A diferença entre uma escola e um depósito de de estudantes

1
Educação CADERNO DE FOLHA DIRIGIDA www.folhadirigida.com.br 19 a 25 de setembro de 2013 A diferença entre uma escola e um depósito de de estudantes Escritor, palestrante e mestre em Educação, o professor Wolmer Ricardo Tavares critica a visão de muitos pais e familiares que, ao relegarem a segundo plano o acompanhamento do ensino de seus filhos, mostram que veem uma escola apenas como um depósito de crianças Obviamente, há situações em que o pai ou a mãe esteja trabalhando, ou até mesmo os dois (o que é difícil), pois as reuniões são marcadas geralmente aos sábados para evitar tais problemas, mas mesmo quando essa ‘coincidência’ acontece, sequer eles se preocupam em enviar um representante para saber informações sobre seu filho, ou aparecem na escola em outra oportunidade para saber sobre o assunto tratado m muitas situações, já foi usada a associação de escolas a depósitos de crianças. Em geral, a referência é feita quando a instituição de ensino não possui as mínimas condições estruturais e de pessoal para realizar um trabalho pedagógico de qualidade. O mestre em Educação e Sociedade Wolmer Tavares, no entanto, adiciona outra referência a esta ideia: a de colégios onde os pais pouco se preocupam com o processo educacional dos alunos pelos quais são responsáveis e, como consequência, transferem esta responsabilidade para as instituições de ensino. “São quantos os pais que conhecem os professores de seus filhos? Estes mesmos pais sabem o que seus filhos estão estudando e como tem sido o comportamento deles na escola? Estes pais têm participado das reuniões oferecidas na escola? Já presenciei situ- ações em que pais perguntam quando começarão as aulas porque não conseguem mais aturar os filhos em casa”, ressalta o educador. Nesta entrevista, Wolmer Ricardo Tavares, que também é palestrante, escritor e autor dos livros “Escola não é depósito de crianças” e “Gestão Pedagógica - gerindo escolas para a cidadania crítica”, ambos pela Wak Editora, fala sobre temas como falta de in- vestimentos na educação, desvalorização do magistério, má qualidade do ensino nas redes pública e privada, entre outros assuntos. E FOLHA DIRIGIDA - O SENHOR LANÇOU UM LIVRO INTITULADO “ESCOLA NÃO É DEPÓSITO DE CRIANÇAS”. POR QUE ACREDITA QUE NOSSAS ESCOLAS TÊM SIDO VISTAS DESTA FORMA? Wolmer Ricardo Tavares — Porque a família tem deixado suas crianças à revelia nas es- colas públicas e privadas, se omitindo de suas funções e obrigações. E, com isso, a es- cola assumiu a função da fa- mília e esta passou a ter um papel mais tímido e omisso no dever de educar, esquecendo- se que ela é a base de toda a nossa formação e também do nosso caráter. EM GERAL, QUANDO SE FALA NA ESCOLA COMO DEPÓSITO DE CRIANÇAS, É COMUM FAZER UMA ASSOCIAÇÃO A AMBIENTES COM PÉSSIMA INFRAESTRUTURA. MAS, NO SEU CASO, A REFERÊN- CIA FOI RELACIONADA À POSTU- RA DAS FAMÍLIAS. POR QUE? ELAS, EM GERAL, NÃO TÊM DE- MONSTRADO COMPREENDER O PAPEL QUE UMA BOA EDUCAÇÃO TEM PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CRIANÇA OU JOVEM? Para este caso, se aplica mais na postura das famílias. Elas andam “ocupadas” demais com outros afazeres que não sejam o de educar, e passam a exigir essa responsabilidade da escola. São quantos os pais que conhecem os professores de seus filhos? Estes mesmos pais sabem o que seus filhos estão estudando e como tem sido o comportamento deles na escola? Estes pais têm par- ticipado das reuniões ofereci- das na escola? Já presenciei si- tuações em que pais pergun- tam quando começarão as aulas porque não conseguem mais aturar os filhos em casa. Eles não conseguem ter um re- lacionamento harmonioso ou aproveitar o momento para uma melhor socialização. COMO É TRATADO O PROFES- SOR NAS ESCOLAS QUE SÃO VERDADEIROS DEPÓSITOS DE CRIANÇAS? Com muitas cobranças. Ele passa a ser o responsável por essa “educação” não formal, na qual seria obrigação da famí- lia. As cobranças são tantas que se analisarmos o índice de ab- senteísmo do educador, perce- beremos que ele é bem eleva- do e isso tudo é fruto de um estresse profissional, causado por excesso de trabalho com muitos projetos estéreis e fal- ta