A ESCOLA E OS PROCESSOS PEDAGÓGICOS: O fracasso e o sucesso escolar, fatores determinantes
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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL – UAB
Secretaria de Educação a Distância da UFSCar – SeaD-UFSCar
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - UFSCar
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
DEBORAH ADRIANA TONINI MARTINI CESAR
A ESCOLA E OS PROCESSOS PEDAGÓGICOS: O fracasso e o sucesso
escolar, fatores determinantes
Pólo de Itapecerica da Serra - SP/ 2012
DEBORAH ADRIANA TONINI MARTINI CESAR
A ESCOLA E OS PROCESSOS PEDAGÓGICOS: O fracasso e o sucesso escolar, fatores
determinantes
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Universidade Aberta do
Brasil – Universidade Federal de São
Carlos – Curso de Licenciatura em
Pedagogia como uma das atividades
avaliativas da disciplina Trabalho de
Conclusão de Curso II.
Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Cardoso de Moraes
Co-Orientadora: Rosilene Batista de Oliveira Fiscarelli
Polo de Itapecerica da Serra – SP/ 2012
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL – UAB
Secretaria de Educação a Distância da UFSCar – SeaD-UFSCar
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - UFSCar
PARECER 1
Assunto: Parecer do Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em
Pedagogia
Parecerista: Tutora Rosilene Batista de Oliveira Fiscarelli
Aluno(a): Deborah Adriana Tonini Martini Cesar
Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Cardoso de Moraes
Data:
Nota:
São Carlos, ___,____________de __________
____________________________________________
Assinatura do(a) Tutor(a)
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL – UAB
Secretaria de Educação a Distância da UFSCar – SeaD-UFSCar
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - UFSCar
PARECER 2
Assunto: Parecer do Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em
Pedagogia
Parecerista: Tutor Reginaldo Fernando Carneiro
Aluno(a): Deborah Adriana Tonini Martini Cesar
Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Cardoso de Moraes
Data:
Nota:
São Carlos, ___,____________de __________
____________________________________________
Assinatura do(a) Tutor(a)
Dedico este trabalho ao meu marido e filhos que, pacientemente, tiveram que
suportar minha ausência, apesar da presença física.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado condições e perseverança para
seguir até o final, apesar das muitas dificuldades provenientes de um cotidiano sobrecarregado
de compromissos relacionados ao trabalho e aos estudos.
Ao meu marido Marcos e aos meus filhos Raphael e Giovanni, pelo
apoio e pela compreensão durante os longos períodos de dedicação exclusiva aos estudos
nos quais deixei de lhes oferecer a devida atenção.
À minha mãe querida, ao meu irmão pelas orações e pelos incentivos. À minha tia
Maria Lúcia, que me ofereceu a primeira oportunidade de iniciar estudos em EaD.
Aos meus alunos que me motivam a sempre procurar novos e melhores caminhos para
a educação.
Aos meus queridíssimos colegas de curso do pólo de Itapecerica da Serra, que em
todo o tempo também lutaram contra as dificuldades, construindo pontes de amizade e de
colaboração, para que pudéssemos concluir esta importante etapa em nossa vida acadêmica.
À orientadora Rosilene Batista de Oliveira Fiscarelli, que me orientou neste período
final, apesar das dificuldades impostas pelo tempo exíguo para a realização deste trabalho.
A todos os professores e tutores que nos mostraram caminhos no decorrer
deste curso, contribuindo com minha formação de maneira significativa.
“Na entrada, abertura sombria, o profano, o ignorante apenas vê um túnel cheio de
armadilhas, sem escapatória. Se dá meia volta, fecha a porta da vida. Se entra, se
vence a vertigem, as ilusões, o medo, se não cria impasses para si mesmo, se aceita
utilizar qualidades muitos especiais, desvalorizadas hoje em dia, descobrirá que a
ilusão inicia, que o medo fortifica, que o erro engrandece, que a vertigem transfigura.
Iniciado, ele poderá mesmo ali voltar, recomeçar o seu percurso para ir mais longe
ainda, e mesmo ensinar os outros a atravessarem; ele terá se tornado um mestre de
labirinto.”
(ATTALI, 1996, p.159-160 Apud MACEDO, 2005, p.97-98)
RESUMO
O trabalho desenvolvido é uma pesquisa teórica, com estudo de dados
bibliográficos que tem por finalidade fazer um levantamento das causas possíveis para
o fracasso escolar, buscando analisar os aspectos ligados de uma forma mais direta
às práticas escolares e a docência. Os principais objetivos da pesquisa são: conhecer
e compreender os fatores, relacionados à prática pedagógica, que podem ser
determinantes para o sucesso ou fracasso escolar; levantar quais são os parâmetros
para considerar um aluno bem ou mal sucedido no processo de ensino-aprendizagem;
verificar quais são os fatores diretamente relacionados ao sucesso ou fracasso
escolar; apontar caminhos possíveis para a reflexão sobre as possibilidades de se
reduzir os elementos que conduzem os alunos ao fracasso escolar. A partir da análise
dos artigos e obras que serviram como base para a pesquisa, pretendeu-se encontrar
caminhos possíveis para se refletir sobre a possibilidade de superação dos problemas
levantados, focando questões relacionadas aos eixos: alfabetização, método utilizado,
construtivismo, progressão continuada, qualidade de ensino e formação docente. O
estudo ofereceu alguns pontos possivelmente relevantes na questão do fracasso
escolar, que permitem refletir sobre as problemas sociais, familiares e pedagógicos
que interferem na qualidade e adequação do ensino para as classes populares. A
partir do estudo feito, pode-se concluir que há alguns fatores determinantes para o
fracasso escolar tais como: a pouca distinção entre o processo de alfabetização e
letramento, de modo que cada um deles perde em especificidade, produzindo práticas
confusas, e muitas vezes, inconsistentes; o pouco conhecimento do construtivismo e
sua aplicação prática, que gera uma prática pautada em concepções espontaneístas;
o pouco conhecimento da escola e professores em relação à cultura do aluno
proveniente das classes populares, especialmente em relação ao seu contato com o
mundo letrado; a progressão continuada que, sem o devido respaldo material e técnico
se transformou em aprovação automática, que se assemelharia a um sistema de ciclos
pautado em práticas de seriação. Além desses fatores, a avaliação classificatória tem
relevância na construção do conceito de fracasso, ao esperar resultados homogêneos
de uma clientela heterogênea. Um dos pontos fundamentais para se reduzir a
incidência dessas ações que podem produzir uma prática equivocada que gere o
fracasso escolar, tanto no aspecto discursivo enquanto pedagógico, pode residir em
uma formação continuada consistente e realmente ligada à realidade do alunado,
fugindo àquelas que distorcem concepções e práticas.
PALAVRAS-CHAVE: fracasso escolar, construtivismo, progressão continuada,
alfabetização e formação docente.
SUMÁRIO
Introdução 10
Capítulo 1: Um breve histórico do fracasso escolar 15
Capítulo 2: A anatomia do fracasso escolar brasileiro 18
Capítulo 3: A insustentável lógica da exclusão 30
Considerações 48
Referências 53
Introdução
O foco desta pesquisa é a análise das possíveis falhas ou dificuldades
no âmbito escolar que mantenham o fracasso escolar de uma forma quase
institucionalizada, em contraponto há outros fatores que ultrapassam os muros
escolares e que contribuem para que o fracasso escolar se mantenha ao longo dos
anos. Esses fatores são relacionados à cultura, família, economia e políticas
públicas ligadas ou não à educação. Sendo assim, esses fatores externos ao âmbito
escolar não serão inteiramente desconsiderados, e servirão como contextualização
das práticas pedagógicas que não são desassociadas dessas demais instâncias.
Sendo assim, as práticas pedagógicas serão foco deste estudo.
A escolha deste tema para estudo justifica-se, uma vez que o fracasso
escolar é um problema ainda muito presente no âmbito das escolas, em especial, as
públicas que, apesar de adotarem o regime de progressão continuada no ensino
fundamental, mantém, por trás do grande número de aprovados, um enorme
contingente de alunos que fracassam no processo de aprendizado.
Estudar esse problema permite a análise de vários fatores relacionados
ao processo de ensino-aprendizagem, uma vez que, quando um aluno fracassa, o
fracasso não é somente dele, mas de várias instâncias do sistema educacional
como um todo, que são passíveis de serem observadas. Por ser um fenômeno
bastante comum no cotidiano escolar, o binômio sucesso e fracasso escolar se
revela um tema bastante pertinente para um estudo mais aprofundado, pois pode
oferecer caminhos para que a reflexão sobre o aprendizado na escola pública seja
mantida e ampliada, buscando-se, então, soluções para ações que tiram a chance
de muitos alunos de se tornarem cidadãos plenos e em situação de igualdade.
Levando-se em conta os aspectos apontados na justificativa, em
relação à validade do tema para a pesquisa, é possível se lançar um
questionamento central que desencadeará todo o processo de pesquisa, a saber:
Quais são os fatores relacionados à prática pedagógica que podem determinar o
sucesso ou o fracasso escolar?
Sendo assim, o objetivo geral da pesquisa é conhecer e compreender
os fatores, relacionados à prática pedagógica, que podem ser determinantes para o
10
sucesso ou fracasso escolar. Este objetivo pode ser dividido em objetivos
específicos, os quais nortearão nossos passos durante o processo de pesquisa.
Assim, pretendemos levantar quais são os parâmetros para considerar um aluno
bem ou mal sucedido no processo de ensino-aprendizagem; verificar quais são os
fatores diretamente relacionados ao sucesso ou fracasso escolar; apontar caminhos
possíveis para a reflexão sobre as possibilidades de se reduzir os elementos que
conduzem os alunos ao fracasso escolar.
Consideramos que os objetivos que norteiam este projeto de pesquisa,
buscam verificar a validade da hipótese base, sobre a qual se pretende construir a
argumentação que analise aspectos relacionados ao sucesso e o fracasso escolar.
Desta forma, utilizaremos a pesquisa bibliográfica, seguindo uma lógica indutiva,
analisando as considerações congruentes e as que também oferecem divergências
que podem levar a novos caminhos para a reflexão.
Esta pesquisa é de natureza qualitativa, uma vez que se tem por
objetivo, segundo Neves (1996), estabelecer “[...] um corte temporal-espacial de um
determinado fenômeno por parte do pesquisador (p.1).” Neste trabalho, o recorte
temporal relativo ao fracasso escolar, traz as raízes históricas desse problema que
se estende na história brasileira desde o início da escolarização das classes
populares, onde o problema mais se evidenciou, devido à permanência desses
alunos na escola. O fracasso escolar, anteriormente, não era visto como um
problema, mas como parte do processo de escolarização, servindo como uma
espécie de seleção dos aptos a permanecerem na escola. Este recorte temporal se
projeta até o momento atual, em que a escola tem percebido o problema de uma
forma ainda mais ampla e complexa.
A pesquisa bibliográfica tem por praxe definir o corpus de estudo,
levando em conta o objeto de pesquisa e seu recorte temático. Sendo assim, das
formas possíveis para se realizar uma pesquisa qualitativa, optou-se por fazer a
pesquisa bibliográfica. Dentro dos textos que compõem o corpus da pesquisa,
busca-se estabelecer uma linha de pensamento que parta da questão do fracasso
enquanto fenômeno histórico no Brasil e seu processo de perpetuação através de
fatores relacionados às concepções e práticas que permeiam o ideário da educação
brasileira, ainda muito marcada por concepções excludentes de escolarização.
11
Em decorrência da amplidão, complexidade e variantes associadas ao
binômio sucesso e fracasso escolar, optou-se por estabelecer um recorte,
centrando-se nas concepções docentes e suas práticas. Percebe-se, tanto na
prática docente cotidiana, bem como nas observações feitas durante o estágio
supervisionado, uma séria crise entre os professores que, percebem a inadequação
de suas práticas, mas também os limites estabelecidos por sua própria formação,
pelos espaços e metodologias. Os demais fatores externos ao cotidiano escolar e as
políticas públicas, uma vez que interferem diretamente nas práticas docentes, não
serão desconsideradas, mas servirão para compor e contextualizar o foco principal
da pesquisa.
A partir da percepção da incongruência entre as práticas e as
demandas da clientela escolar, buscar-se-à fazer um levantamento das concepções
que impedem o professor de enxergar o fracasso escolar como um problema
pedagógico/metodológico, desviando os olhares para fatores externos, rotulando o
aluno que apresenta dificuldades de aprendizado como desinteressado, desassistido
pela família, carente ao ponto desse fato interferir de forma determinante no
aprendizado, ou ainda, percorrendo o caminho das patologias. Além de abordar
essas questões que simplificam a visão sobre o problema, há a proposta de se
analisar nesta pesquisa, os fatores que podem contribuir para superar essa visão
reducionista, pensando em caminhos para a superação do problema do fracasso
escolar.
A trajetória da pesquisa permite uma análise, ainda que não muito
profunda, dentro da extensão e complexidade do assunto, porém, pode contribuir
para que haja uma reflexão sobre as práticas e suas relações entre o sucesso e o
fracasso escolar, analisando as possíveis competências docentes que precisam ser
desenvolvidas para que as práticas se tornem mais adequadas.
