Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de...

20
Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci Aula 1: Linguagens, leituras e textos Neste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos. Veremos ainda algumas pistas para interpretação dos efeitos de sentido dos textos. Para a compreensão de um texto, é preciso considerar que: O texto pode ser produzido através de recursos expressivos variados. Estudá-lo passa por conhecer os gêneros. Todo texto é dirigido a um interlocutor. Todo texto produz efeitos de sentidos. Observe: I: DEMOCRACIA Era uma democracia? O noticiário da TV mostrava tudo – mas só o que o dono da emissora queria. (Carlos Seabra) II: Todos iguais No dia vinte e oito de julho de 2005, às sete e trinta e cinco da manhã, Júlio Benites da Silva, 13 anos, ia para a escola quando caiu vítima de uma bala perdida. Às sete e vinte e dois, tinha saído de casa sem dizer para sua mãe o quanto gostava dela (porque não costumava mesmo fazê-lo e também porque andavam meio brigados). Às três e quarenta da madrugada, sonhava com Maria Alice, igualzinho aos que têm futuro. (em Adeus conto de fadas, 7 Letras, 2006) III 1

Transcript of Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de...

Page 1: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

Aula 1: Linguagens, leituras e textos

Neste primeiro encontro com o programa da disciplina,

analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos

podem ser produzidos. Veremos ainda algumas pistas para interpretação dos

efeitos de sentido dos textos.

Para a compreensão de um texto, é preciso considerar que:

O texto pode ser produzido através de recursos expressivos variados. Estudá-lo passa por conhecer os gêneros. Todo texto é dirigido a um interlocutor. Todo texto produz efeitos de sentidos.

Observe:I: DEMOCRACIAEra uma democracia? O noticiário da TV mostrava tudo – mas só o que o dono da

emissora queria. (Carlos Seabra)

II: Todos iguais

No dia vinte e oito de julho de 2005, às sete e trinta e cinco da manhã, Júlio Benites da Silva, 13 anos, ia para a escola quando caiu vítima de uma bala perdida. Às sete e vinte e dois, tinha saído de casa sem dizer para sua mãe o quanto gostava dela (porque não costumava mesmo fazê-lo e também porque andavam meio brigados). Às três e quarenta da madrugada, sonhava com Maria Alice, igualzinho aos que têm futuro. (em Adeus conto de fadas, 7 Letras, 2006)

III

Poema tirado de uma notícia de jornal  

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem númeroUma noite ele chegou no bar Vinte de NovembroBebeuCantouDançouDepois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

1

Page 2: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

III:

2

Page 3: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

(Fonte: http://revistapiaui.estadao.com.br/materia/o-plano-temer/ Acesso em

20/02/2016)

IV

3

Page 4: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

(Fonte: http://www.chargeonline.com.br/Acesso em 20/02/2016.)

V

(Sebastião Salgado.) A Luta pela terra: os ícones da vitória.1. Avalie se os itens de I a V são textos. Justifique.

2. Considerando que ler é antecipar os conteúdos desconhecidos a partir dos conhecidos, reflita sobre o tema dos textos III e V. Desenvolva, em seu caderno, um

comentário interpretativo comparando os textos.

4

Page 5: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

3. Observe o item V. Desenvolva um parágrafo que transforme o poema na notícia..

4. Explique como o texto VI produz efeito de humor. Mencione marcas do texto que

comprovem sua posição.

Fechando algumas definições para leitura e texto...VII

Ler o mundo (Affonso Rommano de Sant’anna)

Tudo é leitura. Tudo é decifração. Ou não.Ou não, porque nem sempre deciframos os sinais à nossa frente. Ainda agora os jornais estão repetindo, a propósito das recentes eleições, “que é preciso entender o recado das urnas”. Ou seja: as urnas falam, emitem mensagens. Cartola - o sambista- dizia “as rosas não falam, as rosas apenas exalam o perfume que roubam de ti”. Perfumes falam. E as urnas exalaram um cheiro estranho. O presidente diz que seu partido precisa tomar banho de “cheiro de povo”. E enquanto repousava nesses feriados e tomava banho em nossas águas, ele tirou várias fotos com cheiro de povo.