de atenção quanto a classe. É COMUM OUVIR ARGUMENTOS CONTRÁRIOS ÀS GREVES PELO FATO DE ATRAPALHAREM A VIDA DOS PAIS, QUE, DESTA FORMA, NÃO TÊM COM QUEM DEIXAR OS FILHOS PARA IREM TRABALHAR OU CUMPRIR OUTRAS OBRIGA- ÇÕES. COMO AVALIA ESTE TIPO DE VISÃO? Uma visão muito egoísta, pois se este movimento tivesse re- almente o apoio dos pais, al- guns problemas seriam sana- dos. Precisamos perceber que a família deve agir em parce- ria com as escolas e se elas apoiassem mesmo os educado- res, a pressão diante do gover- no seria maior, e obviamente, o resultado mais rápido. QUE PERFIL TERIA, NA SUA OPI- NIÃO, UMA ESCOLA QUE NÃO POSSA SER CONSIDERADA UM DEPÓSITO DE CRIANÇAS? Uma escola aberta à comuni- dade e que esta se envolvesse na educação de seus jovens e fos- se corresponsável por essa edu- cação. Estas escola deveria tam- bém ser um ambiente em que os pais pudessem trabalhar em total parceria com a instituição, acompanhando as atividades de seus filhos, cobrando quando fosse necessário, participando dos eventos oferecidos e tendo um maior acompanhamento quanto ao conteúdo ministra- do pelos professores e conse- quentemente ao rendimento de seu filho. O SENHOR PROCURA, NO LIVRO, DISCUTIR A PARTICIPAÇÃO DAS FAMÍLIAS NA VIDA DAS CRIAN- ÇAS. QUAL O PAPEL DOS PAIS NO PROCESSO EDUCACIONAL? Os pais ocupam o papel mais importante na educação. Não adianta uma escola ministrar conteúdos relevantes se o edu- cando não tiver uma boa refe- rência em seu lar. Como falar sobre ética se os próprios pais não são exemplos vivos disso? Este é apenas um simples exemplo. Faço minha as falas de Durval e Miller quando afir- mam ser a família geradora de afeto, proporcionadora de se- gurança e aceitação pessoal. Nela se encontra a satisfação e sentimento de utilidade o que proporcionará estabilidade e socialização, além do senti- mento do que é correto. Todo educador sabe que o apoio da família é imprescindível para um bom desempenho escolar. POR QUE OS PAIS TÊM ESTADO CADA VEZ MAIS DISTANTES DA EDUCAÇÃO DOS FILHOS? É UMA QUESTÃO DE ATRIBULA- ÇÃO DO COTIDIANO OU AS ES- COLAS NÃO SABEM COMO ATRAIR A PARTICIPAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS? Talvez porque seja cômodo para eles. Em encontros de que par- ticipo em escolas, ministrando palestras, observo que são jus- tamente os pais dos alunos me- nos problemáticos que apare- cem. Obviamente, há situações em que o pai ou a mãe esteja trabalhando, ou até mesmo os dois (o que é difícil), pois as reuniões são marcadas geral- mente aos sábados para evitar tais problemas, mas mesmo quando essa “coincidência” acontece, sequer eles se preo- cupam em enviar um represen- tante para saber informações so- bre seu filho, ou aparecem na escola em outra oportunidade para saber sobre o assunto tra- tado. Tenho acompanhado os esforços que algumas institui- ções fazem para aproximar os pais em seus eventos, mas muitas se sentem frustradas com o resultado. Em algumas situações, as escolas começam a ficar desanimadas em ofere- cer alguns eventos aos pais de- vido à baixa participação. UM DOS TEMAS QUE O SENHOR ABORDA NO LIVRO É O QUE CHA- MA DE BURACO NEGRO DA EDU- CAÇÃO PÚBLICA. POR QUE O SE- NHOR USA ESTE TERMO AO FA- ZER REFERÊNCIA AO ENSINO MANTIDO PELOS GOVERNOS? Recentemente, em setembro de 2011, foi divulgado no por- tal da educação uma pesquisa que entre 100 escolas que tive- ram uma melhor avaliação, apenas 13% eram públicas, e a grande maioria desse percen- tual está ligada a universidades federais. Ou seja, não é uma escola pública qualquer. O buraco negro tem um empu- xo gravitacional de grande for- ça, e o sistema educacional tem sido comparado com esse bu- raco negro. Ele não forma um cidadão crítico, consciente, proativo. Estamos formando uma massa para manobra. Es- tamos formando um público idiotizado. Podemos perceber o que estou falando quando ve- mos notícias de um penúltimo lugar no ranking mundial de educação de acordo com a Economist Intelligence Unit (EIU) e publicado pela Pearson. Ou uma 57ª posição em uma lista de 65 países de acordo como Portal da Educação (Pisa 2009). Procuro me ater aos fa- tos. E não precisamos nos prender a essas avaliações, basta olharmos a