A IMPORTÂNCIA DE BRASANELLI NO DESENVOLVIMENTO...
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A IMPORTÂNCIA DE BRASANELLI NO DESENVOLVIMENTO DA ARTE
SACRA JESUÍTICO MISSIONEIRA E A CONFECÇÃO DO RETÁBULO DE
SÃO BORJA, UM PATRIMÔNIO HISTÓRICO NACIONAL
José Fernando Corrêa Rodrigues1
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo demonstrar a importância de Brasanelli
para o desenvolvimento e aprimoramento da arte sacra jesuítica. Assim mostra
comparativos, entre o Retábulo Jesuíticos missioneiro, fotografado pelo Arquiteto Lúcio
Costa em São Borja no ano de 1940, e o retábulo da Capela Jesuíta de Córdoba na
Argentina, que sua criação é atribuída a Brasanelli. Outro comparativo apresentado é
entre o retábulo fotografado por Lúcio Costa e o atual retábulo em uso na Igreja
Imaculada Conceição no Bairro do Passo na referida cidade. Sendo assim este trabalho
apresenta e traça conceitos, mostrando sua importância enquanto monumento histórico,
herança cultural e Patrimônio Histórico Nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Brasanelli; São Borja; Retábulo; Missões; Patrimônio.
INTRODUÇÃO
No século XVII, inicia-se no Sul da América Latina, um processo inovador de
grande desenvolvimento, criando o sistema de Reduções Jesuíticas Guaranis que
totalizou 30 Povoados Missioneiros. Sendo assim, no atual território do Rio Grande do
Sul, tiveram suas fundações concentradas na segunda metade do século XVII, nos
chamados Sete Povos.
Como a principal missão da Companhia de Jesus em suas missões pela América,
era a difusão da doutrina, a catequese, e o viver em comunidade. Esse processo de
transculturação, gradativamente foi fazendo com que o indígena, incorporasse alguns
elementos da cultura européia transmitida pelos Jesuítas.
A vida comunitária nesta época era desenvolvida em função da Praça
Missioneira e tendo como pano de fundo a magnífica Igreja, que seguia os padrões
1Instituto Federal Farroupilha. [email protected]
estéticos do barroco, que foi adotado pela Igreja Católica, como forma de encantar as
almas.
Por cerca de um século e meio, desenvolveu-se uma cultura cujos
remanescentes, reportam sua materialidade, em um alto grau de desenvolvimento, na
área da arquitetura, das artes, na sua organização social e política.
O sistema de oficinas desenvolvidas pelos Jesuítas nas Reduções contribuíram
para a formação dos Índios em hábeis artífices metalúrgicos, tipógrafos, escultores,
pintores, músicos, ceramistas, tecelões, fabricantes de instrumentos musicais, entre
outras manifestações.
A monumentalidade da riqueza da estatuária missioneira de São Borja, evidência
o nível do desenvolvimento que chegou a Redução de São Francisco de Borja, em
relação aos demais povos. O mesmo Índio tido pelos padrões culturais da época como
indolente e incapaz, foi magistral em desenvolver um magnífico conjunto de esculturas.
A IMPORTÂNCIA DE BRASANELLI PARA A ARTE JESUÍTICA
MISSIONEIRA:
Cabe destacar a influência de Brasanelli (Irmão Brasanelli), que em nove anos
que passou em São Borja, resultou em muitas obras de destaque nas Missões, sem
dúvida foi uma figura muito importante para o desenvolvimento da arte sacra
missioneira. Alguns estudiosos o apontam como o maior artista que havia existido entre
os Trinta Povos do Projeto da Companhia de Jesus entre os séculos XVII e XVIII.
Los datos arquitecto de los archivos podrían hacer creer que
Brasanelli, nacido en Milán en 1658, fue uno de los tantos artesanos
calificados traídos por la jesuítica a América. Sin embargo, estudiando sus
obras se llega a la conclusión de que fue uno de los más importantes artistas
jesuitas que pisaron estas tierras y que, a partir de su llegada en
1691.(SUSTERSIC, s.d., p. 533-534)
Brasanelli deixou um legado barroco de grande importância. É atribuída a sua
autoria em São Borja, a imagem esculpida do padroeiro da antiga redução: São
Francisco de Borja e Aragão, assim como o Altar da Capela Doméstica de Córdoba, na
Argentina, com detalhes muito semelhantes ao Altar-mor da antiga igreja Matriz São
Francisco de Borja, que foi fotografado pelo Arquiteto Lúcio Costa em 1940 em visita a
São Borja (figura 01 e 02).