Paixão de ler. Ler a paixão.Como ler a paixão se a paixão é quem nos lê? Sim, a paixão é quando nossos inconscientes pergaminhos sofrem um desletrado terremoto. Na paixão somos lidos à nossa revelia .O corpo é um texto. Há que saber interpretá-lo. Alguns corpos, no entanto, vêm em forma de hieroglifo, dificílimos. Ou, a incompetência é nossa, iletrados diante deles?

Quantas são as letras do alfabeto do corpo amado? Como soletrá-lo? Como sabê-lo na ponta da língua? Tem 24 letras? Quantas letras estranhas, estrangeiras nesse corpo? Como achar o ponto G na cartilha de um corpo? Quantas novas letras podem ser incorporadas nesta interminável e amorosa alfabetização? Movido pelo amor, pela paixão pode o corpo falar idiomas que antes desconhecia.

O médico até que se parece com o amante. Ele também lê o corpo. Vem daí a semiologia. Ciência da leitura dos sinais. Dos sintomas. Daí partiu Freud, para ler o interior, o invisível texto estampado no inconsciente. Então, os lacanianos todos se deliciaram jogando com as letras - a letra do corpo, o corpo da letra.

Diz-se que Marx pretendeu ler o inconsciente da história e descobrir os mecanismos que nela estavam escritos/inscritos. Portanto, um economista também lê a sociedade. Os empresários e executivos, por sua vez, se acostumaram a falar de "qualidade total". Mas seria mais apropriado falar de "leitura total". Só uma leitura não parcial, não esquizofrênica do real pode nos ajudar na produtividade dos significados. Por isto, é legítimo e instigante falar não apenas de uma "leitura da economia", mas de algo novo e provocador: a "economia da leitura".

Não é só quem lê um livro, que lê.Um paisagista lê a vida de maneira florida e sombreada. Fazer um jardim é reler o mundo, reordenar o texto natural. A paisagem, digamos, pode ter "sotaque", assim

5

Page 6: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

como tem sabor e cheiro. Por isto se fala de um jardim italiano, de um jardim francês, de um jardim inglês. E quando os jardineiros barrocos instalavam assombrosas grutas e jorros d’água entre seus canteiros estavam saudando as elipses do mistério nos extremos que são a pedra e a água, o movimento e a eternidade.

O urbanista e o arquiteto igualmente escrevem, melhor dito, inscrevem, um texto na prancheta da realidade. Traçados de avenidas podem ser absolutistas, militaristas, e o risco das ruas pode ser democrático dando expressividade às comunidades.Tudo é texto. Tudo é narração.

O astrônomo lê o céu, lê a epopeia das estrelas. Ora, direis, ouvir & ler estrelas. Que estórias sublimes, suculentas, na Via Láctea. O físico lê o caos. Que epopéias o geógrafo lê nas camadas acumuladas num simples terreno. Um desfile de carnaval, por exemplo, é um texto. Por isto se fala de “samba enredo”. Enredo além da história pátria referida. A disposição das alas, as fantasias, a bateria, a comissão de frente são formas narrativas.

Uma partida de futebol é uma forma narrativa. Saber ler uma partida - este o mérito do locutor esportivo, na verdade, um leitor esportivo. Ele, como o técnico, vê coisas no texto em jogo, que só depois de lidas por ele, por nós são percebidas. Ler, então, é um jogo. Uma disputa, uma conquista de significados entre o texto e o leitor.

Paulinho da Viola dizia: "As coisas estão no mundo eu é que preciso aprender”. Um arqueólogo lê nas ruínas a história antiga.Não é só Scheherazade que conta estórias. Um espetáculo de dança é narração. Uma exposição de artes plásticas é narração. Tudo é narração. Até o quadro “Branco sobre o branco” de Malevich conta uma estória.

Aparentemente ler jornal é coisa simples. Não é. A forma como o jornal é feita, a diagramação, a escolha dos títulos, das fotos e ilustrações são já um discurso. E sobre isto se poderia aplicar o que Umberto Eco disse sobre o “Finnegans Wake” de James Joyce: “o primeiro discurso que uma obra faz o faz através da forma como é feita”.