atual situa- ção política em que nos encon- tramos. Nossos representan- tes são na maioria corruptos e corruptores. Isso simples- mente retrata a realidade da educação que recebemos. O político necessita de pessoas alienadas que ajam como ga- dos de manobra e que sirvam de depositário de votos. Uma educação de qualidade, com profissionais dedicados e motivados, não seria agradá- vel politicamente. A SEU VER, QUAIS OS PRINCI - PAIS PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO PAÍS? A falta de valorização do profis- sional. Um bom salário jamais poderia ser ignorado (o que tem sido). Outro agravante é a falta de reconhecimento. Hoje ser professor é uma profissão sem status, sem representatividade, menosprezada pela sociedade e completamente ignorada pelos políticos. A falta de reconheci- mento é tão gritante que em uma cidade do interior de São Paulo um vereador disse que “os professores são inúteis”, outro exemplo foi de um governador em Minas Gerais que disse que as professoras “eram mal ama- das e mal resolvidas”. A motiva- ção como se sabe não foca ape- nas o salário, mas a qualidade de vida, incentivos, ambientes de trabalho, política interna e externa, liderança dentre outras variáveis que nem sempre são contempladas. O SENHOR TAMBÉM ABORDA A NECESSIDADE DO USO DA TEC- NOLOGIA DA INFORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITI- VO E NÃO EMBURRECIMENTO DOS EDUCANDOS. O SENHOR ACHA QUE, DA FORMA COMO AS ESCOLAS TRABALHAM HOJE EM DIA COM A TECNOLOGIA, ELAS DESENVOLVEM OU EMBURRE- CEMOS ALUNOS? POR QUE? Poucos são os professores que conseguem explorar de manei- ra positiva esta seara. Não há um preparo do aluno quanto à pesquisa, aliás, eles não sa- bem sequer o que é pesquisar. Acham que pesquisar é sim- plesmente entrar em um site e copiar o seu conteúdo (ctrl + c) (ctrl + v). Com isso, aca- bamos fazendo apologia ao plágio, um dos maiores pro- blemas encontrados na edu- cação. Eu particularmente já presenciei “pedagogos” fazen- do cópias de alguns conteúdos em seus trabalhos. Banaliza- mos as pesquisas. Não damos mais os devidos créditos a cu- riosidade dos alunos. Não ins- tigamos nossos estudantes a questionarem, a pesquisarem. Faço minha as palavras de Freire quando dizia “pesqui- so para constatar, constatan- do, intervenho, intervindo me educo e educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço”. Hoje não pesquisa- mos, apenas copiamos. O SENHOR TAMBÉM ABORDA O CASO DA ESCOLA MUNICIPAL JAIR NORONHA, QUE SAIU DA CONDIÇÃO DE ESCOLA CASTI- GOE PASSOU A SER ESCOLA MODELO”. PODE NOS FALAR SO- BRE ESSE CASO. POR QUE ELA ERA UMA ESCOLA CASTIGO”? Porque era desvalorizada pelas administrações anteriores e ser- via como “escola castigo” para os funcionários e professores que, por algum motivo, contra- riassem ou desagradassem os detentores do poder da época. Era uma escola rural conhecida como Escola Rural dos Moi- nhos e teve suas atividades ini- ciadas em 1971. Pelo Decreto Municipal 09/75 passou a deno- minar Escola Municipal Jair Noronha. Ela é situada em uma região periférica da cidade e era desacreditada pela comunidade. Em consequência disso, a esco- la tinha educadores desmotiva- dos; educandos com péssimos resultados; o índice de evasão e distorção idade/série era gritan- te; havia pouco interesse dos alunos pelos estudos, baixa au- toestima e problemas constan- tes de indisciplina, violência e vandalismo no ambiente esco- lar, além de falta de participação das famílias, que não tinham condições de incentivar o con- tato com informações visuais, culturais e intelectuais. O QUE FEZ COM QUE A ESCOLA MUNICIPAL JAIR NORONHA SE TORNASSE, COMO O SENHOR DISSE, UMA ESCOLA MODELO”? Uma boa gestão, profissionais dedicados, famílias compro- metidas com a educação. É uma escola que teve muitos reveses, como qualquer outra escola, mas a diferença está em como estes foram enfrentados. Era uma escola estigmatizada e hoje ela é uma acumuladora de prêmios e com o árduo tra- balho da gestora e dos demais envolvidos conseguiram recu- perar a dignidade tanto dos educandos quanto dos profis- sionais, o que infelizmente se torna um caso atípico em se tratando de educação pública. ARQUIVO PESSOAL