Com o intuito de fundamentar os estudos que visam responder a
questão central deste trabalho, que em base é identificar e analisar quais são os
fatores que podem determinar o sucesso ou o fracasso escolar relacionado às
práticas pedagógicas, a condição de sucesso escolar será abordada apenas como
contraponto ao tema central que é o fracasso preocupante que assola grande parte
das escolas da rede pública do país.
12
Para situar o problema do fracasso escolar historicamente, é preciso
analisar a natureza da instituição escolar que, segundo Pátaro (2009), foi criada e “
estruturada para atender às classes dominantes” (p.94). De acordo com Angelucci et
al (2004, p.56), muitas vezes, os estudos voltados para tentar compreender o
fracasso escolar foram direcionados para fatores nem sempre centrados no
cotidiano escolar e nas práticas, mas procurando justificá-la através da teoria da
carência cultural. No entanto, de acordo com Angelucci et al (2004), há diferentes
concepções sobre o que seria o fracasso escolar, mas a culpabilização é parte
inerente ao processo. Atribui-se o fracasso aos pais, aos alunos, aos professores ou
às instituições, sendo que a natureza do fracasso muda de acordo com o grupo ao
qual a responsabilidade é atribuída.
Sem descartar a importância dos fatores externos ao ambiente escolar,
mas lançando um olhar mais atento às práticas cotidianas, é possível se deparar
com posturas de educadores que nem sempre colaboram para o bom
desenvolvimento do aluno. Esse tipo de comportamento, nem sempre é associado à
uma atitude negligente por parte do educador, mas pode ser resultado do
desconhecimento de que determinadas posturas de cobrança podem, em vez de
produzir bons resultados para os alunos, gerar efeitos contrários. O controle aversivo
e a coerção são dois tipos de mecanismos que podem, dentre outros, gerar efeitos
danosos no processo de ensino-aprendizagem. O artigo de VIECILI e MEDEIROS
(2002) aborda esse tipo de controle e também aponta para a questão das diferenças
de comportamento entre os alunos que são bem sucedidos na escola ou são
considerados fracassados, expondo também as possíveis causas dessas diferenças.
Analisar os possíveis motivos do fracasso escolar pode ser um desafio
importante, uma vez que muitos pressupostos e discursos cristalizados deixam de
fazer sentido, especialmente quando o sucesso escolar em classes menos
favorecidas se apresenta contrariando todas as expectativas. O estudo de Zago,
(2002) pode oferecer caminhos para se analisar esse processo, se contrapondo aos
discursos deterministas de muitos educadores.
O artigo Culturas jovens e cultura escolar, de Fanfani (s/d), revela
vários aspectos que podem se relacionar à questão do fracasso escolar, em
especial, o descompasso evidente entre as regras e práticas escolares em relação à
cultura do aluno, que normalmente é desvalorizada em relação à cultura escolar,
13
bem como a incongruência entre o ensino e as reais necessidades da clientela
escolar. O artigo também lança luz sobre fatores específicos no processo de
desenvolvimento da escola pública que também ajudam a manter o fracasso
escolar, em especial nas instituições públicas. O autor ainda foca uma questão
relevante, que é a concepção da escola como uma preparadora para o futuro,
desconsiderando que o aluno vive no presente, tornando, desta maneira, essa
preparação enfadonha e até mesmo destituída de sentido.
Outro artigo que contribui para este estudo, de Fernandes, (s/d), se
associa aos conceitos ou preconceitos escolares que estão ligados à busca de
fatores externos que justifiquem o fracasso escolar, caminhando principalmente pela
vertente das patologias, associando estas aos problemas de aprendizagem.
Conhecer possíveis patologias que o aluno porte não deve servir como forma de
rotulá-lo, classificando-o como incapaz de aprender, mas um caminho a mais para
conhecer o aluno e criar estratégias que possam facilitar o aprendizado.
Ampliando as possibilidades de compreensão do fracasso e do
sucesso escolar, o artigo de Patto (1988) traz a baila questões como o discurso
oficial em torno do assunto e questiona a formação docente e sua inadequação no
atendimento das demandas atuais.
Outro artigo que não aborda diretamente o fracasso escolar, mas indica
problemas sérios nos mecanismos que tornam a escola ineficaz e desinteressante
para o aluno contemporâneo, temos o artigo de Araújo (2011) “A quarta revolução
educacional: a mudança de tempos, espaços e relações na escola a partir do uso de
tecnologias e da inclusão social”, que faz uma análise das necessidades
educacionais da atualidade, dentro do que chama a quarta revolução educacional,
discorrendo sobre as quatro dimensões em que devem acontecer as mudanças
necessárias para que a escola se torne um espaço de aprendizado viável e em
sincronia com as necessidades atuais.
Ainda que, a princípio alguns autores tenham sido selecionados para
embasar esta pesquisa, outros ainda poderão compor esse quadro de referências
teóricas, levando-se em conta outros questionamentos que possam surgir durante o
desenvolvimento desta pesquisa.
14
Capítulo 1: Um breve histórico do fracasso escolar
O fracasso escolar é um problema muito antigo na educação brasileira,
que tem preocupado educadores comprometidos com a educação. Pode-se dizer
que o fracasso escolar sempre existiu, no entanto, com o passar do tempo e as
mudanças relativas ao ponto de vista pedagógico, algumas mudanças nesse
conceito têm ocorrido.
Na escola tradicional, o fracasso era evidenciado pela repetência, que
ocorria quando o aluno não conseguia alcançar o patamar esperado pela escola
para ser promovido para a série seguinte. Era muito comum ouvir os professores
dizerem que o aluno não tinha os pré-requisitos necessários para cursar a série
seguinte, o que justificava sua reprovação. O aluno deveria se apropriar do conteúdo
referente à série.
De acordo com Forgiarini Et al. (2007, p.1), “O fracasso escolar surgiu,
quando a maioria da população, formada por membros das classes trabalhadoras
urbanas e rurais, teve acesso à escola pública e gratuita.” No início do século XX,
em decorrência do grande crescimento dos centros urbanos e do aumento da prole
dos operários das indústrias brasileiras, houve uma demanda por educação para
esse segmento. Conforme Ferreira Jr. ( 2009, p. 68) “[...] a partir da década de 1920,
várias unidades federadas implementaram políticas educacionais no sentido de
ampliar a universalização da escola pública.” Essa implementação se deu através
das reformas educacionais fomentadas pelo ideário liberal, que acreditava ser a
educação a mola propulsora do esperado progresso nacional brasileiro.
Nesse período em que se iniciava um processo de massificação do
ensino público, surgiu também o movimento escolanovista, de origem europeia, que
buscava, segundo Bahia (2002, p.27) outros métodos de ensino que valorizassem o
“indivíduo no processo de aprendizagem desenvolvendo suas potencialidades”.
Mas para perceber os contornos do fracasso escolar é preciso também
compreender a escola, em especial a pública, onde esse fenômeno mais se
evidencia. De acordo com Forgiarini Et al. (2007, p.4), a escola, enquanto produto da
industrialização, traz em seus “gens” características inerentes ao seu conceito
principal de produção de mercadorias e, sob esta ótica, os alunos também são vistos
como um “produto” que tem por finalidade principal “atender a demanda do mundo
15
do trabalho nesse novo modo de produção, configurado no trabalho alienado.” A
escola, portanto, se estabelece nesse modelo que não contribui para que o indivíduo
pense ou estabeleça sua identidade. Assim, de acordo com os propósitos
estabelecidos para a escola, em cada momento histórico, pode-se considerar o
fracasso sob uma determinada perspectiva, ou seja, em cada momento histórico, o
aluno precisa se encaixar no modelo de aluno ideal que se espera.
Pensando na escola no panorama mundial, as conquistas das classes
menos favorecidas em busca de maneiras de se superar as desigualdades sociais a
partir da educação passa a incomodar as elites, de modo que surgem as teorias
racistas que serviriam para justificar o fracasso escolar, influenciadas pelo
determinismo racial. Em decorrência da revolução francesa, de acordo com Patto
(1987, p.53):
A construção das teorias racistas será obra, nessa época, tanto da nobreza deposta e dos simpatizantes da monarquia _ que se movimentam no rastro de ressentimento deixado pela revolução – como dos próprios ideólogos da burguesia, ou seja, dos próprios pensadores revolucionários franceses.
Mas de que maneira essas teorias racistas teriam influenciado o
cenário nacional? Devemos lembrar que o Brasil vivia sob a égide do colonialismo
cultural, em especial influenciado pela cultura e sociedade francesas.
Ainda conforme as considerações da autora, as teorias racistas
ganham maior força entre 1850 e 1930. Essas teorias serviram como explicação
para o fracasso escolar no Brasil, uma vez que os filhos das classes trabalhadoras
eram imigrantes ou descendentes de negros, percebendo-os como deficientes ou
incompetentes, atribuindo o problema ao aluno e à sua incapacidade de se adaptar
à escola, enquanto o aprendizado se constituiria como uma predisposição natural.
O estudo de Sirino e Cunha (s/d), no artigo Repensando o Fracasso
Escolar: reflexões a partir do discurso do aluno, versa sobre o discurso dos alunos
considerados fracassados no cotidiano e escolar, e traz reflexões dos alunos em
relação ao fracasso. Se por um lado, a escola ainda procura justificar o problema
pela teoria da carência, ou seja, o insucesso decorre da falta de condições, de apoio
familiar dentre outras falhas que apontam para o aluno e para sua família, os que se
percebem excluídos de um processo de aprendizagem significativo também se
culpabilizam, quando aceitam o discurso da escola e se decepcionam, pois
percebem na escolarização uma maneira de superar o próprio fracasso social da
família. O fracasso é percebido pelas famílias a partir de suas dificuldades em
16
conseguir emprego, de viver na pobreza e quando não conseguem ver seus filhos
progredirem na escola, sentem que os problemas familiares se perpetuarão. No
entanto, essas famílias também conseguem perceber nos filhos qualidades e
capacidades que a escola não leva em conta.
Se na escola tradicional a reprovação era a constatação do fracasso
escolar, atualmente percebe-se que mesmo tendo sido reduzida à retenção, o
problema é claramente perceptível pela baixa qualidade do ensino que se evidencia
nos casos de analfabetismo funcional, ou seja, a incapacidade de ler e interpretar os
enunciados mesmo em séries avançadas. Se por um lado a retenção e a evasão se
reduziram em decorrência da Progressão Continuada, a educação para os pobres
se tornou ainda mais empobrecida.
17
Capítulo 2: A anatomia do fracasso escolar brasileiro
O fracasso escolar não é um assunto novo, apesar de ultimamente ser
bastante comentado, não somente nas escolas, mas também na mídia e na
sociedade em geral. De acordo com Farias (2007) no artigo O fracasso escolar no
cenário das patologias da contemporaneidade, temos:
É interessante observar que a idéia de fracasso escolar, durante muitas décadas, era concebida como algo relativo às possíveis deficiências e incapacidades do aluno de se ajustar aos modelos formulados pela instituição de ensino. Nesse sentido, apontava-se para o processo de maturação do aluno em termos de atraso ou falta e, em alguns casos, levantavam-se questões sobre a ineficácia do método, ou mesmo carência cultural. Mas, é preciso assinalar que os termos “dificuldade” ou “distúrbio de aprendizagem” têm seu equivalente em fracasso escolar (p.234).
Apesar dessa situação de dificuldade não ser recente, é possível
identificar que em cada época, de acordo com o discurso dominante, é possível uma
determinada conceituação e compreensão do problema. O autor passa a analisar o
fracasso, não só sob a perspectiva da inadequação metodológica, deficiência
cultural ou tantas outras teses, mas focando a questão da inadequação do indivíduo
em relação ao contexto histórico em que está inserido. Se o aluno, cidadão não
atende às expectativas sociais, acaba ficando fadado ao fracasso. Com as palavras
do autor: “Sendo assim, o fenômeno fracasso escolar refere-se, sobretudo, à rápida
transformação no âmbito do trabalho, momento em que a sociedade se torna cada
vez mais tecnicizada” Farias (2007, p.234)
Desde a institucionalização do sistema de escolarização pública, a
partir das considerações de Ribeiro (1997), o fracasso escolar se faz presente
através da evasão, através de mecanismos de rejeição. Ainda citando FARIAS
(2007), o autor traz a informação de que a noção do fracasso passa a existir a partir
da obrigatoriedade dos estudos.A formação dos professores também é um dos
aspectos que pode concorrer para a continuidade do fracasso escolar.
Com a abertura de acesso à escolarização, há uma significativa queda
na qualidade do ensino. A escola para o povo, não o atende como deveria. De
acordo com Soares (2000, p. 5)1, Apud Ribeiro, (s.d, p. 1),“Essa escola para o povo
é, ainda, extremamente insatisfatória, do ponto de vista quantitativo e, sobretudo,
1 SOARE S , Ma g d a . B . “ L í n g u a e s c r i t a , s o c i e d a d e e c u l t u r a : Re l a ç õ e s dimensões e perspectivas.” Revista Brasileira de Educação, (0) 5-16, Belo Horizonte, Anped, set./out./nov./dez. 1995.
