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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A EFETIVIDADE DA TRANSPARÊNCIA ATRAVÉS DOS INSTRUMENTOS ESTABELECIDOS PELA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICA: SUZANA MATOS GATTRINGER São José (SC), outubro de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A EFETIVIDADE DA TRANSPARÊNCIA ATRAVÉS DOS

INSTRUMENTOS ESTABELECIDOS PELA LEI DE

RESPONSABILIDADE FISCAL

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí

ACADÊMICA: SUZANA MATOS

GATTRINGER

São José (SC), outubro de 2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A EFETIVIDADE DA TRANSPARÊNCIA ATRAVÉS DOS INSTRUMENTOS ESTABELECIDOS PELA LEI DE

RESPONSABILIDADE FISCAL

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Professora Mestre Joseane Aparecida Corrêa.

ACADÊMICA: SUZANA MATOS

GATTRINGER

São José (SC), outubro de 2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A EFETIVIDADE DA TRANSPARÊNCIA ATRAVÉS DOS

INSTRUMENTOS ESTABELECIDOS PELA LEI DE

RESPONSABILIDADE FISCAL

SUZANA MATOS GATTRINGER

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, 09 de novembro de 2004.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Professora Mestre Joseane Aparecida Corrêa - Orientador

_______________________________________________________ Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro

_______________________________________________________ Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro

AGRADECIMENTOS

Dirijo meus agradecimentos a todos aqueles que de maneira direta ou indireta contribuíram para a realização deste trabalho, pois agradecer muitas vezes implica em esquecimentos.

Aos meus pais, Luiza e João Inappólito, verdadeiros exemplos de vida, a certeza

de que as palavras são poucas para expressarem a minha admiração. À minha mãe, pessoa a quem também devo a chegada deste momento, agradecimentos pelo zelo que somente uma avó poderia dedicar à Amanda nas minhas horas de faculdade.

À minha filha Amanda, pelo carinho com que compreendeu a minha ausência. Ao meu marido João Luiz, companheiro também de faculdade, o reconhecimento

pelo incentivo nessa jornada, e a certeza de que, sem o seu apoio, chegar ao término do curso seria apenas um sonho.

Agradecimento especial à Professora Josiane Aparecida Corrêa, pelas sugestões e

diversas correções dessa monografia. Muito obrigada.

“Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, uma espécie de catecismo, enquanto forem escritas numa língua morta e ignorada do povo, e enquanto forem solenemente conservadas como misteriosos oráculos, o cidadão que não puder julgar por si mesmo as conseqüências que devem ter os seus próprios atos sobre a sua liberdade e sobre os seus bens ficará na dependência de um pequeno número de homens depositários e intérpretes das leis”.

Cesare Beccaria

RESUMO

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), também denominada de

LRF, trouxe inovações ao cenário da Administração Pública, ao implementar

mudanças na conduta e gerenciamento do patrimônio público, sendo aplicável à

União, Estados, Distrito Federal e Município, incluídos os seus Poderes – Executivo,

Judiciário e Legislativo, bem como ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas. A

lei fortaleceu a transparência, o planejamento, o controle e a responsabilização,

fundamentos que devem nortear a Administração Pública. Ao ser escolhida a

transparência como tema desta monografia, deparou-se com os instrumentos

previstos no artigo 48 da lei para viabilizá-la. Tais instrumentos contudo, compõem-

se de relatórios técnicos, de linguagem altamente complexa, restritos a um certo

número de especialistas. A LRF estabeleceu para esses documentos, sua versão

simplificada, a ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos, como também, a

participação popular que poderá ocorrer através de audiências e consultas públicas.

Constatou-se que esses instrumentos, com essas características, não possibilitam a

efetividade da transparência na gestão fiscal, porque transparência é demonstrar

com clareza e linguagem simples o que acontece na Administração Pública, e sem

ela, a participação popular, como decorrência lógica, não ocorre. Dessa forma, para

que a transparência se efetive, há que se implementar a versão simplificada dos

instrumentos, determinação dada no próprio art. 48 da lei. A partir do momento que

a Administração Pública se tornar transparente, proporcionará a interação com a

população, que também é meta da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Palavras-chave: transparência; responsabilidade fiscal; gestão fiscal responsável;

Lei de Responsabilidade Fiscal.

SUMÁRIO

RESUMO

LISTA DE ABREVIATURAS INTRODUÇÃO................................................................................................... 10

1 RESPONSABILIDADE NA GESTÃO FISCAL........................................... 12

1.1 SIGNIFICADO DE RESPONSABILIDADE NA GESTÃO FISCAL.......... 12

1.2 RAZÕES PARA A EDIÇÃO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL NO BRASIL E SUA FINALIDADE.............................................

16

1.3 FUNDAMENTOS DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL: PLANEJAMENTO, TRANSPARÊNCIA, CONTROLE E RESPONSABILIZAÇÃO...............................................................................

20

1.3.1 Planejamento................................................................................................. 21

1.3.2 Transparência................................................................................................ 24

1.3.3 Controle ......................................................................................................... 26

1.3.4 Responsabilização ou sanção ....................................................................... 30

2 TRANSPARÊNCIA E TRANSPARÊNCIA FISCAL..................................... 33

2.1 A TRANSPARÊNCIA ADVINDA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE...... 33

2.2 TRANSPARÊNCIA FISCAL OU TRANSPARÊNCIA ADMINISTRATIVA 35

2.3 OS INSTRUMENTOS DE TRANSPARÊNCIA FISCAL................................

39

2.3.1 Os planos, a lei de diretrizes orçamentárias e os orçamentos...................

40

2.3.2 As prestações de contas e o respectivo parecer prévio............................... 46

2.3.3 O relatório resumido da execução orçamentária e o relatório de gestão fiscal - RREO..................................................................................................

48

3 O ALCANCE DA TRANSPARÊNCIA ATRAVÉS DOS INSTRUMENTOS PREVISTOS PELA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL..............................................................................................................

52

3.1 A AMPLA DIVULGAÇÃO DOS INSTRUMENTOS E O INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO POPULAR E REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS..............

52

3.1.1 A versão simplificada dos instrumentos de transparência..................... 53

3.1.2 A ampla divulgação e os meios eletrônicos.............................................. 55

3.1.3 A participação popular e as audiências públicas.................................... 56

3.2 A LINGUAGEM DOS INSTRUMENTOS DE TRANSPARÊNCIA DA GESTÃO FISCAL..............................................................................................

57

CONCLUSÃO ....................................................................................................... 62

ANEXOS ................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 65

LISTA DE ABREVIATURAS

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade

ARO Empréstimo por Antecipação da Receita Orçamentária

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

DF Distrito Federal

LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias

LOA Lei Orçamentária Anual

LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

LRF-NET Lei de Responsabilidade Fiscal na internet

Min. Ministro

PPA Plano Plurianual

PEF Programa de Estabilidade Fiscal

RGF Relatório de Gestão Fiscal

RREO Relatório Resumido da Execução Orçamentária

SC Estado de Santa Catarina

STF Supremo Tribunal Federal

STN Secretaria do Tesouro Nacional

TCE Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina

TCU Tribunal de Contas da União

INTRODUÇÃO

A presente Monografia versa sobre tema relacionado à Lei de Responsabilidade Fiscal,

especificamente à verificação da efetividade da transparência através dos instrumentos previstos

no artigo 48 da LRF.

Cabe destacar que a Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar nº 101/2000 -

foi editada em 04 de maio de 2000, e também é conhecida como LRF. É aplicável à União,

Estados, Distrito Federal e Município, incluídos os seus Poderes, Executivo, Judiciário e

Legislativo, bem como ao Ministério Público e Tribunal de Contas. Visa implementar uma nova

maneira de gerir os recursos públicos, e para isso, estabeleceu a transparência, o planejamento, o

controle e a responsabilização como fundamentos que nortearão a Administração Pública a partir

de sua implantação.

Para viabilizar a transparência, a LRF, no art. 48, fixou os seus instrumentos, que são: os

planos, os orçamentos e lei de diretrizes orçamentárias, as prestações de contas e o respectivo

parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal;

e a lei previu também, as versões simplificadas desses documentos.

Este trabalho terá como enfoque principal – esclarecer se existirá efetividade na

transparência administrativa através desses instrumentos. Para isso, serão analisados o significado

de transparência fiscal, a análise dos instrumentos de transparência e a linguagem utilizada na

sua redação, e a participação popular, como resultado da transparência.

Como os instrumentos de transparência previstos pelo art. 48 da LRF se compõem de

demonstrativos contábeis, elaborados com uma linguagem técnica e complexa, restrita ao

entendimento de especialistas na área, importante destacar que a monografia visa demonstrar se a

linguagem utilizada na confecção desses documentos possui condições de efetivar a transparência

do modo como foi concebida pela lei. Assim, no trabalho, por serem esses demonstrativos o tema

da pesquisa, eles se revestem de função ilustrativa, não tendo por objetivo sua análise contábil.

O método utilizado será o dedutivo, pois este trabalho consiste na dedução de uma

hipótese com base e fundamento na doutrina.

Para se poder situar a transparência no âmbito da Administração Pública, elegeu-se, para o

seu entendimento, os elementos capazes de contextualizá-la. Assim, no primeiro capítulo, que

é de fundamental importância para a compreensão de todo o trabalho, serão apresentados - o

significado do que seja responsabilidade na gestão fiscal; as razões que levaram o Brasil a editar

uma lei fiscal para a Administração Pública; e os fundamentos que devem ser observados pelos

administradores públicos na gestão fiscal – planejamento, transparência, controle e

responsabilização.

Ainda no primeiro capítulo, serão estudadas algumas, entre as várias razões, para a edição

da LRF, as influências de ordem interna e externa.

No segundo capítulo será tratado mais especificamente sobre transparência e

transparência fiscal, e sua relação com o princípio da publicidade; serão também analisados os

instrumentos de transparência fiscal, aqueles fixados no art. 48 da LRF, demonstrando-se como

os mesmos são compostos.

Finalmente, no terceiro e último capítulo, serão estudados o significado de - ampla

divulgação dos instrumentos de transparência, inclusive em meios eletrônicos; a participação

popular, como decorrência da transparência, e a linguagem utilizada nos seus instrumentos.

Trata-se de uma pesquisa cujo tema merece destaque, face à importância da edição da

Lei de Responsabilidade Fiscal para a sociedade, pois trouxe nova dimensão à gerência das

finanças públicas pelo administrador, instituindo a transparência na gestão fiscal, anseio há muito

esperado.

1 RESPONSABILIDADE NA GESTÃO FISCAL

Para que se desenvolva o tema proposto, cujo objetivo é a verificação da efetividade

dos instrumentos de transparência previstos no artigo 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal, é

necessário que sejam estabelecidas algumas considerações sobre a responsabilidade na gestão

fiscal. Assim, neste primeiro capítulo, será estudado o significado de gestão fiscal,

responsabilidade na gestão fiscal, as razões para a edição desta lei, como também a análise de

seus principais fundamentos, quais sejam, planejamento, transparência, controle e

responsabilização do administrador público.

1.1 SIGNIFICADO DE RESPONSABILIDADE NA GESTÃO FISCAL

A Administração Pública desempenha a ação governamental através de seus órgãos ou

entidades, e agentes públicos – políticos ou administrativos, que desenvolvem suas funções

objetivando atender às demandas da sociedade e providenciar a continuidade da ação da

Administração Pública. Para tanto, é necessário que a ação governamental desenvolvida seja

desempenhada com responsabilidade.

Para Hely Lopes Meirelles (2003, p. 84):

A natureza da Administração Pública é a de um múnus público para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação. Ao ser investido em função ou cargo público, todo agente do poder assume para com a coletividade o compromisso de bem servi-la, porque outro não é o desejo do povo, como legítimo destinatário dos bens, serviços e interesses administrados pelo Estado.

Observa-se, que o administrador público firma, com a comunidade, o compromisso de

bem gerir os recursos da coletividade. Dessa forma, é esperado que aja com probidade, e que seu

comportamento seja dirigido pelos padrões da ética e da moralidade, desempenhando suas

funções com responsabilidade, de acordo com preceitos administrativos estabelecidos em Lei,

consoante os princípios definidos no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 19881.

O significado do que seja responsabilidade e responsável pode ser extraído do Novo

Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, organizado por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira

(1986, p. 1496):

Responsabilidade [...] 1. Qualidade ou condição de responsável. [...] Responsável [...] 1. Que responde pelos próprios atos ou pelos de outrem. [...] 3. Que tem noção exata de responsabilidade; que se responsabiliza pelos seus atos; que não é irresponsável.

Compreendida a noção do que impõe a responsabilidade, é importante também que se

tenha entendido o sentido do que seja gestão fiscal e responsabilidade na gestão fiscal.

Gestão fiscal e gestão fiscal responsável podem ser deduzidos a partir da lição de Yara

Darcy Police Monteiro (2002, p. 488):

[...] responsabilidade na gestão fiscal, que, em síntese, nada mais significa do que exigir do agente público, no exercício da função administrativa, a correta, eficiente e, sobretudo, responsável gestão dos recursos públicos colocados sob sua cura para fazer face às despesas inerentes à prestação de serviços públicos. Por gestão fiscal entende-se a relação entre receitas e despesas públicas. E nos termos do dispositivo, a gestão fiscal responsável é a que mantém o equilíbrio dessa relação, ou seja, o equilíbrio das contas públicas.

Como se pode inferir, a gestão fiscal se resume na relação entre receitas e despesas

públicas, sendo que do seu equilíbrio é que decorre a gestão fiscal responsável, esta vinculada ao

comportamento do administrador público frente à condução dos negócios públicos.

Hélio Saul Mileski acrescenta (2003, p. 62):

Portanto, responsabilidade fiscal é inerente à função do Administrador Público. No entanto, nunca houve uma preocupação específica com este tipo de responsabilidade. Ela encontrava-se diluída no contexto das demais responsabilidades do Administrador Público.

1 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].

Sendo assim, face à recente preocupação com a responsabilidade na gestão fiscal, seu

significado ainda não está acabado, conforme observa Carlos Pinto Coelho Motta (2000, p. 37):

Vê-se, portanto, que esse conceito de responsabilidade deverá realmente ser aperfeiçoado como questão de democracia, trazendo nesse percurso a inevitável necessidade de desenvolvimento das estruturas burocráticas e dos controles, para atendimento às obrigações do Estado, bem como de uma delimitação mais exata da discricionariedade administrativa, financeira e contábil dos entes políticos (em todos os níveis, notadamente o municipal).

No Brasil, o movimento para fortalecer a responsabilidade na gestão fiscal originou em

04 de maio de 2000, a Lei Complementar Federal n° 101/2000, denominada Lei de

Responsabilidade Fiscal, ou LRF, que estabelece normas orientadoras das finanças públicas

aplicáveis à União, Estados, Distrito Federal e Município, incluídos os seus poderes (Executivo,

Judiciário e Legislativo), bem como ao Ministério Público e Tribunal de Contas..

