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0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JANICE GOULART A (IM)POSSIBILIDADE DA SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA POR INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO Tijucas 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JANICE GOULART

A (IM)POSSIBILIDADE DA SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA POR INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO

Tijucas 2006

1

JANICE GOULART

A (IM)POSSIBILIDADE DA SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA POR INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Tijucas. Orientador: Prof. MSc. Leonardo Matioda

Tijucas 2006

2

JANICE GOULART

A (IM)POSSIBILIDADE DA SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA POR INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em

Direito e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro

de Educação Tijucas.

Área de Concentração: Direito Público

Tijucas, 24 de outubro de 2006.

Prof. MSc. Leonardo Matioda

UNIVALI – CE Tijucas

Orientador

Prof. MSc. Newton César Pilau

UNIVALI – CE Tijucas

Membro

Prof. MSc. Roberto Martins Pegorini

UNIVALI – CE Tijucas

Membro

3

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação de Monografia, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Tijucas, 24 de outubro de 2006.

JANICE GOULART

4

Aos meus pais, que amo muito, e que em toda

minha vida sempre me ajudaram em tudo, e

que tornaram possível este sonho.

5

AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiramente, que está sempre me guiando, me protegendo e me

possibilitando conquistar tudo de bom que tenho na vida.

Aos meus pais, Ézio e Ivete, que foram os gigantes que me deram força para

lutar a cada dia por meus sonhos, por minha vida, que nunca negaram carinho,

atenção e amizade, conselhos, conforto, que independente de seus próprios

tropeços, sempre tiveram coragem e amor para guiar a família por bons caminhos e

que sempre foram meus bons exemplos, obrigada por tudo.

As minhas irmãs, Bárbara e Giórgia, companheiras de toda a vida, que

também sempre ansiaram pela minha felicidade.

A toda minha família, que sempre esteve torcendo por mim e desejando meu

bem.

A minha afilhada Yasmin, pelo sorriso e a graça que alegram todos os

momentos, até os mais difíceis, obrigada pelo carinho com a “Dinda” mesmo eu

estando tão ausente das brincadeiras nos últimos tempos.

Ao meu namorado Marcel, que mesmo “só namorado” divide as alegrias e os

pesares da vida como um verdadeiro companheiro, que me dá muita força em tudo,

com seu carinho, dedicação, paciência, meu grande amigo que faz meus dias serem

mais coloridos, que aspira minha companhia e tem sido muitas vezes privado,

obrigada pela lealdade, pelos sonhos, pelo amor verdadeiro.

Ao professor e orientador MSc. Leonardo Matioda, pela paciência, apoio,

sempre muito dedicado e amigo, além de muito bem humorado. Pelo auxilio a mim

dispensado para que eu alcançasse um bom resultado em meu trabalho

monográfico.

Aos demais professores, pela doação de seu conhecimento e amizade

durante todo o curso.

A minha amiga e colega, Daniela Fernanda da Silva, pessoa que muito

admiro e pela qual tenho muito carinho. Por sua amizade muito especial, pelo

incentivo e pela ajuda sempre, tanto na vida acadêmica quanto pessoal.

A todos os meus colegas de classe, por todos os momentos bons que

vivemos juntos e pela experiência nos ruins. Foi muitos bom estar com vocês

6

durante estes cinco anos e desejo profundamente que a amizade perpetue e a

convivência não cesse.

Aos demais amigos, presentes em todos os momentos de minha vida.

A minha chefe, Elke Georg, pela compreensão em muitos momentos e por

toda ajuda. Também por ter feito a tradução do resumo deste trabalho monográfico,

para o alemão, idioma que muito admiro.

A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram ao longo desses

cinco anos de formação acadêmica.

7

“Tudo está se tornando, nada é”. Platão

“Entre o forte e o fraco é a liberdade que escraviza e a lei que liberta”. Lacordaire

8

RESUMO

A energia elétrica, nos tempos atuais, tem um grande valor econômico e

social no Brasil e no mundo, e por isto é objeto de atenção tanto dos interessados na

sua exploração como dos que dela necessitam, primordialmente, para manter sua

vida em sociedade. A presente pesquisa dedicou-se ao estudo deste bem, que é

fornecido por meio de serviço público e teve como objetivo analisar a questão da

suspensão deste serviço público de fornecimento de energia elétrica por

inadimplência do consumidor no pagamento de suas faturas. Para tanto, analisou-se

os serviços públicos de modo geral, buscando-se uma conceituação para os

mesmos, sua classificação e os princípios que os regem. O serviço público também

foi analisado quanto a sua prestação, pela forma como são tratados na Constituição

da República Federativa do Brasil, no tocante a sua instituição, regulamentação,

execução e controle. Outro aspecto abordado na presente pesquisa foram as formas

de prestação dos serviços públicos, ou seja, a concessão, a permissão e a

autorização de serviços públicos e de que forma elas se dão, quais os direitos e

deveres da concessionária e do poder concedente e, ainda neste contexto, foi

analisada a natureza jurídica das agências reguladoras. Além disso também se

efetivou um estudo específico sobre o serviço público de energia elétrica, para

chegar ao fim que se propôs a presente pesquisa. Desta forma, foi analisada a

questão da suspensão do serviço público de energia elétrica, analisando a relação

de consumo com os direitos do consumidor de serviços públicos e sua proteção. Por

fim, abordou-se a impossibilidade de suspensão do fornecimento do serviço público

de energia elétrica por inadimplência do usuário consumidor, onde verificou-se que a

suspensão não poderá acontecer da maneira como vem ocorrendo cotidianamente,

apresentando neste sentido o entendimento de vários doutrinadores e o

entendimento jurisprudencial de alguns tribunais pátrios, notadamente do Tribunal

de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Palavras-chave: Suspensão. Serviço Público. Energia elétrica.

9

ZUSAMMENFASSUNG

Die Energie, war und ist im unseren Land Brasil ien so wie in der

ganzen Welt zur eine sorgenvolle lage entwikelt. Dass uns nicht

anderes übermäsiger konsum der Energie zur bremsen. Zur zeit wird

mehr Energie gebraucht wie hergesteld. Die Behörden, so wie alle die

direct und indirect mit einbegrif fen sind, haben die notwendigkeit einer

forschung und stadium einer besste ausnutzung und Verteilte der

Energie das Jeder es benutzen kann Da gehören forschungen aus wass

und wie kommte Energie höhrgestelt warden, one die Natur zur

beschödigen.Des öffentlichen Dienstes ist auch Bestimmung leistung,

mit form in der Eigenschaft sind vertragt in die Konstitut ions von

Brasil ien, dem einrichtung, regulierung, ausführung und Kontrolle.Und

noch, die aufgeben, der erlaubnis und ermächtigung public dienen.Was

ist zur Rechten, zur verpf lichtung von die erlaubnis. Wenn wir das im

grif f haben, kommt eine andere etappe: Die Verteilung der Energie. Da

sind mehrere Ausführungen die benetigen untersuchung vil lerim

disenfall provat Konsum leit Beawatenabtleile, im gemein. Meine

nachforschung Beschteht auf den fall der untersagenheit der Energie

auch wenn die vif l ichtungen nachtändig sind. Am lets, Die Beobachtung

ist Über das, aussetzen Energie kan nicht vorkommen, wie heute am

Tagesrat ion, vie vorstellung viele Lehre Rechtsauffassung und

verstehen von juristisch, berühmtheit Richterstuhl’s Santa Catarina.

Schlüsselwörter :Notwendigkeit ; Publikdienst; Elektriche Energie.

10

ROL DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Art. – Artigo

Arts. – Artigos

CASAN – Companhia Catarinense de Água e Saneamento

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 19881

D. – Dom

DJU – Diário da Justiça da União

DJ – Diário de Justiça

DNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica

EC – Emenda Constitucional

Emb. – Embargos

Esp. – Especial

Kv – Kilovolts

Kw – Kilowatts

LC – Lei Complementar

1 Doravante também designada como Constituição Federal de 1988, CF/88 ou simplesmente Constituição.

11

MA – Maranhão

MG – Minas Gerais

Min. – Ministro

nº – Número

ONS – Operador Nacional de Energia Elétrica

Ord. – Ordinário

p. – Página

Rec. – Recurso

Rel. – Relator

RJ – Rio de Janeiro

RS – Rio Grande do Sul

SP – São Paulo

STJ – Superior Tribunal de Justiça

UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí

§ – Parágrafo

12

ROL DE CATEGORIAS E CONCEITOS OPERACIONAIS

Rol das categorias2 estratégicas à pesquisa, juntamente com seus respectivos

conceitos operacionais3.

Administração Pública:

Também tratada por Poder Público, a administração pública é, em sentido

formal, o conjunto de órgãos administrativos, instituídos para a consecução dos

objetivos do Governo. Em sentido material será o conjunto de funções

administrativas, necessárias ao serviço público em geral, e ainda poderá ser vista no

sentido operacional, onde é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico dos

serviços próprios do Estado ou ainda, por ele assumidos em benefício da

coletividade.

Ampla defesa:

É a possibilidade de “[...] livre debate e livre produção de provas”. (FERREIRA

FILHO, 1997, p. 66).

Autorização de serviço público:

“É o ato administrativo discricionário ou vinculado através do qual a

Administração Pública outorga a alguém, que para isso se interesse, o direito de

realizar certa atividade material, como a de portar arma e a de derivar água de rio

público”. (GASPARINI, 2004, p. 355).

2 "Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia". (PASOLD, 2002, p. 40]. 3 "Conceito operacional [=cop] é uma definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos." (PASOLD, 2002, p. 40).

13

Concessão de serviço público:

“Concessão é a delegação contratual da execução do serviço, na forma

autorizada e regulamentada pelo Executivo. [...] Pela concessão o poder concedente

não transfere propriedade alguma ao concessionário, nem se despoja de qualquer

direito ou prerrogativa pública. Delega apenas a execução do serviço [...]”.

(MEIRELLES, 2003, p. 367).

Consumidor:

Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou

serviço como destinatário final. [...] Equipara-se a consumidor a coletividade de

pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

(Artigo 2º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor)

Continuidade dos serviços públicos essenciais:

“A continuidade impõe ao serviço público o caráter de ser contínuo,

sucessivo. O serviço público não pode sofrer solução de continuidade”.

(GASPARINI, 2004, p. 285) O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 22

determina que sendo essencial o serviço deve ser contínuo.

Contraditório:

O contraditório consiste em que “em cada passo do processo cada parte

tenha a oportunidade de apresentar suas razões, ou, se for o caso, as suas provas.”

(FERREIRA FILHO, 1997, p. 66).

14

Devido processo legal:

É a “[...] sujeição de qualquer questão que fira a liberdade ou os bens de um

ser humano ao crivo do Judiciário, por meio do juiz natural, num processo

contraditório, em que se assegure ao interessado ampla defesa”. (FERREIRA

FILHO, 1997, p. 65).

Direito Público:

“[...] é formado pelo conjunto de normas que regulam as relações entre

Estado e indivíduos (relações Estado-servidor, Estado-empresa etc.)”. (SUNDFELD,

2001, p. 24).

Energia Elétrica:

”Energia é fonte de uma variedade de efeitos, entre os quais a eletricidade. A

eletricidade é a energia transformada em corrente elétrica, daí o nome “energia

elétrica”, podendo realizar trabalho com repercussão econômica”. (FERRAZ FILHO,

2002, p. 17).

Estado:

“[...] é uma associação humana (povo), radicada em base espacial (território),

que vive sob o comando de uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra

(soberana)”. [FERREIRA FILHO, 1999, p. 45].

Fornecedor:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou

estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de

produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,

15

distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (Artigo 3º do

Código de Defesa do Consumidor)

Inadimplência:

A inadimplência nas palavras de Cousseau (2002, p. 36) é “o não

cumprimento, por parte do usuário, da contraprestação pecuniária relativa ao

consumo de energia elétrica ou de serviços prestados pela concessionária”. A

Resolução nº 456/2000 da ANEEL, no artigo 91, se refere à inadimplência como

“atraso no pagamento”, e ela realmente é, e ainda relaciona as situações em que por

conta deste atraso poderá ser suspensa a energia elétrica.

Permissão de serviço público:

“[...] é o ato unilateral e precário, intuito personae, através do qual o Poder

Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada,

proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de cobrança de

tarifas dos usuários. Dita outorga se faz por licitação (art. 175 da Constituição

Federal) e pode ser gratuita ou onerosa, isto é, exigindo-se do permissionário

pagamento (s) como contraprestação”. (MELLO, 2001, p. 671).

Princípios Constitucionais:

“Os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido

lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-

se. [...] a ciência jurídica só pode ser construída a partir da enunciação dos

princípios. [...] conhecer os princípios do direito é condição essencial para aplicá-lo

corretamente”. (SUNDFELD, 2001, p. 143, 145 e 146). Neste ínterim os princípios

constitucionais são os contidos no texto da Constituição da República Federativa do

Brasil, implícita ou explicitamente.

16

Princípio da boa-fé:

“Este princípio, inscrito no caput do art. 4º, exige que as partes da relação de

consumo atuem com estrita boa-fé, é dizer, com sinceridade, seriedade, veracidade,

lealdade e transparência, sem objetivos mal disfarçados de esperteza, lucro fácil e

imposição de prejuízo ao outro”. (Almeida, 2002, p. 46).

Serviço Público:

“Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus

delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais

ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”. (MEIRELLES,

2003, p. 319).

Serviço público essencial:

“[...] são os serviços que não podem faltar. A natureza do serviço os indica e a

lei os considera como indispensáveis à vida e à convivência dos administrados na

sociedade [...]”. (GASPARINI, 2004, p. 282).

Suspensão de serviço público:

“É a extinção (momentânea) do contrato de fornecimento” (FERRAZ FILHO,

2002, p. 119). É tratada como suspensão pois a Resolução n° 456/2000 da ANEEL

assim a denomina. Porém é também mencionada pelos doutrinadores como

interrupção e, até mesmo, como é chamada corriqueiramente, de corte de energia

elétrica.

17

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 19

1 OS SERVIÇOS PÚBLICOS .................................................................................. 24

1.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS................................................ 26

1.2.1 Quanto à Entidade a Quem Foram Atribuídos................................................. 28

1.2.2 Quanto à Essencialidade................................................................................. 29

1.2.3 Quanto aos Usuários....................................................................................... 30

1.2.4 Quanto à Obrigatoriedade da Utilização.......................................................... 31

1.2.5 Quanto à Execução.......................................................................................... 31

1.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS........................... 32

1.3.1 Princípio da Generalidade................................................................................ 34

1.3.2 Princípio da Eficiência...................................................................................... 35

1.3.3 Princípio da Continuidade................................................................................ 37

1.3.4 Princípio da Regularidade................................................................................ 39

1.3.5 Outros Princípios de Direito aplicados aos Serviços Públicos......................... 40

1.3.5.1 Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado..................... 40

1.3.5.2 Princípio da legalidade.................................................................................. 41

2 A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS..................................................... 44

2.1 OS SERVIÇOS PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL.......................................................................................

45

2.1.1 Formas de Prestação....................................................................................... 52

2.2 CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS......................................................... 54

2.2.1 Direitos e encargos do concessionário............................................................ 65

2.3 PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS.......................................................... 66

18

2.4 SERVIÇOS AUTORIZADOS............................................................................... 67

2.5 AGÊNCIAS REGULADORAS............................................................................. 68

3 O SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA................................................ 70

3.1 CONCEITO FÍSICO E JURÍDICO DE ENERGIA ELÉTRICA............................. 70

3.2 SÍNTESE HISTÓRICA DA ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL.......................... 71

3.3 DO DIREITO DE ELETRICIDADE...................................................................... 75

3.3.1 Natureza Jurídica da Eletricidade.................................................................... 77

3.4 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA......... 79

3.5 O FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA COMO SERVIÇO

ESSENCIAL – LEI Nº 7.783/1989.............................................................................

83

4 A SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA.................. 85

4.1 A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO............................................................ 86

4.2 OS DIREITOS DO CONSUMIDOR DE SERVIÇO PÚBLICO............................. 89

4.3 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR...................................................................................

95

4.3.1 O Princípio da Boa-fé....................................................................................... 95

4.3.2 Os Princípios do Devido Processo Legal, Ampla Defesa e

Contraditório..............................................................................................................

97

4.4 A SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA POR

INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR......................................................................

99

4.5 POSIÇÕES JURISPRUDENCIAIS QUE VEDAM A SUSPENSÃO DO

SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA POR INADIMPLÊNCIA DO

CONSUMIDOR..........................................................................................................

105

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 110

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 114

19

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa objetiva investigar a suspensão do serviço público de

energia elétrica por motivo de inadimplência por parte do consumidor de tal serviço,

e as incoerências com o Direito que se apresentam com relação a este fato que

ocorre cotidianamente.

Com a investigação do tema propõe-se fazer uma análise das legislações,

doutrinas e jurisprudências, com o intuito de se verificar a possibilidade ou

impossibilidade da suspensão deste serviço público.

A análise da suspensão do fornecimento de energia elétrica é de suma

importância, visto que vem acontecendo cotidianamente e desrespeitando várias

disposições constitucionais e os direitos dos consumidores que são analisados neste

trabalho monográfico.

Apesar do dever de remuneração que tem o consumidor para com as

concessionárias, a inadimplência deste consumidor não permite que, simplesmente,

fazendo justiça privada, a concessionária lhe suspenda o fornecimento da energia

elétrica, pois a concessionária tem mecanismos legais para cobrar este débito, sem

que seja necessário deixar o consumidor sem energia elétrica para lhe compelir ao

pagamento.

Além do fato de que todos são beneficiários do serviço público de energia

elétrica, que é essencial a todos, sem o qual não seria possível o bom

desenvolvimento da sociedade moderna, o tema da presente pesquisa torna-se

viável e possui justificativa em face das inúmeras controvérsias doutrinárias e

jurisprudenciais existentes, onde se verificam entendimentos totalmente distintos

entre si, além da controvérsia legislativa que acontece entre a Lei nº 8.978/1995 e a

Lei nº 8.078/1990, que acabam permitindo que muitos cidadãos, todos os dias,

tenham sua energia elétrica cortada e seus direitos lesados.

A presente pesquisa possui como objetivo institucional, elaborar uma

monografia para a obtenção do título de bacharel em Direito pela Universidade do

Vale do Itajaí, Centro de Educação Tijucas, e outro investigatório geral, qual seja,

analisar a legislação e a doutrina que envolve o conflito da suspensão da energia

elétrica, desvendando-se da maneira que vem acontecendo atualmente.

20

Para que seja atingido o objetivo investigatório geral acima mencionado, são

utilizados como objetivos específicos:

a) Avaliar os serviços públicos de maneira geral, os princípios que os regem;

b) Verificar a prestação dos serviços públicos através da concessão,

permissão e autorização e os serviços públicos na Constituição da República

Federativa do Brasil;

c) Analisar o serviço público de energia elétrica de forma especifica,

analisando o mesmo ainda como serviço essencial e o contrato que se estabelece

para prestação de serviço público de energia elétrica;

d) Verificar os direitos dos consumidores de modo geral;

e) Investigar a suspensão do serviço público de energia elétrica verificando

seus aspectos incongruentes e abusivos;

f) Analisar a possibilidade ou impossibilidade da suspensão nos moldes que

em que se dá atualmente;

g) Relacionar a jurisprudência existente contrária a suspensão do serviço

público de energia elétrica.

Na intenção de atingir os objetivos acima expostos, a presente pesquisa será

baseada nos seguintes problemas:

a) Na prestação dos serviços públicos, a Administração Pública possuí

normas e princípios a seguir ou estes servem somente para orientá-la quando

necessitar?

b) Os serviços públicos devem ser prestados somente pela Administração

Pública?

c) O serviço de fornecimento de energia elétrica é um serviço essencial?

d) A suspensão do serviço público de energia elétrica por inadimplência do

consumidor é legal da forma como acontece nos dias atuais?

Dos problemas acima foram estabelecidas as seguintes hipóteses:

a) A Administração Pública deve seguir o que a lei determina, e inclusive aos

princípios de direito a ela aplicáveis, isto não é uma faculdade, mas sim uma

obrigação.

b) Alguns serviços públicos deverão ser prestados somente pela

Administração Pública e outros poderão ser prestados por terceiros, mas com a

participação do Poder Público.

21

c) Sim, nos tempos atuais a energia elétrica é essencial para a vida dos

cidadãos em sociedade.

d) Não, pois da maneira que vem acontecendo desrespeita normas legais e

princípios de Direito.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que na fase de investigação foi

utilizado o Método4 Indutivo5, na fase de tratamento de dados o Método Cartesiano6,

e o relatório dos resultados expresso na presente Monografia é composto na base

lógica Indutiva.

Nas diversas fases da pesquisa foram acionadas as técnicas do Referente7,

da Categoria 8 , dos Conceitos Operacionais 9 , da Pesquisa Bibliográfica 10 e do

Fichamento11.

Como meio de ordenar o estudo do tema e manter coerência no relato, a presente

pesquisa foi dividida em quatro capítulos, com simetria de páginas, com o intuito de

dar logicidade ao que se expõe.

No Capítulo 1, tratar-se-á dos serviços públicos de maneira genérica,

conceituando o mesmo, onde será analisada também a sua classificação, quanto a

entidade a quem foram atribuídos, quanto a essencialidade, o que é serviço

essencial e não essencial, quanto aos usuários do serviço público, quanto à

obrigatoriedade de utilização, e ainda quanto à execução. Ainda neste capitulo 4 Conforme Pasold [2002, p. 104], “Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados”. 5 O Método Indutivo, segundo Pasold [2002, p. 103], consiste em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. 6 Segundo Pasold [2002, p. 237], Método Cartesiano é “base lógico-comportamental [...] que pode ser sintetizada em quatro regras: 1. duvidar; 2. decompor; 3. ordenar; 4. classificar ou revisar”. 7 “[...] explicação prévia do motivo, objeto e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. [PASOLD, 2002, p.241]. 8 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. [PASOLD, 2002, p. 229]. 9 “[...] definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas”. [PASOLD, 2002, p. 229]. 10 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. [PASOLD, 2002, p 240]. 11 “Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido”. [PASOLD, 2002, p. 233].

22

serão vistos os princípios que são norteadores dos serviços públicos, sendo

analisados dentre eles os princípios da generalidade, eficiência, continuidade,

regularidade e ainda o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado

e o princípio da legalidade.

Já no segundo capítulo, ainda tratando dos serviços públicos de modo geral,

serão feitas ponderações quanto aos serviços públicos na Constituição da República

Federativa do Brasil, e neste ínterim sobre a competência nos serviços públicos.

Ainda, será feito um estudo sobre as formas de prestação dos serviços públicos.

Pesquisado ainda será a concessão, permissão e autorização de serviços públicos e

fechando este capítulo as agências reguladoras.

Em seguida, o terceiro capítulo se dedicará à verificação dos serviços

públicos de energia elétrica especificamente, onde será feita a conceituação de

energia elétrica, física e juridicamente, será feito também uma síntese histórica do

setor de energia elétrica no Brasil com menções ao Estado de Santa Catarina. Este

capítulo também se dedicará a pesquisar o direito de eletricidade e a natureza

jurídica da eletricidade. Por último, se investigará o contrato de prestação do serviço

de energia elétrica e a energia elétrica como serviço essencial por determinação da

Lei nº 7.783/1989.