18
qualitativo”. Para Ribeiro (s/d), a escola mantém mecanismos de exclusão
legitimados na prática cotidiana, dentre elas, a própria língua, tanto falada quanto
escrita, que se diferencia muito da conhecida e praticada pelo povo. A escola ainda
se utiliza da língua e escrita praticada pela elite, que é a minoria entre o povo,
promovendo, assim, um afastamento da realidade do aluno.
Sendo assim, um dos motivos do fracasso escolar seria decorrente do
fato do aluno não falar a língua da escola e vice-versa, de modo que sem a
compreensão não há diálogo. Essa concepção de diálogo pode ser concebida não
somente pela intelecção da fala de ambos, mas também pelo pouco interesse da
escola de se adequar ao aluno e vice-versa.
São muitas as concepções a respeito dos fatores que determinariam o
fracasso escolar. De acordo com Fiale ( s/d), citando Bossa (2002)2 “O fracasso
escolar só surgiu por meio da escolaridade obrigatória a partir do século XIX, em
função das mudanças econômicas e estruturais da sociedade” (p.2). Ainda segundo
a autora, o fracasso é estabelecido quando o indivíduo é visto como bem sucedido a
partir do “dinheiro e do reconhecimento social” (p.2).
Fiale (s/d) expõe que dentro do panorama do fracasso escolar, o aluno
não está sozinho. Quando ele fracassa, outros setores também já fracassaram,
como a própria família. De acordo com a autora: “a família é o primeiro grupo social
em que esta começa a interagir, aprender e onde busca as primeiras referências no
que diz respeito aos valores culturais, emocionais, etc. Ela interfere no
desenvolvimento e no bem estar de todos os seus membros. “ (FIALE, s.d, p.3). A
autora afirma que crianças que vivem em lares com pais ausentes, “vivenciam
sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando desconfiança,
insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos à aprendizagem
escolar.“(FIALE, (s.d), p.3).
Frente à lacuna educativa deixada por muitas famílias, considerando a
importãncia desta para a formação do indivíduo, constrói-se um discurso em torno
do papel da escola e dos educadores, que segundo a percepção destes, passo a ser
mais abrangente, assumindo responsabilidades que seriam da família.
Embora família e escola tenham como objetivo comum educar
indivíduos, os papeis de ambas são distintos. A educação oferecida pela família é
2 BOSSA, Nadia A. A Psicopedagogia no Brasil – Contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 3ª edição. 2007
19
considerada, segundo Oliveira et Al (2010, primária, ou seja, “(...) tem como tarefa
principal orientar o desenvolvimento e aquisição de comportamentos considerados
adequados, em termos dos padrões sociais vigentes em determinada cultura.”.
(p.101). A educação esperada da escola, ainda segundo as autoras, é a de
“socialização do saber sistematizado”, mantendo ligações com o saber erudito.
Segundo a concepção das autoras, embora cada uma das instituições tenha papeis
diferenciados, há uma certa relação de complementariedade, que ainda que não
sejam totalmente interdependentes, mantém um vínculo estreito.
Desse vínculo, segundo Oliveira Et al.(2010, p.102), decorre um ciclo
de culpabilização, em que a escola associa claramente o bom desempenho às
famílias presentes e atuantes e o mau desempenho às famílias “inadequadas”.
De acordo com Oliveira et al (2010, p.102)“Enquanto no enfoque
sociológico a família é responsabilizada pela formação social e moral do indivíduo,
no enfoque psicológico ela é responsabilizada pela formação psicológica. A ideia de
que a família é a referência de vida da criança - o locus afetivo e condição sine qua
non de seu desenvolvimento posterior - será utilizada para manter certa ligação
entre o rendimento escolar do aluno e sua dinâmica familiar, colocando, mais uma
vez, a família no lugar de desqualificada.”
Andy Hargreaves, no livro O Ensino na Sociedade conhecimento-
Educação na era da insegurança traz no capítulo “O futuro do Ensino na sociedade
do conhecimento: repensar o aprimoramento e eliminar o empobrecimento”, uma
visão bastante crítica sobre o fracasso escolar. Ele trabalha com a ideia de
comunidades de aprendizagem constituídas por docentes que buscam a formação
continuada. De acordo com o autor, os professores mais bem formados e
qualificados procuram as escolas “melhores”, com uma clientela de classe média, já
sem muitas dificuldades. As escolas com mais dificuldades acabam recebendo
treinamentos para superar a situação de fracasso. O treinamento dos professores
pode contribuir para melhorias na capacidade do sistema. No entanto, há
dificuldades , dentre elas, a perda da crença do professor em sua capacidade de
ensinar e o “número excessivo de iniciativas” (p.201), chamada pelo autor de
“projetite”.
Não há uma formação única que sirva a todos os docentes,
independente da realidade em que vivem. De acordo com Hargreaves, (2007), o
20
fracasso escolar acompanha as escolas mais pobres. As escolas onde os
professores são melhor preparados e têm uma clientela de classe média, já com um
bom histórico de sucesso escolar saem ilesas da situação de fracasso.
As escolas mais pobres e, consequentemente, fracassadas, São
“jogadas nas seitas de treinamento.”. A expectativa entre as escolas de classe
média e as pobres é muito diferente. Enquanto se espera das primeiras que
desenvolvam as competências e habilidades diversas, nas escolas pobres/
fracassadas, espera-se que o aluno saiba ler e escrever e efetuar os cálculos
básicos.
Dentro da sociedade do conhecimento, o grupo que representaria a
elite, não encontra dificuldades em viver na sociedade do conhecimento, enquanto
isso, os professores, pais e alunos das camadas mais pobres são meros
“andarilhos” nessa sociedade.
De acordo com Hargreaves (2007, p.206), a definição do fracasso pode
ser relativa, dependendo do estágio já conquistado pela escola. Uma escola já
estável sob o ponto de vista do aprendizado pode se manter mais estagnada do que
uma que tem um nível muito baixo e procura meios de crescer. No entanto, a
diferença de aproveitamento entre as duas clientelas pode ser abismal em níveis
reais.
No entanto, o problema do fracasso escolar não se restringe somente à
escola ou à família, segundo alguns autores. Sem tirar o devido ônus de ambas, há
outros fatores que interferem direta ou indiretamente na situação de fracasso
escolar. De acordo com Moysés e Collares (1995), temos que “o fracasso escolar,
entendido como a soma das taxas de retenção e de evasão escolares, constitui um
dos mais graves problemas sociais do Brasil, sem dúvida o maior na área
educacional” (p.42).
As autoras, no entanto, buscam estabelecer ligações desse fracasso à
questão da alimentação, mais precisamente, à desnutrição. No artigo, há a análise
da importância da merenda escolar na escola, que muitas vezes não é vista como
uma refeição de caráter complementar, com a finalidade de auxiliar o aluno a
manter-se bem alimentado durante o período em que está na escola. De acordo com
as autoras, o governo traz um discurso de associação entre a merenda escolar e a
erradicação ou diminuição da desnutrição, o que na realidade não funciona. O
21
problema da desnutrição no país é muito grave e, para ser solucionado, não bastam
soluções paliativas ou assistencialistas. É preciso oferecer às famílias condições de
alimentação adequada, através da melhoria das condições sociais.
As autoras ainda refletem sobre os possíveis reflexos da desnutrição
no ser humano, pensando-se no aluno por extensão. As sequelas da desnutrição
podem estar relacionadas à intensidade e tempo de má alimentação, podendo
causar problemas no cérebro de ordem anatômica, uma vez que o crescimento
desse órgão não se dá de forma igual em todas as partes pelo mesmo período de
tempo, de modo que dependendo do período de desnutrição, algumas partes do
cérebro podem crescer menos que outras. Esse é um aspecto anatômico. Pensando
na questão das funções cerebrais,é possível pensar que essas peculiaridades
anatômicas possam se associar a certas deficiências ou dificuldades, no entanto,
devido à plasticidade do cérebro, não é possível identificar exatamente que tipo de
dano foi ocasionado.
No entanto, um caminho bastante percorrido na educação atual é o da
associação da dificuldade de aprendizado às possíveis patologias, de modo que a
escola também se exime um pouco de sua responsabilidade em ensinar. Não se
trata, porém, de culpabilizar a escola pelo fracasso escolar, considerando todas as
dificuldades sociais, culturais, financeiras, familiares e as condições de saúde. Esses
fatores realmente existem e permeiam o universo escolar de forma evidente. Se há
alguns anos havia uma certa uniformidade no nível dos alunos, em decorrência dos
fatores de exclusão, com a repetência e a evasão, a partir da redução desses
fatores, a escola tem abrigado a maior variedade possível de indivíduos, cada qual
com suas idiossincrasias. Porém, apesar dessa abertura para a frequência de todos
os alunos, a escola ainda não se abriu realmente para a diversidade, de modo que
ainda procura estabelecer parâmetros, patamares e outros meios de comparação
entre indivíduos.
Retomando a questão apontada anteriormente em relação à escola
não estar realmente aberta a todos os indivíduos, não se trata apenas da
manutenção dos mecanismos de exclusão, que infelizmente ainda encontram lugar
em muitas escolas públicas brasileiras, apesar de haver leis inequívocas em relação
à essa abertura, ao processo de inclusão que possibilitaria a criação de uma escola
para todos. No entanto, ainda que não houvesse esses mecanismos voluntários de
22
exclusão, que podem ser manifestos através de atitudes de menosprezo e de
negação das reais necessidades dos alunos, há ainda os mecanismos de exclusão
involuntários, que são ao meu ver, aqueles associados à real incapacidade da
escola em trabalhar com a diversidade na escola. Essa incapacidade pode estar
relacionada não só a dificuldades metodológicas, mas também espaciais. Hoje,
grande parte das escolas públicas não são nem de longe, espaços adequados para
o processo de aprendizagem, a começar pela superlotação de salas, fator que limita
não só os movimentos, mas até a mudança na prática docente. Ainda que o
professor deseje inovar em relação à prática, o espaço pode ser um fator limitador. É
praticamente impossível reorganizar as salas de aula, desvinculando-se do padrão
tradicional de um aluno atrás do outro, pois outras formas de agrupamento, podem
até impedir a circulação do professor, dificultando o atendimento dos alunos.
A questão do espaço não é só problema dentro da sala de aula, mas
grande parte das escolas também não têm uma boa biblioteca, sala de leitura ou de
informática. Ainda menos prováveis são os laboratórios. Os espaços deveriam
receber adequação de acordo com o papel da escola. Hoje, a missão da escola é
contribuir para a formação de cidadãos críticos e capazes de intervir positivamente
na sociedade, aptos a utilizar a mediação tecnológica, tanto para o mundo do
trabalho quanto para o aprendizado cotidiano, de forma contínua, mesmo após a
conclusão dos estudos.
Um dos desafios é desenvolver a capacidade de aprender a aprender
continuamente, de modo que, independentemente da escola, o indivíduo continue a
aprender, a procurar soluções para as situações da vida. Para que o aluno possa ser
incluído no mundo globalizado, ligado pelas teias da web, é necessário que ele
vivencie essa tecnologia em seu cotidiano, preferencialmente, dentro do universo
escolar. A escola deve ter compromisso com essa inclusão tecnológica, inovando,
não somente na utilização de novas ferramentas e recursos, mas procurando
também uma renovação metodológica. Não adianta ter acesso às novas tecnologias
se as práticas não sofrerem uma mudança substancial. Não basta ter acesso à
informação, mas é fundamental interagir criticamente com as mesmas, de forma que
sejam relevantes na construção do conhecimento. Para que essa mudança ocorra, é
fundamental que o Brasil invista maciçamente na educação como um todo, tanto no
que diz respeito à adequação dos espaços, quanto em relação à formação docente
23
e aos planos de carreira mais consistentes e adequados para o exercício da
docência.
De acordo com Sampaio, (1997, p. 23):
No interior das escolas, as transformações se entrecruzam, trazendo-lhe uma clientela originada dos setores mais pobre e desorganizados da população e um corpo docente também mais próximo desses setores sociais, uma vez que os baixos salários passam a caracterizar a profissão, como tendência que se fez irreversível no período, acompanhando a perda de prestígio e a queda de qualidade na formação do magistério.
No capítulo “Uma escola envelhecida, seca e indiferente”, da obra “um
gosto amargo de escola: relações entre currículo, ensino e fracasso escolar,
Sampaio, (1997, p. 23) traz uma interessante consideração sobre as mudanças na
clientela da escola, que não se restringe aos alunos, mas também em relação aos
próprios professores que, se antes provinham de classes mais abastadas, devido à
baixa remuneração, passou a ser um ofício pouco atrativo, de modo que esses
profissionais passaram a vir das classes mais baixas, e consequentemente, de
formação mais deficitária, uma vez que a baixa qualidade do ensino também está
ligada a outros problemas sociais, colaborando para a continuação do problema,
formando um círculo vicioso de empobrecimento escola – sociedade –escola.