Então, o que se pretendeu com a instituição da LRF, foi impor um novo comportamento

ao administrador público, com vistas a um melhor controle da gestão administrativa; é o que se

pode deduzir da observação de Gilmar Ferreira Mendes (2001, p. 335):

O princípio da gestão [...] responsável no qual se baseia por inteiro a nova lei, é explicitado no art. 1°. Os seus principais objetivos seriam: a) evitar os déficits; b) reduzir substancialmente a dívida pública; c) adotar uma política tributária racional; d) preservar o patrimônio público; e) promover uma crescente transparência das contas públicas.

Nesse sentido, também inferem Áquilas Mendes e Mariana Moreira (2001, p. 13):

A lei fiscal foi editada com o objetivo de fixar normas de finanças públicas que servirão de lastro para pautar a responsabilidade dos gestores públicos na execução e gestão da receita e da despesa realizadas por órgãos públicos e Poderes de todos os entes da Federação.

A LRF, porém, não cuidará somente da mudança do comportamento do agente público e

da sua gestão fiscal. O resultado da gestão fiscal responsável atingirá, por certo, a vida da

sociedade, posto que, proporcionará uma melhora na qualidade de vida das pessoas, o que de

certo modo ultrapassa mera gestão equilibrada entre a receita e a despesa.

É o que se constata das conclusões de Áquilas Mendes e Mariana Moreira (2001, p. 13)

quando afirmam:

A tônica da Lei Complementar 101/2000 é assegurar responsabilidade na gestão fiscal. Entretanto, a gestão das finanças públicas não deve se ater apenas à responsabilidade fiscal, mas também à responsabilidade social.

Assim, esclarecendo a distinção entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social,

importante o destaque de André Franco Montoro Filho (2001, p. 05):

Algumas vozes têm se levantado ultimamente para sustentar um pretenso antagonismo entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social. [...] A meu ver, não existe nenhuma incompatibilidade entre elas. Ao contrário, a responsabilidade fiscal é indispensável para o encaminhamento e a realização de ações sociais conseqüentes. [...] A razão disso é muito simples. Ninguém pode pagar mais do que dispõe. [...] No caso de Estados e municípios, a autorização para realizar despesas acima do limite financeiro é o que causa o chamado déficit orçamentário ou fiscal. [...] Esta desorganização impede que o Estado cumpra seus deveres básicos em relação à sociedade, sobretudo para com as parcelas menos favorecidas, que são as que mais necessitam dos investimentos em saúde, educação, segurança pública, habitação. Esta situação pode ser caracterizada como sendo de irresponsabilidade social, pois ao invés de contribuir para a organização social [...], o Estado acaba colaborando para piorar a situação geral. [...] A irresponsabilidade fiscal só gera resultados adversos e, portanto, a incapacidade de atender justas e necessárias demandas da população.

Em essência, pode-se também depreender que a LRF é compatível com o espírito da

responsabilidade social, ou seja, será através da condução responsável da gestão fiscal que se

otimizarão os recursos públicos no sentido de suprir as necessidades sociais.

Visto, portanto, as noções básicas da gestão fiscal responsável que dá estrutura à LRF,

passa-se, na seqüência, à análise dos motivos que levaram o Brasil a editar a Lei de

Responsabilidade Fiscal.

1.2 RAZÕES PARA A EDIÇÃO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL NO BRASIL

E SUA FINALIDADE

A Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada em 04 de maio de 2000, estabelece

normas que visam orientar as finanças públicas do país, alcançando a Administração Pública

como um todo, obrigando todos os entes federativos, pois se trata de lei nacional2.

Para que se possa ter claro os motivos que levaram à edição da LRF, a seguir serão feitas

algumas reflexões sobre esses motivos, sendo para isso abordados os elementos externos ao país,

como também aqueles de cunho interno, que concorreram para isso.

Como o propósito do trabalho é verificar a efetividade dos instrumentos previstos para

se atingir a transparência na gestão fiscal, não se objetiva estudar profundamente os aspectos

mundiais de ordem econômica que orientaram a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Contudo, para que se possa entender o contexto do qual ela decorreu, é mister que se fale, mesmo

que simplificadamente, da motivação para a adoção da responsabilidade na gestão fiscal pela

Administração Pública brasileira.

No âmbito das finanças públicas, mundialmente é recente o interesse específico por este

tipo de responsabilidade. São muito poucos “os exemplos para serem indicados antes de o Brasil

regulamentar a matéria” (MILESKI, 2003, p. 62 - 63).

Flávio Régis Xavier de Moura e Castro (2000, p. 11) identifica também razões externas

para motivar a edição da LRF no Brasil, relacionadas ao pagamento da dívida externa brasileira,

comentando:

Em síntese, tenho dito que o principal, se não o único objetivo do governo federal com a aprovação dessa lei fiscal [...] é arrecadar recursos para pagar a dívida externa brasileira.

2 Conforme o § 2° e § 3° ambos do art. 1° da LRF: [...] § 2° As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. § 3° Nas referências: I – à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão compreendidos: a) o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste abrangidos os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público; b) as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes; II – a Estados entende-se considerado o Distrito Federal; III- a Tribunais de Contas estão incluídos: Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado e, quando houver, Tribunal de Contas dos Municípios e Tribunal de Contas do Município.

Márcio Novaes Cavalcanti (2001, p. 73), ao mencionar os aspectos externos da origem

da Lei de Responsabilidade Fiscal, entende que:

Os autores da proposta da Lei de Responsabilidade Fiscal consideraram as leis existentes nos Estados Unidos, União [...] Européia e Nova Zelândia para a elaboração do projeto de lei [...]. Um dos objetivos fundamentais do legislador era o de criar um novo paradigma na Administração Pública brasileira, o da responsabilidade fiscal. Assim foram instituídos mecanismos de controle e limitação de gastos públicos, para obrigar os gestores do dinheiro público a gastar de forma responsável e dentro de condições orçamentárias previamente estabelecidas, sempre levando em consideração a arrecadação do Estado ou Município.

Com relação às motivações de ordem interna, em análise aos elementos que concorreram

para a adoção de uma lei de direito financeiro, considerando-se a crise inflacionária brasileira da

década anterior a 1995, foi elaborado o “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o

qual, para superação da crise, entre várias propostas, considerou como inadiável o ajustamento

fiscal”, além de reformas econômicas objetivando o resgate da autonomia financeira estatal.

Assim, “foi implementado um Programa de Estabilidade Fiscal - PEF, para concretizar a

mudança do regime fiscal do país” (MILESKI, 2003, p. 63).

Conforme destaca Yara Darcy Police Monteiro (2002, p. 485), na exposição de motivos

que encaminhou o projeto de Lei ao Congresso, já se podia identificar como razão motivadora do

governo para a sua edição, a tentativa de redução do déficit público e a estabilização do montante

da dívida pública. Diz referido texto:

[...] 2. Este projeto: integra o conjunto de medidas do Programa de Estabilidade Fiscal – PEF, apresentado à sociedade brasileira em outubro de 1998, e tem como objetivo a drástica e veloz redução do déficit público e a estabilização do montante da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto da economia.

Nesse contexto de fatores, tanto externos como internos, em 04 de maio de 2000 foi

promulgada a LRF. Assim, em comentário à edição da LRF, Yara Darcy Police Monteiro (2002,

p. 485) manifesta-se, esclarecendo que:

É inquestionável a sua oportunidade, pois vem complementar as lacunas deixadas pela Constituição, ao regulamentar aspectos da maior relevância da gestão dos recursos públicos. Todavia, é inegável reconhecer, também que a iniciativa do projeto de lei pelo Poder Executivo federal, em abril de 1999, que originou a LRF foi motivada sobretudo pela necessidade de tentar manter a estabilidade econômica, por meio da estabilidade fiscal, e menos pelo escopo de atender à determinação constitucional, por tanto tempo descurada.

A lacuna constitucional referida acima diz respeito à falta de regulamentação, até então

existente, da diretriz constitucional imposta pelos artigos 1633 e 1694, conforme explicam Flávio

C. de Toledo Jr. e Sérgio Ciquera Rossi (2001, p. 5):

Além de regulamentar parcela do art. 163 da Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal disciplina outro mandamento constitucional, o caput do art. 169, conquanto estabelece limites de gastos com pessoal, por nível de governo e Poder. [...] A Lei Complementar nº 101, de 2000, integra o processo de reforma do Estado, do qual fazem parte as reformas administrativa, previdenciária e tributária, o saneamento e privatização dos bancos estaduais e os acordos de ajuste fiscal entre a União e os Estados e grandes Municípios. Mais diretamente, associa-se ao Programa de Estabilidade Fiscal, lançado em outubro de 1998.

Até a edição da LRF, o direito financeiro brasileiro era regulamentado basicamente por

alguns artigos da Constituição Federal5, e pela Lei nº 4.320/646. “A pa rtir de maio de 2000,

contudo, mais 75 artigos passam a nortear a rotina de gerir as contas públicas e, com isso, várias

inovações são introduzidas, demandando redobrada cautela com fatos contábeis que resultem em

diminuição do patrimônio público” (TOLEDO Jr., ROSSI, 2001, p. XIV e XV).

Explicitando mais os aspectos motivadores para a edição da Lei de Responsabilidade

Fiscal, Flávio Régis Xavier de Moura e Castro (2000, p. 12) acrescenta:

A princípio, consoante se infere de sua ementa, a Lei Complementar n° 101/2000 visa estabelecer normas de finanças públicas, em todas as esferas de governo, voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, incluindo a dívida pública externa e interna, a concessão de garantias pelas entidades públicas, a emissão e o resgate de títulos da dívida pública, bem como os orçamentos previstos no Capítulo II, do Título VI, da Constituição Federal. [...] a Lei de Responsabilidade Fiscal, além de pretender disciplinar algumas matérias de Direito Financeiro, procura resolver questões de política econômico-financeira, concedendo tratamento privilegiado à dívida pública.

3 BRASIL, Constituição Federal (1988). Art. 163. Lei complementar disporá sobre: I - finanças públicas; II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; III - concessão de garantias pelas entidades públicas; IV - emissão e resgate de títulos da dívida pública; V - fiscalização das instituições financeiras; VI - operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional. 4 BRASIL, Constituição Federal (1988). Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. 5 Como exemplo, a Carta de 1988 tratou sobre o combate do déficit corrente, que é a diferença negativa entre receitas e despesas correntes, no inciso III do artigo 167. 6 BRASIL. Lei Federal n° 4.320/64, de 17 de março de 1964: estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Em arremate, acrescenta Hélio Saul Mileski (2003, p. 64):

Esta legislação complementar à Constituição é um verdadeiro código de procedimentos fiscais administrativos, tendo como premissa o estabelecimento de princípios norteadores para uma gestão fiscal responsável [...].

A finalidade precípua, enfim, da LRF, pode ser identificada no seu art. 1º, § 1º7, que é a

de disciplinar a gestão dos recursos públicos. Assim, pode-se identificar dois grandes objetivos da

lei: combater o déficit8 público e promover a participação popular, conforme acentua João Luiz

Gattringer (2003, p. 4):

Então, por assim dizer, o objetivo fundamental da Lei de Responsabilidade Fiscal é promover o equilíbrio das contas públicas combatendo o déficit público, artifício outrora tão utilizado no âmbito governamental para financiar as ações do governo e estimular a economia, ainda que houvesse freqüentes crises financeiras e sacrifício na área dos investimentos públicos. Também se pode relacionar como objetivo específico da Lei de Responsabilidade Fiscal, a participação popular, através do chamamento da sociedade para o acompanhamento da destinação dos recursos públicos arrecadados, visando o atingimento das metas eleitas em conjunto com a comunidade.

Assim, como exemplo do artifício de geração de déficit público, pode ser citado o caso

dos orçamentos anuais superestimados, com base em majoração ficta de receitas e, em razão

disso, dava-se lastro às despesas que, sem qualquer controle, eram realizadas em sua totalidade,

consumindo-se todas as dotações estabelecidas nos créditos orçamentários desprovidos dos

recursos financeiros que suportariam essas despesas, gerando assim, o déficit público de curto

prazo, vindo a comprometer o orçamento subseqüente.

Registra-se, porém, que a exigência de um comportamento mais zeloso dos agentes

públicos diante da condução da Administração pública também era um anseio social. Assim, a

LRF também procura atender uma expectativa já existente.

7 BRASIL. LRF. Art. 1º : Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição Federal. 8 Déficit – é o resultado negativo apurado num determinado corte de tempo, os doze meses do ano civil. (KHAIR, 2001, p. 20)

1.3 FUNDAMENTOS DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL: PLANEJAMENTO,

TRANSPARÊNCIA, CONTROLE E RESPONSABILIZAÇÃO

Pode-se afirmar que para a LRF atingir seu objetivo principal, que é o equilíbrio nas

contas públicas, baseia-se ela em quatro pontos fundamentais, também chamados pelos

estudiosos de pilares ou mecanismos operacionais, que lhes dão estrutura, quais sejam: o

planejamento, a transparência, o controle e a responsabilização ou sanção.

Entretanto, antes de se adentrar na análise dos fundamentos da Lei de Responsabilidade

Fiscal, é necessário dizer que a LRF, “traz uma regulamentação inovadora sobre a conduta

gerencial das finanças públicas, com um texto de alta complexidade técnico-jurídica”,

introduzindo novas definições e atribuições fiscais, impondo, obrigatoriamente, mudanças na

rotina administrativo-financeira do Estado. Assim, em decorrência do texto altamente técnico da

lei, foi o mesmo discutido e debatido nos últimos tempos, sendo alvo inclusive de várias

argüições de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (MILESKI, 2003, p. 64 -

65).

Destaca-se, entre estas ações de inconstitucionalidades, a ADInMC 2238-DF, ajuizada

pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B, Partido Socialista Brasileiro – PSB e pelo Partido

dos Trabalhadores – PT contra a Lei Complementar n° 101/2000, que questionou, os aspectos

formal, em sua totalidade, e material da Lei (MILESKI, 2003, p.65)

A argüição de inconstitucionalidade formal da lei, por ofensa ao parágrafo único do

artigo 65 da CRFB/88, em que se sustentava que o projeto não seguiu o devido processo

legislativo e deveria ter voltado à Câmara dos Deputados em razão de o Senado ter alterado

certos dispositivos da lei, foi rejeitada em sua totalidade pelo STF. Quanto ao aspecto material,

inúmeros artigos também foram motivos de argüição de inconstitucionalidade, dentre eles, os

artigos 9°, § 3°, e 20, para os quais, o STF ainda não se pronunciou definitivamente (MILESKI,

2003, P. 65)

Sobre as ações de inconstitucionalidade, acrescenta Hélio Saul Mileski (2003, p. 65):

As primeiras decisões dadas pelo STF sobre as ADINs intentadas foram de extrema importância para aplicabilidade da Lei Complementar 101/2000, posto que houve a rejeição de sua inconstitucionalidade formal, a indeferição de medida cautelar para a

suspensão dos efeitos do seu art. 20 e a concessão de medida cautelar para suspender a aplicação do § 3º do seu art. 9º. Com a decisão que rejeitou a argüição de inconstitucionalidade da Lei de Responsabilidade Fiscal, em sua totalidade, tendo em conta a formalidade do processo legislativo, juntamente com as outra duas decisões tomadas, foi possibilitada a sua exeqüibilidade imediata, permitindo que seja efetuado o controle da despesa total com pessoal na forma e na distribuição de limites determinadas pelos seus arts. 20 a 23, mas sem autorizar o Poder Executivo a limitar valores financeiros aos Poderes Legislativo e Judiciário e ao Ministério Público, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias, durante o período de execução do orçamento anual.

