A experiência discursiva no cotidiano escolar de crianças pequenas

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Educ. foco, Juiz de Fora, v. 13, n. 2, p. 211-228, set 2008/fev 2009 A EXPERI¯NCIA DISCURSIVA NO COTIDIANO ESCOLAR DE CRIANÇAS PEQUENAS: REFLEX›ES SOBRE A IMPORT˜NCIA DA LINGUAGEM Nathalye Nallon Machado Ribeiro 1* Resumo Este artigo discute a importância da linguagem para o desenvolvimento, aprendizagem e construção da subjetividade em crianças da Educação Infantil. Fundamentado nos estudos dos teóricos Lev S. Vygotsky e Mikhail Bakhtin, o presente artigo é resultado de uma pesquisa realizada com crianças de 4 e 5 anos em uma escola municipal de Juiz de Fora, MG. Os diálogos e a interação social desempenham um papel importante na formação e organização do pensamento; e a linguagem, nessa relação desenvolvimento/aprendizagem tem um papel fundamental, pois através dela ocorre a socialização da criança, a estruturação do pensamento e o surgimento de funções psicológicas superiores. Considerando que a linguagem é a chave para a existência do pensamento, são destacadas as possibilidades que os estudos sobre esta ciência fornecem para o entendimento das interações entre as crianças pequenas e o mundo adulto – representado pelas profissionais da Educação Infantil. Palavras-chave: Educação Infantil. Interação. Linguagem. * Mestre em Educação pela UFJF. Professora da Rede Municipal da mesma cidade. [email protected]

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A EXPERI¯NCIA DISCURSIVA NO COTIDIANO ESCOLAR DE CRIANÇAS PEQUENAS: REFLEX›ES SOBRE A IMPORT˜NCIA DA LINGUAGEM

Nathalye Nallon Machado Ribeiro1*

ResumoEste artigo discute a importância da linguagem para o desenvolvimento, aprendizagem e construção da subjetividade em crianças da Educação Infantil. Fundamentado nos estudos dos teóricos Lev S. Vygotsky e Mikhail Bakhtin, o presente artigo é resultado de uma pesquisa realizada com crianças de 4 e 5 anos em uma escola municipal de Juiz de Fora, MG. Os diálogos e a interação social desempenham um papel importante na formação e organização do pensamento; e a linguagem, nessa relação desenvolvimento/aprendizagem tem um papel fundamental, pois através dela ocorre a socialização da criança, a estruturação do pensamento e o surgimento de funções psicológicas superiores. Considerando que a linguagem é a chave para a existência do pensamento, são destacadas as possibilidades que os estudos sobre esta ciência fornecem para o entendimento das interações entre as crianças pequenas e o mundo adulto – representado pelas profissionais da Educação Infantil. Palavras-chave: Educação Infantil. Interação. Linguagem.

* Mestre em Educação pela UFJF. Professora da Rede Municipal da mesma cidade. [email protected]

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AbstractThis article argues the importance of the language for the development, learning and construction of the subjectivity in children of the Children Education. Based on the studies of the theoreticians Lev S. Vygotsky and Mikhail Bakhtin, the present article is resulted of a research carried through with children of 4 and 5 years in a municipal school of Juiz De Fora, MG. The dialogues and the social interaction play an important role in the formation and organization of the thought and the language, and this relation development and learning have a basic paper, therefore through it occurs the socialization of the child, the structure of the thought and the sprouting of superior psychological functions. Considering that the language is the key for the existence of the thought, the possibilities are detached that the studies on this science supply the agreement of the interactions between small children e the adult world - represented by the professionals of the Children Education.Keywords: Children Education. Interaction. Language.

Resumé

Cet article discute l’importance de la langue pour le développement, l’étude et la construction de la subjectivité chez les enfants de l’éducation d’enfants. Basé sur les études des théoriciens Lev S. Vygotsky et Mikhail Bakhtin, l’article actuel est résulté d’une recherche exécuté avec des enfants de 4 et 5 ans dans une école municipale de Juiz de Fora, MG. Les dialogues et l’interaction sociale jouent un rôle important dans la formation et l’organisation de la pensée et de la langue, et ce développement de relation et l’étude ont un papier de base, donc par lui se produisent la socialisation de l’enfant, de la structure de la pensée et de la germination des fonctions psychologiques supérieures. Considérant que la langue est la clef pour l’existence de la pensée, on détache les possibilités que les études sur cette science assurent l’accord des interactions entre les petits enfants e le monde d’adulte - représenté par les professionnels de l’éducation d’enfants. Most-clés: Éducation D’Enfants. Interaction. Langue.

