A Escolarização Dos Conteúdos Imagéticos Da Biologia
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7/23/2019 A Escolarizao Dos Contedos Imagticos Da Biologia
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CLUDIAAVELLARFREITAS
A ESCOLARIZAO DOS CONTEDOS IMAGTICOS DA BIOLOGIA: UM
ESTUDO DAS PRTICAS DE CONSTRUO E EXECUO DE AULAS PELO
PROFESSORDEBIOLOGIA.
NOVEMBRO DE 2009FAE/UFMG
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CLUDIA AVELLAR FREITAS
A ESCOLARIZAO DOS CONTEDOS IMAGTICOS DA BIOLOGIA: UM
ESTUDO DAS PRTICAS DE CONSTRUO E EXECUO DE AULAS PELO
PROFESSORDEBIOLOGIA.
TESE APRESENTADA AO CURSO DE
DOUTORADO DA FACULDADE DE EDUCAO
DE MINAS GERAIS, COMO REQUISITO PARCIAL
PARA OBTENO DO TTULO DE DOUTOR EM
EDUCAO, NA REA DE CONCENTRAO EM
EDUCAO E LINGUAGEM.
ORIENTADORA:PROF.DRA.ISABEL CRISTINA ALVES DA SILVA FRADE.
NOVEMBRO DE 2009FAE/UFMG
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CLUDIA AVELLAR FREITAS
Tese defendida e aprovada em __ de ___________ de 2009, pela banca examinadora
constituda por:
____________________________________________
Prof. Dra. Isabel Cristina Alves da Silva Frade
____________________________________________
Prof. Dr. Antnio Carlos Amorim
_____________________________________________
Prof. Dra. Luzia Marta Bellini
_____________________________________________
Prof. Dra. Silvania Souza Nascimento
_____________________________________________
Prof. Dra. Maria das Graas Paulino
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DEDICATRIA
DEDICO ESTA TESE MEMRIA DE MEU PAI E AOS MEUS ALUNOS
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AGRADECIMENTOS
ADEUS,AOS MEUS AMIGOS E FAMILIARES QUE ME INCENTIVARAM E NO ME
DEIXARAM ESMORECER NESTA CAMINHADA.OBRIGADA A TODOS.
A ISABEL QUE ME ORIENTOU COM CARINHO E COM GRANDE SENSO DE
RESPONSABILIDADE.OBRIGADA POR TUDO.
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RESUMO
Esta tese tem como objetivo compreender o papel do professor em relao s prticasescolares de transmisso do saber imagtico das cincias biolgicas em sala de aula de
biologia. Para tanto foram identificadas e descritas as prticas do professor em sala de aula,as funes desempenhadas por imagens da biologia em sala de aula e as caractersticas que sediferenciaram na imagem quando esta deslocada de seu contexto original, para ser utilizadaem sala de aula do ensino mdio. A coleta de dados envolveu: filmagem de aulas de biologiano ensino mdio de uma escola pblica, por sete meses; cpia de material impresso/escritoem livros, cadernos e sites que circularam em sala de aula durante o perodo de observao eentrevistas com o professor observado. A metodologia utilizada para discusso dos dados foianlise do discurso e anlise semitica dos textos-imagem escritos/impressos e de outras
representaes imagticas que aparecem relacionadas aos contedos trabalhados. Foramcentrais nesta investigao os estudos tericos de Basil Bernstein, Lemke, Kress e vanLeeuween, Santaella, Baktin e Mayr. Para a anlise mais pormenorizada foram selecionadosdois episdios, um envolvendo o ensino de gentica e outro de evoluo, que foram por nsclassificadas, respectivamente, como abordagens analtico-argumentativa e narrativa.Procedeu-se tambm identificao e categorizao das funes pedaggicas exercidas pelasimagens escolarizadas em todas as prticas observadas. Os resultados nos mostram queescolarizao um processo complexo que ocorre em etapas, no claramente demarcadas,que envolvem agentes do campo do controle simblico (Bernstein,1996), que selecionamconhecimentos modificando as imagens que os representam, em suas caractersticas fsicas efuncionais. Permanecem, nas imagens escolarizadas, os cdigos arbitrrios e abstratos da
biologia acadmica, cuja chave de decifrao estabelecida pelo professor, por meio do usode diferentes recursos semiticos, simultaneamente: o gestual, o pictrico e o verbal, tendo oquadro negro como principal recurso material. O professor tambm utiliza exemplos de sua
prpria experincia de vida para contextualizar alguns conceitos e cdigos. Entretanto, podehaver reproduo de formas muito abstratas de codificao, sem haver a contextualizao.Supomos que a utilizao de diferentes tipos de recursos semiticos para expressar ummesmo significado, pelo professor, ocorre como consequncia das dvidas dos alunos e desua dificuldade em compreender alguns conceitos. O docente busca as chaves dos cdigosem livros didticos, principalmente, mas tambm em sites da internet, ambos, agncias dedivulgao dos cdigos em larga escala. A impresso das imagens nos livros parece serguiada pela antecipao do perfil de leitor deste livro. A ausncia de textos explicativos emrelao s formas de utilizao da imagem indica que h uma expectativa sobre a aomediadora do professor em relao leitura do livro pelos adolescentes. Conclui-se pelanecessidade de formao dos professores para compreenso conceitual das imagens queveiculam e para a discusso sobre a utilizao da imagem em sala de aula.
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ABSTRACT
This investigation aims to understand role of the teacher on the schools practices oftransmission of the biological sciences images contents inside the classrooms. For this wereidentified and described teacher practices in the class, the functions developed by biologicalimages in class and the characteristics that become different in the image when this isdislocated of its original context to be used in high school classrooms. This theory has asobjective understands the school practices of transmission of the imaginect knowledge of the
biological sciences inside biology classroom. For so they were identified and described theteacher's practices in classroom, the functions carried out by images of the biology inclassroom and the characteristics that differed in the image when this is moved of his/heroriginal context, to be used in high school classrooms. The collection of data involved:
filming of biology classes in the a public high school, for seven months; copy of materialpublished / written in books, notebooks and websites that circulated at the classroom duringthe observation period and interviews with the observed teacher. The methodology used fordiscussion of the data was analysis of the speech and semiotics analysis of the text-image
published / written and of others imagistic representations that appear related to the workedcontents. In this investigation were central the theoretical studies of Basil Bernstein, Lemke,Kress and van Leeuween, Santaella, Baktin and Mayr. For more detailed analysis twoepisodes were selected, one involving one genetic teaching and other involving evolution,that were classified by us, respectively, as analytical-argumentative approaches and narrative.It also proceeded to the identification and categorization of the pedagogic functions exercised
by the scholarized images in all the practices observed. The results show us that education is
a complex process that happens in stages, not clearly demarcated, that involves agents of thefield of the symbolic control (Bernstein,1996), that selects knowledge modifying the imagesthat represent them, in their physical and functional characteristics. They stay, in theeducated images, the arbitrary and abstract codes of the academic biology, whose decodingkey is established by the teacher, through the use of different semiotic resources,simultaneously: the gestual, the pictorial and the verbal, having the blackboard as mainmaterial resource. The teacher also uses examples of his/her own life experience tocontextualize some concepts and codes. However, there can be reproduction in very abstractways of code, without contextualization. We suppose that the use of different types ofsemiotics resources to express the same meaning, by the teacher, happens as a consequenceof the students' doubts and of their difficulty in understanding some concepts. The teacherlooks for the keys of the codes in text books mainly, but also in sites of the internet, bothagencies of popularization of the codes widely. The impression of the images in the booksseems to be guided by the anticipation of the reader's profile. The absence of explanatorytexts in relation to the forms of uses of the image indicates that there is an expectation on theteacher's action between it and the reading of the book by the adolescents. We conclude forthe need of a teachers' graduation that leads to conceptual understanding of the images thatthey transmit and to discuss the use of the images in classrooms.
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SUMRIO
LISTA DE FIGURAS............................................................................................................. ix
LISTA DE TABELAS............................................................................................................ xi
LISTA DE QUADROS......................................................................................................... xii
1. INTRODUO............................................................................................................... 13
2. CAPTULO 1 Biologia, semiose e discurso: a produo da aula comocircuito.................................................................................................................................. 17
3. CAPTILO 2O meio imagtico como recurso pedaggico........................................ 44
4. CAPTULO 3As formas de codificao da Biologia ................................................ 62
5. CAPTULO 4Metodologia, sistematizao e anlise preliminar dos dados.............. 72
6. CAPTULO 5O processo de escolarizao: anlise de um trecho de aula de gentica. A
ao docente sobre as codificaes da biologia ................................................................... 99
7. CAPTULO 6O processo de escolarizao: anlise de um trecho de aula sobre evoluo.
A ao docente sobre as narrativas da biologia.................................................................. 127
8. CONCLUSO ............................................................................................................. 155
9. REFERNCIAS.......................................................................................................... 168
10. ANEXOS
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Grfico da relao fotossntese e respirao, quanto a intensidade iluminosa.