Dessa forma, diante das decisões tomadas pelo STF, proporcionou-se à LRF a sua

aplicação.

Para se entender o texto da LRF, quanto aos pontos fundamentais que lhe dão estrutura,

assim elucida Flávio Régis Xavier de Moura e Castro (2000, p. 13):

A Lei de Responsabilidade Fiscal apóia-se sobre quatro pilares. São eles: o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilização. Sem estes sustentáculos, comprometido ficará o tão sonhado equilíbrio das contas públicas.

O mesmo autor acrescenta que esses aspectos, que já eram de observância obrigatória

pelos administradores públicos antes da edição da LRF, passaram a ser cobrados com maior

ênfase em decorrência do “alto grau de endividamento dos entes da Federação”, e do anseio da

sociedade, “cansada de ver o seu patrimônio desaparecer sem que tenha sido revertida em seu

favor a necessária prestação de serviços” (CASTRO, 2000, p. 13).

Dada as considerações até aqui postas, passa-se à análise dos fundamentos que dão

estrutura à LRF e que passaram a ter uma função primordial para o alcance da gestão fiscal

responsável.

1.2.1 Planejamento

A noção de planejamento9 prende-se ao estabelecimento de objetivos a serem alcançados

no futuro e a forma mais adequada para atingi-los, considerando-se “todos os fatores

9 Para José Carvalho da Silva Neto e Militino Testoni (1999, p. 9 – 11): o planejamento se realça através das seguintes características: a) é um processo permanente e contínuo – não se esgota na montagem de um plano de ação. Os planos têm que ser implementados e a qualquer momento devem permitir alterações de modo a não se transformar inúteis; b) é sempre voltado para o futuro – liga-se à

condicionantes e recursos de que se pode dispor“. Por outras palavras, define -se hoje o que se

quer atingir como resultado no futuro, e também a forma para que isso ocorra. O planejamento é,

em essência, “ a tomada de decisões, que representa a escolha de uma entre várias alternativas”.

(SILVA NETO; TESTONI, 1999, p. 09).

Ainda conforme José Carvalho da Silva Neto e Militino Testoni (1999, p. 09):

‘Segundo Steiner, o planejamento é um processo através do qual os administradores decidem o que deve ser feito, quando fazer, como será feito e quem fará.’

No Brasil, a adoção de planejamento pela Administração Pública não é novidade.

Destaca Helio Saul Mileski (2003, p. 53):

A concepção de um sistema de planejamento no Brasil é oriunda de 1948, com a elaboração do denominado Plano Salte, que, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, deu priorização para os setores da saúde, alimentação, transporte e energia. Nos anos seguintes, foram elaborados vários planos de desenvolvimento[...].

Percebe-se então, que o Brasil, desde há muito tempo, tinha sistema de planejamento

para as ações governamentais. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, conforme o

artigo 16510, ditas ações passaram a ser planejadas sob o sistema de orçamentação, composto pelo

Plano Plurianual, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e pela Lei Orçamentária Anual, que será

discutido adiante.

previsão, embora não deve ser confundido com ela. Preocupa-se com os reflexos futuros das decisões presentes. Considera a cadeia de conseqüências de causa e efeito, no tempo de uma decisão concreta ou pretendida; c) visa a racionalidade de tomada de decisões - funciona como um meio de orientar o processo decisório, dando-lhe a maior racionalidade e subtraindo a incerteza subjacente à tomada de decisão; d) visa selecionar entre várias alternativas um curso de ação – define um curso de ação escolhido dentre várias alternativas de caminhos potenciais. O curso de ação pode ter duração de longo, médio e curto prazos, e amplitude variável, abrangendo a organização como um todo até determinada unidade de trabalho; e) é sistêmico – considera a totalidade da organização ou dos órgãos ou da unidade para o qual foi feito, sem omitir relações e compromissos internos e externos; f) é interativo – pelo fato de voltar-se para o futuro, o planejamento deve ser suficiente e prudentemente flexível para aceitar ajustamentos e correções; g) é uma técnica de alocação de recursos – em razão de voltar-se às situações futuras, atua na alocação e dimensionamento dos recursos com os quais a organização poderá contar no futuro para suas operações; h) é cíclico – deve permitir que haja avaliações e mensurações para novos planejamentos, com informações e perspectivas em maior quantidade e correção; i) interage dinamicamente com as demais funções administrativas – influencia e é influenciado pelas demais funções, como organização, direção e principalmente o controle; j) é uma forma de coordenação – uma vez que permite a coordenação de várias atividades no sentido da realização dos objetivos desejados de maneira eficaz, via integração e sincronização. 10 Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. [...].

Sobre a relação entre LRF e planejamento, destaca Amir Antônio Khair (2001, p.13):

O ponto de partida da Lei de Responsabilidade Fiscal é o planejamento. Através dele são estabelecidas as regras do jogo da gestão fiscal, sendo criadas novas funções para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA), cuja discussão e elaboração deverão contar com a participação popular, inclusive audiências públicas, assegurando maior transparência da gestão governamental.

Assim também infere Flávio Xavier de Moura e Castro (2000, p. 13), assinalando

também a importância que passou a ter o planejamento para a gestão fiscal da Administração

Pública:

O planejamento é que dará início à gestão fiscal através de mecanismos como o Plano Plurianual – PPA (embora vetado o art. 3° da lei11, o PPA é exigência constitucional), a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária – LOA. É mediante o planejamento que se programará a execução orçamentária e o cumprimento de objetivos. Deverá, pois, prever metas, limites e condições para a renúncia de receita, a geração de despesas, inclusive de pessoal, dívidas, operações de crédito, concessão de garantias, etc.

Sobre essa questão, vale ainda observar o anotado por Hélio Saul Mileski (2003, p. 66):

[...] o legislador nacional, ao estabelecer o planejamento como pressuposto indispensável para a responsabilidade fiscal, visando a prevenir e corrigir desvios capazes de afetar as contas públicas, busca recuperar a capacidade de planejamento do Estado, no sentido de resgatar a confiabilidade do Poder Público e, mediante um pacto de solidariedade com a sociedade [...].

Dessa forma, o planejamento, com a edição da LRF, ganhou maior relevância no

universo financeiro da Administração Pública, porque visa otimizar a aplicação dos recursos em

ações consideradas prioritárias, ainda mais pelo fato de sua essencialidade, face à exigência

constitucional (art. 174, caput, CRFB/88). “No planejamento está inserido o sistema

orçamentário com a exigência de elaboração de um Plano Plurianual, conforme o qual serão

traçadas diretrizes orçamentárias que orientarão a estruturação do orçamento anual” (MILESKI,

2003, p. 66).

Assim, a adoção de um sistema de planejamento integrado na Administração Pública,

composto por Plano Plurianual, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e pela Lei Orçamentária

11 O art. 3° e respectivos parágrafos da LRF foram vetados em razão de estabelecer regras acerca da Lei do Plano Plurianual, mais precisamente sobre os reduzidos prazos de encaminhamento dessa lei ao Poder Legislativo, não se permitindo um adequado planejamento. Assim, referido veto deu-se em virtude de contrariar o interesse público.

Anual, visa priorizar a melhor aplicação dos recursos financeiros e minimizar os problemas

econômicos e sociais existentes.

A seu turno, o Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal do Tribunal de Contas de Santa

Catarina (2002, p. 22), enfatiza que:

O Planejamento, através da Lei de Responsabilidade Fiscal, foi elevado à categoria de elemento primordial na [...] gestão fiscal responsável, cujos fundamentos se encontram estabelecidos também na transparência dos resultados e no controle de limites e prazos. É inegável o forte conteúdo de ficção de que se revestiam os instrumentos orçamentários em grande parte da administração pública brasileira.

A ficção dos orçamentos, como visto anteriormente, alicerçava-se em implementar

despesas com base em receitas majoradas e imprecisas, financiadas através do déficit público.

Entretanto, após a edição da LRF, quando se exigiu o acompanhamento concomitante da

concretização das metas de receita para realizar a despesa, essa ficção não se tornou mais

possível, posto que a LRF determinou, em regra, que a despesa somente poderá ser efetuada

mediante concreto ingresso de recursos financeiros.

Ainda há que ser lembrado que as peças orçamentárias convertidas em lei (PPA, LDO e

LOA) são previsões, isto é, há possibilidade de realização – ou não, do que foi planejado, em

razão das contingências havidas no decorrer do exercício, quer na receita, ou na despesa. Cite-se

como exemplo de contingência os danos provenientes da passagem do furacão Catarina, onde os

administradores públicos tiveram de socorrer-se dos recursos orçamentários para suprir a urgente

necessidade de reparar os estragos produzidos (TCE, Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal,

2002, p.22 – 30).

1.2.2 Transparência

Embora a transparência seja estudada mais detalhadamente num próximo momento

neste trabalho, faz-se necessário, porém, inicialmente, entender que como previsão da LRF, ela é

muito mais do que publicidade.

A publicidade governamental, conforme esclarece Joseane Aparecida Corrêa (2003, p.

137), está prevista no artigo 37, § 1º12, da Constituição Federal, e tem como finalidade precípua

tornar público os atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, com o

objetivo de educar, informar e orientar a sociedade. E acrescenta (2003, p. 138):

A publicidade governamental é instrumento de aproximação entre governo e sociedade; viabiliza a participação popular nas políticas públicas na medida em que só há interesse pelo que se conhece (DALLARI, 1991, p. 247). Destarte, a sociedade deve saber o que o governo faz e como faz, tomar conhecimento de seus atos e objetivos para colaborar e também controlar. (CORRÊA, 2003, p. 138).

Ao definir através do art. 4813 , os instrumentos para a verificação do cumprimento dos

preceitos que estabelece, a LRF deu nova conformação à transparência que agora deve permear a

gestão fiscal, por determinação do § 1º do art. 1º14, como também no, que define os instrumentos

para a verificação de seu cumprimento. Dessa forma, com a sua instituição, ampliou-se a noção

de publicidade; em verdade, foi dado novo enfoque à forma de publicação e divulgação dos atos

administrativos. A transparência passou a funcionar como instrumento de controle mais

detalhado sobre o erário, visto permitir a compreensão do que ocorre na Administração.

Corrobora-se o afirmado através do ensinamento de Wallace Paiva Martins Júnior

(2004, p. XIII):

Verifiquei que a transparência não se resume à publicidade, englobando instrumentos que, como a motivação e a participação popular na Administração Pública, concretizem a idéia da mais ampla visibilidade da atuação e gestão do interesse público e,

12BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 37 - [...] § 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. 13 BRASIL. LRF. Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos. 14 BRASIL. LRF. Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. § 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

conseqüentemente, viabilizem a ruptura do modelo tradicional secreto e hermético de Administração Pública e a consolidação do Estado Democrático de Direito.

O Brasil é hoje um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CRFB/88), em

termos jurídicos e políticos, agregando-se à sua organização o elemento democrático. “Tal indica

que as exigências democráticas devem informar tanto a organização estatal concreta, em todas as

esferas, quanto o elemento jurídico, o Direito propriamente dito, fator de conformação da vida

social e do Estado (PESSOA, 2000, p. 30 - 31).

Esclarece ainda Robertônio Pessoa (2000, p. 31):

O componente democrático associado à categoria do Estado Democrático de Direito, contém, em termos de Direito Público [...], dois imperativos básicos: a) o reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais da pessoa e dos grupos sociais pelo Estado; e b) a participação democrática do cidadão na condução da coisa pública, principalmente nos assuntos que mais de perto lhe digam respeito.

Dessa forma, então, é possível vislumbrar que a participação popular na Administração

Pública será viabilizada através do respeito aos direitos garantidos na Constituição Federal.

Tendo em vista que é propósito do trabalho discorrer sobre a Transparência

Administrativa e sua efetivação, adentrar-se-á mais profundamente sobre o tema em capítulo

próprio, inclusive quanto aos demais princípios constitucionais correlatos a ela.

1.2.3 Controle

Para acompanhar os procedimentos da gestão fiscal, tendo-se como parâmetros atos

realizados com responsabilidade e atendimento ao interesse público, faz-se necessário a

existência de controle para a verificação desses atos à luz dos limites contidos e obrigações

previstas na LRF.

O controle, também previsto como um dos fundamentos da LRF, para que se efetive seu

exercício, é necessária a existência dos pressupostos: planejamento, que estabelece os objetivos e

metas que se pretende atingir; e a execução, na qual se constata a realização dos objetivos e metas

previstas, ou seja, momento em que se verifica a implementação daquilo que foi planejado.

Então, o controle se dá no confronto entre os padrões de medida com as tarefas realizadas, isto é,

a comparação entre o planejamento e a execução (GATTRINGER, 2004, p.14).

A LRF (art. 59) incorpora o sistema de controle estabelecido na Constituição Federal, ou

seja, o faz através dos controles interno15 e externo16. Sobre os sistemas de controle interno e

externo, Yara Darcy Police Monteiro (2002, p. 489) elucida:

As regras da LRF disciplinadoras da execução orçamentária dispostas nos arts. 8° a 10 possibilitam ao administrador um autocontrole das contas públicas, mediante avaliações constantes dos empenhos e desembolsos em face da receita efetivamente realizada determinando a adoção de medidas limitativas da despesa para manter a sintonia entre o fluxo de receita e os desembolsos.

Nos termos do art. 59, a fiscalização da gestão fiscal será efetuada pelos órgãos de controle interno, pelo Tribunal de Contas, pelo Poder Legislativo e pelo Ministério Público.

Dessa forma, o controle na Administração Pública deve cingir-se principalmente:

[...] às questões relacionadas à realização do orçamento, o acompanhamento do cumprimento das metas traçadas e o atendimento dos limites legais. Este controle deve ser o mais adequado possível, dando relevo à qualidade das informações, de modo que se possa compreendê-las e fiscalizá-las com mais efetividade (GATTRINGER, 2004, p. 15).

Quanto ao objeto do controle preconizado na Lei de Responsabilidade Fiscal, anota

João Luiz Gattringer (2004, p. 15):

Consoante os diversos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, devem ser estabelecidos controles, principalmente quanto: a) à verificação do cumprimento de metas de receita e de resultados e realizações de despesas estabelecidos na LDO; b) a efetividade da arrecadação; c) aos procedimentos relativos à renúncia de receitas; d) aos procedimentos para combate à evasão e sonegação fiscal; e) a estimativa do impacto e critérios para criação, expansão, e aumento de despesas; f) a obediência aos limites estabelecidos às despesas com pessoal; g) ao acompanhamento gerencial das despesas com seguridade social; h) a autorização para transferência de recursos ao setor privado; i) a obediência aos limites da dívida pública e critérios de concessão de operações de crédito; j) à concessão de operações de crédito por antecipação da receita; e, l) à dívida flutuante e dos restos a pagar.