Porém, além desse panorama de dificuldades reais delineado neste
capítulo até o momento, não podemos deixar de pensar na dimensão discursiva do
fracasso escolar, ou seja, a partir de que concepções ele é delimitado ou definido.
De acordo com Tura e Marcondes (2011, p.97):
Entendemos o fracasso escolar na perspectiva de uma narrativa que envolveu muitos estudos; deu bases para levantamentos estatísticos e estudos longitudinais; comportou, na tentativa de explicá-lo, a construção de novos conceitos e noções; foi marco na busca da instituição de novas formas de organização dos sistemas educacionais, a partir do século XX; e foi-se ressignificando e adquirindo novas direções baseadas na preocupação com os índices do desempenho escolar.
Percebe-se a partir do excerto, que essa preocupação em delimitar o
sucesso e o fracasso se deu a partir de um momento histórico em que a ciência
ganhou maior credibilidade e também passou a, de certa forma, reger nossas
concepções de sucesso ou fracasso. Tanto no decorrer do século XX, quanto no
início deste século, surgem novas concepções sobre a finalidade da escola; hoje,
em especial ,voltadas para o desenvolvimento de competências e habilidades, ou
seja, a criação de esquemas cognitivos que possibilitem o indivíduo continuar
aprendendo em um mundo em constante modificação, compreendendo a realidade
que o cerca, interagindo e intervindo sobre ela. Prevendo a mudança rápida na
24
sociedade e o constante crescimento científico e a amplidão no universo da
informação sob suas diferentes formas de apresentação, espera-se que o jovem que
conclua os estudos básicos tenha a capacidade de continuar aprendendo e
compreendendo apesar das mudanças. É esperado que o aluno saiba se comunicar
em diferentes esferas sociais e contextos, tanto utilizando a linguagem oral quanto a
escrita.
Em consonância com a criação discursiva do fracasso, ou seja, a
conceituação que a escola e a sociedade fazem a respeito do problema, há a
criação de parâmetros, cujo alcance do aluno é verificado de acordo com as
avaliações escolares, que podem ser internas ou externas. As internas, ou seja,
aquelas produzidas pelos professores para suas turmas, ou dentro de uma escola,
de forma unificada, já desconsideram, de alguma maneira, as diferenças entre os
alunos, ou seja, buscam verificar o aprendizado com base no que foi trabalhado em
sala de aula, a partir da visão do professor, ou seja, é o professor quem seleciona
conteúdos e habilidades a serem verificadas. É certo que quando uma sequência
didática é elaborada, ela tem por finalidade desenvolver o aprendizado do aluno sob
um determinado aspecto, selecionando situações-problemas que possam contribuir
para o desenvolvimento de algum esquema cognitivo ou habilidade. No entanto,
nesse percurso comum criado para todos os alunos, os focos de atenção podem ser
diferenciados, de aluno para aluno, de modo que alguns aspectos sejam aprendidos
e outros não. A avaliação pode deixar de lado algumas habilidades que o aluno
tenha desenvolvido ou conteúdo aprendido, privilegiando outras que o professor
julgue mais importantes, de modo que o fracasso em uma avaliação pode ser
decorrente do recorte feito pelo avaliador. Citando Macedo, (2005, p.105):
É muito difícil avaliar. Atribuir valores é uma tarefa complexa, pois assimilar seus observáveis, isto é, os aspectos que nos permitem inferir uma presença ou ausência, supõe uma formação teórica e prática que não pode ser dominada de imediato.
Se as avaliações internas não contemplam muito a diversidade de
aprendizados, as externas, que são feitas para analisar um sistema, talvez se
afastem ainda mais da compreensão dos mecanismos individuais de aprendizado.
Avaliações como o SARESP, SAEB, Prova Brasil, Provinha Brasil dentre outras,
estabelecem descritores de habilidades que servem como parâmetro para cada
série, quando é esperado que o aluno as tenha desenvolvido. O SARESP, por
25
exemplo, utiliza o sistema BIB, ou seja, Blocos Incompletos Balanceados, que de
acordo com Beckman( 2001, p.120):
O modelo BIB (Blocos Incompletos Balanceados) foi idealizado há mais de 50 anos sem correlação direta com a montagem de cadernos de prova. A grosso modo, o BIB é um esquema otimizado para o rodízio de blocos com aplicações em diversas áreas, inclusive educação e agricultura.
Em um mesmo grupo testado há diferentes cadernos, cada qual com
um recorte do total de habilidades esperadas para a série, de modo que o conjunto
das avaliações constitui a totalidade das habilidades e competências esperadas para
a série. No entanto, mesmo a partir dessa avaliação fragmentada do todo, nos
relatórios é possível perceber o número percentual dos alunos que alcançaram os
diferentes níveis, a saber: abaixo do básico, básico, adequado e avançado. É difícil
analisar o sucesso ou o fracasso do aluno em uma amostragem de habilidades. No
entanto, costuma haver uma linha comum entre os alunos atualmente considerados
fracassados no que diz respeito à cultura escolar. Geralmente as baixas notas estão
diretamente associadas à questão da falta de proficiência na leitura. Normalmente
os alunos que não são bem sucedidos nas avaliações internas ou externas que
privilegiem a verificação da aquisição de habilidades e competências têm problemas
com a leitura. A maioria consegue decodificar o que leem, no entanto, não
conseguem compreender o que leem da forma que se espera, alcançando apenas o
nível mais superficial de leitura, tendo inclusive dificuldades em encontrar
informações pontuais no texto. Esse problema está ligado ao analfabetismo
funcional que segundo Ribeiro, (1997, p.15) é conceituado da seguinte maneira:
[...]o termo analfabetismo funcional foi utilizado também para designar um meio termo entre o analfabetismo absoluto e o domínio pleno e versátil da leitura e da escrita, ou um nível de habilidades restrito às tarefas mais rudimentares referentes à “sobrevivência” nas sociedades industriais.
Entende-se que a situação de analfabetismo está situada não só como
fracasso escolar, mas também como fracasso social, ou seja, quando o indivíduo
não tem as habilidades mínimas de letramento para conseguir uma colocação no
mercado de trabalho, interferindo diretamente em sua qualidade de vida, que pode
ficar ameaçada pela falta de sustento próprio.
Assim, é possível analisar a questão do fracasso escolar sob dois
aspectos: o fracasso dentro da escola e fora dela. Segundo Macedo, (2005, p.46) a
progressão continuada tem gerado uma espécie de pseudo-sucesso. O autor aborda
essa situação como algo que precisa ser corrigido, buscando-se reverter esse ciclo
vicioso, sem, no entanto, defender o retorno da reprovação e exclusão. Se por um
26
lado a escola já começou a compreender que cada indivíduo tem suas
particularidades e a considerar o aluno como um todo, de modo que as menções
atribuídas não são restritas às notas das avaliações, mas a uma série de aspectos,
considerando que as aquisições no campo da aprendizagem não se restringem aos
conteúdos escolares, mas a uma série de valores e outras habilidades nem sempre
consideradas tão importantes no universo escolar.
O professor já ampliou e flexibilizou seu olhar. A progressão continuada
também apareceu no cenário nacional para reduzir, dentre vários aspectos, as
injustiças promovidas por práticas excludentes, considerando que o aprendizado
pode acontecer em ciclos maiores, não reduzidos às séries escolares
individualmente. Nos estados em que a progressão continuada foi implantada houve
uma significativa redução da repetência e evasão, o que segundo a definição de
fracasso de Moysés e Collares transcrita neste capítulo, que o caracteriza como uma
soma dos índices de evasão e repetência, a partir do regime de progressão
continuada, o fracasso escolar, em termos conceituais, deixaria de existir. A escola
aprova, o aluno avança em nível de escolaridade, no entanto, a constatação do
fracasso passa a vir da sociedade. O aluno que conclui os estudos básicos sem as
habilidades esperadas pelo mercado de trabalho, acaba ficando à margem da
sociedade, sobrevivendo do subemprego, sem conseguir alcançar as metas ou
anseios para sua vida pessoal.
Esse aspecto do fracasso que extrapola os muros escolares é
abordado por Sobrinho ( 2010, p.1230)
A exclusão educacional é um fenômeno que apresenta múltiplos problemas, que vão desde o analfabetismo, as evasões, a repetência, as carências econômicas e culturais familiares, os preconceitos, a falta de vagas, a escassa formação de parte dos professores, as precárias condições de escolarização de muitos jovens, até a falta de perspectivas de futuros bons empregos.
Macedo (2005), em seu livro Ensaios Pedagógicos: Como construir
uma escola para todos? No capítulo 10: Disciplina: um desafio ao processo
educacional, analisa alguns aspectos relacionados à questão da indisciplina e sua
associação frequente ao baixo desempenho escolar. O autor aponta para várias
concepções de disciplina e aborda a questão da regulação de conduta a partir de
combinados.
27
A indisciplina se opõe à ordem. Piaget3, segundo o autor, defendeu o
valor do trabalho cooperativo “em equipe ou coletivo, o autogoverno (autodisciplina)
(MACEDO, 2005, p.52)”, de modo que a falta dessa organização necessária poderia
comprometer o aproveitamento dos alunos. O autor percebe a disciplina como o
desenvolvimento da autonomia.
De acordo com Macedo (2005), há duas visões sobre as dificuldades
de aprendizagem. O autor diz que Piaget4 não se atem muito às definições de
fracasso escolar, no entanto, de acordo com Macedo (2005), Piaget definia alguns
protocolos como “atraso escolar”, referindo-se ao mesmo como um nível de
desenvolvimento, “na mesma condição de outras [crianças] que não apresentam
atraso escolar. Como Piaget5 descreveu os níveis de desenvolvimento cognitivo por
faixas etárias, os desvios em relação ao desenvolvimento esperado poderiam ser
compreendidom como atraso escolar.
Macedo (2005) expõe que a palavra dificuldade pode trazer um sentido
positivo, quando concebida como um desafio a ser superado, no entanto, na vida
escolar, ela pode se tornar sinônimo de “ tristeza, desesperanças dos pais que
gostariam que seus filhos tivessem um ritmo comparável ao da média da classe ou
às prórpias referências.”
Sendo assim essa dificuldade se refere a um “critério externo”,
conhecido e desejável para um outro. A partir dessas considerações, a dificuldade e
o fracasso escolar podem ser concebidos através de parâmetros e medidas
homogeneizadoras.
Macedo (2005) interpreta essas dificuldades sob duas perspectivas
teóricas. A primeira como sendo um problema da criança, independentemente dos
professores, conteúdos e métodos. Essa visão independente busca localizar o
problema, tornando-o como uma “falta” de quem o possui.
A segunda visão é a da interdependência, que busca compreender a
dificuldade de aprendizado dentro de um contexto amplo. Essa segunda visão, masi
“sedutora”, por considerar tantos aspectos, se torna mais difícil de apurar os motivos
possíveis dentro de um encadeamento de fatores.3 PIAGET, Jean. O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977._______Sobre a pedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.4 PIAGET, J._ Apprentissage et connaissance. In: GRÉCO, P.; PIAGET, J. Apprentissage et connaissance. Paris: Presses Universitaires de France, 1959.5 PIAGET, J. Psychopédagogie et mentalité enfantine. Journal de psychologie normale et pathologique (Paris),vol. 25, p. 31-60.
28
Neste trabalho, mesmo considerando a visão interdependente como a
mais adequada par compreender as dificuldades de aprendizado e o fracasso
escolar, por situar o problema dentro de uma conjuntura, buscar-se-á fazer um
recorte nesse amplo contexto, com muitas variantes, procurando aprofundar na
análise das práticas docentes e seus métodos.
Capítulo 3: A insustentável lógica da exclusão
29
Como foi exposto no capítulo anterior, o fracasso escolar não é um
fenômeno isolado, mas contextualizado e interdependente, ou seja, pode ser
deflagrado por diversos fatores. No entanto, dentro desse imbricado e complexo
contexto, a prática docente e seus métodos será o foco deste trabalho. Para tanto,
foram estabelecidas categorias de análise para se analisar os fatores que
influenciam o fracasso escolar. São estas: alfabetização, método utilizado,
construtivismo, progressão continuada, formação docente, qualidade de ensino.
O artigo Alfabetização e Fracasso Escolar: Problematizando Alguns
Pressupostos da Concepção Construtivista, de Sandra Maria Sawaya, contribui para
a análise do eixo “método utilizado”. A autora, através de pesquisa de campo,
analisa e questiona alguns pressupostos sobre a carência cultural da população
pobre que norteia a proposta de alfabetização do Estado de São Paulo com base em
Teberoski .Essa carência cultural lhes seria fator impeditivo do sucesso escolar. A
percepção da diferença cultural entre alunos de classe média e classe baixa e sua
relação com o binômio sucesso e fracasso escolar levou à criação de medidas que
visavam atender a essa clientela.
Essas medidas ou reformas na educação brasileira são embasadas na
“visão psicogenética da aquisição da escrita” (SAWAYA, 2000, p.69) influenciaram
na criação dos ciclos no Estado de São Paulo, a partir dos parecer SEE/CENP,
1990, p.14; e da progressão continuada, que consta no PCN/ MEC. Normalmente, o
fracasso escolar nas crianças de classes baixas é constatado.