Retirado de Lopes.S. e Rosso,S. Biologia: volume nico.So Paulo: Saraiva, 2005.
p.275...................................................................................................................................... 22
Figura 2Cladograma genrico retirado de Lopes.S. e Rosso,S.Biologia: volume nico.So
Paulo: Saraiva,2005. p.183.................................................................................................... 27
Figura 3Esquemas mostrando o exemplo comparativo clssico da evoluo do pescoo das
girafas. Retirado de Lopes.S. Bio: volume trs. So Paulo: Saraiva, 2006.
p.249...................................................................................................................................... 29
Figura 4 Esquema de um dos experimentos de Mendel, com o quadro de PUNNET para
representar a gerao F2. Retirado de Lopes.S. e Rosso,S.Biologia: volume nico.So Paulo:
Saraiva, 2005. p.436.............................................................................................................. 70
Figura 4.1 Exerccio entregue pelo professor durante a aula do dia 13 de
abril........................................................................................................................................ 94
Figura 5 Genealogia ou Heredograma - obtida do livro de Snia Lopes
Bio.................................................................................................................................... 101
Figura 6 Codificao dos smbolos do heredograma - obtida do site
www.sobiologia.com.br...................................................................................................... 104
Figura 7Fotografia da parte central do quadro negro na aula do dia 21/08/09............. 133
Figura 8Esquema representando uma narrativa de seleo natural por predao. Exemplo
de exerccio de mltipla escolha, encontrado ao final do captulo sobre Teoria sinttica da
Evoluo, retirado de Lopes, S. Bio :volume3. So Paulo: Saraiva, 2006.
p.257.................................................................................................................................. 134
http://www.sobiologia.com.br/http://www.sobiologia.com.br/http://www.sobiologia.com.br/ -
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Figura 9 Esquema narrando o processo de especiao, encontrado como contedo do
captulo Gentica de populaes e especiao. Retirado de Lopes, S. Bio: volume3. So
Paulo: Saraiva, 2006. p.265................................................................................................ 135
Figura 10 - A imagem do cladograma. Retirada de Darwin (2006, p. 125). ................. 136
Figura 11Exemplo de evoluo convergente.Retirado de Lopes, S. Bio :volume3. So
Paulo: Saraiva, 2006. p.220................................................................................................ 137
Figura 12 Esquema representado divergncia evolutiva. Retirado do captulo Evoluo
teorias e evidncias de Lopes,S. e Rosso, S. Biologia:volume nico. So Paulo: Saraiva,
2005. p.511. ....................................................................................................................... 139
Figura 13Esquema representado divergncia evolutiva. Retirado do caderno de um aluno
(ver anexo XII)................................................................................................................... 139
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Abreviaes para as categorias de anlise das imagens..................................... 75
Tabela 2descrio das funes pedaggicas dos textos-imagem utilizados por C durante as
aulas observadas em relao sua quantidade...................................................................... 89
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Relao das aulas de biologia observadas na turma D em 2007 com classificao
das imagens utilizadas nestas aulas....................................................................................... 76
Quadro 2Transcrio primria de um trecho da aula do dia 04/05/2007........................ 108
Quadro 3Transcrio de parte da aula do dia 21/08/2009............................................... 145
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INTRODUO
Esta uma investigao em Educao que diz respeito ao ensino de biologia, uma rea
de pesquisa que se insere em um campo de investigao abrangente e de extrema relevncia
para a educao, que o ensino de cincias naturais. A pesquisa que apresento envolveu a
investigao das prticas de (re)interpretao e (re)construo de contedos imagticos da
biologia e sua comunicao aos alunos, pelo professor, por meio de um repertrio lingstico
particular, caracterstico do ensino de biologia e, portanto, se insere na sub-linha de pesquisa
de Educao e Linguagem da Faculdade de Educao da UFMG.
Desde 1960 as cincias da natureza constituem uma disciplina cada vez mais
valorizada pela nossa sociedade e percebe-se, entre os especialistas em currculo, certo
consenso quanto necessidade de todos os alunos terem acesso ao ensino de cincias
(BIZZO, 2002; FRACALANZA e AMARAL, 1992). A compreenso de aspectos do
cotidiano necessrios para a tomada de decises sobre como viver melhor, como produzir
alimentos para toda a humanidade e como faz-lo de forma sustentvel, envolve os saberes
construdos pela biologia. Tal preocupao manifestada nos Parmetros Curriculares
Nacionais PCN, publicados em 1997 (Ensino Fundamental) e em 1999 (Ensino Mdio).
Estes textos, que so base do planejamento do curso bsico, afirmam que o conhecimento
cientfico (cdigos, conceitos e mtodos particulares de uma cincia) deve ser apropriado
pelos alunos para que eles possam ampliar suas possibilidades de compreenso do mundo e
de participao efetiva neste mundo.
Como a necessidade de garantir a todos os alunos o acesso ao conhecimento cientfico-
tecnolgico est ligada crescente valorizao da cincia e da tecnologia perante a sociedade
ocidental, a democratizao do conhecimento biolgico, fsico e qumico, uma tarefaimportante a ser realizada pelos professores que, no intuito de cumprir os preceitos que
determinam os PCNs, criam, juntamente com seus alunos, prticas cotidianas que precisam
ser analisadas com ateno. Importantes questes sobre essas prticas que vm sendo
investigadas so: como conseguir, de forma adequada e democrtica, desenvolver o processo
de ensino aprendizagem da vida e de seus fenmenos (KRASILCHIK, 1998)? Como garantir
que os alunos compreendam os cdigos, conceitos e mtodos particulares da biologia,
partindo de uma linguagem cotidiana (FREITAS, 2002)? Responder a essas questes umatarefa a ser feita em conjunto por professores e pesquisadores em ensino de biologia.
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A reviso dos trabalhos publicados sobre a relao das imagens com o ensino
aprendizagem de cincias conduziu identificao de vrios temas, entre os quais h alguns
que ainda no foram suficientemente explorados, um deles se tronou muito interessante para
mim: a prtica dos professores de biologia no que diz respeito ao trabalho de preparao de
aulas em que so utilizadas imagens. Este trabalho requer que o professor interprete as
imagens encontradas nos livros didticos de biologia e em outras fontes, para que ele possa
utilizar como consulta. Requer tambm que ele selecione algumas imagens para utilizar em
sala de aula, para apresentar aos alunos e, requer que ele desenhe, muitas vezes, estas
imagens no quadro. O tema dessa investigao , ento, o processo de interpretao e de
seleo realizado pelo professor no conjunto de fontes de imagens, que podem estar
disponveis em jornais, livros, revistas, vdeos e livros didticos e o uso deste material em
sala de aula para ensinar biologia aos alunos. Este processo, entendido como escolarizao,
constituiconhecimentos do Ensino Mdio e configura processos complexos que demandam
investigaes mais detalhadas (LEAL, 2001).
Analisar o processo de escolarizao das imagens que representam teorias e modelos
cientficos da biologia relevante, pois, ela pode revelar como determinado grupo social, no
caso o de professores de biologia da rede Pblica Estadual de Sete Lagoas, prioriza alguns
conhecimentos em detrimento de outros ao construir seu currculo. Outro aspecto importante
nessa investigao que alguns tericos (LEMKE, 1998; MARTINS, 1997) sustentam que
aprender cincias , de certo modo, aprender a usar os seus cdigos intrnsecos; aprender a
compreender e a se expressar na linguagem das cincias naturais. As prticas de leitura e
interpretao das imagens, durante o processo de preparao e execuo das aulas de biologia
, ento, um processo a ser investigado a fundo, j que envolve o reconhecimento e a seleo
de signos pelo professor que podem ser desconhecidos para os alunos, ou vistos em outros
contextos, nos quais lhes eram conferidos significados diversos daqueles que o professorespera, ou seja, diferentes daqueles convencionados pela biologia.
Muitas vezes, uma leitura equivocada das imagens, pelos professores e alunos, pode
prejudicar todo o processo de construo de conceitos e modelos cientficos. Este tipo de
leitura equivocada ficou evidente na investigao conduzida durante o mestrado (FREITAS,
2002), no qual pudemos observar em entrevistas feitas aos alunos que, ao ler uma imagem de
cadeia alimentar em seu caderno (imagem copiada do quadro negro), alguns alunos
entendiam que o significado das setas no era o de fluxo de energia (que o significadoconvencionado pela biologia), mas sim que indicavam a ao de comer, de um ser vivo sobre
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o outro. H tambm a preocupao com a leitura de imagens que so o prprio conceito a ser
apreendido, como ocorre na interpretao da imagem da molcula de DNA.
O objeto desta pesquisa o processo de escolarizao das imagens padronizadas da
biologia, que pode ser examinado por meio da observao da produo discursiva (oral e
escrita) sobre as imagens utilizadas e por meio da anlise dos discursos produzidos em sala
de aula e escritos em materiais escolares.
Entendemos como imagens padronizadas aquelas utilizadas em sala de aula de biologia
que representam processos ou fenmenos biolgicos de forma recorrente em livros didticos.
De acordo com investigao produzida no mestrado (FREITAS, 2002), nestes livros as
imagens padronizadas aparecem de forma semelhante quelas desenhadas no quadro-negro
pelos professores e, seguem o mesmo padro e disposio de elementos visuais que podem
ser observados nos livros. So imagens padronizadas, pois, na maioria das vezes, se
apresentam com os mesmos tipos de elementos visuais, legendas, cores e posio em relao
ao texto escrito. Algumas dessas imagens podem constituir o prprio conceito cientfico a ser
apreendido, como o caso do desenho de uma clula, da molcula de DNA, ou da cadeia
alimentar. O entendimento ou reproduo desse tipo de imagem padronizada considerado,
pelos professores, como contedo a ser apreendido pelo aluno e a sua capacidade de desenh-
las e de reconhecer e nomear as partes que constituem estas imagens um aspecto que
avaliado pelo professor (FREITAS, 2002).
O foco para as anlises o conhecimento cientfico imagtico e escolarizado, como por
exemplo, uma imagem de clula, deslocada de seu contexto de comunicao cientfica para o
contexto escolar e aparece nos livros didticos e nas apostilas de vrias formas impressas ou
desenhadas nos quadros durante as aulas de biologia, na forma de imagens padronizadas para
o ensino de biologia. Os enunciados sobre estas imagens foram coletados e analisados, assim
como as prprias imagens que foram consideradas como enunciados. Entendemos enunciadocomo algo j dito, ou registrado, enquanto que a enunciao o que est sendo dito, no
momento em que o discurso est em curso (BAKHTIN, 20061). Estes dados podem fornecer
as bases empricas para a construo de inferncias sobre os processos de transmisso de
saberes e de construo de novos saberes.