el conocimiento de los primeros cinco años de Brasanelli en
América no se funda en menciones de obras arquitectónicas sino en análisis
estilísticos de los retablos de la Compañía de Córdoba, en sus columnas
salomónicas muy semejantes a las del antiguo retablo de San Ignacio Guazú
y en la extraña Inmaculada de 1693 ? de Santa María de Fe. (SUSTERSIC,
s.d., p. 543)
A figura de Brasanelli é impar para a Companhia de Jesus, teve sua formação em
Milão e uma passagem por Sevilha já na condição de artista formado, mas em São Borja
pode colocar em pratica suas habilidades como escultor, pintor, arquiteto, engenheiro e
militar. Sua influência na catequização dos indígenas, e seus ensinamentos das técnicas
proporcionaram a Imaginária Missioneira de São Borja uma singularidade na expressão
plástica.
Auguste de Sant-Hilare no livro Viagem ao Rio Grande do Sul relata sua
passagem por São Borja em fevereiro de 1821, onde comenta:
A gente não pode deixar de se surpreender quando considera que
todas as aldeias das Missões, com edifícios nelas construídos, são obras de
um povo selvagem orientado por alguns religiosos. Era precioso que estes
conhecessem todos os ofícios e tivessem paciência de ensinar aos índios,
fiscalizando a execução de cada peça e a sua colocação nos devidos
locais.(SANT-HILARE, 1997)
Com a realização do Inventario de 1768, nos Sete Povos, pode-se pelo menos ter
uma noção, da riqueza interna do templo, bem como a magnitude da técnica aplicada.
Na ocasião, São Borja possuía: “cinco retábulos, o do altar-mor de dois corpos,
dourado, dois laterais pequenos com seus sacrários, e os outros dois por terminar. Um
púlpito e dois confessionários de madeira”.2
Hoje, quase três séculos após a realização do inventario, a cidade de São Borja
possui apenas um único retábulo dos cinco descritos anteriormente. Portanto longe do
que foi constatado e registrado.
A habilidade dos indígenas na produção das obras, também foi observado pelo
viajante Arsene Isabelle, quando este haveria de referi-las como “pinturas bastante
lindas”3.
Diante do exposto reafirmamos, através destes registros, a real importância da
redução de São Francisco de Borja no aspecto artístico cultural no espaço oriental do
Rio Uruguai.
2 Inventário de São Borja, 1768. In: NASCIMENTO, Ana Ollivia do e OLIVEIRA, Maria Ivone de Ávila (Org.) Bens e Riquezas das Missões. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2008 pp. 38/45 3 ISABELLE, Arsénne. Viagem ao Rio Grande do Sul (1833/1834). 2ª ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1983. p. 19
O RETÁBULO JESUÍTICO MISSIONEIRO DE SÃO BORJA:
O Arquiteto Lúcio Costa em seu artigo “A Arquitetura dos Jesuítas no Brasil”,
publicado na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, relata:
Enquanto em que na Igreja de S. Borja ainda se conserva, além da
Pia de Batismo e de varias imagens, como também ocorre na de S. Luis, o
último dos numerosos retábulos das sete Igrejas missioneiras, peça
valiosíssima não só por este motivo, como ainda, por ser de sabor a um tempo
“crioulo” e Jesuítico.(COSTA, 1941, p.99)
O retábulo fotografado por Lúcio Costa e considerado valiosíssimo, é uma
verdadeira relíquia, uma peça magistral, esculpida toda em madeira, cheia de entalhes,
muito semelhante em alguns aspectos com o atual Altar-mor, que se encontra em uso na
Capela Doméstica da cidade de Córdoba na Argentina, principalmente o auto relevo das
colunas salomônicas. Este altar da cidade Argentina, que têm sua autoria atribuída a
Brasanelli. Embora a arte missioneira utilizada na decoração das igrejas e capelas, em
altares, retábulos e nichos era fundamentalmente anônima, o que dificulta a afirmação.
Esta nossa suposição vêm ganhar força quando comparamos a semelhança do entalhe
das colunas salomônicas.
Em 08 de março de 1940, o Presidente Getúlio Vargas criou, em São Miguel das
Missões, o Museu das Missões, com a finalidade de reunir e conservar as obras de arte,
ou de valor histórico relacionadas com os Sete Povos das Missões, com projeto
arquitetônico de Lúcio Costa e resumos históricos de Aurélio Porto e Sérgio Buarque
de Holanda.