Feita a análise dos aspectos acima mencionados, por fim, no quarto capítulo

será abordado diretamente o tema deste trabalho monográfico, onde se fará o

exame da relação jurídica de consumo e complementarmente a definição de

consumidor e fornecedor. Também, se verificará os direitos do consumidor de

serviços públicos, bem como os princípios constitucionais que se aplicam ao Código

de Defesa do Consumidor, com ênfase ao princípio da boa-fé, do devido processo

legal, da ampla defesa e do contraditório. E para finalização do capítulo se

investigará a suspensão do fornecimento do serviço público de energia elétrica por

inadimplência do consumidor, analisando o âmago da questão e trazendo

posicionamentos dos tribunais pátrios que vedam a suspensão.

A presente pesquisa será encerrada com as considerações finais, onde são

apresentados pontos conclusivos destacados e as reflexões finais sobre a

suspensão do fornecimento de energia elétrica por inadimplência do consumidor,

com ênfase para uma produção legislativa que contemple regramento para algumas

situações complexas que atualmente provocam entendimentos diversos e

divergências jurisprudenciais.

23

Por último, é importante ressaltar que, considerando as divergências

doutrinárias existentes acerca do tema, a presente Monografia não tem o condão de

apresentar conclusões definitivas para as questões suscitadas, mas tão somente

contribuir com a análise e o estudo da suspensão do serviço público de energia

elétrica por inadimplência do consumidor, objetivando uma evolução deste

fenômeno de acordo com os princípios constitucionais e com os princípios de

Justiça.

24

1 OS SERVIÇOS PÚBLICOS

O Poder Público tem, por expressão constitucional, o dever de atender as

necessidades de seus administrados, independente de serem tais necessidades

essenciais, ou não, e ele o faz através de Serviços Públicos.

Nesse diapasão a Constituição Federal rege, no artigo 175:

Art. 175 Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Nem sempre os cidadãos, administrados pelo Estado, tem condições de

sozinhos, obterem certas utilidades e comodidades de que necessitam para

sobreviver em sociedade, dependendo desta forma que a Administração Pública

lhes preste tais utilidades, através de atividades que satisfaçam suas necessidades,

pois é a única que possui os meios e recursos para fazê-las com vantagem,

segurança e perenidade. Estas atividades da Administração Pública, que

proporcionam tais comodidades e utilidades com essas características, são

chamadas serviços públicos. (GASPARINI, 2004).

Para atender aos fins a que se destinam, os serviços públicos devem

beneficiar a toda comunidade e, por seu regime de direito público, primar pelo

interesse comum.

1.1 CONCEITO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Conceituar Serviços Públicos pode não ser um trabalho simples se

observados os diversos sentidos empregados a estes pelas diversas doutrinas.

Porém, para a investigação a que este trabalho se destina, mister se faz uma

conceituação objetiva sobre o assunto, com o propósito de melhor conhecê-lo.

Desta forma, o termo “serviço público“, pode ser melhor compreendido se

analisadas separadamente suas duas expressões.

25

“Serviço” é um substantivo que indica desempenho de qualquer trabalho,

atividade. No termo “público”, temos um adjetivo que significa comum, referindo-se

também, deste modo, aos sujeitos da prestação da atividade, tanto no pólo ativo, ou

seja, o Estado, quanto no pólo passivo, ou seja, o povo a quem é prestado o serviço. Ainda sobre a conceituação de serviços públicos:

Nesse âmbito, duas idéias são comumente aceitas: a de que a atividade se destina a satisfazer necessidade geral ou coletiva ou de interesse público; e a de que ela se realiza com a presença direta ou indireta da administração pública. [...] A locução ‘serviço público’, pode ser entendida em dois sentidos: como atividade (é a concepção chamada material) ou como organismo destinado a exercer essa atividade (é a concepção formal). (ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL, 1993, p. 10.369).

Esclarecedoras são também outras lições trazidas por doutrinadores de

Direito Administrativo, conforme vejamos.

Para Meirelles (2003, p. 319) “Serviço público é todo aquele prestado pela

Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para

satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples

conveniências do Estado”.

Pela citação acima vê-se que Meirelles, em sua definição de serviço público,

alcança um conceito sucinto, entretanto, abrangente de todos os aspectos inerentes

a estes serviços.

Gasparini (2004, p. 278) dá também sua definição de serviço público como

sendo “toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade fruível

preponderante pelos administrados, prestada pela Administração Pública ou por

quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público, instituído em favor de

interesses definidos como próprios pelo ordenamento jurídico”.

Não obstante, Mello (2000, p. 597) ainda acrescenta que o serviço público é

por estar sob um regime de Direito Público12, consagrador de prerrogativas de

supremacia e de restrições especiais.

12 Direito Público, para Sundfeld (2001, p. 24), é “formado pelo conjunto de normas que regulam as relações entre Estado e indivíduos (relação Estado-servidor, Estado-empresa etc.)”. Já Führer e Fühlrer (2001, p. 129) dizem ser o Direito Público “aquele que se compõe predominantemente de normas de ordem pública, que não podem ser modificadas por acordo das partes, como o direito penal ou o direito administrativo”.

26

Neste mesmo sentido, ainda citando Mello (2000, p. 599):

Conclui-se, pois, espontaneamente, que a noção de serviço público há de se compor necessariamente de dois elementos: (a) um deles, que é seu substrato material, consistente na prestação de utilidade ou comodidade fruível diretamente pelos administrados; o outro, (b) traço formal indispensável, que lhe dá justamente caráter de noção jurídica, consistente em um específico regime de Direito Público, isto é, numa “unidade normativa”. Esta unidade normativa é formada por princípios e regras caracterizados pela supremacia do interesse público sobre o interesse privado e por restrições especiais, firmados uns e outros em função da defesa de valores especialmente qualificados no sistema normativo.

Uma visão contemporânea a este respeito é trazida por Campos (2001, p.35),

para quem serviço público é:

[...] atividade, como tal, considerada pela Constituição da República ou pela lei, prestada de forma permanente (ou contínua) submetida ao regime de direito público, executada concreta e diretamente pelo Estado, ou por aqueles, a quem tal incumbência for delegada, visando à satisfação de necessidades ou à criação de utilidades, ambas de interesse coletivo.

Destaca-se assim, das definições supra citadas, ser o serviço público

submetido ao regime do direito público, por conseqüência de seu caráter social

envolvido, representando o interesse coletivo a ser tutelado. Se submete a tal

regime devido sua essencialidade e por objetivar a satisfação de necessidades de

interesse coletivo, ou, criar utilidade para satisfaçam o mesmo.

1.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Como dito anteriormente, os serviços públicos são analisados nos mais

variados aspectos, por isso sua classificação também observa diversos critérios.

Já conceituado “serviços públicos”, resta ainda ser dito que continuamente se

vê os serviços públicos sendo classificados pelos doutrinadores como, “serviços

públicos” e “serviços de utilidade pública”.

27

De tal modo, para que se compreenda o cerne dos serviços públicos,

observar-se-á a distinção entre os serviços públicos e os serviços de utilidade

pública, onde estes [serviços de utilidade pública] estão contidos naquele [serviços

público], ou seja, é uma definição distinta de alguns serviços públicos, devido sua

essência.

Serviços públicos são serviços prestados pela Administração diretamente,

sem poderem ser delegados, por serem essenciais e geralmente exigirem atos de

império em relação aos administrados e medidas compulsórias. São serviços

necessários a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. Satisfazem

necessidades gerais da sociedade para que ela subsista e se desenvolva, a

exemplo da defesa nacional. (MEIRELLES, 2003).

Serviços de utilidade pública são serviços considerados convenientes e úteis,

porém não essenciais e necessários à vida do grupo social, tendo objetivo de

facilitar a vida do indivíduo na coletividade, assim, são prestados pela Administração

diretamente ou a quem seja delegado através de concessão, permissão ou

autorização que o faça, nas condições e sob o controle do Poder Público, mas por

conta e risco dos prestadores, sendo serviços remunerados pelos usuários.

(MEIRELLES, 2003). Exemplo de serviços de utilidade pública, é o serviço de

transporte coletivo e outros.

Consistem em serviços prestados, por serem convenientes, com a intenção

de facilitar a vida dos indivíduos e proporcionar a estes bem-estar, sob a égide das

normas de Poder Público (estatal), devendo este fiscalizar a execução de tais

serviços.

Moreira Neto (2003, p. 415) ao definir seu conceito de serviços públicos,

refere-se aos serviços de utilidade pública dizendo que:

A atividade jurídica do Estado, como a denomina Caio Tácito, em oposição à atividade social, caracteriza-se por ser essencial à sua existência, voltada que está à satisfação de necessidades primárias da sociedade, vale dizer, aos interesses coletivos de fruição indivisível, cuja satisfação é, por sua vez, condição necessária para que o Poder Público possa desempenhar quaisquer outras atividades, que lhe venham a ser cometidas por essa própria ordem jurídica instituída. Exceto essas, todas as demais incumbências cometidas ao Estado pela ordem jurídica, denominadas atividades sociais, consistem na satisfação de necessidades secundárias da sociedade, que vêm a ser os interesses coletivos, de fruição divisível, que são atendidos por serviços de utilidade pública postos à disposição dos particulares.

28

De tal modo, pelas lições precedentes nota-se que os serviços de utilidade

pública são também serviços dos quais os indivíduos necessitam em sua vida

coletiva, mesmo que secundariamente, porém por sua natureza de não

essencialidade, poderão ser prestados de maneira direta ou indireta, não deixando

de ter, porém, o Poder Público, sua responsabilidade sobre eles.

Vê-se muitos doutrinadores citando o serviço de energia elétrica como sendo

serviço de utilidade pública, atribuindo a ele caráter de não essencialidade,

entretanto, no decorrer desta pesquisa se constatará a procedência ou não de tal

atribuição, porém, ainda se fazem necessárias outras investigações, por isso é

imperativo que se examine algumas classificações dos serviços públicos.

Elucidar-se-á a classificação dos serviços públicos acerca das características

inerentes a estes, destacadas pela maioria dos doutrinadores.

1.2.1 Quanto à Entidade a Quem Foram Atribuídos

As entidades são federais, estaduais, distritais e municipais. Regulados e

contratados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, e

executados pelos mesmos ou a quem lhes seja dado concessão ou permissão.

Assim, serão classificados como próprios, os prestados diretamente pela

Administração, sendo serviços privativos do Poder Público, onde a Administração

usa de sua soberania sobre os administrados, não podendo tais serviços serem

delegados através de concessão ou permissão.

Para melhor compreensão, podemos ilustrar citando como exemplo os

serviços de segurança, polícia, saúde pública. Geralmente tais serviços por serem

essenciais não são remunerados.

Serão classificados ainda, como impróprios do Estado, sendo estes serviços

de conveniência para o bem estar dos cidadãos, onde a Administração poderá

prestá-los diretamente ou permitir que sejam prestados por terceiros através de

concessão, permissão ou autorização, neste último caso, todavia, são prestados

29

dentro das regulamentações e controle do Poder Público. A Administração presta

este tipo de serviço remuneradamente.

1.2.2 Quanto à Essencialidade

Neste aspecto poderão ser essenciais, ou, não essenciais. Os serviços

essenciais são em geral de execução privativa da Administração Pública, e são

considerados assim pela lei e também por sua natureza. Essenciais são os serviços

que não podem faltar por serem imprescindíveis à vida e, a vida em sociedade.

Exemplos de serviços essenciais são: a segurança pública, a saúde pública, o

abastecimento de água, a energia elétrica e outros.

Acerca dos serviços essenciais, destaca-se:

Essenciais, por fim, diga-se, são os serviços que não podem faltar. A natureza do serviço os indica e a lei os considera como indispensáveis à vida e à convivência dos administrados na sociedade, como são os serviços de segurança externa, de segurança pública e os judiciários. Para fins do exercício do direito de greve, outros serviços e atividades são considerados essenciais, consoante estabelece o art. 10 da Lei federal n. 7.783, de 28 de junho de 198913, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. (GASPARINI, 2004, p. 282).

Não essenciais são os serviços que, como os essenciais, são assim

considerados pela lei e pela sua natureza. Tais serviços não são privativos da

Administração Pública e sua execução é uma faculdade do particular. São, portanto,

13 Ar t . 10. São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; I I - assistência médica e hospitalar; I I I - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VI I - telecomunicações; VI I I - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI - compensação bancária.

30

considerados serviços de utilidade, porém não de necessidade para o convívio

social. Exemplo de serviço não essencial é o serviço de telefonia entre outros.

1.2.3 Quanto aos Usuários

Quanto aos usuários, as considerações doutrinárias os dividem em gerais, ou,

“Uti universi14” e individuais, ou, “Uti singuli15”.

A primeira categoria, serviços públicos gerais, refere-se aos serviços

prestados à sociedade em geral, ou seja, toda a população administrada, sendo

considerados serviços indivisíveis, como exemplo da iluminação pública, em que

não se pode identificar o beneficiário do serviço.

Nas palavras de Meirelles (2003, p. 322), Serviços Públicos gerais:

[...] são aqueles que a Administração presta sem ter usuário determinado, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Esses serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que se erijam em direito subjetivo de qualquer administrado à sua obtenção para seu domicílio, para sua rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto é, não mensuráveis na sua utilização. Daí por que, normalmente, os serviços uti universi devem ser mantidos por imposto (tributo geral), e não por taxa ou tarifa, que é remuneração mensurável e proporcional ao uso individual do serviço.

A segunda, serviços individuais, são serviços divisíveis, designados a

usuários certos. Nos ensinamento de Führer (2001, p. 53) “são também serviços

prestados a todos, mas com possibilidade de identificação dos beneficiários”.

Meirelles (2003, p. 322), define os serviços individuais da seguinte forma:

São os que têm usuário determinado e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. Esses serviços, desde que implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para todos os administrados que se encontrem na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as exigências regulamentares. São sempre serviços de utilização individual, facultativa e

14 Uti universi significa “Em conjunto” (CASTRO, 1995, p. 179). 15 Uti singuli significa “Em separado” (CASTRO, 1995, p. 179).

31

mensurável, pelo quê devem ser remunerados por taxa (tributo) ou tarifa (preço público), e não por imposto.

Arquétipos desta categoria de serviços são os de distribuição de água

domiciliar, postal, telefônico, etc.

1.2.4 Quanto à Obrigatoriedade da Utilização

No que tange a obrigatoriedade da utilização dos serviços públicos, vê-se que

estes podem ser classificados como compulsórios, ou, facultativos.

Os serviços compulsórios não podem ser recusados pelos usuários, são

impingidos a estes. As condições de prestação de tais serviços são estabelecidas

em lei. No caso de ser remunerado, sua cobrança se fará através de taxa (tributo).

Não poderá um serviço compulsório ser interrompido mesmo que falte

pagamento por parte do beneficiário, quando remunerados.

Exemplos de tais serviços são: a coleta de lixo, de esgoto e outros.

Serviços facultativos, do contrário, são serviços colocados a disposição da

sociedade, porém cada usuário pode aceitar e escolher utilizar, ou não. A utilização

não lhes é imposta, apenas disponibilizada. Caso de tal serviço é o transporte

coletivo.

Os serviços facultativos são remunerados através de tarifa ou preço, podendo

estes ser interrompidos, conforme entendimento da maioria dos doutrinadores, caso

não haja o pagamento por parte do usuário.

1.2.5 Quanto à Execução

Serão executados de forma direta, ou, indireta. Naquela trata-se dos serviços

que a Administração Pública proporciona através de seus órgãos e agentes, sendo

então de execução direta, sempre que prestados pelo Poder Público.

32

A execução indireta será a prestada por terceiros, concessionários e

permissionários, através de licitação, conforme determina o artigo 175 da

Constituição Federal.

1.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Na prestação dos serviços públicos devem ser observados oito princípios

específicos, sejam os serviços prestados pela Administração Pública diretamente ou

por seus concessionários ou permissionários, além de outros princípios de direito

que também servem de norte para a prestação dos serviços públicos.

O entendimento da aplicação destes oito princípios é pacífico na doutrina, e

emana também de lei federal (Lei n° 8.987/1995). Porém, Moreira Neto (2003, p.

416) considera apenas sete deles, deixando de fora o princípio da cortesia. O

mencionado doutrinador afirma:

Em decorrência do exposto, o regime dos serviços públicos apresenta características funcionais próprias, que o estremam do regime comum dos serviços privados, sintetizada em oito princípios jurídicos informativos dos serviços públicos: a generalidade, a continuidade, a regularidade, a eficiência, a atualidade, a segurança e a modicidade, que em conjunto, atendem ao conceito jurídico indeterminado constitucional de serviço adequado (art. 175, parágrafo único, IV, CF)16, tal como constante da Lei nº 8.987, de 15 de fevereiro de 1995 (art. 6º, § 1º)17 e também expresso como direito do consumidor, na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (art. 6º, X)18.

16 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: [...] IV – a obrigação de manter serviço adequado. 17 Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. 18 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

33

Ainda, a Constituição da República Federativa do Brasil, ao tratar dos direitos

e garantias fundamentais, em seu artigo 5º, § 2º, determina que “Os direitos e

garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e

dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte”.

Corroborando o acima exposto, Mello (2000, p. 56) articula:

O art. 37, caput, reportou de modo expresso à Administração Pública (direta e indireta) apenas cinco princípios: da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (este último acrescentado pela EC 19/98). Fácil é ver-se, entretanto, que inúmeros outros mereceram igualmente consagração constitucional: uns, por constarem expressamente da Lei Maior, conquanto não mencionados no art. 37, caput; outros, por nele estarem abrigados logicamente, isto é, como conseqüência irrefragável dos aludidos princípios; outros, finalmente, por serem implicações evidentes do próprio Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo.

Expressa a Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].

No esclarecimento da importância dos princípios na prestação de serviços

públicos, destaca-se o que nos diz Medauar (1995, p. 143):

O ordenamento pátrio confere relevo aos princípios gerais do direito. [...] No direito administrativo, os princípios revestem-se de grande importância [...] sobretudo para possibilitar a solução de casos não previstos, para permitir melhor compreensão dos textos esparsos e para conferir certa segurança aos cidadãos quanto à extensão dos seus direitos e deveres.

Desta forma, percebe-se a importância dos princípios e o quanto é grave

violá-los, mais até do que uma própria norma, pois infringir um princípio é ofender a

todo o sistema jurídico, sendo uma forma de inconstitucionalidade.

Interessantes ainda as lições de Sundfeld, em relação aos princípios no

Direito Público:

34

[...] os princípios são verdadeiras normas jurídicas; logo, devem ser tomados em consideração para solução de problemas jurídicos concretos. (2001, p. 145). [...] Ocorre que os princípios nem sempre estão inscritos explicitamente19 em algum texto normativo. Freqüentemente, estão apenas implícitos 20 , tornando-se necessário desvendá-los. (2001, p. 149). [...] Os princípios implícitos são tão importantes quanto os explícitos; constituem, como estes, verdadeiras normas jurídicas. Por isso, desconhecê-los é tão grave quanto desconsiderar quaisquer outros princípios. (2001, p. 150).

Para o presente trabalho, apesar da indiscutível importância que cada

princípio contém para a realização dos serviços públicos, não se fará necessário que

todos sejam verificados. Logo, restará analisar individualmente os princípios

relevantes ao fim a que o presente trabalho se destina.

1.3.1 Princípio da Generalidade

O princípio da generalidade é conjeturado na Constituição da República

Federativa do Brasil em dois artigos, sendo eles o art. 5.º de onde decorre do

princípio da igualdade, e no art. 37, emanando da impessoalidade prevista no

referido artigo, porém indistintamente em ambos os artigos significando que os

cidadãos administrados devem ser tratados igualmente, sem discriminação de

qualquer natureza, pelo Poder Público, ou seja, por quem lhes presta os serviços

públicos.

Nos termos usados por Gasparini (2004, p. 286) “Satisfeitas as condições

para sua obtenção, deve ser prestado sem qualquer discriminação a quem o

solicita”.

Para Moreira Neto (2003, p. 417), o principio da generalidade é:

19 Explícito = “adj. Expresso formalmente; claro”. (AURÉLIO, 1985, p. 210). 20 Implícito = “adj. Que está envolvido, mas não de modo claro; subentendido”. (AURÉLIO, 1985, p. 258)

35

[...] o mais importante dos princípios setoriais dos serviços públicos, e que, assinaladamente, marca sua vocação universal, isonômica 21 e democrática. A característica universal assegura a maior extensão possível da oferta de serviço aos interessados; a isonômica afiança a igualdade de tratamento aos usuários, e a democrática garante a participação do usuário em tudo o que se refira ao serviço que lhe é oferecido ou prestado. [...] A violação deste princípio caracterizará favorecimentos, privilégios, discriminações e outros abusos intoleráveis, que deverão ser prontamente corrigidos, sem prejuízo das perdas e danos a que derem causa.

Conforme o exposto, vê-se que o Poder Público por sua própria razão de ser

e por suas funções, deve manter sempre disponíveis para os usuários o mantimento

de serviços públicos, e isto não é uma favor ou uma conveniência por ele feita para

seus administrados, mas sim um dever legal, de onde se pode exigir que isto seja

feito tanto pelo próprio Poder Público, quanto por seus delegados.

1.3.2 Princípio da Eficiência

Estabelecido no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de

forma expressa através da Emenda Constitucional nº 19/1998, porém já antes

existente implicitamente, o princípio da eficiência requer sejam os serviços públicos

prestados da melhor maneira possível, com observância a padrões de qualidade, a

fim de alcançar as finalidades a ele determinadas por lei.

Este princípio exige que a atividade administrativa seja exercida com

presteza, perfeição e rendimento funcional. O princípio da eficiência é o mais

moderno da função administrativa, que já não se satisfaz mais em ser 21 “Igualmente jurídica, portanto, porque, naturalmente, os homens são desiguais. Assim, o princípio da isonomia ou igualdade não afirma que todos os homens são iguais no intelecto, na capacidade de trabalho ou na condição econômica. O que ele quer, realmente, expressar, é a igualdade de tratamento perante a lei, devendo o aplicador desta levar em consideração o pensamento de Aristóteles, de que méritos iguais devem ser tratados igualmente, mas situações desiguais devem ser tratadas desigualmente. Os antigos gregos empregavam três expressões bem definidas para delimitar o status individual: isonomia, isegoria e isotimia. Isonomia era, como visto, a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de grau, classe ou poder econômico. Isegoria, de isos = igual, e agos = orador, significa a liberdade de expressar opiniões nas assembléias. Isotimia, de isos = igualdade, e timos = riqueza, indicava o direito de todos ao acesso às funções públicas, abolindo-se os títulos e privilégios hereditários, fundados, quase sempre, na riqueza. A CF observa o princípio da isonomia em vários dispositivos: arts. 5º , caput, e I , VI I I , XXXVII e XLI I , e 7º, XXX, XXXI e XXXIV e a CLT: arts. 3º, 5º e 8º”. (Disponível em: <http:/ /www.dj i .com.br /d ic ionar io/ isonomia.htm>. Acesso em: 02/09/2006).

36

desempenhada apenas com legalidade, exigindo também resultados positivos na

prestação dos serviços públicos e um atendimento suficientemente satisfatório das

necessidades de seus usuários. (MEIRELLES, 2003).