Esta pesquisa teve como objetivo geral compreender as prticas escolares de
transmisso do saber imagtico das cincias biolgicas. Os objetivos especficos foram:
1A data se refere 12 edio traduzida para o portugus da obra originalmente publicada em Russo porVolochnov, V.N. Marksizm i filosofija jasyka, em 1929.
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Identificar e descrever as prticas de escolarizao das imagens da biologia realizadas
por um professor.
Identificar e descrever as caractersticas que se diferenciam na imagem quando ela
deslocada de seu contexto original, em trabalhos cientficos na rea da biologia, para ser
utilizada em sala de aula do ensino mdio.
Identificar e analisar semioticamente materiais escolares escritos/impressos onde as
imagens padronizadas da biologia esto presentes, tais como: artigos, livros didticos,
cadernos de alunos, caderno do professor.
Compreender como o professor investigado constri/reconstri conhecimento a ser
ensinado mediante o conhecimento cientfico durante a preparao de aulas e na execuo
das aulas.
Analisar as prticas discursivas construdas no processo de interao entre professor e
alunos, em sala de aula do ensino mdio, durante a apresentao e uso de imagens
padronizadas da gentica mendeliana e da evoluo.
Acredito que o cumprimento desses objetivos possa produzir conhecimento relevante,
j que no existem ainda trabalhos que analisem o processo de escolarizao das imagens da
biologia que se apiem tanto nos dados fornecidos pelo material impresso (publicaes
cientficas, currculos e livros didticos), quanto nos dados fornecidos pelo discurso oral de
apresentao e uso dessas imagens em sala de aula do ensino mdio. Esse conhecimento
pode ser til para fundamentar futuras investigaes, por exemplo, sobre a relevncia da
presena de tantas imagens em livros didticos de biologia (CARNEIRO, 1997; SILVA,
2000), que, at ento, vem sendo analisadas apenas com base em teorias que consideram as
imagens impressas (KRESS e VAN LEEUWEN, 1990), sem considerar seu uso em sala de
aula.
O conhecimento produzido tambm poder contribuir para a criao de novasmetodologias de ensino, para o desenvolvimento de mtodos de anlise de imagens, para
livros didticos de Cincias e Biologia e para que repensemos as prticas de
recontextualizao realizadas em torno das prescries do currculo oficial.
Esta pesquisa poder gerar informaes que evidenciem processos de produo de
conhecimento e de criao realizados pelos professores de biologia, contribuindo para a
valorizao do saber profissional docente.
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CAPTULO1BIOLOGIA,SEMIOSE E DISCURSO:A PRODUO DA AULA COMO CIRCUITO.
Neste captulo ser apresentada uma anlise sobre a estrutura conceitual da biologia esua relao com a linguagem imagtica, ou pictrica que envolver descrever e analisar
semioticamente representaes imagticas de conceitos biolgicos por imagens.
Os professores de biologia, no intuito de cumprir seu trabalho, guiados por preceitos
que esto nos currculos oficiais criam, juntamente com seus alunos, prticas cotidianas
mediadas por uma linguagem que possui caractersticas peculiares e relativamente estveis
que podemos, por meio da observao sistemtica, identificar e analisar com ateno. Esta
anlise passa pela elaborao de algumas questes que apresentamos a seguir. Como garantir
que os alunos compreendam os cdigos, conceitos e mtodos particulares da biologia,
partindo de uma linguagem cotidiana? Como ocorre a escolarizao dos contedos da
biologia, do saber de referncia (CHERVEL, 1990), ou saber sbio (LEAL, 2001), com sua
linguagem tipicamente hermtica, constituda por um cdigo de compactao (BIZZO, 2002)
e por modelos abstratos, para o saber escolar, que constitui a disciplina (CHERVEL, 1990)
biologia? Quais so as caractersticas da linguagem desta disciplina? Que diferenas h entre
a linguagem da biologia escolar e a da biologia acadmica?
Segundo Chervel (id.) cincia de referncia seria aquela que fornece a base terico-
conceitual para a disciplina escolar que lhe correspondente na escolarizao bsica.
Contudo, o autor evidencia que no possvel fazer uma reduo do saber acadmico ao
saber escolar presente em cada disciplina cientfica. Esta idia encontra oposio em
trabalhos como os de Chevalard (apud LEAL, 2001) e tambm em comentrios de leigos,
que assumem ser o processo de produo de um saber a ensinar uma mera simplificao do
conhecimento acadmico ou saber original. Visando a construo de uma argumentao
contra esta ltima idia de simplificao, realizarei, neste captulo, uma discusso
envolvendo as idias de Bernstein (1996) sobre dispositivo pedaggico, discurso pedaggico,
prtica pedaggica e texto privilegiante e de Chervel (1990) sobre a escolarizao.
Chervel (id.) afirma que os contedos de ensino so impostos como tais escola pela
sociedade que a rodeia e pela cultura na qual ela se banha e que h certo consenso de que o
que a escola ensina so cincias produzidas em outro local, diferente da escola. Ao analisar a
etimologia do termo disciplina e o seu surgimento como palavra habitualmente utilizada para
designar os contedos lecionados nas escolas, o autor questiona a idia do senso comum de
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que as disciplinas escolares so meras simplificaes ou vulgarizaes, para um pblico
jovem, do conhecimento cientfico. Questiona tambm a idia de que o pedagogo teria como
tarefa nica arranjar os mtodos de ensinar os contedos cientficos de modo que eles
permitam que os alunos assimilem o mais rpido e melhor possvel a maior poro possvel
da cincia de referncia. Utilizando como exemplo o ensino de gramtica, nas escolas
francesas, o autor afirma que esta disciplina foi historicamente criada pela escola, na escola e
para utilizao na prpria escola. Para conhecer como esta criao se deu foi preciso que o
autor reconstitusse o percurso do saber, em seu caminho para se tornar saber ensinvel. De
posse destes dados, ele analisou os constituintes de uma epistemologia escolar da
gramtica.
O saber do sbio constitui o conhecimento cientfico em sua forma de comunicao
entre os pares e ele entra no currculo como objeto de ensino (LEAL, 2001). O processo de
escolarizao dos contedos da biologia no se constitui em um momento nico, dada a sua
complexidade e organizao em etapas, que se sucedem no tempo. Este processo pode ser
analisado com base na forma como os contedos so estruturados e hierarquizados e ocorre,
principalmente, quando os livros didticos e paradidticos passam a textualizar o saber sbio.
A partir da esse conhecimento deve ser aprendido pelos alunos da escola bsica. Do ponto
de vista adotado nesta investigao o contedo da biologia representado por vrios tipos de
linguagem ou recursos semiticos que, segundo Kress e van Leeuwen (2004), constituem um
discurso multimodal (textos verbais e no verbais; gestos) com diferentes codificaes.
Imagens que compem esse texto multimodal esto sendo socializadas e passando por um
processo de escolarizao, a fim de serem utilizadas para ensinar biologia aos estudantes do
ensino mdio. As imagens produzidas originalmente com a funo de comunicar
conhecimento cientfico entre os pares dos centros de pesquisa passam a servir para ensinar
os estudantes nas escolas de ensino bsico.Para que a escolarizao dos contedos imagticos da biologia ocorra preciso,
primeiramente, que seja feita uma seleo pelo professor, a partir da interao com alunos,
colegas, currculo e livro didtico, em um conjunto de fontes, de determinados meios ou
recursos imagticos para expressar os contedos que ele pretende ensinar. A forma como esta
seleo ocorre objeto de anlise desta tese. Em segundo lugar, h que se pensar que
algumas vezes estes recursos imagticos podem ser alterados por agentes pedaggicos
localizados em diversos nveis dos campos recontextualizadores (BERNSTEIN, 1996,
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p.276) e podem ter seus elementos semiticos (cores, formas, posio dos elementos na
imagem, iconicidade) modificados, para servir ao propsito de ensinar.
Primeiro ponto a se pensar para tentar compreender o objeto desta investigao adotar
como pressuposto o reconhecimento de que h uma redundncia de significados2no discurso.
Os mesmos significados, num mesmo domnio scio-cultural, podem ser expressos por
diferentes recursos semiticos, que so os diferentes meios materiais de comunicao, tais
como o meio verbal, o pictrico, o musical, o gestual. Ento, o que faz com que, em
determinados contextos, um tipo de recurso semitico seja usado para expressar uma idia,
modelo, ou conceito biolgico em detrimento de outros recursos? Por que, como j foi
apontado em estudo anterior (FREITAS, 2002), utilizar diferentes tipos de recursos
semiticos para expressar um mesmo significado? Como ocorre a seleo de certa imagem
para produo da aula de biologia, em detrimento de outras imagens, ou mesmo de recursos
verbais, que expressam os mesmo significados?
A resposta a estas questes uma importante etapa para que se possa compreender
como se opera a escolarizao dos contedos imagticos da biologia. Os argumentos que
sero apresentados neste captulo foram a base para a anlise dos dados coletados para a
construo da tese e so, tambm, resultado da tentativa de compreender as formas pelas
quais a aula discursivamente construda com determinados recursos imagticos, e no com
outros. Pretendo tambm, apontar, aqui, os elementos que influenciam esta seleo das
imagens, pelo professor, numa variedade de fontes.