[...] ao serem introduzidas na alfabetização inicial”, de modo que se coloca em dúvida a competência linguística das mesmas. Ao se constatar esse problema, lança-se dúvidas sobre “a competência linguistica da criança e suas capacidades cognitivas”, de acordo com o parecer SEE/ CENP, 1990).
As reformas propostas se justificam a partir das concepções
construtivistas pela:
[...] inexistência ou da precariedade de experiências com a leitura e escrita nos meios populares. Provenientes de ambientes não-letrados, as crianças de classes populares não têm acesso a interações com situações de escrita e leitura, fato que as impede de atingir os níveis de conceitualização necessários à construção da escrita na escola e de compartilhar dos significados e dos usos sociais da escrita já adquiridos pelas crianças das classes médias. (SAWAYA, 2000, p.69)
A partir desse pressuposto, entendeu-se que uma flexibilização no
tempo do aprendizado poderia contribuir para a superação da defasagem
constatada.
30
No entanto, a partir da pesquisa de campo feita por Sawaya (2000)
junto às comunidades onde viviam crianças de classes baixas houve a constatação
de que há a presença da cultura letrada nesses espaços, conforme descreve a
autora:
[...] a cultura escrita atinge os grupos populares por meio de práticas de leitura que ocorrem sob o efeito da circulação de uma grande diversidade de textos, folhetos, documentos, etc., produzidos pelos meios de comunicação de massa que, no intento de atrair esses consumidores, produzem todo o tipo de impressos (propaganda, folhetos de divulgação de produtos, etc.) e outros materiais escritos afinados com o “gosto popular”: jornais sensacionalistas, revistas de fotonovela, horóscopo, etc. (SAWAYA, 2000, p.70)
A autora analisa as peculiaridades do uso da linguagem, das práticas
da leitura e escrita nas classes populares. A pesquisadora utilizou um gravador para
registrar as falas das crianças participantes da pesquisa, bem como a de seus
familiares. Ela percebeu que essas crianças faziam amplo uso da linguagem oral
com foco para os aspectos sociais,
[...] elas fazem usos identificados com formas de abstração, como o uso de metáforas, trocadilhos, piadas e gozações para dissuadir o adulto das agressões, para convencer o interlocutor do que está sendo dito; consquistar seu lugar no mundo dos adultos, construir sua história pessoal e sua identidadade. (SAWAYA, 2000, p.71)
Além desse rico uso da oralidade, essas crianças têm contato com
vários textos escritos, em especial o jornal, que tanto serve como material para
compor suas moradias, como também para ser lidos pelos moradores. Há familiares
que se consideram analfabetos por não saberem escrever, mas conseguem ler para
desempenhar suas funções sociais. Alguns leem, mas nem sempre compreendem
os enunciados das atividades propostas para casa, que muitas vezes não são claros
para nenhum leitor. Há ainda os “escribas” e os “escritores” oficiais dessas
comunidades. Os leitores oficiais costumam ter habilidades de leitura que ampliem a
comunicação dos textos, muitas vezes, aproximando-os das práticas de oralidade
para serem compreendidos. Os escribas transcrevem textos ditados, evidenciando
que, mesmo aqueles que não sabem escrever, conhecem as características de um
gênero escrito, tal como a carta.
Apesar de não se poder negar que a falta de acesso aos bens culturais
às classes populares reduza a possibilidade de participação social, não há bases
científicas para se afirmar que as culturas com ênfase na oralidade tenham menor
capacidade cognitiva que as que utilizam a escrita. A linguagem pode ser
estruturadora do pensamento, no entanto, não se restringe à modalidade escrita.
31
Sendo assim, a autora coloca em dúvida a possível incompetência linguística
identificada nos alunos das classes populares:
Desse modo, passam a ser questionáveis as afirmações de que o fracasso escolar das crianças de camadas populares é decorrente do fato dessas crianças não terem atingido certos níveis cognitivos e conceitualizações que as crianças de outras camadas sociais já atingiram ao chegar na escola.(SAWAYA, 2000, p.77)
A partir dessas considerações, percebe-se uma inadequação das
práticas e não especificamente de métodos. As práticas são moldadas pelas
concepções arraigadas em relação às crianças de classes populares, como sendo
portadoras de deficiências cognitivas, morais, dentre tantas outras. Assim,
independentemente da concepção pedagógica, a convicção do professor que está
ensinando para uma clientela menos capaz pode gerar uma prática deficitária, ou
seja, uma educação empobrecida. Pode-se então dizer que a própria prática seja
uma produtora do fracasso escolar. Além dessa limitação imposta por uma visão
limitadora, há outros fatores no cotidiano escolar que contribuem para a o insucesso
dos alunos e, por que não dizer, de todo o processo educativo, que se mostra
incapaz de ensinar a todos em uma escola que se propõe a atender
democraticamente a todos. Sawaya (2000) indica alguns desses fatores:
As propostas pedagógicas têm sido apropriadas pelos professores em função da lógica que organiza a vida cotidiana da escola: a fragmentação do trabalho, a alienação do sujeito em prol do cumprimento de papeis idealmente constituídos (necessidade de se responder às expectativas da escola por alunos disciplinados, limpos e arrumados; necessidade de se enquadrar nos critérios muitas vezes arbitrários de bom professor: o que enche a lousa de lição, o que obtém dos alunos os melhores cadernos), as intempéries dos próprio sistema de ensino (mudanças repentinas de regras do jogo, do sistema de avaliação, dos conteúdos pedagógicos a serem ministrados, da metodologia de ensino empregada, mudanças das crianças de classe durante o ano letivo, etc.) (SAWAYA, 2000, p.79)
O estudo e o questionamento desses pressupostos que limitam o
aprendizado das crianças das classes populares responde a um dos possíveis
fatores geradores do fracasso escolar, que vai além da concepção pedagógica, mas
da limitação construída, inclusive com embasamento teórico, a respeito da
incapacidade cognitiva decorrente de comunidades com menor nível de letramento
escolar.
Reconhecendo-se que essa limitação talvez seja um pressuposto sem
base científica, a teoria da carência cultural pode ser vista como algo a ser
superado, de forma a não macular mais a visão docente sob a ótica da
impossibilidade.
32
Há, no entanto, a necessidade de se repensar as práticas, não
somente no âmbito individual, mas estendendo as reflexões para toda a comunidade
escolar, ampliando também os debates em perspectiva nacional, buscando
maneiras de pensar estratégias adequadas e não empobrecidas para atender às
classes populares, que são a maioria em nosso país.
Definir ou conceituar a qualidade na educação não é uma tarefa fácil,
uma vez que, estabelecer ou mensurar critérios para se defini-la pode ser um
procedimento arbitrário. Enquanto falamos em qualidade a LDB assegura no artigo
4º:
O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: §IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como variedade e quantidades mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Libâneo (1998), no artigo “Adeus professor, adeus
professora?”, o ensino só pode ser considerado de qualidade se oportunizar a
construção do conhecimento por todos os indivíduos do processo, por respeitar a
individualidade dos seus participantes, por uma formação diferenciada e por
condições de trabalho adequados ao corpo docente. Libâneo completa ainda que
qualidade na aprendizagem é aquela cujos conteúdos respondem ao que o indivíduo
necessita para desenvolver-se como pessoa no âmbito afetivo, intelectual, moral e
físico para poder participar no ambiente social onde está inserido.
O artigo “Avaliação e fracasso escolar: questões pra debate sobre a
democratização da escola” de Maria Tereza Esteban analisa a questão da aferição
da qualidade do ensino a partir das avaliações, em especial, as externar, como o
SAEB, o SARESP dentre outros, construídos com base em indicadores.
De acordo com a autora, esses indicadores mostram que “quase a
totalidade dos estudantes brasileiros que cursaram quatro anos deescolaridade está
abixo no nível considerado adequado.” (ESTEBAN, 2009, p.130). Há uma outra
peculiaridade que se assemelha a um exemplo popular a respeito da percepção de
um otimista e de um pessimista ao olhar um copo de água pela metade. Enquanto o
otimista o vê como meio cheio, o pessimista o percebe como meio vazio. A
percepção a respeito dos resultados da avaliação se aproxima mais de uma visão
pessimista, uma vez que avalia os alunos por aquilo que não sabem:
Considerando que os níveis muito crítico e crítico são descritos pelas competências e habilidades que os estudantes não demonstram, eles são fundamentalmente narrado pela negação, são apresentados pelo que não são, não fazem, não sabem, como sujeitos sem qualidades válidas no
33
contexto escolar. Uma escola sem qualidade e estudantes desqualificados se complementam no processo de negação do acesso das classes populares, constituídas por sujeitos subalternos, aos conhecimentos. (ESTEBAN, 2009,3 p.130)
A partir desses resultados há a constatação do fracasso escolar e,
portanto, atesta uma possível falta de qualidade. De acordo com Esteban (2009), a
qualidade está cada dia mais vinculada aos resultados de exames de caráter
homogeneizador, afastados da realidade e do contexto escolar.
A lógica do exame se consolida na escola e na sociedade, sendo associada à produção da qualidade, esta cada vez mais vinculada à inserção dos resultados em um único padrão, cuja aferição se realiza através de processo descontextualizado, constituído por práticas que encontram na separação entre sujeito que conhece e objeto de conhecimento seu princípio epistemológico. A dimensão individual da aprendizagem e da qualidade se fortalece, o que reduz, chegando muitas vezes a negar, a dimensão intersubjetiva da produção do conhecimento. (ESTEBAN, 2009,3 p.129)
Os exames são envolvidos em uma aura de verdade científica
incontestável, capaz de atestar o fracasso de indivíduos e de escolas, o que
costuma gerar um clima de decepção e desesperança decorrente da expectativa
frustrada de se alcançar o sucesso.
No entanto, a autora critica severamente a “pedagogia do exame”, na
medida em que as avaliações podem servir a fins classificatórios apenas, colocando
as escolas em rankings de aproveitamento, estigmatizando intituições, alunos e
professores, ao atestar sua presumida baixa qualidade. A constatação da baixa
qualidade a partir dos exames pode ser uma forma de manutenção das hierarquias
sociais e da “subalternização”. Quem fracassa ou se sente fracassado se percebe
como alguém que não pode promover intervenções sociais significativas e se
mantém alijado das posições de poder ou decisão.
Ao se criar parâmetros aceitáveis ou mínimos, a avaliação acaba
legitimando o processo de exclusão que atesta que certos indivíduos, ou no caso da
realidade brasileira brasileira, são insuficientes prerante o que se espera da escola.
Esse processo busca classificar indivíduos, escolas e professores em níveis de
qualidade diferenciados. Busca-se justificar a uniformidade dos exames “pela busca
da equidade na formação do cidadão”, associando essa necessidade de formação
para que o aluno/ cidadão possa disputar vagas no mercado de trabalho em
situação de igualdade. Porém, a avaliação, se não servir para orientar práticas e
políticas públicas mais adequadas, assume uma perspectiva reducionista e
classificatória.34
Se a avaliação assume esse aspecto meramente classificatório se
afasta, inclusive, dos princípios norteadores construtivistas que compreendem o erro
como uma tentativa e, ao percebê-lo deve-se haver uma ação que possibilite ao
aluno alcançar as aprendizagens que ainda não foram desenvolvidas. A avaliação
sob essa perspectiva assume uma postura formativa, ou seja, funciona como parte
do processo, oferecendo informações importantes para aperfeiçoá-lo. Utilizar a
avaliação como uma medida estanque para aferir a qualidade só corrobora com o
fortalecimento de um discurso excludente a respeito dos “fracassados”.
Esta perspectiva coloca em discussão os parâmetros que vêm nomeando como fracasso os resultados que os estudantes das classes populares brasileiras vêm obtendo na escola. Pois o erro, longe de ser expressão de não aprendizagem e de incapacidade, é expressão da relação entre o que já foi aprendido e as aprendizagens que ainda se fazem necessárias. (ESTEBAN, 2009,3 p.133)
Uma das virtudes deste artigo é a elucidação de uma lógica inversa
que, muitas vezes, passa despercebida aos olhos da grande maioria. Quando uma
avaliação revela o fracasso, normalmente o associa aos alunos, no entanto, quando
o fracasso das crianças das classes populares é constatado, é notável que o
fracasso real não é de natureza individual, mas evidencia o fracasso do “projeto de
escola” (ESTEBAN, 2009, p.126), que não dá conta de atender à sua própria
missão. A escola, de um modo geral, fracassou e tem fracassado em relação aos
seus próprios pressupostos, especialmente no que tange a consecução de uma
educação democrática e para todos.
No eixo “alfabetização”, o artigo: “Letramento e alfabetização: As
muitas facetas”, de Magda Soares, traz considerações importante as respeito dos
conceitos de alfabetização e letramento, processo que são diferenciados, porém,
indissociáveis. O termo letramento surgiu concomitantemente em diferentes países.
