A Educacao Sob o Olhar Neoliberal

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 A educação sob o olhar neoliberal  Penha Das Graças Peterli É de domínio comum a fala de muitos educadores em relação a finalidade da educação, no que se refere a aprendizagem, visando oportunizar ao aluno o desenvolver de seu senso crítico e de sua autonomia, mas ao lançar um olhar claro, fundo e largo sobre a educação percebe-se a necessidade de reflexão a partir da situação do contexto social a qual esta educação se insere. É esse contexto que a caracteriza e que lhe confere especificidade . Fazendo referência a educação brasileira, Rios, (1999), afirma que as instituições escolares estão organizadas de um modo específico nos moldes do sistema capitalista.  Nesse contexto os educado res deparam-se co m o desafio de e ducar sob as in fluências ideológicas do sistema neoliberal, distanciando assim da finalidade da educação , considerando que tal sistema constitui numa doutrina com base econômica, e se reveste de uma forte carga ideológica correspondente a nova fase do desenvolvimento capitalista que se organiza para realizar um novo padrão do capital, a partir de um alto grau de concentração, seja no setor produtivo, seja no setor financeiro. É uma ideologia que procura responder a crise do Estado ocasionada pela Globalização. O objetivo deste trabalho é destacar algumas intencionalidade s ideológicas, políticas e econômicas que estão presentes no discurso neoliberal, o papel estratégico da retórica neoliberal atribuídos a educação com seus respectivos objetivos e conseqüente mente o reflexo de tal sistema no cotidiano das escolas. A instituição escolar num contexto neoliberal O neoliberalismo constitui hoje o marco de referência ideológico, político e econômico que orienta as ações e as decisões governamentais em grande parte dos países, desenvolvidos e em desenvolvimento. As políticas educaciona is são um dos cenários  privilegiados para a aplicação das p ropostas de aju ste neoliberal, (Gentili, 1995). O autor ainda afirma que, pensando na instituição escolar como um espaço de circulação da ideologia, estaremos pensando, a partir do “poder da educação”, nos mecanismos de poder presentes na escola e na ação dos educadores. Queiramos ou não há uma dimensão de poder que permeia toda a sociedade, e se tratando de educação ganha uma feição bem característica. Alves (1996), faz algumas referências as mentiras do discurso neoliberal aplicados na educação. Para esse autor, quando se fala que a educação funciona mal porque se gasta mal, significa a transferência da crise da educação para o gerenciamento. Não se pode negar a necessidade de formas mais eficazes de aplicar o dinheiro público, mas com esse discurso o neoliberalismo encobre a redução de investimento na educação e como conseqüência percebe-se a escassez de recursos para manter as necessidades básicas nas instituições escolares.  No entendimento do autor supra qua ndo aparece no discurso neo liberal que os  principais responsá veis pela crise d a educação s ão os professo res, são os próprios  profissionais na e ducação, que não tem compe tência para ensina r, eles estão expressando o desejo de um sistema escolar como se fosse um mercado, escolas  pensadas co mo empresas qu e devem produz ir para competir; deixan do assim de fazer  parte do campo social e político.

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A educação sob o olhar neoliberal

 Penha Das Graças Peterli

É de domínio comum a fala de muitos educadores em relação a finalidade da educação,no que se refere a aprendizagem, visando oportunizar ao aluno o desenvolver de seu

senso crítico e de sua autonomia, mas ao lançar um olhar claro, fundo e largo sobre aeducação percebe-se a necessidade de reflexão a partir da situação do contexto social aqual esta educação se insere. É esse contexto que a caracteriza e que lhe confereespecificidade. Fazendo referência a educação brasileira, Rios, (1999), afirma que asinstituições escolares estão organizadas de um modo específico nos moldes do sistemacapitalista.

 Nesse contexto os educadores deparam-se com o desafio de educar sob as influênciasideológicas do sistema neoliberal, distanciando assim da finalidade da educação,considerando que tal sistema constitui numa doutrina com base econômica, e se revestede uma forte carga ideológica correspondente a nova fase do desenvolvimentocapitalista que se organiza para realizar um novo padrão do capital, a partir de um altograu de concentração, seja no setor produtivo, seja no setor financeiro.

É uma ideologia que procura responder a crise do Estado ocasionada pela Globalização.O objetivo deste trabalho é destacar algumas intencionalidades ideológicas, políticas eeconômicas que estão presentes no discurso neoliberal, o papel estratégico da retóricaneoliberal atribuídos a educação com seus respectivos objetivos e conseqüentemente oreflexo de tal sistema no cotidiano das escolas.

A instituição escolar num contexto neoliberalO neoliberalismo constitui hoje o marco de referência ideológico, político e econômicoque orienta as ações e as decisões governamentais em grande parte dos países,desenvolvidos e em desenvolvimento. As políticas educacionais são um dos cenários

 privilegiados para a aplicação das propostas de ajuste neoliberal, (Gentili, 1995).

O autor ainda afirma que, pensando na instituição escolar como um espaço decirculação da ideologia, estaremos pensando, a partir do “poder da educação”, nosmecanismos de poder presentes na escola e na ação dos educadores. Queiramos ou nãohá uma dimensão de poder que permeia toda a sociedade, e se tratando de educaçãoganha uma feição bem característica.

Alves (1996), faz algumas referências as mentiras do discurso neoliberal aplicados naeducação. Para esse autor, quando se fala que a educação funciona mal porque se gasta

mal, significa a transferência da crise da educação para o gerenciamento. Não se podenegar a necessidade de formas mais eficazes de aplicar o dinheiro público, mas comesse discurso o neoliberalismo encobre a redução de investimento na educação e comoconseqüência percebe-se a escassez de recursos para manter as necessidades básicas nasinstituições escolares.

 No entendimento do autor supra quando aparece no discurso neoliberal que os principais responsáveis pela crise da educação são os professores, são os próprios profissionais na educação, que não tem competência para ensinar, eles estãoexpressando o desejo de um sistema escolar como se fosse um mercado, escolas

 pensadas como empresas que devem produzir para competir; deixando assim de fazer 

 parte do campo social e político.

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Outra fala neoliberal destacada pelo autor em foco é de que a educação não se articulano mercado de trabalho. O mercado fornece indicações e a educação deve ajustar-se aele. Nessa perspectiva, percebe-se que a educação está deixando de ser um direito doeducando para gradativamente transformar-se em mercadoria.

Para melhor compreensão desta ideologia dominante, Marrach (1996), mostra o papelestratégico da retórica neoliberal atribuídos a educação e os objetivos determinados quesão basicamente três:

• atrelar a educação escolar à preparação para o trabalho e pesquisa acadêmica aoimperativo mercado ou as necessidades da livre iniciativa. Percebe-se que omundo empresarial deseja uma força de trabalho qualificada, apta para acompetição no mercado nacional e internacional. As grandes empresascontrolam a produção científica e colocam-na a seu serviço.

• tornar a escola um meio de transmissão dos seus princípios doutrinários. Surgeaqui a adequação da escola a ideologia dominante, pois esta tem um papelimportante na sua difusão oficial.

• Fazer da escola um mercado para os produtos da indústria cultural e dainformática. Explicita a idéia de fazer a escola funcionar de forma semelhante aomercado, a autora citada destaca aqui uma contradição; enquanto no discurso, osneoliberais condenam a participação direta do Estado no financiamento daeducação, na prática aproveitam os subsídios estatais para divulgação de seus

 produtos didáticos e paradidáticos no mercado escolar.

Tais objetivos nos levam a perceber que no Brasil, quer dentro da escola, quer noespaço da sociedade, a influência desse sistema que varreu o mundo, parece se instalar 

 para ficar.O patrimônio nacional, resultado de tantas lutas, vai sendo privatizado. O

discurso neoliberal ganha corpo e espaço na mídia. Os partidos da esquerda sedebatem em crises internas e sobretudo na sua dificuldade de construir umdiscurso e uma prática que respondam ao discurso e a prática neoliberal. Os

sindicatos não souberam se posicionar face a nova conjuntura nacional einternacional. Até a linguagem mudou e todos se apressam a incorporar as novas

 palavras de ordem do jargão neoliberal.Garcia, 1996, p. 149

Mediante o espaço já ocupado pelos neoliberais, a impotência e falta de posicionamentodos partidos da esquerda e dos sindicatos, do prejuízo que a educação vem sofrendoconforme citado pela autora em foco, percebe-se a necessidade urgente de umatransformação educacional, política e econômica para que ocorra uma reconstrução nasociedade. A modernidade deve considerar o volume imensurável da ciência e datécnica com a democracia social beneficiando assim o destino de toda humanidade.

 No Brasil, a modernização neoliberal assim como as anteriores não toca na estrutura piramidal da sociedade. Apenas amplia a sua verticalidade, o que se nota pelo aumentodo mínimo de desempregados, de moradores de rua, de mendigos, etc. Em outras

 palavras a pirâmide social se mantém e as desigualdades sociais crescem. Para aeducação, o discurso neoliberal, parece propor um tecnicismo reformado onde os

 problemas sociais, econômicos, políticos e culturais da educação se convertem em problemas administrativos, técnicos, de reengenharia. A escola ideal deve ter umagestão eficiente para competir no mercado. O aluno se transforma em consumidor de

ensino, e o professor, em funcionário treinado e competente para preparar seus alunos para o mercado de trabalho, para fazer pesquisas práticas e utilitárias e para desenvolver 

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competências e habilidades necessárias à sua vida e a constituição de uma sociedadeverdadeiramente democrática.

Seres aptos para governar a si mesmos, poderão surgir assim que for recuperado osonho e fantasia criadora para em vez de mundializar o mercado, mundializar os hábitosculturais de solidariedade, de respeito e conseqüentemente fluirá o desenvolver do poder 

 pessoal e a qualidade de vida, pois a educação não é pré-condição da democracia e da participação, mas é parte, fruto de expressão do processo de sua constituição.

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Neoliberalismo e EducaçãoNeoliberalismo e E

 MOURA, Gercinaldo. Neoliberalismo e Educação

Gercinaldo Moura: Sócio efetivo da Sociedade Brasileira de Ciência Política, Professor Universitário com diversos artigos publicados.