Um dos elementos que mais influencia, ou at mesmo determina, a seleo de meios
semiticos para representar idias e conceitos a prpria estrutura conceitual da cincia
biologia e esta estrutura se manifesta no discurso. Como caracterizar um discurso como
prprio de uma cincia como a biologia? De acordo com Foucault (1972, p.40) isso s pode
ser feito se observarmos e analisarmos as regras que regem este discurso. Para ele existemformaes discursivas que so sistemas de disperso de enunciados nos quais se pode definir
um ordem, uma regularidade. O que demarca as formaes discursivas so as regras s quais
os enunciados esto submetidos, regras de relao dos objetos discursivos entre si, de
organizao dos enunciados entre si, de disperso dos sujeitos que falam em diversas
posies que podem ocupar quando tm um discurso. Mais interessante a este estudo ainda
2O uso conjunto de diferentes meios semiticos ao mesmo tempo, no discurso, foi identificado por LEMKE
(1983) e apresentado como uma forma de reforar significados em aula de biologia na investigao conduzidadurante o mestrado (FREITAS, 2002). FRADE (2000) tambm aponta a funo redundante no uso da imagemno processo pedaggico (p. 148).
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a possibilidade apontada por Foucault (1972) de descrever e analisar as regras que regem a
organizao do campo de enunciados em que aparecem e circulam os conceitos e as
estratgias (teorias). Optamos por observar o discurso do professor e o do livro didtico de
biologia para tentar descrever esta estrutura do ponto de vista interno, ou seja, olhar por
dentro da sala de aula, o que ser apresentado ao final da tese.
Neste captulo ser apresentada uma anlise da estrutura conceitual da biologia do
ponto de vista da semitica social com foco no meio imagtico, considerando que a
determinao das selees que o professor faz das imagens a serem utilizadas em aulas de
biologia influenciada pela estrutura conceitual da cincia biologia, pois as prprias idias a
serem veiculadas, ou demonstradas, em sala de aula demandam determinado meio semitico
para serem expressas e no outro. Teorizaes a respeito das formas de expresso e de
representao dos conceitos cientficos podem ser encontradas na obra de Lemke. De acordo
com este autor (1998, p.88):
In its efforts to describe the material interactions of people and things, naturalscience has been led away from an exclusive reliance on verbal language. It hastried to find ways to describe continuouschange and co-variation, in addition tocategorical difference and co-distribution. It has tried to describe what we knowthrough our perceptual Gestalts and motor activities, to construct representations
of the topological as well as the typological aspects of our being-in-the-world.Language (verbal language) and other typologically oriented semiotic systemshave not evolved in this way. Language (verbal) is unsurpassed as a tool for theformulation of difference and relationship, for the making of categoricaldistinctions. But it is much poorer (though hardly bankrupt) in resources forformulating degree, quantity, gradation, continuous change, continuous co-variation, non-integer ratio, varying proportionality, complex topological relationsor relative nearness or connectedness, the interpretations of differentdimensionalities, or nonlinear relationships and dynamical emergence.
Lemke (1998) afirma ainda que, diferentemente da linguagem verbal, asrepresentaes visuais conseguem expressar eventos, ou fenmenos naturais (como os
fenmenos da vida), de uma forma que estes retm suas caractersticas topolgicas e
dinmicas, como aspectos de fluxo, de modulao e de intensidade destes eventos e
fenmenos que constituem parte da estrutura conceitual da disciplina biologia. Como
exemplo, podemos citar a representao de conceitos e de relaes por meio de grficos.
Estes representam co-variaes de grandezas de forma modular, o que pode tambm ser
representado por meio da linguagem verbal, porm com menos expressividade, (ou
efetividade em sua comunicao). A linguagem verbal no d conta de representar, ponto a
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ponto uma co-variao, tal qual a da variao da velocidade do processo de fotossntese em
relao variao da intensidade luminosa, como uma curva de um grfico consegue. O
conceito de velocidade de fotossntese em relao luminosidade do ambiente um conceito
relacional como muitos outros em biologia e em cincias naturais e requer um tipo de meio
semitico para represent-lo que no pode ser apenas verbal. Sua estrutura conceitual
relacional demanda um meio que represente topologicamente esta co-variao, que o meio
visual grfico, como se pode observar na figura 1.
Figura 1Grfico relao fotossntese e respirao, quanto a intensidade iluminosa. Retirado de LOPES. S. eROSSO, S.Biologia: volume nico.So Paulo: Saraiva,2005. p. 275
Os grficos so utilizados em cincias naturais para representar de forma eficiente a
estrutura conceitual que explica e descreve fenmenos. Este tipo representao constitui um
tipo de recurso visual complexo, no qual vrios elementos pictricos so utilizados
conjuntamente. Em um captulo seguinte ser apresentada uma taxonomia, descrio,nomenclatura e classificao, dos termos utilizados em referncia s imagens e suas partes.
Por ora, denominaremos elementos pictricos aqueles utilizados para compor as imagens,
tais como, setas, linhas retas e curvas, que expostos em uma mesma direo do a idia de
ao (movimento, sntese, degradao, fluxo) que na biologia necessria para explicar
fenmenos que representam uma histria e que precisam ser narrados. Como um exemplo
destes fenmenos, temos os ciclos (mitose, ciclo celular, ciclos de vida), a evoluo sistmica
e as relaes ecolgicas. Uma anlise semitica, baseada nas premissas da semitica social
(LEMKE, 1998,1990; KRESS e VAN LEEUWEN,1996,2001), das imagens utilizadas nas
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aulas de biologia, sua estrutura, composio, disposio no tempo e no espao e,
principalmente, do contedo que representa (no sentido da sua relao com um currculo e no
sentido do tipo de conceito da biologia que representa) se faz necessria para compreender a
escolha feita pelo professor ou por quem precisa escolarizar este contedo (autores de livros
didticos) por um tipo de imagem e no por outro. Este tipo de anlise ser apresentado no
prximo captulo, juntamente com uma taxonomia dos recursos semiticos (principalmente
os imagticos) mais comumente utilizados pela biologia.
Uma anlise semitica das imagens da cadeia alimentar e de pirmides ecolgicas foi
apresentada em pesquisa anterior, uma dissertao (FREITAS, 2002), em que foram
investigados os usos e a interpretao de imagens da biologia em aulas de ensino mdio. Os
resultados indicaram que, embora haja uma perspectiva histrica na escolarizao de imagens
que informa o professor de biologia e fornece codificaes semiticas para a elaborao das
aulas, h tambm processos inventivos na apropriao das imagens pelo professor. Sendo
assim, admitimos que h representaes cujos cdigos foram herdados pelos professores e
pensamos que uma pesquisa em fontes escritas, como os livros didticos, pode revelar estas
heranas de codificaes e as regras que regem as formaes discursivas caractersticas da
disciplina biologia. Admitimos tambm que pode haver representaes cuja codificao pode
ser criada pelos professores, algumas vezes no momento da aula, e este processo inventivo s
pode ser acessado observando-se o fluxo contnuo das aulas de investigando como se d a
sua preparao. Em ambos os casos a estrutura conceitual da biologia a base para o
processo de codificao.
A estrutura conceitual das cincias naturais composta por idias, modelos e teorias
sobre seu objeto, cujo conjunto o paradigma. Para Thomas Kuhn (1996, p. 30) paradigma
uma espcie de teoria ampliada, ou um conjunto de teorias tradicionais e vigentes em um
dado momento, que orienta a pesquisa cientfica que origina o conhecimento de refernciadas disciplinas escolares. O paradigma seria composto tambm pelos exemplares que,
segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004, p. 25), seriam solues concretas de
problemas que os estudantes de cincias encontram desde o incio de sua educao
cientfica. A fora de um paradigma seria tanta que ele determinaria at mesmo como um
fenmeno percebido pelos cientistas e ... viria mais de seus exemplares do que de suas leis
e conceitos (id). Isso porque (os exemplares) influenciam fortemente o ensino da cincia.
Eles aparecem nos livros didticos ou manuais de cada disciplina juntamente com suasaplicaes, ilustrando como a teoria pode ser aplicada para resolver problemas a respeito dos
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fenmenos naturais (KUHN, id:71). De acordo com Alves-Mazzotti e Gewandsznajder
(2004) os exemplares so a parte mais importante de um paradigma e determinam o que
considerado correto, ou aceitvel, em termos da resoluo e proposio de problemas em
disciplinas das cincias naturais.
A estrutura conceitual da biologia , portanto, construda tambm na escola, por meio
dos exemplares apresentados pelos professores e pelos livros didticos que eles selecionam e
adotam. Esta estrutura conceitual da disciplina biologia (ou paradigma, numa interpretao
parcialmente livre de KUHN) recriada continuamente pelos cientistas, lembrando que todos
eles passaram pela escola bsica, onde foram apresentados aos exemplares, por seus
professores. A estrutura conceitual existe, portanto, em um ciclo vicioso e, aliada ao
fenmeno scio-lingstico da orientao social dos enunciados3 (BAKHTIN, 2006),
influencia as selees que o professor realiza do material didtico que pode ou no ser
utilizado em sala de aula. A estrutura conceitual e a orientao social dos enunciados
influenciam tambm a seleo do tipo de recurso semitico a ser utilizado para exemplificar
um tipo de contedo, para explicar um dado conceito, para resolver certo tipo de problema ou
exerccio, ou seja, orientam a seleo de tipos de linguagens com base no tipo de estudantes e
de contedos, ou seja, de funo pedaggica que elas iro exercer na aula de biologia.
Neste captulo iremos nos deter na influncia produzida pela estrutura conceitual da
biologia na seleo e organizao de imagens para uso em aulas do ensino mdio e
posteriormente iremos analisar a organizao da seleo de imagens pela orientao social
dos enunciados. No segundo captulo, ser apresentada uma categorizao das imagens
quanto a sua funo pedaggica. A utilizao desta categorizao para interpretar como as
imagens so selecionadas pelos agentes pedaggicos em campos recontextualizadores e
contextos para estruturar o discurso pedaggico (BERNSTEIN, 1996) ser assunto do
captulo de anlise dos dados.Como um exemplo do que ser apresentado posteriormente, vamos imaginar o caso
do uso de uma imagem cuja funo pedaggica descrever um dado conceito. A experincia
como professora de biologia informa-me que a seleo privilegiar imagens como as que
representam modelos cientficos que apresentam alto grau de abstrao, constitudos por
linhas, setas e figuras geomtricas, diferentemente do caso de uma imagem que possui a
funo pedaggica de exemplificar um fenmeno. Neste ltimo caso, elementos pictricos
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que conferem contextualizao, como a semelhana com a realidade e um alto grau de
iconicidade (como em uma foto) so mais adequados que elementos que representem
conceitos abstratos (FRADE, 2000, p. 145).