15 “Controle interno – É todo aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da própria Administração. Assim, qualquer controle efetivado pelo Executivo sobre seus serviços ou agentes é considerado interno, como interno será também o controle do Legislativo ou do Judiciário, por seus órgãos de administração, sobre seu pessoal e os atos administrativos que pratique. [ Constituição Federal de 1988, art. 74, e § 1°]” (MEIRELLES, 2003, p. 638). 16 “Controle Externo – É o que se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato controlado, como, p.ex., a apreciação das contas do Executivo e do Judiciário pelo Legislativo; a auditoria do Tribunal de Contas sobre a efetivação de determinada despesa do Executivo; a anulação de um ato do Executivo por decisão do Judiciário; a sustação de ato normativo do Executivo pelo Legislativo (CF, art.49, V)” (MEIRELLES, 2003, p. 638).

Com referência à fiscalização das ações exigidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal,

esta será executada através do controle interno (da própria Administração) e externo, pelo Poder

Legislativo, pelos Tribunais de Contas e pelo Ministério Público, conforme regra insculpida no

art. 59. Enfatiza João Luiz Gattringer (2004, p. 15):

Quanto à fiscalização do cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, a teor do artigo 59 da LRF, esta será efetuada pelo Poder Legislativo, pelos Tribunais de Contas, pelo sistema de controle interno de cada Poder e pelo Ministério Público, devendo essa fiscalização centrar-se em verificar: a) se as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias foram atingidas; b) se os limites estabelecidos para as despesas de pessoal estão sendo respeitados e, caso estes não estejam atendidos, se estão sendo implementadas medidas para o cumprimento desse limite; c) se os limites e condições para a realização de operações de créditos e inscrição em Restos a pagar estão sendo cumpridos; d) se os limites estabelecidos para a dívida consolidada e mobiliária estão atendidos; e) se os parâmetros constitucionais relativos aos gastos com o Poder Legislativo e parlamentares estão sendo cumpridos; f) se a destinação dos recursos obtidos com a alienação de ativos está de acordo com a lei.

Assim, conforme as regras estabelecidas nos artigos 52 e 54 da LRF, são determinados

períodos para efetivação dos controles, ou seja, por bimestre ou por quadrimestre. Dessa forma,

os órgãos de controle deverão verificar se o ente federativo está agindo em consonância com a

Lei, caso contrário, a LRF indica os mecanismos para efetuar a “correção dos desvios”. Por

exemplo, a LRF no artigo 19, inciso III, indica que o limite da despesa com pessoal para o

município é de 60% (sessenta por cento), que deve ser apurado a cada quadrimestre (art. 22),

conforme as regras da citada lei. Porém, segundo o artigo 23 da LRF, caso seja ultrapassado esse

limite, a Administração terá que adotar providências para a recondução ao patamar permitido

(GATTRINGER, 2004, p.15).

Para tanto, por exemplo, o Tribunal de Contas de Santa Catarina, pôs em operação um

sistema via internet para controlar os dispositivos da LRF chamado de LRF-NET. Esse sistema

visa efetivar o controle estabelecido no artigo 59 da LRF e, consolidar a missão do Tribunal

frente à função de controle. Um dos principais dispositivos do sistema do Tribunal é a

disponibilização dos dados rapidamente aos administrados e à sociedade, inclusive, disparando o

que se chamou de “alerta”, diante da possibilidade da Administração descumprir os limites da lei

(GATTRINGER, 2004, p.15).

Ainda, sobre o controle na Administração Pública, destaca-se o controle social, que vem

ganhando relevância no cenário brasileiro. A LRF consagra o controle social no seu artigo 49, in

verbis:

Art.49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo, ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.

Acerca desse assunto, escreve Hélio Saul Mileski (2003, p.152)

[...] o conceito de controle social fica entendido como limitação do agir individual na sociedade. Contudo, cada sociedade ou grupo social, no curso da sua história, adota os mecanismos de controle social que melhor atendam e garantam o consenso de convivência harmônica. Assim, tendo em conta os interesses de cada sociedade ou grupo social, envolvendo, conforme o caso, situações de natureza política, social, jurídica ou econômica, o objetivo do controle social será destinado e exercido de acordo com um ou outro aspecto.

Em arremate, escreve ainda Hélio Saul Mileski (2003, p. 275)

Como complemento ao sistema de controle oficial, a Constituição também estabelece a obrigatoriedade de ser realizado o controle social nas contas do Prefeito Municipal (art. 31, § 3°), na medida em que determina, compulsoriamente, que as contas municipais tenham de ficar, pelo período de sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei. Contudo, tratando-se de uma norma de eficácia contida, visto depender de regulamentação legal para produzir efeitos, para que seja possibilitado o exercício do controle social constitucionalmente previsto é necessária a edição de lei regulamentadora da forma de ser questionada a legitimidade das contas.

Assim, como visto, o exercício do controle social sobre a gestão fiscal da Administração

Pública municipal já era previsto para os Municípios no texto constitucional (§ 3° do art. 31 da

CRFB/8817), porém durante o prazo de apenas sessenta dias. Com a edição da LRF, o período foi

ampliado para o fluir de todo o exercício, ou seja, uma no, estendido agora a todos os entes da

Federação. Contudo, na afirmação de Hélio Saul Mileski, o exercício de fiscalização ainda

depende de lei regulamentadora, porque trata-se de “norma de eficácia contida”, o que se mostra

como um entrave à fiscalização social dessas contas (MILESKI, 2003, p. 275 ).

17 Art. 31, § 3º - [...] § 3º - As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual questionar-lhes-á a legitimidade, nos termos da lei.

1.2.4 Responsabilização ou sanção

Sobre a responsabilização ou sanções advindas da Lei de Responsabilidade Fiscal,

ocorrem sempre “quando forem constatados descumprimentos às regras da LRF”, gerando

penalidades que podem ser de ordem institucional e pessoal. Quanto à responsabilização

institucional, esta diz respeito às sanções previstas na LRF dirigidas ao ente federativo; por

exemplo, ao Ente são previstas punições com suspensão das transferências voluntárias, das

garantias e contratação de operações de crédito, inclusive ARO. Quanto à responsabilização

pessoal, diz respeito às sanções dirigidas aos agentes responsáveis pelos descumprimentos da Lei.

Estas punições estão previstas principalmente na Lei n° 10.028/00, também chamada de Lei dos

Crimes Fiscais (punições administrativas e penais) e na Lei n° 8.429/92, Lei de Improbidade

Administrativa (punições de ordem civil), entre outras (GHIZZO NETO; GATTRINGER, 2004,

p. 25 - 26).

Nesse sentido, também infere Flávio Régis Xavier de Moura e Castro (2000, p. 19):

A Lei de Responsabilidade Fiscal nada mais é do que um código de condutas a ser obedecido por todos os gestores públicos, em todas as esferas de governo. E, como tal, precisa ser seguido, digamos, à risca. Por isso mesmo, sua inobservância acarretará diversas penalidades. Os administradores públicos que não cumprirem os comandos da lei em exame sofrerão várias sanções, quer de ordem institucional, quer de ordem pessoal. Vejamos: As chamadas sanções institucionais estão prenunciadas na própria Lei Complementar n° 101/2000 [...]. As sanções denominadas pessoais estão previstas no Projeto de Lei Ordinária n° 621/99, de origem do Poder Executivo Federal (em tramitação no Congresso Nacional), por força do disposto no art. 73 da Lei de Responsabilidade Fiscal [...].

Yara Darcy Police Monteiro (2002, p. 490), do mesmo modo aponta que:

O descumprimento das disposições da LRF implica a aplicação de sanções administrativas ao ente faltoso, a exemplo das proibições de receber transferências voluntárias, de obter garantia de outro ente, de contratar operações de crédito, salvo as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal, na forma prevista nos arts. 23, § 3°, e 31. A doutrina tem observado que tais sanções incidem reflexivamente na comunidade. Mas além dessas sanções, prevê a LRF, no art. 73, punições de natureza penal ao agente público responsável pelo descumprimento de suas disposições. Aludidas sanções penais não se encontram, porém, previstas na própria LRF, que se limita a dispor no mencionado art. 73 que “As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Dec.-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950; o Dec.-lei n° 201, de 27 de

fevereiro de 1967; a Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente”. Pois bem, a Lei n° 10.028, de 19.10.2000, foi editada exatamente para acrescentar condutas penais relativas ao descumprimento de disposições da LRF aos diplomas legais arrolados no preceito supra transcrito.

Também comungam desse entendimento Flávio C. de Toledo Jr. e Sérgio Ciquera Rossi

(2001, p. 284 - 85), porém, acrescentam que as penalizações são brandas e atingem a

comunidade, quando dizem que:

As punições administrativas da LRF alcançam o ente político, o que acaba por penalizar as respectivas populações. Vai daí que são brandas: - corte de transferências voluntárias, não atingindo as áreas contempladas pela imensa maioria desses benefícios, Saúde, Educação e Assistência Social (art. 25, § 3°); - proibição de contratar operações de crédito as quais, segundo o eminente Prof. Amir Khair, não respondem nem por 1% da receita municipal; - impossibilidade de obter garantias, diretas ou indiretas, de outro ente federado. Por outro lado, a lei de crimes fiscais atinge a pessoa, o agente público infrator, o que, a priori, assegura maior eficácia aos preceitos do regime fiscal responsável. Promulgado em 20.10.2000, tal instrumento leva o n° 10.028 e, no caso do Município, inseriu vinte novos tipos penais, oito no Código Penal, oito no Decreto-Lei n° 201/67 e outros quatro específicos da Lei em questão.

Quanto à ponderação formulada por Flávio C. de Toledo Jr. e Sérgio Ciquera Rossi, no

que diz respeito à punição atingir a comunidade, pode ser citado como exemplo o bloqueio de

transferências voluntárias que o Município vinha recebendo e deixa de receber em razão da

irresponsabilidade fiscal do gestor, ocasionando a possibilidade, por exemplo, de paralisação da

obra financiada com esse recurso voluntário.

Importa ainda destacar o contido no § 2° do artigo 5° da Lei n° 10.028/00, que prevê a

aplicação de sanções administrativas pelos Tribunais de Contas, ao agente que descumprir a LRF.

São infrações de natureza administrativa, conforme prevê o art. 5° da Lei 10.028/00, in

verbis:

Art. 5° Constitui infração administrativa contra as leis de finanças públicas: I - deixar de divulgar ou de enviar ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas o relatório de gestão fiscal, nos prazos e condições estabelecidos em lei; II - propor lei de diretrizes orçamentárias anual que não contenha as metas fiscais na forma da lei; III – deixar de expedir ato determinando limitação de empenho e movimentação financeira, nos casos e condições estabelecidos em lei; IV - deixar de ordenar ou de promover, na forma e nos prazos da lei, a execução de medida para a redução do montante da despesa total com pessoal que houver excedido a repartição por Poder do limite máximo.

Essas infrações administrativas apuradas pelos Tribunais de Contas em processos cujos

julgamentos são de sua competência, sujeita o agente que lhes deu causa à punição com multa de

trinta por cento de seus vencimentos anuais, sendo o pagamento da multa de sua responsabilidade

pessoal, conforme previsto no § 1° do art. 5° da Lei n° 10.028/00, que trata sobre os crimes

advindos da Lei de Responsabilidade Fiscal (GHIZZO NETO; GATTRINGER, 2003, p. 25 –

26).

Discorrido sobre os principais aspectos da responsabilidade na gestão fiscal, isto é, seu

significado, as razões que levaram a edição da LRF no contexto brasileiro, os seus principais

fundamentos, quais sejam: planejamento, transparência, controle e responsabilização, passa-se a

analisar a transparência dentro da gestão fiscal.

2 TRANSPARÊNCIA E TRANSPARÊNCIA FISCAL

Neste capítulo se estudarão os aspectos relacionados à transparência no ambiente

público estatuídos pela LRF, quais sejam, o significado de transparência fiscal, e os instrumentos

determinados pela Lei para viabilizá-la.

2.1 A TRANSPARÊNCIA ADVINDA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

A partir da previsão constitucional do princípio da publicidade, positivado na

Constituição de 1988 pelo artigo 37, caput, teve-se como diretriz tornar os fatos da

Administração Pública divulgados oficialmente, colocando à disposição da sociedade

informações não sigilosas da atividade administrativa; atinha-se apenas à divulgação dos atos

administrativos para, dentro do princípio da legalidade18, emprestar-lhes essa caracterização e

dar-lhes validade.

Veja-se o que ensina Hely Lopes Meirelles (2003, p. 92 - 93):

Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí porque as leis, atos e contratos administrativos que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros. [...] A publicidade, como princípio de administração pública (CF, art.37, caput), abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes.

Dessa forma, a publicidade é requisito de eficácia e moralidade dos atos administrativos,

pois o ordenamento jurídico pátrio exige que os atos administrativos sejam publicados para

tornarem-se válidos. Entretanto, publicidade e transparência são coisas distintas.

Transparência, enquanto princípio, ainda é ponto controvertido, visto que os

doutrinadores não pacificaram essa questão. 18 “A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso” (MEIRELLES, 2003, p. 86).

Contudo, transparência vai mais além do que se visa através do princípio da publicidade.

Transcende a simples divulgação do que a Administração Pública realiza ou diz realizar. Deve a

publicidade atingir o ato de tal modo que o faça ser compreendido pela sociedade; a partir desse

momento então, em que o entendimento tiver sido alcançado, é que se poderia falar no princípio

da transparência.

A publicidade governamental dos atos, obras e campanhas tem o caráter fundamental de

dar conhecimento de algo que já foi feito, enquanto a transparência vai além disso; procura

propiciar a participação popular no que será feito pelo governo; mas não qualquer tipo de

participação, e sim aquela com conhecimento de causa, pois a população passará a ter acesso às

informações necessárias, à formação de um juízo consciente sobre quais as prioridades

administrativas e o modo de realizá-las.

Como definição de transparência, Juarez Freitas (apud MARTINS, 2004, p. 6, grifo

nosso), a relaciona com o princípio da publicidade, e destaca :

[...] o princípio da publicidade ou da máxima transparência consiste na ‘comunicação transparente à sociedade dos atos, contratos e procedimentos da Administração Pública e obriga o desenvolvimento da ação administrativa com a visibilidade do sol do meio-dia’.

Nas palavras de Wallace Paiva Martins Júnior (2004, p. 5):

O crescimento dos níveis de transparência administrativa é conquista cultural na evolução da idéia de democracia como antítese da opacidade decisória. A transparência representa, pois, um ritual de passagem de um modelo de administração autoritária e burocrática à administração de serviço e participativa, em que a informação sobre todos os aspectos da Administração Pública é o pressuposto fundamental da participação.

O que se tem, em conseqüência, é a instituição da transparência como padrão para as

informações acerca da Administração Pública.

