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1 O ENSINO DA CAPOEIRA NO PRIMEIRO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL: sistematização do conhecimento e o trato pedagógico a partir da cultura corporal Victor Almeida Seramucin Discente concluinte do CEDF/UEPA [email protected] Adnelson Araujo dos Santos Professor orientador do CEDF/UEPA [email protected] RESUMO Este trabalho parte da necessidade de um norteamento sistemático e coerente para a prática pedagógica dos professores de educação física, especificamente, para o trato com a capoeira no primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Tem como objetivo geral contribuir com elementos teórico-metodológicos do ensino da capoeira. Baseia-se no aporte teórico da abordagem crítico-superadora e da pedagogia histórico-crítica. Utiliza o Materialismo histórico-dialético e se caracteriza como um estudo qualitativo, de caráter exploratório. Foi realizado a partir de uma revisão de literatura, abordando as seguintes temáticas: o conhecimento já produzido sobre a capoeira e metodologia de ensino. O estudo resulta em uma sistematização do conteúdo da capoeira para o primeiro ciclo do ensino fundamental, explicitando de maneira detalhada cada tópico do conteúdo a ser desenvolvido. Conclui que essa proposta pedagógica possui os elementos didático-pedagógicos imprescindíveis para o processo de ensino-aprendizagem da capoeira na educação física escolar, para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Palavras-chave: Escola. Educação Física. Capoeira. Conteúdo. INTRODUÇÃO Diversas são as problemáticas enfrentadas pelos professores na docência da educação básica. Na educação física não é diferente. Porém, as tarefas de seleção de conteúdos, planejamento de ensino, elaboração de planos de aula, dentre outras, tornam-se mais árduas para os professores desta disciplina. Enquanto as demais disciplinas contam com uma sistematização de conteúdos que auxiliam e dão norteamento para o professor sobre o seu trabalho didático-pedagógico, os professores da educação física escolar precisam produzir a sua própria organização, o que muitas vezes se faz de forma arbitrária, sem um embasamento teórico- metodológico-científico. Alguns livros didáticos públicos da educação física existentes no Brasil oferecem uma certa sistematização, sendo socializados apenas três até o presente momento. O Livro Didático Público de Educação Física para o ensino médio,

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O ENSINO DA CAPOEIRA NO PRIMEIRO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL: sistematização do conhecimento e o trato pedagógico a partir da cultura

corporal

Victor Almeida Seramucin Discente concluinte do CEDF/UEPA

[email protected] Adnelson Araujo dos Santos

Professor orientador do CEDF/UEPA [email protected]

RESUMO Este trabalho parte da necessidade de um norteamento sistemático e coerente para a prática pedagógica dos professores de educação física, especificamente, para o trato com a capoeira no primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Tem como objetivo geral contribuir com elementos teórico-metodológicos do ensino da capoeira. Baseia-se no aporte teórico da abordagem crítico-superadora e da pedagogia histórico-crítica. Utiliza o Materialismo histórico-dialético e se caracteriza como um estudo qualitativo, de caráter exploratório. Foi realizado a partir de uma revisão de literatura, abordando as seguintes temáticas: o conhecimento já produzido sobre a capoeira e metodologia de ensino. O estudo resulta em uma sistematização do conteúdo da capoeira para o primeiro ciclo do ensino fundamental, explicitando de maneira detalhada cada tópico do conteúdo a ser desenvolvido. Conclui que essa proposta pedagógica possui os elementos didático-pedagógicos imprescindíveis para o processo de ensino-aprendizagem da capoeira na educação física escolar, para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Palavras-chave: Escola. Educação Física. Capoeira. Conteúdo.

INTRODUÇÃO

Diversas são as problemáticas enfrentadas pelos professores na docência da

educação básica. Na educação física não é diferente. Porém, as tarefas de seleção

de conteúdos, planejamento de ensino, elaboração de planos de aula, dentre outras,

tornam-se mais árduas para os professores desta disciplina. Enquanto as demais

disciplinas contam com uma sistematização de conteúdos que auxiliam e dão

norteamento para o professor sobre o seu trabalho didático-pedagógico, os

professores da educação física escolar precisam produzir a sua própria organização,

o que muitas vezes se faz de forma arbitrária, sem um embasamento teórico-

metodológico-científico.

Alguns livros didáticos públicos da educação física existentes no Brasil

oferecem uma certa sistematização, sendo socializados apenas três até o presente

momento. O Livro Didático Público de Educação Física para o ensino médio,

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sistematizado em 2006 na cidade de Curitiba, Paraná. O Caderno do Aluno lançado

em 2009 e com novas edições todos os anos para a rede estadual de ensino de São

Paulo, para o ensino fundamental II (6º ao 9º ano) e ensino médio (1º ao 3º ano). E

em 2012, o Livro Didático Público de João Pessoa, na Paraíba.

Nesse sentido, notou-se a carência de produção na problemática apresentada,

principalmente na pré-escola e o ensino fundamental I. Esta pesquisa, então,

propôs-se a pesquisar o conteúdo "capoeira”, na educação física escolar, com o

intuito de sistematizar os conhecimentos desse conteúdo para o primeiro ciclo do

ensino fundamental.