Para fazer a anlise semitica das imagens encontradas, tanto nos livros didticos,
como desenhadas no quadro durante a aula, preciso que se compreenda a estrutura do
pensamento biolgico. Entender como a biologia se organiza e vem se desenvolvendo ao
longo do tempo fundamental para analisar as imagens sob a perspectiva da semitica social,
cuja premissa bsica que os significados so construdos, e no dados. Para Halliday
(1985), Lemke (1990, 1998) e Kress e van Leeuwen (1990) uma imagem, palavra ou gesto
no possuem significados em si mesmos, um significado tem que ser construdo, para,
digamos, essa imagem, por algum, de acordo com um conjunto de convenes de
significao de imagens. No entanto, estas imagens, aps sua socializao, passam a fazer
parte de um repertrio cultural do campo de conhecimento em que foram criadas e acabam se
tornando codificadas e sendo parte deste conjunto de convenes de significao tambm,
conjunto este que herdado pelo sujeito em sua convivncia no campo. Portanto, os sujeitos,
que se envolvem na prtica discursiva sobre uma imagem, devem pertencer a uma mesma
comunidade de produo-interpretao (comunidade discursiva) para poder partilhar dos
significados que ela representa e poder conhecer as convenes de significao de imagens
para dar um mesmo sentido ao discurso que se faz sobre elas.
Uma anlise do pensamento biolgico visa, justamente, buscar entender o conjunto de
convenes de significao das cincias biolgicas que agrupa seus cientistas como uma
comunidade discursiva. Esta comunidade vem construindo este conjunto de convenes ao
longo de centenas de anos de estudo da biologia sobre o seu objeto que a vida. Para
conhecer melhor o pensamento biolgico, a leitura de E. Mayr muito importante. Este
bilogo evolucionista construiu um vasto trabalho filosfico dedicado a defender a biologiacomo uma cincia natural, independente da fsica e da qumica e a tentar compreender a vida,
como um fenmeno natural, distinto dos fenmenos inanimados.
Em biologia, raramente lidamos com classes de entidades idnticas, mas quasesempre se estudam populaes, que consistem em indivduos nicos. Isso vlido para cada nvel da hierarquia, das clulas aos ecossistemas... Enquanto asentidades fsicas, digamos tomos ou partculas elementares, possuem
3 Segundo BAKHTIN (2006, p.122) quando a atividade mental se realiza sobre a forma de enunciao, aorientao social qual ela se submete adquire maior complexidade graas exigncia de adaptao aocontexto social imediato do ato de fala,e acima de tudo, aos interlocutores concretos.
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caractersticas constantes, as entidades biolgicas caracterizam-se por suamutabilidade. As clulas, por exemplo, alteram continuamente suaspropriedades, e assim tambm ocorre com os indivduos. Todo o indivduo estsujeito a mudanas drsticas desde seu nascimento at a morte. ... No h nada
parecido com isso na natureza inanimada, exceto em relao ao declnioradioativo, ao comportamento de sistemas altamente complexos e algumas vagasanalogias na astrofsica (MAYR, 1998 p.74)
A vida caracteriza-se por sua mutabilidade e esta caracterstica parte importante do
conjunto de convenes de significao que compe as formas pelas quais um grupo de
pessoas, os bilogos, pode interagir usando o conhecimento biolgico; pode compreender os
fenmenos da vida e ensaiar explicaes e previses utilizando este saber. Uma imagem que
pretenda representar a mutabilidade dos fenmenos ou elementos da biologia dever
expressar essa caracterstica por meio de seus elementos constitutivos que denominamos,
neste estudo, elementos pictricos. Os elementos pictricos das imagens utilizadas para
ensinar estas caractersticas da vida tambm devem ser capazes de expressar essas idias de
movimento, alterao e mudana no tempo e devem ter suas convenes de significao
partilhadas pela comunidade de bilogos.
Os cladogramas (figura 2) constituem exemplos de como os elementos pictricos
setas e linhas podem ser utilizados para representar a idia de modificao ao longo do
tempo. Na figura 2 podemos observar o uso conjunto de linhas para representar ramos ou
linhagens de seres vivos que evoluram a partir de um ancestral comum. A linha de cor
laranja e as linhas azuis representam dois grupos diferentes de seres vivos, que se originaram
de um mesmo grupo, se modificando ao longo do tempo. A passagem do tempo est
representada pela seta preta na lateral esquerda da imagem que acompanhada das palavras
Anagnese e Tempo. As palavras ramo X e ramo Y indicam, com setas pequenas, a
denominao destes grupos que, neste caso, hipottica e poderia representar a modificao
e a diferenciao em qualquer grupo de ser vivo. Pela imagem tambm informado o
conceito de grupos irmos com o uso do elemento pictrico seta que aponta os ramos azuis
que partem de um mesmo ramo como sendo grupos irmos, estabelecendo este conceito.
No alto da figura observamos que esta imagem possui letras como elementos
constitutivos utilizados para denominar e diferenciar os diversos ramos. Esta nomeao
possibilita que se fale deles apesar de nenhum deles representar especificamente um grupo de
seres vivos taxonomicamente determinado. As convenes de significao utilizadas na
figura 2, compartilhadas por bilogos e tambm por quem j estudou biologia no segundoano do ensino mdio, so: a seta como eixo de representao da passagem do tempo, o uso de
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letras para designar incgnitas e generalizaes, as retas como representao da continuidade
entre grupos de seres vivos.
Figura 2 cladograma genrico retirado de LOPES. S. e ROSSO, S. Biologia: volume nico. So Paulo:Saraiva, 2005. p.183.
O paradigma ao qual a cincia biolgica est submetida influencia a construo destas
convenes de significao. Tomemos como exemplo as notaes de Mendel para os fatores
responsveis pela hereditariedade (caracteres elementares ou Elemente) que iremos analisar
em maior profundidade no captulo 3. De acordo com Mayr (1998), Mendel no tinha
qualquer conhecimento das descobertas da citologia de sua poca, ou imediatamenteanteriores (perodo de 1870 a 1880) publicao de seu relatrio dos experimentos com as
ervilhas, em 1866. Sem a idia de que h cromossomos no ncleo da clula e a teoria de que
eles poderiam ser os portadores dos caracteres hereditrios, o monge postulava que os
elementos homlogos (Element), dos gametas masculino e feminino, iriam se fundir aps a
fertilizao e utilizou letras para representar estes elementos incgnitos.
O paradigma que informava os trabalhos de Mendel ainda era o da mistura de
caractersticas influenciado pela teoria da pangnese. Este paradigma levou o monge apostular a mistura, ou fuso, de caracteres no zigoto, e a utilizar como recurso semitico para
representar os elementos (o que hoje denominamos gentipo) a notao de uma letra s e no
de duas letras, o que representaria a idia de que os elementos no se misturariam.
Posteriormente, ser apresentada uma anlise semitica mais detalhada das notaes de
Mendel, pois estas so fontes do saber sbio (LEAL, 2001), do qual se originaram as
notaes que encontramos em livros didticos e em aulas de biologia.
Ainda explorando as contribuies de Mayr (1998) para o entendimento dopensamento biolgico, encontramos sua afirmao de que a biologia pode ser dividida em
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dois tipos de estudo: o estudo das causas prximas, objeto das cincias fisiolgicas (em
sentido lato), e o estudo das causas ltimas (evolutivas), objeto da histria natural (1998,
p.87). Partindo desta categorizao o autor defende que, particularmente na biologia
evolutiva (diferentemente da biologia fisiolgica), as explicaes, ordinariamente, dizem
respeito a narrativas histricas, isso porque a grande complexidade dos fenmenos biolgicos
no permite previses acertadas para estes como ocorre com os fenmenos fsico-qumicos.
Os fenmenos biolgicos evolutivos, das causas ltimas, que envolvem os nveis
hierrquicos mais altos4 seriam impossveis de serem previstos pelo bilogo, porque so
compostos de diversos passos, cada um deles influenciado por vrias condies naturais
diferentes, o que dificultaria muito a sua anlise.
Assim, a pesquisa em biologia evolutiva e em ecologia, que envolvem fenmenos
desta natureza, passaria pelo uso de narrativas histricas. Penso que o seu ensino-
aprendizagem se d da mesma forma. Por exemplo, para explicar a seleo natural,
argumento central da teoria de Darwin sobre a evoluo, o professor teria necessariamente
que utilizar uma narrativa. Cabe aqui especular sobre como se d esse tipo de narrativa a
partir do recurso semitico imagtico, uma vez que, entre outros, a evoluo foi um dos
contedos abordados pelo professor investigado, na poca em que os dados foram coletados.
Partindo de observaes em livros didticos de biologia realizadas nos ltimos quinze
anos, em atividade docente e em atividades como pesquisadora em educao (CHNCARO,
FREITAS e MARTINS, 2000), percebemos que alguns contedos das causas ltimas, j
observados, se constituem em narrativas histricas sobre a evoluo e entre elas, uma das
mais comuns a narrativa de como Lamarck explicava a modificao sofrida pelo pescoo
das girafas ao longo de milhares de anos. A estria, encontrada em livros didticos, relata
verbalmente que girafas ancestrais possuam pescoo bem menor que o das girafas atuais e
eram encontradas na regio da savana africana se alimentado de folhas de rvores. As girafasse esforavam para buscar as folhas e com isso esticavam seu pescoo durante toda sua vida.