Assevera Gasparini (2004, p. 285):

A eficiência exige que o responsável pelo serviço público se preocupe sobremaneira com o bom resultado prático da prestação que cabe oferecer aos usuários. Ademais, os serviços, por força dessa exigência, devem ser prestados sem desperdício de qualquer natureza, evitando-se assim, onerar os usuários por falta de método ou racionalização no seu desempenho. Deve-se ainda, buscar o máximo de resultado com o mínimo de investimento, barateando a sua prestação e, por conseguinte, o custo para os usuários.

Destaca-se mais uma doutrina a respeito do tema:

Mas, para que esses padrões qualidade sejam juridicamente exigíveis, é necessário que se definam parâmetros legais, para que sua satisfação possa ser aferida, como, por exemplo, sob critérios de tempo, de recursos empregados, de generalidade do atendimento ou das respostas de usuários (feed-back), pois, como já se esclareceu o conceito jurídico de eficiência jamais poderá ser subjetivo, de outro modo chegar-se-ia ao arbítrio na atividade de controle [...]. Desde que foi consagrado na Carta Magna, o dever de eficiência no setor público, em geral, passou a ser exigível como um direito difuso da cidadania, ainda porque o próprio constituinte sublinhou desde logo a importância que lhe conferiu, ao determinar, ainda no desenvolvimento do mesmo articulado, que o legislador o regulasse especialmente três aspectos de controle de resultado: primeiro, quanto à disciplina das reclamações relativas à prestação de serviços públicos em geral, segundo, assegurando a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e, terceiro, determinando a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços (art. 37, § 3º, I)22. (MOREIRA NETO, 2003, p. 418)

Ante tudo o que foi visto, concluí-se que o princípio da eficiência exige que os

serviços estejam se atualizando constantemente e buscando sempre melhores

resultados na sua prestação, com isto oferecendo sempre o que há de melhor,

22 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta ou indireta, regulando especialmente: I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;

37

dentro da possibilidade financeira, analisando sempre relações de padrões de

qualidade, custo-benefício e necessidade real da coletividade.

1.3.3 Princípio da Continuidade

Uma vez os serviços instituídos, estes não poderão simplesmente deixar de

ser prestados pela Administração Pública, do contrário, eles deverão ser contínuos,

é o que denota o princípio da continuidade, pois a ordem jurídica, mediante lei,

impõe ao Estado que ele faça a prestação, e está deverá então ser

permanentemente garantida aos usuários.

O princípio da continuidade decorre da obrigatoriedade do desempenho da

atividade administrativa, e a atividade administrativa é subordinada ao princípio

fundamental da indisponibilidade, pela Administração, dos interesses coletivos,

assim em face do princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade pública,

típico do regime administrativo, a Administração tem o dever de continuidade no

desempenho de seus serviços.

Para Mello (2000, p. 41-42), com relação aos interesses públicos e sua

relação com o princípio da continuidade:

Com efeito, uma vez que a Administração é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles, é, para ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em quaisquer circunstâncias [...] a Administração tem o dever, mesmo no curso de uma concessão de serviço público, de assumir o serviço, provisória ou definitivamente, no caso de o concessionário, com culpa ou sem culpa, deixar de prossegui-lo convenientemente [...] A Administração não dispõe dos interesses públicos a seu talante: antes, é obrigada a zelar por eles ao influxo do princípio da legalidade, já referido.

Devendo ser os serviços públicos prestados continua e ininterruptamente,

conforme o princípio aqui tratado, dele surgem conseqüências jurídicas, tais como, a

38

responsabilidade em desistir da prestação de um serviço sob alegação de deficit23, a

impossibilidade de fazer greve aos encarregados de tais serviços.

Acerca do tema, destacam-se algumas lições extraídas das doutrinas para

posteriores explanações:

A continuidade impõe ao serviço público o caráter de ser contínuo, sucessivo. O serviço público não pode sofrer solução de continuidade. Vale dizer: uma vez instituído deve ser prestado normalmente, salvo por motivo de greve, nos termos da lei reguladora. Não caracteriza descontinuidade da prestação do serviço público quando interrompido em face de uma situação de emergência ou quando sua paralisação se der, após competente aviso, por motivo de ordem técnica ou de segurança das instalações, ou, ainda, por falta de pagamento dos usuários, conforme estabelece o § 3º do art. 6º

da Lei Federal das Concessões e Permissões24. (GASPARINI. 2004, p. 285)

Essa permanência do serviço à disposição dos administrados não significa, todavia, necessariamente, que não haja interrupções, o que pode ocorrer, tanto por motivos de ordem geral, como os de força maior, mencionados, na legislação ordinária, como os que resultam de uma situação de emergência ou, ainda, após um prévio aviso, sempre que possível, se for motivada por razões de ordem técnica e segurança das instalações (Lei nº8.987, de 13 de fevereiro de 1995, art. 6º, § 3º, e seu inciso I), e até por motivos de ordem particular, desde que justifiquem a paralisação, como, entre outros, a inadimplência do usuário (leg. cit., art. 6º, § 3º, II). (MOREIRA NETO. 2003, p. 417)

Vê-se, pelo do que foi citado anteriormente, que diversos autores, após a Lei

n° 8.987/95, lei que trata das concessões e permissões dos serviços públicos,

proferem seus entendimentos como se a mesma tivesse legalizado a interrupção do

serviço público por inadimplemento do usuário, pelo que determina o § 3º, do inciso

II, do seu artigo 6º.

23 Déficit ou Défice é um termo contabilístico de origem latina, que se caracteriza por um saldo negativo resultante de, em um orçamento, ter mais gastos, ou despesas do que ganhos, ou recei tas . Tal orçamento é chamado de deficitário. Corresponde ao prejuízo em balanços de empresas não econômicas ou "sem fins lucrativos". [...] O Deficit Pode ser Provocado pelo gastos excessivos do estado, quer em gastos socias ou em gastos com a Administração públ ica. (Disponível em: <http:/ /p t .wik ipedia.org/wik i/D%C3%A9f ic i t>. Acesso em: 02/09/2006). 24 Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. [...] § 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

39

Contudo, o texto da referida lei de concessões e permissões de serviços

públicos, viola dispositivos constitucionais, sobrepõe outros interesses não

considerando o interesse da coletividade, pois é possível mensurar os prejuízos e

amarguras que a interrupção de um serviço público pode causar a um usuário,

mesmo que temporariamente, o que se tornará mais claro no decorrer do presente

trabalho.

Ademais, a letra da Lei n° 8.987/95 viola ainda o princípio da regularidade e

da continuidade, pois não há que se falar em serviço regular se o mesmo não for

contínuo.

1.3.4 Princípio da Regularidade

Os serviços públicos, independentemente de quem os executem – Poder

Público ou seus delegados – deve ser mantido com regularidade, ou seja, não

poderá apresentar mudanças de suas características técnicas.

Conforme ensinamentos de Gasparini (2004, p. 285):

A regularidade exige que os serviços sejam prestados segundo padrões de qualidade e quantidade impostos pela Administração Pública tendo em vista o número e as exigências dos usuários, observando-se, ainda, as condições técnicas exigidas pela própria natureza do serviço público e as condições de sua prestação.

Pode-se citar ainda, a fim de enriquecimento, o que diz Moreira Neto (2003, p.

418): “Tais características, para serem asseguradas, devem estar expressas em

regras jurídicas legais, regulamentares ou contratuais, de modo que possam ser

exigidas pelos usuários”.

Conclui-se de tal maneira, que não basta o serviço público ser contínuo,

deverá ele também ser regular em relação aos padrões de sua prestação.

40

1.3.5 Outros Princípios de Direito aplicados aos Serviços Públicos

Ainda, se reveste de grande importância para a aplicação dos serviços

públicos, que sejam observados dois princípios aplicados no Direito Público, o

princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, e o principio da

legalidade. Tais princípios terão fundamental papel na boa prestação dos serviços

públicos, tanto pela Administração, quanto por terceiros.

1.3.5.1 Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado

Com exceção da coisa julgada, do ato perfeito e do direito adquirido, que não

podem ser atingidos pelo ato administrativo, o interesse público será maior que

qualquer interesse dentro do contexto social, ou seja, sempre o interesse público irá

sobressair ao interesse privado.

Para que se entenda a supremacia do interesse público sobre o privado, se

faz necessária uma noção acerca do “interesse público”, e para isto adota-se a lição

de Mello (2000, p. 57-59):

[...] na medida em que se fica com a noção altanto obscura de que transcende os interesses próprios de cada um, sem se aprofundar a compostura deste interesse tão amplo, acentua-se um falso antagonismo entre o interesse das partes e o interesse do todo, propiciando-se a errônea suposição de que se trata de um interesse [...] desvinculado dos interesses de cada uma das partes que compõe o todo. [...] na verdade, o interesse público, o interesse do todo, do conjunto social, nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade (entificada juridicamente no Estado) [...] [...] o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem.

Sobre o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado,

destacam-se alguns posicionamentos doutrinários:

41

O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares. Dele decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que, por isso, mediante lei poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia. (MEIRELLES, 2003, p. 99 e 100).

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI)25, ou tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social. (MELLO. 2000, p. 67-68).

Dos ensinamentos acima, pode-se ressaltar que o princípio do interesse

público sobre o privado, é principio de extrema importância nas atividades do Poder

Público, pois este existe com o objetivo de alcançar a satisfação do interesse geral e

o bem comum. Assim, tanto a Administração quanto seus concessionários e

permissionários, devem estar obrigados à observância de tal principio, não podendo

ainda dispor do interesse público, que é interesse superior, sendo este inclusive

outro princípio implícito na Constituição da República Federativa do Brasil, pelo qual

o administrador não disporá dos bens, poderes e etc. de interesse público.

1.3.5.2 Princípio da legalidade

Tratado pelos doutrinadores como sendo o princípio de maior relevância no

regime jurídico-administrativo, o princípio da legalidade denota que o administrador

25 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes dispositivos: [...] III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor;

42

público está condicionado ao acolhimento da lei e do Direito, ele não pode desviar

do que a lei determina que ele deva fazer, ou poderá estar cometendo ato inválido,

sujeito a responsabilização disciplinar, civil e até mesmo criminal.

Moreira Neto (2003, p. 80) afirma que “O princípio da legalidade assoma,

assim, como o mais importante dos princípios instrumentais e informa, entre muitas

teorias de primacial relevância na dogmática jurídica, as da relação jurídica

administrativa, das nulidades e do controle”.

Na administração particular entende-se como lícito fazer tudo o que a lei não

proíbe, já na Administração Pública, só poderá ser praticado o que a lei autoriza.

Neste contexto, importantes são os ensinamentos de Meirelles (2003, p. 87)

acerca de tal princípio:

As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa.

Mais uma vez utilizando-se das lições de Meirelles, citando-o quando o

mesmo discorre sobre o cumprimento das exigências legais pelo administrador, que

este deve não apenas cumpri-las conforme são exigidas, mas sim buscar alcançar o

objetivo do espírito ao qual ela está revestida.

Cumprir simplesmente a lei na frieza de seu texto não é o mesmo que atendê-la na sua letra e no seu espírito. A administração, por isso, deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais. (2003, p. 87).

Mello (2000, p. 73), sobre a previsão do princípio da legalidade no texto

constitucional: “No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria

43

estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está

radicado especificamente nos arts. 5º, II26, 3727 e 84, IV28, da Constituição Federal”.

Quando se trata da lei a ser seguida aqui, refere-se a todas as normas do

nosso ordenamento jurídico, ou seja, leis, decretos, resoluções, e demais.

O objetivo do princípio da legalidade é de evitar o arbítrio dos administradores

e, assim como os demais princípios, deve ser respeitado também por seus

concessionários ou permissionários para evitar também o arbítrio destes.

26 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 27 Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] 28 Art. 84 Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

44

2 A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Os serviços públicos deverão ser prestados na forma da lei, diretamente pelo

Poder Público ou por suas concessionárias ou permissionárias. Isto já se verificou

no início deste trabalho, quando foi citado o texto do artigo 175 da Constituição da

República Federativa do Brasil. Assim, desde logo se averigua que a prestação dos

serviços públicos não se dá de forma única e exclusiva pelo Poder Público. Não que

a figura do Poder Público não esteja sempre presente nos serviços públicos, mas

esta poderá não estar de forma direta e exclusiva em sua execução.

Em tempo, conforme foi visto anteriormente no item que tratou da

classificação dos serviços públicos, quanto à forma de prestação (execução) destes,

poderá ser utilizada a forma direta ou a forma indireta.

Contudo, resta que a prestação dos serviços públicos seja analisada de

maneira mais minuciosa, pois a verificação do ente titular de competência

constitucional é fundamental para que se possa ponderar se a prestação está se

dando de forma direta ou indireta.

Sendo serviços considerados públicos, por lógica haverá a participação do

Poder Público em tudo que lhe diga respeito, mas ainda não considerando bastante

o conhecimento obtido até o presente momento a este respeito, a pesquisa adiante

será dedicada a analisar, não exaustivamente, a atuação do Poder Público na

prestação dos serviços públicos.

Elucidativo é o ensinamento de Meirelles (2003, p. 323), ao demonstrar como

é indispensável o sujeito Poder Público, mesmo nos serviços em que ele delega a

sua execução:

A regulamentação e controle do serviço público e de utilidade pública caberão sempre e sempre ao Poder Público, qualquer que seja a modalidade de sua prestação aos usuários. O fato de tais serviços serem delegados a terceiros, estranhos à Administração Pública, não retira do Estado seu poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los exigindo sempre sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para sua prestação ao público. Qualquer deficiência do serviço que revele inaptidão de quem o presta ou descumprimento de obrigações impostas pela Administração ensejará a intervenção imediata do Poder Público delegante para regularizar seu funcionamento ou retirar-lhe a prestação.

45

Relevante também é a doutrina de Sundfeld (2001, p. 83) com relação a

delegação dos serviços públicos:

Por múltiplas razões, as normas centralizam certas atividades nas mãos do Estado, definindo-as como serviços públicos: para ordenar o aproveitamento de recursos finitos (como os hidroelétricos), controlar a utilização de materiais perigosos (como os potenciais nucleares), favorecer o rápido desenvolvimento nacional, realizar a justiça social, manter a unidade do país e assim por diante. Apesar de pertencentes ao Estado, serviços públicos podem ser desenvolvidos por particulares no regime de concessão ou permissão, visto produzirem resultados econômicos. [...] áreas definidas como de “serviços públicos” não são franqueadas à atuação dos particulares enquanto tais, mas sempre como substitutos do Estado. Daí o estudo do serviço público estar sempre ligado à figura da delegação. A delegação é o ato administrativo pelo qual a Administração transfere transitoriamente a particular o exercício do direito à exploração de serviço público. O Poder Público trespassa apenas o exercício da atividade, mantendo sua titularidade. [...] a delegação instaura vínculo especial entre Administração e administrado, sujeito a rompimento na dependência do apontado pelo interesse público. A empresa particular delegatária prestará o serviço sob regime de direito público, justamente por estar exercendo atividade estatal, não atividade privada.

Assim sendo, verifica-se o que é necessário para os objetivos buscados por

esta pesquisa, com relação à prestação dos serviços públicos quanto à competência

e principalmente quanto à delegação destes.

2.1 OS SERVIÇOS PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA

DO BRASIL

Ainda, além das regras inerentes à execução dos serviços públicos, encontra-

se também na Constituição da República Federativa do Brasil aquelas pertinentes à

sua instituição, regulamentação e controle, destinando estas, expressa ou

implicitamente, aos deveres e ao desempenho das atividades do Poder Público.

A instituição, regulamentação, execução e controle dos serviços públicos, qualquer que seja sua espécie ou modalidade de oferecimento aos usuários, são, em tese, sempre da alçada da Administração Pública.

46

Os serviços públicos são instituídos pela Constituição da República e, segundo ela, distribuídos à cura da União, dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios, a quem cabe, conforme a competência, a regulamentação, execução e controle. (GASPARINI. 2004, p. 278)

Deverá instituir, regulamentar, executar e controlar os serviços públicos, o

ente que tiver a titularidade da competência para isto, ou no caso da execução,

quem for determinado por este, na forma na lei.

A Constituição Federal autorizou à União, além de outros, a exploração dos

serviços expressos no artigo 2129, que lhe serão privativos, e os do artigo 2330, que

poderão ser desenvolvidos paralelamente com os Estados, Distrito Federal e

Municípios, sendo que neste último caso, será normatizado por lei complementar 29 Art. 21. Compete à União: [...] XI- explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; [...] 30 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

47

“para a cooperação entre as três entidades estatais, tendo em vista o equilíbrio do

desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. (MEIRELLES, 2003).

Aos Estados a Constituição Federal não discriminou quais seriam os serviços

públicos de sua competência de forma expressa, apenas lhe assegurou os serviços

remanescentes (artigo 25, §1º)31. Assim, está expresso no texto constitucional o que

ficou reservado à União (artigo 21) e as matérias comuns entre as entidades estatais

(artigo 23), restando o que aí não estiver previsto para os Estados.

A Constituição Federal previu expressamente apenas um serviço de

competência dos Estados (artigo 25, §2º)32, que determina a exploração de gás

canalizado pelo Estado ou seus concessionários, afastando inclusive a competência

do Município para a distribuição local no gás.

Moreira Neto (2003, p. 422) articula:

[...] além dessas, explícitas, são reservadas, aos Estados e ao Distrito Federal, competências implícitas para instituir todas as demais modalidades de serviços públicos, desde que não lhes tenham vedadas pela Constituição (art. 25, § 1º), no desempenho de sua competência remanescente.

Interessante é o ensinamento de Meirelles (2003, p. 328) a respeito da

competência dos Estados:

Não se pode relacionar exaustivamente os serviços da alçada estadual, porque variam segundo as possibilidades do Governo e as necessidades de suas populações. Por exclusão, pertencem ao Estado-membro todos os serviços públicos não reservados à União nem atribuídos ao Município pelo critério de interesse local. Nesse sentido, cabem ao Estado os serviços e obras que ultrapassam as divisas de um Município ou afeta interesses regionais. Pela mesma razão, compete ao Estado-membro à realização de serviços de interesse geral, ou de grupos ou categorias de habitantes disseminados pelo seu território, e em relação aos quais não haja predominância do interesse local sobre o estadual.

Exemplo disso é o serviço de transporte coletivo intermunicipal. 31 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. § 1º São reservadas as Estados as competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição. 32 Art. 25. [...] § 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para sua regulamentação.

48

O Distrito Federal, por previsão do artigo 32, §1º, da Constituição da

República Federativa do Brasil33, terá competência para os serviços que cabem os

Estados e aos Municípios.

Sobre os Municípios, a Constituição da República Federativa do Brasil

estatuiu em seu artigo 30, inciso V34, que será de sua competência todos os serviços

públicos que digam respeito aos interesses locais.

Sobre ao que se refere a expressão “interesse local”, empregada pela

Constituição Federal, diz Meirelles (2003, p. 329):

O interesse local, já definimos, não é o interesse exclusivo do Município, porque não há interesse municipal que o não seja, reflexamente, do Estado-membro e da União. O que caracteriza o interesse local é a predominância desse interesse para o Município em relação ao eventual interesse estadual ou federal acerca do mesmo assunto. O critério do interesse local é sempre relativo ao das demais entidades estatais. Se predomina sobre determinada matéria o interesse do Município em relação ao do Estado-membro e ao da Federação, tal matéria é da competência do Município; se seu interesse é secundário comparativamente ao das demais pessoas político-administrativas, a matéria refoge de sua competência privativa, passando para a que tiver interesse predominante a respeito do assunto.

De tal forma, o interesse local a que se refere o citado dispositivo

constitucional, é o predominantemente do Município em relação aos interesses dos

Estados e da União, pois não há interesse do Município que não seja também dos

Estados e da União, assim como não há interesse da União e dos Estados que não

seja também interesse do Município e dos munícipes, que são também integrantes

da Federação.

A Constituição Federal outorga ao Município, através do art. 30, IV 35 , a

competência para “criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação

estadual”.

33 Art. 32. [...] § 1º Ao Distrito Federal são atribuída às competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios. 34 Art. 30. Compete aos Municípios: [...] V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial. 35 Art. 30. Compete aos Municípios: [...] IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

49

Já para a prestação do serviço de transporte coletivo, a Constituição Federal,

através do artigo 30, inciso V (anteriormente transcrito), delegou competência aos

Municípios, por ser este essencial.

Além da competência municipal acima mencionada, há outros serviços não

expressos na Constituição Federal, pois “salvo os antes mencionados, inútil será

qualquer tentativa de enumeração exaustiva dos serviços locais, uma vez que a

constante ampliação das funções municipais exige, dia a dia, novos serviços”.

(MEIRELLES, 2003, p. 330).

Ainda no que tange as competências, citando Meirelles (2003, p. 327-328),

verifica-se a distinção entre a competência executiva e legislativa:

A Constituição de 1988 manteve a mesma linha básica de repartição de competências advinda das Constituições anteriores: poderes reservados ou enumerados da União (arts. 21 e 22), poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º) e poderes indicativos para o Município (art. 30). Não obstante, procurou distinguir a competência executiva da competência legislativa. A primeira é a competência material para a execução dos serviços, que pode ser privativa (art. 21) ou comum (art. 23). A segunda refere-se à capacidade de editar leis e pode ser também privativa (art. 22)36, concorrente (art. 24)37 e suplementar (arts. 2238, § 2º, e 30, II). No âmbito da competência legislativa concorrente, a Constituição reservou-a apenas à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24). E nos parágrafos desse artigo procurou sistematizar a concorrência legislativa, que sempre foi campo fértil de discussões judiciais. Assim, nessa área, a competência da União limita-se a estabelecer normas gerais (§ 1º); estas, porém, não excluem a legislação complementar dos Estados (§ 2º); inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão competência, para atender a suas peculiaridades (§ 3º); mas a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (§ 4º). A competência legislativa suplementar foi deferida aos Estados (art. 24, § 2º), mas estendida também aos Municípios, aos quais compete “suplementar a legislação federal e estadual no que couber” (art. 30, II)39.

36 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre [...] 37 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre [...] 38 Nota-se que esta citação do artigo 22, § 2º, da Constituição Federal, feita pelo autor foi equivocada, até por que o artigo 22 só possui parágrafo único. O autor deve ter tido a intenção de citar o artigo 24, pois este trata em seu § 2º, da competência suplementar: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. 39 Art. 30. Compete aos Municípios: [...] II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

50

Do ensinamento de Meirelles não resta o que esclarecer, visto a simplicidade

e clareza com que demonstrou a competência executiva e legislativa dentro do texto

constitucional, todavia é uma construção de grande relevância e deve ser muito bem

analisada.

No que tange a regulamentação dos serviços públicos, como já demonstrado

no início deste capítulo, quando citado Meirelles, mesmo que a execução dos

serviços públicos seja delegada a terceiros, não deixará de ter o Poder Público seu

poder de regulá-los e controlá-los.

A entidade competente para um determinado serviço público deve proceder a

regulamentação do mesmo, estabelecendo se a fruição pelos administrados é

facultativa ou compulsória. Quando se fala em regulamentação dos serviços

públicos, está se falando em determinar a forma em que será prestado, as

obrigações e direitos atinentes dele a cargo do usuário, qual será a modalidade de

sua remuneração e os aspectos de interesse público. Se uma entidade interferir na

regulamentação dos serviços de competência de outra entidade, será

inconstitucional. (GASPARINI, 2004).