Transcript of A diferença entre uma escola e um depósito de de estudantes

Page 1: A diferença entre uma escola e um depósito de de estudantes

EducaçãoCADE

RNO

DE FOLHA DIRIGIDA

www.folhadirigida.com.br19 a 25 de setembro de 2013

A diferençaentre uma escolae um depósito de de estudantes

Escritor, palestrante e mestre em Educação, o professor Wolmer Ricardo Tavares critica a visão demuitos pais e familiares que, ao relegarem a segundo plano o acompanhamento do ensino de seus

filhos, mostram que veem uma escola apenas como um depósito de crianças

Obviamente, hásituações em que opai ou a mãe estejatrabalhando, ou atémesmo os dois (oque é difícil), poisas reuniões sãomarcadasgeralmente aossábados para evitartais problemas, masmesmo quandoessa ‘coincidência’acontece, sequereles se preocupamem enviar umrepresentante parasaber informaçõessobre seu filho, ouaparecem na escolaem outraoportunidade parasaber sobre oassunto tratado

m muitas situações, já foi usada a associação de escolas a depósitos de crianças. Em geral,a referência é feita quando a instituição de ensino não possui as mínimas condiçõesestruturais e de pessoal para realizar um trabalho pedagógico de qualidade. O mestre emEducação e Sociedade Wolmer Tavares, no entanto, adiciona outra referência a esta ideia:a de colégios onde os pais pouco se preocupam com o processo educacional dos alunospelos quais são responsáveis e, como consequência, transferem esta responsabilidadepara as instituições de ensino.

“São quantos os pais que conhecem os professores de seus filhos? Estes mesmos paissabem o que seus filhos estão estudando e como tem sido o comportamento deles naescola? Estes pais têm participado das reuniões oferecidas na escola? Já presenciei situ-ações em que pais perguntam quando começarão as aulas porque não conseguem maisaturar os filhos em casa”, ressalta o educador.

Nesta entrevista, Wolmer Ricardo Tavares, que também é palestrante, escritor e autordos livros “Escola não é depósito de crianças” e “Gestão Pedagógica - gerindo escolaspara a cidadania crítica”, ambos pela Wak Editora, fala sobre temas como falta de in-vestimentos na educação, desvalorização do magistério, má qualidade do ensino nasredes pública e privada, entre outros assuntos.