Este estiramento no pescoo era transmitido para os filhotes, que j nasciam com um pescoo
um pouco maior que o dos pais. O contnuo estiramento do pescoo teria dado origem s
girafas atuais. Esta narrativa est representada tambm pela figura 3.
4Os nveis mais altos seriam os de ecossistema, comunidade e populao.
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Figura 3esquemas mostrando o exemplo comparativo clssico da evoluo do pescoo das girafas. Retiradode LOPES. S.Bio: volume trs. So Paulo: Saraiva, 2006. p.249.
Na figura 3 observamos dois exemplos de narrativas feitas em meio imagtico, uma
delas atribuda, pelos autores do livro, explicao dada por Lamarck e a outra explicaodada por Darwin. No caso da narrativa darwiniana tambm h, no livro, sua verso em
palavras, que afirma que
[...] de acordo com Darwin, as girafas ancestrais provavelmenteapresentavam pescoos de comprimentos variveis. As variaesseriam hereditrias. A competio por alimentos e a seleo naturalteriam levado sobrevivncia dos descendentes de pescoo longo,uma vez que estes conseguiam se alimentar melhor do que as girafasde pescoo curto (LOPES, 2006, p.249).
A imagem da figura 3 se constitui em duas linhas de apresentaes em quadrinhos
lado a lado, com setas que podem tanto estar indicando a seqncia de leitura, quanto estar
indicando a passagem do tempo de uma situaoanterior, para outraa mais atual, ou seja,
duas narrativas. A apresentao da linha de cima representa a narrativa atribuda a Lamarck,
indicada por legenda e a de baixo a narrativa atribuda a Darwin. Nas legendas das duas
apresentaes elas so denominadas explicaes.
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As imagens quase sempre acompanham a narrativa verbal feita pelos autores do livro
(embora as imagens sejam de responsabilidade dos ilustradores) e neste caso (figura 3), no
diferente, pois esta imagem se localiza dentro de uma caixa, delimitada pelo contraste da cor
do fundo, onde tambm est o texto verbal narrando o processo de evoluo das girafas,
explicado por Lamarck e depois por Darwin. As imagens possuem alguns elementos tais
como setas, linhas de tempo e formam quadrados situados lado a lado, recurso j conhecido
dos alunos, importado das estrias em quadrinhos, que representam a idia de ao, ou de
fatos que ocorrem ao longo do tempo.
Poderiamos citar mais casos de seleo natural, mas o que importa aqui analisar
como estas histrias foram selecionadas para compor os livros, partindo das seguintes
questes: por que imagens acompanham estas narrativas verbais e do conta de represent-
las? Como passaram a se constituir em uma representao do processo evolutivo? O que
ocorre em seu processo de escolarizao do ponto de vista dos recursos semiticos utilizados
em sua construo? No caso dos quadrinhos, temos um fenmeno denominado por Kress e
van Leeuwen (2001)provenance(procedncia, provenincia p. 23) ...isso se refere idia
de que signos podem ser importados de um contexto (outra era, grupo social, cultura) para
outro, a fim de significar as idias e valores associados a este outro contexto por aqueles que
o esto importando.
No caso das imagens em quadrinhos que acompanham o texto didtico sobre seleo
natural um tipo de linguagem e seus cdigos, foram importados de um contexto relacionado
ao uso do quadrinho, bem conhecido da maioria dos estudantes do ensino mdio. Quais so
as idias e valores associados ao uso deste recurso de procedncia que os autores
intencionam acrescentar ao conceito de seleo natural? Com que finalidade? Para alm da
discusso conceitual da biologia, este tipo de apropriao parece se vincular a uma funo
pedaggica relacionada motivao. Estas funes pedaggicas sero abordadas no captuloseguinte.
As aulas observadas e filmadas para a elaborao da tese so sobre gentica,
hereditariedade e evoluo biolgica, portanto sero estes os assuntos a serem analisados
quanto construo de significados. com base na anlise destes temas que tentaremos
identificar um conjunto de convenes de significao para as imagens envolvidas na
representao dos conceitos que compem estes campos da biologia. Ser tambm
desenvolvida uma anlise discursiva das entrevistas com professor investigado que podeindicar como a seleo dos casos ou narrativas realizada, com qual orientao ela feita.
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Tambm, com base nesta anlise poderemos responder, por que determinada imagem
escolhida para ser desenhada no quadro ou exposta em sala de aula em detrimento de outras
tantas que se encontram em livros didticos e outros materiais impressos?
Alm destes temas (evoluo e gentica), um tipo de explicao sobre a vida
frequentemente utilizada pelos bilogos e que compe outro grande campo da biologia,
aquela que se vale da idia de tomos, ou partes, que compem o todo. So as explicaes dos
fenmenos de classificao na qual os indivduos so inseridos em categorias que se ampliam
para serem analisados como pertencentes ao todo e como diferentes entre si. Esta estrutura de
pensamento hierarquizada tambm constitui parte do conjunto de convenes de significao
que os bilogos utilizam para se expressar. Entre estas convenes est a de estrutura
hierrquica e a noo de organizao e de conjunto.
Como j foi dito, em biologia, se estudam populaes que so conjuntos de
indivduos diferentes entre si, porm, com algo em comum, que nos permite classificar
alguns deles em um mesmo grupo: a populao. Este algo envolve o conceito de espcie que
foi proposto em um sistema explicativo maior (LINNEU, 1778 apud MAYR, 1998), em que
diversas partes compem um conjunto, num sistema de parentesco entre os indivduos, que
se amplia a cada categoria. Mayr (1998, p.84) apresenta esse sistema como uma das
estruturas hierrquicas com as quais os bilogos pensam os sistemas vivos.
Em biologia, aparentemente, tratamos de duas espcies de hierarquias. Uma delas representada pelas hierarquias constitutivas, como a srie macromolcula,organela celular, clula, tecido, rgo, e assim por diante. Em tal hierarquia, osmembros de um nvel inferior, digamos os tecidos, so combinados em novasunidades (rgos), que possuem funes unitrias e propriedades emergentes....Um tipo de hierarquia completamente diferente pode ser designado umahierarquia agregacional. O seu paradigma mais conhecido a hierarquia lineanade categorias taxionmicas, desde a espcie, atravs do gnero e famlia, at o filo
e o reino. estritamente um arranjo de convenincia (MAYR, 1998, 84).
As relaes de parentesco entre os seres vivos e a filognese, constituem hierarquia
agregacional e necessitam de um tipo de imagem que represente, ao mesmo tempo, a relao
e a hierarquizao. Kress e van Leeuwen (1996) definem estruturas de representao
conceituais como as que representam participantes em termos de sua essncia, mais ou
menos estvel e atemporal, em termos de sua classe, ou estrutura, ou significado (id. p.79).
De acordo com seu estudo, os autores consideram que uma grande parte das estruturas
conceituais envolve processos classificatrios que so aqueles que relacionam os
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participantes destes processos uns aos outros, em termos de uma relao taxonmica, na qual
um dos participantes representa o papel de subordinado em relao ao outro que o
superordenado.
uma relao na qual um dos elementos da imagem representa a classe, ou o tipo
geral, e o outro elemento representa os tipos pertencentes categoria maior, ou classe. Em
biologia, esta relao classificatria expressa em imagens que envolvem o uso de chaves,
fluxogramas e compartimentalizaes, tais como os cladogramas, como o da figura 2, e so
as formas imagticas mais adequadas para expressar os fenmenos de classificao estudados
pela Sistemtica e pela Taxonomia.
Ao ensinar fenmenos cujo conceito central o de transformao o professor recorre
s representaes imagticas da biologia classificadas como narrativas (KRESS e VAN
LEEUWEN, 1996) que possuem vetores relacionando participantes para que estas idias
sejam expressas, de modo que fique explcita a variao dentro de um todo que no
homogneo. Incluem-se entre estes elementos as setas, as linhas paralelas e a disposio de
cenas lado a lado, ou umas sobre as outras. Em biologia, as variaes so expressas em
imagens que representam ciclo de vida ou que representam processos fisiolgicos ocorrendo
ao longo do tempo, nas quais se evidenciem as causas prximas (MAYR, 1998). As
variaes podem ser expressas tambm em imagens utilizadas para descrever e narrar
procedimentos experimentais, como em manuais de laboratrio e roteiros de aulas prticas.
Observou-se em estudo realizado no mestrado que para representar e ensinar as
variaes, as classificaes e as relaes parte-todo e todas as idias e conceitos biolgicos o
professor se vale de diversos recursos semiticos. Alm da imagem, h outros recursos, tais
como, gestos, palavras escritas e faladas, entonao, expresso facial (FREITAS, 2002).
Entretanto, a imagem possui lugar de destaque na explicao dos fenmenos biolgicos em
aulas de ensino mdio. Sua importncia foi evidenciada de forma quantitativa, pelo grandenmero de aulas em que imagens eram utilizadas e de forma qualitativa pelo modo como as
imagens construam oportunidades de aprendizagem dos conceitos cientficos pelos alunos,
pois eram a base, ou o referencial para gestos e posturas do professor (FREITAS, 2002).
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A escolarizao dos contedos imagticos influenciada pelo contexto da
produo discursiva
A experincia construda em investigaes anteriores (FREITAS, 2002) sobre uso de
imagens em sala de aula orienta nosso foco de pesquisa em relao s dimenses da
escolarizao dos contedos imagticos da biologia pelo professor, para supor que esta
pedagogizao tambm influenciada pelo contexto de produo discursiva. Esta hiptese
nos leva a dar nfase tambm anlise dos fenmenos de comunicao, alm de analisar a
estrutura conceitual da biologia, no caso, pensando na orientao social dos enunciados, no
conceito de discurso, de enunciado (BAKHTIN, 2006) e tambm no conceito de contexto,
proposto por Erickson e Shultz (2002, p.217)
Um contexto pode ser conceptualizado no simplesmente como decorrncia doambiente fsico (cozinha, sala de estar, calada em frente farmcia), ou decombinao de pessoas (dois irmos, marido e mulher, bombeiros). Muito mais doque isso, um contexto se constitui daquilo que as pessoas esto fazendo a cadainstante e ondee quandoelas fazem o que fazem. Conforme McDermont (1976),os indivduos em interao se tornam ambientes uns para os outros5.