Estamos com vários problemas de leitura hoje. Construimos sofisticadíssimos aparelhos que sabem ler. Eles nos lêem. Nos lêem, às vezes, melhor que nós mesmos. E mais: nós é que não os sabemos ler. Isto se dá não apenas com os objetos eletrônicos em casa ou com os aparelhos capazes de dizer há quantos milhões de anos viveu certa bactéria. Situação paradoxal: não sabemos ler os aparelhos que nos lêem. Analfabetismo tecnológico.

A gente vive falando mal do analfabeto. Mas o analfabeto também lê o mundo. Às vezes, sabiamente. Em nossa arrogância o desclassificamos . Mas Levi-Strauss ousou dizer que algumas sociedades iletradas eram ética e esteticamente muito sofisticadas. E penso que analfabeto é também aquele que a sociedade letrada refugou. De resto, hoje na sociedade eletrônica, quem não é de algum modo analfabeto?

Vi na fazenda de um amigo aparelhos eletrônicos, que ao tirarem leite da vaca, são capazes de ler tudo sobre a qualidade do leite, da vaca , e até (imagino) lerem o pensamento de quem está assistindo à cena. Aparelhos sofisticadíssimos lêem o mundo e nos dão recados. A camada de ozônio está berrando um S.O.S., mas os chefes de governo, acovardados, tapam (economicamente) o ouvido. A natureza está dizendo que a água, além de infecta, está acabando. Lemos a notícia e postergamos a tragédia para nossos netos.

6

Page 7: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

É preciso ler, interpretar e fazer alguma coisa com a interpretação. Feiticeiros e profetas liam mensagens nas vísceras dos animais sacrificados e paredes dos palácios. Cartomantes lêem no baralho, copo d’água, búzios.Tudo é leitura. Tudo é decifração.Ler é uma forma de escrever com mão alheia.

Minha vida daria um romance? Daria, se bem contado. Bem escrevê-lo são artes da narração. Mas só escreve bem, quem ao escrever sobre si mesmo, lê o mundo também.

4. Após a leitura do texto acima, em grupo, construa dois conceitos: um para leitura, outro para texto. Registre-os em seu caderno.

TEXTO VIII:

Os estudiosos mais recentes consideram o texto como uma forma de interação entre texto e leitor.

Reflita: até então, ao ler os textos acima, você pode:

1. prever sentidos possíveis sobre eles? 2. verificar se as previsões eram adequadas? 3. inferir efeitos de sentidos a partir do exposto? 4.construir os sentidos possíveis dos textos?

Linguagem é a capacidade humana de articular conhecimentos e compartilhá-los socialmente. Assim, todo e qualquer processo humano capaz de expressar e compartilhar significação constitui linguagens: tirar fotos, pintar quadros, produzir textos e músicas, escrever jornal, dançar, etc. As linguagens fazem parte das diversas formas de expressão representadas pelas artes visuais, pela música, pela expressão corporal e pela escrita. A linguagem, portanto, nomeia, fixa e concebe objetos, utiliza conceitos e tem por uma das funções permitir a comunicação.

Linguagens verbal, não verbal e mista

Tomando como base a produção dos textos acima, verificamos que os autores optaram por empregar linguagens diferentes como ilustração, fotografia (linguagem não verbal) e palavra (linguagem verbal), respectivamente. Há ainda a possibilidade de expressão por meio da palavra associada à imagem ou outro meio de expressão (Linguagem mista). Através da linguagem escolhida, todos foram capazes de produzir sentidos.

A palavra comunicação deriva do latim communicare, cujo significado seria “tornar comum”, “partilhar”, “repartir”, “trocar opiniões”, “estar em relação com”. Comunicação: “comum” + “ação”, ou melhor, “ação em comum”.Somos todos seres de linguagem. Nascemos imersos em um universo de linguagens, de trocas comunicativas, e nos comunicamos através das formas de linguagem existentes. Antes de entrarmos no mundo da escrita, estamos imersos no mundo da linguagem e da diversidade de formas que o ser humano, ser de linguagem, cria a fim de comunicar sentidos.

