A Didatica e a Produção Do Conhecimento

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A Didatica e a Produção do Conhecimento Um ensaio preliminar “O caminho que o professor escolheu para aprender foi ensinar. No ato de ensino ele se defronta com as verdadeiras dificuldades, obstáculos reais, concretos, que precisa superar. Nessa situação ele aprende.” Alvaro Vieira Pinto As questões pedagógicas têm abordado, em diversas ocasiões, as questões relativas ao conteúdo e á forma. Há, inclusive, aprofundamentos teóricos que procuram dar maior sentido a um ou a outro elemento, a partir da perpectiva da função social da escola. Compreendendo e respeitando os estudos já realizados, podemos nós, educadores, assumir uma ou outra corrente que enfatiza mais um elemento. Entretanto, um pressuposto comum, que se ancora na prática pedagógica, que reconhece a necessidade de uma sólida competência ao se trabalhar tanto com a forma como com o conteúdo. Até mesmo os defensores da ênfase em um elemento, em momento algum, deixam de valorizar o outro. Por outro lado, ao estudarmos o cotídiano da sala de aula, constatamos que a nossa realidade não é boa. Os professores, em geral, são reprodutores de um saber elaborado e, em muitos casos, completamente acríticos do conteúdo que repete e das práticas que desenvolvem. A grande maioria dos professores brasileiros sequer tem acesso às discussões teóricas sobre a educação. As pesquisas têm mostrado que os professoes afirmam que a sua prática cotidiana tem mais importância no seu modo de ser do que a formação acadêmica que porventura tiveram. E ainda, que o seu comportamento docente é inspirado em professores que marcaram a sua própria trajetória educacional. Este é um dado que pode ser muito rico desde que não se caia na armadilha do ciclo vicioso: a reprodução única e exclusiva dos comportamentos e idéias até então emitidos. Além disso, a percepção deste fato, leva-nos a considerar a importância do comportamento do professor sobre o aluno. Tanto nos aspectos positivos quanto nos negativos. Tanto no entusiasmo ou aversão para com o conteúdo quanto no trato da matéria de ensino. Pela prática de sala de aula passa um sem número de valores que precisam ser conscientemente resgatados. Quando perguntados, sobre o que é uma “boa aula”, alunos de 2º grau respoderam o seguinte: “É aquela em que o professor mostra para que serve o que estamos aprendendo...” “ Eu acho que um boa aula é boa quando o professor não deixa que ela fique monótona, chata. Quando ele varia as formas de explicar a matéria...” “Uma boa aula é aquela em que o professor não nos vê como turma, isto é, quando ele identifica cada um de nós...” “Para mim o que mais vale é a capacidade do professor explicar de novo quando a gente não entende, e explicar de outra maneira que ajude o aluno a pensar diferente...” Já para caracterizar uma “aula ruim” os alunos dizem: É quando o professor se acha o dono da verdade, não gosta de ser interrompido e ironiza as perguntas da gente...” “Uma aula ruim é quando a gente faz as coisas só para satisfazer o professor. O nosso interesse não é levado em conta...” “Essa que o professor enche o quadro de matéria, fala, fala, mas não se importa se a gente está entendendo nada...” A amostra dos depoimentos de alguns alunos nos indicam, tanto nos aspectos positivos como nos negativos, que os pontos principais percebidos pelos alunos se referem ao significado do conteúdo, aos procedimentos de ensino e às relações com os alunos. Entretanto, nos três aspectos há uma constatação da necessidade da participação dos alunos na produção do conhecimento. Vejamos cada um deles. a) O conteúdo Na crítica oportuna que temos feito à escola, tem sido enfatizada a necessidade de que o conteúdo seja significativo para o aluno. O que é um conteúdo significativo? Como tornar os conteúdos signficativos para o aluno?

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Artigo falando sobre a Didática

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A Didatica e a Produção do Conhecimento

Um ensaio preliminar

“O caminho que o professor escolheu para aprender foi ensinar. No ato de ensino ele se defronta com as

verdadeiras dificuldades, obstáculos reais, concretos, que precisa superar. Nessa situação ele aprende.”