Para analisar a seleo das imagens feita pelo professor do ponto de vista da
dependncia do contexto, uma idia interessante a de que a aula se constri em vrias
instncias. A aula uma construo organizada em etapas que se localizam em nveis
institucionais diferentes. Estes nveis, ou estratos, se relacionam aos seus contextos
especficos de produo e vo desde a elaborao do currculo por especialistas at a aula e
sua execuo, na qual encontramos elementos tais como alunos, seus cadernos e as interaes
professor-alunos, professor-aluno e aluno-aluno. Esta construo, organizada em etapas, que
denominamos anteriormente processo de escolarizao, pode ser interpretada como um
circuito.
A idia de circuito como um ciclo de produo e disseminao de um produto
cultural que se apresenta em estgios, dos quais a aula um dos elementos. Na aula esto
presentes estruturas e contextos aos quais ela se remete. O conceito de circuito est em
consonncia com as idias de planos, contextos, domnios da prtica, ou de campos,
propostas, respectivamente, por Gumperz (1992), Lemke (1990), Kress e van Leeuwen
5Itlico e negrito no original
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(2001) e por Bernstein (1996). A apresentao da aula faz parte do circuito e pode ser o
espao ou o momento de se criar estratgias inditas, ou prprias do contexto de transmisso
de conhecimento, por meio da interao face a face.
De acordo com Gumperz (1992), os processos de interpretao dependem da co-
ocorrncia de julgamentos que, simultaneamente, avaliam uma gama de pistas diferentes,
produzindo interpretaes situadas que so intrinsecamente contexto-dependentes e que no
podem ser analisadas separadamente das seqncias verbais nas quais esto inseridas. Este
autor prope, ento, o conceito de pistas de contextualizao que somarcas que aparecem
no discurso e permitem aos analistas entender o processo inferencial em vrios graus de
generalizao. Para o momento, ser interessante reconhecer os trs planos mnimos em que
ocorre esse processo de inferncia de que o autor trata: o plano da percepo, no qual os
sinais comunicativos, tanto os auditivos quanto os visveis so recebidos e categorizados.
Neste plano a produo de significados mais imediata e a percepo dos sinais e de seus
valores pode variar mesmo entre interlocutores que usam a mesma lngua. a partir do
empacotamento dos sinais em unidades de informao ou frases que possvel a ocorrncia
da interpretao.
Para Gumperz (1992) h um segundo nvel de produo de significados denominado
plano de seqenciamento (speech act level implicatures) no qual as inferncias produzem
interpretaes situadas do que o autor denomina inteno comunicativa. Tanto inferncias
diretas como indiretas, ou metafricas, que vo alm daquilo que expresso abertamente por
meio do nvel lxico, esto includas aqui. Gumperz (id.) apresenta como nvel de inferncia
mais amplo o que ele denomina plano da estrutura, porque neste nvel que os interlocutores
sinalizam o que esperado na interao em qualquer estgio. A contextualizao, neste nvel
de inferncia, pode originar expectativas sobre o que est por vir em algum ponto, alm da
seqncia imediata, com o intuito de produzir predies sobre possveis resultados de umatroca lingstica, ou sobre tpicos adequados e sobre a qualidade das relaes interpessoais.
A hiptese de GUMPERZ (1992) que essas predies globais ou expectativas
(plano da estrutura) fornecem as bases para que possveis ambigidades nos nveis perceptual
(primeiro plano) e seqencial (segundo plano) possam ser resolvidas. Essa separao em trs
nveis uma estratgia de anlise que serve para chamar a ateno para algumas das
complexidades do processo inferencial e constitui-se em uma diviso muito til para a
anlise que ser realizada das entrevistas e das aulas observadas partindo do princpio de queos discursos construdos durante as aulas se relacionam a outros discursos em outros
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contextos, que no apenas aquele imediato de sua produo, e tambm a outras etapas do
circuito. Entretanto, importante ressaltar aqui que, na interao do dia-a-dia, em sala de
aula, esses nveis contextuais se misturam, pois, os participantes da aula, em interao face a
face, esto interessados nas interpretaes situadas daquilo que escutam ou vem, e no esto
conscientes da origem de suas expectativas interacionais.
Lemke (1990) tambm um autor que se dedica ao estudo dos processos inferenciais
e especializou-se em pesquisar como isso ocorre em diferentes meios semiticos. Ele afirma
que uma ao se torna significativa quando posta em um contexto mais amplo pelos atores
que interagem sobre essa ao e que o significado que conferimos a uma ao ou a um
evento consiste nas relaes que ns construmos entre essa ao, ou esse evento, e o seu
contexto. Considerando o discurso como ao ou evento, podemos analis-lo a fim de
apreender os significados conferidos aos temas sobre os quais ele discorre por uma
determinada comunidade. Essa anlise pode ser feita por meio do estudo da relao do
discurso com o contexto mais amplo em que se insere.
Para compreendermos as idias de Lemke (1990) quanto ao processo inferencial
precisamos antes esclarecer que o autor adota o termo enunciado como a unidade do que ele
considera discurso. Da mesma forma, Gumperz (1992) considera que unidades de
informao ou frases que se constituem de sinais empacotados so a forma pela qual os
interlocutores podem realizar o processo interpretativo.
O conceito de enunciado fundamental para tratarmos de questes de interpretao e
quero deixar claro que adotarei para isso a posio de Bakhtin (2006) e que considero o
enunciado aquilo que foi dito, o que gravamos por meio das filmadoras ou do registro escrito
quando vamos coletar dados. O termo enunciao se refere a uma iluso que se transforma
logo depois de dito em enunciado e que no se repete e que, portanto, no pode ser utilizada
como dado para anlise. A enunciao para Bakhtin, a substncia real da lngua (2006) e aela est reservada a funo criativa da lngua. Toda enunciao uma forma que carrega um
contedo ideolgico e essa forma, ou estrutura, que exprime uma atividade mental de
natureza social. Como j foi assinalado anteriormente, quando a atividade mental se realiza
sobre a forma de enunciao, a orientao social qual ela se submete adquire maior
complexidade graas exigncia de adaptao ao contexto social imediato do ato de fala, e
acima de tudo, aos interlocutores concretos (2006, p.122).
Lemke (1990) identifica trs diferentes tipos de contexto aos quais uma ao (evento)deve ser relacionada para ser significada: o pragmtico, o sintagmtico e o ndex. O contexto
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sintagmtico o do enunciado: quais palavras precedem esse enunciado, quais palavras
surgiro depois dele, que tipo de enunciado ele . Lemke (id.) cita como exemplo o dilogo
tridico initiation, reply, feedback (MEHAN,1979), uma atividade de sala de aula em que
uma palavra parte ou da pergunta do professor ou da resposta do aluno. A palavra seria
interpretada de acordo com, ou levando-se em conta, o tipo de contexto no qual ela foi
proferida. o que Gumperz (1992) denomina plano de seqenciamento.
O contexto paradigmtico aquele do que deveria ter sido. Perguntas tais como:
Quem disse o qu? Para quem? O que estava acontecendo quando foi dito? Quais interaes
estavam se constituindo? Ajudam o analista do discurso a responder qual o contexto
paradigmtico em jogo na produo de determinado enunciado. Esse nvel de significao se
aproxima do que Gumperz (1992) denomina plano de seqenciamento tambm.
Para Lemke (1990), h um terceiro contexto no qual um enunciado se insere que
mais abrangente que os dois j citados e que ele denomina contexto ndice. o contexto da
comunidade que reflete as circunstncias socioculturais que envolvem os participantes do
discurso. Comparando o contexto ndex, citado por Lemke, com a distino de planos que
Gumperz faz, este contexto estaria prximo do que esse autor denomina plano da estrutura.
Quero assinalar que h uma caracterstica relacionada a esse ltimo tipo de contexto que
extremamente relevante para a anlise do processo de escolarizao dos contedos imagtico
da biologia e que ser discutida mais adiante: de acordo com Lemke (1990) uma determinada
palavra ou expresso usada por um interlocutor revela um modo tpico de falar de um grupo
social em particular.
Comparando o texto de Lemke (1990) ao de Gumperz (1992), percebemos que a idia
do primeiro de que significar um ato realizado por meio da relao do discurso com o
evento em que se insere, ou seja, com seu contexto mais amplo, se assemelha muito a noo
do segundo de interpretaes situadas. Para responder s questes sobre a escolarizao dasimagens utilizadas em aulas de biologia til pensar o processo de escolarizao como algo
que se d em diferentes nveis de produo, como num circuito. Cada etapa deste circuito
envolve um plano de contextualizao, ou nvel de inferncia, cuja anlise fundamental
para o entendimento da construo dos significados desta imagem escolarizada por professor
e alunos. Tanto Gumperz quanto Lemke propem que esses planos ou contextos de produo
discursiva podem ser estudados separadamente para efeitos de anlise do discurso.
A afirmao de Lemke (1990) de que uma determinada palavra ou expresso usadapor algum revela um modo tpico de falar de um grupo social em particular, ao qual esse
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algum pertence se relaciona ao que Bakhtin (2006) j havia detectado ocorrer na lngua que
o fato de as condies sociais definirem a produo discursiva. Um sujeito , apenas
parcialmente, autor de seu discurso, a outra parte do discurso pertence ao grupo social de
origem desse sujeito. Isso a base da sociolingstica e premissa bsica para as anlises
que sero executadas neste estudo.