E

FOLHA DIRIGIDA - O SENHORLANÇOU UM LIVRO INTITULADO“ESCOLA NÃO É DEPÓSITO DECRIANÇAS”. POR QUE ACREDITAQUE NOSSAS ESCOLAS TÊM SIDOVISTAS DESTA FORMA?Wolmer Ricardo Tavares —Porque a família tem deixadosuas crianças à revelia nas es-colas públicas e privadas, seomitindo de suas funções eobrigações. E, com isso, a es-cola assumiu a função da fa-mília e esta passou a ter umpapel mais tímido e omisso nodever de educar, esquecendo-se que ela é a base de toda anossa formação e também donosso caráter.

EM GERAL, QUANDO SE FALA NAESCOLA COMO DEPÓSITO DECRIANÇAS, É COMUM FAZER UMAASSOCIAÇÃO A AMBIENTES COMPÉSSIMA INFRAESTRUTURA.MAS, NO SEU CASO, A REFERÊN-CIA FOI RELACIONADA À POSTU-RA DAS FAMÍLIAS. POR QUE?ELAS, EM GERAL, NÃO TÊM DE-MONSTRADO COMPREENDER OPAPEL QUE UMA BOA EDUCAÇÃOTEM PARA O DESENVOLVIMENTODE UMA CRIANÇA OU JOVEM?Para este caso, se aplica maisna postura das famílias. Elasandam “ocupadas” demaiscom outros afazeres que nãosejam o de educar, e passam aexigir essa responsabilidadeda escola. São quantos os paisque conhecem os professoresde seus filhos? Estes mesmospais sabem o que seus filhosestão estudando e como temsido o comportamento delesna escola? Estes pais têm par-ticipado das reuniões ofereci-das na escola? Já presenciei si-tuações em que pais pergun-tam quando começarão asaulas porque não conseguemmais aturar os filhos em casa.Eles não conseguem ter um re-lacionamento harmonioso ouaproveitar o momento parauma melhor socialização.

COMO É TRATADO O PROFES-SOR NAS ESCOLAS QUE SÃOVERDADEIROS DEPÓSITOS DECRIANÇAS?Com muitas cobranças. Elepassa a ser o responsável poressa “educação” não formal, naqual seria obrigação da famí-lia. As cobranças são tantas que

se analisarmos o índice de ab-senteísmo do educador, perce-beremos que ele é bem eleva-do e isso tudo é fruto de umestresse profissional, causadopor excesso de trabalho commuitos projetos estéreis e fal-ta de atenção quanto a classe.

É COMUM OUVIR ARGUMENTOSCONTRÁRIOS ÀS GREVES PELOFATO DE ATRAPALHAREM A VIDADOS PAIS, QUE, DESTA FORMA,NÃO TÊM COM QUEM DEIXAR OSFILHOS PARA IREM TRABALHAROU CUMPRIR OUTRAS OBRIGA-ÇÕES. COMO AVALIA ESTE TIPODE VISÃO?Uma visão muito egoísta, poisse este movimento tivesse re-almente o apoio dos pais, al-guns problemas seriam sana-dos. Precisamos perceber quea família deve agir em parce-ria com as escolas e se elasapoiassem mesmo os educado-res, a pressão diante do gover-no seria maior, e obviamente,o resultado mais rápido.

QUE PERFIL TERIA, NA SUA OPI-NIÃO, UMA ESCOLA QUE NÃOPOSSA SER CONSIDERADA UMDEPÓSITO DE CRIANÇAS?Uma escola aberta à comuni-dade e que esta se envolvesse naeducação de seus jovens e fos-se corresponsável por essa edu-cação. Estas escola deveria tam-bém ser um ambiente em queos pais pudessem trabalhar emtotal parceria com a instituição,acompanhando as atividades deseus filhos, cobrando quandofosse necessário, participandodos eventos oferecidos e tendoum maior acompanhamentoquanto ao conteúdo ministra-do pelos professores e conse-quentemente ao rendimentode seu filho.