Para alcançar o objetivo desta, viu-se de imediato a necessidade de identificar

os conhecimentos já produzidos sobre a capoeira, bem como entender e socializar

um trato didático-pedagógico para esse conteúdo na perspectiva da classe oprimida

e para a sua emancipação.

Tais pretensões necessitaram de grande rigor metodológico para

concretizarem-se, o qual é descrito no próximo tópico.

1 METODOLOGIA

A produção que aqui está sendo apresentada teve o caráter de uma revisão

de literatura, justamente para fazer a compilação dos conhecimentos necessários

para a sistematização almejada. Por se tratar de uma revisão de literatura, a fonte

utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Ocorreu em livros, monografias e artigos

científicos online, além de alguns sites e vídeos. Os principais instrumentos de

análise de dados utilizados foram a leitura e o fichamento.

Quanto ao método de abordagem, que orientou e serviu de base para a

compreensão da realidade e norteamento desta pesquisa, utilizou-se o Materialismo-

histórico-dialético (Engels, 1974 apud Gil, 2008), foi empregado na busca de

entender o objeto de estudo em sua totalidade e com a compreensão de que o

conhecimento coletado seria embasado em uma visão de mundo, um mundo

desigual, divido em classes sociais antagônicas: dominantes e dominados. E, como

nenhum conhecimento é neutro, o aqui tratado busca a emancipação e liberdade

dos dominados.

Para isso foram utilizados dois métodos de procedimentos, o Histórico e o

monográfico. Histórico, pela concepção de que não há como compreender o objeto

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de estudo sem conhecer o processo histórico do mesmo. Monográfico por ser tratar

de um estudo aprofundado sobre determinada temática e que poderá servir de

representatividade para estudos nessa área (LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 108).

Logo, este se trata de uma pesquisa qualitativa em relação a sua abordagem,

segundo Severino (2009, p. 118-117).

Quanto ao objetivo da pesquisa, embasando-se em Gil (2008, p. 27), está foi

exploratória num primeiro momento, pois “[...] têm como principal finalidade

desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias [...]” assim como “proporcionar

visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato”, neste caso sobre a

capoeira e seus conteúdos. Primeiramente, buscou-se ver a produção atual sobre o

objeto da pesquisa, tendo como partida o que é dito sobre a capoeira no livro

Metodologia do Ensino de Educação Física, já que a abordagem de ensino utilizada

é a Crítico-Superadora.

Utilizou-se, também, a sistematização dos conteúdos proposta por Souza e

Oliveira (2001). A proposta de sistematização destes autores para a 1ª e 2ª séries

(na época) recebe, nesta pesquisa, uma reestruturação para o 1º, 2º e 3º ano. Tal

mudança ocorreu tendo em vista algumas terminologias utilizadas, o processo

pedagógico de aprendizagem e a dissociação de alguns conhecimentos.

2 A SISTEMATIZAÇÃO E O TRATO COM OS CONTEÚDOS DA CAPOEIRA

Sobre a capoeira em si, o Coletivo de Autores (2009, p. 74) não deu conta de

explicitar o trato com este conteúdo nos seus pormenores, entretanto ressaltou a

importância da sua historicidade. A história da capoeira revela o movimento de luta e

resistência dos negros escravos no Brasil escravocrata. Sendo assim, por essência,

é a expressão e produto do oprimido em relação ao seu opressor na luta por

liberdade. Desta maneira, torna-se fundamental a sistematização dos

conhecimentos sobre a capoeira e sua socialização no processo de escolarização.

Encontramos em Souza e Oliveira (2001) uma sistematização dos conteúdos

da capoeira para o primeiro ciclo. A partir dele, e analisando os aspectos que

consideramos importantes, elaboramos nossa proposta de sistematização dos

conteúdos da capoeira para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental, conforme

quadro abaixo:

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Quadro 1: Sistematização dos conteúdos da capoeira para o 1º ciclo

CONTEÚDOS 1º 2º 3º

HISTÓRIA DA CAPOEIRA

• Origem X

• Sujeitos X

• Quilombos – Zumbi X

• Revolta das senzalas X

FUNDAMENTOS

BÁSICOS

• Cadeira X

• Ginga

✓ Espelhada X

✓ Trocada X

DEFENSIVOS

• Decida básica X

• Desvio de frente X

• Cocorinha X

• Queda de quatro X

• Esquivas

✓ Paralela X

• Negativa X

OFENSIVOS

Diretos

• Benção X

Giratórios

• Meia lua de frente X

• Meia lua de compasso

✓ Com as duas mãos X

• Armada X

• Queixada Direta X

ACROBÁTICOS

• Aú

✓ Simples X

✓ Com uma das mãos X

• Ponte

✓ Base da ponte X

• Macaco

✓ Base do macaco X

✓ Cócoras X

• Bananeirinha X

• Parada de cabeça

✓ Com auxílio X

• Parada de Mão

✓ Com auxílio X

MUSICALIDADE E RITMICIDADE

PALMAS X X X

MUSICAS X X X

INSTRUMENTOS

• Berimbau X

• Pandeiro X

• Atabaque X

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✓ toque básico X

• Caxixi X

• Agogô (de Castanha do Pará) X

✓ toque básico X

• Reco-Reco X

✓ toque básico X

PRODUÇÃO DE INSTRUMENTOS

• Material artesanal ou alternativo

✓ Agogô X

✓ Reco-reco X

✓ Atabaque X

RODA DE CAPOEIRA X X X

Fonte: Adaptado de Souza e Oliveira (2001)

Compreendemos que a lista de conteúdos adequados a cada série/ano do

processo de escolarização já é um avanço importante para a organização do

trabalho docente na escola. Isso permite que seja definido, de acordo com o

professor, a metodologia a seguir para trabalhar esses conteúdos.