Quanto à execução dos serviços públicos, pode-se verificar que a cada dia a

regra de que tais serviços sejam prestados diretamente pela Administração Pública

está sendo posta menos em prática, isto devido ao crescimento constante das

necessidades dos administrados em relação a utilidades e comodidades para sua

vida e para a convivência em sociedade, e pela falta de recursos do Poder Público.

Desta forma, cada vez mais, a titularidade da execução dos serviços públicos está

sendo passada a terceiros delegados, estranhos, ou não, à Administração Pública, e

que deverão ser prestados conforme regulamentar o Estado.

A execução dos serviços públicos, após sua instituição e

regulamentação, está a cargo da União, dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios, em razão da mesma distribuição de competências. Assim, pode-se dizer que a execução é da responsabilidade da entidade competente para instituir, se for o caso, e regulamentar o serviço público. Quem é competente para instituir e regulamentar é competente para executar (Administração direta) ou atribuir a outrem a respectiva execução (Administração indireta), consoante estabelece o art. 175 da Constituição Federal. A União ou quem lhe faz às vezes executa os serviços federais. Os Estados-Membros ou quem atue em seu lugar prestam os serviços estaduais. Os Municípios ou quem lhes faça às vezes promovem os serviços distritais, ou seja, os que caberiam aos Estados e aos Municípios. Qualquer interferência de uma das entidades políticas na

51

execução dos serviços de outra é inconstitucional. (GASPARINI, 2004, p. 280 e 281).

A Constituição da República Federativa do Brasil fez previsão para que o ente

público que tenha titularidade para executar o serviço possa atribuir a outro ente

(público ou privado) a execução deste. Então o serviço será executado ou

diretamente pela Administração Pública, aquela que possua competência para sua

instituição e regulamentação, ou, a quem está determinar que o faça, indiretamente,

nas formas da lei, ou seja, através dos meios previstos em lei, que são concessão e

permissão, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal.

O controle dos serviços públicos não está previsto de forma expressa na lei,

porém deverá haver sempre, assegurando os interesses coletivos.

Martins dos Anjos e Jone dos Anjos (2001, p. 224-225) ainda esclarecem:

[...] administração Pública deve-se manter informada, permanentemente, sobre o comportamento de quem executa serviços de sua alçada, como os concessionários e permissionários. Verificar se o atendimento é satisfatório no desejado. Examinar livros, registros, documentos e assentamentos, assim como impor novas medidas ou tomar providencias na execução e na fiscalização da lisura de atuação do executor. Pode cassar (extinção por inadimplemento) ou resgatar (extinção por mérito) se os interesses coletivos aconselharem.

Assim, a administração pública, deve controlar os serviços que delegou a

terceiros, mas não somente estes, também deve haver o controle dos serviços

prestados pela própria entidade a que se atribuiu à cura. Neste caso, devem

prevalecer “os princípios das atribuições hierárquica e disciplinar” (GASPARINI.

2004, p. 281). Assim, havendo esta fiscalização das atividades desenvolvidas e dos

servidores que a desenvolverem, se garantirá uma prestação adequada dos

serviços.

52

2.1.1 Formas de Prestação

Os serviços públicos privativos serão prestados diretamente ou através de

autorização, concessão ou permissão. Tais serviços estão previstos no artigo 21,

inciso XII, da Constituição Federal, assim como outros serviços aos quais sejam

necessários atos de império para seu exercício.

O Estado, por expressa disposição constitucional, tem o dever de prestar

serviços de educação, saúde e previdência (artigo 6°), porém não são todos os

serviços que são postos a compila do Poder Público que devem ser prestados

somente por este, sendo excluídos da iniciativa privada. Exemplo disto são os

serviços de educação e saúde aos quais é lícito ao particular realizar, independente

de concessão, se submetendo apenas à fiscalização do Poder Público.

Desta forma, existem os serviços que, apesar de ser dever do Estado prestá-

los, não são dele privativos, pois o Estado poderá desempenhá-los empregando-

lhes o regime do Direito Público, não impedindo, contudo, que sejam

desempenhados com a livre iniciativa do ramo de atividades a que fazem parte.

Os serviços públicos serão prestados de forma centralizada, descentralizada

ou desconcentrada.

O serviço será centralizado quando for o Poder Público quem o prestar,

sendo seu titular e seu prestador, segundo Meirelles (2003), o prestará por seus

próprios órgãos, em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade.

No mesmo sentido, Gasparini (2004, p. 297) define a execução centralizada:

Diz-se que a prestação ou a execução dos serviços públicos é centralizada quando a atividade, sobre integrar o aparelho administrativo do Estado, é realizada por meio do órgão que o compõe, em seu próprio nome e sob sua inteira responsabilidade. O serviço vai da Administração Pública, que o executa e explora, ao administrado, seu beneficiário último, sem passar por interposta pessoa.

Descentralizado será o serviço ao qual o Poder Público transferir sua

titularidade, ou sua execução, através de outorga ou delegação, às autarquias,

fundações, empresas estatais, empresas privadas ou particulares individualmente.

(MEIRELLES, 2003).

53

Ainda citando Meirelles (2003, p. 330-331), este conceitua e diferencia

outorga e delegação:

Há outorga quando o Estado cria uma entidade e a ela transfere, por lei, determinado serviço público ou de utilidade pública. Há delegação quando o Estado transfere, por contrato (concessão) ou ato unilateral (permissão ou autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle estatal. A distinção entre serviço outorgado e serviço delegado fundamental, porque aquele é transferido por lei e só por lei pode ser retirado ou modificado, e este tem apenas sua execução transpassada à terceiro, por ato administrativo (bilateral ou unilateral), pelo quê pode ser revogado, modificado e anulado, como são os atos dessa natureza. A delegação é menos que a outorga, porque esta traz uma presunção de definitividade e aquela de transitoriedade, razão pela qual os serviços outorgados o são, normalmente, por tempo indeterminado e os delegados por prazo certo, para que ao seu término retornem ao delegante. Mas em ambas as hipóteses o serviço continua sendo público ou de utilidade pública, apenas descentralizado, contudo sempre sujeito aos requisitos originários e sob regulamentação e controle do Poder Público que os descentralizou.

Elucidativa ainda a conceituação de Gasparini (2004, p. 297 e 298) quanto à

prestação descentralizada dos serviços públicos, como se vê:

A prestação dos serviços públicos é descentralizada na medida em que a atividade administrativa (titularidade e execução) ou sua mera execução é atribuída à outra entidade, distinta da Administração Pública, para que a realize. Desloca-se a atividade, ou tão-só o seu exercício, da Administração Pública central para outra pessoa jurídica, esta privada, pública ou governamental.

O serviço desconcentrado é o que a Administração Pública executa

centralizadamente, mas o atribui entre vários órgãos da mesma entidade, para

facilitar sua realização e obtenção pelos usuários. (MEIRELLES, 2003).

A legislação, muitas vezes, confunde a desconcentração com a

descentralização, e isto pode ser verificado por exemplo no Decreto Lei n° 200/67

(que trata da organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a

reforma administrativa e dá outras providências).

Segundo Meirelles (2003, p. 331), a distinção entre desconcentração e

descentralização é a seguinte:

54

A desconcentração é uma técnica administrativa de simplificação e aceleração do serviço dentro da mesma entidade, diversamente da descentralização, que é uma técnica de especialização, consistente na retirada do serviço dentro de uma entidade e transferência a outra para que o execute com mais perfeição e autonomia.

Gasparini (2004, p. 299) também faz a diferenciação entre a desconcentração

e descentralização:

Na descentralização têm-se duas pessoas: a entidade central e a descentralizada; a que outorga e a que é outorgada. Na desconcentração só há uma: a central. Na descentralização a atividade transferida ou a sua simples execução está fora da Administração Pública, ao passo que a atividade desconcentrada está no interior. Lá não há hierarquia; aqui há.

Agora que já se tem uma noção da prestação de serviços públicos, direta e

indiretamente, tem-se ainda que verificar de que formas serão as prestações

descentralizadas, ou seja, as formas de delegação a terceiros.

2.2 CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

A primeira forma utilizada pelo Poder Público para transferir á terceiros à

execução dos serviços públicos foi a concessão. Isto se deu pela necessidade de

novas formas de prestação dos serviços, pois o Estado, saindo do liberalismo,

assumiu novas responsabilidades sociais e econômicas.

Na procura de aliviar o Poder Público, e fazendo uso do princípio da

subsidiariedade, o legislador possibilita que algumas tarefas públicas de exploração

econômica sejam executadas pelo setor privado, com vantagem e sem

comprometimento aos princípios que lhe regem. Esta execução se dá, como já foi

visto, de forma descentralizada ou desconcentrada.

Di Pietro (2006, p. 295), tratando do surgimento da concessão e já dando

uma prévia definição quanto ao mesmo, diz que:

O procedimento utilizado, inicialmente, foi a delegação da execução de serviços públicos a empresas particulares, mediante concessão; por meio

55

dela, o particular (concessionário) executa o serviço, em seu próprio nome e por sua conta e risco, mas mediante fiscalização e controle da Administração Pública, inclusive sob o aspecto da remuneração cobrada ao usuário – a tarifa –, a qual é fixada pelo poder concedente.

Sendo público o serviço prestado, natural que seja regido, na maior parte, por

normas de Direito Público. Desta maneira, a Constituição da República Federativa

do Brasil, em seus artigos 175, já anteriormente citado, e 17340, fizeram a previsão

da prestação do serviço público sob regime de concessão.

Para melhor aplicação dos referidos artigos, aplicam-se as Leis n° 8.987 (que

dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos,

entre outras providencias) e Lei n° 9.074 (que estabelece normas para outorga e

prorrogação das concessões e prorrogações de serviços públicos, entre outras

providencias) ambas de 1995, contando também, subsidiariamente, com a Lei n°

8.666, de 1993 (que regulamenta o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal41,

institui normas para licitações e contratos da Administração e dá outras

providencias).

A concessão de serviços públicos pode ser conceituada como sendo o ato

pelo qual o Poder Público delega, ou seja, transfere a prestação de um serviço

público para entidades públicas ou privadas, que irão executá-los por sua conta e

risco, em regra sendo remuneradas por esta prestação pelo usuário.

Telles (2000) lembra que só poderão ser objeto de concessão serviços que

não sejam próprios do Poder Público, ou seja, serviços que não sejam indelegáveis,

como por exemplo, é a distribuição da justiça.

Nelson Schiesari (1977, apud Telles, 2000, p. 119), leciona sobre a definição

de concessão:

40 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. 41 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: [...] XXI – ressalvados os casos específicos na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações;

56

A concessão de serviço público é um instituto de direito público pelo qual o Estado transfere à pessoa, física ou jurídica, de direito privado – e por conta e risco desta – a incumbência de fazer funcionar um serviço público, sempre de natureza industrial, como o abastecimento de água, gás, eletricidade ou de transporte ferroviário ou urbano. Ocorre, por esse meio, o fenômeno da descentralização de uma atividade reservada ao Estado, que por isso mesmo, não é de livre iniciativa. Quando outorga a exploração do serviço industrial o Estado denomina-se Poder concedente e o outorgado, concessionário.

O poder concedente é o Poder Público que possuí a titularidade da

competência para o serviço, que para Martins dos Anjos e Jone dos Anjos (2001, p.

164), “é a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência

se encontre o serviço público”, e o concessionário, a pessoa jurídica ou o consórcio

de empresas a quem foi concedido, por um prazo determinado, a execução do

serviço, devendo, porém, o concessionário, obedecer as normas determinadas pelo

concedente para a realização dos serviços. O usuário será o beneficiário da

prestação do serviço.

Segundo Meirelles (2003, p. 367), tece esclarecimentos importantes acerca

da concessão:

Pela concessão o poder concedente não transfere propriedade alguma ao concessionário, nem se despoja de qualquer direito ou prerrogativa pública. Delega apenas a execução do serviço, nos limites e condições legais ou contratuais, sempre sujeita a regulamentação e fiscalização do concedente.

A Lei n° 8.987/1995, em seu artigo 2º, inciso II, define concessão de serviço

público:

Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: [...] II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

O conceito da lei se difere do doutrinário apenas pelo fato de restringir a

licitação na modalidade de concorrência e não admitir delegação às pessoas físicas.

57

A concessão é tida como um contrato administrativo através do qual é

delegada a execução do serviço, na forma em que autorizar e regulamentar o

Executivo, sob regime misto, público e privado. A concessão deve ser conferida de

maneira geral, sem exclusividade, garantindo que haja a competição entre os

interessados, proporcionando assim, que se tenham melhores serviços e menores

preços oferecidos aos usuários.

O contrato de concessão será bilateral, oneroso, comutativo e intuitu

personae42, possuindo segundo os ensinamentos de Moreira Neto (2003, p. 428), as

seguintes características:

A concessão, como contrato administrativo, tem por características: a imperatividade, imanente, mas apenas em potencial; a validade, construída sobre a presunção de veracidade, de legalidade, de legitimidade e de licitude dos pressupostos fáticos e jurídicos sobre os quais foi estabelecida; a eficiência decorrente da presumida validade; a exeqüibilidade, com a possibilidade de execução imediata; a executoriedade, que é própria dos atos em que a Administração é parte; a bilateralidade, referida aos efeitos desejados; a comutatividade expressa na equivalência das prestações recíprocas; a onerosidade, dada à existência de obrigações de valor econômico; e a instabilidade, tanto quanto ao conteúdo obrigacional de interesse público, quanto à própria permanência da relação contratual.

As características acima descritas permitem uma clara noção de como se dão

os contratos de concessão, entre o poder concedente e a concessionária, e o que

deve neles ser contemplado.

Um interessante exemplo de concessão de serviço público é a “reforma e

conservação de estrada de rodagem, remunerada depois pelo pedágio, pago pelos

usuários”. (FÜHRER; FÜHRER, 2001, p. 55).

Muitas doutrinas falam em concessão de serviços públicos, concessão de

serviços públicos precedida de obra pública e concessão de uso de bem público.

Para os propósitos desta pesquisa não se faz necessária a análise das outras

modalidades, mesmo sendo estas muito importantes e de interessante estudo,

interessando aqui apenas a análise da concessão de serviços públicos.

Utilizando as palavras de Bandeira de Mello (2000, p. 629), “só se tem

concessão de serviço público – e o próprio nome do instituto já o diz – quando o

42 Intuitu personae significa “Obrigação contraída, contrato firmado com uma pessoa especialmente; e somente com essa pessoa”. (CASTRO, 1995, p. 94)

58

objetivo do ato for o de ensejar uma exploração de atividade a ser prestada

universalmente ao público em geral”. Ademais, ainda se faz necessário uma

análise da forma em que esta concessão se dá.

O anteriormente mencionado artigo 175 da Constituição Federal, ao aportar à

concessão e permissão de serviços públicos, determinou que estes se realizassem

através de licitação. A Lei n° 8.987/1995, em seu artigo 2º, inciso II, definiu que esta

licitação se daria pela modalidade de concorrência. No entanto, a Lei n° 9.491/1997

aprovou a modalidade de leilão, quando indicado pelo Conselho Nacional como

desestatização, não sendo porém esta a regra a ser seguida.

Gasparini (2004, p. 318-319) descreve o procedimento e a formalização da

concessão de serviço público de maneira adequada para uma simples

compreensão:

O procedimento tem início com a publicação do edital de concorrência, que informará em que condições será outorgada a execução e exploração do serviço público não ou insuficientemente descentralizado. Os interessados habilitados, nos termos desse ato, apresentarão as propostas. Dentre estas, por critérios objetivos indicados no art. 15 43 da Lei federal n. 8.987/95, a Administração Pública licitante escolherá a mais vantajosa e ao seu proponente adjudicará a execução e exploração do serviço público licitado. Uma vez adjudicado o objeto da licitação, deve ser notificado o proponente-adjudicatário, não para que concorde com as condições, mas para que saiba que foi vencedor do certame e que a Administração está disposta a outorgar-lhe a execução e exploração do serviço público, mediante a celebração de um contrato administrativo de concessão de serviço público. O conteúdo desse contrato é basicamente o conjunto de direitos e obrigações das partes, consignado no edital de licitação e seus anexos e na proposta vencedora. Um bom roteiro desse conteúdo está indicado no art. 2344 da Lei federal n. 8.978/95. Nesse preceptivo estão arroladas as

43 Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios: I - o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado; II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga de concessão; III - a combinação dos critérios referidos nos incisos I e II deste artigo. § 1º A aplicação do critério previsto no inciso III só será admitida quando previamente estabelecida no edital de licitação, inclusive com regras e fórmulas precisas para avaliação econômico-financeira. § 2º O poder concedente recusará propostas manifestamente inexeqüíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação. § 3º Em igualdade de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira. 44 Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: I - ao objeto, à área e ao prazo da concessão; II - ao modo, forma e condições de prestação do serviço; III - aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço; IV - ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas; V - aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e

59

cláusulas essenciais do contrato de concessão de serviço público. A concessão de serviço público formaliza-se por contrato administrativo, enquanto a permissão de serviços públicos, mediante contrato de adesão, ainda que para nós ambas tenham, praticamente, idêntico regime jurídico.

Além de prever a possibilidade de concessão de serviços públicos e

advertir que este se faça através de licitação, a Constituição Federal, em seu artigo

175, parágrafo único, determina:

Art. 175 [...] Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado.

O mencionado dispositivo delibera que caberá a entidade que conceder o

serviço editar a lei que regulamentará suas concessões. Poderão, todavia, os

Estados e os Municípios, ao invés de aprovar suas leis próprias, adotar a lei federal.

Porém, isto deverá ser feito mediante lei. Tal hipótese é uma possibilidade dada aos

Estados e Municípios, mas não é regra a ser seguida.

conseqüentemente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações; VI - aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço; VII - à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la; VIII - às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação; IX - aos casos de extinção da concessão; X - aos bens reversíveis; XI - aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso; XII - às condições para prorrogação do contrato; XIII - à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente; XIV - à exigência da publicação de demonstração financeiras periódicas da concessionária; XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. Parágrafo único. Os contratos relativos à concessão de serviço público precedido da execução de obra pública deverão, adicionalmente: I - estipular os cronogramas físico-financeiros de execução das obras vinculadas à concessão; II - exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das obrigações relativas às obras vinculadas à concessão.

60

Todavia, há divergência doutrinária em relação ao que delibera este artigo, no

que diz respeito às normas editadas pelos Estados e Municípios deverem observar

as “normas gerais”, que seriam as leis federais, ou terem total autonomia para editar

suas leis ou adotar leis federais.

Neste sentido, Mukai (2002, p. 7) faz importantes considerações,

esclarecendo a divergência mencionada, que apesar de extensas, cita-se:

O art. 1º da Lei n. 8.987/1995 dispõe que as concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos, reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por essa Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos. O seu parágrafo único, a exemplo do que fizera (inconstitucionalmente) a Lei das Licitações e Contratos Públicos (Lei n. 8.666/93), no mesmo lugar, reza: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei, buscando atender às peculiaridades das diversas modalidades dos seus serviços”. Ora, a Constituição Federal não concedeu à União, nem no art. 175, nem no seu parágrafo único, competência para baixar uma lei, pretensamente nacional, para dispor sobre concessões e permissões de serviços públicos, estatuindo normas gerais e/ou específicas, cogentes a Estados, Distrito Federal e Municípios. Quando o parágrafo único do art. 175 referiu-se à Lei que disciplinaria o assunto, evidentemente, ao intérprete cabe visualizá-la no contexto do sistema federativo que está insculpido no Texto Constitucional. Destarte, referida Lei não pode ser senão uma lei própria e privativa de cada ente federativo; jamais poderia ser uma Lei Nacional, que não está no texto (parágrafo único do art. 175). Está claro que o art. 175 não contemplou a hipótese de uma Lei Federal exclusiva para disciplinar as concessões e permissões de serviços públicos em todas as esferas de Governo. Também o art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal somente concedeu competência à União para baixar normas gerais sobre licitações e contratações em todos os níveis de Governo, nas diversas modalidades. Tais normas gerais podem referir-se, evidentemente, às licitações e contratos relativos às concessões e permissões, mas devem limitar-se a elas. Não podem, a esse pretexto, como fez a Lei n. 8.666/93, invadir as competências estaduais e municipais sobre a matéria, como faz, ainda, a Lei n. 8.987/95, no parágrafo único do art. 1º.

As considerações acima são relevantes e merecem análise. Todavia, apesar

de concordar com o autor acima mencionado e entender também por

inconstitucional o que preleciona a Lei n° 8.987/1995, a presente pesquisa segue

tratando-a como “normal geral”, visto que é assim que ela é considerada pela

maioria dos doutrinadores.

61

Entre o concedente e o concessionário se estabelece um vínculo

contratualista, ou seja, se dá através de um contrato bilateral e comutativo, que cria

obrigações recíprocas. (TELLES, 2000).

A necessidade da existência de contrato entre as partes para cerrar a

concessão, após feita a licitação, ficou clara no inciso I do parágrafo único do artigo

175 da Constituição Federal, quando este falou do “caráter especial de seu

contrato”.

Segundo Meirelles (2003, p. 370), as concessões ficaram sujeitas a:

[...] duas categorias de normas: as de natureza regulamentar e as de ordem contratual. [...] aquelas são alteráveis unilateralmente pelo Poder Público segundo as exigências da comunidade; como cláusulas contratuais, estas são fixas, só podendo ser modificadas por acordo entre as partes.

Meirelles (2003) ainda esclarece que o Poder Público poderá mudar as

cláusulas regulamentares do contrato unilateralmente, ou seja, sem audiência do

concessionário. Logo, só poderão ser feitas alterações unilaterais com relação aos

requisitos dos serviços, devendo ser revisadas cláusulas econômicas que forem

afetadas pela alteração, para que não haja desequilíbrio econômico para o

concessionário.

Em todos os atos ou contratos administrativos, como são os que cometem a exploração de serviços públicos a particulares, está sempre presente a possibilidade de modificação unilateral de suas cláusulas pelo Poder Público ou de revogação da delegação, desde que o interesse coletivo assim o exija. Esse poder discricionário da Administração é, hoje, ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência. [...] O fim precípuo do serviço público ou de utilidade pública, como o próprio nome está a indicar, é servir ao público, e secundariamente, produzir renda a quem o explora. Daí decorre o dever indeclinável de o concedente regulamentar, fiscalizar e intervir no serviço concedido sempre que não estiver sendo prestado a contento do público a que é destinado. (MEIRELLES. 2003, p. 323).

O contrato de concessão de serviço público deve ser celebrado por prazo

determinado, e este espaço de tempo em que se realizará a execução do serviço

pelo concessionário deve ser previamente determinado no edital, bem como no

contrato de concessão.

62

Não existe prazo mínimo ou máximo previsto por lei. O Executivo o

determinará, em cada caso, analisando “especialmente, a demora do retorno do

investimento a ser realizado na execução do serviço público e a tarifa a ser

praticada”. (GASPARINI, 2004, p. 312).

A Lei n° 8.987/1995 possibilitou a prorrogação do prazo do contrato, podendo

este ser prorrogado por menor, igual ou maior prazo, devendo tal prorrogação ser

prevista no contrato de concessão.