[...] em meados dos anos de 1980 que se dá, simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation. (SOARES, 2004, p.6)
Apesar do surgimento do termo ter sido praticamente simultâneo, há
uma diferença de contexto entre a noção difundida no primeiro mundo e a concebida
no Brasil, um país em desenvolvimento. Enquanto nos países desenvolvidos há uma
associação do conceito de iletrismo à dificuldade de indivíduos alfabetizados em
compreender o significado de textos. No Brasil, os conceitos de alfabetização e
letramento aparecem em muitos estudos como conceitos muito próximos e
35
associados. De acordo com Soares (2004), essa aproximação tem “levado a uma
concepção equivocada de que os dois fenômenos se confundem, e até se fundem”,
promovendo um processo de descaracterização de ambos, como explica a autora:
[...] No Brasil, a discussão do letramento surge sempre enraizada no conceito de alfabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação sempre proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos, com prevalência do conceito de letramento, [...] o que tem conduzido a um certo apagamento da alfabetização. (SOARES, 2004, p.8)
A esse processo, Soares (2004) chama de “desinvenção da
alfabetização”, que se caracteriza por uma “progressiva perda de especificidade do
processo de alfabetização que parece vir ocorrendo na escola brasileira ao longo
das duas últimas décadas.” Entende-se que essa perda seja decorrente da forma
como a alfabetização seja concebida. Se anteriormente a alfabetização se
caracterizava pela preocupação centrada nas questões gráficas e fonológicas da
língua, ao aproximá-la do conceito de letramento, valorizando-se a leitura em
detrimento da decodificação, essa especificidade foi sendo apagada. Segundo a
autora, essa mudança seria, dentre os fatores relacionados ao fracasso na
aprendizagem, um dos mais importantes:
Certamente essa perda de especificidade da alfabetização é fator explicativo – evidentemente, não o único, mas talvez um dos mais relevantes – do atual fracasso na aprendizagem e, portanto, também no ensino da língua escrita nas escolas brasileiras, fracasso hoje tão reiterado e amplamente denunciado. É verdade que não se denuncia um fato novo: fracasso em alfabetização nas escolas brasileiras vem ocorrendo insistentemente há muitas décadas; hoje, porém, esse fracasso configurase de forma inusitada. (SOARES, 2004, p.9)
A partir da concepção psicogenética da língua e sua consequente
alteração nas práticas docentes, pôde-se perceber que os aspectos psicológicos
relacionados à língua foram mais valorizados que os fonéticos e fonológicos.
[...] dirigindo-se o foco para o processo de construção do sistema de escrita pela criança, passou-se a subestimar a natureza do objeto de conhecimento em construção, que é, fundamentalmente, um objeto lingüístico constituído, quer se considere o sistema alfabético quer o sistema ortográfico, de relações convencionais e freqüentemente arbitrárias entre fonemas e grafemas. Em outras palavras, privilegiando a faceta psicológica da alfabetização, obscureceu-se sua faceta lingüística – fonética e fonológica. (SOARES, 2004,p.9)
Além dessa dissolução do conceito de alfabetização, a autora aponta
para mais um fato interessante, chamado de “curvatura da vara”, uma metáfora para
a educação e seus processos que tendem a raciocínios alternativos. Entende-se que
o Brasil, neste momento, esteja apontado para uma concepção holística da
linguagem, que entende que a escrita se torna apenas relevante quando se aprende 36
a construir sentidos a partir de de textos escritos e que o processo de aprendizagem
“decorreria de forma natural da interação com a língua escrita”, prescindindo de “ [...]
instrução direta e específica para a aprendizagem do código alfabético e ortográfico”
.(SOARES, 2004, p.12)
Há um movimento chamado de “reivenção da educação” em países
como França e Estados Unidos que postula uma retomada do método fônico para
“[...] que se recupere a importância fundamental que tem na aprendizagem da língua
escrita; sobretudo, que ela seja objeto de ensino direto, explícito e sistemático.”
(SOARES, 2004, p.12)
No entanto, Soares (2004) traz uma reflexão que oferece um caminho
consistente para se ampliar os estudos a respeito dos métodos de alfabetização. A
autora, no artigo Letramento e Alfabetização: As muitas facetas, observa que houve
no Brasil uma fusão de dois conceitos de natureza distinta, apesar de indissociável,
a saber, a alfabetização e o letramento.
Quando as ideias construtivistas começaram a ganhar corpo no Brasil,
passou-se a pensar na importância que os textos de circulação social teriam no
ensino sistematizado da língua, em detrimento dos textos elaborados e disponíveis
nas cartilhas tradicionais, sem intenção comunicativa clara. Os textos ganharam
importância no processo de alfabetização e o letramento passou a ganhar
centralidade no processo de ensino da língua. Valorizou-se bastante a compreensão
de textos e mesmo crianças não alfabetizadas formalmente poderiam compreender
textos com mais facilidade. No entanto, a autora percebe que nesse processo,
houve maior ênfase ao letramento, em detrimento do processo de alfabetização, que
perdeu sua especificidade, ocasionando problemas relacionados à leitura e escrita
formal.
A autora propõe uma intervenção, procurando diferenciar os dois
processos, letramento e alfabetização, privilegiando na prática a ambos, cada um
com sua especificidade, promovendo um aprendizado mais completo da língua,
tanto em relação aos aspectos fonéticos e fonológicos quanto em relação ao
desenvolvimento da competência leitora no que diz respeito à compreensão dos
textos lidos.
Voltando ao conceito de “curvatura da vara”, também conhecido como
“pêndulo”, podemos analisar a maneira como as tendências se incompatibilizam,
37
indicando a necessidade de se optar por um ou por outro método. Segundo
(SOARES, 2004, p.12):
O problema é que, num e noutro caso, dissocia-se equivocadamente alfabetização de letramento, e, no segundo caso, atua-se como se realmente pudesse ocorrer de forma incidental e natural a aprendizagem de objetos de conhecimento que são convencionais e, em parte significativa, arbitrários – o sistema alfabético e o sistema ortográfico.
Além dessa incompatibilização danosa estabelecida entre o estudo
sistemático da língua enquanto código e a leitura como prática social, que privilegia
o processo de letramento em detrimento à alfabetização, o desconhecimento real da
aplicabilidade dos conceitos da psicogênese da língua no processo de alfabetização
pode ter tornado o quadro da educação básica ainda mais caótico.
Carraro et al. (2009) abordam em seu artigo Concepções docentes
sobre o construtivismo e sua implantação na rede estadual de ensino fundamental,
uma série de percepções de docentes a respeito do construtivismo e um dos
problemas apontados pelos entrevistados residiria na falta de informação sobre
como trabalhar essa concepção pedagogicamente, sentindo que houve também
uma imposição governamental para que o mesmo fosse implantado. Alguns dos
depoimentos constantes no artigo trazem essa percepção:
(...) eu acho que ele foi mal interpretado e não aplicado como deveria (...) pegaram uma teoria e jogaram dentro da escola pública ou jogaram dentro da escola particular. (...) eu não gosto da maneira que ele foi aplicado, sem embasamento teórico, sem estudar a teoria a fundo (...). (Prof. 01 - Escola B)(...) ele não sabe, ele não foi formado para trabalhar no Construtivismo (...) as escolas não prepararam os professores, simplesmente jogaram uma teoria que foi confundida com método. (Prof. 14 - Escola A)(...) porque foi de repente: ‘é construtivismo? então agora nós não precisamos mais corrigir cadernos, é só deixar a criança à vontade’. Então, muitos professores largaram as crianças mesmo (...) foi uma loucura (...) logo no começo do construtivismo, a criança chegava na 3ª e na 4ª série e você não entendia o que ele escrevia (...) e isso só ocorreu porque foi deixando. Foi logo quando comecei a lecionar, no O. J., em 91 (...) mas foi de repente, (...) de um ano para outro, sem preparo, sem cursos, sem nada. Então eles falavam: ‘de hoje em diante não é mais o método tradicional, é o Construtivismo’. (Prof. 15 - Escola B)
Nos depoimentos retirados do artigo citado, há em comum a percepção
de que o método construtivista chegou de forma abrupta, sem um preparo prévio e
muito distorcido, uma vez que os professores acabaram adotando uma postura
passiva, a ponto de não corrigir os alunos, acreditando que o desenvolvimento da
leitura e escrita se daria de forma natural e espontânea, sem a necessidade de uma
uma intervenção sistemática.
38
Pode-se dizer que esse processo descrito por Carrara et al. coincida
com a afirmação de Soares (2004) em relação à concepção tradicional de
alfabetização em relação à construtivista:
Talvez se possa dizer que, para aprática da alfabetização, tinha-se, anteriormente, um método, e nenhuma teoria; com a mudança de concepção sobre o processo de aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma teoria, e nenhum método. (SOARES, 2004, p.11)
A proposta de Soares (2004) em relação a esses dois processos que
considera distintos, a saber, a alfabetização e o letramento, é que os mesmos
funcionem em complementaridade e não em oposição. A princípio é importante
diferenciá-los para que sejam compreendidos como conceitos diferentes, com suas
especificidades, mas que, na prática de ensino devem ser ensinados de forma
articulada, ou seja, a “apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico”,
deve se desenvolver em um “contexto de letramento”, levando em conta a natureza
social da linguagem e, portanto, dos textos escritos. (SOARES, 2004, p.16)
E por ser o professor um dos principais, se não o principal agente de
mudança na escola, é preciso que se reformule “a formação dos professores das
séries iniciais do ensino fundamental, de modo a torná-los capazes de enfrentar o
grave e reiterado fracasso escolar na aprendizagem inicial da língua escrita nas
escolas brasileiras.”
É possível compreender a partir destes artigos estudados e analisados
no eixo alfabetização que é fundamental uma diferenciação entre os processos de
alfabetização e letramento, desenvolvendo a ambos de forma concomitante, sem,
porém, destituí-los de suas especificidades, propiciando um ensino da língua mais
consistente, organizado e definido, que contribua para o desenvolvimento de uma
prática que contribua para uma formação mais robusta do aluno, que,
instrumentalizado por uma leitura mais abrangente, tanto sob a ótica da
decodificação e codificação quanto da compreensão, certamente terá mais
habilidade para o desenvolvimento de todas as demais áreas do conhecimento, que
também são construídas tendo por base a língua.
Para estudar o eixo “construtivismo”, Capovilla et al (2007), no sumário
de sua obra Alfabetização: Método fônico, explica que em relação à alfabetização o
construtivismo deixaria a desejar. Os autores se apoiam na ideia de que “ [...] as
crianças que serviram como modelo eram provenientes de ambientes estimulantes e
ricos culturalmente, e desenvolviam de forma bastante espontânea a consciência
39
sobre a segmentação da língua oral e sobre a correspondência entre a escrita e a
fala” (p.72). Sendo assim, para os tais, a formulação das hipóteses de escrita seria
algo mais fácil e natural do que para crianças provenientes de famílias “cujos pais
são analfabetos ou possuem apenas alguns anos de escolaridade, que geralmente
não possuem recursos para comprar livros de estórias, que não possuem tempo
para mostrar o alfabeto aos seus filhos, e que nem mesmo têm uma linguagem oral
bem desenvolvida para conversar com eles?” A esses, segundo os autores, as
hipóteses não seriam tão espontâneas, fato que se evidenciaria pela diferença de
desempenho entre alunos da classe média e da classe baixa. Os autores citam e
avaliam alguns estudos de desempenho feitos por Ferreiro e Teberoski (1986) que
evidenciariam diferenças nos níveis de evolução nas hipóteses de escrita,
revelando que crianças de uma mesma faixa etária, porém de classes sociais
diferentes tinham diferenças significativas de níveis de hipótese de escrita. Em uma
escala de 1 a 5, o máximo que os alunos de classe baixa atingiam era o nível 3, que
seria intermediário. Os autores concluem:
Tais achados indicam claramente que o nível sociocultural da família influi, e muito, no desenvolvimento cognitivo da criança e, especialmente, no desenvolvimento de hipóteses sobre a linguagem escrita. (CAPOVILLA, 2007, p.73)
É clara a visão dos autores em relação à carência cultural como
elemento determinante para o fracasso escolar e acrescentam:
[...] pressupor que as crianças desenvolvam hipóteses espontaneamente constitui uma injustiça para com a criança carente e um desserviço à sua educação. As ciranças de nível socioeconômico baixo têm o diereito de ter sua condição particular reconhecida e de receber ensino diferenciado e sistemático, capaz de suprir suas necessidades não satisfeitas pela família e ambiente extra-escolar, de modo a poder iniciar a alfabetização em condições de igualdade com seus colegas de nível socioeconômico médio e alto. (CAPOVILLA, 2007, p.73)
Os autores ainda apontam a escola como sendo, nesse caso, a
principal ou mais importante instituição de ensino formal e, levando em conta a
realidade dos alunos que não podem contar com o auxílio da família, de professores
particulares para reforço, a escola tem que se estruturar para atender suas
necessidades, buscando uma maneira consistente e sistemática de ensinar, não
apenas relegando os alunos ao aprendizado espontâneo.