7

Page 8: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

DIANTE DE UM TEXTO, PARA ANALISÁ-LO COM PROPRIEDADE, PRECISAMOS OBSERVAR ALGUMAS PISTAS OU INDICADORES INTERPRETATIVOS:

LINGUAGEM GÊNERO FINALIDADE DO TEXTO (CRÍTICA, INFORMAÇÃO, HUMOR, FRUIÇÃO, DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA ETC.)

PRODUTOR/AUTOR

INTERLOCUTOR ALVO

PERSONAGEM (NS)

TEMA

6. Observe os textos a seguir.

A) Analise a forma de linguagem presente em cada texto.

B) Escreva um parágrafo interpretando-o. Para fazer esta atividade com eficiência, considere (quando houver) OS INDICADORES INTERPRETATIVOS do quadro acima.

A.

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/violencia-brasil-mata-82-jovens-por-dia-5716.htmlData de acesso:

20/02/2016.

B.

8

Page 9: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

Fonte: http://abelcosta.com/caricatura/#jp-

carousel-2915. Acesso em 20/02/2016.

c.

(Google Imagens. René Magritte Acesso em 18/08/2013)

d.

9

Page 10: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

.

. (Frida Kahlo)

e. AS MÃOS DOS PRETOS - por Luís Bernardo Honwana *

 Uma história sobre a igualdade dos homens, para além das suas cores.Já não sei a que propósito é que isto vinha, mas o senhor Professor disse um dia que as palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos séculos os avós deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto do corpo. Lembrei-me disso quando o Senhor padre, depois de dizer na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e que até os pretos eram melhores que nós, voltou a falar nisso de as mãos serem mais claras, dizendo que isso era assim porque eles andavam com elas às escondidas, andavam sempre de mãos postas, a rezar.Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agora é ver-me não largar seja quem for enquanto não me disser porque é que eles têm as mãos assim tão claras. A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem a comida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que lhes mandem fazer e que não deve ficar senão limpa.O Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as Coca-Colas das cantinas já tenham sido vendidas, disse que o que me tinham contado era aldrabice. Claro

10

Page 11: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era. Depois de lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:- Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria, São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham morrido e ido para o céu fizeram uma reunião e resolveram fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram em moldes usados de cozer o barro das criaturas, levaram-nas para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu agora queres saber porque é que as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro deles cozia?!Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos.Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Senhor Antunes se ter ido embora, e disse-me que tudo o que eu tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma grandessíssima pêta. Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pretos era o que ele sabia: que Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banhai num lago do céu. Depois do banho as pessoas estavam branquinhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a essa hora a água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas das mãos e dos pés, antes de se vestirem e virem para o  mundo.Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm as mãos assim mais claras por viverem encurvados, sempre a apanhar o algodão branco da Virgínia e de mais não sei onde. Já se vê que Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso. Para ela é só por as mãos deles desbotarem à força de tão lavadas.Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que, ainda que calosas e gretadas, as mãos dum preto são mais claras que todo o resto dele. Essa é que é essa!A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão das mãos dos pretos serem mais claras do que o resto do corpo. No outro dia em que falámos nisso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e esmo até chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela disse foi mais sou menos isto:- Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver…. Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para casa deles para os pôr a servir de escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos, porque os que já se tinham habituados a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos  dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem é apenas obra dos homens…Que o que os homens fazem é efeito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tivessem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos.Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.Quando fui para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.

11

Page 12: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

(http://www.luizberto.com/2011/08/page/11. 14/08/2015)

f.

(http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/as-pecas-da-benetton-contra-o-racismo.2002/2016)

12

Page 13: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

g. .

(Mulheres Alteradas. In: http://universofeminino.blog.br. Acesso em 18/08/2013)

___________________________________________________ATIVIDADE COMPLEMENTAR Leia o texto, reflita e responda as questões.

a. Qual forma de linguagem foi utilizada pelo produtor?

b. Qual é o tema tratado?

c. Qual é a finalidade do autor, ao produzir um texto como esse?