O Poder Executivo irá determinar a fiscalização da prestação do serviço

público, por ser, nas palavras de Meirelles (2003, p. 375), “fiador de sua regularidade

e boa execução perante os usuários”, bem como irá definir o regulamento para sua

execução. A este respeito Meirelles (2003, p. 372) ainda faz relevantes

considerações:

Nos poderes de regulamentação e controle se compreende a faculdade de o Poder Público modificar a qualquer tempo o funcionamento do serviço concedido, visando à sua melhoria e aperfeiçoamento técnico, assim como a de aplicar penalidades corretivas ao concessionário (multas, intervenção no serviço) e afasta-lo definitivamente da execução (cassação da concessão e rescisão do contrato), uma vez comprovada sua incapacidade moral, financeira ou técnica para executá-lo em condições satisfatórias.

Ainda com relação à fiscalização, tratada especificamente no artigo 30 da Lei

n° 8.987/1995, o doutrinador citado acima prolata que tem a Administração Pública o

direito e o dever de fiscalizar as empresas exigindo uma prestação em caráter geral,

permanente, regular, eficiente e com tarifas módicas, estando implícito neste poder

de fiscalizar o de intervenção para regularização dos serviços nas hipóteses de

prestação deficiente aos usuários ou de sua paralisação indevida.

Com relação à rescisão da concessão de serviço público a que fez menção o

artigo 175 da Constituição Federal, esta é, segundo (Meirelles, 2003, p. 378), “a

retomada do serviço concedido pelo Poder Público”, e verifica-se que poderá ocorrer

de diversas formas e por diversos motivos. Remete-se, novamente, aos

ensinamentos de Meirelles (2003, p. 378), que demonstra as possíveis formas e

motivos de rescisão:

O primeiro é o término do prazo da concessão, também conhecido como reversão, porque representa o retorno do serviço ao poder concedente; o segundo motivo é o interesse público superveniente à concessão,

63

denominado de encampação ou resgate; a inadimplência do concessionário pode conduzir à rescisão unilateral do contrato por parte do poder concedente, designada por caducidade; o descumprimento de cláusula contratual pelo poder concedente dá ensejo a que o concessionário demande a rescisão do contrato; e, finalmente, a ilegalidade da concessão ou do contrato pode impor sua anulação.

Os direitos do usuário deverão ser bem assegurados no contrato de

concessão, para que estes não sejam tratados com descaso pela concessionária,

sendo de tanta importância que receberam atenção específica da Constituição

Federal no inciso II do parágrafo único do artigo 175.

A este respeito, apropriadas e relevantes são as considerações de Di Pietro

(2006, p. 300):

[...] o usuário tem direito à prestação do serviço; se este lhe for indevidamente negado, pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação pelo concessionário; é comum ocorrerem casos de interrupção na prestação de serviços como os de luz, água e gás, quando o usuário interrompe o pagamento; mesmo nessas circunstancias. Existe jurisprudência não unânime no sentido de que o serviço, sendo essencial, não pode ser suspenso, cabendo ao concessionário cobrar do usuário as prestações devidas, usando das ações judiciais cabíveis.

O concessionário que executa o serviço público é remunerado através de

tarifa cobrada do usuário a quem é prestado o serviço. Esta tarifa tem natureza de

preço público e deverá ser fixada no contrato de concessão. Os artigos 9º45 e 23,

inciso IV, da Lei n° 8.987/1995, dispõem sobre as mesmas.

45 Art. 9º A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. § 1º A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior. § 2º Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro. § 3º Ressalvados os Impostos sobre a Renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso. § 4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.

64

Para Mello (2001, p. 652):

As tarifas devem ser módicas (conforme prevê o § 1º do art. 6º46), isto é, acessíveis aos usuários, de modo a não onerá-los excessivamente, pois o serviço público, por definição, corresponde à satisfação de uma necessidade ou conveniência básica dos membros da Sociedade.

A fixação das tarifas e a alteração destas serão através de ato administrativo,

e não dependerão de lei para tanto, devendo ser a “fixada na proposta vencedora da

licitação”. (GASPARINI, 2004, 323).

“A Lei federal n. 8.987/1995, em seu art. 6º, exige a execução de serviço

público adequado ao pleno atendimento dos usuários, consoante indicado nas

normas pertinentes e no contrato de concessão”. (GASPARINI, 2004, p. 325).

Em outro momento da presente pesquisa já foram referidos alguns requisitos

advertidos no parágrafo acima transcrito, quando se trata dos princípios aplicáveis

aos serviços públicos. Desta forma, a execução dos serviços públicos por concessão

deverá também reger-se pelos princípios comuns a qualquer serviço público,

conforme regularizou a Lei n° 8.987/1995, para que se alcance o serviço adequado

que estabeleceu a Constituição Federal.

Como os serviços públicos buscam atender ao interesse coletivo, o poder

concedente tem poderes para fazer com que isto se realize.

Segundo Mello (2000, p. 644), “A Lei 8.987 não os arrola de modo completo e

sistemático sob tal rubrica, mas concentra a maioria deles sob o rótulo de ‘Encargos

do Poder Concedente’, no art. 2947, dispositivo este que enumera diversas de suas

atribuições”.

46 Lei n° 8.987/1995 - Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. 47 Lei n° 8.987/1995 Art. 29. Incumbe ao poder concedente: I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação; II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuais; III - intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei; IV - extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato; V - homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma desta Lei, das normas pertinentes e do contrato; VI - cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão;

65

2.2.1 Direitos e encargos do concessionário

Além do direito de explorar determinado serviço público, o concessionário terá

seus demais direitos resguardados pelo contrato de concessão e também pela Lei nº

8.987/1995.

Quanto ao contrato de concessão e aos direitos do concessionário com

relação a este, Gasparini (2004, p. 322) faz interessante colocação:

À Administração Pública é atribuído o dever-poder de, ao longo da dilação temporal da concessão de serviço público, alterar, unilateralmente, as cláusulas ou condições segundo as quais o serviço deve ser prestado. Apesar disso, não pode a Administração Pública concedente exigir o desempenho de atividades incompatíveis com o objeto do contato de concessão de serviço público.

O concessionário tem também o direito de justa remuneração pelo serviço

prestado, bem como a revisão destas tarifas quando necessário. Além disso, tem

ainda direito a outras fontes de alternativas de receita.

Gasparini (2004, p. 323) destaca que:

O concessionário tem direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de serviço público, visando igualar os encargos da execução à justa remuneração. Essa relação encargo-remuneração, também chamada de equação econômico-financeira, é da natureza da concessão de serviços públicos.

VII - zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas; VIII - declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, diretamente ou mediante outorga de poderes á concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; IX - declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; X - estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio ambiente e conservação; XI - incentivar a competitividade; XII - estimular a formação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço.

66

Assim como o concessionário tem seus direitos assegurados, tem também ele

encargos a ser cumpridos. Tais encargos estão determinados nos incisos do artigo

3148 da Lei nº 8.987/1995.

2.3 PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Além da concessão, outra forma de delegação prevista em lei, para prestação

indireta do serviço público, é a permissão de serviços públicos, conceituada no

artigo 2º, inciso IV, da Lei 8.987/199549.

Diferente da concessão, a permissão se delega através de ato unilateral da

Administração, sendo “aquela com maior formalidade e estabilidade para o serviço;

esta com mais simplicidade e precariedade na execução”. (MEIRELLES, 2003, p.

382).

Mello (2001, p. 671-672) define a permissão de serviços públicos da seguinte

forma:

Permissão de serviço público, segundo conceito tradicionalmente acolhido na doutrina, é o ato unilateral e precário, intuitu personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade

48 Art. 31. Incumbe à concessionária: I - prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato; I - manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão; III - prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato; IV - cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; V - permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis; VI - promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato; VII - zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente; VIII - captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço. Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas pela concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente. 49 Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: [...] IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

67

de cobrança de tarifas dos usuários. Dita outorga se faz por licitação (art. 175 da Constituição Federal) e pode ser gratuita ou onerosa, isto é, exigindo-se do permissionário pagamento(s) como contraprestação. [...] Dita precariedade significa, afinal, que a Administração dispõe de poderes para, flexivelmente, estabelecer alterações ou encerrá-la, a qualquer tempo, desde que fundadas razões de interesse público o aconselhem, sem obrigação de indenizar o permissionário.

Assim, não sendo mais conveniente a permissão, esta poderá ser revogada a

qualquer momento, sem que o permissionário seja indenizado, a não ser em alguns

casos em que se comprove prejuízo.

O permissionário deve prestar, bem como o concessionário, serviço

adequado, respondendo exclusivamente, ou seja, sem responsabilidade solidária do

poder permitente, por eventuais danos que venha a causar.

Assim como na concessão, também na permissão o Poder Público deverá

fiscalizar a prestação do serviço. Nesse contexto Telles (2000, p. 125) esclarece:

Assim, assiste-lhe o direito de promover alterações na execução do serviço, exigir pagamentos, a título de remuneração (desde que previstos no ato da permissão), impor tributos ao outorgado, fixar garantias, objetivando todas estas medidas a melhoria, a eficiência e a regularidade da prestação do serviço.

A permissão admite o estabelecimento de prazo e condições para sua

execução.

São exemplos de serviços explorados por permissão o abastecimento de

água, o transporte coletivo, entre outros.

2.4 SERVIÇOS AUTORIZADOS

A autorização de serviços públicos poderá ser dada para a execução de

serviços de interesse da coletividade, mas que não tenham que ser prestados

propriamente pelo Poder Público, devendo, entretanto, sua execução ser autorizada

e controlada pela Administração Pública.

68

Serviços autorizados são aqueles que o Poder Público, por ato unilateral, precário e discricionário, consente na sua execução por particular para atender a interesses coletivos instáveis ou emergência transitória. Fora destes casos, para não fraudar o princípio constitucional da licitação, a delegação deve ser feita mediante permissão ou concessão. São serviços delegados e controlados pela Administração autorizante, normalmente sem regulamentação específica, e sujeitos, por índole, a constantes modificações do modo de sua prestação ao público e a supressão a qualquer momento, o que agrava sua precariedade. (MEIRELLES, 2003, p. 384).

A autorização de serviços públicos reger-se-á, no que for cabível, pelas

mesmas regras da concessão e permissão. (FÜHRER; FÜHRER, 2001).

São exemplos de serviços autorizados o de energia elétrica, previsto na Lei n°

9.074/1995, em seu artigo 7º50, o de despachante, de táxi, entre outros.

2.5 AGÊNCIAS REGULADORAS

Como se pôde constatar, muitos serviços públicos têm sido delegados a

terceiros através de concessão, permissão e autorização. Porém, o Estado outorga

apenas a execução dos serviços, permanecendo ele responsável pela

regulamentação, controle e fiscalização de tais serviços. Para isso, no intuito de

atender o interesse coletivo, e pela necessidade de melhor desempenho de tais

atribuições, até mesmo pelo volume de delegações, são criadas na Administração

Pública, as Agências Reguladoras, com a finalidade única de desempenho destas

atribuições. Estas Agências “foram instituídas como autarquias sob regime especial,

com o propósito de assegurar sua autoridade e autonomia administrativa [...]

considerando-se o regime especial como o conjunto de privilégios específicos que a

lei outorga à entidade para a consecução de seus fins”. (MEIRELLES, 2003, p. 342-

343).

50 Lei n° 9.074/1995 Art. 7° São objeto de autorização: I - a implantação de usinas termelétricas, de potência superior a 5.000 kW, destinada a uso exclusivo do autoprodutor; II - o aproveitamento de potenciais hidráulicos, de potência superior a 1.000 kW e igual ou inferior a 10.000 kW, destinados a uso exclusivo do autoprodutor. Parágrafo único. As usinas termelétricas referidas neste e nos arts. 5º e 6º não compreendem aquelas cuja fonte primária de energia é a nuclear.

69

Tais agências, que no Brasil têm assumido a forma de autarquias especiais, devem obedecer aos seguintes princípios setoriais, necessários para assegurar sua independência funcional e a cabal satisfação de suas respectivas missões: 1º) independência política dos dirigentes, a serem nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, mas sob aprovação do Poder Legislativo, com mandatos estáveis, durante um prazo determinado, e preferentemente defasado dos períodos dos mandatos políticos do Executivo; 2º) independência técnico decisonal, com predomínio da discricionariedade técnica sobre a discricionariedade político-administrativa e sem recurso hierárquico impróprio de suas decisões para o Poder Executivo; 3º) independência normativa, necessária para a disciplina autônoma dos serviços públicos e das atividades econômicas submetidos à sua regulação e controle; 4º) independência gerencial, orçamentária e financeira, preferencialmente ampliada por meio de contratos de gestão (acordos de programa) celebrados com o órgão supervisor da Administração Direta. (MOREIRA NETO, 2003, p. 437).

Ainda em relação à autarquia, verifica-se a lição de Meirelles (2003, p. 344):

[...] a autarquia, sendo um prolongamento do Poder Público, uma longa manus do Estado, executa serviços próprios do Estado, em condições idênticas às do Estado, com os mesmos privilégios da Administração-matriz e passíveis dos mesmos controles dos atos constitucionais. O que diversifica a autarquia do Estado são os métodos operacionais, que permitem maior flexibilidade de atuação, com possibilidade de decisões rápidas e ações imediatas.

Assim, as Agências Reguladoras são autarquias sob regime especial, a quem

é empregada a responsabilidade de regulamentação, controle e fiscalização de

serviços públicos delegados, tendo ela autonomia em seus atos.

70

3 O SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA

No decorrer desta investigação foi visto que diversos são os serviços

prestados pela Administração Pública, direta ou indiretamente, para atender as

necessidades essenciais ou secundárias da sociedade. Foi visto também de que

forma esta prestação se oferece e quais são os diversos critérios que devem ser

sempre atendidos.

Inobstante aos diversos serviços públicos que devem ser garantidos pelo

Poder Público à coletividade, neste momento, a presente pesquisa é direcionada à

análise, com mais minúcias, do serviço público de energia elétrica, para que assim

seja atingido o fim a que se propôs o presente estudo.

3.1 CONCEITO FÍSICO E JURÍDICO DE ENERGIA ELÉTRICA

Antes de conhecer a energia elétrica juridicamente, interessante se faz

identifica-la fisicamente, ou seja, conhecer como a física lhe conceitua. Ferraz Filho

e Moraes (2002, p. 16 e 17) lecionam:

[...] há uma diferença fundamental entre energia e eletricidade. A energia não pode ser criada, mas apenas ser transformada. No conceito físico, a energia transformada, pode apresentar forma estática (eletricidade em repouso) e dinâmica (eletricidade em movimento). Energia é fonte de uma variedade de efeitos, entre os quais, a eletricidade. A eletricidade é a energia transformada em corrente elétrica, daí o nome “energia elétrica”, podendo realizar trabalho com repercussão econômica. Pode ser armazenada ou estocada, na forma estática (ex.: pilhas, baterias, capacitores, acumuladores), ou seja, em pequenas quantidades, mas não pode ser armazenada, nem estocada na forma dinâmica, isto é, em grandes quantidades e é disciplinada pelo Direito de Eletricidade.

Para Campos (2001, p. 23), a “Energia elétrica é a capacidade de realização

de trabalho utilizando eletricidade. A eletricidade é o fenômeno físico de

movimentação de elétrons (corrente), obtido em um condutor (fio), quando

submetido a uma tensão (voltagem)”.

71

O mesmo doutrinador supra mencionado expõe com relação ao, por ele

denominado, “bem energia elétrica”:

Desta forma o bem energia elétrica, em harmonia com os preceitos do Direito Civil, tem valor para a vida social moderna, é objeto das mais variadas relações de direito, é móvel, está dentro do comércio, é acessório em relação ao seu sistema gerador/ transmissor/ distribuidor, é coisa simples, material, singular, de característica divisível, fungível e consumível. (CAMPOS, 2001, p. 23-24).

Ferraz Filho e Moraes (2002, p. 23) dizem que o conceito jurídico de

eletricidade é mais amplo que o físico, pois abarca outros fenômenos além do físico:

os textos legais referentes à energia elétrica contém disposições oriundas da eletrotécnica (que trata do fenômeno físico), outras referentes à sua utilização (uso material, individual e social) e ainda outras sobre as conseqüências econômicas (atividade controladora através de fiscalização do poder Concedente).

3.2 SÍNTESE HISTÓRICA DA ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

No Brasil e no mundo, em tempos passados, o fogo era um dos elementos de

maior importância para a sobrevivência humana, sendo utilizado para prover desde

necessidades como a segurança, quando usado na iluminação, como para

necessidades mais primárias, quando utilizado para aquecer e cozinhar. O fogo era

utilizado nas casas e nas ruas, onde já se tinha a presença da iluminação pública. E

este elemento (fogo) foi utilizado plenamente no Brasil até que o imperador Dom

Pedro II, em seu interesse por inovações apresentadas em diversas exposições

internacionais, teve seu primeiro contato com a energia elétrica, em 1876, na

Exposição de Filadélfia, através dos inventos de Thomas Edison, onde também o

convidou a introduzi-los no Brasil.

Thomas Alva Edison constrói a primeira central elétrica, em 1879, para serviço público de distribuição de energia elétrica à cidade de Nova Iorque, e a primeira linha de transmissão à longa distancia será construída em 1891, na Alemanha. Graças ao interesse que o Imperador Pedro II dispensava às invenções e descobertas científicas, o Brasil é também um dos pioneiros mundiais: no

72

mesmo ano de 1879, ele inaugura a iluminação elétrica da antiga Estação da Corte [...] (BIBLIOTECA DO EXÉRCITO, 1977, p. 53-54)

Assim, em 1879, Dom Pedro II inaugura no Rio de Janeiro, na época capital

do país, as lâmpadas elétricas fabricadas pela Edison Eletric Co., na Estação da

Corte, atualmente chamada D. Pedro II, da Estrada de Ferro Central do Brasil.

(FERRAZ FILHO; MORAES, 2002).

O ano de 1883 também foi marcado por importantes acontecimentos para o

desenvolvimento da energia elétrica no Brasil. Neste ano, a primeira usina

termelétrica do Brasil foi instalada em Campos (atual Estado do Rio de Janeiro). Foi

também, nesta mesma cidade, no mesmo ano, inaugurado o primeiro serviço de

iluminação pública municipal da América do Sul. (FERRAZ FILHO; MORAES, 2002).

Ainda em 1883, no Estado de Minas Gerais, no Ribeirão do Inferno, Diamantina,

ocorreu à primeira experiência de geração hidrelétrica, porém para uso privado.

A primeira usina hidrelétrica para serviço de utilidade pública foi instalada no

Brasil em 1889, no rio Paraibuna, se chamava Marmelos-Zero e abastecia a cidade

de Juiz de Fora – MG. Em 1892, correm os primeiros bondes elétricos, no Rio de

Janeiro. (BIBLIOTECA DO EXÉRCITO, 1977).

Neste período o Estado, devido ao liberalismo econômico, não intervinha na

economia, e teve por isso um papel bastante limitado no desenvolvimento da

indústria de energia elétrica, sendo ela explorada como indústria privada.

[...] muito cedo se revelou a extraordinária capacidade desse fenômeno físico, sem precedentes na história, no campo da indústria e de conseqüências imprevisíveis. Logo a energia elétrica foi absorvida pela atividade econômica, representando o próprio substrato da existência material do mundo moderno. O Estado cedo percebeu a importância da eletricidade, saiu da inércia do liberalismo econômico, reanimado pelas exigências do fenômeno econômico que lhes violentava a estrutura. [...] A atividade material industrial da eletricidade passou a envolver noção de serviço público, dependendo de atos dos Poderes públicos, criando para a satisfação da ordem pública, com lâmpadas nas vias públicas. O Estado passou a prestar esse serviço diretamente ou por concessão, e a indústria da eletricidade perdeu o caráter de indústria privada. [...] Todas as atividades passaram a depender dela e essa dependência impôs, necessariamente, uma rigorosa regulamentação. A sociedade não poderia se expor à sorte, ou azar, de um fluxo tão perigoso sem medidas sociais individuais protetoras. (FERRAZ FILHO; MORAES, 2002, p. 21 e 22)

73

Assim, no transcorrer dos tempos, vários fatos, em especial os políticos,

foram responsáveis pelo desenvolvimento do setor elétrico no Brasil.

Reportando-se ao desenvolvimento da energia elétrica no Estado de Santa

Catarina, em 1897, houve em Joinville a primeira iniciativa para produzir energia

elétrica no Estado, “quando o engenheiro Gustavo Probst, da empresa

Telegrafenbaustalt Siemens & Halske, de Berlim (Alemanha), examinou a viabilidade

de aproveitamento hidrelétrico do Salto Piraí-Pitanga [...]. Formou-se, assim, a

empresa Sociedade por Ações de Luz e Força”. (SANTOS; REIS, 2002, p. 42).

Em Santa Catarina, até pelo menos metade do século, a industrialização de

energia se dava pela iniciativa privada, através de sistemas pequenos de geração de

energia.

Em abril de 1929 foi construída a Empresa Sul Brasileira de Eletricidade S.A

(Empresul), com sede em Joinville, com a incorporação de bens e direitos de

concessão de algumas empresas de eletricidade que até então operavam no norte

do Estado: Empresa de Eletricidade Jaraguá Ltda., de Jaraguá do Sul; Empresa Luz

e Força de São Bento, sob a razão social de Henrique Moeller & Cia.; Empresa de

Electricidade Luz e Telefones de Mafra, Itaiópolis e Rio Negro, sob a firma de

Nicolau Bley Netto; Empresa de Eletricidade Tijuquense Ltda. de Tijucas.

Finalmente, em outubro de 1929, a Empresa Joinvillense de Eletricidade Luz e Força

de Joinville também foi incorporada. (SANTOS; REIS, 2002)

Em 1934, foi promulgado o Código de Águas, Decreto nº 24.643, sendo que

este regulamentou o setor de águas e energia elétrica.

Contudo, no ano de 1955, através do Decreto Estadual nº 22, foi criada a

Celesc – Centrais Elétricas de Santa Catarina, que foi incorporando gradativamente

o patrimônio das antigas empresas geradoras de energia elétrica do Estado, e

passou a dominar todo o potencial energético do Estado de Santa Catarina, vindo a

ser nos dias atuais a estatal mais importante de Santa Catarina.

No Brasil, no ano de 1960, no governo Juscelino Kubitschek, com a Lei nº

3.782, foi criado o Ministério de Minas e Energia, com competência para as áreas

de: geologia, recursos minerais, mineração, indústria do petróleo e indústria de

energia elétrica. (FERRAZ FILHO; MORAES, 2002).

Em 1961, a Lei nº 3.890-A autorizou a União a constituir a empresa

ELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasileiras S.A., empresa de economia mista,

74

sob a jurisdição do Ministério de Minas e Energia, ficando responsável pela

execução política de energia elétrica do País. (FERRAZ FILHO; MORAES, 2002).

Em 1978, o Decreto-lei nº 1.632 regulamentou o artigo 162 da Constituição

Federal então vigente e proibiu qualquer tipo de greve em vários setores, inclusive o

de energia elétrica, por considerá-los serviços essenciais. No mesmo ano, o

Decreto-lei nº 632 proibiu greve nos serviço públicos.

No ano de 1996, a Lei nº 9.427 institui a ANEEL, órgão da administração

pública federal indireta, que surgiu “com a finalidade de regular e fiscalizar a

produção, transmissão e comercialização de energia elétrica, em conformidade com

as Políticas e Diretrizes do Governo Federal” (FERRAZ FILHO; MORAES, 2002, p.

71), sendo vinculada ao Ministério de Minas e Energia e substituiu o DNAEE –

Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, onde lhe foram transferidos

direitos, obrigações, patrimônio etc.