Nesse sentido, consideramos importante que o professor organize o plano da

unidade de acordo com a perspectiva teórica que sustenta sua prática. Esta

proposta de sistematização está amparada na abordagem crítico-superadora e tem

referência didático-pedagógica na pedagogia histórico-crítica.

Outro aspecto a ser pontuado é a organização por ciclos, na qual a esta

proposta está baseada. Na perspectiva dos ciclos,

os conteúdos de ensino são tratados simultaneamente, constituindo-se referências que vão se ampliando no pensamento do aluno de forma espiralada, desde o momento da constatação de um ou vários dados da realidade, até interpretá-los, compreendê-los e explicá-los. (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 36)

Como sugestão, apresentamos um plano de unidade didática, a partir da

pedagogia histórico-crítica (GASPARIN, 2012). Esta proposta de plano de ensino

considera cinco momentos pedagógicos para o ensino dos conteúdos. Os cinco

passos são: 1) a prática social inicial; 2) a problematização; 3) a instrumentalização;

4) a catarse; 5) a prática social final. Juntos contemplam o método dialético de

apreensão do conhecimento, ou seja, a ação-reflexão-ação ou a realidade social,

especificidade teórica e totalidade social (GASPARIN, 2012).

Quadro 2: Plano de unidade para o ensino da capoeira no 1º ciclo

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PLANO DE UNIDADE – EDUCAÇÃO FÍSICA: A CAPOEIRA INSTITUIÇÃO: Centro de Estudos Castanha do Pará DISCIPLINA: Educação Física UNIDADE: Capoeira SÉRIE: 1º ciclo do Ensino Fundamental de 09 anos PROFESSOR: Preto Castanha

1. PRÁTICA SOCIAL INICIAL 1.1 Unidade de Conteúdo: A capoeira

Objetivo geral: Conhecer e vivenciar a capoeira. Tópicos do conteúdo e objetivos específicos: Tópico 1: A história da capoeira Objetivo específico: compreender os aspectos históricos, identificando os sujeitos do processo de desenvolvimento da capoeira no Brasil. Tópico 2: Aspectos sociais da capoeira Objetivo específico: compreender os papéis representados pelos sujeitos históricos no surgimento e desenvolvimento da capoeira. Tópico 3: Fundamentos da capoeira Objetivo específico: Aprender os movimentos básicos da capoeira. Tópico 4: Musicalidade e ritmicidade na capoeira Objetivo específico: conhecer os instrumentos utilizados na capoeira, seus sons e os aspectos rítmicos utilizados. Tópico 5: A roda de Capoeira Objetivo Específico: Compreender o significado da roda de capoeira, experimentando os conteúdos aprendidos ao longo da unidade.

1.2 Vivência do conteúdo a) O que os alunos já sabem sobre o conteúdo b) O que os alunos gostariam de saber

2. PROBLEMATIZAÇÃO 2.1 Discussão sobre o conteúdo

Por que estudar esse conteúdo O que já sabemos sobre a história da capoeira Qual a importância da capoeira Quais os instrumentos e músicas da capoeira Que fundamentos podemos aprender Como jogar capoeira

2.2 Dimensões do conteúdo a serem trabalhadas Conceitual: O que é capoeira? O que é escravo? O que é escravidão? Histórica: Como surge a capoeira? Social: Quais os papeis representados pelos sujeitos? Corporal: flexibilidade, equilíbrio, força, coordenação, ritmo.

3. INSTRUMENTALIZAÇÃO 3.1 Ações discentes e docentes

Apresentação das experiências dos alunos com a capoeira

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Exposição do conteúdo pelo professor Visitas aos espaços da comunidade/bairro/cidade que desenvolvem a capoeira Conversas com os pais/mães e membros da comunidade que desenvolvem projetos de capoeira Produção de instrumentos da capoeira Pesquisas Vivências práticas

3.2 Recursos: humanos e materiais Quadras, pátios, cartolinas, televisor, DVD, computador, canetinhas, instrumentos de capoeira.

4. CATARSE 4.1 Síntese mental dos alunos

Apresentar o entendimento dos conteúdos oralmente

4.2 Expressão da síntese Cartaz/desenhos Vivências/Roda de capoeira

5. PRÁTICA SOCIAL FINAL 5.1 INTENÇÕES DO ALUNO Respeitar os grupos de capoeira Conhecer mais sobre os sujeitos históricos da capoeira Assistir filmes sobre a capoeira e sua história Visitar grupos de capoeira do bairro/cidade 5.1 AÇÕES DO ALUNO Criar novas formas de jogar Vivenciar a capoeira na perspectiva do desenvolvimento corporal Criar instrumentos da capoeira para brincar em casa Vivenciar rodas de capoeira

Esse plano está organizado para o primeiro ciclo, ou seja, para o 1º, 2º e 3º

anos do Ensino Fundamental. Alterando-se somente os conteúdos desenvolvidos

em cada ano, conforme listados no quadro 1.