O número total de peças reunidas no Museu Missioneiro chegou a 146, tendo
sido recolhidas intempestivamente de 31 localidades diferentes, exceto São Borja,
conforme relata o Arquiteto Lúcio Costa em relatório ao Ministro Gustavo Capanema,
que devido as mas condições das estradas e muita chuva, a estatuária de São Borja não
foi recolhida, cabe destacar que quando do início das obras no Museu Missioneiro de
São Miguel, este possuía apenas três imagens. As originais deste documento
encontram-se no acervo do museu Getúlio Vargas em São Borja.
Em 1987, por conta das comemorações dos 300 anos de São Miguel, começou a
se discutir a preservação dos remanescentes Missioneiros, e que resultou em 1989 no
projeto de inventário dos Bens Móveis e Imóveis produzidos nas Missões Jesuíticas dos
Guaranis, que procurou registrar e pesquisar a estatuária que estavam em Museus,
Igrejas, Instituições educacionais, hospitais, em posse de particulares e também no
mercado de arte e antiguidades.
Neste inventário foi catalogado em 1989 sob o Número RS/89-0001-0036 o
Retábulo Missioneiro de São Borja, que desde o final da década de 1960, encontrasse
em uso na Igreja Nossa Senhora Imaculada Conceição no Bairro do Passo. Datado dos
séculos XVII / XVIII, com as seguintes dimensões: 450cm de altura, 343cm de largura
e 227 de profundidade. Descrito como um Retábulo frontal(mesa), decoração em alto
relevo com colunas salomônicas, tendo no terço inferior um retângulo com decoração
fitomorfa. Escadaria de quatro degraus, o segundo e o terceiro sustentam o sacrário em
formato retangular. Na decoração da porta aparece um cálice, a hóstia e a cruz. Os
degraus são decorados com motivos fitomorfos (folhas), com partes apostas. Nas partes
laterais, há dois anjos concêntricos segurando um escudo com cruz. O trono é uma base
com parte frontal com sete retângulos: quatro com motivos fitomorfos (folhas) E dois
com motivos antropomorfos e zoomorfos (Cristo crucificado e caranguejo). O retângulo
central foi perdido. A moldura do camarim é aposta, ornada com curvas e contracurvas
arrematadas por um cilindro com estrias. Não há fundo, Há uma imagem de nossa
Senhora da Conceição superdimensionada para o espaço. Há seis colunas salomônicas,
concêntricas que sustentam o coroamento. Os arremates das colunas são em folhas de
acanto. A parte inferior das colunas é mais grossa. As colunas menores que ladeiam a
maior são sustentadas por uma base quadrangular. As de fora são lisas e as do lado
interior (do camarim) são ornadas com motivos fitomorfos (folhas e flores) e uma barra
com losango e círculos. Ao centro do coroamento há um escudo ovalado rodeado de
decoração fitomorfa (folhas de acanto), volutas, semicírculos em sequência e bolas
formando o entablamento.4
Nas observações da catalogação existem algumas informações que cabe
salientar, segundo o Padre da Paróquia na época da catalogação, o retábulo em 1990
passou por um restauro, realizado por uma equipe da Espanha que denominou de
“Barroco Missioneiro”. Já a Prefeitura informou que o responsável pelo restauro foi um
argentino da cidade Buenos Aires. E a Santa Nossa Senhora Conceição, original foi para
a Capela em Garruchos. Os Anjos são do Retábulo, mas eles não encaixam direito. Foi
considerado que o nicho da Capela de São José dos Garruchos pertence a este retábulo,
porque têm uma moldura que não é original.
4 Descrição do Retábulo da igreja Imaculada Conceição no Inventário da Estatuária Missioneira
CULTURA E PATRIMÔNIO CULTURAL:
Para entendermos o processo da valorização cultural do Patrimônio Histórico,
que ocorre em São Borja é necessário contextualizar alguns conceitos como o de
Cultura, que de acordo com Bosi (1992, p.11 -18) é:
O conjunto de práticas, das técnicas, dos símbolos, e dos valores
que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um
estado de consciência social […] cultura pressupõe uma consciência grupal
operosa e operante que desentranha da vida presente os planos para o futuro.
Entende-se assim que a cultura é uma característica humana, presente em todos
os povos, dos mais rudimentares aos mais avançados. Cada um tem suas próprias
características, cujas diferenças e contrastes a diferenciam de outras.