Segundo o autor supra aludido, em 1997, três órgãos passaram a cuidar da

energia elétrica no Brasil: A ANEEL (Agencia Nacional de Energia Elétrica), o

Ministério de Minas e Energia e o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).

A despeito de ser o Brasil um país abundante em recursos hídricos, em 2001,

um fenômeno meteorológico provocou uma enorme baixa nos índices

pluviométricos, ocasionando um colapso na geração de energia das hidrelétricas,

que é justamente onde se concentra a industrialização da energia elétrica brasileira.

Disto resultou um grande racionamento de energia elétrica, e conseqüentemente

grandes perdas na economia.

A partir deste fenômeno o Governo Federal passou a incentivar a construção

de usinas termelétricas, utilizando gás natural. Porém, o gás acabou tendo um custo

muito alto.

Ainda em 2001, foi ampliada a importação de energia elétrica para o Brasil.

Todo este desequilíbrio ocasionou aumento das tarifas de energia elétrica e perdas

na economia.

Na linha da análise acima, Santos e Reis (2002, p. 235) concluem:

A história da humanidade pode ser vista como a história do domínio de diferentes fontes de energia. Nesta perspectiva, a energia elétrica emerge como uma excepcional conquista do ser humano nos últimos 125 anos. Conquista que transformou tanto a base produtiva, quanto a vida cotidiana, dando suporte às mais sofisticadas manifestações da cultura em quase todas as sociedades humanas. No Brasil, e na Região Sul em particular, a

75

energia elétrica foi e continuará a ser uma fonte estratégica para o processo produtivo, para nossa segurança, nosso conforto e a continuidade do modo de vida que conhecemos.

3.3 DO DIREITO DE ELETRICIDADE

Assim como a eletricidade surgiu com o experimento de Thomas Edison, em

1882, também, na prática, o Direito da Eletricidade surge aí. Visto ser a energia

elétrica um fenômeno de grande importância na vida social e econômica, este

precisou ser disciplinado.

O primeiro texto legal sobre eletricidade no mundo foi assinado no ano de

1882 pela rainha Elizabeth, da Inglaterra. Este documento é chamado “Electric

Lighting Act” e permitia a instalação de luz elétrica em Eastbourne e em Hastings.

(FERRAZ FILHO; MORAES, 2002).

Assim, por tornar-se de total interesse público, a eletricidade foi sendo

discutida e disciplinada.

A peculiaridade da energia elétrica impunha ao primeiro texto legislativo inglês dispor claramente que os concessionários estariam sujeitos a regulamentos e condições fixadas na licença para exploração da atividade de fornecimento de eletricidade, prevendo-se, de modo expresso, o suprimento regular e suficiente da corrente elétrica, limitação de preços, proteção à segurança pública, fiscalização por parte dos Poderes Públicos. Os países civilizados desenvolveram de modo exponencial a legislação sobre energia elétrica, para poderem impulsionar o progresso, e fizeram nascer o Direito de Eletricidade, porque a energia elétrica passou a se constituir o substrato básico da vida cultural humana, seja na indústria, no comércio, na produção de artefatos, nos serviços, ou meramente utilizadas no interior dos lares. O Direito de Eletricidade disciplina e incide justamente sobre as manifestações da atividade humana de mais intensa repercussão social, provocando e impondo a presença disciplinadora da lei, cuja finalidade é o interesse público. (FERRAZ FILHO; MORAES, 2002, p. 22 -23).

Portanto, o Direito da Eletricidade tem como objeto a eletricidade e pode ser

conceituado, nas palavras de Ferraz Filho e Moraes (2002, p. 20) da seguinte forma:

O Direito de Eletricidade é o ramo do Direito, de natureza própria, que estuda e disciplina as relações jurídicas referentes à produção, transformação, distribuição e utilização de energia elétrica e suas repercussões econômicas e sociais.

76

[...] o Direito de Eletricidade é, tipicamente, o resultado de uma conseqüência econômica e de um efeito tecnológico. [...] é um conjunto de regras que disciplinam os resultados tecnológicos de aplicação da eletricidade ao meio social.

Muitas regras aplicadas à eletricidade, mais especificamente à prestação do

serviço público de energia elétrica, já foram vistas nos capítulos anteriores, e outras

ainda serão tratadas, observado que além de leis, decretos, regulamentos, etc.,

específicos à energia elétrica, cabe ainda a esta pesquisa analisar a legislação que

trata dos serviços públicos de modo geral.

Assim, para o estudo do direito de energia elétrica, algumas denominações

específicas são utilizadas, sendo que as necessárias para a devida compreensão

deste trabalho ainda serão vistas ao longo do mesmo. Relevante, todavia, se faz

verificar desde já a distinção entre os consumidores de energia elétrica, segundo a

Resolução da ANEEL de nº 456/2000, que os divide em Grupo “A” e “B”:

Art. 2º Para os fins e efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições mais usuais: [...] XXII – Grupo “A”: grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimento em tensão igual ou superior a 2,3 kV, ou, ainda, atendidas em tensão inferior a 2,3 kV a partir de sistema subterrâneo de distribuição e faturadas neste Grupo nos termos definidos no art. 82, caracterizado pela estruturação tarifária binômia [...] [...] XXIII - Grupo “B”: grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimento em tensão inferior a 2,3 kV, ou, ainda, atendidas em tensão superior a 2,3 kV e faturadas neste Grupo nos termos definidos nos arts. 79 a 81, caracterizado pela estruturação tarifária monômia [...]

A distinção acima, entre Grupo “A” e Grupo “B”, sendo este último residencial,

será o que determinará qual contrato regulará a relação entre concessionária e

consumidor. Isto será visto, todavia, no item competente aos contratos de prestação

de energia elétrica.

77

3.3.1 Natureza Jurídica da Eletricidade

A natureza jurídica da eletricidade era motivo de divergências doutrinárias, e

ainda hoje muitos juristas discutem se a eletricidade é uma “coisa” e, portanto, se

pode ser propriedade de alguém.

A análise feita por muitos juristas era de que a energia, assim como o ar e a

água, pertence à natureza, devido não poder ser criada, apenas transformada, e por

isso poderia ser utilizada livremente. Esta análise faz sentido se considerado apenas

a fonte de energia (hidráulica, solar, eólica) que é um bem de todos. Porém, ocorre

que a energia, para que possa ser utilizada, terá que ser transformada em energia

elétrica, através de um processo de “industrialização”, e esta energia elétrica passa

a ser de propriedade de quem a transforma. Ainda assim, a energia elétrica deve

estar ao alcance de todos, tanto que seu fornecimento é dever do Poder Público,

porém, não será disposto livremente, devido seu valor econômico e até mesmo às

questões de segurança.

O Código Penal, conhece a energia elétrica como coisa móvel “passiva

portanto de ser objeto material do crime de furto”. (CAMPOS, 2001, p. 24).

Sendo assim destaca-se o dispositivo do Código Penal:

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: [...] § 3º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Não obstante a natureza jurídica da eletricidade, Ferraz Filho e Moraes (2002,

p. 26) concluem acerca do serviço de fornecimento de energia elétrica:

No Brasil, o serviço de fornecimento de energia elétrica, tomou a posição de serviço público sob forma de concessão e na forma de regulação, através de agencias reguladoras. Assim, embora seja reservada constitucional e exclusivamente à União Federal a exploração direta dos serviços de fornecimento de energia elétrica, na realidade, o sistema adotado é o instituto administrativo da concessão. Também é verdade que, em casos especiais, a lei prevê a forma de autorização ou permissão, quando se tratar de pequenos aproveitamentos hidroelétricos ou térmicos, para uso exclusivo do permissionário. Se a potência instalada for superior a esse limite, então surge a figura da concessão, mesmo para os aproveitamentos privados.

78

Além disso, a eletricidade, como diz Ferraz Filho e Moraes (2002, p. 73), está

na zona limítrofe entre o Direito Público e o Direito Privado, pois não pode ser

submetida totalmente ao Direito Público (Administrativo) e nem totalmente ao Direito

Privado (Civil/Comercial), “em virtude da forte aproximação do Direito Administrativo

e pela particularidade de afastar-se sempre das soluções em que prevaleça o

interesse estritamente individual”.

Esclarecedor o que Ferraz Filho e Moraes (2002, p. 73-74) ensinam a este

respeito:

A indústria da eletricidade é considerada uma indústria tipicamente de interesse superpúblico, pois representa a estrutura material, através da qual se realiza o serviço público; por isso, essa indústria está sujeita a fiscalização, controle e regras de Direito Público. [...] O organismo ou sistema elétrico tem um caráter nitidamente industrial. [...] No entanto, se a estrutura é industrial, essa estrutura está envolta no serviço público, isto é, a função desse conjunto é declaradamente pública, é serviço público, outorgado pela União, separada da categoria econômica privada.

A relação entre o Poder concedente e a concessionária, tem natureza jurídica

de Direito Público, assim, o serviço público de fornecimento de energia elétrica é

submetido ao Direito Público e ao Direito Constitucional, Direito Administrativo e

Direito de Eletricidade (FERRAZ FILHO; MORAES, 2002).

Neste ínterim, o serviço público de energia elétrica deverá respeitar diversas

normas de ordem pública, que são imperativas e não podem ser renunciadas ou

derrogadas nem mesmo pelo usuário em face à concessionária.

Leciona Ferraz Filho e Moraes (2002, p. 74-76):

O serviço público de fornecimento de energia elétrica, uti universi, indispensável à vida em sociedade, não pode ser tratado como um contrato e mero interesse privado. [...] Assim, mesmo que se entenda que se trata de um contrato de compra e venda, realizado entre empresa geradora/empresa concessionária distribuidora e entre concessionária distribuidora/usuários, ainda assim esse contrato está sujeito ao poder de Polícia do órgão competente e deve ceder ao bem público, crescendo a noção de serviço público, eliminando todo caráter de compra e venda. [...] A proteção ao serviço público a ser prestado aos consumidores é constante e rigorosa. Por isso, as normas jurídicas afetas ao Direito de

79

Eletricidade, estão, na quase totalidade, colocadas no âmbito das normas de ordem pública.

Todavia, não só por normas de ordem pública serão regidas as relações que

envolvam serviços públicos, pois quando se tratar da relação entre concessionária e

usuário, o Direito privado estará presente. Esta situação é bem elucidada por Ferraz

Filho e Moraes (2002, p. 76-80):

Quando uma empresa geradora convenciona um contrato livre, independente, de fornecimento de energia elétrica, em quantidade maciça, a um determinado comprador/consumidor (como, por exemplo, uma empresa industrial, que, tendo geração própria, pactua entregar o excedente de sua produção a uma concessionária), estamos diante de uma venda, regulada pela teoria das obrigações, comum ao Direito Comercial. Assim, o serviço público de fornecimento de energia elétrica, serviço de utilidade pública, manifestamente submetido ao critério do Direito Público, perpassa, também, por natureza jurídica, pela teoria dos contratos do Direito Privado. [...] Entre o consumidor e a concessionária, estabelece-se, pois, um contrato, verbal ou escrito, mas sempre de conformidade com as normas emanadas pelo Poder Concedente.

Os contratos através dos quais são estabelecidos direitos e obrigações entre

concessionária e consumidor, conforme determina a Resolução nº 456/2000 da

ANEEL, podem ser denominados: Contrato de adesão; Contrato de fornecimento e

Contrato de uso e de conexão, sendo que os dois primeiros serão avaliados adiante.

Notadamente, as relações que envolvam serviço público estarão sujeitas em

sua generalidade ao Direito Público. Contudo, nas relações jurídicas entre

concessionária e consumidor, a natureza jurídica desta relação será de Direito

Privado, ao contrário das relações entre Poder Concedente e concessionária.

3.4 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA

A prestação do serviço de energia elétrica, como já aludido anteriormente, é

regulada através de contrato firmado entre concessionária e usuário, que figura na

qualidade de consumidor, através dos quais se estipulam direitos e obrigações.

80

Na prestação do serviço público de energia elétrica, estes contratos, que

regulam disposições gerais de fornecimento, poderão ser de duas formas: contrato

de fornecimento, ou contrato de adesão, tendo como critério para aplicação de um

ou outro, o grupo a que o consumidor faz parte, ou seja, o chamado Grupo “A” ou

“B”, já definido no item 3.3 acima.

A ANEEL, que é o órgão responsável, entre outras coisas, por regular a

comercialização da energia elétrica, aponta em sua Resolução nº 456/2000, artigo

2º, que as relações entre concessionária e responsáveis por unidades consumidoras

do Grupo “B” serão reguladas por contrato de adesão.

O contrato de adesão é o contrato pelo qual uma das partes vem a participar

a partir da aceitação das cláusulas e condições estabelecidas pela outra parte.

Tradicionalmente as partes que praticam um negócio jurídico, discutem entre

si os termos do negócio, buscando equilíbrio entre os interesses de ambas. No

contrato de adesão isto não ocorre, sendo os termos do negócio estipulados por

apenas uma das partes, ficando a critério da outra aceitar, aderindo, ou não. Daí ser

chamado contrato de adesão.

Na mencionada Resolução da ANEEL, este tipo de contrato foi conceituado

no artigo 2º, inciso V, como “instrumento contratual com cláusulas vinculadas às

normas e regulamentos aprovados pela ANEEL, não podendo o conteúdo das

mesmas ser modificado pela concessionária ou consumidor, a ser aceito ou rejeitado

de forma integral”.

Rodrigues (2003, p. 44) define o contrato de adesão, ilustrando a conjuntura

de seu acontecimento, dizendo que este é:

[...] aquele em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, de modo que a outra, no geral mais fraca e na necessidade de contratar, não tem poderes para debater as condições, nem introduzir modificações, no esquema proposto. Este último contraente aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro. [...] o indivíduo que deseja contratar com uma grande empresa (no mais das vezes concessionária de um serviço público ou titular de um monopólio de direito ou de fato) o fornecimento de água, gás, eletricidade etc. [...] Ou se submete a elas, contratando, ou se priva de contratar, o que nem sempre é possível.

Relevante novamente citar Rodrigues (2003, p. 45-46) quando este expõe as

circunstâncias que devem estar presentes em um contrato de adesão para que ele

81

se caracterize como tal, sendo uma delas a necessidade que as pessoas possuem

daquele serviço:

[...] O negócio deve ser daqueles que envolvem necessidades de contratar por parte de todos, ou de um número considerável de pessoas. O exemplo do concessionário de eletricidade é característico. A vida moderna criou necessidades novas, tais a utilização da força e luz elétrica, de modo que é difícil compreender, na vida urbana, alguém que dispense o beneficio decorrente de seu fornecimento. Ora, havendo um monopolista a fornecer tal serviço, este impõe as condições de fornecimento, que todos devem aceitar.

Além do pressuposto da necessidade de grande parcela da população, outro

que deve ser atendido é de que uma das partes contratantes tenha maior poder

econômico e desfrute de um monopólio.

O Código Civil, ao tratar dos contratos, dispõe sobre o contrato de adesão,

em seus artigos 423 e 424, regendo:

Art. 423 Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424 Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Diante de um serviço prestado através de contrato de adesão, como é o caso

do serviço público de energia elétrica para consumidores do grupo “B”, falta

alternativa para o usuário, que se vê diante do dilema de aceitar um contrato do qual

não poderá interferir nos termos, ou ficar privado da prestação de um serviço

essencial para a sua vida.

Leite (2002, p. 27), sobre os contratos de adesão, faz as seguintes

considerações:

Com efeito, acentua-se nesse tipo de contrato a fragilidade do contratante-consumidor, pois é ele quem tem de aceitar as cláusulas impostas pelo contratante-fornecedor. A circunstancia de ser o contrato-padrão redigido unilateralmente pelo fornecedor tende, via de regra, a estimulá-lo ao abuso do poder, que acaba se revelando pela estipulação de cláusulas excessivamente vantajosas para ele e injustificadamente prejudiciais ao consumidor.

82

A doutrina civil contratual denomina leoninas as cláusulas excessivamente vantajosas ao fornecedor, e vexatórias, as excessivamente gravosas ao consumidor.

Nos contratos de adesão, onde o consumidor contratante não pode tratar das

cláusulas do contrato, pode-se ter noção do quanto às leis que protegem o

consumidor são importantes, pois são a única forma de que estes tenham seus

direitos assegurados.

A outra forma de contratar prestação de serviço público de energia elétrica se

dá aos consumidores do grupo “A”, que é o chamado contrato de fornecimento, onde

os termos do contrato são ajustados por concessionária e consumidor.

Para Costa (2004, p. 109), contrato de fornecimento “é o instrumento

contratual em que a concessionária e o consumidor, responsável por unidade

consumidora do Grupo “A”, ajustam as características técnicas e as condições

comerciais do fornecimento de energia elétrica”.

A ANEEL também conceituou o contrato de fornecimento em seu artigo 2º,

inciso VI, como sendo o “instrumento contratual em que a concessionária e o

consumidor responsável por unidade consumidora do Grupo “A” ajustam as

características técnicas e as condições comerciais do fornecimento de energia

elétrica”.

Assim, vê-se que diverso do contrato de adesão, no de fornecimento, o

consumidor não terá que se sujeitar plenamente ao discernimento da

concessionária, havendo para ele o espaço de negociação da relação que se

estabelecerá.

Tal contrato tem por regra geral o prazo de doze meses, podendo, todavia,

ser acordado de modo diverso entre as partes. Fora isto, poderá se encerrar por

ação da concessionária ou do consumidor.

Ainda sobre os contratos, versa o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº

8.078/1990), em seu artigo 47, que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de

maneira mais favorável ao consumidor”, o que se aplicará também aos contratos de

adesão ou de fornecimento de energia elétrica, visto ser esta prestação, bem como

a dos demais serviços públicos, sempre protegida pela lei (Código de Defesa do

Consumidor).

83

3.5 O FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA COMO SERVIÇO ESSENCIAL –

LEI Nº 7.783/1989

Por serviço essencial se entende aquele indispensável para a vida da

sociedade. São os serviços que não podem faltar.

Não há uma legislação que trate especificamente dos serviços essenciais.

Portanto, utiliza-se por analogia, a Lei de Greve (Lei nº 7.783/1989), que expõe em

seu artigo 10 quais os serviços ou atividades consideradas essenciais.

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária.

Vê-se que a Lei de Greve trata o serviço de produção e distribuição de

energia elétrica como serviço essencial, ou seja, de fornecimento necessário e

indispensável à sociedade, coletiva ou individualmente, o que verdadeiramente é,

principalmente nos tempos modernos, não deixando, por isso, de ser agasalhado

pela referida lei.

A Lei nº 7.783/1989 deixa clara a importância dos serviços aos quais garante

a execução em caso de greve, ficando bem demonstrado em seu artigo 11 que dos

serviços essenciais, o que for indispensável às necessidades da comunidade serão

mantidos. Isto justifica o rol de serviços e atividade essenciais pela lei relacionados,

pois deles, mesmo que minimamente depende totalmente a sociedade.

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

84

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Ainda, a Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), em seu artigo

22, quando trata da prestação de serviços pelos órgãos públicos ou seus delegados,

dispõe que os serviços essenciais devem ser contínuos, o que certifica que não só

por motivo de greve estes deverão ser mantidos, mas em qualquer hipótese.

Além da legalização do serviço público de energia elétrica como serviço

essencial pela Lei nº 7.783/89, também outro diploma deixa esta característica clara:

trata-se da Portaria nº 03/1999 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da

Justiça, que também reconheceu tal serviço como essencial, em seu item número

351.

Com o todo abordado, claro se torna que o serviço de energia elétrica é um

serviço essencial, afirmação fundamentada por determinação legal, e sendo assim

deve ser mantido continuamente, a não ser nas hipóteses que serão vistas no

próximo capítulo. Ainda, o Código de Defesa do Consumidor se aplicará também na

defesa do consumidor de energia elétrica em outras circunstâncias, além da acima

mencionada, mas estas questões serão tratadas, igualmente, no próximo capítulo.

51 3. Permitam ao fornecedor de serviço essencial (água, energia elétrica, telefonia) incluir na conta [...].

85

4 A SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA

Já sabedores de como se dá a prestação do serviço público de energia

elétrica, fácil é ter a percepção de que tal prestação é de profunda importância nos

tempos atuais, e por esta importância, é matéria de interesse tanto da

concessionária e do Poder Público quanto dos seus usuários, maiores interessados

na prestação deste serviço.

Assim, quando solicitada tal prestação pelo usuário à concessionária, como já

verificou-se, entre eles se estabelecerá uma relação, firmada por contrato, onde

estarão determinados os direitos e obrigações das partes envolvidas. Já foi visto

também que a concessionária deverá ser remunerada pelo serviço prestado, e que

isto será através de tarifa, contudo deverá ela também, prestar um serviço adequado

e contínuo ao consumidor.

Todavia, o que se vê nos dias atuais é uma má prestação do serviço de

energia elétrica, o consumidor cada vez mais submetido às pretensões da

concessionária e a mesma explorando tal serviço cada vez mais, somente por

interesse econômico, deixando de lado o interesse público, que é substrato para

prestação do serviço de energia elétrica.

Por isto, as concessionárias, apesar de a lei deprecar que este serviço seja

contínuo tem, no intuito de compelir o usuário a pagamento de tarifa ou multa,

efetuado o corte no fornecimento da energia elétrica, que como já foi constatado é

serviço indispensável à vida do homem.

Além da inadimplência, a concessionária suspende o fornecimento de energia

elétrica por outros motivos como fraude, ligação clandestina, revenda a terceiros,

entre outros diversos motivos. Contudo, propõe-se neste trabalho tratar apenas da

questão da suspensão do fornecimento por simples inadimplência do consumidor,

que não obstante o fato de estar inadimplente, por discrepância da concessionária,

não é tratado da maneira que deveria.

Por tudo isto, será visto a partir de agora mais propriamente a questão da

suspensão do fornecimento da energia elétrica ao consumidor, todo o contexto da

situação, conhecendo primeiramente os direitos assegurados ao consumidor, figura

que terá sempre a proteção da lei por ser, em regra, o mais frágil na relação de

consumo.

86

4.1 A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

A relação jurídica de consumo é relação que se estabelece entre consumidor

e fornecedor, onde haja a aquisição de um produto ou prestação de um serviço

através de remuneração, observado que “os aspectos extrínsecos dessa relação

complexa são regidos pela lei civil, comercial, tributária ou qualquer outra, ao passo

que os aspectos intrínsecos relativos ao consumo obedecem às normas do Código

do Consumidor”. (Leite, 2002, p. 55).

Leite (2002, p. 54-55) conceitua a relação de consumo dizendo que:

[...] a relação de consumo é, por princípio, uma relação de cooperação, pois um cidadão entra com o bem ou serviço e o outro oferece em troca o pagamento do preço; ambos colaboram assim para o sucesso do objetivo comum que é a transferência do domínio do bem ou a execução dos serviços. [...] Sob outro ângulo, pode-se dizer que a relação de consumo é uma relação jurídica, por ser regulamentada pelo direito. A relação jurídica de consumo é o objeto central de que se ocupa o Código de Defesa do Consumidor.

Para que haja uma relação jurídica de consumo, devem estar presente alguns

elementos básicos, que se fazem necessários ao presente estudo, tais como o

produto, o serviço, o consumidor e o fornecedor, que serão analisados, sendo que

todos estes elementos são definidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que já

observado, trata da relação de consumo.