O SENHOR PROCURA, NO LIVRO,DISCUTIR A PARTICIPAÇÃO DASFAMÍLIAS NA VIDA DAS CRIAN-ÇAS. QUAL O PAPEL DOS PAISNO PROCESSO EDUCACIONAL?Os pais ocupam o papel maisimportante na educação. Nãoadianta uma escola ministrarconteúdos relevantes se o edu-cando não tiver uma boa refe-rência em seu lar. Como falarsobre ética se os próprios paisnão são exemplos vivos disso?Este é apenas um simples

exemplo. Faço minha as falasde Durval e Miller quando afir-mam ser a família geradora deafeto, proporcionadora de se-gurança e aceitação pessoal.Nela se encontra a satisfaçãoe sentimento de utilidade o queproporcionará estabilidade esocialização, além do senti-mento do que é correto. Todoeducador sabe que o apoio dafamília é imprescindível paraum bom desempenho escolar.

POR QUE OS PAIS TÊM ESTADOCADA VEZ MAIS DISTANTES DAEDUCAÇÃO DOS FILHOS? É SÓUMA QUESTÃO DE ATRIBULA-ÇÃO DO COTIDIANO OU AS ES-COLAS NÃO SABEM COMOATRAIR A PARTICIPAÇÃO DOSRESPONSÁVEIS?Talvez porque seja cômodo paraeles. Em encontros de que par-ticipo em escolas, ministrandopalestras, observo que são jus-tamente os pais dos alunos me-nos problemáticos que apare-cem. Obviamente, há situaçõesem que o pai ou a mãe estejatrabalhando, ou até mesmo osdois (o que é difícil), pois asreuniões são marcadas geral-mente aos sábados para evitartais problemas, mas mesmoquando essa “coincidência”acontece, sequer eles se preo-cupam em enviar um represen-tante para saber informações so-bre seu filho, ou aparecem naescola em outra oportunidadepara saber sobre o assunto tra-tado. Tenho acompanhado osesforços que algumas institui-ções fazem para aproximar ospais em seus eventos, masmuitas se sentem frustradascom o resultado. Em algumassituações, as escolas começama ficar desanimadas em ofere-cer alguns eventos aos pais de-vido à baixa participação.

UM DOS TEMAS QUE O SENHORABORDA NO LIVRO É O QUE CHA-MA DE BURACO NEGRO DA EDU-CAÇÃO PÚBLICA. POR QUE O SE-NHOR USA ESTE TERMO AO FA-ZER REFERÊNCIA AO ENSINOMANTIDO PELOS GOVERNOS?Recentemente, em setembrode 2011, foi divulgado no por-tal da educação uma pesquisaque entre 100 escolas que tive-ram uma melhor avaliação,apenas 13% eram públicas, e

a grande maioria desse percen-tual está ligada a universidadesfederais. Ou seja, não é umaescola pública qualquer. Oburaco negro tem um empu-xo gravitacional de grande for-ça, e o sistema educacional temsido comparado com esse bu-raco negro. Ele não forma umcidadão crítico, consciente,proativo. Estamos formandouma massa para manobra. Es-tamos formando um públicoidiotizado. Podemos percebero que estou falando quando ve-mos notícias de um penúltimolugar no ranking mundial deeducação de acordo com aEconomist Intelligence Unit(EIU) e publicado pela Pearson.Ou uma 57ª posição em umalista de 65 países de acordocomo Portal da Educação (Pisa2009). Procuro me ater aos fa-tos. E não precisamos nosprender a essas avaliações,basta olharmos a atual situa-ção política em que nos encon-tramos. Nossos representan-tes são na maioria corruptose corruptores. Isso simples-mente retrata a realidade daeducação que recebemos. Opolítico necessita de pessoasalienadas que ajam como ga-dos de manobra e que sirvamde depositário de votos. Umaeducação de qualidade, comprofissionais dedicados emotivados, não seria agradá-vel politicamente.