O conceito de cultura tem sido revisto e ampliado, acompanhando
assim as mudanças e evoluções mundiais, a partir da década de 1950, foram
relacionados mais de cento e cinquenta sentidos para a palavra “cultura” e na
década de 1960, Abrahan Moles reuniu mais de duzentos (KLUCKHOHN,
1984, p. 59-78).
Todas as ações por meios das quais os povos expressam suas formas específicas
de ser constituem a sua cultura, que vai ao longo do tempo adquirindo formas e
expressões diferentes. A cultura é um processo eminentemente dinâmico, transmitido de
geração em geração, que se aprende com os ancestrais e se cria e recria no cotidiano do
presente, na solução dos pequenos e grandes problemas que cada sociedade ou
indivíduo enfrentam.
Neste processo dinâmico de socialização em que se aprende a fazer parte de um
grupo social, o indivíduo constrói a própria identidade. Reconhecer que todos os povos
produzem cultura e que cada um tem uma forma diferente de se expressar é aceitar a
diversidade cultural.
Não poderíamos falar de Patrimônio Cultural sem esta noção de cultura. Na
opinião de Varine-Bohan (1974, p.12), se apresenta como um dos aspectos gerais do
patrimônio global da humanidade. Para ele, o patrimônio cultural se compõe,
basicamente, do meio ambiente do homem, do conjunto de conhecimento acumulados e
do conjunto de bens culturais, que seria tudo aquilo que o homem produziu com o
intuito de suprir as necessidades de sua vida e de seu desenvolvimento. Para
Bákula(2000, p. 167), aqueles bens que são a expressão e o testemunho da criação
humana e da evolução da natureza, que tem especial relevância e através das quais se
identifica a cultura nacional. Patrimônio Histórico é o conjunto de bens móveis e
imóveis existente no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua
vinculação e fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (IPHAN, 1995, p. 43)
É o legado que se recebe do passado, se vive no presente e se
transmite de geração em geração: é fonte insubstituível de vida e inspirações,
ponto de referência, identidade. Patrimônio cultural é composto por
monumentos, grupos de edifícios e sítios que tenham valor histórico, estético,
arqueológico, científico, etmológico ou antropológico. (UNESCO, 2013).
Diante destes conceitos emitidos pela Unesco e pelo Iphan e de acordo com a
Constituição Federal do Brasil, podemos considerar o nosso foco de estudo, o Retábulo
Jesuítico missioneiro de São Borja, como integrante da cultura local, e um patrimônio
cultural Nacional. Essa posição é perceptível na definição oficial de patrimônio cultural
no Brasil, conforme Decreto lei nº 25, de 30 de novembro de 1937:
O conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja
conservação seja de interesse público, que por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico. (CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DO BRASIL, 1937)
Na atualidade patrimônio cultural compreende suas formas, entre outras, a
língua , a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os ritos, os costumes, o
artesanato, a arquitetura e outras artes (UNESCO, 2002). Também está cada vez mais
se tornando importante o valor imaterial dos bens cultos. E não se valoriza
exclusivamente seu valor estético, senão tudo o que rodeia ou tem rodeado o elemento,
outorgando-lhe um valor fundamental, cada vez se aproximando ao seu valor simbólico.
Em suma, considera-se patrimônio cultural como:
o resultado da cultura do homem, incluindo tanto os bens materiais, quanto
os bens imateriais e também as paisagens culturais por ele criadas. Todos
sem distinção, têm fundamental importância para a cultura e para a história.
Cada um a seu modo do mais simples, como uma música, ao mais vistoso,
portanto, o valor atribuído ao bem material ou imaterial tem significado
particular a cada caso e a cada povo, e assim pode ser entendido, respeitado e
valorizado. (CHEREM, 2000,p. 236)
MONUMENTO HISTÓRICO:
Dentre os elementos que compõem o patrimônio cultural, tem-se o monumento
que se constitui em uma edificação, peça ou sítio histórico de caráter exemplar, por seu
significado na trajetória de vida de uma sociedade, comunidade e por suas
características peculiares de forma, estilo e função. Existem monumentos constituídos
especialmente para celebrar ou relembrar algum episódio, monumento ou personagem
de nossa história, criados por arquitetos, escultores, artistas. Outros são remanescentes
do passado, que sobreviveram ao tempo, e que são consagrados pela sociedade como
símbolos coletivos, e como referência da memória de um povo.
Os monumentos, em suas estruturas, formas e uso, revelam um momento
determinado do passado, e são testemunhos dos modos de vida, das relações sociais, das
tecnologias, das crenças e valores dos grupos sociais que os constituíram, modificaram
e utilizaram. Alguns monumentos continuam a servir à mesma função original, como o
Retábulo Jesuítico Missioneiro da antiga Igreja Jesuítica de São Borja.