A sintonia existente entre a política econômica e a política educacional, fez com que aeducação que é um aspecto social fosse tratado como os planos econômicos aoestabelecer metas. Em primeiro lugar é necessário destacar que na perspectivaneoliberal os sistemas educacionais enfrentam, hoje, uma profunda crise de eficiência,

eficácia e produtividade, mais do que uma crise de quantidade, universalização eextensão.

O neoliberalismo, ideologia que procura responder à crise do estado nacionalocasionada de interligação crescente das economias das nações industrializadas por meio do comercio e das novas tecnologias. Representa uma regressão do campo social e

 político e corresponde a um mundo em que o senso social e a solidariedade atravessamuma grande crise.Aliado a essa postura esta a classe média que absorve os status de elitismo, sua rápidaascensão e acesso aos bens de consumo reproduz por razoes ideológicas e econômicasuma “cidadania dual” (p.2), que reserva a massa trabalhadora os serviços sociais

decadentes e reserva os setores sociais privados aos setores de renda elevada.

Quanto ao neoliberalismo e a educação no Brasil, que ao longo de 30 anos levaram à pobreza e a exclusão econômica e cultural principalmente das populações indígenas edas comunidades tradicionais, assim como em toda a América Latina. “De todas asinstituições, nenhuma parece ter passado por um planejamento mais sistemático e maisregulamentado para a viabilização do projeto econômico e político de modernização emcurso, no caso do Brasil, do que a escola” (Verçosa, p. 27). É o que alguns teóricos têmchamado de mcdonalização da escola, que seria a transferência dos princípios queregulam a lógica de um fastfood a espaços sociais cada vez mais amplos na vida socialdo capitalismo, onde as instituições educacionais tendem a ser pensadas e reestruturadas

sob o modelo de certos padrões produtivistas e empresariais, “A ideologia encontra naescola um campo privilegiado para instalar-se” (p. 4).

Para o neoliberalismo a educação deixa de servir para aprimorar o ser humano,desenvolver seu senso critico e sua autonomia. Ela passa a existir como instrumento deaprimoramento da racionalidade que seja capaz de, desvendar os segredos da naturezatanto humana como material, alcançar uma vida melhor para o ser humano aqui mesmo,na terra..,Goergen, 2001, que em suma significa consumir para ser feliz. Portanto osistema escolar torna-se agora o “mercado educacional”, “mcdonalização” em que amercadoria oferecida deve ser produzida de forma rápida e de acordo com certas erigorosas normas de controle de eficiência e da produtividade.

Podemos perceber que o acesso a educação era na concepção neoliberal um privilegiodo qual gozariam apenas as minorias. E que o mesmo projeto buscou usar mecanismos

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de discriminação de classes, de raça e gênero como podemos perceber historicamente naAmerica Latina, em que as políticas sociais e o dever do estado seriam cada vez maisreduzidas sua conseqüência é apenas o aumento da pobreza e a distinção de umaeducação feita para os ricos e para os pobres.

REFERENCIASBibliográficas• GENTILI , Pablo: Neoliberalismo e educação – Manual do usuário.• Moura, Gercinaldo. Neoliberalismo e Educação.Internet• http://firgoa.usc.es/drupal/node/3036• www.cefetsp.br/edu/eso/neoeducacao1.html - 28k P

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O DISCURSO NEOLIBERAL NO CAMPO EDUCACIONAL

UNITINS/SINPRO DF EDUCAÇÃO, DEMOGRACIA E GESTÃO ESCOLAR- 2009/01

Disciplina: As teorias da administração capitalista no cotidiano dasorganizações escolares. Unidade didática I - Administração e gestãocapitalista na educação: tendências atuais Alunos: Carlos FernandesCavalcante/ Virgínia K. A. C. do Nascimento/Elda

 Tutores: Eleusa Maria Leão e Fabíola Peixoto de Araújo Atividade: resenha

O texto de Pablo Gentili (2004:01) aborda “criticamente algumas dimensõesda configuração do discurso neoliberal no campo educacional”, ressaltandoos aspectos téoricos e políticos que permitem compreender a dimensão doneoliberalismo. Tratando também da construção da retórica neoliberal na

educação, possibiltando um questionamento,segundo o próprio autor,“forma neoliberal de pensar e projetar a política educacional.Demostrandoao final as consequências da “pedagogia de exclusão” gerada pelosgovernos que adotaram esse caráter.

O ensaio é permeado por uma lucidez crítica que transcende os aspectoscientíficos e históricos que embasam a argumentação do autor, temos entãouma excelente oportunidade de refletirmos sobre a influência econsequências do projeto neoliberal na educação brasileira, notadamenteapós a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases para Educação 9394/96 e

todas as normatizações propostas a partir dela. Este ensaio, parte da obra“Escola S.A”, ajuda a compreender a realidade educacional em que vivemosafinal todas as mudanças demonstram claramente a modelagem daeducação a este projeto.

O posicionamento de Gentili é claro: a educação brasileira precisa de outromodelo, educação, pois o que está posto não conseguiu qualidade, tambémnão tornou inclusivo e modelo de administração dá sinais fracasso. Há umacrise, a receita neoliberal inócua para a resolução dos problemas sociais nãopermite que a escola e transforme a sociedade, pois caso contrário aliberdade e a individualidade humana continuarão ameaçadas. Temos assim

a recriação da fábula de Huxley - “Admirável Mundo Novo”. Vive-se em umasociedade organizada em duas castas: a dos incluídos (minoria) e excluídos(maioria), ambas condicionadas. A primeira é bombardeada com umapoderosa mídia que dopa, somos livres para votar e consumir. A outra,“culpada” pelas próprias mazelas, vive de migalhas, voluntariado, ONGs,Programas Sociais, etc. Não há vontade, a servidão ao capital é aceitável, aEstado deve-se manter distante e tudo deve ser regulado pelo e paramercado, inclusive a educação.

Para facilitar a construção da resenha, procurou-se obedecer à estrutura do

texto, permitindo assim a análise das idéias principais do autor em cada umdos capítulos do ensaio. Na primeira parte, denominada “O neoliberalismo

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como construção hegemônica”, o autor explica o êxito do neoliberalismo,que possui uma dupla dinâmica, que desembocará em um processohegemônico, tornando-se uma alternativa de poder estruturada a partir deuma série de ações políticas, econômicas e jurídicas voltadas paraencontrar uma alternativa para a crise capitalista ocorrida nos anos 60 e 70

do século XX. Além de representar um projeto de reforma ideológica denossas sociedades.Assim o neoliberalismo se transforma num verdadeiroprojeto hegemônico, graças a uma intensa dinâmica de mudança material ena reconstrução discursivo-ideológica da sociedade, apoiada em intelectuaise tendo como referencial teórico as obras de Friedrich A. Hayek ,The RoadtoSerfdom (O caminho da servidão e Milton Friedman , FreetoChoose(Liberdade de Escolher). A crise estrutural do regime de acumulação fordistae o fracasso da fórmula keynesiana cristalizada nos Estados de Bem-estarpossibilitam a ascensão do discurso neoliberal que ganhará espaço políticoe passará a orientar as decisões governamentais em grande parte do

mundo capitalista.

 Tais decisões se fazem presentes também no campo educacional que parao neoliberalismo se resume na questão gerencial,vencido esse desafio épossível promover na escola, transformações substantivas das práticaspedagógicas, tornando-as mais eficientes; reestruturando também osistema flexibilizando a oferta educacional; promovendo uma mudançacultural, nas estratégias de gestão (qualidade total); reformulando o perfildos professores, requalificando-os, implementando uma ampla reformacurricular, etc. Percebemos a um elo com o artigo com Paro (1998:6) para

quem “é necessário desmistificar o enorme equívoco que consiste empretender aplicar, na escola, métodos e técnicas da empresa capitalistacomo se eles fossem neutros em si”.

Contextulaizando, a ideologia neoliberal está presente nas escolas públicasde nosso país, notadamente a partir de 1994 com o início da Era FHC ,presente na LDB 9394/96 e mais recentemente na Lei Distrital 4036/07 ,que instituiu a Gestão Compartilhada no DF, que comprovam a estratégiade transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercadoquestionando assim seu caráter de direito e reduzindo-a a sua condição depropriedade. Das equipes gestoras dessas escolas se exige que explicitem

as suas propostas educativas e de administração coadunadas com a dosinteresses do Estado; todos devem ter metas, deixando assim claro que ocidadão e comunidade estão em segundo plano.SegundoDalera de Carli(2007:19), no discurso oficial, o conceito de democracia foi subjugado auma mera estratégia de gestão, ou seja, passei a perceber, através desteestudo, que a democracia deixou de ter o sentido da construção de relaçõesigualitárias e horizontais na sociedade – se é que alguma vez teve estesentido -, e se tornou um instrumento de gestão capitalista que passei aidentificar como uma didática a serviço da adequação das diferenças eigualdades dos sujeitos na práxis social, sob o ponto de vista dos interesses

hegemônicos do mercado de trabalho capitalista, assim escamoteando,

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como discurso e como prática, a possibilidade da.construção do sujeitocrítico e reflexivo.

Na segunda parte, “Os culpados”, Gentili procura responder a uma questão:quem são, de acordo com essa perspectiva,os culpados , segundo os

neoliberais,pela crise educacional? São apontados como responsáveis: omodelo de Estado assistencialista , os sindicatos e os indivíduos.Para oautor, o neoliberalismo privatiza tudo, inclusive também o êxito e o fracassosocial, considerando tudo como um problema cultural provocado pelaideologia dos direitos sociais e a falsa promessa de que uma supostacondição de cidadania nos coloca a todos em igualdade de condições paraexigir o que só deveria ser outorgado àqueles que, graças ao mérito e aoesforço individual, se consagram como consumidores empreendedores.

