras ferramentas que proporcionam esse ambiente, algumas focadas
apenas em texto, outras em imagem, outras em som e outras ainda, que compreendem todos
esses elementos.
Mas a CMC no apenas influenciada pelas suas ferramentas. Ela , tambm, um
produto social. Jones (1995) d, justamente, uma definio que foca esse elemento. Para ele,
a CMC no apenas constituda de um conjunto de ferramentas, mas um motor de relaes
sociais, que no apenas estrutura essas relaes, mas tambm proporciona um ambiente para
que elas ocorram. na CMC que as relaes sociais so forjadas atravs das trocas de
informao entre os indivduos. Ela no , portanto, apenas uma estrutura tcnica de suporte
linguagem mas, igualmente, um conjunto de ferramentas cujo sentido construdo pelos
interagentes. E parte dessa construo foca as prticas de conversao.
Riva e Galimberti (1998) referem-se conversao virtual como uma das formas de
CMC. Para os autores, a existncia da conversao no ambiente virtual depende de um
contexto comum que precisa ser negociado pelos participantes na ferramenta. Outros autores,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!9 Traduo da autora para: is loosely defined as any natural language messaging that is transmitted and/or received via a computer connection. Generally speaking, the term CMC refers to a written natural language message sent via the Internet.
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no entanto, como Baron (2002), dizem que a CMC confunde-se com a conversao em
muitos aspectos, pois grande parte das prticas observadas nela so dialgicas. Para aclarar
essa discusso, preciso pensar no que compreende a conversao e como ela pode ser
conceituada.
A conversao comumente referenciada como uma parte importante do processo de
comunicao entre dois ou mais indivduos. Marcuschi (2006), por exemplo, define a
conversao como uma interao verbal centrada, que se desenvolve durante o tempo em
que dois ou mais interlocutores voltam sua ateno visual e cognitiva para uma tarefa
comum (p.15). A conversao , assim, a porta atravs da qual as interaes sociais
acontecem e atravs da qual as relaes sociais so estabelecidas. Pridham (2001, p.30)
explica que a conversao , basicamente, qualquer troca interativa falada entre duas ou
mais pessoas10. Como Marcuschi, o conceito de Pridham foca, principalmente, a
conversao como prtica falada. No entanto, esta no apenas constituda de linguagem oral,
mas, igualmente, de uma srie de elementos como tom de voz, entonao, silncios e
elementos no verbais que vo delimitar o sentido daquilo que ditto, fornecendo pistas do
sentido.
Marcuschi (2006) cita ainda cinco caractersticas prticas, constitutivas da organizao
de uma conversao, a partir daquela definio, como sendo:
(a) interao entre pelo menos dois falantes (b) ocorrncia de pelo menos uma troca de falantes; (c) presena de uma seqncia de aes coordenadas; (d) execuo em uma identidade temporal; (e) envolvimento numa interao centrada (MARCUSCHI, 2006, p.15)
Essas caractersticas, no entanto, no so imediatamente evidentes no ambiente do
ciberespao. A CMC opera sobre vrias ferramentas, com caractersticas e limitaes
prprias, que vo tambm influenciar as prticas conversacionais (Baron, 2002).
Compreender essas limitaes e os modos atravs dos quais seus usurios as superam
fundamental para compreender como a conversao pode ocorrer nesses ambientes.
Um primeiro ponto o fato de que a larga maioria das ferramentas de CMC (ainda)
opera sobre bases de linguagem predominantemente textual. o caso dos chats, e-mails,
micromensageiros e fruns. Ainda que ferramentas predominantemente orais tenham surgido
nos ltimos tempos como o Skype11, por exemplo, que proporciona interaes com video e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!10 Traduo da autora para: ()any interactive spoken exchange between two or more people. 11 http://www.skype.com
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voz, seguro dizer que a maioria da CMC ainda ocorre de forma textual. Do mesmo modo, a
co-presena dos interagentes envolve uma complexa representao de identidades e
indivduos, que no evidente em todas as ferramentas. O prprio conceito de unidade
temporal torna-se elstico, alterando tambm a percepo de contexto, pois as aes
acontecem, muitas vezes, durante espaos de horas e at dias.