13

Page 14: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

SEBASTIÃO SALGADO   Por Maiara Muritibs 

Nascido em 8 de fevereiro de 1944, Sebastião Ribeiro Salgado é um dos mais respeitados fotojornalistas da atualidade. Mineiro, de Aimorés, Salgado graduou-se em economia concluindo mestrado e doutorado na mesma área (fez mestrado de Economia no Brasil, na USP, em 1967, e doutorado, na França, na Escola Nacional de Estatísticas Econômicas, em 1971).

Foi em um de seus trabalhos como economista, na Organização Internacional do Café, na década de 1970, que Sebastião descobriu a fotografia como forma de retratar a realidade econômica de diversos locais do mundo. Ao fotografar os cafezais africanos, para ele a fotografia apresentou-se melhor do que textos e estudos estatísticos para retratar a situação econômica dos lugares pelos quais passava.

Ao retornar a Paris, começou a trabalhar como free-lancer em fotojornalismo. Trabalhou para grandes agências como Sygma, Gamma e Magnum. Contribuiu com diversas organizações humanitárias como UNICEF, OMS , a ONG Médicos sem Fronteiras e a Anistia Internacional. 

Publicou diversos livros com reuniões de fotos: Trabalhadores (1996), Terra (1997), Serra Pelada (1999), Outras Américas (1999), Retrato de Crianças do Êxodo (2000), Êxodos(2000), O Fim do Pólio(2003), Um incerto Estado de Graça(2004), O Berço da Desigualdade(2005).

Sebastião Salgado procura fazer as pessoas refletirem sobre a situação econômica do local retratado, seja por meio do choque, ou seja por meio da imagem nua e crua da pobreza, da dor, e da fome. Uma vez questionado em uma de suas exposições, disse: "Espero que a pessoa que entre nas minhas exposições não seja a mesma ao sair" .

Como economista, o que despertou o interesse dele para a fotografia, foi o fato de expressar, com maior impacto e intensidade, a situação de miséria em que vivem as pessoas de países africanos da região do Sahel, como também a violência da Guerra Civil da Angola.

Através de suas lentes, Salgado explora temas clássicos da Economia como desigualdade social e globalização. Sua intenção é gerar debate ao redor dessas questões expondo-as da forma mais clara possível em suas imagens.

  O trabalho de Sebastião Salgado é fortemente influenciado pela técnica do ”mometo decisivo”, empregada pelo fotógrafo Francês Henri Cartier Bresson. Esta técnica consiste em fotos diretas, disparadas no momento crucial a ser retratado pelo artista. Desta forma, o fotógrafo procura transmitir em um “shot” todo o drama e impacto da situação observada. 

Além do mais, observa-se que todo o trabalho de Salgado é realizado em preto e branco. A ausência de cor significa ausência de informação, isto é, o foco está na clareza da situação retratada. O autor da foto deseja que aquele que a observa concentre-se na situação em si, e não em um ou mais elementos da mesma, o que interessa é o contexto, o impacto do momento retratado. 

14

Page 15: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

  Além disso, nas fotos de Sebastião Salgado, a ausência de cor enfatiza o drama da situação retratada, a dor e o desespero. É como se o mundo perdesse a cor, a vida, a alegria, já que Salgado utiliza sua fotografia como ferramenta de denúncia da pobreza, violência, guerra e fome em regiões miseráveis do mundo.

  Mesmo que o objetivo de Sebastião Salgado seja provocar a reflexão sobre as questões políticas, sociais e econômicas que retrata, o modo como ele realiza este trabalho e o impacto que ele causa nas pessoas, levam-no ao status de artista contemporâneo. Segundo o jornalista Janio de Freitas, a obra de Sebastião á mais do que uma exposição racional dos problemas econômico-sociais do mundo: “Sebastião Salgado é um portador do mistério da arte. O que quer dizer que sua fotografia não se descreve: sente-se. Diante de sua fotografia não se pode sentir, como é usual que as fotografias provoquem, a ternura, ou a contristação, ou a culpa, ou o deleite estético. Diante da fotografia característica de Sebastião Salgado vêm-nos, em uma rajada única, a ternura e a dor, a culpa e o prazer estético. Inseparáveis e indistinguíveis, consistentes e indisfarçáveis, em uma só rajada, todos os ricos sentimentos que a pobreza emocional dos dias de hoje não foi ainda capaz de consumir e devorar.” (1)