Importante observar que a transparência administrativa, no direito comparado, está

arrolada entre os princípios gerais de direito administrativo, e assim, nas palavras de Wallace

Paiva Martins Júnior (2004, p. 5):

Foi objeto do direito comunitário europeu (Tratado de Maastrich, 1992; Tratado de Amsterdã, 1997; Diretiva n. 95/46), com a proclamação da abertura na tomada de decisões administrativas e sua aproximação com os cidadãos, em movimento de ruptura do tradicional segredo administrativo, seguindo o exemplo da regulação sueca (de 1766) de direito de acesso e publicação dos documentos oficiais. A edição da Lei n. 241/90 no

direito italiano significou decisivo passo para transformação da estrutura da Administração Pública em uma casa di vetro [de vidro], pela transparência do processo decisório, aproximando os administrados aos administradores, fator de resgate na confiança popular em suas relações com o poder público, viabilizado por medidas de crescimento dos níveis de acesso às informações em poder da Administração Pública, como publicidade, participação e motivação.

2.2 TRANSPARÊNCIA FISCAL OU TRANSPARÊNCIA ADMINISTRATIVA

Após a edição da LRF, a transparência passou a ter função essencial na gestão fiscal

em razão da inserção do Capítulo IX – Da Transparência, Controle e Fiscalização.

Segundo Hélio Saul Mileski (2003, p. 109):

A transparência, como um dos pressupostos legais fixados para a responsabilidade na gestão fiscal, é uma das principais inovações realizadas pela Lei Complementar 101/2000, com produção de importantes conseqüências na atividade financeira do Estado, que visa a estimular a participação e o controle popular sobre os atos do Administrador Público, especialmente os que envolvem a estruturação do sistema orçamentário.

Sendo assim, a transparência almejada pela LRF é muito mais do que simples

publicidade; é tornar claro o modo pelo qual está sendo arrecadado e utilizado o dinheiro público.

A transparência foi prevista pela lei como sendo parte das ferramentas colocadas ao

alcance do Administrador para compartilhar as políticas públicas com a sociedade civil, pois é

um dos objetivos da lei impor ao gestor dos recursos do erário, uma administração responsável,

mas além de tudo, transparente.

A transparência fiscal, segundo Hélio Saul Mileski (2003, p. 103):

[...] é exigência de pura essência democrática. Toda a ação de governo tem de ser dirigida para o atendimento da finalidade pública, representando um padrão confiável de atuação governamental, em que haja demonstração pública regular de todos os atos praticados na condução do gerenciamento fiscal, para serem auferidos a confiança e o respeito a população. Sendo obrigados a realizar demonstração regular de seus atos, os administradores sabem que estão sob controle e, por isso, tornam-se mais responsáveis e cuidadosos na condução dos atos de gestão fiscal e dos planos de governo.

O objetivo da lei está estabelecido já em seu parágrafo 1° do artigo 1°, no qual fica

destacada a obrigatoriedade da transparência como um dos fundamentos de consolidação da

gestão fiscal responsável, nos termos seguintes:

§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

Sendo assim, a transparência fiscal está relacionada à divulgação da gestão fiscal pela

Administração Pública à sociedade, com objetivo que esta compreenda o que aquela vem

realizando. Para isso, a própria LRF prevê os instrumentos capazes de viabilizar a transparência,

que serão estudados mais adiante.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em prefácio à obra Transparência Administrativa de

Wallace Paiva Martins Júnior (2004, p. XV, grifo nosso) esclarece:

A conjugação de publicidade, motivação e participação popular aponta para a existência do princípio da transparência a orientar as atividades da Administração Pública [...].

O princípio da transparência pode ser melhor vislumbrado quando conjugado com a

motivação e a participação popular. Assim, dando-se motivação ao ato, permite-se o seu

entendimento, e em conseqüência, a interação da Administração com a comunidade.

Nas palavras de Hely Lopes Meirelles (2003, p. 97) :

[...] Pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática.

Da mesma forma acerca da motivação, Wallace Paiva Martins Júnior (2004, p. 24)

destaca que:

A motivação é instrumentalizada pela publicidade; a participação permite uma motivação ponderada sobre todos os interesses em torno da decisão administrativa. [...] A transparência administrativa abrange a motivação pelo relevo jurídico autônomo como processo de persuasão, pela externação das razões da atuação administrativa para o conhecimento dos administrados e a informação da opinião pública. [...] as razões justificatórias são importantes formas de controle do exercício do poder nas democracias, pois a apresentação de razões públicas é o único meio de controle das decisões e de mensuração de adequação e legitimidade, mantendo a sociedade aberta e democrática.

A gestão fiscal responsável, prevista pela Lei de Responsabilidade Fiscal, trouxe nova

dimensão à participação do administrado no campo das decisões administrativas. Exige que a

comunidade participe do governo.

Sobre a participação popular, tenha-se que esta é conseqüência da transparência, e nos

dizeres de Wallace Paiva Martins Júnior (2004, p. 20 e 21):

[...] a participação decorre e é proporcionada pela transparência administrativa, com a finalidade de, a partir do conhecimento (informação) viabilizado pela publicidade, possibilitar uma atuação mais ativa do administrado. A transparência, para além da publicidade, só prevalece com ampla participação do povo no governo.

O parágrafo único do artigo 4819 da LRF estabelece ser a transparência assegurada pela

participação popular e pela realização de audiências públicas nos processos de elaboração e

discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Segundo Gilmar Ferreira Mendes, como exemplo de participação popular pode-se citar

a própria LRF, pois quando do processo de sua elaboração, contou com inúmeras contribuições

da sociedade, através da realização de consultas públicas realizadas através da internet, debates

com segmentos da sociedade e autoridades estaduais e municipais (MENDES, 2001, p. 339).

Para Wallace Paiva Martins Júnior (2004, p. 17 - 18):

Seja qual for o grau de transparência administrativa em um ordenamento jurídico, esta é considerada um dos alicerces básicos do Estado e da moderna Administração Pública pelo acesso à informação e pela participação na gestão da coisa pública, diminuindo os espaços reservados ao caráter sigiloso da atividade administrativa [...]. Uma observação preliminar indicará como grande conquista da transparência administrativa o reforço dos níveis e canais de vigilância sobre a juridicidade da atuação administrativa e, sobretudo, sobre a concreta, efetiva e real preservação e satisfação do interesse público, mola mestra da Administração Pública [...].

O mecanismo que envolve a transparência, conforme enfatiza de Wallace Paiva Martins

Júnior (2004, p. 22), pode ser compreendido do seguinte modo:

Como num círculo virtuoso, o conhecimento do fato (acesso, publicidade) e de suas razões (motivação) permite o controle, a sugestão, a defesa, a consulta, a deliberação (participação).

19 Art. 48 [...] Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

A transparência propicia então a atuação do administrado na gerência da coisa pública,

agindo como ator participativo, fiscalizando ou até mesmo ajudando a decidir o que é do

interesse público.

As audiências e as consultas públicas se prestam à função que a própria LRF prevê no

parágrafo único do artigo 4820, qual seja, o incentivo à participação popular.

Sobre a audiência pública, esclarece Wallace Paiva Martins Júnior (2004, p. 347):

A audiência pública concretiza-se mediante oitivas e debates sobre um determinado assunto, enquanto a consulta pública se materializa pela coleta de opiniões e sugestões escritas sobre específica matéria. De resto, ambas são prévias à edição de um ato administrativo, integrando o seu processo de formação, tendo como objeto direitos ou interesses (direta ou indiretamente) transindividuais.

Merece destaque a menção de que a transparência é passível de restrições. Conforme

Wallace Paiva Martins (2004, p. 33):

A transparência administrativa está sujeita a restrições por situações especiais (preservação da supremacia e da indisponibilidade do interesse público e proteção de outros interesses juridicamente relevantes), justificadoras de regras restritivas compatíveis e razoáveis, que, obviamente, têm caráter excepcional, sob pena de transformar a regra em exceção e vice-versa.

A partir do momento que o povo participa nas decisões administrativas, como

conseqüência ocorre uma maior correspondência entre o que a sociedade necessita e o que a

Administração faz, gerando dessa forma maior satisfação do administrado.

2.2 OS INSTRUMENTOS DE TRANSPARÊNCIA FISCAL

A LRF exige uma série de relatórios e demonstrativos, que visam reunir informações

necessárias para tornar viável o controle e a avaliação dos atos da Administração Pública, frente à

arrecadação e a aplicação dos recursos públicos.

20 Art. 48 [...] Parágrafo único - A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Dessa forma, a LRF previu no capítulo IX, que trata sobre - Transparência, Controle e

Fiscalização, os instrumentos específicos capazes de tornar possível a transparência na

Administração Pública, conforme o estabelecido no caput do artigo 48, que assim dispõe:

Art. 48 São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Portanto, esta regra estabelecida na Lei de Responsabilidade Fiscal exige que se dê

ampla divulgação, inclusive por meios eletrônicos, aos planos, orçamentos e leis de diretrizes

orçamentárias; às prestações de contas e o respectivo parecer prévio; ao Relatório Resumido da

Execução Orçamentária e ao Relatório da Gestão Fiscal; e às versões simplificadas de tais

documentos. Serão abordados a seguir os conceitos e características de cada um destes

instrumentos.

2.2.1 Os planos, a lei de diretrizes orçamentárias e os orçamentos

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, conforme o artigo 16521, estabelece a adoção

de um sistema orçamentário integrado de forma hierarquizada, no qual está previsto a elaboração

de três leis relacionadas entre si, quais sejam: a Lei do Plano Plurianual, ou PPA; a Lei de

Diretrizes Orçamentárias, ou LDO; e, a Lei do Orçamento Anual, ou LOA.

Assim, estas leis integram o sistema de planejamento brasileiro que, num processo

contínuo, desempenham uma função predeterminada e interligada, no sentido de que seja

alcançada a satisfação das necessidades públicas (MILESKI, 2003, p. 59), em cada esfera da

Federação.

a) Plano Plurianual - PPA

21 Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais.

Conforme estabelece o § 1° do artigo 165 da Constituição Federal22, o plano plurianual

ou PPA, é uma lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, que se traduz num instrumento de

planejamento estratégico das ações de governo de médio prazo, através do qual se procura

ordenar essas ações do governo que levam ao atingimento dos objetivos e metas fixadas para um

período de quatros anos para a União, Estados e Municípios, visando orientar e fortalecer as

funções programáticas estabelecidas no PPA, para integrá-las na Lei de Diretrizes Orçamentárias,

ou LDO, e nas Leis Orçamentárias Anuais, ou LOA (TCE, Guia da Lei de Responsabilidade

Fiscal, 2002, p. 22).

O PPA estabelece inicialmente as despesas de capital, ou seja, os investimentos

relacionados à execução de obras; aquisição de imóveis, equipamentos e materiais permanentes,

etc. O PPA deverá prever também, para o período a que se refere, o gasto decorrente das

despesas de capital anteriormente citadas, isto é, despesas dos programas de duração continuada,

sendo estes os de duração superior a um ano. Assim, por exemplo, se no período for efetuada a

construção de um posto de saúde, deverá igualmente ser previstos os gastos relativos à sua

manutenção (TCE, Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal, 2002, p. 22).

A Lei de Responsabilidade Fiscal, no entanto, não contempla nenhuma nova formulação

para o PPA em virtude do veto presidencial ao artigo 3° da lei23. Previa esse artigo a criação de

um Anexo de Política Fiscal no qual seriam ‘estabelecidos os objetivos e metas plurianuais de

política fiscal a serem alcançados durante o período de vigência do plano, demonstrando a

compatibilidade deles com as premissas e objetivos das políticas econômicas nacional e de

desenvolvimento social’. (KHAIR, 2001, p. 23).

Contudo, permanece para a Administração Pública a obrigação de elaborar o PPA

conforme as regras previstas na Constituição Federal, nos artigos 165 a 167 e artigo 35 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que são mais completas do que o previsto

para o PPA no artigo 3°, vetado, da Lei de Responsabilidade Fiscal, visto que os prazos previstos

22 Art. 165, § 1° - [...] § 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. 23 O artigo 3° da Lei de Responsabilidade Fiscal foi vetado em razão do curto prazo (apenas quatro meses) para a elaboração desse plano e pelo fato de o Anexo de Política Fiscal confundir-se com o Anexo de Metas Fiscais, criado no artigo 4° da LRF como integrante da Lei de Diretrizes Orçamentárias (KHAIR, 2001, p. 23).

na Constituição Federal para elaboração do PPA, proporcionam melhor adequação às premissas

do planejamento (KHAIR, 2001, p. 23).

Convém ressaltar que o PPA é o plano norteador de todas as ações do governo. Assim,

tanto a LOA como a LDO deverão estar em consonância com o previsto neste plano, conforme

exigem os parágrafos 4° e 7° do artigo 165 da Constituição Federal24, como também nos artigos

5°, 15, 16, inciso II e 17, da Lei de Responsabilidade Fiscal 25.

b) Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO

A LDO, lei de iniciativa do Poder Executivo, elaborada pelo menos até oito meses e

meio antes do encerramento do exercício financeiro26, conforme está estabelecido no artigo 165,

§ 2°, da Constituição Federal27, compreenderá as metas e prioridades da Administração Pública,

incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração

da LOA e disporá sobre as alterações da legislação tributária (MILESKI, 2003, p. 57).

A LRF, em seu artigo 4°, ampliou a gama de funções estabelecidas nos dispositivos

tratados na Constituição Federal para a LDO, quando determinou que esta Lei também deveria

dispor sobre: a) o equilíbrio entre a receita e a despesa; b) os critérios e forma de limitação de

empenho; c) as normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos programas financiados

com recursos do orçamento; e, d) demais condições e exigências para transferências de recursos a

entidades públicas e privadas (MILESKI, 2003, p. 57).

24 Art. 165 [...] § 4º. Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional. [...] § 7º. Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. 25 Art. 5°. O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar: [...]Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17. Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: [...] II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. [...]. 26 BRASIL. Constituição Federal (1988). ADCT. Art. 35. [...] § 2º. Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o artigo 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas: [...] II - o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa. 27 Art. 165, § 2º. A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento

Conforme exige o inciso II do parágrafo 1° do artigo 169 da Constituição Federal, a

concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e

funções ou alteração da estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a

qualquer título, pelos órgãos da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e

mantidas pelo poder público, somente poderão ser feitas se houver autorização específica na

LDO, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista (TCE, Guia da Lei de

Responsabilidade Fiscal, 2002, p. 23 – 27).

A LDO será também acompanhada de um Anexo de Metas Fiscais e um Anexo de

Riscos Fiscais. O Anexo de Metas Fiscais é um plano trienal, passível de revisão a cada ano, que

fixará as metas anuais para a receita, despesa, resultados nominal28 e primário29 e o montante da

dívida para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes; apresentará também a

evolução do patrimônio líquido nos últimos três exercícios, destacando a origem e a aplicação

dos recursos obtidos com a alienação de ativos, assim como, fará a avaliação financeira e atuarial

de todos os fundos e programas estatais de natureza atuarial. O Anexo de Riscos Fiscais visa

avaliar os passivos contingentes30 e outros riscos capazes de afetar as contas, informando as

providências a serem adotadas, caso se concretizem; determinará também a forma e o montante

dos pagamentos dos passivos contingentes e outros riscos fiscais imprevistos em relação à receita

corrente líquida, assim como determinará a despesa que será objeto de limitação, respeitados os

limites definidos na própria LRF (TCE, Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal, 2002, p. 23 –

27)

Destaca-se o fato de que a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, a LDO deverá traçar

estratégias para se alcançar o equilíbrio entre a receita e a despesa, conforme previsto no art. 4°,

inciso I, letra “a” da LRF ( KHAIR, 2001, p. 26).