No entanto, ainda assim, muitas das trocas observadas no contexto da CMC so
discutidas a partir de suas caractersticas conversacionais. Essas prticas conversacionais vo
aparecer como apropriaes, como formas de uso das ferramentas de CMC para construir
contexto e proporcionar um ambiente de trocas interacionais. Trata-se de um tipo semelhante
mas, ao mesmo tempo, diferente da conversao oral. Herring (2008) afirma que a algumas
trocas informacionais, na mediao pelo computador, parecem-se com a conversao e so
percebidas, pelos interagentes, como tal. Em outro trabalho, Herring (1999) demonstra a
existncia de contexto e alguma organizao nas interaes em chat, como elementos
conversacionais. Boyd, Golder e Lotan (2010), outro exemplo, analisam as conversaes no
Twitter demonstrando a negociao de contexto e de prticas de direcionamento dos
participantes, de uma forma similar a Honeycutt e Herring (2009). Apesar disso, poucos
trabalhos sistematizam as caractersticas dessas prticas conversacionais e poucas discutem,
dentro deste contexto, quais caractersticas gerais podem ser observadas nessas apropriaes
conversacionais na mediao do computador.
3. Caractersticas da conversao mediada pelo computador
As prticas conversacionais, na comunicao mediada pelo computador, tm sido
observadas por muitos autores. Essas observaes tm constitudo alguns padres de uso, que
nos auxiliam a perceber melhor como as interaes que acontecem nesse ambiente vo
constituir conversaes. A seguir, portanto, analisaremos algumas dessas caractersticas.
3.1 Escrita Oralizada ou Netspeak
Um primeiro ponto apontado por diversos autores (como Crystal, 2006 e Herring,
2009) que a linguagem utilizada nas ferramentas de CMC difere, basicamente, da linguagem
escrita tpica. Embora a separao entre fala e escrita seja secular em termos lingsticos,
caracterstica dessa apropriao do ciberespao o estabelecimento de uma escrita falada ou
oralizada12. Essa apropriao foca no uso limitado dos caracteres do teclado para simular a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!12 Enquanto alguns autores consideram que h uma hibridizao dessas linguagens (vide Herring, 2008), outros ainda consideram que uma nova linguagem (ou netspeak, como afirma Crystal, 2006).
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linguagem oral, que discutida por vrios autores e demonstrada em inmeros trabalhos (vide
Crystal, 2006; Herring, 1999). Tambm diz respeito s limitaes impostas conversao
mediada no ambiente online, que traz algumas dificuldades, como por exemplo, a falta das
pistas no verbais que auxiliam na criao do contexto conversacional. Sem o contato direto
com os interagentes, a falta de contexto um problema srio da conversao online. Para
auxiliar nessa construo, a criao de convenes para elementos paralingsticos tambm
comum. Por exemplo, o uso de emoticons13 para representar emoes, onomatopias e cores
naquilo que dito podem ser considerados anlogos a diversas caractersticas tpicas da
conversao oral, como expresses faciais, entonao e tom de voz (vide Recuero, 2001).
sempre liiiiiiiiiiiiiiiiiiinda mari *-* bom final de semana :*
(comentrio observado em um fotolog14)
No exemplo acima, vemos uma mensagem parte de uma conversao entre dois
usurios do fotolog. Observa-se o uso da repetio da letra i como forma de simular uma
entonao oral e o uso dos emoticons (*-* e :*) representando, respectivamente, olhos
arregalados e um beijo. No caso, so signos criados a partir de convenes de uso da
linguagem no ciberespao e fornecem o contexto para o dilogo, bem como transformam a
linguagem em ao.