As fotos de Sebastião, apesar de realizadas de maneira objetiva, nos levam a um mundo subjetivo, no qual percebemos a interface entre o que sentimos ao ver a foto e o que Sebastião sentiu ao fazê-la. O próprio Sebastião fala de sua obra como algo visceral, como a captação de uma cena de forma a reproduzir para outras pessoas o sentimento que teve ao observá-la. Também é através da captação da imagem no momento em que sente que expressa sua ideologia. Desta maneira, é possível classificar sua obra como estudo científico e como expressão artística pura: estudo científico por retratar situações conhecidas ou não mas que afetam o mundo inteiro; expressão artística pura porque é a expressão do sentimento de salgado no momento de fotografar que o leva a produzir imagens que chocam, enternecem e ao mesmo tempo não fogem ao prazer estético citado por Janio de Freitas.  No entanto, há diversos críticos da obra de Sebastião Salgado que afirmam que sua obra é uma montagem para se promover. Alguns ainda afirmam que Sebastião fugiu de seu propósito científico, pois suas fotos não discutem questões sociais de maneira aprofundada. Também há aqueles que consideram que seu trabalho perdeu o propósito fotográfico em detrimento da denúncia social.   Do lado da fotografia, o fotógrafo Enio Leite comenta: “Às vezes, Sebastião Salgado cria a impressão de que sua justificativa pretende desqualificar sua fotografia, a pretexto de completá-la.” Ele quer ter o controle do conotativo, coisa impossível para qualquer artista ou mesmo para qualquer cientista.   Além disso, um dos viéses da crítica a fotos de Salgado é a questão do chocante transformando-se em lugar comum, de forma a perder seu propósito de levar à reflexão por meio da perplexidade e tornar-se algo não percebido, como um mendigo que, de tanto ser visto na rua todos os dias, mal é percebido com o tempo.  Sobre isso, Simonetta Persichetti, renomada crítica da fotografia brasileira, afirmou sobre a última exposição de obras de Sebastião Salgado: “o discurso dominante é esse: eles estão tomando o rumo de um novo documental. Já que o fotojornalismo está em crise, a gente cansou um pouco de fotografar criança com ranho no nariz, de mendigo embaixo da ponte”. (2)

Fonte: http://www.eca.usp.br (Acesso em 18/08/2013)

ATIVIDADE: Após a leitura, desenvolva duas atividades complementares: 1. Produzir uma

apreciação crítica do artigo e assistir ao filme “Morte e Vida Severina”, disponível através de

páginas na Internet.

15

Page 16: Web viewNeste primeiro encontro com o programa da disciplina, analisaremos o conceito de texto, de leitura e as linguagens em que os textos podem ser produzidos

Material de Apoio Disciplina Leitura e Produção de Textos Profa. Fábia Marucci

Roteiro*

1º parágrafo: Ideia central (O texto tem como tema central.... [generalizar o tema])

2º parágrafo: Aspectos em focalização sobre o tema (O texto tem como destaque (s).... [especificar a abordagem do tema])

3º parágrafo: Personagem de destaque (se houver) / Passagem mais relevante (A parte mais importante do artigo é aquela em que.... [ descrever]. Isto porque ... [justificar])

4º parágrafo: Crítica negativa (O artigo apresenta como ponto frágil...., visto que... [crítica negativa com justificativa])

5º parágrafo: Crítica positiva (Por outro lado, observamos que ...., pois... [crítica positiva com justificativa])

6º parágrafo: Legado da atividade cultural (Essa experiência cultural fez com que aprendesse/notasse/percebesse...)

*Este modelo de apreciação crítica pode ser usado ainda na produção dos textos de atividade complementar, a partir das sugestões de filmes e de livros feitas no segundo encontro.

Até a próxima aula.Profa. Fábia Marucci

16