Então, a escola que serve e tem o incentivo dos poderes hegemônicos dasociedade precisa mudar , pois os interesses do capital são outros. Não sequer mais profissionais treinados para apenas executar tarefas, ele precisade pensadores, de intelectuais. Uma nova geração que atenda as demandasdas grandes corporações e do mercado de trabalho, cada vez maisglobalizado. Aqui, no Brasil, novos termos, representando essa “novaeducação” estão presentes na nova LDB, dois deles até entãodesconhecidos dos docentes: competências e habilidades. Ambos apoiadospor um discurso pedagógico, mas que na prática servem muito bem aoprojeto de educação para o capital. Pode-se concluir que o fracasso não ésomente em decorrência da gestão pública da educação, e sim da adoçãode políticas que como já foi dito serviram e ainda servem a essespropósitos.

Em “As estratégias” são colocados os dois principais objetivos que searticularão e darão coerência, segundo o autor, às reformas educacionais,são eles: promover garantindo a materialização dos princípiosmeritocráticos competitivos e estabelecer os horizontes das políticaseducacionais, permitindo o estabelecimento de critérios para avaliar apertinência das propostas de reforma escolar. No Brasil,, eles estãopresente na reforma da Educação Profissional e a sua entrega, em umprimeiro momento para o Sistema S ( SENAI,SESI, SESC e etc)e Centros de

Educação Profissional, mexendo profundamento com estrutura das Escolas Técnicas .Por um outro lado, cria-se um Ensino Médio voltado para formaçãogeral.Desenvolve-se também estratégias de avaliação de todos o sistemaeducacional, tendo como exemplos o PAIUB( 2004), que institui o provãonas universidades e o SINAES ( 2004) que rediscute o modelo anterior eintroduz mudanças. Pode-se citar ainda o IDEB, SAEB, ENEM e maisrecetemente a PROVA BRASIL.Obeserva-se que assim se estabelece umnovo tipo de controle e o estado passa uniformizar e centralizar algumasfunções e atribui aos estados e municípios outras, essas com certeza paracortar custos e garantir a implementação do novo modelo educacional ,que

possui um caráter produtivista e empresarial.

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“Os sabichões” respondem a seguinte questão: quem, na perspectivaneoliberal, deve ser consultado para poder superar a atual criseeducacional? A respsota não poderia ser outra:a iniciativa privada, que podetornar a educação mais competiva, produtiva e eficiente. Aos culpados,resta apenas a redimensionamento de sua participação e influência. Os

sindicatos devem ser neutralizados , o Estado, minimizado e trasformadoem uma grande agência de fomentos. Aos pobres e excluídos a dura liçãode que não se deve conformar, é preciso ter vontade, a mesma dosempresários.

Na “Conclusão”, Gentili afirma que os governos neoliberais deixaram (eestão deixando) nossos países muito mais pobres, mais excludentes, maisdesiguais. Incrementaram (e estão incrementando) a discriminação social,racial e sexual, reproduzindo os privilégios das minorias. Exacerbaram (eestão exacerbando) o individualismo e a competição selvagem, quebrando

assim os laços de solidariedade coletiva e intensificando um processoantidemocrático de seleção "natural" onde os "melhores"" triunfam e ospiores perdem. Não há o que acrescentar,a chamada crise do subprime, ouhipotecas de risco, desencadeada nos Estados Unidos desde 2007 e quevem se intensificando, demostra que o modelo neoliberal está esgotado,tendo como grande consequência o aumento do número excluídos e queapesar de defenderem o Estado mínimo, é com o dinheiro dos contribuintesque as suas “eficientes” e “produtivas” empresas estão sendo salvas. Épreciso que a sociedade se levante e busque um novo modelo que lutecontra exclusão e que possiblite a que o autor chama de uma “sociedade

radicalmente igualitária”.Gentili deixa bem claro que essa tarefa passaprimeiramente pela educação.

Um trabalho que deve ser inciado por nós, entretanto seus frutos serãocolhidos pelas gerações futuras. Para Emir Sader (2002), a sociedade deveter um projeto de globalização alternativa que possa se nutrir da forçaintelectual, moral e histórica permitindo a construção um mundo pós-neoliberal, objetivo do humanismo contemporâneo no novo século.

REFERÊNCIAS: DALERA DE CARLI, Flávio. Reflexividade crítico-emancipatória versus prescritividade neoliberal. Artigo. Santos. 2007.

GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. Ensaio.Disponível em: http://firgoa.usc.es/drupal/node/3036.Acessadoem20/04/09. LEÃO, EleusaM.e ARAÚJO, Fabíola P. As teorias da administraçãocapitalista no cotidiano das organizações escolares. Unidade didática1.Tocantins. 2009. Disponível em:http://www2.unitins.br/BibliotecaMidia/Files/Documento/BM_633755764497316250apostila_de_teorias_da_administracao_ead___final_ok___copia.pdf.Acessado em 20/04/09 NEPOMUCENO, Carlos. O capital quer uma nova escola.

 A atual já não serve. Artigo. 2008.Disponível em:http://webinsider.uol.com.br/index.php/2008/11/26/o-capital-quer-uma-

nova-escola-a-atual-ja-nao-serve/.Acessado em 20/04/09. PARO, Vitor Henrique. A gestão da educação ante as exigências de qualidade e

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 produtividade na escola. Artigo. São Paulo 1998. SADER, Emir. Porto Alegree o pós-neoliberalismo. Artigo. Porto Alegre. 2002. Disponível em:http://alainet.org/active/1744&lang=es.Acessadoem 22/04/09. ZACHARIAS,Vera Lúcia Camara. Competências e Habilidades. Artigo. 2007. Disponívelem: http://www.centrorefeducacional.com.br/c

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Neoliberalismo e EducaçãoPublicado em01/10/2010porSismmar

Professor Pablo Gentili

É evidente que o sistema educacional está em crise, nós Professores enfrentamos elatodos os dias e sentimos os seus efeitos em nossa saúde, no rendimento dos educandos,na irritabilidade e agressividade das crianças. As salas de aulas são pequenas paraacomodar o grande número de estudantes. Também sabemos listar algumas resoluções

 para esses problemas, para tanto, discutimos e buscamos melhoras através de políticas públicas e uma reforma na Lei, no que diz respeito ao número de estudante por faixa

etária e série/ano escolar.

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Mas, na perspectiva neoliberal, os sistemas educacionais sofrem uma crise de eficiência,eficácia e produtividade devido a incompetência daqueles que trabalham nela e aineficiência do Estado para gerenciar políticas públicas.

O argumento central na retórica neoliberal consiste em: não faltam escolas, faltamescolas melhores; não faltam professores, faltam professores qualificados; não faltam

recursos para financiar as políticas educacionais, ao contrário, falta uma melhor distribuição dos recursos existentes.

Sendo assim, transformar o sistema educacional, na perspectiva neoliberal, se resumeem um grande desafio gerencial, em criar estratégias de gestão que garantam aqualidade total, em reformular o perfil dos professores e flexibilizar a ofertaeducacional. Afinal, a falta de qualidade das instituições escolares se deve a ausência deum mercado educacional, onde a concorrência, seja um pré-requisito para que hajaequidade e qualidade no campo educacional.

  Nesse sistema escolar neoliberal é possível promover mecanismos que garantem aeficácia e a eficiência dos serviços oferecidos: a competição interna e o

desenvolvimento de um sistema de prêmios e castigos com base no mérito e no esforçoindividual dos atores envolvidos na atividade educacional.

A grande operação do neoliberalismo é transferir a educação da esfera da política para aesfera do mercado, assim deixa seu caráter de direito e passa-se a condição de

 propriedade.

O conceito de democracia também é deturpado, na retórica neoliberal, para seusintelectuais ela é apenas um sistema político que deve permitir aos indivíduosdesenvolver sua capacidade de livre escolha, principalmente dentro da esfera domercado.

O indivíduo é considerado um proprietário que luta para conquistar/comprar 

  propriedades, mercadorias, sendo a educação uma delas. O modelo de homemneoliberal é o cidadão privatizado, o consumidor.

Como o neoliberalismo privatiza tudo, logo, o fracasso e o êxito social também são privatizados. Os pobres são culpados pela pobreza, os desempregados pelo desemprego,se a maioria não triunfou na vida é porque não soube reconhecer as oportunidades e nãohouve mérito e esforço individual.

Segundo os neoliberais, a ideologia dos direitos sociais e da cidadania, que coloca todosos cidadãos em igualdade de condições para exigir seus direitos, é falsa. Pois, ela quer dar a todos aquilo que somente deveria ser outorgado àqueles que graças ao mérito e aoesforço individual conquistaram e são consumidores empreendedores.

Precisamos continuar ativos e esperançosos de que essas ideologias possam ser superadas. Devemos continuar lutando, planejando, dialogando com os movimentossociais, professores, pedagogos, outros profissionais, para que possamos construir umProjeto Político Pedagógico, numa sociedade mais justa e igualitária, onde hajacidadãos, realmente, livres, sujeitos históricos e críticos.

 Pablo Gentili é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

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Pablo Gentili: Neoliberalismo e

educação: manual do usuárioEnviado por admin1 o Mér, 24/03/2004 - 17:08

Pablo Gentili: Neoliberalismo e educação: manual do usuário

 Neste trabalho pretendo abordar criticamente algumas dimensões da configuração dodiscurso neoliberal no campo educacional. Começarei destacando a importância teóricae política de se compreender o neoliberalismo como um complexo processo deconstrução hegemônica. Isto é, como uma estratégia de poder que se implementasentidos articulados: por um lado, através de um conjunto razoavelmente regular dereformas concretas no plano econômico, político, jurídico, educacional, etc. e, por ouatravés de uma série de estratégias culturais orientadas a impor novos diagnósticos

acerca da crise e construir novos significados sociais a partir dos quais legitimar asreformas neoliberais como sendo as únicas que podem (e devem) ser aplicadas no atualcontexto histórico de nossas sociedades Tentarei mostrar de que forma esta dimensãocultural, característica de toda lógica hegemônica, foi sempre reconhecida como umimportante espaço de construção política por aqueles intelectuais conservadores que, emmeados deste século, começaram a traçar as bases teóricas e conceituada doneoliberalismo enquanto alternativa de poder. Em segundo lugar, tentarei apresentar algumas considerações gerais sobre como se constrói a retórica neoliberal no campoeducacional. Pretendo identificar as dimensões que unificam os discursos neoliberais

 para além das particularidades locais que caracterizam os diferentes contextos regionaisonde tal retórica é aplicada. Meu objetivo será questionar a forma neoliberal de pensar e

 projetar a política educacional. Finalizo destacando algumas das mais evidentesconseqüências da pedagogia da exclusão promovida pelos regimes neoliberais emnossas sociedades.'