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É possível que não sejamos mais que uma imperiosa ne-cessidade de palavras, pronunciadas ou escritas, ouvidas ou lidas, para cauterizar a ferida. Cada um tem a sua lista [...]. E cada um dispõe, também, de uma série de tramas nas quais as entrelaça de um modo mais ou menos coerente. E cada um tenta dar um sentido a si mesmo, construindo-se como um ser de palavras a partir de palavras e dos vínculos narrativos que recebeu.

Jorge Larrosa

Homens e mulheres são seres sociais que, ao nascer, trazem consigo elementos de natureza biológica. Lev Seminivich Vygotsky considera esses dois aspectos: cultural e natural, em seus estudos so-bre o desenvolvimento. O ser humano se distingue do animal por ter a capacidade de expressar-se através de uma linguagem que extrapola os limites da comunicação, ou seja, comunica-se mas também registra a sua história e a repassa através das gerações, construindo costumes, agregando valores e deixando um legado cultural àqueles que estão por vir. Com Vygotsky (1995) é possível compreender que é pela lin-guagem que os seres humanos diferenciam-se dos animais inferiores. Outro teórico russo, Mikhail Bakhtin, preocupou-se de forma espe-cial com a influência da linguagem na constituição da subjetividade. Um importante ponto de confluência entre os dois autores refere-se ao aporte da linguagem no estudo das realidades humanas.

A experiência histórico-cultural é determinante para a humanidade, uma vez que somente essa espécie de ser vivente é capaz de se apropriar da experiência acumulada pela sua espécie ao longo da história. Bakhtin anuncia que o homem não apenas nasce, mas passa a fazer parte de um contexto social. “Não se nasce organismo biológico abstrato, mas se nasce camponês ou aristocrata, proletário ou burguês.” (BAKHTIN, 1980, p. 34 apud FREITAS, 2001, p. 178). Nesse processo, a linguagem assume pa-pel fundamental e, considerando este aspecto, o presente artigo reflete sobre a importância dessa faculdade humana na Educação Infantil. Trata-se de um recorte da pesquisa intitulada “Diálogos na Educação Infantil”, realizada nos anos de 2005 e 2006, cujo objetivo foi compreender, através dos discursos das crianças com as professoras, a concepção de educação infantil da instituição.

Neste texto, são destacadas as possibilidades que os estu-dos sobre a linguagem fornecem para o entendimento das intera-

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ções entre as crianças pequenas e o mundo adulto – representado pelas profissionais da Educação Infantil. Por sua natureza dialógica, a linguagem permitiu focar as crianças em seus discursos com seus interlocutores. Desta forma, as vivências infantis na escola, foram analisadas considerando as contribuições dos teóricos da lingua-gem, do desenvolvimento e da interação.

Diferentemente dos animais, o desenvolvimento humano conta com um outro tipo de experiência: a experiência histórico-social, que não coincide com a experiência gerada pelo desenvolvi-mento da espécie - filogênese - nem com a experiência individual adquirida ao longo da vida. Vygotsky afirma que “a natureza do próprio desenvolvimento se transforma, do biológico para o sócio-histórico” (VYGOTSKY, 1995, p. 44).

É coerente dizer que as crianças que vivem hoje na socie-dade de informação desenvolvem novas estratégias comunicativas e novas formas de relação interativa em função do meio social, uma vez que “o crescimento intelectual da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem.” (VYGOTSKY, 1995, p. 44). O desenvolvimento da espécie humana, da experiência adquirida pelo grupo social é facilmente observável no comportamento das crianças. Tais manifestações são corriquei-ras também no cotidiano escolar. Vejamos este episódio, fragmento de uma vídeo-gravação realizada na sala de atividades da Educação Infantil, onde a pesquisa foi desenvolvida:

As crianças da turma de 4 anos estão brincando na sala de atividades com blocos de madeira e outros brinquedos e materiais, não há direcionamento na brincadeira por parte da professora, a brincadeira é livre. Juliana1 brinca em uma mesa com muitos Lig-lig (pinos de encaixar) e outros blocos; as colegas vão se aproximando, conforme ela vai falando e brincando.

Juliana: - Aqui a gente pode brincar sentado!Juliana pega um bloco de madeira e começa uma brincadei-

ra de faz-de-conta que é um celular: - Alô. Alô!! Oi...Maria Laura também pega um bloco para ser seu celular.- Alô, vou precisar de ajuda...Júlia Barcelos: - Eu também quero um celular!Paula: - Compra lá na loja! Faz isso!