Passamos então a desenvolver cada um dos tópicos dos conteúdos para que

os docentes tenham a compreensão deles e das finalidades para o nível de ensino

ao qual foi indicado.

2.1 BREVE HISTÓRIA DA CAPOEIRA

Esta temática muito discutida e estudada até os dias atuais não possui

documentação que relate temporalmente, de forma precisa, quando a capoeira foi

criada ou passou a ser praticada. O que se há são hipóteses, como Mello (2002)

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socializa que “vários autores (Vieira, 1995; Reis, 1997; Pinto, 1995) atribuem ao

período Quilombista, que teve início no final do século XVI, a gestação da capoeira”.

E mais parecida com a sua forma atual, ao século XIX, segundo Mello (2002) e

Fontoura e Guimarães (2002).

Quanto aos elementos que deram origem a capoeira como se conhece hoje,

enquanto jogo, luta e dança, estes são mais discutidos e há uma certa concordância.

Atribui-se então aos negros que trouxeram, nos porões dos navios negreiros, a sua

cultura, religiosidade, musicalidade, movimentos, costumes, rituais, etc. À realidade

social vividas por eles no Brasil, num regime de escravidão, sofrendo castigo e

punições diários para não se rebelarem de sua condição de oprimidos e explorados

e havendo justamente a necessidade de autodefesa e resistência – sendo o nome

dessa manifestação originário das áreas de mata rala, a capoeira, a qual nas fugas,

os negros entravam em confronto com os capitães do mato. E à necessidade de

dissimular a luta que estavam treinando para os senhores, incorporaram-se

elementos ritualísticos, musicais, dentre outros, parecendo um “jogo” ou “dança”.

(PETTA, 1996; FONTOURA; GUIMARÃES, 2002; MELLO, 2002).

Esta compreensão sobre a origem da capoeira é de fundamental importância

para entender esta manifestação cultural, a que classe social serviu, assim como a

importância que teve. Dá mesma forma, faz-se obrigatório conhecer os seus sujeitos.

2.2 ASPECTOS SOCIAIS DA CAPOEIRA

Quem eram os escravos? De onde vieram? O que faziam? Como viviam?

Sempre estiveram na condição de escravo? E os senhores de escravos?

Capatazes? Capitães do mato? Estas perguntas são de fundamental relevância para

compreender os sujeitos históricos e o processo de criação da capoeira.

Os escravos, então, eram os negros traficadosda costa ocidental do

Continente Africano. Tinham origem principalmente dos grupos Bantos, Sudaneses,

entre outros, conforme afirmam Mello (2002) e Fontoura e Guimarães (2002). Na

África já existia a escravidão antes dos europeus chegarem, mas uma pessoa não “é”

esta condição, ela é submetida pela força, sequestro, tortura e adiante. Os africanos

possuíam as suas vidas, famílias, organização, tribos, províncias, reinos, política,

economia, religião, ciência, tecnologias, etc., e isso os foi arrancado. Os senhores

de escravos e seus subalternos foram os perpetuadores de toda a violência ocorrida

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no período da escravidão e exploração dos africanos traficados para o Brasil e seus

descendentes, foram seus opressores e exploradores.

Da mesma forma que a capoeira, os quilombos foram um importante

movimento de resistência (FONTOURA; GUIMARÃES, 2002). Mello (2002, p. 2)

acrescenta que a partir das fugas,

[...] começaram a surgir os primeiros quilombos, que eram redutos nas matas dos negros fugitivos. A formação dos quilombos foi um fenômeno que ocorreu em grande parte do território brasileiro, por onde existiu o cativeiro e constituiu-se num constante foco de tensão e ameaça à estabilidade do sistema escravagista.

Acredita-se, ainda, que os quilombos foram palco do desenvolvimento da

capoeira, pois, com a liberdade que os negros obtiveram nesse espaço, puderam

treinar livremente e se preparar para os confrontos que eram constantes. É tido

como o mais notável, o Quilombo dos Palmares, o qual teve como último e

considerado maior líder Zumbi, que se tornou um símbolo da resistência negra à

escravidão.

Outro tema abordado no tópico “Aspectos sociais da capoeira” é sobre as

revoltas das senzalas. Estas, estão relacionadas à capoeira e a luta dos negros pela

sua liberdade. Na obra Rebeliões da Senzala, Moura (1981) afirma que as revoltas

foram uma das formas de luta dos escravos, igualmente a fuga e o quilombo. A

revolta das senzalas são diversas insurgências que ocorreram por todo o Brasil, na

qual os negros se rebelaram contra seus opressores e sua condição de escravos.

Dentre as revoltas conhecidas, citamos a Revolta dos Malês, considerada a

maior revolta de escravos com o uso da capoeira. Outras revoltas citadas por Moura

(1981) são: a revolta de Manoel Congo, Farroupilha e a Cabanagem. Esta última,

ocorrida no Grão-Pará (atualmente Pará) não foi organizada pelos negros.

Entretanto, eles participaram diretamente na busca de mudança da realidade vivida

por eles. Seria de grande relevância o estudo dessa revolta pela sua regionalidade.

Porém, não foi encontrada correlação com a capoeira (MOURA, 1981).