Alvaro Vieira Pinto

As questões pedagógicas têm abordado, em diversas ocasiões, as questões relativas ao conteúdo e á forma. Há, inclusive, aprofundamentos teóricos que procuram dar maior sentido a um ou a outro elemento, a partir da perpectiva da função social da escola.

Compreendendo e respeitando os estudos já realizados, podemos nós, educadores, assumir uma ou outra corrente que enfatiza mais um elemento. Entretanto, há um pressuposto comum, que se ancora na prática pedagógica, que reconhece a necessidade de uma sólida competência ao se trabalhar tanto com a forma como com o conteúdo. Até mesmo os defensores da ênfase em um elemento, em momento algum, deixam de valorizar o outro.

Por outro lado, ao estudarmos o cotídiano da sala de aula, constatamos que a nossa realidade não é boa. Os professores, em geral, são reprodutores de um saber elaborado e, em muitos casos, completamente acríticos do conteúdo que repete e das práticas que desenvolvem. A grande maioria dos professores brasileiros sequer tem acesso às discussões teóricas sobre a educação.

As pesquisas têm mostrado que os professoes afirmam que a sua prática cotidiana tem mais importância no seu modo de ser do que a formação acadêmica que porventura tiveram. E ainda, que o seu comportamento docente é inspirado em professores que marcaram a sua própria trajetória educacional.

Este é um dado que pode ser muito rico desde que não se caia na armadilha do ciclo vicioso: a reprodução única e exclusiva dos comportamentos e idéias até então emitidos.

Além disso, a percepção deste fato, leva-nos a considerar a importância do comportamento do professor sobre o aluno. Tanto nos aspectos positivos quanto nos negativos. Tanto no entusiasmo ou aversão para com o conteúdo quanto no trato da matéria de ensino. Pela prática de sala de aula passa um sem número de valores que precisam ser conscientemente

resgatados.

Quando perguntados, sobre o que é uma “boa aula”, alunos de 2º grau respoderam o seguinte:

“É aquela em que o professor mostra para que serve o que estamos aprendendo...”

“ Eu acho que um boa aula é boa quando o professor não deixa que ela fique monótona, chata. Quando ele varia as formas de explicar a matéria...”

“Uma boa aula é aquela em que o professor não nos vê como turma, isto é, quando ele identifica cada um de nós...”

“Para mim o que mais vale é a capacidade do professor explicar de novo quando a gente não entende, e explicar de outra maneira que ajude o aluno a pensar diferente...”

Já para caracterizar uma “aula ruim” os alunos dizem:

“É quando o professor se acha o dono da verdade, não gosta de ser interrompido e ironiza as perguntas da gente...”

“Uma aula ruim é quando a gente faz as coisas só para satisfazer o professor. O nosso interesse não é levado em conta...”

“Essa que o professor enche o quadro de matéria, fala, fala, mas não se importa se a gente está entendendo nada...”

A amostra dos depoimentos de alguns alunos nos indicam, tanto nos aspectos positivos como nos negativos, que os pontos principais percebidos pelos alunos se referem ao significado do conteúdo, aos procedimentos de ensino e às relações com os alunos. Entretanto, nos três aspectos há uma constatação da necessidade da participação dos alunos na produção do conhecimento. Vejamos cada um deles.

a) O conteúdo

Na crítica oportuna que temos feito à escola, tem sido enfatizada a necessidade de que o conteúdo seja significativo para o aluno. O que é um conteúdo significativo? Como tornar os conteúdos signficativos para o aluno?

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A procura de respostas nos encaminha a pensar que é significativo aquilo que representa alguma coisa para a pessoa, isto é, que ela vê algum sentido em aprender. Cabe ao professor, como alguém que tem um domínio mais amplo da matéria de ensino, procurar dar o significado da aprendizagem ao aluno. Sem esgotar o assunto, pensamos que alguns procedimentos possam ser adotados:

1º- Identificar o que é essencial para aprendizagem daquele campo de conhecimento e o que é acessório. Definir a partir de critérios que estejam vinculados à própria estrutura da matéria de ensino.