1.O neoliberalismo como construção hegemônica

Explicar o êxito do neoliberalismo (é também, é claro, traçar estratégias para suanecessária derrota) é uma tarefa cuja complexidade deriva da própria naturezahegemônica desse projeto. Com efeito, o neoliberalismo expressa a dupla dinâmica quecaracteriza todo processo de construção de hegemonia. Por um lado, trata-se de umaalternativa de poder extremamente vigorosa constituída por uma série de estratégias

 políticas, econômicas e jurídicas orientadas para encontrar uma saída dominante para a

crise capitalista que se inicia ao final dos anos 60 e que se manifesta claramente já nosanos 70. Por outro lado, ela expressa e sintetiza um ambicioso projeto de reformaideológica de nossas sociedades a construção e a difusão de um novo senso comum quefornece coerência, sentido e uma pretensa legitimidade às propostas de reformaimpulsionadas pelo bloco dominante. Se o neoliberalismo se transformou numverdadeiro projeto hegemônico, isto se deve ao fato de ter conseguido impor umaintensa dinâmica de mudança material e, ao mesmo tempo, uma não menos intensadinâmica de reconstrução discursivo-ideológica da sociedade, processo derivado daenorme força persuasiva que tiveram e estão tendo os discursos, osdiagnósticos e asestratégias argumentativas, a retórica, elaborada e difundida por seus principaisexpoentes intelectuais (num sentido gramsciano, por seus intelectuais orgânicos. O

neoliberalismo deve ser compreendido na dialética existente entre tais esferas, as quaisse articulam adquirindo mútua coerência.

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Com frequência costumamos enfatizar a capacidade (ou a incapacidade) que oneoliberalismo possui para impor com êxito seus programas de ajuste, esquecendo aconexão existente entre tais programas e a construção desse novo senso comum a partir do qual as maiorias começam aceitar , a defender como próprias) as receitas elaboradas

 pelas tecnocracias neoliberais. O êxito cultural mediante a imposição de um novo

discurso que explica a crise e oferece um marco geral de respostas e estratégias para sair dela - se expressa na capacidade que os neoliberais tiveram de impor suas verdadescomo aquelas que devem ser defendidas por qualquer pessoa medianamente sensata eresponsável. Os governos neoliberais não só transformam materialmente a realidadeeconômica, política, jurídica e social, também conseguem que esta transformação sejaaceita como a única saída possível (ainda que, às vezes, dolorosa) para a crise.

Desde muito cedo, os intelectuais neoliberais reconheceram que a construção dessenovo senso comum (ou, em certo sentido, desse novo imaginário social) era um dosdesafios prioritários para garantiro êxito na construção de uma ordem social regulada

 pelos princípios do livre-mercado e sem a interferência sempre perniciosa daintervenção estatal. Não se tratava só de elaborar receitas academicamente coerentes e

rigorosas, mas, acima de tudo, de conseguir que tais fórmulas fossem aceitas,reconhecidas e válidas pela sociedade como a solução natural para antigos problemasestruturais.

As obras de Friedrich A. Hayek e Milton Friedman, dois dos mais respeitadosrepresentantes da intelligentsia neoliberal, expressa com eloqüência, e por diferentesmotivos, esta preocupação. Seus textos de intervenção política nos permitem observar asagacidade desses intelectuais em reconhecer a importância política de acompanhar todareforma econômica com uma necessária" mudança nas mentalidades, na cultura dos

 povos.

Em seu prefácio de 1976 a TheRoad toSerfdom (O caminho da servidão), Hayek 

lamentava que as idéias defendidas naquele texto fundacional, editado originariamenteem 1944, continuassem, trinta anos depois, mantendo plena vigência, embora a prédica"intervencionista e coletivista' da social-democracia gozasse de boa saúde e relativa

 popularidade entre as maiorias. Passadas mais de três décadas, a sociedade ainda nãotinha aceito plenamente o que para Hayek era uma evidência ineludível: toda forma deintervenção estatal constitui um sério risco para a liberdade individual e o caminho maisseguro para a imposição de regimes totalitários corno o da Alemanha nazista e o daUnião Soviética comunista. Trinta anos depois, o desafio de O caminho da servidãocontinuava aberto: só quando a sociedade reconhece o verdadeiro desafio da liberdade é

 possível evitar as armadilhas do coletivismo. Hayek não deixava margem a dúvidassobre as conseqüências que derivavam de uma cultura mais disposta a reconhecer anecessidade da intervenção estatal que os méritos do livre-mercado. Se o homemcomum não afirma na sua vida cotidiana o valor da competição, se a sociedade nãoaceita as enormes possibilidades modernizadoras que o mercado oferece quando passa aatuar sem a prejudicial interferência do Estado, as conseqüências - defendia o intelectualaustríaco - são nefastas para a própria democracia: os piores serão os primeiros, ototalitarismo aumentará e a planificação centralizada tomará conta da vida das pessoas,impedindo-lhes de expressar seus desejos individuais, sua vocação de melhora contínua,sua liberdade de escolher. Hitler, Stalin e Mussolini não expressavam um ocasionaldesvio totalitário na história dos povos europeus, eram o espelho onde deveriam mirar-se aqueles líderes políticos que ainda confiavam na suposta eficácia da planificaçãoestatal centralizada.

Poucos anos depois, Milton Friedman enfrentava um panorama menos desolador. Seulivro FreetoChoose (Liber dade de Escolher), publicado no início dos anos oitenta, tinhavendido rapidamente, nos Estados Unidos, mais de 400.000 exemplares em sua edição

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de luxo e várias centenas de milhares em sua edição popular. O principal expoente daEscola de Chicago se perguntava sobre as razões do incrível êxito este volume,sobretudo se comparado à "tímida" recepção que havia tidoCapitalismand Freedom(Capitalismo e Liberdade), seu antecedente mais direto, embora

 publicado vinte anos antes. Por que Liberdade de Escolher tinha vendido em apenas

 poucas semanas o que Capitalismo e Liberdade vendeu durante vinte longos anos?Como explicar semelhante fato, se os dois livros abordavam a mesma problemática edefendiam as mesmas idéias? O espetacular impacto de FreetoChoose, segundo o

 próprio Friedman, não podia ser exclusivamente atribuído à difusão alcançada pela sérietelevisiva de mesmo nome que acompanhou o lançamento do livro e que o teve como

 protagonista. Antes disso, existia uma mudança mais profunda: a opinião pública haviamudado, as pessoas estavam mais receptivas à prédica insistente dos defensores dolivre-mercado; as pessoas, agora estavam alertas para se defenderem da voracidade deum Estado disposto a monopolizar tudo, inclusive o bem mais apreciado pelo ser humano a liberdade individual. Em seu prefácio) de 1982 à nova edição deCapitalismand Freedom, Milton Friedman reconhecia satisfeito: 411 as idéias expostas e

nonos dois livros ainda se acham muito distantes da corrente intelectual predominante,mas agora, pelo menos, respeitadas pela comunidade intelectual e parece que setornaram quase comuns entre o grande público" (l985: 6), Margaret Thatcher já eraPrimeira Ministra da Inglaterra e Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos.Helmut Khol acabara de ganhar as eleições na Alemanha... o neoliberalismo setransformava em uma verdadeira alternativa de poder no interior das principais

 potências do mundo capitalista.

Obviamente, a penetração social desses discursos não foi produto do acaso nem apenasuma questão decorrente dos méritos intelectuais daqueles obstinados professoresuniversitários. Será no contexto da intensa e progressiva crise estrutural do regime deacumulação fordista que a retórica neoliberal ganhará espaço político e também, é claro,

densidade ideológica. Tal contexto oferecerá a oportunidade necessária para que se produza esta confluência histórica entre um pensamento vigoroso no plano filosófico eeconômico (embora, até então, de escasso impacto tanto acadêmico quanto social) e anecessidade política do bloco dominante de fazer frente ao desmoronamento da fórmulakeynesiana cristalizada nos Estados de Bem-estar. A intersecção de ambas as dinâmicas

 permite compreender a força hegemônica do neoliberalismo.

Estes processos tiveram também eu impacto específico na América Latina. Com efeito,alguns países da região constituíram um verdadeiro laboratório de experimentaçãoneoliberal de resultados aparentemente milagrosos. A América latina, de fato, foi ocenário trágico do primeiro experimento político do neoliberalismo em nível mundial: adita dura do general Pinochet iniciada no Chile em 1973.

Entretanto, a contribuição latino-americano ao neoliberalismo mundial não se esgotouna experiência chilena. Durante os anos 80, e no contexto das incipientes democracias

 pós-ditatoriais, o neoliberalismo chegará ao poder, na maioria das nações da região, pelavia do voto popular. Algumas experiências, inclusive, transcenderam as fronteiras comomodelos "exitosos" capazes de iluminar (de forma quase universal) o caminho de umaverdadeira e profunda reforma econômica, a partir da qual garantir a estabilidademonetária e política, a partir da qual garantir uma suposta governabilidade democrática.Durante a segunda metade do século XX, o neoliberalismo deixou, assim, de ser apenasuma simples perspectiva teórica produzida em confrarias intelectuais, a orientar asdecisões governamentais em grande parte do mundo capitalista, o que inclui desde asnações do Primeiro e do Terceiro Mundo até algumas das mais convulsionadassociedades da Europa Oriental.

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Cinco décadas de história teórica e quase vinte anos de experiência no exercício do poder permitem-nos identificar mais regularidades que, para além das especificidadeslocais, contribuem para a definição da natureza e do caráter dos programas de ajusteneoliberal num sentido global. Na seguinte, nosso interesse se concentrará nasregularidades apresentadas pela retórica neoliberal no campo educacional.