2.3 FUNDAMENTOS DA CAPOEIRA

De forma bem direta, Fontoura e Guimarães (2002) detalharam os tipos de

fundamentos relativos aos golpes e movimentações da capoeira em: a) fundamentos

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básicos (FB); b) fundamentos defensivos (FD); c) fundamentos ofensivos (FO); d)

fundamentos acrobáticos (FA); e) fundamentos desequilibrantes (FDES). Além disso,

eles determinam que movimentos devam ser ensinados em cada série. Porém,

neste último citado, encontrou-se algumas discordâncias. Enquanto para a primeira

série treze fundamentos seriam ensinados, para a segunda série seriam apenas

cinco. Outra problemática foi a complexidade de alguns movimentos sugeridos para

estas séries.

Dentro da dinâmica da produção desta proposta de sistematização para o

ensino da capoeira, no primeiro ciclo do Ensino Fundamental, com planos de ensino

e planos de aula, as problemáticas encontradas incitaram uma nova sistematização.

Nesse sentido, indicamos os seguintes fundamentos: Para o primeiro ano a cadeira,

ginga (FB), descida básica, desvio de frente, negativa (FD), benção (FO), aú simples

e base da ponte (FB). Para o segundo ano a ginga trocada (FB), cocorinha, queda

de quatro (FD), meia lua de frente, meia lua de compasso com as duas mãos (FO)

macaco e parada de cabeça com auxílio (FA). E para o terceiro ano a esquiva

paralela (FB), armada, queixada direta (FO), aú com uma das mãos, bananeirinha e

parada de mão com auxílio (FA).

Tendo em vista a abordagem que se utilizou para o conteúdo capoeira na

Educação Física, pontuações são necessárias. Uma delas é a relação da técnica e

as teorias críticas da educação física.

2.3.1 O ensino da técnica

O Coletivo de Autores (2009) fez uma grande discussão sobre as abordagens

não críticas da educação física. Inclusive as de tendência tecnicista, na qual a

técnica, a execução de movimentos perfeitos, passavam a ser o fim e não o meio

para que possa haver uma partida de um esporte, um jogo ou ainda correr, saltar,

etc. E, também, quando se era exigido o rigor técnico do esporte de alto rendimento.

O posicionamento do Coletivo de Autores (2009), no entanto, não é contrário

ao ensino da técnica, como é demonstrado na seguinte citação:

[…] Então, não vamos ensinar técnicas? As técnicas são conhecimentos dispensáveis? Comecemos pela resposta à segunda pergunta. O conhecimento da técnica não é, em absoluto, dispensável. Contudo, afirmar a

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necessidade do domínio das técnicas de execução dos fundamentos das diferentes modalidades esportivas não significa polarizar nosso pensamento em direção ao rigor técnico do esporte de alto rendimento. As técnicas devem ser compreendidas como instrumentos necessários de um jogo, de uma série de ginástica, de passos de uma dança etc. Entretanto, cumpre assinalar que, durante a execução, o que prevalece na consciência do executante é o resultado que essas técnicas têm para o sucesso do jogo, da série de ginástica ou dos passos de dança. (COLETIVOS DE AUTORES, 2009, p. 84)

É chamada a atenção ainda para os diferentes níveis de aspirações,

interesses e motivações que os alunos podem ter quanto a realização de

determinada técnica. Assim, entende-se que o nível técnico entre os alunos poderá

variar. Porém, a técnica não estará sendo menos exigida de alguns em detrimento

de outros, tampouco será ensinada de forma meramente ilustrativa.

Na crítica feita ao Livro Didático Público da Educação Física por Gilioli e

Galuch (2014), averiguou-se o desprestigio da padronização e a técnica. Como os

próprios autores debatem que educar é propor modelos ou perfis desejáveis. E, que,

todavia, podem não ser atingidos nas aulas, mas servirão como norteamento e não

como inibidor da individualidade ou originalidade da criança.

É dito sobre a técnica que, em alguns momentos, o mais importante era a

ludicidade, não considerando a técnica como fator decisivo para determinadas

modalidades. O que faz retornar e reafirmar o debate aqui já feito quando os autores

dizem que “[...] a crítica deve se referir ao fato da técnica ter se tornado um fim em si

mesmo” (GILIOLI; GALUCH, 2014, p. 7) e não o meio ou o facilitador, seja no

esporte, no jogo, nas danças, na ginástica, na luta ou na capoeira.

2.4MUSICALIDADE E RITMICIDADE DA CAPOEIRA

Na busca por entender a sistematização feita por Souza e Oliveira (2001)

sobre os “fundamentos” instrumentais/rítmicos e musicais, encontraram-se diversas

generalizações sobre a terminologia. Alguns artigos referiam-se à musicalidade

como sinônimo de música, outrora ritmicidade, como de música e ritmo, o que incitou

a busca pelo entendimento destes conceitos.

Apropriando-se de Beling (2014), o qual, intermediando um debate entre

diferentes autores e estudiosos do campo da música e educação musical, cita

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conceitos comumente tidos como certos, entretanto equivocados. O autor conceitua

a musicalidade “como uma forma de expressão humana de caráter universal,

presente em todos e sujeita à lapidação; lapidação que se dá, assim como a

apropriação da fala, por meio das relações históricas e sociais do homem” (BELING,

2014, p. 03). Ou seja, todos têm musicalidade, inclusive um pássaro. Enquanto que

a música é conceituada como

[...] uma forma universal de linguagem [...] atividade organizada que provêm da existência da musicalidade. [...] Tudo aquilo que é feito com a intenção de comunicar um conceito a alguém que compartilha do mesmo contexto sociocultural, mas que se vale ou se expressa por meio de gestos ou idéias musicais (BELING, 2014, p. 5-6).