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Quando Paula diz para Júlia: - Compra lá na loja. Faz isso!, é possível, com essas duas pequenas orações, compreender a trajetória histórico-cultural da linguagem, na qual os aspectos cognitivos e sociais de Paula estão presentes. Através das experiências com a cultura, a inte-ração com grupos sociais, o contato com diferentes formas midiáticas, entre outros, vão se delineando novos contornos à subjetividade que por sua vez, encontra-se em constante transformação. O outro é nosso interlocutor constante, pelo outro e com o outro torna-se possível a constituição do “eu”. Sobre isso, Bakhtin nos diz:

Tudo o que me diz respeito, a começar pelo meu nome, chega do mundo exterior à minha consciência pela boca dos outros [...] com a sua entonação, em sua tonalidade valorativo-emocional. A princípio eu tomo consciência de mim através dos outros: deles eu recebo as palavras, as for-mas e a tonalidade para a formação da primeira noção de mim mesmo. (BAKHTIN, 2003, p. 374).

É possível inferir que a menina Paula está atuando em um processo de significação da linguagem, processo esse compartilhado com Júlia e as outras interlocutoras; ela demonstra clareza na escolha argumentativa, evidenciando sua competência linguística. Entretanto, a fala de Paula nos deixa diante de uma situação corriqueira no nosso mundo capitalista e competitivo, que é a brevidade de satisfação do desejo, aliada à sensação de pertencimento que possuir um objeto pode traduzir diante do grupo social. No exemplo de Paula, com-preendemos o desenvolvimento ancorado nas linhas abordadas por Vygotsky, o desenvolvimento biológico e o histórico-social.

O pensamento de Vygotsky engloba, portanto, duas linhas de desenvolvimento: natural biológica e cultural sócio-histórica. A pri-meira – natural biológica – está diretamente ligada às funções mentais elementares, que são mais próximas aos instintos, são funções menos elaboradas que nascem com o indivíduo; enquanto que o desenvolvi-mento cultural liga-se às funções mentais superiores, que são caracterís-ticas do segundo nascimento do indivíduo, o nascimento social.

As funções mentais superiores são construídas no contato com o outro, culturalmente e passam pelos planos interpessoal (ação entre sujeitos) e intrapessoal (ação do sujeito). Daí a mediação assu-mir papel destacado na infinita rede de relações que se estabelecem, possibilitando o desenvolvimento de mais funções mentais superio-res, em que o sistema de signos atua.

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A centralidade da teoria vygotskyana está na afirmação de que a linguagem possibilita a construção da consciência. “A relação pensamento – linguagem é a chave para a compreensão da consci-ência humana.” (Freitas, 2000, p. 98). A linguagem surge e se de-senvolve no processo de interação, ao mesmo tempo em que a pos-sibilita. Portanto a aprendizagem constitui-se como um elemento que não se efetiva sem a interação, visto que depende da linguagem. A linguagem também oportuniza a formação do pensamento, dos conceitos científicos trabalhados em uma relação de aprendizagem promotora do desenvolvimento.

Volto, mais uma vez, ao episódio no qual as meninas brincam de faz-de-conta com blocos de madeira. Trata-se de um jogo imagina-do, que embora não haja deslocamento de um papel para outro – as meninas continuam a ser elas mesmas, mas agem em uma situação que ainda não podem protagonizar – há a projeção de uma situação em que a criança reproduz modelos sociais e, com isto, tem a oportunidade de re-elaborar experiências, criando uma nova realidade, realidade essa que vem ao encontro das preferências e necessidades de quem brinca, por exemplo. Entretanto, embora trate-se de uma situação inovadora, a criança considera as regras [- Compra na loja. Faz isso! ], em termos do que é pertinente a um papel social, do que é apropriado ao agir com as coisas [- Também quero um celular! ] e de como organizar para que possa acontecer o evento. Toda a brincadeira acontece em função do diálogo do qual as meninas participam; portanto, a linguagem, que tem como material a palavra, pode desenvolver-se como linguagem interior e também consciência. Ainda em relação à palavra, cabe salientar que é elemento privilegiado da comunicação na vida cotidiana, elemento este que acompanha toda a criação, presente em todos os momentos tanto interpretativos como também de compreensão.