Resumiremos a seguir algumas dimensões discursivas que configuram esta retórica, a partir da qual são elaboradas uma série de diagnósticos e, consequentemente, uma sériede propostas políticas que devem, sob a perspectiva neoliberal, orientar uma profundareforma do sistema escolar nas sociedades contemporâneas. Pretendo, desta forma,contribuir para a necessária tarefa de caracterizar a forma neoliberal de pensar e

 projetar as políticas . A possibilidade de conhecer e reconhecer a discursiva doneoliberalismo obviamente não é suficiente para freiara força persuasiva de sua retórica.

 No entanto pode ajudar-nos a desenvolver mais e melhores estratégias de luta contra asintensas dinâmicas de exclusão social promovidas por tais políticas. Pretendo aquicontribuir minimamente para esse objetivo.

Podemos nós aproximar de uma compreensão crítica da forma neoliberal de pensar e

traçar a política educacional procurando responder, brevemente, a quatro questões:1. como entendem os neoliberais a crise educacional?

2. quem são, de acordo com essa perspectiva, seus culpados?

3. que estratégias definem para sair dela?

4. quem deve ser consultado para encontrar uma saída para a crise?

Em primeiro lugar é necessário destacar que na perspectiva neoliberal os sistemaseducacionais enfrentam, hoje, uma profunda crise de eficiência, eficácia e

 produtividade, mais do que uma crise de quantidade, universalização e extensão.

Para eles, o processo de expansão da escola, durante a segunda metade do século,

ocorreu de forma acelerada sem que tal crescimento tenha garantido uma distribuiçãoeficiente dos serviços oferecidos. A crise das instituições escolares é produto, segundoeste enfoque, da expansão desordenada e "anárquica" que o sistema educacional vemsofrendo nos últimos anos. Trata-se fundamentalmente de uma crise de qualidadedecorrente da improdutividade que caracteriza as práticas pedagógicas e a gestãoadministrativa da grande maioria dos estabelecimentos escolares.

 Neste sentido, a existência de mecanismos de exclusão e discriminação educacionalresulta de forma clara e direta, da própria ineficácia da escola e da profundaincompetência daqueles que nela trabalham. Os sistemas educacionais contemporâneosnão enfrentam, sob a perspectiva neoliberal, uma crise de democratização, mas umacrise gerencial. Esta crise promove, em determinados contextos, certos mecanismos de"iniqüidade" escolar, tais como a evasão, a repetência, o analfabetismo funcional etc.O objetivo político de democratizar a escola está assim subordinado ao reconhecimentode que tal tarefa depende, inexoravelmente, da realização de uma profunda reformaadministrativa do sistema escolar orientada pela necessidade de introduzir mecanismosque regulem a eficiência, a produtividade, a eficácia, em suma: a qualidade dos serviçoseducacionais.

Deste diagnóstico inicial decorre um argumento central na retórica construída pelastecnocracias neoliberais: atualmente, inclusive nos países mais pobres, não faltamescolas, faltam escolas melhores; não faltam professores,, faltam professores maisqualificados; não faltam recursos para financiar as políticas educacionais, ao contrário,

falta uma melhor distribuição dos recursos existentes. Sendo assim, transformar a escolasupõe um enorme desafio gerencial: promover uma mudança substantiva nas práticas

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 pedagógicas, tornando-as mais eficientes; reestruturar o sistema para flexibilizar a ofertaeducacional; promover urna mudança cultural, não menos profunda, nas estratégias degestão (agora guiadas pelos novos conceitos de qualidade total); reformular o perfil dos

 professores, requalificando-os, implementar uma ampla reforma curricular, etc.

Segundo os neoliberais, esta crise se explica, em grande medida, pelo caráter 

estruturalmente ineficiente do Estado para gerenciar as políticas públicas. Oclientelismo, a obsessão planificadora e os improdutivos, labirintos do burocratismoestatal explicam, sob a perspectiva neoliberal, a incapacidade que tiveram os governos

 para garantir a democratização da educação e, ao mesmo tempo", a eficiência produtivada escola. A educação funciona mal porque foi malcriadamente peneirada pela política,

 porque foi profundamente estatizada. A ausência de um verdadeiro mercadoeducacional permite compreender a crise de qualidade que invade as instituiçõesescolares. Construir tal mercado, conforme veremos mais adiante, constitui um dosgrandes desafios que as políticas neoliberais assumirão no campo educacional. Só essemercado, cujo dinamismo e flexibilidade expressam o avesso de um sistema escolar rígido e incapaz, pode promover os mecanismos fundamentais que garantem a eficácia e

a eficiência dos serviços oferecidos: a competição interna e o desenvolvimento de umsistema de prêmios e castigos com base no mérito e no esforço individual dos atoresenvolvidos na atividade educacional. Não existe mercado sem concorrência, sendo ela o

 pré-requisito fundamental para garantir aquilo que os neoliberais chamam de eqüidade.

A planificação centralizada e, certamente, o clientelismo que caracteriza as práticasestatais impedem e travam a liberdade individual de eleger, única garantia para oestabelecimento de um sistema de prêmios e castigos baseado em critériosverdadeiramente meritocráticos. Para os neoliberais, o Estado de Bem-estar e asdiversas formas de populismo que conheceram nossos países têm intensificado osefeitos improdutivos que se derivam da materialização histórica destas práticasclientelistas. Ao criticar enfaticamente a interferência política na esfera social,

econômica e cultural, o neoliberalismo questionar a própria noção de direito e aconcepção de igualdade que serve(ao menos teoricamente) como fundamento filosóficoda existência de uma esfera de direitos sociais nas sociedades democráticas. Talquestionamento supõe, na perspectiva neoliberal, aceitar que uma sociedade pode ser democrática sem a existência de mecanismos e critérios que promovem uma progressivaigualdade e que se concretizam na existência de um conjunto inalienável de direitossociais e de uma série de instituições públicas nas quais tais direitos se materializam.

Para os neoliberais a democracia não tem nada a ver com isso. Ela é simplesmente , umsistema político que deve permitir aos indivíduos desenvolver sua inesgotávelcapacidade de livre escolha na única esfera que garante e potencializa a referidacapacidade individual: o mercado. A crise social se deriva, fundamentalmente, de queos sistemas institucionais dependentes da esfera do Estado (da política) não atuam elesmesmos como mercados. Isto ocorre, segundo a perspectiva neoliberal, no campo dasaúde, da previdência, das políticas de emprego e também, é claro, da educação.

De certa forma, a crise é produto da difusão (excessiva, aos olhos de certos neoliberaisatentos) da noção de cidadania. Para eles, o conceito de cidadania em que se baseia aconcepção universal e universalizante dos direitos humanos (políticos, sociais,econômicos, culturais etc.) tem gerado um conjunto de falsas promessas que orientaramações coletivas e individuais caracterizadas pela improdutividade e pela falta dereconhecimento social no valor individual da competição.

Com efeito, como já tentei demonstrar em outros trabalhos, a grande operação

estratégica do neoliberalismo consiste em transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercado questionando assim seu caráter de direito e reduzindo-a a sua

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condição de propriedade. É neste quadro que se reconceitualiza a noção de cidadania,através de uma revalorização da ação do indivíduo enquanto pro prietário, enquantoindivíduo que luta para conquistar (comprar) propriedades-mercadorias diversa índole,sendo a educação uma delas. O modelo de homem neoliberal é o cidadão privatizado oentrepreneur, o consumidor .

2. Os culpados

Sendo assim, é relativamente fácil avançar na resposta à nossa segunda pergunta: (quemsão os culpados pela crise educacional? Existem, desta perspectiva alguns responsáveisdiretos e outros indiretos. Entre os primeiros se encontram, obviamente, o modelo deEstado assistencialista e uma das configurações institucionais que o tem caracterizado:os sindicatos. A existência de fortes sindicatos nacionais e organizados em função degrandes setores de atividade, os quais proclamam a defesa de um interesse geral baseadona necessidade de construir e expandir a esfera dos direitos sociais, constitui, na

 perspectiva neoliberal, uma barreira intransponível para a possibilidade de desenvolver os já mencionados mecanismos de competição individual que garantem o progresso

social. Nesse sentido os principais responsáveis pela crise educacional se encontram os próprios sindicatos de professores e todas aquelas organizações que defendem o direitoigualitário a uma escola pública de qualidade. Entretanto, semelhante argumentoapresenta um problema evidente. Com efeito, se o Estado e os sindicatos são os

 principais responsáveis pela crise, deveria supor-se que a simples redução do primeiro àsua mínima expressão e a desaparição definitiva dos segundos constituem uma garantiamais do que suficiente para superar a crise atual das instituições educacionais. Da

 perspectiva neoliberal isso e, o menos em parte, efetivamente assim. Porém, mesmoquando os neoliberais chegam o poder e desenvolvem (muitas vezes com êxito) suaimplacável desarticulação dos mecanismos de intervenção do Estado, e sua não menosimplacável fragmentação das organizações sociais, nem sempre a crise educacional se

soluciona. Na perspectiva neoliberal, isto acontece porque a crise educacional não se reduz apenasà existência de um certo modelo de Estado, nem ao caráter supostamente corporativodas entidades sindicais. O problema é mais complexo: os indivíduos são tambémculpados pela crise. e é culpada na medida em que as pessoas ajeitaram corno natural einevitável o statusquo estabelecido por aquele sistema improdutivo de intervençãoestatal. Os pobres são culpados pela pobreza; os desempregados pelo desemprego; oscorruptos pela corrupção; os faceados pelas violência urbana; os sem-terra pelaviolência no campo; os pais pelo rendimento escolar de seus filhos; os professores pela

 péssima qualidade dos serviços educacionais. O neoliberalismo privatiza tudo, inclusivetambém o êxito e o fracasso social. Ambos passam a ser considerados variáveis

dependentes de um conjunto de opções individuais através das quais as pessoas jogamdia a dia seu destino, como num jogo de baccarat. Se a maioria dos indivíduos éresponsável por um destino não muito gratificante é porque não souberam reconhecer asvantagens que oferecem o mérito e o esforço individuais através dos quais se triunfa navida. É preciso competir, e uma sociedade moderna é aquela na qual só os melhorestriunfam. Dito de maneira simples: a escola funciona mal porque as pessoas nãoreconhecem o valor do conhecimento; os professores trabalham pouco e não seatualizam, são preguiçosos; os alunos fingem que estudam quando, na realidade, perdemtempo, etc.