Assim, a LDO, integrante do sistema de planejamento estabelecido pela Constituição

Federal, deixou de ser um mero indicador das intenções genéricas do governo para, após a edição

28 Resultado nominal : é a diferença entre todas as receitas arrecadadas e as todas as despesas realizadas (SANTA CATARINA, TCE, 2002, p. 26). 29 Resultado Primário: é a receita total [excluídas as receitas financeiras], menos a despesa total excluídos os encargos financeiros integrados pelo principal e juros da dívida (SANTA CATARINA, TCE, 2002, p. 26). 30 Passivo Contingente: “são situações ou acontecimentos que dependem da ocorrência de circunstância ou exi gência futuras, resultando em provável obrigação para o ente, tais como decisões judiciais pendentes” (TCE, Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal, 2002, p. 27).

da LRF, passar a ser um verdadeiro instrumento de planejamento e norteador da elaboração da

LOA (KHAIR, 2001, p. 32).

c) Lei Orçamentária Anual - LOA

A LOA, de competência do Poder Executivo, conforme estabelece o artigo 165, § 5°,

incisos I a III, da Constituição Federal31, é constituída por três orçamentos: orçamento fiscal, o

orçamento de investimentos em empresas e o orçamento da seguridade social. Conforme o § 9°32

do mesmo artigo da Constituição, caberá à lei complementar dispor sobre o exercício financeiro,

a vigência, os prazos, a elaboração e a organização da lei orçamentária anual. Contudo, citada lei

complementar ainda não foi editada, motivo pelo qual a regulamentação do orçamento anual

ainda se efetua conforme a Lei n° 4320/6433, que foi recepcionada pela Constituição Federal

(MILESKI, 2003, p. 59).

As disposições da Lei n° 4.320/64 determinam que a elaboração e a organização da lei

orçamentária anual obedecerão à forma de orçamento-programa, em que sejam determinados os

recursos necessários à execução dos programas, sub-programas e projetos de execução da ação

governamental, classificados por categorias econômicas, por função e por unidades orçamentárias

(MILESKI, 2003, p. 60).

Além disso, é importante destacar as proibições adstritas à LOA, estabelecidas nos

incisos e parágrafos do artigo 167 da Constituição Federal, exemplificando: vedação ao início

de programa ou projeto não incluídos na LOA (inciso I); a realização de despesas ou assunção de

obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais (inciso II); a abertura de

crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos

correspondentes (inciso V); a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de

uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização

31 Art. 165. [...] § 5º. A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público. 32 Art. 165. [...]§ 9º. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos. 33 A Lei Federal n° 4320/64, estatui normas gerais de direito financeiro para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

legislativa (inciso VI); a concessão ou utilização de créditos ilimitados (inciso VII); a utilização,

sem autorização legislativa específica, de recursos do orçamentos fiscal e da seguridade social

para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos

mencionados no art. 165, § 5° (inciso VIII); a transferência voluntária de recursos e a concessão

de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estaduais e suas

instituições financeiras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (inciso X); vedação do início de investimento cuja

execução ultrapasse um exercício financeiro sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei

que autorize a sua inclusão (§ 1° ) (TCE, Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal, 2002, p. 23 –

27).

Na LRF, as normas voltadas à responsabilidade na gestão fiscal estão tratadas nos

artigos 5° ao 10, cujas regras para a elaboração e execução dos orçamentos visam adequar o

processo orçamentário à sua finalidade, especialmente no que se refere ao equilíbrio entre a

receita e a despesa, tendo em conta o cumprimento das metas de resultado primário e nominal,

estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais que integram a LDO (MILESKI, 2003, p. 59 – 60).

A LRF, além de repetir algumas exigências e vedações contidas no texto constitucional,

determinou que a LOA deverá conter: demonstrativo de compatibilidade da programação com os

objetivos e metas contemplados no Anexo de Metas Fiscais da LDO; medidas de compensação à

renúncia de receita (artigo 14) e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado34 (art.

17); conterá reserva de contingência, destinada a fazer face a passivos contingentes e outros

riscos e eventos fiscais imprevistos, cuja forma de utilização e montante, calculado com base na

receita corrente líquida35, devem estar estabelecidos na LDO (MONTEIRO, 2001, p. 326).

34 Despesas obrigatórias de caráter continuado: “São consideradas como despesas obrigatórias de caráter continuado as despesas correntes derivadas de medida provisória, lei ou ato administrativo normativo que determine para o ente a obrigação de sua execução por um período superior a dois exercícios (art. 17) (SANTA CATARINA, TCE, 2002, p. 50). 35 Receita Corrente Líquida: “Somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industr iais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes, e outras receitas também correntes”, do ente federativo. (SANTA CATARINA, TCE, p. 18).

2.2.2 As prestações de contas e o respectivo parecer prévio

Segundo o caput do artigo 48 da LRF, as prestações de contas e o respectivo parecer

prévio são instrumentos de transparência da gestão fiscal.

A prestação de contas, prevista constitucionalmente, está tratada no contexto da

Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária da Administração Pública, e decorre do dever

de prestar constas, inserido no parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal36.

Consoante Salomão Ribas Júnior (2004, p. 174):

Toda e qualquer pessoa, natural ou jurídica, que arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos, está sujeita à prestação de contas. Da mesma forma, todos os órgãos da Administração Pública estão sujeitos à fiscalização contábil, financeira e orçamentária (CE, art. 58).

Dessa forma, qualquer pessoa que tenha sob sua responsabilidade, direta ou

indiretamente, dinheiros, bens e valores públicos, deverá prestar contas na forma da Lei.

O conceito de prestação de contas pode ser extraído da lição de José Teixeira Machado

Jr. e Heraldo da Costa Reis (2001, p. 167 - 168):

Prestação de Contas é o ato pelo qual o agente responsável, quer pelos negócios da entidade, quer por bens ou valores públicos, face a dispositivo legal, toma a iniciativa de relatar os fatos ocorridos em relação à sua gestão, ao órgão ou pessoa que de direito é competente para aprecia-las.

A prestação de contas, em regra, se faz mediante a apresentação de balanços, conforme

exige o artigo 101 da Lei n° 4.320/6437, perante ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas, em

obediência ao que estabelece os incisos I e II do artigo 71 da Constituição Federal38.

36 Art. 70. [...] Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. 37 Art. 101. Os resultados gerais do exercício serão demonstrados no Balanço Orçamentário, no Balanço Financeiro, no Balanço Patrimonial, na Demonstração das Variações Patrimoniais, segundo os Anexos nºs 12, 13, 14 e 15, e os quadros demonstrativos constantes dos Anexos nºs 1, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 16 e 17. 38 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

Os balanços se compõem de demonstrações contábeis referentes a um exercício

financeiro, que compreendem informações dos doze meses do ano, englobando todas as

entidades órgãos e Poderes da Administração Pública, as quais devem ser preparadas e assinadas

na forma do artigo 101 da Lei n° 4.320/64, c/c o artigo 50 inciso III da LRF (TCE, Guia da Lei de

Responsabilidade Fiscal, 2002, p. 105).

Com a edição da LRF, a prestação de contas anual do Chefe do Poder Executivo deve se

fazer acompanhar dos relatórios de gestão fiscal dos demais Poderes e órgãos referidos no art.

2039, conforme previsão do art. 54, ambos da LRF, bem como do relatório do órgão de controle

interno de cada Poder (FERRAZ, 2000, p. 111).

A respeito das contas na Administração Pública é necessário fazer referência da

distinção entre as contas de governo e as dos administradores.

Conforme ensina Luciano Ferraz (2000, p. 110):

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; 39 Art. 20. A repartição dos limites globais do artigo 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: I - na esfera federal: a) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo, destacando-se 3% (três por cento) para as despesas com pessoal decorrentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do artigo 21 da Constituição e o artigo 31 da Emenda Constitucional nº 19, repartidos de forma proporcional à média das despesas relativas a cada um destes dispositivos, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar; d) 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União; II - na esfera estadual: a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo; d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados; III - na esfera municipal: a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; b) 54% (cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo. § 1º Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar. § 2º Para efeito deste artigo entende-se como órgão: I - o Ministério Público; II - no Poder Legislativo: a) Federal, as respectivas Casas e o Tribunal de Contas da União; b) Estadual, a Assembléia Legislativa e os Tribunais de Contas; c) do Distrito Federal, a Câmara Legislativa e o Tribunal de Contas do Distrito Federal; d) Municipal, a Câmara de Vereadores e o Tribunal de Contas do Município, quando houver; III - no Poder Judiciário: a) Federal, os tribunais referidos no artigo 92 da Constituição; b) Estadual, o Tribunal de Justiça e outros, quando houver. [...]

Desde já, é premente estabelecer distinção entre a competência do Tribunal de Contas para a emissão de parecer prévio sobre as contas do governo, prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo enquanto responsável direto pela execução do orçamento que se afigura único pelo princípio da unidade (art. 165, § 5° c/c art 71, I da Constituição Federal), e a competência do mesmo Tribunal para proceder ao julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens, dinheiros e valores públicos, na forma do inc. II do mesmo art. 71.

No caso das contas do governo, prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, a

competência do Tribunal de Contas se esgota na emissão do parecer prévio, que será

posteriormente submetido ao julgamento perante o Poder Legislativo; no caso das contas dos

demais administradores, o julgamento, que se atém ao âmbito dos ordenamentos de despesas, é

realizado direta e exclusivamente pelo Tribunal de Contas, independentemente do

pronunciamento do Poder Legislativo (FERRAZ, 2000, p.110 – 111).

Sobre o parecer prévio do Tribunal de Contas, este é emitido conforme a regra

estabelecida no artigo 71, inciso I, da Constituição Federal, consistindo em análise técnica das

contas anuais do Governo de cada exercício financeiro, traduzindo-se em decisão transitória e

obrigatória do Tribunal, ficando, a decisão final e definitiva, por conta do Poder Legislativo, isto

é, da Câmara de Vereadores no caso das contas dos Prefeitos (SANTOS, 2003, p. 113 – 114).

Com o advento da LRF, segundo o art. 5640, as contas prestadas pelos Chefes do Poder

Executivo incluirão, além das suas próprias, as dos Presidentes dos órgãos dos Poderes

Legislativo e Judiciário, do Chefe do Ministério Público e do Tribunal de Contas, as quais

receberão parecer prévio, separadamente, do respectivo Tribunal de Contas (TCE, Guia da Lei de

Responsabilidade Fiscal, 2002, p. 105).

Entretanto, para que a regra contida no art. 56 da LRF guarde congruência com a regra

contida no art. 71, inciso I da Constituição Federal, os Tribunais de Contas dos Estados têm

40 Art. 56. As contas prestadas pelos Chefes do Poder Executivo incluirão, além das suas próprias, as dos Presidentes dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Chefe do Ministério Público, referidos no artigo 20, as quais receberão parecer prévio, separadamente, do respectivo Tribunal de Contas. § 1º As contas do Poder Judiciário serão apresentadas no âmbito: I - da União, pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, consolidando as dos respectivos tribunais; II - dos Estados, pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça, consolidando as dos demais tribunais. § 2º O parecer sobre as contas dos Tribunais de Contas será proferido no prazo previsto no artigo 57 pela comissão mista permanente referida no § 1º do artigo 166 da Constituição ou equivalente das Casas Legislativas estaduais e municipais. § 3º Será dada ampla divulgação dos resultados da apreciação das contas, julgadas ou tomadas.

emitido parecer prévio único, como já preceituava a Constituição Federal, mas com conclusões

distintas para cada Poder ou Órgão estabelecido na LRF (FERRAZ, 2000, p. 111).

2.2.3 O relatório resumido da execução orçamentária e o relatório de gestão fiscal - RREO

O Relatório Resumido da Execução Orçamentária - RREO, tratado no artigo 52 da LRF,

será publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre e abrangerá todos os Poderes

da Administração Pública, conforme exigência já estabelecida no parágrafo 3° do artigo 165 da

Constituição Federal41.

Segundo o Manual de Elaboração do RREO constante da Portaria n° 517, de 14 de

outubro de 2002, emitido pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN, o objetivo da

periodicidade desse Relatório é permitir que, cada vez mais, a sociedade, por meio dos diversos

órgãos de controle, conheça, acompanhe e analise o desempenho da execução orçamentária dos

governos.

O conteúdo do Relatório Resumido da Execução Orçamentária está tratado no artigo 52

da LRF, que assim dispõe:

Art. 52. O relatório a que se refere o § 3o do art. 165 da Constituição abrangerá todos os Poderes e o Ministério Público, será publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre e composto de: I - balanço orçamentário, que especificará, por categoria econômica, as: a) receitas por fonte, informando as realizadas e a realizar, bem como a previsão atualizada; b) despesas por grupo de natureza, discriminando a dotação para o exercício, a despesa liquidada e o saldo; II - demonstrativos da execução das: a) receitas, por categoria econômica e fonte, especificando a previsão inicial, a previsão atualizada para o exercício, a receita realizada no bimestre, a realizada no exercício e a previsão a realizar; b) despesas, por categoria econômica e grupo de natureza da despesa, discriminando dotação inicial, dotação para o exercício, despesas empenhada e liquidada, no bimestre e no exercício; c) despesas, por função e subfunção. § 1º Os valores referentes ao refinanciamento da dívida mobiliária constarão destacadamente nas receitas de operações de crédito e nas despesas com amortização da dívida.

41 Art. 165 [...] 3º. O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.

§ 2º O descumprimento do prazo previsto neste artigo sujeita o ente às sanções previstas no § 2º do art. 51.

De acordo com o artigo 53 da LRF, acompanhará o Relatório Resumido da Execução

Orçamentária os demonstrativos relativos a: a) apuração da receita corrente líquida, na forma

definida no inciso IV do art. 2°, da LRF, sua evolução, assim como a previsão de seu

desempenho até o final do exercício; b) receitas e despesas previdenciárias a que se refere o

inciso IV do art. 50 da LRF; c) resultados nominal e primário; d) despesas com juros, na forma

do inciso II do art. 4° da LRF; e) restos a pagar, detalhando, por Poder e órgão referido no art. 20,

os valores inscritos, os pagamentos realizados e o montante a pagar; e, f) atendimento do

disposto no inciso III do art. 167 da Constituição Federal, conforme o § 3° do art. 32 da LRF, este

apenas para o último bimestre do exercício. (TCE, Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal, 2002,

p. 100).

Dessa forma, em conformidade com o artigo 165, § 3°, da Constituição Federal, e os

artigos 52 e 53 da LRF, a cada bimestre o Chefe do Poder Executivo deverá divulgar o Relatório

Resumido da Execução Orçamentária - RREO, “demonstrando o comportamento da realização da

receita e da execução da despesa, e o detalhamento do alcance das metas e resultados, como

também o acompanhamento e evolução da dívida pública” (GHIZZO NETO; GATTRINGER,

2003, p. 20).