A experiência com a linguagem impulsiona diferentes ações do pensamento e, sendo assim, cabe à escola repensar sua prática de modo que a experiência narrativa não fique limitada e que as crianças possam ter acesso aos vários gêneros do discur-so desde muito pequenas. Na pesquisa realizada, momentos de interação e brincadeira foram privilegiados pela professora. Ao planejar um espaço para brincadeira livre na sala de atividades, a professora Simone concebe a infância como uma etapa da vida em si, com necessidades próprias; a criança como sujeito real que vive essa fase da vida e a escola das crianças como um local onde o importante é o presente que se vive. As formas de interação

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que são eleitas na escola compreendem elementos para reflexão e análise que demandam investigação e estudo, principalmente por nós, educadores e pesquisadores da infância.

Durante as brincadeiras livres presenciadas, concluí que havia esse entendimento por parte da professora, que permitia – ao destinar um horário que constava da rotina diária – um espaço de brincadeiras escolhidas pelas crianças. Nesse momento, da brincadeira livre, foi pos-sível perceber que aquela sala de atividades era da criança e não para a criança. Havia a possibilidade de a criança protagonizar sua infância. A professora não só reconhecia a brincadeira como importante na rotina diária das crianças, como também sabia que era fundamental observar as crianças brincando. Vejamos o episódio a seguir:

Cristiana está em pé olhando a mesa de Juliana e das outras meninas que brincam de faz-de-conta com os blocos como se eles fossem telefones celulares. A menina observa atentamente as outras colegas, mas não se aproxima, mantendo-se em pé, como expec-tadora, olhando, sem desviar sua concentração, a brincadeira das colegas. Essa cena parece incomodar a professora Simone.

Professora: - Cristiana, vai brincar com os amigos!Cristiana olha para a professora Simone e nada responde.Professora: - Não vai brincar, não? Vai fi car parada aí? Vai

até ali oh [mostra a mesa onde estão as meninas que Cristiana ob-serva]... Quer? Ali oh os amigos!

Cristiana não vai, mas continua a olhar as brincadeiras.A professora chama Heloísa e diz para ela: - Heloísa, chama a Cristiana para brincar.Heloísa vai até Cristiana e a convida para participar. Cristia-

na aceita e vai para a mesa das amigas.

A professora Simone, no episódio selecionado anterior-mente, foi hábil em reconhecer sua incapacidade para interagir com Cristiana naquele momento, atentando para a necessidade de uma terceira pessoa para intervir na mediação. Nesse caso, a terceira pessoa foi Heloísa. Dessa mediação surgem, além de novas funções psicológicas, novas produções culturais, novas linguagens coletivas, novos grupos. Com isso aparecem também novas formas de agir, influenciando as singularidades que vão se constituindo, o social age transformando o coletivo em proces-sos de dimensão individual.

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A linguagem nesse processo de internalização e transformação dos elementos culturais é fundamental. Para compreender a constitui-ção da consciência, há de se entender o processo de internalização da linguagem, que é a busca pela atividade significativa, “atividade de trans-formação mediada e instrumental do meio” chegando ao significado da palavra “como uma unidade de análise (que contém as propriedades do todo), unidade esta que apresenta como elementos constitutivos e inseparáveis o pensamento e a linguagem.” (BOCK, 2001, p. 103-4). O significado da palavra é uma unidade de análise à qual Vygotsky chegou para compreender a relação pensamento/palavra; contém em si dois tópicos que são a comunicação e a generalização.

Como fenômeno da comunicação verbal, a linguagem necessita do significado que é um traço constitutivo indispensá-vel da palavra, daí a compreensão de que o significado é, tam-bém, um fenômeno do discurso.

Nas palavras de Vygotsky (1995), podemos entender que o sentido dado à palavra varia o seu significado, estando tal fenômeno intimamente ligado ao pensamento e também ao contexto em que a palavra é proferida; o significado está sempre ligado à palavra, visto que sem ele a palavra é um som oco. Tal fato se aplica tanto à lin-guagem oral quanto à generalização, que é própria ao pensamento, já que o significado é parte indissociável da palavra:

Não é simplesmente o conteúdo de uma palavra que se altera, mas o modo pelo qual a realidade é generalizada e refletida em uma palavra. [...] Para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras – temos que compreender o seu pensamento. Mas nem mesmo isso é suficiente – também é preciso que conheçamos a sua motivação[...] (VYGOTSKY, 1995, p. 105,130).

Fundamentada nos estudos de Bakhtin, também a respeito da forma e significação, Beth Braith (2003) nos diz:

Segundo Bakhtin, são os julgamentos de valor que deter-minam a seleção das palavras feitas pelo falante e a re-cepção dessa seleção (a co-seleção) feita pelo ouvinte. E esclarece que o falante seleciona as palavras não no dicio-nário, mas no contexto de vida onde as palavras foram embebidas e se impregnaram de julgamentos de valor. (BRAIT, 2003, p. 21).