Trata-se, segundo os neoliberais, de um problema cultural provocado pela ideologia dosdireitos sociais e a falsa promessa de que uma suposta condição de cidadania nos coloca

a todos em igualdade de condições para exigir o que só deveria ser outorgado àqueles

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que, graças ao mérito e ao esforço individual, se consagram como consumidoresempreendedores.

A lógica competitiva promovida por um sistema de prêmios e castigos com base em taiscritérios meritocráticos cria as condições culturais que facilitam uma profunda mudançainstitucional voltada para a Configuração de um verdadeiro mercado educacional.

Superar a crise implica, então, o desafio de traçar as estratégias mais eficientes a partir das quais é possível construir tal mercado. Passemos a seguir para a terceira questão.

3. As estratégias

As políticas educacionais implementadas elas administrações neoliberais permitemreconhecer uma série de regularidades que, para além das especificidades locais,caracterizame unificam as estratégias de reforma escolar levadas a cabo por essesgovernos. Poderíamos dizer que existe um consenso estratégico entre os, intelectuaisconservadores sobre como e com que receitas enfrentar a crise educacional.Obviamente, tal consenso decorre da formulação de um diagnóstico comum partir doqual é possível explicar e descrever os motivos que originaram a crise e, ao mesmo

tempo, de uma identificação também comum sobre os supostos responsáveis por essacrise. A experiência internacional parece indicar a existência de um Consenso deWashington,, também no plano de reforma educacional. Na construção desse consensodesempenharam um papel central as agências internacionais, em especial, o BancoMundial e, mais recentemente, uma série de intelectuais transnacionalizados (osexperts) que, assumindo um papel pretensamente evangelizador, percorrem o mundovendendo seus papers pré-fabricados a quem mais lhes oferecer. Retornaremos a essesmais adiante.

Essas regularidades se expressam em uma série d objetivos que articulam e dãocoerência às reformas educacionais implementadas pelos governos neoliberais:

a) por um lado, a necessidade de estabelecer mecanismos de controle e avaliação daqualidade dos serviços educacionais (na ampla esfera dos sistemas e, de maneiraespecífica, no interior das próprias instituições escolares)

 b) por outro, a necessidade de articular e subordinar produção educacional àsnecessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho.

O primeiro objetivo promove e, de certa forma, garante a materialização dos citados princípios meritocráticos competitivos. O segundo dá sentido e estabelece o rumo(ohorizonte) das políticas educacionais, ao mesmo tempo que permite estabelecer critérios

 para avaliar a pertinência das propostas de reforma escolar. É o mercado de trabalho queemite os sinais que permitem orientar as decisões em matéria de política educacional. Éa avaliação das institu)ições escolares e o estabelecimento de rigorosos critérios dequalidade o que permite dinamizar o sistema através de uma lógica de prêmios ecastigos que estimulam a produtividade e a eficiência no sentido anteriormentedestacado.

 Não vamos desenvolver aqui as características e o conteúdo que assumem essasestratégias de reforma. No entanto, é importante especificar brevemente duas questõesrelevantes vinculadas a tais objetivos. O neoliberalismo formula um conceito específicode qualidade, decorrente das práticas empresariais é transferido, sem mediações, para ocampo educacional. As instituições escolares devem ser pensadas e avaliadas (isto é,devem julgados seus resultados), como se fossem em presas Produtivas. Produz-se nelasum tipo específico de mercadoria (o conhecimento, o aluno escolarizado, o currículo) e,

conseqüentemente, suas práticas devem estar submetidas aos mesmos critérios deavaliação que se aplicam em toda empresa dinâmica, eficiente e flexível. Se os sistemas

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de Total QualityControl (TQC) têm demonstrado um êxito comprovado no mundo dosnegócios, deverão produzir os mesmos efeitos produtivos no campo educacional.

Por outro lado, é importante destacar que quando os neoliberais enfatizam que aeducação deve estar subordinada às necessidades do mercado de trabalho, estão sereferindo a uma questão muito específica: a urgência de que o sistema educacional se

ajuste às demandas do mundo dos empregos. Isto não significa que a função social daeducação seja garantir esse empregos e, menos ainda, criar fontes de trabalho. Pelocontrário, o sistema educacional deve promover o que os neoliberais chamam deempregabilidade.

Isto é, a capacidade flexível de adaptação individual às demandas do mercado detrabalho. A função "social" da educação esgota-se neste ponto. Ela encontra o seu

 preciso limite no exato momento em que o indivíduo se lança ao mercado para lutar por um emprego. A educação deve apenas oferecer essa ferramenta necessária paracompetir nesse mercado. O restante depende das pessoas. Como no jogo de baccarat doqual nos fala Friedman, nada está aqui determinado de antemão, embora saibamos, quealguns triunfarão e outros estarão condenados ao fracasso.

Uma dinâmica aparentemente paradoxal caracteriza a estratégias de reformaeducacional promovidas pelos governos neoliberais: as lógicas articuladas dedescentralização centralizante e de centralização-descentralizada. De fato por um lado,as estratégias neoliberais contra a crise educacional se configuram como uma clararesposta descentralizadora diante dos supostos perigos do planejamento estatal e dosefeitos improdutivos das burocracias governamental e sindicais. Transferem-se asinstituições escolares da jurisdição federal para a estadual e desta para a esferamunicipal: municipaliza-se o sistema de ensino. Propõe-se para níveis cada vez maismicro (inclusive a própria escola), evitando-se, assim, interferência "perniciosa" docentralismo governamental; desarticulam-se os mecanismos unificados de negociação

com organizações dos trabalhadores da educação (dinâmica que tende a questionar a própria necessidade das entidades sindicais; flexibilizam-se as formas de contratação eretribuições salariais dos docentes, etc.

Mas, por outro lado e ao mesmo tempo, os governos neoliberais centralizam certasfunções, as quais não são transferidas aos municípios, aos governos estaduais nem,muito menos, aos próprios professores ou à comunidade:

a) a necessidade de desenvolver sistemas nacionais de avaliação dos sistemaseducacionais(basicamente provas de rendimento aplicadas à população estudantil);

 b) a necessidade de desenhar e desenvolver reformas curriculares a partir das quaisestabelecer os parâmetros e conteúdos básicos de um Currículo Nacional;

c) associada à questão anterior a necessidade de desenvolver estratégias de formação de professores centralizadas nacionalmente e que permitam atualização dos docentessegundo o plano curricular estabelecido na citada reforma.

O Estado neoliberal é mínimo quando deve financiar a escola pública e máximo quandodefine de forma centralizada o conhecimento oficial que deve circular pelosestabelecimentos educacionais, quando estabelece mecanismos verticalizados eantidemocráticos de avaliação do sistema e quando retira autonomia pedagógica àsinstituições e aos atores coletivos da escola, entre eles, principalmente, aos professores.Centralização e descentralização são as duas faces de uma mesma moeda: a dinâmicaautoritária que caracteriza as reformas educacionais implementadas pelos governosneoliberais.

Para compreender um pouco melhor a natureza da mudança institucional promovida pelo neoliberalismo nos âmbitos escolares, farei um pequeno parêntese. Estabelecerei, a

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título ilustrativo, uma analogia entre as funções atribuídas às instituições educacionais ea lógica que regula o funcionamento dos fastfoodsnas modernas sociedades de mercado.Esta comparação poderá nos permitir avançar na caracterização de um processo quedenominaremos aqui mcdonaldizaçãoda escola e que, na minha perspectiva, sintetiza deforma eloqüente o sentido assumido pela reforma neoliberal levada a cabo nos âmbitos

educacionais.3. 1. A mcdonaldização da escola

Os processos de mcdonaldização têm sido destacados por alguns autores para referir-seà transferência dos princípios que regulam a lógica de funcionamento dos fastfoods aespaços institucionais cada vez mais amplos na vida social do capitalismocontemporâneo. A mcdonaldização da escola, processo que se concretiza em diferentese articulados planos (alguns mais gerais e outros mais específicos), constitui umametáfora apropriada para caracterizar as formas dominantes de reestruturaçãoeducacional propostas pelas administrações neoliberais.

 Na ofensiva antidemocrática e excludente promovida pelo ambicioso programa de

reformas estruturais impulsionado pelo neoliberalismo, as instituições educacionaistendem a ser pensadas e reestruturadas sob o modelo de certos padrões produtivistas eempresariais.

Já temos enfatizado que os neoliberais definem um conjunto de estratégias dirigidas atransferir a educação da esfera dos direitos sociais à esfera do mercado. A ausência deum verdadeiro mercado educacional (isto é, a ausência de mecanismos de regulaçãomercantil que configurem as bases de um mercado escolar) explica a crise de

 produtividade da escola. Para os neoliberais, o reconhecimento desse fato permiteorientar urna saída estratégica mediante a qual é possível conquistar, sem "falsas

 promessas", uma educação de qualidade e vinculada às necessidades do mundomoderno: as instituições escolares devem funcionar como empresas produtoras deserviços educacionais. A interferência estatal não pode questionar o direito de livreescolha que os consumidoresde educação devem realizar no mercado escolar. Apenasum conglomerado de instituições corri essas características pode obter níveis deeficiência baseados na competição e no mérito individual. Os McDonald's constituemum bom exemplo de organização produtiva com tais atributos e, nesse sentido,representam um bom modelo organizacional para a modernização escolar. Vejamosalgumas das possíveis coincidências entre ambas as esferas. Em primeiro lugar,os fastfoods, e as escolas têm um ponto básico em comum. Ambos existem para dar conta de duas necessidades fundamentais nas sociedades modernas: comer e ser socializado escolarmente. Embora a primeira seja uma necessidade tão antiga quanto a

 própria Humanidade e a segunda nem tanto, não existiria, aparentemente, nenhumaoriginalidade nas funções que atualmente são cumpridas tanto pelos McDonald's quanto

 pelas escolas. Entretanto, aqui, como na produção de toda mercadoria, o importante nãoé apenas a coisa produzida (o hambúrguer ou o conhecimento oficial), mas a formahistórica que adquire a produção desses processos, quer se trate da indústria da comidarápida, quer se trate da indústria escolar. Isto é, o que unifica os McDonalds e a utopiaeducacional dos homens de negócios é que, em ambos, a mercadoria oferecida deve ser 

 produzida de forma rápida e de acordo com certas e rigorosas normas de controle daeficiência e da produtividade. O modelo McDonald's tem demonstrado, graças àuniversalização do hambúrguer, uma enorme capacidade para ter sucesso no mercado daalimentação "rápida" (se é que o termo "alimentação" pode ser aplicado nesse caso). Aescola, pelo contrário, no que se refere a suas funções educacionais, não tem sido tão

 bem sucedida, se avaliada sob a ótica empresarial defendida pelos neoliberais. Os princípios que regulam a prática cotidiana dos McDonald's, em todas as cidades do

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 planeta, bem que poderiam ser aplicados às instituições escolares que pretendem percorrer a trilha da excelência: "qualidade, serviço, limpeza e preço". A rigor na perspectiva dos homens de negócios, esses princípios devem regular toda prática produtiva moderna. O próprio fundador dessa cadeia de restaurantes, Ray Kroc, temdito, sem falsa modéstia: "se me tivessem dado um tijolo cada vez que repeti essas

 palavras, creio que teria podido construir uma ponte sobre o Oceano Atlântico" (Peter &Waterman, 1984: 170). A escola, pensada e projetada como uma instituição prestadorade serviços, deve adotar esses princípios de demonstrada eficácia para obter certaliderança em qualquer mercado.