Quando se fala de ritmicidade e ritmo, as palavras aparecem como sinônimos

ou conceituações não bem definidas, similarmente a musicalidade e música. Assim,

por uma analogia entre a relação entre as palavras música e musicalidade,

entendemos que musicalidade é mais elementar e abrangente que a música.

Presume-se, então, que a relação entre as palavras ritmo e ritmicidade sejam

similares. Ritmo seria uma parte ou produto da ritmicidade, assim como a música é

da musicalidade.

Esta analogia para a tentativa de diferenciar estas duas palavras parece mais

razoável quando, já no contexto da capoeira, Guimarães e Silva (2016) dizem que a

relação da ritmicidade com a capoeira ocorre “por meio das músicas, do ritmo, da

maneira de tocar o instrumento, da afinação do instrumento, até mesmo de como

fazer os movimentos”.

Atualmente, é impossível compreender a capoeira sem a ritmicidade e os

seus pormenores, e que “hoje é quase impossível conceber uma roda de capoeira

sem o uso ou toque dos berimbaus, pois este se tornou um símbolo da capoeira”.

(SILVA, 2003 apud GUIMARÃES; SILVA, 2016, p. 4).

Igualmente, a capoeira seria inconcebível sem música, a musicalidade e o

ritmo. Logo, por compreender que a musicalidade engloba a música e a ritmicidade

também engloba o ritmo, estes termos foram escolhidos na perspectiva denão negar

da riqueza que os conteúdos da capoeira possuem.

Encontraram-se diversos elementos da musicalidade e da ritmicidade que

durante o processo histórico de criação da capoeira tornaram-se parte dela. Nesse

sentido, propomos um tópico denominado: “Musicalidade e Ritimicidade”. Dentro

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deste tópico, serão tratados os seguintes conteúdos: a) as palmas; b) a identificação

dos instrumentos e seus sons (berimbau, caxixi, pandeiro, atabaque, agogô e reco-

reco); c) oficina para a produção de um ou mais instrumentos; d) o canto e músicas.

2.4.1 Palmas

Há dois tipos de palmas utilizadas na capoeira, as palmas utilizadas no início

da capoeira e ainda na Capoeira de Angola, que são nomeadas de palma de terreiro

ou palma praieira. Na Capoeira de Angola há mestres que não utilizam as palmas,

por considerar mais importante o capoeirista concentrar-se na música e na melodia

dos instrumentos. Na Capoeira Regional, o Mestre Bimba criou a chamada palma de

Bimba. Na Capoeira Contemporânea, ambas são utilizadas. Dependendo do grupo,

do mestre, tipo de jogo e toque dentro da roda, somente uma ou ambas as palmas

são utilizadas (GRUPO DE CAPOEIRA ALTO ASTRAL)

As palmas têm a complexidade rítmica mais básica dentro da capoeira. Por

isso, podem aparecer como conteúdo do primeiro ano do Ensino Fundamental. Para

o ensino efetivo delas – como não haverá a priori distinção se capoeira de angola ou

regional – será apresentado para este ciclo a palma de bimba. Esta escolha se deve

em virtude da sua complexidade rítmica ser menor, pelo caráter de organização e

identificação dos dados da realidade a que este ciclo é proposto.

2.4.2 Identificação dos instrumentos e seus sons

Pela lógica proposta anteriormente nas “palmas”, esse conteúdo tem por

objetivo a identificação dos instrumentos da capoeira, seu ensino, permanecendo

também, no primeiro ano. Isto é, conhecer de fato os instrumentos utilizados na

capoeira, os seus nomes, saber como escrevê-los, reconhecer os sons que

produzem, como esses sons são “tirados” e a origem desses instrumentos (africana,

europeia, árabe, etc.).

O toque dos instrumentos é uma parte extremamente importante, pois é

fundamental na roda de capoeira justamente por fazer parte da musicalidade e da

ritmicidade. Com base na espiral do conhecimento e do ensino e aprendizagem, em

todos os anos, os alunos aprenderão o toque dos instrumentos, do mais simples ao

mais complexo e aprofundando os conhecimentos.

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No caso específico deste estudo, propomos para o primeiro ano, que o toque

do instrumento que será ensinado/aprendido é o toque básico do agogô,

confeccionado a partir do ouriço da Castanha do Pará. Para o segundo ano, o toque

básico do reco-reco. E no terceiro ano, o toque básico do atabaque.

2.4.3 Produção dos instrumentos

A produção dos instrumentos da capoeira é essencial para o processo

dialético de aprendizagem, que busca conhecer a essência de determinado objeto,

cada componente e sua totalidade. Logo, ao pensar na capoeira, na sua

musicalidade e ritmicidade, chegaríamos a pergunta: Quais os instrumentos da

capoeira? Como tocá-los? Quem os produz? E, finalmente, podemos produzi-los?.