Essa simulao do oral e dos elementos caractersticos da conversao falada d s
trocas interacionais realizadas no ciberespao elementos semelhantes conversao oral. A
estrutura aparente dessas trocas semelhante de uma conversao, com uma estrutura
relativamente organizada, onde h turnos e convenes de contexto (como demonstra o
trabalho de Herring, 1999). H a construo de relaes sociais e agrupamentos (vide
Rheingold, 1995; Recuero, 2009). Assim, podemos dizer que, embora no seja constituda de
fala na maioria das vezes, a conversao no ambiente virtual constituda de interaes
prximas desta, que simulam a organizao conversacional oral. Tais elementos so aparentes
em todas as ferramentas de CMC.
3.2 Unidade temporal elstica
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!13 Emoticons so as famosas carinhas ou smileys. So convenes construdas atravs dos caracteres do teclado para representar emoes faciais. 14 Fotologs so ferramentas de publicao de fotografias e imagens, acompanhadas de pequenos textos e comentrios provides pelo Fotolog (http://www.fotolog.com)
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Outro elemento apresentado na conversao a sua caracterstica de acontecimento,
pois compreende trocas em uma unidade temporal na qual os participantes encontram-se,
constrem e dividem um contexto. No ambiente do ciberespao, no entanto, essa unidade
temporal torna-se elstica.
O conceito de formas de CMC sncronas e assncronas trabalhado por muitos autores
e fornece alguns elementos para compreender essa caracterstica. Baron (2002), por exemplo,
explica que formas sncronas so aquelas que possuem o potencial para a interao em
tempo real dos participantes, enquanto as assncronas so aquelas ferramentas que no
possuem esse potencial. Herring (1999) refere-se aos ambientes da CMC como sncronos
ou assncronos, dentro da mesma perspectiva de Baron, demonstrando que ambientes com
potencial de tempo real ainda so capazes de simular mais a conversao.
No entanto, o conceito de sincronia e assincronia um tanto o quanto limitado. Por
exemplo, quando pensamos na conversao como prtica, v-se claramente que, embora o e-
mail seja tradicionalmente apontado pelos autores como um meio assncrono, ele pode
adquirir caractersticas sncronas em seu uso dirio. Imaginemos, por exemplo, que um
indivduo A envia um e-mail a um indivduo B, que imediatamente responde. Percebendo que
B est online, A passa a responder imediatamente, dando prosseguimento ao dilogo. Neste
caso, o email passa a ser uma ferramenta sncrona.
Essa diferenciao, na realidade, importante para que se compreenda que a
conversao no ambiente do ciberespao nem sempre ocorre em uma unidade temporal onde
h a co-presena dos participantes. Como h a predominncia da escrita oralizada, as
interaes possuem memria ou permanncia, nos termos de boyd (2007), ou seja, so
capazes de persistir no tempo como registros das trocas. Com isso, um conjunto de trocas
conversacionais pode acontecer em um perodo de tempo alargado e sem a co-presena fsica
dos envolvidos. Essa presena pode ser compreendida como virtual, uma vez que, como
discutiremos a seguir, os interagentes so representados e essas representaes tambm
tendem a permanecer no espao virtual mesmo quando estes no esto online.
A conversao assncrona, assim, acontece porque o ambiente registra as mensagens e
as representaes, permitindo que indivduos que visitem o ambiente em momentos diferentes
possam dar continuidade conversao. A co-presena, assim, no acontece apenas quando
os indivduos esto sincronizados na mesma ferramenta ao mesmo tempo mas, igualmente,
quando estes esto acessando a conversao em tempos diferentes. Ou seja, o que permanece
o ambiente da conversao e no os interagentes.
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Usurio A: Tenho trufas de chocolate na geladeira. :-D (3 h ago) Usurio B: um convite? :-P RT @usuarioA: Tenho trufas de chocolate na geladeira. :-D (3h ago) Usurio A: @usuarioB Se tu conseguir chegar aqui antes do @usuarioC terminar com elas, pode ser. :D (2h ago) Usurio C: @usuarioA @usuarioB Too late! (38 min ago) Usurio B: @usuarioA @usuarioC Damned! (4 min ago)15
!A conversao acima, observada no Twitter, tambm uma ferramenta assncrona,
demonstra bem a elasticidade da unidade tempora. Vemos que uma conversao
desenvolvida, entre trs participantes, durante um perodo de trs horas. O RT (abreviao
de retweet reenvio de uma mensagem publicada por outra pessoa) repete a mensagem como
forma de contextualizar aquilo que est sendo dito em meio a outras mensagens publicadas
pelos interagentes. As mensagens so direcionadas entre os participantes atravs do uso da
@, de forma que permaneam visveis aos demais que, ao logar no sistema, respondem.