Esse aspecto de caráter geral se vincula a outra coincidência (ou melhor, a outra lição)que os McDonald's oferecem às instituições educacionais. De forma bastante simples,

 podemos dizer que os fastfoodssurgiram para responder a uma demanda da sociedademoderna pós-industrial: as pessoas correm muito; estão, em grande parte do dia, fora decasa; e têm pouco tempo para comer. Entre os fastfoods realmente existentes, oMcDonald's adquiriu liderança mundial, aproveitando-se daquilo que na terminologiaempresarial se denomina "vantagens comparativas". Uma grande capacidade

administrativa permitiu que essa empresa conquistasse uni importante nicho no mercadoda comida rápida. Algumas das correntes dominantes entre as perspectivas acadêmicasdos homens de negócios enfatizam que a capacidade competitiva de uma empresa (einclusive de uma nação) se define por seu dinamismo e flexibilidade para descobrir eocupar determinados segmentos (ou nichos) que se abrem à competição empresarial.Assim, os mercados expressam tendências e necessidades heterogêneas. Reconhecer taldiversidade faz parte da habilidade empresarial daqueles que conduzem as grandescorporações conseguem sobreviver à intensa competição inter-empresarial. O que é tudoisso tem a ver com a educação? A resposta é simples: se o sistema escolar tem que seconfigurar como mercadoeducacional, as escolas devem definir estratégias competitivas

 para atuar em tais mercados, conquistando nichos que respondam de forma específica à

diversidade existente nas demandas de consumo por educação. Mcdonaldizar, a escolasupõe pensá-la como urna instituição flexível que deve reagir aos estímulos (os sinais)emitidos por um mercado educacional altamente competitivo.

Entretanto, alguém, provavelmente intrigado, poderia perguntar qual é a razão queexplica que o mercado educacional deva ser necessariamente competitivo. Osneoliberais respondem a essa questão também de forma simples: assim como as pessoas

 precisam comer hambúrgueres porque o trabalho (e, claro, a mídia) o exige, também precisam educar-se porque o conhecimento se transformou na chave de acesso à novaSociedade do saber. Na perspectiva dos homens de negócios, nesse novo modelo desociedade, a escola deve ter por função a transmissão de certas competências ehabilidades necessárias para que as pessoas atuem competitivamente num mercado de

trabalho altamente seletivo e cada vez mais restrito. A educação escolar deve garantir asfunções de classificação e hierarquização dos postulantes aos futuros empregos (ou aosempregos do futuro). Para os neoliberais, nisso reside a "função social da escola".Semelhante "desafio" só pode ter êxito num mercado educacional que seja,ele próprio,uma instância de seleção meritocrática, em suma, um espaço altamente competitivo.

A necessidade de permitir a competição inter-institucional (escola versus escola) explicaa ênfase neoliberal no desenvolvimento de mecanismos de desregulamentação,flexibilização da oferta e livre escolha dos consumidores na esfera educacional.Entretanto, essa questão não esgota a reforma competitiva que os neoliberais pretendemimpor na esfera escolar. Nessa perspectiva, a competição deve caracterizar a próprialógica interna das instituições educacionais. A possibilidade de construção de ummercado escolar competitivo depende, entre outros fatores, da difusão de rigorosos

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critérios de competição interna que regulem as práticas e as relações cotidianas daescola. Algo similar ocorre nos McDonald's.

De fato, os sistemas de controle e promoção de pessoal no McDonald's são conhecidos(e em muitas ocasiões tomados como modelos) pelo uso eficaz de um sistema deincentivos que promove uma dura e implacável competição interna entre os

trabalhadores bem como a difusão de um sistema de prêmios e castigos dirigidos amotivar o "pertencimento" e a adesão incondicional à empresa. Esses mecanismos estãosendo cada vez mais difundidos nos âmbitos escolares até mesmo quando as normas

 jurídicas vigentes não o permitem). Quem mais produz mais ganha. E só é possívelsaber quem mais produz quando se avaliam rigorosamente os atores envolvidos no

 processo pedagógico(sejam professores, alunos, funcionários etc.). Os prêmios à produtividade são, tal como no McDonald's, tanto meramente simbólicos(quadro dehonra, empregado do mês), quanto materiais(aumento salarial, prêmios em espécie,

 promoção de categoria). A educação deve ser pensada como um grande campeonato. Nela, os triunfadores sabem que o primeiro desafio é assumirem-se como ganhadores."Tu pertences à equipe dos campeões!", costuma repetir orgulhoso Ray Kroe em suas

habituais arengas à sua tropa de despachantes de hambúrgueres e batatas fritas baratas.Espírito de luta, de auto-superação, de confiança no valor do mérito, certeza de saber que quem está ao nosso lado só atrapalha nosso caminho ao sucesso. Nada maisapreciado na escola do que o título de Mestre do Ano. Nada mais cobiçado noMcDonald's do que o prêmio All American Hamburguer-Maker.

A pedagogia da Qualidade Total se inscreve nessa forma particular de compreender os processos educacionais, não sendo mais do que uma tentativa de transferir para a esferaescolar os métodos e as estratégias de controle de qualidade próprios do campo

 produtivo.

O processo de mcdonaldização da escola também tem seu efeito no campo do currículo

e na formação de professores. Quem se aventurar a estudar com mais detalhes os fastfoods(tarefa que constituiria uma grande contribuição para compreender melhor nossas escolas) poderá encontrar uma surpreendente similitude entre os mecanismos de

 planejamento dos cardápios nesse tipo de negócio e as estratégias neo-tecnicistas dereforma curricular. O caráter assumido pelo planejamento dos currículos nacionais, nocontexto da reforma educacional promovida pelos regimes neoliberais poderia muito

 bem ser entendido como um processo de macdonaldização do conhecimento escolar.

Ao mesmo tempo, no contexto desses processos de modernização conservadora, as p políticas de formação de docentes vão se configurando como pacotes fechados detreinamento (definidos sempre por equipes de técnicos, experts e até consultores deempresas!) planejados de forma centralizada, sem participação dos grupos de

 professores envolvidos no processo de formação, e apresentando uma altatransferibilidade(ou seja, com grande potencial para serem aplicados em diferentescontextos geográficos e com diferentes populações) É essa, precisamente, uma dascaracterísticas que têm facilitado a expansão internacional de uma empresa como oMcDonald's. Esse tipo de ernpresa tem tido um papel fundamental no desenvolvimentodaquilo que poderíamos chamar aqui "pedagogia fast food": sistemas de treinamentorápido com grande poder disciplinador e altamente centralizados em seu planejamento eaplicação. A HamburguerUniversity de McDonald's em Chicago e sua competidora, aHarvard dos preparadores de batatas fritas, a Burger King University, na perspectiva doshomens de negócios, constituem invejáveis modelos de instituições educacionais denovo tipo. Assim, inclusive, aparecem tios manuais que estimulam o êxito empresarial,

enfatizando o novo valor e a centralidade do conhecimento na sociedade do futuro.Formar um professor não costuma ser considerada uma tarefa mais complexa do que ade treinar um preparador de Hamburguer.

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Por último, a mcdonaldização do campo educacional se expressa através das cada vezmais freqüentes formas de terceirização (pedagógica e não-pedagógica) que tendem acaracterizar o trabalho escolar nos programas de reforma propostos (e impostos) peloneoliberalismo. Vejamos. Uma loja do McDonald's (suponhamos, em Moscou) ésempre um espaço de integração de diversos trabalhos parciais realizados em outras

unidades produtivas. De certa forma, o Big Mac é a síntese "dialética de uma série decontribuições terceirizadas: por um lado, existe quem produz a carne, quem fabrica o pão, quem fornece o ketchup e, por outro, quem cultiva os pepinos. O McDonald's daPraça Vermelha simplesmente articula com a mesma eficiência e limpeza que oMcDonald's da Quinta Avenida( em Nova York) esses insumos, os quais, todos juntos,dão origem a esse grande invento da cultura americana que são duas pequenas bolasachatadas de carne moída cujo suporte são dois pedaços de pão. O Big Mac só pode ser compreendido, a partir da perspectiva de um expert na indústria de hambúrgueres, comoo resultado de uma criativa planificação centralizada e uma não menos criativadescentralização das funções exigidas para a elaboração de um produto cujos insumossão fornecidos por um número variável de produtores. A aplicação de uma série de

rígidos controles de qualidade (também centralizados) garante uma alta produtividade,além da redução dos custos de produção e, em conseqüencia, um aumento darentabilidade obtida por esses restaurantes. Essa racionalidade se aplica também aocampo educacional . A lógica do lucro e da eficiência penetra as administraçõesneoliberais. É nesse contexto que a terceirização do trabalho educacional constitui umaforma de mcdonaldizar a própria escola.