Souza e Oliveira (2001) falam da confecção de instrumentos com materiais

alternativos, acrescenta-se, neste estudo, materiais artesanais. Desta forma, para o

primeiro ciclo será produzido o agogô de castanha do Pará, que de acordo com a

regionalidade e cultura do local, escola, alunos, pode ser adaptado para o agogô de

coco ou ainda de sapucaia. No segundo ano, o reco-reco de bambu. E no terceiro o

atabaque, com baldes, caixas ou outros materiais.

Ressalta-se a necessidade de que o professor e os alunos tenham os

materiais tal como desenvolvidos nos grupos de capoeira, com a qualidade

necessária para o bom desenvolvimento do ensino.

2.4.4 O canto e músicas na capoeira

A capoeira tem uma relação de ensino aprendizagem muito interessante que

ocorre pelo canto. Esta relação é basicamente pelo “solista” (também chamado de

cantador ou puxador) e o coro. O solista geralmente é o mestre, ou alguém

autorizado por ele, a cantar o solo das músicas. Ou seja, canta a parte principal das

músicas sozinho. O coro é composto pelos demais capoeiras na roda. Não participa

do coro o solista e os que estão jogando no meio da roda (GOMES; FERNANDES,

2005; SIMÕES, 2008;PIROŠÍKOVÁ, 2013)

Com base nestes elementos, propõe-se que a relação solista e coro, pergunta

e resposta, ensinamento e reafirmação compreendidos como elementos base

devem ser parte do ensino no segundo ano. Já o elemento relacionado a

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intencionalidade do canto, ladainha, para o terceiro ano. E para ciclos seguintes, os

demais elementos: chula (também louvação), corridos e quadras.

As músicas estão interligadas ao canto, aos fundamentos e à roda de

capoeira. Este elemento da musicalidade e ritmicidade representa uma mensagem a

ser passada dentro dos códigos da capoeira. Pirošíková (2013) analisou diversas

“cantigas” e a suas temáticas. Após essa análise, o autor ressalta a importância de

conhecer e entender o significado das cantigas. Entre as temáticas identificadas o

autor pontua cantigas sobre: a roda e os jogos; a cultura, folclore e história;

personagens; lugares importantes; sentimentos (de emoção, paixão e amor) e;

grupos de Capoeira (PIROSÍKOVA, 2013).

Além do conhecimento que as músicas de capoeira trazem e a sua relação

com realização da roda de capoeira, elas podem servir de instrumento para

relacionar os conteúdos desenvolvidos nas aulas. Nesse sentido, sugerimos que no

primeiro ano, deve ser trabalhada a música “História da Capoeira”, ou outras que se

correlacionem com a história. No segundo ano, “A roda já vai começar”,

correlacionando aos fundamentos ensinados ou à roda de capoeira. No terceiro ano,

relativo ao toque dos instrumentos da capoeira, a canção “É só prestar atenção”.

Estas são apenas sugestões, que podem ser seguidas ou modificadas de

acordo com o professor. O importante é que não se perca a intencionalidade

presente no tópico desenvolvido para que os alunos tenham a vivência com as

músicas em sua íntima relação com o desenvolvimento da capoeira.

2.5 RODA DE CAPOEIRA

A capoeira passou por diversos momentos históricos. Da mesma forma, a

roda de capoeira nem sempre teve as mesmas características que tem hoje.

Conduru (2008) argumenta que muitas pessoas afirmam que havia a prática da

capoeira desde o Quilombo dos Palmares, como pontuado no conteúdo específico

da história. Porém, não há documentação que comprove, tampouco fale da roda de

capoeira.

Provavelmente, as referências mais próximas do seu primórdio, que se tem

registro, são as obras de arte de Johann Moritz Rugendas, Augustus Earler e Paul

Harro-Harring. Na obra de Rugendas de 1835 intitulada “Jogar Capoeira” é possível

notar que a roda era feita em local aberto, em forma de semicírculo, dois jogadores

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homens, tendo homens, mulheres, e as vezes crianças, assistindo, acompanhado de

palmas e toque de tambor (CONDURU, 2008; ASSUNÇÃO, 2012).

Até aproximadamente 1890, período relativo ao surgimento das maltas, pouco

se sabe sobre as características das rodas de capoeira. Com exceção ao caráter de

marginalização e dos “valentões”. De 1890 a 1930, época de grande repressão à

capoeira e as maltas, sendo a prática da capoeira decretada crime, novos elementos

surgiram. Como Assunção (2012) estima, o berimbau foi incorporado à capoeira por

volta do final do século XIX ao XX e

Algumas décadas depois [...] todas as fontes concordam em que não se usava mais o atabaque, mas apenas berimbaus e pandeiros. Vez por outra eles eram suplementados por outros instrumentos de percussão, como o chocalho, o reco-reco e o agogô. Tocavam-se até violas e cavaquinhos [...] Além disso, os berimbaus não se restringiam necessariamente a três. As primeiras fotografias e desenhos das baterias de capoeira confirmam essa flexibilidade do número de berimbaus e pandeiros (ASSUNÇÃO, 2012, p. 12)

Assim, a capoeira não era uma manifestação formalizada ou padronizada,

pelo contrário, estava ainda em formação. O autor cautelosamente sugere que

“Seria possível dizer que, em épocas de maior repressão policial, era difícil fugir com

um tambor pesado, daí a introdução do berimbau” (ASSUNÇÃO, 2012, p. 12).