O Relatório de Gestão Fiscal - RGF, está previsto nos artigos 54 e 55 da LRF, será

elaborado conforme disposto no Manual de Elaboração integrante da Portaria STN n° 516, de 14

de outubro de 2002, emitido e publicado a cada quadrimestre ou a cada semestre, pelos titulares

dos Poderes ou órgãos constantes no artigo 20 da LRF. O Relatório conterá: demonstrativos com

informações relativas à despesa total com pessoal, dívida consolidada, concessão de garantias e

contragarantias, bem como operações de crédito, devendo, no último quadrimestre, ser acrescido

de demonstrativos referentes ao montante das disponibilidades de caixa em trinta e um de

dezembro, das inscrições em Restos a Pagar e da despesa com serviços de terceiros, ou seja,

informará sobre o comportamento do Poder frente à obediência de limites dos gastos com pessoal

e da dívida pública, e caso necessário, as medidas adotadas para o cumprimento desses limites

(LRF, arts. 54 e 55) (TCE, Guia da Lei de Responsabilidade Fiscal, 2002, p.102).

O RREO e o RGF deverão ser amplamente divulgados e publicados, na imprensa local,

inclusive na internet, no mural público etc., como também deverão ser remetidos ao Tribunal de

Contas para avaliação e julgamento. (GHIZZO NETO; GATTRINGER, 2003, p. 21).

Convém salientar que a ausência de publicação do Relatório Resumido da Execução

Orçamentária e do Relatório de Gestão Fiscal, sujeita o ente federativo à sanção prevista no § 2°

do art. 51 da LRF, ou seja, impedirá o mesmo de receber transferências voluntárias de outros

entes da federação, como também de contratar operações de crédito, com exceção às destinadas

ao refinanciamento da dívida mobiliária (GHIZZO NETO; GATTRINGER, 2003, p. 21 - 26).

Analisados a transparência e seus instrumentos, passa-se então ao último capítulo para

enfim, analisar a efetividade dos instrumentos de transparência, eleitos pela LRF.

3 O ALCANCE DA TRANSPARÊNCIA ATRAVÉS DOS INSTRUMENTOS

PREVISTOS PELA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

A LRF destaca a observância da transparência em seu § 1º do art. 1º, como um de seus

pressupostos basilares; para isso elege como seus instrumentos àqueles previstos no art. 48 da

citada lei.

Como já enfatizado anteriormente, é objetivo do trabalho verificar se os instrumentos

estabelecidos no art. 48 da lei possuem condições de proporcionar a transparência da gestão

fiscal.

Para controlar a atuação da Administração Pública, a LRF, no capítulo IX, que trata

sobre Transparência, Controle e Fiscalização, determinou aos administradores públicos a

obrigação de informar à sociedade sobre as ações de governo, como também exigiu o incentivo à

participação popular junto à Administração Pública (art. 48). Isso deve ocorrer através da

divulgação de documentos específicos, capaz de tornar possível a transparência na Administração

Pública, como também, através de incentivos para a participação popular, especialmente

mediante a realização de consultas e audiências públicas.

Ocorre que nem sempre os instrumentos ditos como de transparência são de fácil

entendimento, como também nem sempre a comunidade é chamada a opinar acerca dos atos a

praticar e já praticados pela Administração Pública, conforme exige a Lei. Dessa forma, este

capítulo tem por objetivo discutir a efetividade dos instrumentos eleitos pela LRF como de

transparência e, a opinião da doutrina sobre essa efetividade.

3.1 A AMPLA DIVULGAÇÃO DOS INSTRUMENTOS E O INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO

POPULAR E REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS

No contexto específico da LRF “a transparência surge como princípio da gestão

orçamentária responsável ou como subprincípio do princípio da responsabilidade” (MENDES,

2001, p. 335).

Dessa forma, para que a transparência se tornasse efetiva na gestão fiscal, a LRF

estabeleceu no art. 48 os instrumentos capazes de viabilizá-la, quais sejam, os planos, orçamentos

e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o

Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões

simplificadas desses documentos. Todos esses documentos, já analisados anteriormente neste

trabalho, são, como já visto, peças técnicas contábeis que demonstram a gestão fiscal da

Administração.

3.1.1 A versão simplificada dos instrumentos de transparência

Sobre a elaboração e divulgação dos instrumentos do art. 48 da LRF, é farta a discussão

doutrinária acerca dos mesmos, como se verá adiante. Porém, com relação à sua versão

simplificada, entre os autores consultados, há a menção em apenas um deles sobre esse tema em

específico.

A versão simplificada dos instrumentos de transparência é assim caracterizada por

Áquilas Mendes e Mariana Moreira (2001, p. 216):

(entende-se por versão simplificada desses documentos a utilização clara e acessível a todo cidadão, de modo que não necessite formação técnica e específica para o entendimento das informações).

O Tribunal de Contas de Santa Catarina, por exemplo, editou a versão simplificada de

seu parecer prévio emitido sobre as contas do governo do Estado, o que, de algum modo, vem

atender à aspiração da Lei de ter documentos sobre a gestão fiscal na forma simplificada.

Conforme destaca Salomão Ribas Júnior (TCE, 2003, p. 3 – 4, grifo do autor) em

prefácio à obra Para onde vai o seu dinheiro:

Construir a cidadania só é possível através da informação. Sem ela, o exercício da cidadania fica prejudicado. Informação é, pois, um direito fundamental, da mesma forma que o acesso à saúde ou à educação. Pensando nisso, e tendo em mente que da transparência com a coisa pública e da participação efetiva dos cidadãos no dia-a-dia de sua comunidade depende a construção da democracia, é que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina decidiu dar início a uma série de publicações destinadas a tornar acessíveis a todos os cidadãos conceitos que até então era de domínio limitado. Foi assim com TCE-Controle Público e Cidadania (2001, 144 páginas), que se propôs com sucesso a explicar, em linguagem de fácil compreensão, as origens da Corte de Contas, sua história, suas competências, enfim, seu papel na sociedade. Desta vez, ainda

que obrigado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000, o TCE tem novo desafio pela frente: contar, de forma clara, o trajeto percorrido pelo dinheiro que todo cidadão entrega ao governo em forma de impostos. Assim, da combinação de uma obrigação legal e da consciência de que informação e cidadania são sinônimos, surge agora Para onde vai o seu dinheiro – Versão simplificada do parecer prévio do Tribunal de Contas de Santa Catarina / Contas do governo – exercício 2002. Trata-se de uma publicação voltada para o cidadão leigo, desacostumado com o vocabulário complexo de administradores, conselheiros, auditores, e demais envolvidos com a gestão orçamentária do Estado. Na obra é possível descobrir se foram efetivamente cumpridos dispositivos constitucionais e legais, como aplicação de recursos na educação, na saúde, em serviços de infra-estrutura ou aqueles voltados aos direitos da cidadania. A comunidade poderá acompanhar se foi efetiva e correta a aplicação dos recursos públicos pelos seus governantes. Não é apenas mais um entre tantos livros e documentos, cheios de números e de vocabulário intrincado, com os quais o povo é freqüentemente brindado.É uma obra para ser consultada por profissionais de todas as áreas, estudantes, donas-de-casa, aposentados, funcionários públicos, jornalistas, professores, enfim qualquer pessoa que queira contribuir com a fiscalização das contas públicas e exercer a cidadania.

Portanto, pode-se inferir que a LRF já tem mostrado alguma efetividade no contexto da

transparência, mas como se verá a seguir, ainda há muito que se fazer nesse aspecto.

Entretanto, como a locução “desses instrumentos” ao fim do artigo 48 da LRF está no

plural, deduz-se que a versão simplificada alcança todos os instrumentos tidos como de

transparência. Como exemplo, pode-se citar a iniciativa do Tribunal de Contas de Santa Catarina

que editou a versão simplificada do parecer prévio emitido sobre as contas do governo estadual,

para distribuição gratuita à população.

3.1.2 A ampla divulgação e os meios eletrônicos

A LRF no caput do art. 48 prevê para os instrumentos de transparência, ampla

divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público. Busca-se o significado das

expressões - “ampla divulgação” e “meio eletrônico” – na doutrina.

A ampla divulgação pode ser entendida através do que orientou o Guia da Lei de

Responsabilidade Fiscal do Tribunal de Contas de Santa Catarina (2002, p. 97):

A Lei estabelece que será dada ampla divulgação, ou seja, em diversos meios de comunicação (periódicos, diário oficial, mural público, entre outros), inclusive pela internet para os planos, lei de diretrizes orçamentárias, orçamentos, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio, o Relatório Resumido da Execução Orçamentária, o Relatório de Gestão Fiscal e as versões simplificadas desses documentos.

Ainda sobre as expressões assinaladas, Flávio C. de Toledo Júnior e Sérgio Ciquera

Rossi (2001, p. 211) esclarecem que:

O art. 48 da LRF preceitua ampla divulgação, inclusive pela internet, dos orçamentos, balanços e pareceres dos Tribunais de Contas sobre as contas dos gestores do dinheiro público. Cada uma das Comunas, por exemplo, manterá uma página naquela rede mundial, nela disponibilizando informações sobre elaboração, execução e controle dos orçamentos; as que não dispuserem de recursos para tanto, buscarão apoio da União (art. 64), ente que, além do mais, divulgará as contas consolidadas de todas as esferas de governo (art. 51).

Acerca dos meios eletrônicos, entende Gilmar Ferreira Mendes (2001, p. 338):

Os meios eletrônicos a que se refere o dispositivo são aqueles em que o acesso é público, no sentido de que são abertos a qualquer pessoa. Seria vedado, portanto, o acesso restrito de tais documentos referidos pelo caput. A referência a meios eletrônicos de acesso público significa, principalmente, que o acesso deve ser dado através da Internet, mas não exclusivamente nela. Embora a Internet seja, hoje, o meio mais eficaz de acesso público à informação, não é muito difícil conceber que, no futuro, sejam criados novos meios eletrônicos de acesso à informação, quiçá mais eficazes que a Internet.” (MENDES, 2001, p. 338).

Gilmar Ferreira Mendes destaca a existência de um novo regime de responsabilidade

fiscal, que exige “a publicização de todos os documentos preconizados pela lei através da

Internet”; isso vem fortalecer e legitimar o Estado, “tornando as decisões governamen tais cada

vez mais próximas dos cidadãos”, pois ela permite a fiscalização dos atos através dos documentos

publicados, como também permite a sugestão do administrado, fazendo dessa forma que o regime

fiscal seja aprimorado cada vez mais (MENDES, 2001, p. 339).

3.1.3 A participação popular e as audiências públicas

A transparência também está assegurada no parágrafo único do art. 48, através do

incentivo à participação popular, mediante a realização de audiências e consultas públicas. Porém

a participação popular depende da conscientização da sociedade civil, e não apenas da imposição

da lei.

Explica Wallace Paiva Martins Júnior (, 2004, p. 347):

A audiência e a consulta públicas têm origem no public hearing anglo-saxão e na enquête francesa, respectivamente. Constituem mecanismos de alto grau de transparência administrativa, como elementos tendentes à publicidade, à motivação e à participação popular na Administração Pública. São instrumentos polivalentes, porque congregam acessibilidade, publicidade, participação e motivação no processo de tomada de decisões administrativas, com uma expansão progressiva de sua admissibilidade, inclusive aos atos normativos, quebrando a postura tradicional hermética da Administração Pública.

Assim sendo, a interação entre comunidade e Administração Pública possibilita a

existência da transparência, abrindo-se, com participação popular no governo, um canal para dar

efetividade às reais necessidades da comunidade.

A audiência pública, por permitir a melhor informação acerca da administração dos

negócios públicos, concretiza o princípio da transparência. “Desempenha um duplo papel

informativo: obtenção de dados pelo público e conhecimento mais amplo da situação pela

Administração Pública.” ( MARTINS JÚNIOR, 2004, 357 – 358).

“A participação popular na gestão e no controle da Administração Pública é um dos

princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito”, pois permite que a distância entre

sociedade e Estado diminua, propiciando assim a maior legitimidade dos atos da Administração

Pública. Assim, “uma Administração Pública eficaz, democrática e participada é exigência

natural do Estado de Direito”; a participação é tendência da moderna relação entre Estado e

sociedade e rompe a “clássica dualidade radical entre a Admi nistração e o administrado, e impõe

o decréscimo da oposição entre a autoridade e liberdade, mediante a atuação direta do

administrado na atividade administrativa”. Quanto maior a coincidência entre a realidade social e

aquilo que a Administração decide, maior a obtenção da adesão dos cidadãos. (MARTINS

JÚNIOR, 2004, p. 296 - 297).

A LRF teve, com a edição da Lei nº 10.257/2001 um avanço com relação ao previsto no

art. 48 que não determina a obrigatoriedade da realização de audiência pública. Wallace Paiva

Martins Júnior é quem ainda esclarece:

A Lei nº 10.257/2001, no particular da gestão democrática da cidade (orçamentária e urbanística), tornou obrigatória a audiência pública [...] no âmbito municipal, avançando em relação ao discricionarismo do art. 48 da Lei Complementar nº 101/2000 no aspecto orçamentário[...].

Para a realização de audiências públicas, assim orientou o Guia da Lei de

Responsabilidade Fiscal do Tribunal de Contas de Santa Catarina (2002, p. 97):

É obrigatória a realização de audiências públicas pelo Poder Público, à época da elaboração do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual (art. 48, parágrafo único da LRF), com ampla divulgação e devidamente comprovadas (editais de convocação e atas).

Ainda sobre a audiência pública, Flávio C. de Toledo Júnior e Sérgio Ciquera Rossi

(2001, p. 215) esclarecem :

De sua parte, o parágrafo único do comentado artigo dispõe que, em audiência pública, a proposta orçamentária será discutida com entidades representativas da população local. A nosso ver, esse debate privilegiará os investimentos, os novos serviços, enfim, a expansão da ação governamental, pois que a manutenção das atividades já instaladas é, no mais das vezes, incomprimível e inadiável. Seja através de audiências públicas, seja por meio de pesquisas de opinião, o orçamento participativo passa a ser obrigação legal; a ele estão obrigados todos os Municípios.

Citados autores exemplificam ainda, uma bem-sucedida experiência de orçamento

participativo no município de Porto Alegre:

[...]‘na primeira fase, demandas, reivindicações e pleitos de interesse dos moradores são propostos, discutidos e aprovados no âmbito de reuniões e assembléias de entidades comunitárias; na segunda fase, as demandas aprovadas ao nível de cada entidade, hierarquizadas por prioridade, são defendidas em assembléias regionais; [...] na quarta fase, nas reuniões do Conselho do Orçamento Participativo, os representantes comunitários tomam conhecimento das finanças municipais [...] e apresentam e defendem as prioridades das respectivas regiões; na quinta fase, realizam-se reuniões do Fórum do Orçamento Participativo, movimentando um colegiado amplo e tendo como objetivo envolver maiores parcelas da comunidade no processo, especialmente no acompanhamento da execução do plano de investimentos e na própria fiscalização da execução das obras e serviços’ (TOLEDO JÚNIOR; ROSSI, 2001, p. 215).