Alguém de espírito certamente apocalíptico poderia dizer, com razão, que amcdonaldização da escola não se aplica a um dos atributos que tem caracterizado onotório crescimento dos fastfoodsnesta segunda metade do século X: sua progressivauniversalização. Analisando as condições atuais do desenvolvimento capitalista,

 poderíamos suspeitar, com efeito, que os McDonald's têm melhor futuro o que a escola

 pública. Provavelmente, as vantagens comparativas dos fastfoods permitirão que, emmuitos de nossos países, os hambúrgueres e as batatas fritas se democratizem maisrapidamente do que o conhecimento. Entretanto, este é um problema de caráter especulativo que excede nossas possibilidades de reflexão? ao menos por enquanto.

O processo de mcdonaldização da escola deve ser considerado de forma "relacional". Não se trata de um fato isolado e arbitrário. Pelo contrário , ele só pode ser explicado nocontexto do profundo processo de reestruturação política, econômica , jurídica etambém, é claro, educacional que está ocorrendo no capitalismo de fim de século. Acrise do fordismo e a configuração de um novo regime de acumulação pós-fordista

 permite entender .o caráter e a natureza das reformas impulsionadas pelos regimesneoliberais na esfera escolar. Na economia-rnundo capitalista se articulam novos mapas

institucionais cuja geografia do benefício produz e reproduz novas e velhas formas deexclusão e desintegração social.

A escola não é alheia a esses processos; sua própria estrutura e funcionalidade écolocada em questionamento por tais dinâmicas. O processo mcdonaldização expressaessa mudança institucional dirigida a conformar as bases de uma escola toyotizada, umaescola de alto desempenho, a administrada pelos novos líderes gerenciais, os quais

 planejam formas de aprendizagem de novas habilidades exigidas por um local detrabalho reestrurado, formas que sejam "concretas", "práticas"", ligadas à vida real eorganizadas através de equipes de trabalho (Wexler- 1995: 162).

De qualquer forma, é importante destacar que essa nova racionalidade do aparato

escolar se constrói sobre aqueles princípios que regulavam a escola taylorista. Trata-sede um processo de reestruturação educacional onde se articulam novas e velhasdinâmicas organizacionais, onde se definem novas e velhas lógicas produtivistas através

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das quais a reforma escolar se reduz a uma série de critérios empresariais de caráter alienante e excludente.

 

4. Os sabichões

Tendo chegado a este ponto, procuraremos responder à nossa última pergunta: quem, na perspectiva neoliberal, deve ser consultado para poder superar a atual crise educacional?Poderíamos formular nossa pergunta de forma negativa: quem não deve ser consultado?A resposta é, em princípio, simples: os próprios culpados pela crise (especialmente, éclaro, os sindicatos e aqueles "perdedores" que sofrem as conseqüências do infortúnio ea desgraça econômica por terem desconfiado do esforço e da perseverança meritocráticaque permitem triunfar na vida, ou seja: as grandes maiorias). Defender e promover aquele velho e "improdutivo" modelo de Estado de Bem-Estar parece também não ser um bom caminho para superar a crise.

Quem, então, deve ser consultado? Quem pode nos ajudar a sair da crise? Obviamente,os exitosos: os homens de negócios. O raciocínio neoliberal é, neste aspecto,

transparente: se os empresários souberam triunfar na vida (isto é, se souberamdesenvolver-se com êxito no mercado) e o que está faltando em nossas escolas é

 justamente "concorrência", quem melhor do que eles para dar-nos as "dicas" necessárias para triunfar? O sistema educacional deve converter-se ele mesmo em ummercado....devem então ser consultados aqueles que melhor entendem do mercado paraajudar-nos a sair da improdutividade e da ineficiência que caracterizam as práticasescolares e que regula a lógica cotidiana das instituições educacionais em todos osníveis. É nesse contexto que deve ser compreendida a atitude mendicante e cínica dosgovernantes que solicitam aos empresários "humanistas" a adoção de uma escola. Secada empresário adotasse uma escola, o sistema educacional melhoraria de forma quaseautomática graças aos recursos financeiros que os "padrinhos" distribuiriam (doariam),

 bem como aos princípios morais que, vinculados a urna certa filosofia da qualidadetotal, da cultura do trabalho e idade do esforço individual, eles difundiriam nacomunidade escolar.

 No entanto, a questão não se esgota aqui. Em certo sentido, para os neoliberais, a criseenvolve um conjunto de problemas técnicos (ou seja: pedagógicos) desconhecidos pelosempresários, mas que também devem ser resolvidos de forma eficiente. Assim, sair dacrise pressupõe consultar os especialistas e técnicos competentes que dispõem do saber instrumental necessário para levar a cabo as citadas propostas de reforma: peritos emcurrículo, em formação de professores à distância, especialistas em tomadas de decisõescom escassos recursos, sabichões reformadores do Estado, intelectuais competentes emredução do gasto público, doutores em eficiência e produtividade, etc. Alguém

candidamente poderia perguntar-se de onde tirar tanta gente. A resposta a semelhantequestão pode ser encontrada nos corredores dos Ministérios de educação de qualquer governo neoliberal: são os organismos internacionais (especialmente o Banco Mundial)os que fornecem todo tipo de especialistas nestas matérias. Para trabalhar nestesorganismos, que não são precisamente de beneficência e ajuda mútua, basta fazer 

 projetos que se retro-alimentem a si mesmos e, de preferência, ter sido de esquerda na puberdade profissional.

III. Conclusão

O aumento da pobreza e da exclusão conduzem à conformação de sociedadesestruturalmente divididas nas quais, necessariamente , o acesso às instituiçõeseducacionais de qualidade e a permanência nas mesmas tende a transformar-se em um

 privilégio do qual gozam apenas as minorias. A discriminação educacional articula-se

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desta forma com os profundos mecanismos de discriminação de classe, de raça e gênerohistoricamente existentes em nossas sociedades. Tais processos caracterizam a dinâmicasocial assumida pelo capitalismo contemporâneo, apesar dos mesmos se) )concretizarem com algumas diferenças regionais evidentes no contexto mais amplo dosistema mundial. De fato, o capitalismo avançado também tem sofrido a intensificação

deste tipo de tendências no seio de sociedades aparentemente imunes ao aumento da pobreza, da miséria e da exclusão.

Dois processos decorrentes das políticas neoliberais produzem também um impactodireto na esfera das políticas educacionais: a dificuldade (ou, em alguns casos, aimpossibilidade) de manter expandir mecanismos democráticos de governabilidade, e oaumento acelerado da violência. social, política e econômica contra os setores popularesurbanos e rurais

Por outro lado, e ao mesmo tempo, a crescente difusão de intensas relações deCorrupção - sendo a corrupção política apenas uma das expressões mais eloqüentesdeste processo - tende a criar as bases materiais e culturais um tecido social marcado

 pelo individualismo e pela ausência de mecanismos de solidariedade coletiva. Odarwinismo social intensifica o processo de fragmentação e de divisão estrutural

 produzido no interior das sociedades neoliberais. A corrupção como problema queultrapassa o âmbito da moral particular das elites políticas e econômicas, isto é, comológica cultural, constitui um fator característico deste processo de desagregação edesintegração social. Tal lógica cultural penetra capilarmente em todas as instituições

 principalmente nas educacionais, as quais tendem a Converter-se em promotoras edifusoras desta nova forma de individualismo exacerbado.

Em suma, os governos neoliberais deixaram (e estão deixando) nossos países muitomais pobres, mais excludentes, mais desiguais. Incrementaram (e estão incrementando)a discriminação social, racial e sexual, reproduzindo os privilégios das minorias.

Exacerbaram (e estão exacerbando) o individualismo e a competição selvagem,quebrando assim os laços de solidariedade coletiva e intensificando um processoantidemocrático de seleção "natural" onde os "melhores"" triunfam e os piores perdem.E, em nossas sociedades dualizadas, os "melhores" acabam sendo sempre as elites quemonopolizam o poder político, econômico e cultural, e os "piores", as grandes maioriassubmetidas a um aumento brutal das condições de pobreza e a uma violência repressivaque nega não apenas os direitos sociais, mas, principalmente, o mais elementar direito àvida.

A resposta neoliberal é simplista e enganadora: promete mais mercado quando, narealidade, é na própria configuração do mercado que se encontram as raízes da exclusãoe da desigualdade. É nesse mercado que a exclusão e a desigualdade se reproduzem e se

ampliam. O neoliberalismo nada nos diz acerca de como atuar contra as causasestruturais da pobreza; ao contrário, atua intensificando-as.

O desafio de uma luta efetiva contra as políticas neoliberais é enorme e complexo. Aesquerda não deve ser arrastada (ou arrasada) pelo pragmatismo conformista eacomodado segundo o qual o ajuste neoliberal é, hoje, a única opção possível para acrise. Para os que atuamos no campo educacional, a questão é simples e iniludível: logoapós o dilúvio neoliberal as nossas escolas serão muito piores do que já são agora. Nãose trata apenas de um problema de qualidade pedagógica (embora também o seja), serão

 piores porque serão mais excludentes.

Os neoliberais estão tendo um grande êxito em impor seus argumentos como verdadesque se derivam da natureza dos fatos. Desarticular a aparentemente inquestionávelnacionalidade natural do discurso neoliberal Constitui apenas um dos desafios quetemos pela frente. No entanto, trata-se de um desafio do qual depende a possibilidade de

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se construir uma nova hegemonia que dê sustentação material e cultural a umasociedade plenamente democrática e igualitária.

Pessimismo da inteligência,otimismo da vontade. Nunca a sentença gramsciana tevetanta vigência. Nosso pessimismo da inteligência deve permitir-nos considerar criticamente a magnitude da ofensiva neoliberal contra a educação das maiorias. Nosso

otimismo da vontade deve manter-nos ativos na luta contra um sistema de exclusãosocial que quebra as bases de sustentação democrática do,.direito à educação como pré-requisito básico para a conquista da cidadania, uma cidadania plena que só pode ser concretizada numa sociedade radicalmente igualitária.

(Texto tirado do livro "Escola S.A.", Tomaz Tadeu da Silva e Pablo Gentili - org.)

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