Apesar de assncrona, a conversao acontece.
Alguns trabalhos outros trabalhos, como o Primo e Reczek (2006) e De Moor e
Efimova (2004) tambm observaram conversaes em ferramentas assncronas, que
aconteciam entre weblogs16. Nos casos, a informao de contexto era assegurada por links e
por um espao tpico para a conversao, aquele dos comentrios.
3.3 A Representao da Presena
Outro elemento caracterstico da mediao do computador a construo de
representaes dos interagentes. Estas do-se atravs de elementos que representam os
indivduos no ciberespao, no necessariamente conectados com sua presena online naquele
momento. Essa representao pode ser constituda de um perfil em um site de rede social, um
weblog pessoalizado, um nickname em uma sala de chat, uma foto e etc. Ela delimita o
indivduo naquela ferramenta, o Outro, o interagente.
Essa representaes do self tm caractersticas semelhantes quelas explicitadas por
Goffman (1967) em sua construo. Elas referenciam indivduos que interagem atravs da
CMC. So cuidadosamente montadas como espaos pessoalizados, que trazem impresses
construdas para dar uma ou outra impresso na possvel audincia, atravs de pequenas
pistas. uma reinscrio de elementos que so caractersticos dos indivduos no ciberespao.
Turkle (1996) discute essa representao em MUDs, assim como Donath (1999) as discute na
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!15 Dilogo observado pela pesquisadora em abril de 2010. 16 Weblogs so ferramentas de publicao que possibilitam o uso sem o conhecimento dos meandros tcnicos de publicao na Web. Foram inicialmente apropriados de forma bastante pessoalizada. (Vide Amaral, Montardo e Recuero, 2009).
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Usenet e Dring (1999) em pginas pessoais. Boyd e Herr (2006) discutem os perfis do
Friendster17 (um dos primeiros sites de redes sociais a despontar nos Estados Unidos) como
formas de conversao, entretanto, focados na performance. O uso de comunidades no Orkut
para indicar gostos e preferncias, por exemplo, uma forma de representao. As narrativas
que so construdas em fotologs e weblogs, atravs da personalizao dos textos e das
fotografias so performances.
Embora existam muitas formas de construir essas representaes, mesmo apelidos
(nicknames) utilizados em salas de chat, bem como modos de dizer que so percebidos
como caractersticos de determinados indivduos (Recuero, 2001) auxiliam na
individualizao dos interagentes. Algumas ferramentas de CMC, notadamente aquelas com
caractersticas mais sncronas, apresentam representaes de presena numa mesma unidade
temporal. o caso dos chats ou dos mensageiros instantneos. Quando algum indivduo est
presente em um determinado momento, essa presena representada pelo seu apelido como
online. Em outras ferramentas, com caractersticas menos sncronas, a presena d-se atravs
da apropriao do espao como em um weblog, por exemplo (vide Primo e Reczek, 2006).
Nesse caso, os vrios espaos de comentrios e os links pessoalizados para cada blog podem
representar seus respectivos blogueiros e interagentes. Essa personalizao e individualizao,
ainda que representada no espao virtual, essencial para a conversao, pois fornece
informaes cruciais a respeito dos interagentes envolvidos e dos contextos criados.
3.4 A Construo do Contexto
Outro elemento importante, o contexto das interaes que vo originar a conversao
d-se dentro das limitaes tcnicas e do uso da ferramenta. Cada forma de CMC oferece
caractersticas prprias que, quando envolvidas nas prticas cotidianas, vo gerar esse
contexto da conversao. Honeycutt e Herring (2009), por exemplo, apontam o uso da
hashtag (sinal #) como um indicativo contextual daquilo que dito no Twitter. A hashtag,
seguida de uma ou mais palavras, assim, prov o contexto da mensagem, informando rede
social sobre o que se trata. Outras formas de apropriao para a construo do contexto so a
numerao das mensagens que so publicadas na ferramenta e o direcionamento da
mensagem a outros interagentes atravs do sinal @.