2º- Situar historicamente o seu campo de conhecimento. Não existe ciência neutra. Toda ela foi produzida pelo homem dentro de um contexto social que estimulou e deu razão para a produção deste conhecimento. Ajuda muito ao aluno compreender quando como e porque acontece a trajetória do saber.

3º- Partir da realidade do aluno, isto é, daquilo que lhe é próximo, que é parte da sua experiência. Épreciso questionar o princípio positivista que nos definiu que todo o conteúdo precisa ser desenvolvido numa sequência lógica, quer dizer, do mais simples ao mais complexo, do antigo para o moderno, do geral para o específico, do mais distante ao mais próximo etc. Ao contrário, parece haver mais significado em considerar o aluno como um ser contextualizado, e partir do que é concreto para a generalização que permita a compreensão geral.

4º- Considerar que, de alguma forma, todas as pessoas possuem um saber que, mesmo sendo do senso comum empírico, desorganizado, é próprio, e pode ser o ponto de partida para compreensão do conhecimento organizado.

5º- Priveligiar a qualidade do conhecimento sobre a quantidade, isto é, propor o que sabe como alguma coisa em que o aluno possa intervir e não somente repetir. Esta intervenção dá-se através da reflexão sobre o conteúdo de ensino, envolvendo processos de pensamento mais elaborado.

6º- Relacionar os conteúdos com a vida concreta, dando exemplos, procurando vivenciar observações, estabelecendo inferências, desenvolvendo um sentido de investigação e não de ciência acabada.

7º- Ressaltar a importância do envolvimento afetivo do professor com o conteúdo que

ensina. Se nem para o professor o conteúdo é significativo, não será jamais para o aluno. Isto requer, uma constante posição inquiridora, de busca de pesquisa.

b) A Metodologia

O trato da metodologia de ensino precisa ser encarado pelo professor como parte de suas concepções de educação e de seu compromisso social e político. A forma como nos apresentamos aos alunos, as “regras do jogo” adotadas na sala de aulas, o que permitimos e incentivamos, o que proibimos e cerceamos é parte esssencial do ato pedagógico e revela valores que são repassados aos alunos.

Assim, a metodologia não é também neutra e está profundamente ligada com o tipo de crença que temos sobre a educação. Se partimos do pressuposto de que a aprendizagem é um processo pessoal e que, portanto, requer atividade (também a mental) do aluno devemos colocar a metodologia à sua disposição.

Compreendeemos que conteúdo e método possuem uma íntima relação e que a natrureza do primeiro delimita as questões metodológicas. Acreditamos, entretanto, que alguns pressupostos são básicos e podem servir de referencial de discussão para os procedimentos de ensino. Entre eles podemos apontar:

1º- Os métodos são os meios de produção do saber. A sua prória escolha, entretanto, já interfere no significado do conteúdo. Eles podem ser utilizados a serviço da simples reprodução do saber como também da produção do conhecimento.

2º - O professor é quem conduz o processo ensino-aprendizagem. Isto não deve justificar, entretanto, o autoritarismo metodológico que conduz a se perceber o ensino como algo dissociado da apreandizagem.

3º- Procedimentos de ensino têm a função de atuarem como estímulo à aprendizagem do aluno. Portanto, é a adequação e variação no seu uso que quebram o ritual da sala de aula e estimulam o aluno à aprendizagem.

4º- Os métodos que pressupõem o diálogo e a intervenção do aluno favorecem a manutenção da atenção na sala de aula e dão condições ao professor de perceber a evolução da aprendizagem.

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5º- A metodologia que se faz com os alunos é diferente daquela que se faz para os alunos ou sobre os mesmos. Não estamos com isto afirmando que não haja condução da aula pelo professor, mas sim que é com os alunos, sujeitos da aprendizagem, que o conhecimento precisa ser socializado.

c) Relação Professor-Aluno

O terceiro ponto que gostaríamos de abordar e que tem muito a ver com os demais é a relação professor-aluno. O discurso do aluno sobre uma boa aula conduz à idéia do bom professor e, nesta, a questão do relacionamento é sempre significativa.