O aspecto positivo da participação popular e da realização de audiência pública é

destacado por Gilmar Ferreira Mendes (2001, p. 339):

A participação popular e a realização das audiências públicas na elaboração dos instrumentos de responsabilidade fiscal, dos quais exige a lei devida transparência, é salutar em dois pontos: o primeiro deles é a maior legitimidade que adquirirão tais instrumentos, uma vez que sua confecção foi feita com respaldo da sociedade; o segundo tem a ver com o fato de que os esboços de tais instrumentos podem ser maximizados em sua qualidade com a interação entre sociedade e Poder Público, tanto porque, diversas vezes, este não possui a devida acuidade para perceber as carências sociais, tanto porque, tecnicamente, eles podem ser aprimorados com a colaboração dos diversos entes sociais.

3.2 A LINGUAGEM DOS INSTRUMENTOS DE TRANSPARÊNCIA DA GESTÃO FISCAL

A transparência, em decorrência da LRF, passou a ser um dos principais fundamentos

da gestão pública. Agora ela decorre de expressa imposição prevista no art. 48 que institui os

instrumentos capazes de torná-la viável. Assim, os administradores públicos terão que demonstrar

de forma clara, a toda sociedade, que seus atos estão de acordo com o que preceitua a LRF.

Flávio C. de Toledo Jr. e Sérgio Ciquera Rossi (2001, p. 211) destacam que:

o ordenamento anterior à LRF já requeria um sem-número de publicações de desempenho financeiro (balanços anuais, relatórios bimestrais de execução orçamentária, demonstrativos de aplicação no ensino e de gasto com pessoal, de tributos arrecadados, de gastos com inativos, de compras, entre tantos outros).

Mas, como já visto anteriormente, transparência e publicidade são coisas distintas, e

conforme ensina Alexandre Rosa (2001, p. 122), transparência:

não se confunde com publicidade. A publicação de diversos Boletins informando a situação da gestão fiscal é insuficiente, ainda mais quando vazados de linguagem técnica e inacessível ao cidadão comum, como acontece ordinariamente. A transparência engloba publicidade, exigindo, para seu total cumprimento, a inteligibilidade dos dados necessários ao acompanhamento da gestão fiscal do administrador, disponibilizando de todas as formas possíveis os dados fiscais, dentro dos prazos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Lembrando que pelo art. 48 da LRF, os administradores deverão demonstrar o que

ocorre na sua gestão, será com transparência que esses dados deverão chegar até o cidadão, para

tanto a linguagem há de ser acessível e as informações precisas.

Flávio Sátiro Fernandes (2004, p. 7) assim esclarece:

Transparente quer dizer, segundo os léxicos, claro, límpido cristalino. O que é claro é desprovido de sombras ou de manchas. Administração transparente é aquela em relação à qual nada é encoberto, manchado, sombreado. Tudo é revelado. [...]

Assim, ao exigir do administrador uma nova atitude em relação à forma de demonstrar

as ações governamentais, é de se esperar que a coletividade compreenda os dados relativos à sua

gestão.

Como já mencionado anteriormente, o art. 48 da LRF estabelece os instrumentos de

transparência da gestão fiscal, quais sejam, os planos, orçamentos e lei de diretrizes

orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da

Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses

documentos. Assim, a transparência, segundo a LRF, poderá ser efetivada através desses

demonstrativos que, são peças técnicas contábeis de linguagem específica, que preenchidos,

estarão à disposição do administrado para a compreensão do que faz a Administração Pública.

Desse modo, para que se possa verificar o que pretende este trabalho, ou seja, verificar se através

dessa linguagem técnica é possível ser efetivada a transparência na Administração Pública, foi

organizado um anexo com alguns dos mencionados documentos (Anexo A).

Na opinião de José Rildo de Medeiros (2001, p. 63):

Trata-se de uma nova prática administativa imposta pela LRF, ensejando um processo de interação permanente entre os gestores e os cidadãos. Portanto, a transparência se inicia com uma ação do gestor, através da qual demonstra e comprova, periodicamente e com o maior detalhamento possível, o que foi realizado e quais os benefícios sociais decorrentes. À sociedade – a quem é direcionada a comprovação dos resultados – cabe avaliar e aprovar ou exigir novos esclarecimentos ou até mudança de rumos na gestão.

Ou seja, como diz o mencionado autor, “a sociedade só poderá avaliar, aprovar ou

exigir novos esclarecimentos ou até mudança de rumos na gestão”, a partir do momento que

entender os instrumentos da gestão fiscal.

Assim, os instrumentos de transparência, como se compõem hoje, são na verdade

demonstrações contábeis da atividade financeira da Administração, que para alcançar sua

efetividade deverão proporcionar condições de serem entendidos em todo o seu conteúdo. Porém

não é o que ocorre, conforme opinião de Flávio C. de Toledo Jr. e Sérgio Ciquera Rossi (2001, p.

211, grifo nosso):

A população, e mesmo os que titularizam o controle externo, os Vereadores, pouco entendem desses documentos, tornando-os peças inúteis e, no mais das vezes, dispendiosas ao Tesouro. É a dificuldade do leigo de interpretar uma peça financeira, porquanto não pode ele compará-la com padrões reconhecidos ou com o desempenho havido em Municípios semelhantes. [...] Exemplo disso é a intricada composição dos Relatórios Orçamentário e Fiscal, peças fundamentais no controle simultâneo dos preceitos da lei em questão.

Diante do que já foi visto, pergunta-se: como se pode falar então em transparência na

gestão fiscal se os instrumentos previstos para concretizá-la não são transparentes?

A forma como são hoje redigidos e publicados os demonstrativos, tidos como

instrumentos da transparência, é considerada eficaz quanto à efetividade que pretende alcançar a

LRF?

Veja-se o que entende Yara Darcy Police Monteiro (2002, p. 489, grifo nosso):

[...] Vale notar, no entanto, que os documentos aludidos constituem peças técnicas de finanças públicas de compreensão restrita aos versados na matéria, por isso a divulgação imposta pela lei não alcançará, por certo, a amplitude dos efeitos pretendidos. Na verdade, para concretizar os objetivos de transparência para fins de permitir o efetivo controle da gestão fiscal pela sociedade, necessário se faz traduzir os documentos técnicos, para demonstrar, em linguagem acessível ao leigo, se o que foi planejado e programado foi realizado.

Assim, diante de uma linguagem inacessível, também se questiona: como se pode

incentivar a participação popular diante de documentos tão complexos?

Para atender essa expectativa da LRF cita-se exemplos do que pode ser feito a esse

respeito.

Flávio C. de Toledo Jr. e Sérgio Ciquera Rossi (2001, p. 212) sugerem como solução, a

conversão dos demonstrativos exigidos pela LRF numa linguagem acessível, que possa ser

utilizada por quem a consulta. Essa proposta surge diante da mencionada linguagem intrincada,

como eles mesmos a chamam. Dessa forma, assim se manifestam:

Bem melhor que enunciar, na imprensa ou na internet, os números frios de receita e despesa, é transparecer se houve, de fato, eficiência na aplicação do dinheiro recolhido compulsoriamente da população; é divulgar dados que permitam análise fácil e rápida por parte do cidadão, que grosso modo, poderia ter informações do seguinte naipe: custo padrão de um pronto-socorro X custo do pronto-socorro local; porcentagem média estadual de crianças entre 4 e 6 anos matriculadas na pré-escola X porcentagem no Município em foco; número médio estadual de crianças entre 7 e 14 anos fora do ensino fundamental X número de crianças de 7 a 14 anos fora do ensino fundamental no Município analisado; subsídio médio de Prefeitos e Vereadores de Comunas semelhantes X subsídio do Prefeito e Vereadores locais; percentual médio de atendimento ambiental (coleta de lixo e ligações de água e esgoto) em Municípios de mesma base econômica X percentual do Município analisado; leitos hospitalares/per capita em Comunas semelhantes X leitos hospitalares/per capita no Município analisado; participação média das áreas sociais no orçamento de Comunas de idêntica vocação econômica X idêntica participação no orçamento municipal analisado; déficit financeiro médio dos Municípios do Estado X déficit financeiro do Município analisado; capacidade de investimento de Municípios semelhantes X capacidade de investimento da Comuna analisada; percentual médio estadual de recuperação de dívida ativa X percentual do Município em análise; [...]

Como já mencionado quando da análise da versão simplificada dos documentos, admite

Salomão Ribas Júnior (2003, p. 3), em apresentação à versão simplificada do parecer prévio

emitido pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina - “o cidadão leigo está desacostumado com o

vocabulário complexo de administradores [...] e demais envolvidos com a gestão orçamentária do

Estado.” (Anexo B).

Importante destacar que após a edição da LRF, o Governo Federal, elaborou, no ano de

2001, através do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, sob o patrocínio do

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, a coleção de Cadernos

IBAM, constando de uma coletânea com sete volumes de manuais orientadores para a

implantação da LRF. Quer-se dizer com isto que referida lei, quando de sua edição, exigiu do

administrador uma grande adaptação frente aos novos demonstrativos previstos para sua gestão.

Da mesma apresentação constante nos referidos manuais (IBAM, 2001), destaca-se:

A publicação deste trabalho se insere nesse esforço governamental para tornar mais fácil e mais eficaz as administrações locais. Faz parte da seguinte série de trabalhos elaborados por entidades e técnicos de notória especialização na área, exclusivos responsáveis pelas opiniões, mas cuja distribuição é apoiada pelos órgãos federais por ajudarem na compreensão da lei e na implantação de um novo regime fiscal [...].

Ressalta-se que as orientações fornecidas nesses manuais, não estabelecem, em

momento algum, modelos de versão simplificada dos instrumentos constantes no art. 48, da LRF.

Ademais, tais manuais são dirigidos, em regra, aos Administradores Públicos e visam orientar o

preenchimento dos demonstrativos padronizados pela Lei. Assim, esses demonstrativos que serão

produzidos e publicados pela Administração Pública, contém uma massa de dados e informações

de difícil entendimento popular, exigindo para a sua compreensão, o conhecimento de uma

linguagem técnica (Anexo C).

CONCLUSÃO

A Lei de Responsabilidade Fiscal, ao introduzir o conceito de responsabilidade na gestão

fiscal, mudou o paradigma de como gerir o patrimônio público, instituindo entre seus

fundamentos, o planejamento, a transparência, o controle e a fiscalização.

O tema escolhido foi a transparência na gestão fiscal, devido sua atualidade e

importância, visto que a Lei de Responsabilidade Fiscal impôs, à Administração Pública, um

novo regime fiscal, tendo como destinatária a própria sociedade.

Sabia-se de antemão que antes da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, o princípio

da publicidade, previsto no art. 37,caput e § 1º da CFRB/88, já era regra de observância

obrigatória pela Administração Pública, tendo em vista a dar validade universal a seus atos, cujos

efeitos jurídicos são fora do âmbito do órgão que os editou.

A transparência porém, na Administração Pública, está envolta em uma noção mais

ampla, que vai mais além do que a simples publicidade. Transparência a transcende.

Transparência é tornar claro, compreensível o que se faz, onde nada é encoberto, revelando-se

tudo.

Assim, para a transparência, a LRF fixou, no art. 48, os instrumentos capazes de

viabilizá-la, para os quais foi estabelecida a ampla divulgação, inclusive por meios eletrônicos.

Esses instrumentos se constituem de peças técnicas contábeis que demonstram a gestão fiscal da

Administração, e são os planos, orçamentos e lei de diretrizes orçamentárias; as prestações de

contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o

Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

A pesquisa se centrou em estudar a linguagem utilizada para a confecção dos

instrumentos de transparência, objetivando verificar se ela dá condições de torná-la efetiva.

Constatou-se, então, que a linguagem é altamente técnica, complexa e de difícil entendimento.

Quando da implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal, levou o governo federal, num esforço

para torná-la logo compreendida, a emitir manuais que estabelecessem padrões e regras para o

preenchimento dos demonstrativos que acompanham esses documentos. Verificou-se que para a

versão simplificada dos documentos, os manuais do governo federal não sugeriram nenhum

modelo.

Diante de tal constatação, ou seja, ao se inferir que a linguagem dos instrumentos de

transparência é feita de forma intrincada, complexa, surgiu o questionamento – tais instrumentos

possuem condições de proporcionar a transparência da gestão fiscal? Será a transparência

efetivada através de documentos com uma linguagem tão difícil, hermética, isto é, acessível às

poucas pessoas que dominam o conteúdo relacionado a eles?

Conclui-se, com fundamento na doutrina pesquisada, que não se pode constatar a

efetividade da transparência se esta depender somente dos instrumentos relacionados no art. 48

da LRF. A forma como estão concebidos, ou seja, a linguagem e a forma de sua confecção, não

dão condições de tornar a transparência efetiva, e em conseqüência, sem poder desencadear todo

o processo positivo gerado pela transparência na gestão fiscal. Cabe enfatizar que na medida que

o administrado entende o que a Administração Pública faz com o dinheiro, que também é

público, surgem para os cidadãos mais condições de participar de todo o processo administrativo,

seja sugerindo, questionando ou até mesmo fiscalizando. Em suma, a transparência na gestão

fiscal exige, para sua efetividade, esforços, não só da Administração Pública, como também do

administrado.

A informação clara, compreensível, é ferramenta através da qual o exercício da

participação popular é mais efetiva, e natural decorrência da transparência.

Para os instrumentos da transparência, a lei determinou ampla divulgação, inclusive em

meios eletrônicos. Conclui-se que a expressão “meios eletrônicos” , mencionada pela lei, se

refere à internet, podendo inclusive no futuro, surgir algum outro meio eletrônico mais eficaz

como forma de divulgação. Podem também ser utilizados para essa ampla divulgação o mural da

Prefeitura, de fácil acesso da população, o diário oficial, entre outros; soluções que possibilitam

ao administrado a participação popular, previsão esta determinada na própria LRF. Ficou

constatado também, que somente a veiculação da informação através da internet não significa a

garantia que a transparência vá ocorrer. Aliada a ela, há que se divulgar os dados numa

linguagem que dê condições de se compreender o que de fato ocorreu na gestão fiscal. Para a

ampla divulgação, poderiam ser utilizados critérios de verificação de valores, como por exemplo,

informações que contivessem a comparação de custos de obras entre municípios de uma mesma

região, em condições econômicas semelhantes. Assim, um posto de saúde num padrão básico,

poderia ter seu custo comparado com o de outro município de região próxima, gerando

rapidamente condições ao administrado de verificar a correta utilização do dinheiro público.

A pesquisa feita evidenciou que a transparência na Lei de Responsabilidade Fiscal,

prevista para ser efetivada através dos demonstrativos contábeis do art. 48, não oferece condições

de torná-la viável, tendo em vista a característica de sua linguagem, já estudada. Para ser

concretizada, exigirá da Administração Pública esforços para sua implementação, podendo

ocorrer através de simples iniciativas, como a divulgação simplificada da gestão, a ampla

divulgação dos documentos, entre outras, que possibilitarão a sua efetiva presença, exigência de

uma gestão fiscal responsável

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