Bernstein (1996) faz uma crtica, interessante ao conceito de habitus, proposto por
Bourdieu (1987) que afirma a idia de que o discurso pedaggico possui uma estrutura
prpria que dever ser identificada e analisada para que se possa compreender como se d a
resistncia/reproduo cultural. Considero que identificar esta estrutura do discurso
pedaggico fundamental para que se possa entender a orientao social de qualquer
processo de escolarizao.
De um certo ponto de vista, o habitus pode ser considerado mais como umconceito que exige uma linguagem para sua descrio e construo do que comoum modelo de sua estrutura. descrito por suas funes e no em relao com osaspectos especficos que tornam possvel um habitus determinado. No sefornecem as regras de formao especfica, mas apenas referncias de realizaesde classe especializadas .... Assim, o habitus uma teoria de um temaespecializado, sem uma teoria de sua constituio especializada (BERNSTEIN,1996. p.238).
Percebe-se que Bernstein sente falta na obra de Bourdieu e de todos aqueles que
adotam a teoria de reproduo cultural, de uma descrio de como seria o habitus, de como
seria a sua forma especfica para cada tipo de conjunto de disposies que um certo habitus
criaria. Bernstein (1996) critica os tericos da reproduo por estarem demasiadamente
preocupados com a compreenso das relaes de poder que so transportados (ou
reproduzidas) pelo sistema educacional, e pouco preocupados sobre como essas relaes so
transportadas, ou seja, qual seria este transportador, qual seriam sua estrutura e suas formaslingusticas possveis. Para Bernstein (id.) falta aos tericos da reproduo uma descrio das
relaes discursivas no interior do discurso, das caractersticas e das prticas distintivas que
constituem o discurso escolar ou o texto privilegiante que circula na escola. O autor quer
saber (id. p.244) quais foram as regras pelas quais aquele texto foi construdo, o que o torna
o que ele , o que lhe confere suas caractersticas distintivas, suas relaes distintivas, seu
modo de transmisso e de contextualizao.
Estas questes que Bernstein (id.) construiu ao final do sculo XX so muito
semelhantes s que proponho para este estudo da escolarizao das imagens da biologia. De
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acordo com Forquim (1996) Bernstein foi o primeiro socilogo a se preocupar em fazer uma
anlise dos cdigos por meio dos quais os saberes escolares, de forma compartimentalizada,
so transmitidos para as novas geraes. So os instrumentos e categorias de anlise dos
cdigos que nos interessam no trabalho de Bernstein (id.), pois eles nos possibilitam entender
o processo de escolarizao do ponto de vista da linguagem, uma linguagem que um
produto sociocultural, que constitui discursos proferidos por sujeitos pedaggicos em sua
prtica pedaggica cotidiana. Para cumprir este objetivo preciso desenvolver uma anlise
das formas que o discurso pedaggico assume nas etapas percorridas do circuito, desde o
plano, ou contexto, que o autor denomina contexto primrio, passando por contextos
secundrios e recontextualizadores (BERNSTEIN, 1996, 268-269), at chegar ao contexto
especfico da sala de aula.
O discurso pedaggico pode ser considerado um texto multimodal nos termos do que
Kress e van Leewuen (2001) propem. Para os autores os textos multimodais equivaleriam a
mltiplas formas de meios semiticos diferentes utilizados conjuntamente para comunicar
significados. Estes textos produzem significados em articulaes mltiplas, idia que se ope
s da lingstica tradicional que sustentam que um texto tem sempre uma dupla articulao,
onde a mensagem articulada a sua forma e ao seu significado. Para os autores (id.) h
quatro domnios na prtica em que os significados so criados e esto articulados, que eles
denominam strata. So eles: o discurso, o desenho (design), a produo e a distribuio.
Estesstrata,na concepo dos autores, no se encontram hierarquizados uns sobre os outros
e, para a investigao proposta aqui, sero utilizados para tentar responder a questo da
seleo de imagens para a aula de biologia, influenciada pelo contexto de produo
discursiva e se assemelham s idias j apresentadas sobre as interpretaes situadas
(GUMPERZ, 1992 e LEMKE, 1990) e os contextos de produo, reproduo e
recontextualizao (BERNSTEIN,1996).Para Kress e van Leewuen (2001), pesquisadores australianos que se apiam nas
teorias da semitica social, principalmente na obra de Halliday, discursos so conhecimentos
socialmente construdos sobre algum aspecto da realidade e se realizam sob a forma verbal e
extralingstica.
Os discursos so desenvolvidos em contextos scio-culturais especficos, de acordo
com interesses particulares dos sujeitos socioculturais envolvidos. Este conceito de discurso
est em consonncia com a idia de significados construdos, por algum, de acordo com umconjunto de convenes de significao (LEMKE, 1998) e com os conceitos de dispositivo
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lingstico e dispositivo pedaggico presentes em Bernstein (1996). Este autor chega mesmo
a afirmar que concorda categoricamente com Halliday em relao idia de que a produo
do discurso dependente de ideologia, o que reflete a importncia outorgada ao potencial
significativo criado pelos grupos dominantes (BERNSTEIN, 1996, p.252). Para o socilogo
britnico, um dispositivo pedaggico um sistema de regras formais que regulam a
comunicao pedaggica e a torna possvel; regras estas que atuam de maneira seletiva sobre
o potencial significativo6. O autor afirma ainda que pode ocorrer que a origem da relativa
estabilidade das regras dos dispositivos pedaggicos esteja nas preocupaes dos grupos
dominantes, sendo o dispositivo pedaggico um condutor, a servio destes grupos
dominantes, que consegue regular aquilo que conduz e esta regulao seria realizada pelo
discurso pedaggico oficial.
Partindo da teoria de Bernstein (1996) podemos pensar a construo da aula de
biologia como sendo mediada por um dispositivo pedaggico, ou um discurso (KRESS e
VAN LEEUWEN, 2001), que est sujeito a regras, que so ideologicamente configuradas,
mas que variam com o contexto e orientam a produo de um discurso direcionado a um
certo auditrio scio-cultural. Vamos supor, ento que haja um discurso pedaggico oficial,
que d origem a aula X, de gentica, e que ele seja desenvolvido por instncias anteriores a
da sala de aula. Ele j vem sendo enunciado por agncias especializadas no campo do
controle simblico (BERNSTEIN, id, 1996) como o sistema escolar que, com seus currculos
oficiais (parmetros curriculares nacionais - PCNs), reproduz o saber a ser ensinado.
O discurso pedaggico , ento, divulgado por agentes como os autores de livros
didticos e suas agncias, as editoras, para que professores e alunos tenham documentos nos
quais se apiem para construir suas aulas. O discurso pedaggico oficial seria parte do
circuito de produo da aula que culmina com a produo de um discurso pedaggico
recontextualizado que concretizado em sala de aula na presena do professor especfico ede alunos especficos que demandam interesses especficos. Estes interesses so diversos
daqueles das agncias de controle simblico de reproduo e de divulgao. Assim, pode-se
dizer que o discurso que constitui uma aula de biologia, se realizar de formas distintas em
cada sala de aula, em cada turma, pois, cada professor construir, com cada turma, um
discurso apropriado para uma dada situao scio-cultural na qual eles se encontram. Isso
6BERNSTEIN afirma quepotencial significativo o discurso potencial suscetvel de receber forma pedaggicano momento e as formas de realizao do discurso pedaggico esto sujeitas s regras que variam com ocontexto.
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ocorre mesmo sendo o discurso reproduzido, regulado e divulgado para a aula igual para
diferentes turmas.
Porm, no o contedo em si, ou os conceitos biolgicos a serem ensinados que iro
definir a regulao do discurso expresso em sala de aula exclusivamente. H uma orientao
discursiva, uma ideologia, que direciona e regula a recontextualizao deste discurso e que,
como j foi dito anteriormente, se concretiza num conjunto de regras que Bernstein (1996)
denomina dispositivo pedaggico. H vrios campos que seriam recontextualizadores do
discurso desta aula hipottica, desde as agncias especializadas do Estado e os seus agentes,
as autoridades educacionais, passando por universidades e suas Faculdades de Educao at
chegar ao professor e alunos em sua interao face-a-face. A recontextualizao do discurso
utilizado em aula est regulada por um conjunto de regras que especificam o que pode ou no
ser dito e ensinado, para aquela faixa etria, naquele lugar e constitui a base ideolgica do
processo de escolarizao.
O conceito de campos recontextualizadores pode ser comparado aqui ao domnio da
prtica denominado design por Kress e van Leewuen (2001). O design um dos quatro
domnios na prtica em que os significados de um texto multimodal so criados e esto
articulados. O design, ou desenho, situa-se a meio caminho entre o contedo e a expresso.
o lado conceitual da expresso e o lado expressivo da concepo (KRESS e VAN
LEEUWEN, 2001, p.5). Os desenhos (designs) so meios para realizar discursos no contexto
de uma dada situao de comunicao. Eles adicionam algo novo ao significado a ser
comunicado, como por exemplo, na aula: eles convertem uma dada situao comunicacional
de conhecimento socialmente construdo em interao social. Considerando o trabalho de
seleo de imagens pelo professor de biologia, o desenho envolveria o domnio da prtica, ou
strata, que enderearia um contedo da gentica como, por exemplo, o significado de gene, a
uma audincia especfica. Assim, uma aula idealizada para explicar o significado de genepara uma turma de ensino mdio de uma escola pblica construda com um desenho
especfico para esta audincia, diferente de uma aula idealizada para uma turma de graduao
de cincias biolgicas, ou de ensino mdio de escola particular, cujo desenho seria outro.
Esse conceito de desenho auxilia, e muito, a analisar a prtica docente de preparao
das aulas de biologia e a analisar sua execuo e a seleo de imagens. De acordo com
observao inicial dos dados coletados para a pesquisa, o professor no seria o nico
responsvel pelo desen