Capovilla et al. também discorre sobre os estudos de Piaget6 no que
diz respeito aos estágios de desenvolvimento, que respeitam etapas próximas entre
si, sendo que os progressos são construídos sobre bases cognitivas já
6 PIAGET, J.(1969/1976). Psycologie et pedagogie. Paris: Editions Denoel. (4ª. Ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense.40
desenvolvidas pelas crianças, sendo difícil ou impossível saltar etapas, lembrando
ainda que Piaget “ se preocupou com a epistemologia, e não com a educação.”
(p.67). Os autores ainda citam Coll (1996)7 expondo algumas dificuldades
relacionadas à transposição da teoria piagetiana para a prática docente, como a
“espera pedagógica”, que é explicada como uma postura passiva do docente em
relação ao desenvolvimento do aluno, esperando que o mesmo atinja uma
determinada etapa do desenvolvimento cognitivo para que possa aprender um
determinado conteúdo. Entende-se que o papel do professor como alguém que deve
propiciar ao aluno formas e estratégias para fomentar o aprendizado, de modo que
uma visão espontaneísta não contribuiria para seu desenvolvimento.
A partir dessa visão, pode-se afirmar que parte do fracasso escolar
estja ligado ao construtivismo, no entanto, analisando-o sob a perspectiva de Chakur
et al (s/d), o construtivismo na educação brasileira foi em vários pontos, mal
interpretado e, portanto, falho em relação à transposição metodológica. De acordo
com os autores:
As conceituações e considerações piagetianas, ligadas diretamente ou
não à educação escolar, parecem ter chegado à escola de forma descontextualizada
e com significados distintos dos originais, segundo atestam nossas pesquisas e
projetos com professores. Assim, os termos e expressões “ser ativo”, “pensamento
concreto”, “respeitar o interesse infantil”, “autonomia”, “gênese/genético”, entre
outros, têm sido associados a certas condutas, concepções e práticas. Diz-se, por
exemplo, que “o construtivismo leva à bagunça”; que se devem usar objetos
materiais, aproveitar o cotidiano do aluno e não impor tarefas; que o conhecimento é
inato e a inteligência é hereditária e, portanto, imutável. (CHAKUR et al, s/d, p.5)
Os autores ainda analisam pressupostos construtivistas que fazem
parte do repertório de professores da rede pública paulista. Alguns desses
pressupostos são analisados no artigo: “Não se deve corrigir o erro do aluno”; “ser
construtivista e colocar os alunos para trabalhar em grupo”; “o construtivismo
condena o uso da cartilha”; “o papel do professor é o de facilitador da aprendizagem.
Ele não deve interferir, mas deixar a criança descobrir sozinha”; “o professor
construtivista trabalha com o que o aluno traz de casa”; “o que importa é
7 COLL, C. 1996. Psicologia e educação: aproximação aos objetivos e conteúdos da psicologia da educação. In: C. COLL; J. PALACIUS e A. MARCHESI (org.), Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação. Porto Alegre, Artes Médicas
41
desenvolver o raciocínio, o conteúdo é secundário”; “o construtivismo condena o
ensino da gramática e da tabuada”; “o aluno só aprende com a própria atividade e
deve ser deixado livre para agir”.
Embora alguns deles estejam ligados a conceitos construtivistas, foram
desvirtuados e se transformaram em uma espécie de caricatura das ideias originais.
Em relação ao erro, apesar de Piaget não ter se preocupado em estudá-lo, La Taille
procurou perceber o erro como um caminho de aprendizado, no entanto, valorizar o
erro como um produto final foi o resultado dessa distorção. O trabalho em grupo
realmente pode ser produtivo, no entanto, não se prescinde de um planejamento
adequado para o agrupamento. As cartilhas foram vistas como materiais feitos
exclusivamente para a alfabetização, enquanto os textos de circulação social foram
entendidos como mais adequados para se desenvolver o aprendizado da língua. Em
relação ao papel do professor enquanto facilitador da aprendizagem, talvez esse
tenha sido um dos conceitos mais deturpados, que lançou o professor em uma
posição de mero espectador, que movido por uma visão espontaneísta, esperava
ver o desenvolvimento natural do aluno, o que raramente acontecia.
Diante da interpretação equivocada do estudo psicogenético de Piaget,
ou pelo menos de sua transposição para a prática, realmente várias lacunas foram
deixadas no ensino, cujos reflexos negativos são percebidos no ensino público até o
momento. Nesse caso, não se pode dizer que tenha sido somente a falta da
preparação dos docentes para trabalhar sob essa perspectiva, mas segundo a
hipótese dos autores temos:
Nossa hipótese é, pois, que os desvios da teoria construtivista original de Piaget possivelmente já estão presentes nos meios de divulgação do “pacote educacional” – na formação inicial e continuada, em revistas, artigos, etc. A decisão de implantar certa teoria na educação leva os agentes legisladores e divulgadores a transmiti-la de forma aligeirada, recorrendo, então, a frases feitas, chavões e slogans, mais fáceis de serem assimilados, mas que perdem seu sentido ao mudar de contexto e desligar-se do arcabouço teórico original. (CHAKUR et al, (s/d), p.16)
Essa deformação do construtivismo que exigia uma anulação do
professor, destituindo-o do seu papel essencial de promover a aprendizagem, fez
com que muitos o rejeitassem, preferindo manter suas práticas em conformidade
com o ensino tradicional.
Em relação ao eixo “Progressão Continuada”, optou-se por analisar o
artigo “Fracasso/ sucesso: um pesadelo que perturba nossos sonhos” de Miguel G.
42
Arroyo e também o capítulo 5 da Revista do Projeto Pedagógico, da UDEMO: “O
Sistema de Ciclos e a Progressão Continuada”.
Arroyo (s/d) explica que, tão assustador quanto o fracasso escolar
pode ser a confusão que se faz ao associar “[...] sucesso / qualidade com
aprovação, e fracasso com reprovação” (ARROYO, s/d, p.2). Assim o autor
desassocia a aprovação escolar ao sucesso no cotidiano.
Confundir sucesso/qualidade com aprovação, e fracasso com reprovação é uma miragem, um engano. Garantimos, inclusive, aos aprovados e bem-sucedidos, que o tempo de escola contribua para seu direito ao desenvolvimento como seres humanos? Em outros termos, preocupar-nos com o fracasso pensando que o sucesso garante o direito à educação, à cultura e ao desenvolvimento humano devidos é uma forma de nunca equacionar devidamente o fracasso. É um mau início. Esse erro, esse pesadelo, tem nos impedido de entender que a concepção e prática de escolarização, de ensino, não tem acompanhado os avanços do direito à educação, à cultura, à formação humana de nossa infância e juventude. Este deveria ser nosso pesadelo maior. (ARROYO, s/d, p.2)
O autor ainda lembra que o fracasso escolar é apenas parte de um
contexto mais abrangente, que é o fracasso social. No entanto, não livra a escola e
suas idiossincrasias da responsabilidade que tem nesse contexto.
Pretendemos chegar à matriz do fracasso/sucesso. A matriz escolar: não inocentamos a escola, sua cultura e sua estrutura, apelando e esperando uma revolução na sociedade. Pretendemos intervir no sistema escolar crentes de que esse sistema, sua cultura, rituais, lógicas, estruturas podem ser mais democráticos, menos seletivos. Está em nossas mãos de educadores fazer essas intervenções. Jogar a responsabilidade sobre a sociedade, o Estado, os governos é uma for ma de nâo assumir com profissionalismo responsabilidades que são do coletivo dos educadores. Supõe um processo de reeducação de nossa cultura profissional, concomitante a intervenções estruturais do coletivo. (ARROYO, s/d, p.2)
No artigo, o autor considera relevantes as tentativas de superação do
fracasso escolar e entende os ciclos de aprendizagem como positivos, no entanto,
se concebidos somente com a finalidade de corrigir fluxo, acelerar, romper com a
seriação, não consistem, por si só, uma solução. Para promoverem mudanças
significativas, os ciclos devem ser acompanhados de uma ênfase ao
desenvolvimento pleno dos educandos, bem como da “[...] superação da cultura da
exclusão e da lógica e estrutura seletiva de nosso sistema escolar.” (ARROYO, s/d,
p.3)
Nesse panorama, a introdução dos ciclos e da progressão continuada
dentro dos mesmos, há um importante levantamento de informações no capítulo 5
“O sistema de ciclos e a Progressão Continuada”, na Revista do Projeto Pedagógico
da UDEMO.
43
Devido a problemas em relação à implementação da Progressão
Continuada na rede pública do Estado de São Paulo, identificam-se alguns
problemas, tais como a persistência de um sistema seriado dentro dos ciclos,
evidenciado pelos planejamentos anuais e avaliações bimestrais e finais.
Ao mesmo tempo em que são mantidas estruturas e práticas do
sistema seriado, não se admite a retenção, ainda que o aluno não tenha as
condições necessárias para acompanhar a série seguinte, “contrariando os
princípios contidos no Sistema de Ciclos e na Progressão Continuada, nos quais o
aprendizado deveria se dar ao longo de 4 anos, respeitando-se o ritmo de cada
aluno.” . (UDEMO, s/d, s/p)
De acordo com as considerações do capítulo, um dos maiores entraves
em relação à implantação da Progressão Continuada se deu devido à falta de um
amplo debate junto aos educadores, o que gerou uma grande resistência por parte
destes. No entanto, se houvesse essa abertura para o debate, algumas quertões
poderiam ter sido levantadas, por exemplo, a redução da carga horária docente, de
modo que lhes fosse concedido tempo para a adaptação através de estudos e
preparação que lhes permitisse compreender melhor o sistema de ciclos e a
progressão continuada, bem como estabelecer as mudanças necessárias na prática.
A partir dessa situação de indefinição, a escola e docentes continuaram
a trabalhar como sabiam e, sem os investimentos necessários, o que devia ser
progressão continuada “transformou-se em promoção automática.”
Sem uma ampla capacitação da rede para concretizar o Sistema de Ciclos e a Progressão Continuada, grande parte das escolas continuou a trabalhar de forma rotineira, ou seja, montando anualmente seu Plano de Ensino com conteúdos tradicionais desenvolvidos com a maior ou menor eficiência, dependendo da qualidade do corpo diretivo e docente das unidades. (UDEMO, s/d, s/p)
Esse descuido na implementação do sistema de ciclos e da progressão
continuada gerou consequências desastrosas, como a promoção sem
aproveitamento. No entanto, apesar das distorções presentes na implantação da
Progressão Continuada e dos Ciclos de Aprendizagem da rede pública do Estado de
São Paulo, o referido capítulo procura expor maneiras de se tentar corrigir esse
sistema, percebendo-o realmente através da lógica dos ciclos e não da seriação,
colocando-se metas para um ciclo e não para as séries individualmente, de um
modo que realmente se flexibilizasse e ampliasse o tempo para o aprendizado .
44
É fundamental também uma mudança na estrutura escolar, em
especial, no que diz respeito à manutenção da equipe docente durante o ciclo,
permitindo um acompanhamento seqüencial e individualizado que permitisse uma
intervenção eficaz, apoiando o aluno em seu processo de aprendizado. O capítulo
ainda propõe alterações na elaboração do Projeto Político Pedagógico, de modo que
toda a concepção pedagógica e prática estejam adequadas ao sistema de ciclos e a
Progressão Continuada.
A partir da análise dos vários eixos propostos, um último e bastante
importante tema a ser analisado é a formação docente. Para estudar esse eixo,
tomou-se por base a obra “Ensaios Pedagógicos: como construir uma escola para
todos?” de Lino de Macedo.
Macedo, (2005) aborda alguns desafios da docência na atualidade,
dentre eles, a articulação entre presente, passado e futuro. O autor expõe que:
O papel do professor, nesse novo cenário, é também o de um orientador, gestor e criador de situações ou tarefas de aprendizagem. Ou seja, não basta mais transmitir aquilo que o passado julga fundamental para o presente; tem-se também de antecipar hoje o que os alunos necessitarão amanhã, mesmo sabendo que as respostas serão logo insuficientes, pois as máquinas, os recursos e os problemas serão outros. (p.36).
Mas como solucionar esse descompasso? Como propiciar a
devida formação aos docentes para lidar com a diversidade e a inclusão, que
atualmente se um conceito mais expandido, não restrito à educação especial, mas
abrangendo todos os alunos, com suas peculiaridades? Ser um professor reflexivo já
se tornou parte do jargão docente, mas como exatamente promover essa reflexão?
Entende-se também que o professor deve sempre manter-se aprendendo, no
entanto, quem promove as formações? As escolas públicas têm os horários de
trabalho coletivo, chamados na rede estadual de HTPC, momento em que se espera
que ocorra a formação continuada docente, com a colaboração do professor
coordenador. No entanto, o tempo restrito e a demanda por soluções de problemas
do cotidiano, muitas vezes, dificulta essa formação. Apesar dessas dificuldades, o
professor pode continuar aprendendo ainda dentro dessa situação, especialmente
se os problemas abordados forem solucionados com base teórica consistente e/ ou
apoio na legislação vigente.