No período pós 1930, com o golpe de estado, que culminou na tomada de

poder por Getúlio Vargas, a capoeira ganhará prestígio e passará por um processo

de “escolarização”, como afirma Conduru (2008), duas serão, então, as perspectivas

de roda de capoeira. A primeira, a roda de capoeira de Angola, que segundo

Gonzalez, Darido e Oliveira (2014, p. 73)

é jogada em um ritmo mais lento, de forma rasteira, com grande utilização das mãos no solo, como apoio. É um jogo malicioso e teatralizado, com movimentos encadeados que buscam surpreender o outro capoeirista, porém com golpes menos combativos.

E os instrumentos que compõem a bateria são três berimbaus (Gunga ou

Berra-Boi, Médio e Viola ou Violinha), um atabaque, dois pandeiros, um reco-reco e

um agogô (FERNANDES, 2003)

A segunda, a capoeira regional que tem um “ritmo rápido, com movimentos

velozes e objetivos, realizado em um nível mais alto - mais em pé - e busca se

aproximar do companheiro” (GONZALEZ; DARIDO; OLIVEIRA, 2014, p. 73). Sobre

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os instrumentos, Fernandes (2003, p. 8) diz que “[...] geralmente, está presente só

um berimbau e um pandeiro”. Além disso, Pirošíková (2013) acrescenta que novos

elementos combativos provindos do batuque foram adicionados, assim como contato

dois a dois (cintura despreza), o batizado e a formatura.

Por fim, na capoeira contemporânea, conforme Pirošíková (2013) ressalta, os

elementos dos dois tipos de roda de capoeira podem se misturar numa fusão.

O que deve ser ensinado para o primeiro ciclo sobre a capoeira, então?

Sugere-se que sejam os elementos mais básicos da roda de capoeira, conforme

explicitados por Gonzalez, Darido e Oliveira (2014) na citação abaixo:

é realizada em uma roda, formada por capoeiristas que tocam, batem palmas e cantam para aqueles que estão jogando e para os que estão assistindo [...]A roda é formada por uma bateria de instrumentos e os mais utilizados são o pandeiro, o atabaque e o berimbau [...] É o berimbau quem dita o ritmo, a forma de jogar e o que será realizado na roda [...] O jogo começa com os alunos abaixados no ‘pé do berimbau’ [...] Eles devem cumprimentar-se e sair em aú (o mais comum), mas também podem fazer uma negativa/rolê, bananeira, dentre outros. [...] Para finalizar o jogo o capoeirista sinaliza para o outro com as mãos, cruzando os punhos, ou apenas dando uma das mãos ao outro, cumprimentando-o. Todo jogo deve terminar com um aperto de mãos, ou até um abraço, entre os capoeiristas em sinal de respeito e agradecimento ao companheiro pelo jogo realizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou contribuir com o trabalho pedagógico dos professores

de educação física para o trato com a capoeira no primeiro ciclo do Ensino

Fundamental. Considera-se de extrema importância que estes docentes

sistematizem o ensino da capoeira de maneira crítica para que esse conhecimento

seja parte essencial das aulas de educação física.

Este artigo contribuiu com uma proposta de sistematização dos conteúdos

para o primeiro ciclo e com uma unidade didática que pode ser desenvolvida ao

longo de todo o processo de escolarização numa perspectiva espiralada, com os

seguintes eixos temáticos: a) História da capoeira; b) aspectos sociais da capoeira;

c) Musicalidade e ritmicidade; d) Fundamentos; e) roda de capoeira.

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Conclui-se que essa proposta pedagógica possui os elementos didático-

pedagógicos imprescindíveis para o processo de ensino-aprendizagem da capoeira

na educação física escolar, para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental.

Reforça-se a intencionalidade do trabalho aqui desenvolvido para o

oferecimento de uma nova perspectiva de trabalho na realidade dos professores e

alunos que o utilizarão. Entretanto, faz-se pertinente, ainda, o desenvolvimento de

pesquisas semelhantes para os outros conteúdos da educação física e a produção

de outros recursos pedagógicos que venham a contribuir com o trabalho docente e

discente. Assim, permite-se que a educação física supere o espaço marginal no

âmbito escolar, compreendendo-a como socialmente relevante na formação humana.

THE TEACHING OF CAPOEIRA IN THE FIRST CYCLE OF ELEMENTARY EDUCATION: Systematization of knowledge and pedagogical treatment from the

body culture

ABSTRACT This work is based on the need for a systematic and coherent orientation for the pedagogical practice of physical education teachers, specifically for the treatment of capoeira in the first cycle of elementary education. Its main objective is to contribute with theoretical and methodological elements of capoeira teaching. It is based on the theoretical contribution of the critical-overcoming approach and the historical-critical pedagogy. It uses historical-dialectical materialism and is characterized as a qualitative and exploratory study. It was carried out from a literature review, addressing the following themes: the knowledge already produced about capoeira and teaching methodology. The study results in a systematization of the content capoeira for the first cycle of elementary education, explaining in details each topic of the content to be developed. It concludes that this pedagogical proposal has the necessary didactic-pedagogical elements for the teaching-learning process of capoeira in the physical education at school, for the first cycle of Elementary School. Keywords: Education. Physical Education. Capoeira. Content. REFERÊNCIAS

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