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O ser humano se constitui, então, nessa relação de media-ção com o meio cultural e com os homens e mulheres que dele fazem parte, resultando em novas formas de ser e interagir no mun-do. Segundo Bakhtin (1992), a consciência se constitui na mediação das relações sociais, através da linguagem. É na comunicação hu-mana que os indivíduos representam a si próprios e o mundo, assim como significam suas ações e a realidade.

A partir do momento em que a criança começa a entender o significado das palavras nos seus contextos mais variados, ou seja, utilizando a linguagem de forma articulada - oportunizada pelo en-contro do pensamento com a linguagem -, as possibilidades de in-teração e aprendizagens significativas crescem em uma progressão bastante acentuada.

[...] num certo momento, mais ou menos aos dois anos de idade, as curvas da evolução do pensamento e da fala, até então separadas, encontram-se e unem-se para iniciar uma nova forma de comportamento. [...] Esse instante crucial, em que a fala começa servir ao intelecto, e os pensamen-tos começam a ser verbalizados, é indicado por dois sin-tomas objetivos inconfundíveis: (1) a curiosidade ativa e repentina da criança pelas palavras, suas perguntas sobre cada coisa nova (“O que é isso?”); e (2) a conseqüente ampliação de seu vocabulário, que ocorre de forma rápida e aos saltos (VYGOTSKY, 1995, p. 37).

Dessa forma, quando há na escola a compreensão de que a mediação é importante para o desenvolvimento e aprendizagem, os momentos de trocas dialógicas são vistos como parte do traba-lho pedagógico. Essa concepção de infância que entende o espaço escolar como um espaço de troca entre os pares contribui para a formação de indivíduos capazes de argumentar, capazes de resistir ao poder do discurso monológico, que oprime e impede a polifonia. As crianças desde pequenas podem ter seu discurso reconhecido e legitimado, como no exemplo a seguir.

Pedro havia saído para tomar água. As outras crianças es-tavam na sala brincando com blocos e outros brinquedos como carrinhos e bonecas. A brincadeira era livre e a professora estava sentada à sua mesa, organizando as pastas que tinham vindo de casa. Pedro volta contando que Isabel havia sido repreendida pela funcionária da escola.

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Professora: - O quê?Pedro não responde. Ela pergunta novamente:- O quê, Pedro?Maria Laura intervém: - Ôh Pedroo...Professora: - Oh Pedro! Oh Pedro! Pedro!Pedro: - Oi! Tava brincando aqui.Professora: - Por que a Lúcia [funcionária] brigou com a Isabel?Pedro: - Brigou porque ela [Isabel] tava mexendo no telefone.

[telefone público que fica no refeitório da escola].Professora: - Cadê a Isabel?Pedro: - Tá lá na sala dela... [Isabel é de outra turma, das

crianças de 5 anos].Professora: - Por que ela tava mexendo no telefone?Pedro: - Eu não mexi, não...Professora: - Sei! Mas ela, a Isabel, por que ela mexeu?Pedro: - Ah tá! Ela queria ligar para um alguém...Professora: - Ligar para alguém? Ligar para quem?Pedro: - Só pode ser para a mãe dela... [continua brincando]

Quando Vygotsky afirma que o encontro do pensamento com a linguagem possibilita a comunicação real, entendo que a lin-guagem então se estabelece, uma vez que a linguagem é um com-plexo social que se orienta na interação e para ela se volta. Observei, nesse episódio destacado, que Pedro já consegue comunicar-se uti-lizando-se de variedades linguísticas interessantes, como o uso dos pronomes de forma correta, por exemplo.

Ele infere sobre um alguém a quem Isabel poderia querer li-gar, quando fala da colega, utiliza o pronome pessoal para substituir o seu nome, dá significação à ação da colega de mexer no telefone em um momento em que não seria o mais adequado e, por isso, ser repreendida pela funcionária, justificando que “alguém” importante só poderia ser a mãe de Isabel. Com isso, quero dizer que vejo no discurso de Pedro que ele consegue se comunicar em um complexo que extrapola a significação das palavras em si. Ele compreende que a funcionária repreende Isabel por estar no telefone no mo-mento de atividades em sala, entende que há momento para se usar o telefone da escola, mas que há determinadas situações em que a urgência poderia justificar uma ação contrária à regra estabelecida e, para isso, há que se argumentar.