Um monumento é, antes de tudo, uma referência a um momento na trajetória
histórico-cultural de um povo, um instrumento da memória coletiva. Assim, jamais
pode ser estudado isoladamente, devendo então ser visto como um elemento do meio
ambiente histórico, e analisado em seu contexto social e histórico ao longo do tempo.
Os objetos patrimoniais e os edifícios e centros históricos, os sítios arqueológicos e
paisagísticos podem refletir a maior parte da história do Brasil e do Mundo. Os objetos
monumentos do passado são a evidência concreta da continuidade e da mudança dos
processos culturais.
Segundo Choay (2001), o sentido original do termo “monumento” é o do latim
monumentum, que por sua vez deriva de monere (“advertir, lembrar”), aquilo que traz à
lembrança alguma coisa. A natureza efetiva de seu propósito é essencial: não se trata de
apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar pela emoção, uma memória
viva. Neste sentido, primeiro considera-se monumento tudo o que for edificado por uma
comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas
rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças.
A especificidade do monumento deve-se precisamente ao seu
modo de atuação sobre a memória. Não apenas ao trabalho, e mobiliza pela
mediação da afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar
como se fosse presente, mas também esse passado invocado, convocado, de
certa forma encantado, não é um passado qualquer: ele é localizado e
selecionado para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta,
contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica,
religiosa, nacional, tribal ou familiar (CHOAY, 2001).
HERANÇA CULTURAL:
Faz parte da composição do patrimônio a herança cultural, a qual
representa o que se quer conservar, artefatos de valores que são herdados. Se
o valor é pessoal, refere-se à família de um povo ou herança pessoal; se o
valor é comum ou nacional, refere-se à “nossa” herança. Frequentemente,
herança é pensada em termos de valores de culturas reconhecidas. Por
exemplo, uma residência normalmente não é julgada como herança ao menos
que seja vista como parte da propriedade simbólica da cultura ou comunidade
mais ampla, como um elemento da identidade daquela cultura ou comunidade
(HALL, 1994).
Herança não á apenas um conceito livre de valor, pois sua definição abarca
preservação, manutenção e representação de valores. Valores de herança podem ser
altamente contestados, ou, em alguns casos até mesmo incontestados. Apesar de a
herança ser frequentemente vista como algo que deve ser preservado, para Hall (1994)
pode ser conservada, aumentada e até mesmo usada. Neste sentido, é um recurso que
pode ser administrado e compartilhado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Não se pode negar diante dos fatos levantados, da real importância da arte
jesuítica missioneira construída em São Borja e a grande influência de Brasanelli para
sua constituição e diferenciação em relação aos demais povos.
Esta pesquisa teve por objetivo levantar dados e traçar comparativos entre os
retábulos missioneiros ligados a Brasanelli. Neste contexto, cabe destacar a
monumentalidade do retábulo Jesuítico Missioneiro de São Borja, fotografado em 1940,
pelo arquiteto Lúcio Costa, e que foi traçado um comparativo fotográfico com o
Retábulo da Capela Doméstica da cidade de Córdoba na Argentina (ver figura 01), as
colunas salomônicas são muito semelhantes com as de São Borja. Inclusive na talha,
repetindo os motivos fitomorfos (folhas de acanto) e nas voltas arredondadas em filetes
menores na base. Por tanto, visto que as obras de arte sacra do período reducional não
eram assinadas pelos seus escultores, e diante da semelhança das colunas dos retábulos,
e de acordo com o levantamento de dados sobre Brasanelli, foi realizado uma analise
minuciosa comparativa entre os retábulos. Assim concluímos que este altar fotografado
em 1940, pode ter sido esculpido pelo grande nome das artes nas missões Brasanelli,
visto que quando colocado o São Francisco de Borja e Aragão dentro do nicho do
retábulo ele cabe perfeitamente, e o Padroeiro da cidade de São Borja têm sua talha
atribuída a Brasaneli (ver figura 02). Ainda cabe salientar que é preciso descobrir qual
foi o destino deste altar fotografado em 1940.