Usurio A @usuarioB OPaaa.... valew... agora s se preparar pra apresentao!!! #intercom
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!17 http://www.friendster.com
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C #intercom a vamos ns!!! Usurio E RT @usuarioD: Quem vai na #intercom d RT jahjahahaha Usurio D Quem vai na #intercom d RT jahjahahaha18
No exemplo acima, vemos a tag #intercom representando o contexto das conversaes
de alguns usurios do Twitter, comemorando sua aprovao para a apresentao de trabalhos
no Intercom regional. Sem a tag, muitas das mensagens apareceriam sem contexto, e confusas
aos interagentes.
A negociao e a construo do contexto uma parte importante da conversao como
apropriao das ferramentas de CMC. Especialmente nas ferramentas assncronas, o
desenvolvimento do dilogo necessita de um contexto que seja provido de forma permanente.
Como a maior parte das CMC dotada de permanncia e muitas dessas ferramentas possuem
ainda sistemas de busca, os novos participantes da conversao facilmente conseguem
interpretar as pistas do contexto e tomar parte no dilogo. Em ferramentas sncronas, por
outro lado, as interaes so menos permanentes e acessveis. Por isso, o contexto muito
mais fludo e menos perceptvel. Em canais de chat, por exemplo, como o caso do IRC, o
contexto negociado durante as interaes (vide Herring, 1999 e Recuero, 2001). J em
outras ferramentas, como os weblogs, o contexto referenciado por links e permanece (vide
Primo e Reczek, 2006).
Usurio B said on 7/4/08 7:51 PM Nossa, que cabelo LINDO! Adorei =] =* Usurio A said on 7/4/08 8:45 PM Haha, obrigada! Mas ainda t escovado, recm sado do cabeleireiro, quero ver como vai ficar depois de lavar e secar normalmente. O cara garante que vai ficar bom, to torcendo :) E parabns pra tua irm! Beijo!
No exemplo acima, retirado do Fotolog, o contexto dado pelo sistema, que mantm a
conversao sob o mesmo espao (a fotografia do novo corte de cabelo do Usurio A). Com
isso, as interaes seguintes, que passam a tomar parte na conversao sobre o cabelo
conseguem compreender aquilo que foi dito dentro do contexto.
A conversao, no caso da mediao do computador, deste modo, constituda de
prticas conversacionais que vo organizar as trocas informativas entre os agentes para a
construo de contextos sociais. Para compreend-la, preciso verificar a interao e os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!18 Conversao observada pela pesquisadora em abril de 2010.
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elementos apontados entre as representaes de interlocutores no ambiente virtual, dentro de
um mesmo contexto interacional que negociado pelos interagentes.
3.5 A Conversao em Rede
A conversao no ambiente virtual tambm possui um outro elemento importante.
Trata-se da prpria estrutura de rede, gerada pelas interaes entre os indivduos, que
proporciona a conversao diante das audincias invisveis (boyd, 2007).
A metfora da rede social para o estudo dos grupos sociais expressos online tem sido
bastante utilizada (vide Recuero, 2009; boyd e Ellison, 2007; boyd, 2006 e 2007). Isso porque
algumas caractersticas especiais dos processos de comunicao no ciberespao, tal como a
permanncia e a buscabilidade (boyd, 2007) proporcionam uma observao dessas trocas em
micro e macro escala, permitindo ainda que essas redes sejam delineadas com maior preciso
a partir da publicizao das conexes. Assim, as representaes dos atores envolvidos nas
trocas comunicacionais, como os perfis, por exemplo, so normamente referidos como os
nodos ou ns da rede e as conexes entre esses perfis (sejam elas listas de amigos ou dilogos
realizados textualmente) seriam as conexes entre os ns que formaro a rede. No caso das
redes sociais na Internet, estas so percebidas como representaes, onde as interaes entre
os indivduos sero apontadas como representativas tambm das conexes entre estes. Assim,
as redes sociais ficam explcitas no ambiente do ciberespao atravs das interaes que so
construdas e negociadas entre os interagentes.