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Pedro interage com a professora de forma inteligível e a convence de que Isabel fizera algo e fora repreendida, porém have-ria um motivo que a teria levado a descumprir as normas de utiliza-ção do telefone. Nesse momento, aproximo a análise desse episódio à minha questão da pesquisa, que busca compreender a concepção de infância que se revela nos diálogos. Dessa forma, quando a pro-fessora busca em Pedro a compreensão para um evento no qual ela não esteve presente, está demonstrando que vê naquela criança um interlocutor competente.

Nas reflexões de Bakhtin pode-se entender o valor conferido à tarefa de buscar a compreensão da palavra do outro:

A palavra do outro coloca diante do indivíduo a tarefa es-pecial de compreendê-la. [...] As complexas relações de re-ciprocidade com a palavra do outro em todos os campos da cultura e da atividade completam toda a vida do homem. (BAKHTIN, 2003, p. 379).

Simone, a professora, soube reconhecer em Pedro, a crian-ça, seu interlocutor competente e, com isso, aproximou-se de seu discurso buscando a sua compreensão. A professora Simone não foi até a funcionária da escola e tampouco até Isabel, a garota de outra turma que estava envolvida no evento. Ela apenas conversa com Pedro. Adota uma postura de respeito e reciprocidade na troca de conhecimentos e vivências, demonstrando que para ela a criança tem opiniões a serem consideradas.

A professora Simone, nesse episódio, mostra que não é neces-sariamente a palavra do adulto que confere verdade a um evento vivido. Em seu livro Geografia da Infância – Reflexões sobre uma área de pesquisa, Jader Janer Moreira Lopes e Tânia de Vasconcellos (2005) fa-zem uma reflexão acerca das expressões cotidianas que se encarregam de delimitar espacialmente as crianças, como, por exemplo, ‘lugar de criança é na escola’ ou ‘a rua não é lugar de criança’, mostrando que os adultos, até mesmo aqueles que são atentos às demandas das crianças, são responsáveis por “traçar territórios para as crianças”.

Expressões corriqueiras [...] delimitam espacialmente o que os adultos definem por territórios destinados ou vedados para as crianças. Essa definição tem correspondência com um lugar social prescrito à infância e às instituições capazes de concretizar a ocupação desse lugar social (LOPES & VASCONCELLOS, 2005, p. 40).

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No episódio entre a professora Simone e o menino Pedro, não há delimitação hierárquica imposta no diálogo. A atitude de Si-mone frente à criança denota sua concepção de infância como tempo em si; há reciprocidade na interação. Pedro reconhece sua interlo-cutora, e a professora Simone reconhece em Pedro a competência expressiva que é possível entre adultos e entre adultos e crianças.

Ao se apropriar da linguagem e utilizá-la, a criança am-plia o seu mundo, passando a representar os objetos através das palavras. É através das palavras que o ser humano se apropria da experiência deixada pelos outros seres humanos, construindo a história de sua espécie, de seu povo, de sua região, não tendo a necessidade de vivenciar, repetir ele mesmo as situações pelas quais seus antepassados experimentaram. As tradições orais, as festas religiosas, o vocabulário, os regionalismos, tudo isso que é experiência sócio-cultural passa a integrar a vivência dos indivídu-os através da linguagem, entretanto cada um, na sua singularidade, internalizará os elementos culturais de uma forma.

A importância da linguagem no desenvolvimento da crian-ça é indiscutível, sendo que a relação significativa de interação com adultos e também com os pares de sua idade são pontos fundamen-tais que devemos considerar no cotidiano da educação de maneira geral e, na educação infantil, de forma bastante cuidadosa. Reafir-mo a compreensão que tenho de que na escola ocorrem trocas in-terativas entre crianças e entre adultos e crianças.

Assim sendo, a linguagem ocupa espaço em todos os mo-mentos do cotidiano escolar das crianças. Até mesmo em uma cena que talvez fosse completamente insignificante, como a que desta-quei acima, em que a criança utiliza os pronomes, argumenta e faz inferências sobre um fato junto a um adulto, no caso a professora. Fica perceptível que a criança tem saberes, e tais saberes são consi-derados no espaço de relações da sala de atividades.

Vygotsky (1994) diz que o aprendizado é essencial porque possibilita a interação entre sujeito, o ambiente sócio-cultural e o contato com o outro, evidenciando a importância da aprendizagem sistematizada no desenvolvimento individual. Entretanto, a apren-dizagem não começa com a vida escolar, como já amplamente foi discutido em outros estudos acadêmicos. A criança aprende na sua interação com o mundo, ou seja, muito antes de ela iniciar sua vida escolar, trazendo para a escola sua aprendizagem. Bakhtin explora a linguagem como uma das formas de constituição da individuali-

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dade, na coletividade. Para Bakhtin, a constituição de um indivíduo acontece ouvindo e assimilando as palavras e os discursos do outro (a mãe, o pai, a professora, os colegas, a comunidade etc.), fazendo com que esses ditos se processem de forma que se tornem, em par-te, as palavras do sujeito e, em parte, as palavras do outro.