A relação jurídica de consumo acontece por interesse das partes nele

envolvidas, o consumo, como registra Leite (2002, p. 53):

[...] significa todo ato ou processo humano de utilização de bens e serviços econômicos destinado à satisfação direta de necessidade ou desejo. Os bens e serviços utilizados nesse ato ou processo são denominados bens de consumo e serviços de consumo. [...] O significado geral de consumo, como se depreende, pressupõe a extinção, a destruição do bem pelo uso.

Na definição de produtos e serviços, o Código de Defesa do Consumidor foi

bastante claro. Em seu artigo 3º, parágrafo 1º definiu o que é produto:

87

Art. 3° [...] § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

No mesmo artigo, em seu parágrafo 2º, o Código de Defesa do Consumidor,

definiu o que é serviço:

Art. 3° [...] § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de caráter trabalhista.

Leite (2002, p. 52) conclui que “tudo é considerado produto para efeito de

aplicação das normas do Código do Consumidor”, e diz ainda que “quase todas as

formas de prestação de serviços [...] estão sujeitas às regras de defesa do

consumidor”.

Elementos de destaque na relação jurídica de consumo são o consumidor e o

fornecedor, ambos definidos no Código de Defesa do Consumidor. O primeiro,

consumidor, no artigo 2º do Código:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor ainda estendeu a definição de

consumidor, em seus artigos 1752 e 2953. Nas palavras de Mazzilli (2006, p. 153), “o

conceito legal de consumidor é ainda estendido pelo CDC, para alcançar também: a)

todas as vítimas de danos causados por defeitos do produto ou relativos à prestação

de serviços; b) todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas

comerciais”.

Antônio Herman V. e Benjamin (1988, apud ALMEIDA, 2002, p. 37)

conceituam consumidor da mesma forma como faz Mazzilli (2006, p. 149):

52 Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. 53 Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

88

[...] todo aquele que, para seu uso pessoal, de sua família, ou dos que se subordinam por vinculação doméstica ou protetiva a ele, adquire ou utiliza produtos, serviços ou quaisquer outros bens ou informação colocados à sua disposição por comerciantes ou por qualquer pessoa natural ou jurídica, no curso de sua atividade ou conhecimento profissionais.

Mazzilli (2006, p. 151), sobre o conceito doutrinário de consumidor, demonstra

a importância que o consumidor tem, dizendo que tal conceito “alcança até mesmo

quem seja visado como possível adquirente ou possível usuário de produto ou

serviço”.

Interessante se faz os esclarecimentos de Leite (2002, p. 50), quanto à

pessoa jurídica de direito público, que é também consumidor:

São consumidores, por força do Código, não apenas as pessoas jurídicas de direito privado, mas igualmente as de direito público interno ou externo. Dessa forma, o fornecedor responde pelos produtos e serviços alienados à União, Estados-membros, Municípios, Distrito Federal, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Quanto ao consumidor de energia elétrica propriamente, a ANEEL, na sua

Resolução nº 456/2000, artigo 2º, inciso III, o define como:

Art. 2º [...] III – Consumidor: pessoa física ou jurídica, ou comunhão de fato ou de direito, legalmente representada, que solicitar à concessionária o fornecimento de energia elétrica e assumir a responsabilidade pelo pagamento das faturas e pelas demais obrigações fixadas em normas e regulamentos da ANEEL, assim vinculando-se aos contratos de fornecimento, de uso e de conexão ou de adesão, conforme cada caso.

Ainda, outro elemento da relação jurídica de consumo é o fornecedor,

conceituado também pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

89

Observa-se que assim como a pessoa jurídica de direito público é

consumidor, também esta poderá ser fornecedor, conforme o pólo em que se

encontre na relação de consumo. Desta forma, são fornecedores as pessoas

jurídicas “de direito público interno da administração direta (União, Estados,

Município e Distrito Federal) e indireta (autarquias e fundações públicas)”. (Leite,

2002, p. 44).

Leite (2002, p. 43), comentando a definição de fornecedor dada pelo Código

de Defesa do Consumidor, observa que na intenção de proteger o consumidor o

Código foi amplo:

Observa-se nessa definição que o legislador pátrio procura atribuir ao conceito de fornecedor a maior amplitude possível, com o intuito de fixar a responsabilidade solidária, nas relações de consumo, de todos os co-responsáveis por eventuais vícios ou defeitos dos produtos e serviços. São fornecedores, assim, as entidades pertencentes a qualquer setor de atividade [...] qualquer pessoa física ou jurídica que forneça produto ou serviço a outrem.

A relação de consumo deveria ser uma relação de cooperação das duas

partes, onde cada uma cumpre o que lhe compete nos termos da lei. Porém, como

isso muitas vezes não ocorre, e de regra o consumidor, parte menos privilegiada, sai

no prejuízo, o Código de Defesa do Consumidor interfere na relação para fazer

cumprir a lei e assegurar os direitos do consumidor, na busca de justiça e equilíbrio

da relação de consumo.

4.2 OS DIREITOS DO CONSUMIDOR DE SERVIÇO PÚBLICO

Agora já conhecedores da relação jurídica de consumo e de seus elementos,

pode-se afirmar que na prestação de serviço público de energia elétrica há uma

verdadeira relação de consumo, com a existência de fornecedor, consumidor e um

serviço prestado.

90

Já foram verificados os deveres e os direitos que o fornecedor desta relação,

ou seja, a Administração Pública, através de suas concessionárias, possui. Resta-

nos analisar que o consumidor também possui seus direitos, tanto como deveres.

A Lei nº 8.987/1995 em seu artigo 7º, dispõe sobre direitos dos usuários,

relacionando também suas obrigações em seus incisos IV, V e VI:

Art. 7º Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: [...] IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI - contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.

Sobre o referido dispositivo, comenta Gasparini (2004, p. 339) dizendo que

“como referida lei não previu qualquer sanção pelo descumprimento dessas

obrigações, devem elas ser entendida como um incentivo ao pleno exercício da

cidadania”.

Ainda, Mukai (2002, p. 26) faz considerações acerca da constitucionalidade

das obrigações direcionadas aos usuários de serviço público pela mesma lei, com

base no que determinou o artigo 17554 da Constituição Federal:

Antes de mais, é estranho, se não inconstitucional, que a Lei imponha obrigações aos usuários dos serviços públicos. Inconstitucional, porque [...] a Constituição não autorizou ao legislador ordinário que impusesse obrigações ao usuário, mas, sim, somente ao fornecedor de serviço (serviço adequado).

54 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado.

91

Recentemente a Lei nº 9.791/1999, em seu artigo 2º, alterou o artigo 7º da Lei

nº 8.987/1995, acrescendo o artigo 7º-A, que dispõe:

Art. 2o O Capítulo III da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (Lei de Concessões), passa a vigorar acrescido do seguinte artigo: "Art. 7o-A. As concessionárias de serviços públicos, de direito público e privado, nos Estados e no Distrito Federal, são obrigadas a oferecer ao consumidor e ao usuário, dentro do mês de vencimento, o mínimo de seis datas opcionais para escolherem os dias de vencimento de seus débitos. [...]

Ao consumidor ainda é exigido o cumprimento do que se estipulou no contrato

firmado com o fornecedor, quando não lhe for abusivo, bem como remunerar o

fornecedor pela prestação do serviço. Telles (2000, p. 121) comenta este aspecto:

Caso não sigam as orientações do concessionário, não paguem as taxas, nem as tarifas, ou ainda, se inobservarem certas condições exigidas, o usuário poderá não receber o serviço ou, se já o estiver recebendo, dele ser privado. Todavia, diverge a doutrina e, até mesmo a jurisprudência, se determinados serviços podem ser interrompidos por falta de pagamento, como pode ser exemplificado pela paralisação da coleta do lixo ou do esgoto. Este tipo de serviço é considerado essencial e sua interrupção importaria num verdadeiro caos, num dano extraordinário, que poderia refletir-se nas condições sanitárias da própria população, mediante a disseminação de doenças. Os que defendem a impossibilidade da paralisação alegam que, antes desta providência, o concessionário deveria promover a cobrança dos inadimplentes via de ação judicial competente.

O comentário de Telles se emprega também ao serviço público de energia

elétrica, que é serviço essencial, mas isto será tratado adiante.

A Constituição da República Federativa do Brasil garantiu os direitos do

consumidor em seu artigo 5º, inciso XXXII55, que como diz Campos (2001, p. 73),

“faz parte dos direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro”. Ainda em

55 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

92

outras disposições constitucionais, como no artigo 170, inciso V56 e artigo 175, inciso

II57, que asseguram direitos especificamente aos usuários de serviços públicos.

A Lei nº 8.987/1955, Lei de Concessões, também assegurou direitos ao

consumidor quanto a prestação dos serviços públicos, em seu artigo 6º, parágrafo

1º, devendo a prestadora do serviço seguir os requisitos por ela listados:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

O disposto no artigo acima transcrito encontra-se também no texto do Código

de Defesa do Consumidor em seu artigo 22, que dispõe:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

O Código de Defesa do Consumidor, ainda, traz em seu artigo 6º uma relação

dos direitos básicos do consumidor, tratando do usuário de serviços públicos

especificamente em seu inciso X:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

56 Art. 170. A ordem econômica, fundamentada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor; 57 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. [...] II – os direitos dos usuários;

93

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (Vetado); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Contudo o Código de Defesa do Consumidor não é taxativo quanto os direitos

do consumidor, ou seja, não são somente os direitos por ele explicitados que são

garantidos ao consumidor e isto se torna claro em seu artigo precedente, artigo 7º,

onde professa:

Art. 7º Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, nem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Outro dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que é relevante para o

tema é o artigo 42, que veda que seja o consumidor compelido a fazer pagamento

através de ameaça, constrangimento e exposição ao ridículo:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

94

Além destes, outro direito que possuí o consumidor de serviços público é o de

representação dos usuários na fiscalização da prestação dos serviços concedidos

pelo que lhe garante a Lei nº 9.074/1995, em seu artigo 3358, pelo disposto na Lei nº

8.978/1995 em seu artigo 30, parágrafo único59.

Moreira Bruno (2005, p. 296) quanto à proteção do consumidor de serviços

públicos no Código de Defesa do Consumidor:

Eis o grande avanço da condição do cidadão que até a edição do Código de Defesa do Consumidor constituía-se em mero usuário de serviço público praticamente indefeso ante o gigantismo e a supremacia estatal. Com a edição da Lei n. 8.078/90, com o amparo fundamentalmente no princípio da dignidade da pessoa humana, o tomador de serviço público foi elevado à condição de consumidor e, consequentemente, gozando de importante e significativa proteção em relação ao Poder Público e a seus concessionários quanto à inexecução ou deficiente prestação de serviços públicos.

Contudo, se observa ainda, em muitas vezes, a concessionária

desrespeitando os direitos do consumidor, os ignorando e colocando seus interesses

econômicos acima dos direitos fundamentais, bem como dos fundamentos legais,

tendo uma visão de estar fazendo um favor ao consumidor, esquecendo-se que o

fornecimento deste serviço deve ser público, é obrigação da Administração Pública,

e por isto sua obrigação também enquanto concessionária.

58 Art. 33. Em cada modalidade de serviço público, o respectivo regulamento determinará que o poder concedente, observado o disposto nos ar ts. 3o e 30 da Lei no 8.987, de 1995, estabeleça forma de participação dos usuários na fiscalização e torne disponível ao público, periodicamente, relatório sobre os serviços prestados. 59 Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária. Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.

95

4.3 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR

A Constituição da República Federativa do Brasil garante a todo homem, o

direito a vida, a dignidade, a igualdade e a isonomia entre homens e mulheres, o

direito a segurança, a propriedade, o direito de resposta, de indenização por danos,

sejam materiais ou morais, de não ser privado de sua liberdade ou seus bens sem o

devido processo legal, entre diversos outros aos quais os homens e as leis devem

obedecer para que haja harmonia e ordem na vida em sociedade. Por isso, estas

garantias constitucionais, que são direitos fundamentais, dão origem a princípios que

regem a vida e convivência dos homens na sociedade, bem como suas relações

jurídicas.

Os princípios são de extrema importância para a aplicação da lei, e derivados

do texto constitucional implícita ou explicitamente, são aplicados a cada ramo do

direito especificamente, sendo, contudo, princípios universais.

4.3.1 O Princípio da Boa-fé

Sendo princípio geral de direito, o princípio da boa-fé, é aplicado pelo Código

de Defesa do Consumidor nas relações de consumo, especialmente nos contratos,

na valorização de uma relação de confiança, onde a ética e a lealdade estejam

presentes, com a idéia basilar de transparência na relação que se estabeleça.

O Código em seu artigo 4º faz a previsão de tal princípio:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os

96

princípios nos quais se funda a ordem economia (art. 17060 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

Almeida (2002, p. 46) descreve o princípio da boa-fé dizendo que “esse

princípio, inscrito no caput61 do art. 4º exige que as partes da relação de consumo

atuem com estrita boa-fé, é dizer, com sinceridade, seriedade, veracidade, lealdade

e transparência, sem objetivos mal disfarçados de esperteza, lucro fácil e imposição

de prejuízo ao outro”.

A boa-fé será subjetiva no sentido de se crer que as partes envolvidas na

relação agirão na boa-fé uma com a outra. Assim, por exemplo, nota-se que nos

tempos atuais o consumidor muitas vezes é visto como “caloteiro”, antes mesmo que

se prove qualquer coisa contra ele. Aí pode-se usar analogamente o princípio

constitucional da inocência presumida, aplicável ao direito penal, onde ninguém

poderá ser considerado culpado antes de passar por devido processo legal, e haver

o transito em julgado de sentença penal condenatória. Pode-se dizer, que no

princípio da boa-fé, também será considerado inocente e livre de sanções aquele

contra quem nada foi provado, presumindo-se sempre inocente, ou seja, na boa-fé.

A boa-fé ainda, será objetiva quando se exterioriza materialmente nos

contratos, ou seja, ante o que é positivado no contrato conforme explica Gama

(2006, p. 129): “o Princípio da Boa-Fé Objetiva caracteriza-se pela exteriorização

material, no contrato, das ausências das intenções de lesar pelas partes e estas

desenvolver esforços para o respeito dos direitos de uns quanto aos direitos dos

60 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 61 Caput significa a cabeça do artigo. (CASTRO, 1995).

97

outros [...] (a boa-fé, que é em si subjetiva, passa a ser objetiva ante o que é

positivado ou escrito no contrato)”.

Leite (2002, p. 101), faz considerações acerca da boa-fé objetiva:

A obrigação de conduta ética imposta ao fornecedor, embora seja objetiva, envolve elementos subjetivos na composição de seu conceito. [...] O fornecedor, portanto, não assume apenas a obrigação principal, consistente no fornecimento do bem ou do serviço. Assume também obrigações secundárias, denominadas pela doutrina por deveres anexos, que o vinculam legal e formalmente ao dever de conduta ética, ou seja, ao dever de portar-se com boa-fé no âmbito da relação contratual.

Devido o princípio da boa-fé objetiva, são consideradas nulas quaisquer

cláusulas abusivas no contrato, é sabido que o consumidor possui em regra

desvantagem quanto ao fornecedor, assim qualquer disposição no contrato que

acentuar esta desvantagem estará indo contra o princípio da boa-fé objetiva, e da

mesma maneira qualquer ato, fora do contrato, que o fizer, também estará contra a

boa-fé, subjetivamente.

4.3.2 Os Princípios do Devido Processo Legal, Ampla Defesa e Contraditório

Enunciou-se o princípio do devido processo legal seguido da ampla defesa e

do princípio do contraditório, pois todos atuam conjuntamente e estão

necessariamente ligados. Conforme coloca Afonso da Silva (2003, p. 431),

combinados estes direitos “fecha-se o ciclo das garantias processuais”.

O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal é claro:

Art. 5º [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

A letra na lei não deixa dúvidas, não dando margem a muitos comentários,

visto ser taxativa.

98

Moraes (2004, p. 124) ainda lembra a Declaração Universal dos Direitos do

Homem, em seu artigo XI, nº 1, que assegura que para que sofra qualquer sanção,

deve, primeiramente, o acusado ser devidamente julgado e condenado:

“todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

O jurista acima citado ainda menciona que “o devido processo legal tem como

corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral”, que

como se nota, são as garantias necessárias a defesa do acusado. (MORAES, 2004,

p. 124).

Assim, garante ainda a Constituição da República Federativa do Brasil, em

seu artigo 5º, inciso LV:

Art. 5º [...] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Moraes (2004, p. 125) esclarece como é entendida a ampla defesa, bem

como o contraditório:

Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo [...], pois a todo o ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

O direito de se defender através do devido processo, ou seja, de ser seu

direito levado a apreciação do juízo competente quando ameaçado ou contrariado,

ainda é assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil no inciso

XXXV, do seu artigo 5º, que dispõe:

99

Art. 5º [...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Afonso da Silva (2003, p. 430), comentando sobre o referido inciso acima

transcrito, destaca que “não se assegura aí apenas o direito de agir, o direito de

ação. Invocar a jurisdição para a tutela de direito é também direito daquele contra

quem se age, contra quem se propõe ação”.

Nítida é a seriedade deste princípio, fundamental na garantia dos direitos do

homem, na aplicação do direito e da justiça. Não há justificativa para ignorar tal

princípio, mais ainda quando se tratar do consumidor, que já é em geral parte mais

fraca na relação, e que se submete as condições do fornecedor, se este ainda for

eivado de seu direito de buscar a devida justiça através do ente competente para

tanto ficará então totalmente a margem do que busca a Constituição da República

Federativa do Brasil, o Código de Defesa do Consumidor e do que espera o

interesse coletivo.

4.4 A SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA POR

INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR

A suspensão do serviço público de energia elétrica tem acontecido por

diversos motivos, como inclusive já mencionado anteriormente. Porém, o que

analisa-se neste trabalho é a suspensão do serviço público de energia elétrica por

inadimplência do consumidor, ou seja, deixar o consumidor de pagar faturas a ele

encaminhadas para remuneração do serviço a ele disponibilizado.

A suspensão do fornecimento de serviços públicos e do serviço público de

energia elétrica também não é pacifica na doutrina e nem ao menos na

jurisprudência, muito pelo contrário, é objeto de muitas discussões onde é levado em

conta a essencialidade do serviço, princípios como o da continuidade, ampla defesa,

a dignidade do cidadão, entre várias outras circunstâncias, e em contrapartida, o

dever que o consumidor tem de pagar pelo serviço recebido.

100

A prática de suspensão no fornecimento de energia elétrica feita hoje pelas

concessionárias fere diversos princípios e o texto constitucional em muitos aspectos.

Já mencionou-se anteriormente que a Administração Pública, e quando se

fala em Administração Pública refere-se também aos que prestam serviço delegados

por ela, está subordinada ao princípio da legalidade, sendo esta condição bem

demonstrada por Meirelles (2003, p. 86):

Na administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’.

Suspendendo o fornecimento da energia elétrica, a Administração Pública

está ferindo tal princípio, deixando de fazer o que determina a Constituição da

República Federativa do Brasil, o Código de Defesa do Consumidor entre outros.

Pois conforme Martins (2001):

Não vislumbramos no texto constitucional autorização as empresas concessionárias e permissionárias para efetuar o desligamento do serviço essencial. Ao contrário, a Carta Magna prescreve que a lei deverá dispor sobre os direitos dos usuários e a obrigação de manter os serviços adequados, fato este não verificado na atualidade.

Além do princípio da legalidade, recorda-se ainda os já mencionados princípio

da continuidade, que deve ser considerado analisando o caráter indiscutivelmente

essencial do serviço público de energia elétrica, o principio da boa-fé e da inocência

presumida. A suspensão no fornecimento do serviço de energia elétrica afronta

todos estes direitos.

O Ministro José Augusto Delgado (apud Paiva, 2003) expressa:

“3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção; 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público; 5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade; 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o

101

devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa; 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.”

Outra questão a ser considerada é a exposição do consumidor a

constrangimento ou ameaça na cobrança de débitos por ele devidos, prática vedada

pelo artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, porém exercida pela

Administração Pública quando esta priva o consumidor de um bem indispensável a

sua vida social, no provimento de suas necessidades mais básicas, como o é a

energia elétrica, sendo prevista para tal prática, inclusive, pena de detenção, que

pode chegar a um ano, por ser considerada infração penal, conforme o artigo 7162

do Código de Defesa do Consumidor.

No contexto da suspensão do serviço de energia elétrica, o que dificulta uma

posição pacifica a este respeito, sem dúvidas, é a antinomia entre a Lei nº

8.987/1995 (Lei de Concessões) e o Código de Defesa do Consumidor, pois quando

este último determina que os serviços públicos devam ser contínuos (artigo 22), a

primeira diz não se configurar descontinuidade a suspensão do serviço por

inadimplência do usuário (artigo 6º, parágrafo 3º, inciso II).

Na resolução desta antinomia, utilizamo-nos dos ensinamentos de Martins

(2001):

Cumpre registrar a priori que a relação de consumo é prevista no Código do Consumidor como norma jurídica especial, que trata dos mecanismos de equilíbrio no mercado de consumo. A bem da verdade, o Código do Consumidor não é uma simples norma jurídica e sim um sistema jurídico, contendo várias normas de direito material civil e penal, além do direito instrumental. [...] Destarte, em caso de antinomia entre o critério de especialidade (Código do Consumidor) e o cronológico (lei das concessão do serviço público) não aplica-se o critério lex posteriori revoga legis a prior63i, e sim o critério lex posterior generalis non derrogat priori speciali64".

62 Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena – detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa. 63 Lex posteriori revoga legis a priori significa: “A lei posterior derroga a precedente”. (CASTRO, 1995, p. 102). 64 Lex posterior generalis non derrogat priori speciali significa “A lei geral posterior não derroga a lei especial anterior” (CASTRO, 1995, p.102)

102

Há que se atentar que a norma do consumidor como norma especial, contém o sistema jurídico do equilíbrio da relação de consumo, não podendo ser revogada por norma posterior que regula a concessão e permissão do serviço público, e não o direito do usuário/consumidor.

Ainda há de se observar o princípio da proibição do retrocesso, implícito na

Constituição da República Federativa do Brasil, onde o direito do consumidor,

garantido no Código de Defesa do Consumidor, não pode retroceder, visto ser um

direito fundamental. Martins (2001) neste sentido:

É cediço que o Código do Consumidor surgiu atendendo a um comando constitucional, estabelecendo um sistema de defesa do consumidor. Conforme já registrado anteriormente, se há relação de consumo, os direitos dos usuários/consumidores são regulados e tutelados pelo Código do Consumidor. [...] o Código do Consumidor erigiu do comando Constitucional 65 , estabelecendo expressamente no art. 1 do CDC. a despeito da norma Constitucional. Nesse sentido, é correto a premissa, que qualquer norma infra constitucional que ofender os direitos consagrados pelo Código do Consumidor estará ferindo a Constituição e, mutatis mutandis66 deverá ser declarada como inconstitucional. [...] Com efeito o direito do consumidor possui o status de direito constitucional e, com tal, não pode o legislador ordinário fazer regredir o "grau de garantia fundamental" conforme leciona Marcos Gouvêa.

Ademais, a atitude da concessionária de simplesmente a seu mando,

suspender o fornecimento do serviço de energia elétrica ao consumidor, configura

justiça privada, ou seja, justiça pelas próprias mãos, medida esta que não possuí

amparo na legislação pátria.