A SEU VER, QUAIS OS PRINCI-PAIS PROBLEMAS DA EDUCAÇÃOPÚBLICA NO PAÍS?A falta de valorização do profis-sional. Um bom salário jamaispoderia ser ignorado (o que temsido). Outro agravante é a faltade reconhecimento. Hoje serprofessor é uma profissão semstatus, sem representatividade,menosprezada pela sociedade ecompletamente ignorada pelospolíticos. A falta de reconheci-mento é tão gritante que emuma cidade do interior de SãoPaulo um vereador disse que “osprofessores são inúteis”, outroexemplo foi de um governadorem Minas Gerais que disse queas professoras “eram mal ama-das e mal resolvidas”. A motiva-ção como se sabe não foca ape-nas o salário, mas a qualidadede vida, incentivos, ambientesde trabalho, política interna eexterna, liderança dentre outrasvariáveis que nem sempre sãocontempladas.

O SENHOR TAMBÉM ABORDA ANECESSIDADE DO USO DA TEC-NOLOGIA DA INFORMAÇÃO PARAO DESENVOLVIMENTO COGNITI-VO E NÃO EMBURRECIMENTODOS EDUCANDOS. O SENHORACHA QUE, DA FORMA COMO ASESCOLAS TRABALHAM HOJE EMDIA COM A TECNOLOGIA, ELASDESENVOLVEM OU “EMBURRE-CEM” OS ALUNOS? POR QUE?Poucos são os professores queconseguem explorar de manei-ra positiva esta seara. Não háum preparo do aluno quantoà pesquisa, aliás, eles não sa-

bem sequer o que é pesquisar.Acham que pesquisar é sim-plesmente entrar em um sitee copiar o seu conteúdo (ctrl+ c) (ctrl + v). Com isso, aca-bamos fazendo apologia aoplágio, um dos maiores pro-blemas encontrados na edu-cação. Eu particularmente jápresenciei “pedagogos” fazen-do cópias de alguns conteúdosem seus trabalhos. Banaliza-mos as pesquisas. Não damosmais os devidos créditos a cu-riosidade dos alunos. Não ins-tigamos nossos estudantes aquestionarem, a pesquisarem.Faço minha as palavras deFreire quando dizia “pesqui-so para constatar, constatan-do, intervenho, intervindo meeduco e educo. Pesquiso paraconhecer o que ainda nãoconheço”. Hoje não pesquisa-mos, apenas copiamos.

O SENHOR TAMBÉM ABORDA OCASO DA ESCOLA MUNICIPALJAIR NORONHA, QUE SAIU DACONDIÇÃO DE “ESCOLA CASTI-GO” E PASSOU A SER “ESCOLAMODELO”. PODE NOS FALAR SO-BRE ESSE CASO. POR QUE ELAERA UMA “ESCOLA CASTIGO”?Porque era desvalorizada pelasadministrações anteriores e ser-via como “escola castigo” paraos funcionários e professoresque, por algum motivo, contra-riassem ou desagradassem osdetentores do poder da época. Erauma escola rural conhecidacomo Escola Rural dos Moi-nhos e teve suas atividades ini-ciadas em 1971. Pelo DecretoMunicipal 09/75 passou a deno-minar Escola Municipal JairNoronha. Ela é situada em umaregião periférica da cidade e eradesacreditada pela comunidade.Em consequência disso, a esco-la tinha educadores desmotiva-dos; educandos com péssimosresultados; o índice de evasão edistorção idade/série era gritan-te; havia pouco interesse dosalunos pelos estudos, baixa au-toestima e problemas constan-tes de indisciplina, violência evandalismo no ambiente esco-lar, além de falta de participaçãodas famílias, que não tinhamcondições de incentivar o con-tato com informações visuais,culturais e intelectuais.

O QUE FEZ COM QUE A ESCOLAMUNICIPAL JAIR NORONHA SETORNASSE, COMO O SENHORDISSE, UMA “ESCOLA MODELO”?Uma boa gestão, profissionaisdedicados, famílias compro-metidas com a educação. Éuma escola que teve muitosreveses, como qualquer outraescola, mas a diferença está emcomo estes foram enfrentados.Era uma escola estigmatizadae hoje ela é uma acumuladorade prêmios e com o árduo tra-balho da gestora e dos demaisenvolvidos conseguiram recu-perar a dignidade tanto doseducandos quanto dos profis-sionais, o que infelizmente setorna um caso atípico em setratando de educação pública.

ARQUIVO PESSOAL