Tudo o que aprendemos é através de uma experiência par-tilhada, que, interiorizada, transformar-se-á nos aprendizados in-dividuais. Retomando o episódio ocorrido no locus investigativo, pode-se observar que a trajetória cultural da aprendizagem passa, inevitavelmente, pelo discurso. Assim: na escola não se ensina como usar o telefone público, porém o aparelho aparece nas vivências das crianças no pátio e vem para a sala de atividades, ter um telefone público no pátio interferiu no cotidiano das crianças, fez com que pensassem sua utilização naquele ambiente específico. Embora não seja algo pensado para o trabalho infantil, os momentos em que se poderia usar o telefone tiveram que fazer parte da pauta de discus-são das crianças. É um aprendizado do mundo que a criança traz e que, dependendo de como a escola observa esse conhecimento, in-corpora-o, reorganiza-o, ignora-o, ou busca modificá-lo. Lidar com as coisas que estão no mundo é fazer parte do mundo como alguém que é em tempo presente. Os autores portugueses Manuel Pinto e Manuel Jacinto Sarmento esclarecem sobre ser sujeito de direitos:

A consideração das crianças como actores sociais de ple-no direito, e não como menores ou como componentes acessórios ou meios da sociedade dos adultos, implica o reconhecimento da capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas represen-tações e crenças em sistemas organizados, isto é, em cul-turas (SARMENTO & PINTO, 1997, p. 20).

Quando considera que há na criança um conjunto de fa-tores que interferem na sua individualidade, a escola reconhece essa criança como agente de sua própria vida. Ainda que não se constitua como agente livre, fica claro que se trata de pessoas vi-venciando uma etapa fundamental da vida. Sendo assim, a escola também se reconhece como uma instituição que faz parte da vida dessa criança, embora não seja a única nem exclusiva forma de contato da criança com as formas de aprender.

É importante salientar que a mediação entre os indivíduos é uma forma privilegiada de aprendizagem, apropriação cultural e

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também de construção da identidade. É através da interação com o outro que posso ser eu mesma, posso me situar no mundo como ser humano singular, porém, historicamente constituído. Assim, quan-do a escola possibilita as interações, os diálogos, e é sensível para o fato de que a criança é diferente do adulto – tanto física quanto psicologicamente – realiza o seu trabalho evitando o pré-formismo, evitando a ação centrada na perspectiva quantitativa de desenvolvi-mento, evitando dirigir o olhar para o que falta à criança.

A escola é entendida como um importante espaço de intera-ção e participação colaborativa entre os pares, portanto, local onde o diálogo e a mediação podem acontecer favorecendo a realização de atividades que despertem a Zona de Desenvolvimento Proximal2, con-ceito ao qual Vygotsky dedicou parte significativa de seus estudos.

O processo interativo colabora para que a criança aprenda o que é ser humano, o que é ser homem/mulher, para que compreenda as relações culturais e também os conhecimentos acumulados por sua espécie ao longo da história, sendo, portanto, rico em possibilida-des para que as crianças se desenvolvam.

Por ser um lugar essencialmente dialógico, a escola represen-ta várias possibilidades para que aconteça a aprendizagem e também o desenvolvimento. Pela perspectiva da interação, avancei em minha compreensão sobre a infância e a educação infantil na pesquisa rea-lizada e que permitiu inferir essas reflexões nesse texto. Através dos diálogos na sala de atividades, percebi que muitos aspectos do desen-volvimento, da cultura e da aprendizagem fazem parte do cotidiano da instituição na qual pesquisei. Entretanto, faço a observação de que, nessa mesma instituição, há momentos nos quais há a escolha, priori-tariamente, da cognição como objetivo dos trabalhos das crianças.

Essa “fragilidade” na consolidação efetiva e cotidiana de uma prática dialógica e discursiva – portanto emancipatória – ainda não se faz presente em todos os momentos da vivência escolar das crianças. Para a escola ser um espaço de produção e de apropriação de dife-rentes gêneros de discurso3, é necessário se abrir às diferentes práticas sociais e não ficar restrita às práticas meramente escolares.