Esses fatos tambm implicam no surgimento das chamadas audincias invisveis.
De acordo com boyd (2007) trata-se de uma caracterstica resultante da presena de outras
duas: buscabilidade e replicabilidade, que permitem que aquilo que publicado no ambiente
virtual seja tambm visvel para audincias que no estavam presentes na poca da publicao
e que, muitas vezes, no so percebidas pelos atores. Essas audincias implicam em um
alcance da conversao que vai alm dos indivduos envolvidos. Por exemplo, aquilo que
dito no Orkut sob a forma de recado permanece no perfil do destinatrio at que seja
apagado. Ou seja, pessoas que posteriormente entrarem ali podem dar prosseguimento
conversao, a partir do contexto gerado pelas mensagens anteriores. A conversao,
portanto, como as mensagens, tem um carter de maior permanncia, ao contrario da
conversao oral que, como explica Pridham (2001), basicamente efmera.
Essa capacidade da conversao online de permanecer implica tambm na capacidade
de envolver muito mais do que apenas dois interagentes, multiplicando a participao. A
conversao, no ambiente online, acontece em rede. Ela pode migrar entre os vrios
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ambientes (Recuero, 2009a), espalhar-se entre as vrias redes sociais e acontecer em escalas
que s so possveis porque possvel buscar aquilo que foi dito. Um bom exemplo
acompanhar uma conversao a respeito de um evento no Twitter. Atravs do uso da hashtag,
que prov o contexto, possvel acompanhar centenas de pessoas falando umas com as
outras, em uma conversao que parece catica e complexa. uma conversao em rede.
A conversao tambm possui outro efeito: publicizar as relaes sociais construdas
entre os interagentes, fornecendo o contexto social para a interpretao dos grupos e das
relaes entre os indivduos. Em outro trabalho, por exemplo, (Recuero e Zago, 2009)
discutimos a conversao como constitutiva das redes sociais na Internet. Pelo seu carter
pblico, a conversao tambm referencia um determinado grupo social, contextos criados
por esse grupo e divididos por ele.
4. A Conversao como apropriao na CMC
At agora, discutimos algumas das caractersticas da comunicao mediada pelo
computador e seus efeitos na conversao que pode ser observada online a partir de suas
prticas. Embora essa conversao seja essencialmente diferente daquela oral, ela possui
caractersticas que a assemelham a esta. A conversao, no ambiente mediado pelo
computador, assim, assume idiossincrasias prprias que so decorrentes da chamada
apropriao dos meios para o uso conversacional. Ela , portanto, menos uma determinao
da ferramenta e mais uma prtica de uso e construo de significado dos interagentes, sejam
essas ferramentas construdas para isso ou no.
Lemos (2002) define a apropriao como a essncia da cibercultura. Para o autor, a
apropriao o produto do uso da tecnologia pelo homem, tendo duas dimenses, uma
simblica e uma tcnica. A apropriao tcnica compreende o aprendizado do uso da
ferramenta. A simblica compreende a construo de sentido do uso dessa ferramenta, quase
sempre de forma desviante, ou seja, com prticas que vo sair do escopo do design de uso
desta. Se observarmos, por exemplo, os recados do Orkut, imediatamente perceptvel que se
trata de uma forma assncrona de interao e que as conversaes que ali so desenvolvidas
espalham-se pelos perfis dos envolvidos, que respondem cada qual no perfil do outro
interagente. No entanto, j foram observadas prticas sncronas, como aquela de marcar um
encontro em um perfil aleatrio e fazer dele um chat. Trata-se de uma apropriao tcnica: o
aprendizado do uso; e simblica, o uso para a conversao. A apropriao, em sua dimenso
simblica , portanto, criativa, inovadora e capaz de suplantar os limites tcnicos da CMC.