Compreender algumas deformações em relação às concepções e
métodos pode ser fundamental na compreensão dos problemas relacionados à
prática pedagógica. Carraro et al ( 2009), no artigo Concepções docentes sobre o
45
construtivismo e sua implantação na rede estadual de ensino fundamental, trouxe
relatos de educadores que evidenciam o desconhecimento do ideário construtivista,
bem como sua aplicabilidade em relação às práticas. Chakur et al (s/d), no artigo O
Construtivismo no ensino fundamental: um caso de desconstrução, aprofunda ainda
mais essa questão, expondo deformações nas concepções docentes sobre o
construtivismo. Essas deformações são decorrentes da disseminação de chavões e
slogans, inclusive através de formação continuada, teriam reduzido o papel do
professor construtivista a um mero observador do processo de aprendizado, cujas
interferências poderiam prejudicar o desenvolvimento do aluno.
Neste ponto é possível ampliar a leitura das concepções de
Hargreaves (2004), expostas na problematização feita no segundo capítulo desta
pesquisa. O autor mostra que os educadores das escolas onde o fracasso escolar é
mais freqüente, ficam sujeitos às “seitas de formação”. O termo “seita” sob o aspecto
religioso pode ser compreendido como um desvio doutrinário. Da mesma maneira,
as “seitas de formação” desvirtuariam as concepções pedagógicas, sendo mais
danosas do que produtivas, tal como aconteceu da implantação do construtivismo no
Brasil, fazendo com que este se associasse ao espontaneísmo no aprendizado.
Talvez um dos desafios mais importantes para se estabelecer
estratégias contra o fracasso escolar esteja justamente ligado à desvinculação da
escola atual do modelo excludente. Mas não basta incorporar apenas o discurso
inclusivo mantendo práticas que não atendem a todos os tipos de alunos. É
importante que, juntamente com a aceitação do conceito de uma escola para todos,
o professor procure também estabelecer uma prática que alcance a todos. Não é
algo tão simples assim, pois exige a mudança de paradigmas em relação a
praticamente todos os aspectos da educação escolar. O próprio professor precisa
aprender a aprender de forma diferente, para também poder ter um ensino
adequado ao momento histórico em que vivemos, com suas necessidades e
especificidades.
Assim, o professor necessita de muito mais do que a intuição para
proceder à reflexão sobre sua prática educacional, ele ser instrumentalizado para
que sua reflexão seja produtiva em relação à prática. Sob essa ótica, além da
formação inicial, é importante que sejam oferecidos cursos de formação continuada
docente que ajudem o professor a compreender melhor as teorias que podem
46
embasar as práticas, de forma inequívoca, evitando as formações disseminadoras
de distorções, tal como foi citado neste capítulo.
47
Considerações
Conforme foi abordado no decorrer deste estudo, e de acordo com as
leituras bibliográficas realizadas, a questão do fracasso escolar tem raízes históricas
fixadas especialmente no que diz respeito às diferenças sociais. A escola que
durante muito tempo foi privilégio da elite do país, iniciou um movimento de
popularização que permitiu o acesso de crianças provenientes de diferentes classes
sociais, visando especialmente à instrumentalização do trabalhador para a indústria,
sem no entanto, oferecer aos filhos do proletariado uma educação de qualidade.
Esta situação parece se perpetuar através de inúmeros mecanismos velados de
exclusão, inclusive de discursos amplamente propagados pela própria escola.
De acordo autores estudados, a instituição que deveria lutar pela
inclusão de todos, com direitos iguais, acaba reproduzindo os mecanismos
excludentes que interessariam a ramos da sociedade que encontram vantagens em
manter grande parte da população à margem, não só do desenvolvimento financeiro,
mas cultural e intelectual. Esse descompasso entre a finalidade da escola e suas
ações está situado entre os elementos que corroboram para a continuidade do
fracasso escolar.
É comum durante reuniões de professores, ouvir que o fracasso
escolar se dá em decorrência de fatores externos à escola, como o desinteresse, a
carência financeira, a carência cultural ou mesmo a desestruturação familiar. Talvez
essa seja uma maneira simplista de fazer um diagnóstico, eximindo a escola da
“culpa” do fracasso. De outro lado, a mídia bombardeia as escolas, expondo-as
como fosse, talvez, uma das maiores responsáveis pelas mazelas brasileiras, em
uma visão neoliberalista que buscou fixar a ascenção social à escolarização. Se a
escola falha em seus propósitos, a população permanece alijada do processo de
crescimento tanto social quanto financeiro. Não é incomum ver a educação, em
tempo de propaganda eleitoral, como uma grande plataforma sobre a qual muitos
alcançam seus objetivos eleitoreiros, colocando-a como solução para os problemas
sociais. No entanto, essa preocupação dos candidatos não costuma ir além das
eleições, haja vista a ampla divulgação do descumprimento do piso salarial para o
professor na maioria dos estados brasileiros, bem como a exigência de reserva de
um terço da jornada docente para atividades extra-classe.
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Mas tão simplista quanto a visão da escola que se exime de sua
responsabilidade educativa, transferindo sua responsabilidade para a sociedade, é
igualmente injusta a culpabilização da escola pelo fracasso escolar, ainda mais em
um momento histórico em que os educadores têm acumulado funções que não
eram da competência do “antigo” professor. Hoje a escola tem um papel muito mais
abrangente em relação à educação das crianças, adolescentes e jovens, de modo
que menos ocupa posição de complementadora da educação oferecida pela família
para absorver o papel de instituição educadora principal. Essa mudança é percebida
pelos educadores, muitas vezes, como uma forma de negligência familiar, sem
compreender que a sociedade mudou muito em sua estrutura. Atualmente, grande
parte das famílias é de formação monoparental, ou ainda que se aproxime da
concepção tradicional de família em relação à formação prototípica :pai, mãe e
filhos, as relações e papeis sociais se modificaram substancialmente, de modo que a
mãe não tem como acompanhar os filhos como acontecia em outras épocas em que
a mulher tinha por carreira cuidar da família. Apesar desse papel permanecer,
também se agrega a outros, como o de mantenedora financeira do lar.
Esse descompasso entre objetivo e método pode ser o ponto principal
do fracasso no que se relaciona exclusivamente ao papel da escola, que é o de criar
métodos e estratégias para que as metas sejam alcançadas. Articular objetivos e
práticas adequadamente pode ser a melhor saída para a escola alcançar, dentro de
seu espectro de atuação, melhores resultados. Não basta delimitar discursivamente
o fracasso, mas estabelecendo-se metas e parâmetros, buscar-se as mudanças
necessárias na prática, de modo que sejam reduzidos os fatores que promovam o
fracasso escolar.
A partir desse problema social decorrente de uma escolarização de
baixa qualidade, não basta relativizar conceitualmente o fracasso escolar, mas
contextualizá-lo socialmente. A escola não pode funcionar de forma desarticulada da
sociedade, ou sua função social é reduzida ou nula. De que adianta a escola
considerar as diferenças entre os indivíduos, mas não consegue prepará-los para
viver de forma digna, conseguindo seu sustento. O aluno pode desenvolver o
pensamento crítico, mas uma produção textual medíocre o afasta de uma
oportunidade de emprego. Se por um lado a escola tem feito o máximo para reduzir
frustrações e estigmatizações entre seus muros, não poderá defender seus alunos
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do fracasso social, que pode ser definitivo, uma vez que o tempo de escolarização já
passou e a sociedade conta com poucos mecanismos para a inclusão social sem ser
a escola.
É certo que o fracasso escolar não é um fenômeno isolado, mas
conforme já visto no capítulo 3, há algumas considerações de Arroyo (s/d) que
inserem o problema em um contexto maior, que é o fracasso social. Assim, apesar
desta pesquisa ter abordado os diversos fatores que podem contribuir para que o
fracasso escolar aconteça e se repita, tais como a desnutrição, pobreza, problemas
familiares, dentre tantos outros, a questão pedagógica ganha centralidade nesse
processo.
A partir da análise de alguns artigos, foi possível perceber que os
aspectos pedagógicos são determinantes no sucesso ou no fracasso escolar. O
artigo Alfabetização e Fracasso Escolar: Problematizando Alguns Pressupostos da
Concepção Construtivista, de Sandra Maria Sawaya contribuiu para desmistificar a
disseminada teoria da carência cultural, mostrando através de sua pesquisa de
campo, que evidencia inclusive a presença de uma cultura letrada nas classes
populares, que apesar de diferente do que espera a escola pode ser utilizada como
base para o desenvolvimento das competências de escrita e leitura escolares. O
artigo de Emilio Tenti Fanfani, Culturas jovens e cultura escolar, expõe a questão da
inadequação das visões docente e escolar em relação à sua clientela, o que
promove um descompasso entre as necessidades e anseios dos alunos e as
práticas. A escola, apesar de se autodenominar inclusiva, acaba não conseguindo
atingir seu objetivos devido a problemas relacionados também ao método.
Esse descompasso entre objetivo e método pode ser o ponto principal
do fracasso no que se relaciona exclusivamente ao papel da escola, que é o de criar
meios através dos quais as metas sejam alcançadas. Articular objetivos e práticas
adequadamente pode ser a melhor saída para a escola alcançar, dentro de seu
espectro de atuação, melhores resultados. Não basta delimitar discursivamente o
fracasso, mas, sim, estabelecer metas e parâmetros que não sejam apenas
avaliações classificatórias. Estas, retomando Esteban (2009), procuram encontrar o
que falta ao aluno. Esse tipo de avaliação, em vez que ter função formativa, serve
para estigmatizar, tanto escolas quanto alunos e seus professores, mantendo a
lógica da subalternidade, própria das práticas educacionais excludentes e elitistas.
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Sendo assim, a escola tem que lutar a favor de seus alunos, não
reduzindo o fracasso conceitual, mas o real, aferido pela sociedade. Não adianta
esperar que a sociedade mude como a escola tem mudado e compreenda todas as
diferenças. O mercado de trabalho procura os mais aptos e isso não vai mudar tão
cedo, ou talvez nunca. É importante estabelecer metas reais, estabelecidas pela
escola em parceria com a comunidade, através da elaboração dos projetos políticos
pedagógicos adequados a cada realidade escolar, considerando as habilidades e
aptidões que seus alunos já têm, pensando em estratégias funcionais que
promovam um crescimento real da qualidade.
Esta pesquisa focou alguns eixos específicos que teriam centralidade
na discussão que associa o fracasso escolar às práticas escolares. Um dos
aspectos que mereceu especial atenção foi a questão da alfabetização, que é
considerada como elemento essencial para o desenvolvimento das demais
habilidades no âmbito escolar. Essa discussão se desenvolveu paralelamente aos
eixos: método, construtivismo e formação docente. Esses eixos estão
particularmente interligados dentro do que diz respeito à prática docente.
O insucesso na aquisição da língua escrita e da leitura gera discussões
acirradas em relação ao método de alfabetização, contrapondo o construtivismo aos
métodos que privilegiam sua natureza fonética e fonológica. Essa é uma discussão
que não se pode esgotar procurando uma resposta simplificadora.
A partir dessas considerações, é possível relacionar a
descaracterização das práticas de alfabetização citadas por Soares, (2004) como
sendo um dos principais problemas em relação ao fracasso escolar, uma vez que, a
escola, sendo por natureza um espaço de valorização da cultura letrada, não pode
prescindir do ensino sistemático da língua, ou somente privilegiar o letramento
desvinculando-o da alfabetização.
Assim, considerando os textos estudados, fica claro que a formação
docente é muito relevante e deve ter qualidade, sendo adequada às necessidades
dos alunos em sua diversidade. A formação inicial e a continuada deve ter uma
estreita ligação com a escola atual e para todos. Desta maneira, o professor estará
instrumentalizado para trabalhar com uma clientela real, não elitizada, mas nem por
isso incapaz ou insuficiente, mas carente de práticas que promovam a inclusão e o
ensino de qualidade.
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Sendo assim, ainda que a escola esteja inserida em um panorama
social nem sempre favorável, deve buscar mecanismos que busquem minimizar os
reflexos dos problemas sociais. É óbvio que a instituição, por si só, não tem todo o
poder de transformação necessário para mudar a configuração social
substancialmente, mas um bom trabalho pedagógico pode ajudar a criar caminhos
para que as soluções sejam encontradas e os cidadãos batalhem por seus direitos
em situação de ciência e não como massa de manobra. Não basta a escola somente
levantar a bandeira da justiça social de forma isolada, mas deve ser acompanhada e
acompanhar outros segmentos da sociedade que devem buscar por melhorias em
relação a todos os aspectos sociais intrinsecamente interligados.
Além da parceria familiar e social, as políticas públicas educacionais
devem ser revistas, buscando-se oferecer as condições necessárias para que as
transformações sejam operadas de forma satisfatória. Inclusive, ampliando os
investimentos no setor, que não acompanharam o crescimento quantitativo da
clientela escolar.
Esta pesquisa contribuiu para ampliar a percepção sobre os possíveis
motivos do fracasso escolar, delineando caminhos possíveis para que o sucesso
escolar seja possível. No entanto, devido à amplitude e complexidade do assunto,
esta pesquisa apenas tangencia esse universo, oferecendo o esboço para um
estudo ainda mais aprofundado sobre as possíveis causas do fracasso escolar, o
que demandaria mais tempo e estudo.
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