Outro comparativo executado foi entre o retábulo fotografado por Lúcio Costa e
o atual Retábulo inventariado pelo IPHAN, que encontrasse em uso pela Igreja
Imaculada Conceição do Bairro do Passo (ver figura 03), estes dois altares são
totalmente diferentes, o atual não é o mesmo fotografado em 1940. As colunas
salomônicas, são totalmente diferentes. Porém não resta duvidas que seja do período
reducional, pela sua talha na madeira semelhante aos altares do período, e
principalmente em suas formas grosseiras. O entalhe das folhas de acanto e a figura
esculpida de um caranguejo é o atestado definitivo que este retábulo é do período
jesuítico, assinalando possivelmente a marca da cultura do indígena frente a sua
catequização (ver figura 04). Em conversa com populares que conheceram a antiga
igreja se aventou a possibilidade deste Altar ficar localizado na lateral da antiga igreja.
O produto que parece ser gesso usado para preencher os espaços do entalhe é
uma resina usada na madeira por um restaurador. As informações são bastante
desencontradas quanto sua origem, o padre da igreja do Passo, informou que este
retábulo encontrasse na Igreja desde que veio transferido da Igreja Matriz no final da
década de 1950, início da década de 1960. Já na Igreja Matriz foi tentado acesso ao livro
tombo para confirmar a transferência o que não foi concedido.
Fica esta lacuna para ser desvendada em outras pesquisas assim como o nicho da
Capela da cidade de Garruchos que de acordo com a ficha catalográfica do Inventário
missioneiro registra esta hipótese, que o nicho da capela de Garruchos pode pertencer a
este retábulo da Igreja do Passo, assim como a Santa Imaculada Conceição, original
deste altar.
O retábulo em uso na Igreja do Passo é um Patrimônio Histórico Cultural
Nacional, pois preenche todos os atributos levantados teoricamente na contextualização,
é um monumento histórico, por ser testemunho da história de um período, e continua a
servir à mesma função original. É uma herança cultural, pois foi recebido dos
antepassados e representa o que a comunidade quer conservar, lembrar e reverenciar.
Os revezes de anos e a ignorância do real valor dessa peça por seus detentores,
provoca danos muitas vezes irreparáveis. O restauro por pessoas sem capacitação e
conhecimento técnico pode comprometer todo o valor histórico do bem. Nos chama
atenção um emaranhado de fios de eletricidade e lâmpadas que compõe esta peça(ver
figura 04), fios cheios de remendos junto à madeira, o que coloca nosso patrimônio em
grande risco, sujeito a um curto circuito e possivelmente incendiar. Uma peça desta
magnitude deve ser preservada em um Museu onde as futuras gerações possam ter
acesso e assim conhecer a nossa história, valorizando a memória missioneira.
O Decreto Estadual n° 35.580 de 11 de outubro de 1994, declara São Borja
“Cidade Histórica”, uma das poucas cidades do Estado do Rio Grande do Sul a ser
agraciada com este titulo. O referido Decreto em seu artigo 2° determina os setores
competentes da administração pública estadual adotarem medidas objetivando a
preservação do patrimônio histórico e cultural de São Borja, procedendo ao inventário
de bens culturais existentes no município, o que até hoje não foi realizado.
Portanto, é necessário ainda a tomada de medidas enérgicas pelo Poder Público.
Assim, adotor políticas públicas de preservação dos remanescentes histórico-cultural
missioneiro, como a construção de um laboratório técnico de restauro nas Missões,
divulgação de informações técnicas e cuidados na preservação, sistema de tombamento,
que é extremamente importante e vital para a preservação do patrimônio artístico do Sul
do país. Fomento a pesquisa sobre o passado missioneiro, fator preponderante ao
desenvolvimento do turismo cultural da região missioneira.
Neste sentido, não podemos ficar somente enchendo os olhos com a beleza dos
resquícios jesuíticos se não conseguimos modificar o olhar, sobre o verdadeiro valor
histórico cultural que estes remanescentes representam. Só assim continuaremos a
propagar a cultura, que nos faz tornarmos seres perceptíveis em torno da nossa realidade
e passado Missioneiro.
FONTE: Autor
FIGURA 01 - Comparativo entre o retábulo da Capela Domestica de Córdoba na Argentina e o retábulo
fotografado em 1940 por Lúcio Costa
FONTE: Autor
FIGURA 02 - São Francisco de Borja e Aragão dentro do nicho do Retábulo
FONTE: Autor
FIGURA 03 - Comparativo entre o Retábulo missioneiro da Igreja Imaculada Conceição de São Borja e o
retábulo fotografado em 1940 por Lúcio Costa
FONTE: Autor
FIGURA 04 - Detalhes do Retábulo Missioneiro da Igreja Imaculada Conceição de São Borja,
Inventário N° RS/89-0001-36.
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