Alguns apectos, pois podem ser destacados:

1 - A aula é um lugar de interação entre pessoas e, portanto, um momento único de troca de ingluências. A relação professor-aluno no sistema formal é a parte da educação e insubstituível na sua natureza.

2 - O aluno espera ser reconhecido como pessoa e valoriza no professor as qualidades que os ligam afetivamente.

3 - Do professor se espera um papel que lhe é próprio. Isto não significa o desconhecimento ou o desprezo pelas condições do aluno.

4 - Idéias como as de honestidade, coragem, compromisso, responsabilidade e tantas outras importantes na educação se passam no cotidiano das relações professor-aluno. E quanto mais o professor é próximo do aluno mais influência ele tem sobre seu comportamento.

A abordagem destes três aspectos serviu de apoio para nossas reflexões sobre a prática pedagógica escolar, Entretanto vale perguntar:

Que alternativas teríamos para tornar mais competente o nosso processo ensino-aprendizagem no âmbito de sala de aula?

A preocupação com o assunto e a necessidade de pôr em prática alternativas encaminham-nos para a questão da construção do saber escolar com os próprios alunos.

Os Alunos e a Construção do Saber

Parece claro que qualquer tentativa de refazer a prática escolar dos professores precisa reconhecer que os problemas que emergem na sala de aula são contextualizados e extrapolam os limites de sua manifestação. Assim, seria ingênuo pensar que modificando esta prática resolveríamos todos os problemas da educação.

É fundamental porém que tentemos quebrar com o ciclo vicioso e reprodutivista procurando, com coragem e seriedade profissional, algumas respostas aos problemas que nos afligem. A sala de aula é o espaçco por excelência para o professor e o aluno refazerem o seu fazer pedagógico.

A alternativa que propomos, já explorada por outros autores, remete-se à tentativa de fazer os alunos participarem da produção do saber que se constrói na sala de aula,

Para isto podem ser tomados como referência os seguintes passos:

1 – Trabalhar com a problematização da realidade. Isto significa colocar à tona as questões maiores dos alunos e da sociedade e que podem ser relacionados com o conteúdo da matéria de ensino com a qual trabalhamos. Ao invés de apresentar um conhecimento pronto, acabado, fazê-los participar das situações de questionamento sobre os mesmos.

Isto pressupõe que o professor tenha também a sua possibilidade de inquietação e reconheça a relação faixa etária, história, possibilidades dos alunos e tenha fé na capacidade de crescimento dos seus discípulos. É preciso compreender que o que é problema para o aluno de 6ª série talvez não seja para um de Licenciatura. O que tem significado para crianças ou jovens da zona rural pode não ter para as que vivem nos aglomerados urbanos.

2 – Instrumentalizar, mesmo nos níveis mais simples, os alunos para trabalharem em pequenas investigações. Desenvolver a capacidade de observar as coisas, os fatos, de trabalhar com a incerteza, de organizar e interpretar dados, de compreender a não neutralidade da ciência de desenvolver uma atitude científica.

Estes conhecimentos e, especialmente estas atitudes, só se aprendem no exercício da própria ciência. A principal aprendizagem que aí se faz é uma aprendizagem de valores.

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3 – Refazer a nossa concepção da relação ensino e pesquisa. É necessário que o professor não queira ser somente um repetidor de conhecimentos ou conteúdos. Não se trata aqui de tentar reescrever a História ou deslocar do seu próprio eixo a Geografia. Nem de escrever uma nova gramática. Se trata sim de questionar o real, já que as possibilidades decorrentes são inúmeras, encaminhando a leitura do conhecimento organizado.

O importante é ensinar pesquisando e pesquisar ensinando. Há muitos dados nos próprios alunos que servem de ponto inicial para que possamos aprofundar o cohecimento. Por que não partir deles ?

O professor e o aluno possuem um ponto de partida comum que é a prática social. E, em geral, é o saber gerado na prática social que é relegado pela escola. Nossa proposta soma-se aos que advogam que este saber deve ser valorizado e contituir a matéria-prima do processo de ensino.

DA CUNHA, Maria Isabel. A Didática e a Produção do Conhecimento. In: Revista Técnica Educacional – RJ – V.17(82) Maio/Junho-1998.