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Baron (2002, p.12), focando os limites tcnicos da CMC, classifica seus tipos em
dilogos e monlogos. No primeiro caso, a diferenciao das ferramentas d-se pela
capacidade de proporcionar a conversao entre dois ou mais participantes. Neste caso, a
autora divide as ferramentas em dilogo um a um (one to one dialogue), como e-mails e
mensageiros instantaneous; dilogos um-muitos (one to many dialogues), como chats e
fruns; e monlogos, onde a autora classifica websites e weblogs.
Entretanto, embora esta seja uma classificao vlida para a discusso, parece-nos um
tanto o quanto reducionista. Do nosso ponto de vista, toda a CMC , por si, dialgica,
justamente por conta da apropriao. A CMC interao, conversao e suas prticas
sociais e simblicas vo refletir isso. Diversas pesquisas tm demonstrado, por exemplo, que
weblogs, embora sites, podem ser apropriados como ferramentas de conversao,
principalmente atravs dos comentrios (vide, por exemplo, Primo e Reczek, 2006; Moor e
Efimova, 2004; Herring et al, 2004; dentre outros). Do mesmo modo, ferramentas que seriam
essencialmente monolgicas, como os chamados microblogs ou micromensageiros19 tambm
possuem apropriaes conversacionais (como discutem boyd, Golder e Lotan, 2010;
Honeycutt e Herring, 2009; Mischaud, 2007; dentre outros a respeito da apropriao do uso
da @ como ferramenta de direcionamento do dilogo ou das hashtags como ferramentas
contextuais no Twitter). Este aparato tcnico podeinfluenciar a apropriao, embora no
necessariamente a determine. Crystal (2006) discute que a conversao na Internet obedece a
restries que so caractersticas do meio, ou das ferramentas utilizadas. Essas restries
acabam por influenciar a capacidade lingstica produtiva e receptiva dos interagentes, mas
no necessariamente domin-la. Afinal, como espao simblico, essas ferramentas vo
oferecer espaos de construo de prticas que vo ampliar a negociao de sentido de seus
usurios, criar convenes (como os emoticons) e negociar contextos que vo permitir a
conversao.
5. Apontamentos Finais
A conversao, no espao da CMC deste modo, resultado da apropriao das
ferramentas e no uma determinao destas. produto das prticas que criam novos sentidos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!19 Ferramentas como o Twitter (http://www.twitter.com) ou o Plurk(http://www.plurk.com). So definidas como semelhantes aos weblogs, mas permitindo apenas que se publique mensagens com um pequeno nmero de caracteres, que so visveis para uma rede de seguidores.
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para o ambiente online como um espao de interao, capaz de suportar conversaes. E essas
conversaes possuem alguns elementos em comum, que foram traados neste artigo.
A conversao, no ciberespao, capaz de simular, sob muitos aspectos, elementos da
conversao oral. Convenes so criadas para suplementar, textualmente, os elementos da
linguagem oral e da interao, gerando uma nova escrita oralizada. Contextos so
convencionados pelos interagentes atravs da negociao. uma conversao em rede,
mltipla, espalhada, com a participao de muitos. uma conversao que permanece,
gerando novas apropriaes e migrando entre as diversas ferramentas. Essas prticas provm
caractersticas que permitem examinar a conversao online como anloga conversao
oral, com elementos semelhantes, mas ainda, como apropriao simblica e tcnica
O estudo dessas prticas, ainda incipiente em suas variadas formas, foi aqui
brevemente explicado atravs de uma tentativa de sistematizao de suas caractersticas. No
entanto, por ser fruto da apropriao, a conversao mediada pelo computador mutante,
transformadora e produtora de redes sociais. Esses elementos auxiliam na compreenso dela,
mas no do conta de sua integralidade. Prticas conversacionais caractersticas de um
determinado grupo podem ser diferentes em outro grupo dentro de uma mesma ferramenta,
por caractersticas especficas da rede social que a apropriou. Justamente por isso, preciso
estudar essas significaes e sistematiz-las, buscando compreender aquilo que se chama de
conversao mediada pelo computador e seus efeitos.
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