Não há dúvida de que é importante que a escola privile-gie em seu currículo conteúdos historicamente construídos, porém deve atentar para a autoria das crianças na apropriação e re-significa-ção desses conteúdos. Entendendo a natureza histórico-cultural da aprendizagem, a escola tem como responsabilidade desenvolver com as crianças um trabalho cujo currículo contemple os saberes adqui-

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ridos pela espécie humana, proporcionando um amplo contato com elementos culturais, possibilitando o contato com a diversidade das atividades humanas, despertando a curiosidade pelo novo, mostran-do a(s) diferença(s), ampliando a experiência de vida das crianças.

A aprendizagem se dá através da atividade mediada, da in-teração que se estabelece com o meio e da influência das condições sócio-culturais no desenvolvimento dos processos mentais superio-res. Sendo desta forma, a sala de atividades alcança uma amplitude mais significativa, deixando de ser apenas um espaço de realização de tarefas e assumindo o seu real lugar que é o local onde o de-senvolvimento dos conceitos científicos pode acontecer. Partindo desse pressuposto, tanto a humanidade quanto o saber científico avançam à medida que a multiplicidade de vozes interage. Assim, entendo que a escola é um local privilegiado de interação, mediação, troca entre os pares, tudo isso desenvolvido pelo diálogo, pela lin-guagem. Sobre a linguagem, Edwiges Morato (1991) esclarece:

[...] ao mesmo tempo em que integra os processos men-tais, tendo, portanto, uma realidade cognitiva, a linguagem, como ação significativa entre interlocutores, constituída por condições sócio-históricas, tem uma realidade discursi-va (MORATO, 1991, p. 66). 4

As diferentes manifestações existentes na linguagem possibili-tam à criança estabelecer relações com ela mesma e também com todos que vivem/convivem no mundo; a linguagem nos permite ser homens e mulheres, portanto não estamos tratando de um mero instrumento didático... A articulação entre os dados construídos no campo de pes-quisa com as ideias dos autores que privilegiaram a linguagem como fator indispensável na constituição do ser humano permite evidenciar a importância da presença do outro na aprendizagem e no desenvolvi-mento. A maioria das aprendizagens humanas se dá através da trans-missão oral ou escrita de experiências que se transformam, tais quais os objetos, em instrumentos do pensamento. Pode ser dito que a apren-dizagem é mediada pela linguagem, seus símbolos e signos. A escola é, portanto, um lugar onde a vivência dialógica deveria acontecer visando os aspectos anteriormente destacados.

Embora já se tenha reconhecido o papel preponderante da linguagem no desenvolvimento da criança, ainda há um caminho a se percorrer para que a lacuna existente entre o reconhecimento da importância da linguagem e a efetivação da ação pedagógica centra-

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da no discurso desapareça. A experiência plena da linguagem, aliada à interação com o outro, necessitam extrapolar os jargões pedagógi-cos presentes nos projetos das escolas e ser vivenciado no cotidiano das salas de atividades, nos pátios, refeitórios e parquinhos.

Através da pesquisa realizada, cujos dados permitiram a es-crita deste artigo, é possível inferir que estratégias diferenciadas de in-teração estão sendo buscadas pelas profissionais da educação infantil. Porém, muitas são as questões que demonstraram a contradição que existe na prática dessas profissionais que, em determinados momen-tos, atuam em consonância com uma concepção de educação infantil dialógica, emancipatória, cidadã e, em outros, priorizam atividades centradas na repetição e memorização. Com isso, outras perspecti-vas importantes para o desenvolvimento infantil, da cultura escolar e da convivência são, por vezes, ignoradas em detrimento do trabalho com questões ligadas aos aspectos cognitivos didatizados.

As práticas não são homogêneas e há momentos nos quais fica perceptível a importância do papel da escola em organizar e planejar situações em que a aprendizagem real ocorra, privilegiando a fala das crianças, os espaços de inter-relação, a comunicação e sua autonomia. Um começo pode ser observado no episódio a seguir:

Professora fala para Pedro:- Pega outra cor também, né? [eles estão fazendo uma ativi-

dade de colorir com lápis de cor].Pedro responde:- Eu vou colorir do meu jeito!A professora sorri para ele.

Notas

1 Assim como “Juliana” todos os nomes citados no texto são fictícios visando pre-servar a identidade dos participantes do estudo.

2 Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de desenvolvimen-to real, que se costuma determinar através da solução independente de proble-mas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1994, p. 112).

3 De acordo com Bakhtin (2003, p. 262), Gêneros do Discurso são tipos relativa-mente estáveis de enunciados que são elaborados considerando a especificidade de um determinado campo da comunicação.

4 As palavras e expressões em itálico são destaques da autora.

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