Muito interessante é a colocação de Paiva (2003) a este respeito, em especial

com o exemplo que o mesmo ilustra, e que é também o posicionamento que adotou-

se nessa pesquisa:

Devemos ter em mente que apenas ao Poder Judiciário cabe a decisão da suspensão do fornecimento de serviços essenciais. [...] Assim no caso de inadimplência a fornecedora deverá acionar o Judiciário para cobrar os valores devidos e, se verificada a má-fé aplicar a pena máxima determinando o corte.

65 O comando Constitucional do artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor são os artigos 5º , inciso XXXII e o artigo 170, inciso V, já anteriormente transcritos. 66 Mutatis mutandis significa: “Muda-se o que deve ser mudado”. (CASTRO, 1995, p. 111).

103

Argumentos favoráveis ao regime vigente de suspensão direta do fornecimento pela própria empresa são insubsistentes e contrários a vários princípios do Estado Democrático de Direito. Um desses argumentos é de que a submissão da cobrança pelas vias judiciais seria uma sentença de morte para a empresa pois acarretaria prejuízos que não poderiam suportar em virtude da demora na prestação jurisdicional e das elevadas custas e emolumentos judiciais. Referido argumento é inaceitável pois se adotado em outros casos, muitas lides, ou a grande maioria, seria resolvida pelas próprias partes com a utilização da força bruta. A título de exemplo poderíamos mencionar o proprietário de um imóvel que não recebe os aluguéis a vários meses e que se sentindo prejudicado expulsa o inquilino como suas próprias mãos pois a ação de despejo iria demorar e ele não poderia suportar os prejuízos inerentes a permanência do locatário no imóvel. Ora se um simples proprietário de um imóvel locado pode suportar tamanho prejuízo pergunta-se: Por que um empresa de fornecimento de energia elétrica não poderia? Por que a diferença de tratamento? Onde se encontra a aplicação do princípio da isonomia? Com certeza não encontraremos resposta para essas perguntas que não sejam pautadas em critérios políticos e econômicos opressores. Mesmo assim denunciamos que a permanência dessa situação desrespeita a ordem legal e traz consigo um retrocesso milenar remontando a justiça privada o chamado “olho por olho de dente por dente” onde o poder do mais forte é o que prevalece.

No mesmo sentido, também é importante a colocação de Sardi Júnior (2003):

Não seria justo com o consumidor o fato das prestadoras forçá-lo de forma humilhante através da interrupção de seus serviços a pagar suas dívidas quando o resto da população usa do Poder Judiciário para compor seus litígios sob pena de estar incorrendo no crime de Exercício Arbitrário das Próprias Razões. [...] Se toda população brasileira olhasse o ponto de vista das prestadoras de serviço como sendo legal, poderíamos suprimir os incisos LIV e LV do artigo 5.º da Constituição Federal, bem como rasgar as páginas do Código de Defesa do Consumidor onde estiverem os artigos 6.º, 22 e 42,e por fim poderíamos reduzir uma quantidade enorme de ações e recursos nos Tribunais já que haveria uma enorme diminuição dos litígios dessa natureza devido o uso da Justiça Privada. Não seria também necessário onerar mais ainda o Estado na promoção de concursos públicos para a carreira da Magistratura, já que não seria mais necessário a figura do Juiz devido o uso da "Lei do mais forte".

No primeiro capítulo desta monografia falou-se de alguns princípios que

norteiam os serviços públicos. Nesta oportunidade também foi visto que muitos

princípios são trazidos pela Constituição da República Federativa do Brasil

implicitamente, mas são de grande importância tanto quanto os explícitos. Um

104

destes princípios implícitos é o da razoabilidade e proporcionalidade, a que

submete-se a Administração Pública em todos os seus atos.

Mencionando Meirelles (2003, p. 91) se tem noção do que é este princípio:

“Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em

última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a

evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública,

com lesão aos direitos fundamentais”.

Nítida é a desproporcionalidade e o abuso da medida tomada pela

fornecedora de serviço público de energia elétrica, quando suspende o mesmo, sem

o devido processo legal e desrespeitando diversos direitos dos consumidores. Não

há justificativa congruente para tanto. A fornecedora aproveita-se de estar a energia

elétrica em suas mãos e isto é abusivo de sua parte.

Fica claro, através das legislações correlatas no presente estudo, das

posições doutrinárias e da observância da vida atual do ser humano em sociedade,

que a demanda da suspensão do fornecimento do serviço público de energia elétrica

não poderá continuar acontecendo da maneira que vem sendo cotidianamente, pois

contrária ao propósito do direito, causa desordem social é injusta.

Por isso, ante todo o visto durante esta pesquisa, entende-se que a

suspensão da energia elétrica, se fosse o caso, seria possível como medida

extrema, porém medida determinada pelo Poder Judiciário, após o devido processo

legal, oportunizada a ampla defesa e o contraditório, asseguradas as garantias

fundamentais constitucionais e os direitos do consumidor, se verificada má-fé por

parte do consumidor. Em se tratando de qualquer outra lide é desta forma que

ocorre, neste caso não poderia ser diferente. Por tanto, a concessionária, fazendo

jus também a seu direito poderá cobrar seu débito, contudo pelos mecanismos

legais de cobrança e respeitadas as disposições constitucionais e do Código de

Defesa do Consumidor.

Martins (2001) adota o entendimento da impossibilidade do corte do

fornecimento de energia elétrica:

Perfilhando o entendimento expressado, chega-se a conclusão que constitui prática abusiva o corte de energia elétrica por falta de pagamento, sendo vedado o corte de energia por parte do fornecedor, em razão do serviço ser considerado essencial, não prevalecendo a norma que autoriza a interrupção de serviço essencial (art.6, §3º,II da lei 8.987/95), pois a mesma conflita com o código do consumidor, prevalecendo a norma consumerista

105

em razão do princípio da proibição de retrocesso ao invés do princípio lex posteriori revoga legis a priori.

Campos (2001) em sua análise do assunto, propõe uma possível solução

para o conflito, por ele chamada de “providência social”, levantando a possibilidade

de, ante a suspensão, que seja fornecida uma energia elétrica mínima, através da

instalação de um limitador de corrente, como alternativa à supressão total da

energia, atendendo as necessidades mais básicas do domicílio do consumidor.

A proposta de Campos é significante, podendo ainda como solução para que

tal situação cesse, oportunamente haver uma alteração no Código de Defesa do

Consumidor, no tocante a determinar o alcance da continuidade do serviço público

por ele determinada, e ainda a pacificação pelos egrégios Tribunais.

4.5 POSIÇÕES JURISPRUDENCIAIS QUE VEDAM A SUSPENSÃO DO SERVIÇO

PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA POR INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR

De todo o exposto, sendo o raciocínio levantado aceito, existem várias

jurisprudências neste sentido, ou seja, verifica-se que os tribunais pátrios, de

maneira especial o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, manifestam-se

também no sentido de não poder o débito de energia elétrica ser cobrado através de

coação ao consumidor pela suspensão do fornecimento do serviço, desrespeitando

princípios constitucionais, devendo antes de ser tomada esta medida drástica ser o

consumidor avisado do débito, da cobrança judicial e lhe ser ainda assegurado o

devido processo legal.

Desta forma destacam-se alguns julgados do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina:

ADMINISTRATIVO. CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA. NÃO COMPROVADA A ALEGAÇÃO DE FRAUDE NO MEDIDOR. NÃO OBSERVADOS OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. PRÁTICA ABUSIVA. Não provada notificação prévia (art. 6º, § 3º, da Lei n. 8.987/95) e conseqüente oportunidade de contraditório, o corte no fornecimento de energia elétrica por suposta fraude no consumo é ilegal.

106

Utilizar-se de meio coercitivo para obrigar o pagamento do débito decorrente de um furto de energia, sem ao menos ter comprovado a fraude, viola os princípios ao contraditório e à ampla defesa assegurados pela Constituição Federal. [...] “Corroborando o raciocínio apresentado, confira-se julgado do STJ em caso similar: [...] "Num primeiro momento, não há negar que a energia é bem essencial, constituindo-se em serviço público indispensável e subordinado, em regra, ao princípio da continuidade de sua prestação" (ROMS n. 8.915/MA, rel. Min. José Delgado). [...] Não pode a empresa ré proceder o corte de energia como forma de coagir ao pagamento de multa imposta na ausência de provas robustas que comprovem a responsabilidade do usuário quanto a prática de má-fé. [...] não há como afirmar que o autor cometeu crime sem sentença transitada em julgado, sem regular processo administrativo, com contraditório e amplo exercício do direito de defesa. Não se pode permitir a aplicação de qualquer penalidade ao cidadão, protegido pelas normas garantistas da Constituição da República, e amparado, em última instância, pelas normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Desse modo não é concebível que a concessionária julgue e execute suas próprias decisões, sem possibilitar ao consumidor o direito à defesa, sob a acusação de furto de energia. Daí porque afigura-se ilegal o ato praticado pela apelante”. (TJSC – Apelação Cível n° 2003.030119-4 – Rel Des. Pedro Manoel Abreu – Julgado em 30/07/2005) MANDADO DE SEGURANÇA. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. CORTE NO FORNECIMENTO. MEIO COERCITIVO PARA O USUÁRIO PAGAR DÉBITO VENCIDO. SERVIÇO FUNDAMENTAL QUE NÃO PODE SER INTERROMPIDO. VIOLAÇÃO MANIFESTA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PEDIDO PROCEDENTE. RECURSO IMPROVIDO. (TJSC - Apelação Cível em mandado de segurança nº 3.610 - Rel. Des. Nestor Silveira - Julgado em 29/10/1992) APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO. ILEGALIDADE. MEIO COERCITIVO DE COBRANÇA. RECURSO PROVIDO. A suspensão do fornecimento de energia elétrica, que configura serviço essencial, é manifestamente inadmissível e ilegal, porquanto a concessionária tem a seu favor ação própria para cobrar eventuais débitos atrasados. Nestes casos de serviço obrigatório, como é o caso da energia elétrica, que é imposta ao usuário e vital para a continuidade de uma empresa, que gera empregos e receitas para inclusive para sustentar a pesada máquina pública, configura-se abusivo o corte do seu fornecimento como expediente coercitivo de pagamento de eventuais dívidas pretéritas. [...] “A ameaça ou corte do fornecimento de energia elétrica é meio coercitivo de cobrança, devendo a concessionária valer-se das vias ordinárias para exigir o seu crédito. Ora, a suspensão do fornecimento de energia, que configura serviço essencial, é manifestamente inadmissível e ilegal, porquanto não se pode aceitar que uma concessionária de um serviço de extrema necessidade para uma indústria, como é o caso presente, interrompa o seu fornecimento quando tem a seu favor ação própria para cobrar eventuais débitos atrasados.

107

Em se tratando de serviços individuais, que têm usuários determinados e utilização particular e determinada a cada destinatário, dentre os quais se insere a energia elétrica domiciliar, Hely Lopes Meirelles, em sua obra "Direito Administrativo Brasileiro, ed. Malheiros, 1996, 21ª ed, p. 299, preleciona que: "O não pagamento desses serviços por parte do usuário tem suscitado hesitações da jurisprudência sobre a legitimidade da suspensão do seu fornecimento. Há que se distinguir entre o serviço obrigatório e o facultativo. Naquele, a suspensão do fornecimento é ilegal, pois, se a Administração o considera essencial, impondo-o coercitivamente ao usuário (como é a ligação domiciliar à rede de esgoto e da água e a limpeza urbana), não pode suprimi-lo por falta de pagamento(...)Ocorre, ainda, que, se o serviço é obrigatório, sua remuneração é por taxa (tributo), e não por tarifa (preço), e a falta de pagamento de tributo não autoriza outras sanções além de sua cobrança executiva com os gravames legais (correção monetária, multa, juros, despesas judiciais)". [...] Do corpo do acórdão extrai-se que: "Ensina o acatado Professor Celso Antonio Bandeira de Melo (Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta, 2a edição. RT, pág. 48) que: "'As regras concernentes à prestação dele (serviço) são instituídas não apenas em benefício da coletividade, concedida em abstrato, mas dos usuários, individualmente considerados, isto é, daqueles que arcarão com o pagamento das taxas ou tarifas, a fim de serem servidos. Por isso aquele a quem for negado o serviço ou que sofrer-lhe a interrupção pode, judicialmente, exigir em seu favor o cumprimento da obrigação do concessionário inadimplente, exercitando um direito subjetivo próprio'".” (TJSC - Apelação cível em mandado de segurança nº 97.005543-9 - Rel. Des. Carlos Prudêncio – Julgado em 28/04/1998) MANDADO DE SEGURANÇA - EMPRESA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CORTE NO FUNCIONAMENTO - COAÇÃO PARA PAGAMENTO DO DÉBITO PELO USUÁRIO - VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO - SERVIÇO ESSENCIAL - NÃO PERMITIDA SUA INTERRUPÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. Trata-se de serviço público fundamental, para socorrer necessidade vital da sociedade, não podendo ser cortado ante o não pagamento de tarifas, dispondo o poder público de meios regulares para cobrança de eventuais débitos dos usuários. "O usuário, consumidor de energia elétrica, tem direito à prestação deste serviço público, atendidas as condições a ele relativas. O concessionário, em tese, não poderá negar ou interromper a prestação do serviço, salvo nas hipóteses previstas em lei e nas regulamentações administrativas próprias. Inteligência do art. 175 da Constituição Federal." (AI n. 96.010963-3, relator: Desembargador Pedro Manoel Abreu, j. 3.5.97). [...] "O corte de fornecimento de luz, neste caso, é tido e interpretado pelos tribunais como um modo de obrigar o usuário a efetuar o pagamento de faturas em atraso, cujo consumo nelas constante é juridicamente discutível." Acresço, "que, o corte de energia elétrica é medida extrema que configura arbitrariedade mesmo sendo a impetrante devedora do serviço. Não se admite o corte do fornecimento de energia elétrica como forma de compelir o usuário a pagar dívidas em atraso." Assim resta evidenciado, através da análise dos autos, que a razão do atraso nos pagamentos fora o motivo do interrupimento no fornecimento de energia elétrica ao consumidor, razão esta, contrária ao entendimento de nosso egrégio Tribunal: "Não se admite o corte de fornecimento de energia elétrica como forma de compelir o usuário a pagar dívidas em atraso." (RT 609/168, Rel. Des. Napoleão Amarante)”

108

(TJSC - Apelação Cível em mandado de segurança nº 99.012027-9 - Rel. Des. Anselmo Cerello – Julgado em 27/10/1999) APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA - ENERGIA ELÉTRICA - SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO - EXPEDIENTE UTILIZADO COMO MEIO DE COMPELIR O PAGAMENTO DO SERVIÇO - ILEGALIDADE CONFIGURADA - PRECEDENTES - RECURSO DESPROVIDO. "Não se admite o corte de fornecimento de energia elétrica como forma de compelir o usuário a pagar dívidas em atraso”. (RT 609/168, Rel. Des. Napoleão Amarante). (TJSC - Apelção Cível em mandado de segurança – nº 5.924 – Rel. Des. Orli Rodrigues Julgado em 27/08/1996)

ENERGIA ELÉTRICA. AMEAÇA DE SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO COM A FINALIDADE DE COBRAR DÉBITO PRETÉRITO. ALEGAÇÃO DE FRAUDE NÃO COMPROVADA. NECESSIDADE DE APURAÇÃO NA VIA PRÓPRIA. ATO ILEGAL E ABUSIVO. SEGURANÇA CONCEDIDA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO E DA REMESSA. (TJSC - Apelação Cível em mandado de segurança nº 2002.026068-7 - Rel. Des. César Abreu – Julgado em 25/04/2003)

Ainda, o Superior Tribunal de Justiça se manifesta neste sentido:

SERVIÇO PÚBLICO - ENERGIA ELÉTRICA - CORTE NO FORNECIMENTO - ILICITUDE - I - É viável, no processo de ação indenizatória, afirmar-se, incidentemente, a ineficácia de confissão da dívida, à mingua de justa causa. II - É defeso à concessionária de energia elétrica interromper o suprimento de força, no escopo de compelir o consumidor ao pagamento de tarifa em atraso. O exercício arbitrário das próprias razões não pode substituir a ação de cobrança. (STJ – Recurso Especial nº 223778/RJ; Recurso Especial 1999/0064555 - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – Julgado em 07/12/1999)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 22 E 42 DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR). ENTENDIMENTO DO RELATOR. ACOMPANHAMENTO DA POSIÇÃO DA 1ª SEÇÃO DO STJ. PRECEDENTES. 1. Recurso especial contra acórdão que considerou ilegal o corte no fornecimento de energia elétrica como meio de coação ao pagamento de contas atrasadas ou para apurar eventual irregularidade. 2. Decisão a quo clara e nítida, sem omissões, obscuridades, contradições ou ausência de motivação. O não-acatamento das teses do recurso não implica cerceamento de defesa. Ao juiz cabe apreciar a questão de acordo com o que entender atinente à lide. Não está obrigado a julgá-la conforme o pleiteado pelas partes, mas sim com seu livre convencimento (CPC, art. 131), usando fatos, provas, jurisprudência, aspectos atinentes ao tema e

109

legislação que entender aplicáveis ao caso. Não obstante a oposição de embargos declaratórios, não são eles mero expediente para forçar o ingresso na instância especial, se não há vício para suprir. Não há ofensa aos arts. 165, 458, II, e 535, II, do CPC quando a matéria é devidamente abordada no aresto a quo. 3. Não resulta em se reconhecer como legítimo o ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção de seus serviços, em face de ausência de pagamento de fatura vencida. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. O art. 22 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor assevera que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. O seu parágrafo único expõe que, “nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código”. Já o art. 42 do mesmo diploma legal não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Tais dispositivos aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afrontaria, se fosse admitido, os princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. O direito de o cidadão se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 6. Caracterização do periculum in mora e do fumus boni iuris para sustentar deferimento de liminar a fim de impedir suspensão de fornecimento de energia elétrica. Esse o entendimento deste Relator. 7. No entanto, embora tenha o posicionamento acima assinalado, rendo-me, ressalvando meu ponto de vista, à posição assumida pela ampla maioria da 1ª Seção deste Sodalício, pelo seu caráter uniformizador no trato das questões jurídicas no país, que vem decidindo que “é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (L. 8.987/95, Art. 6º, § 3º, II) ”(REsp nº 363943/MG, 1ª Seção, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 01/03/2004). No mesmo sentido: EREsp nº 337965/MG, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 08/11/2004; REsp nº 123444/SP, 2ª T., Rel. Min João Otávio de Noronha, DJ de 14/02/2005; REsp nº 600937/RS, 1ª T., Rel. p/ Acórdão, Min. Francisco Falcão, DJ de 08/11/2004; REsp nº 623322/PR, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 30/09/2004. 8. Com a ressalva de meu ponto de vista, homenageio, em nome da segurança jurídica, o novo posicionamento do STJ. 9. Recurso especial provido. (STJ – Rec. Esp. nº 841.786/RS – Rel. Min. José Delgado – Julgado em 29/06/2006, DJ 17/08/2006, p. 331)

Por fim, esclarece-se que as jurisprudências apresentadas não esgotam as

decisões dos tribunais neste sentido, tendo sido selecionadas algumas a título de

ratificação da conclusão que chegou-se no presente estudo feito.

110

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para qualquer que seja a análise acerca da suspensão do fornecimento do

serviço público de energia elétrica, se faz necessário, porém, conhecer um pouco

mais sobre os serviços públicos. Por isto o presente estudo partiu de uma análise

dos serviços públicos, de forma genérica, sendo eles previstos no artigo 175 da

Constituição da República Federativa do Brasil, onde se vê que é dever do Poder

Público prestá-los aos seus administrados.

Para se compreender os serviços públicos buscou-se, uma conceituação dos

mesmos, onde se verificou que os serviços são públicos por serem prestados para

satisfação das necessidades de interesse público, geral e também por serem

prestados, direta ou indiretamente pela administração pública.

Conforme as características que possuem os serviços públicos recebem uma

ou outra classificação, podendo ser classificados como próprios ou impróprios do

Poder Público, essenciais ou não essenciais, quanto aos usuários a que são

prestados poderão ser gerais ou individuais, ainda são classificados em

compulsórios ou facultativos e quanto a execução como de forma direta ou indireta.

Na prestação dos serviços públicos, alguns princípios devem lhe servir de

norte, na busca de prestar os serviços adequadamente conforme exige a

Constituição da República Federativa do Brasil. Nesta pesquisa, não obstante a

importância que todos os princípios possuem na prestação dos serviços públicos,

foram verificados apenas alguns, atinentes de maneira direta ao tema proposto.

Estes princípios tratam de garantir a extensão dos serviços a todos sem distinção, a

eficaz prestação com o máximo de resultado e o mínimo de investimentos, que a

prestação dos serviços seja contínua, sem mudanças na qualidade técnica, ou seja,

com regularidade, colocando sempre o interesse público sobre o privado,

assegurando ainda que sigam sempre o que determina a lei.

Os serviços públicos não são prestados exclusivamente pelo Poder Público,

pelo que se averigua no artigo 175 da Constituição da República Federativa do

Brasil, estes poderão ser outorgados para terceiros os executarem, mas, contudo, o

Poder Público estará sempre presente, visto que a instituição, regulamentação,

execução ainda que indiretamente e o controle dos serviços públicos é, por

determinação constitucional, da alçada do Poder Público.

111

A Constituição da República Federativa do Brasil, ainda divide os serviços

públicos conforme a competência, entre a União, os Estados-membros, o Distrito

Federal e os Municípios.

Outra importante questão vista foi quanto à forma de prestação dos serviços

públicos, onde analisou-se que poderão eles ser prestados diretamente ou através

de concessão, permissão ou autorização.

Na concessão, o serviço é executado em seu nome, por sua conta e risco,

mas sempre com a fiscalização e controle da Administração pública. O serviço

prestado pela concessionária é remunerado pelos usuários. A concessão acontece

sempre através de licitação, na modalidade de concorrência, e é regulada também

pela Lei nº 8.987/1995, que é a Lei das Concessões e Permissões de serviços

públicos. Ainda foram verificadas a permissão e a autorização de serviços públicos,

que são formas mais precárias de outorga dos serviços públicos, portanto vindo a

acontecer geralmente em casos mais específicos, de prestação de serviços menos

complexos.

O serviço público de energia elétrica está sujeito às normas dos demais

serviços públicos, sendo lhe acrescidas especificamente, contudo, outras normas,

tais como a Resolução nº 456/2000 da ANEEL. A energia elétrica, pelo que

determina o Código Penal, é coisa móvel, passível do crime de furto inclusive.

Possui a energia elétrica natureza de direito público e também de direito

privado, conforme a relação que a ela envolva. Quando se trata da relação entre o

Poder concedente e a concessionária de energia elétrica, será regida pelo Direito

Público, contudo, na relação entre a concessionária e o consumidor, esta se

sujeitará também ao Direito Privado.

A relação entre a concessionária e o consumidor é firmada por contrato. Para

os consumidores residências é encaminhado contrato de adesão, onde o

consumidor participa tendo que aderir inteiramente às cláusulas e condições da

concessionária, submetendo-se a isto para não ficar sem energia elétrica, pois a

energia elétrica atualmente é indispensável à vida.

Este aspecto de ser indispensável à vida, tanto o é, que o serviço público de

energia elétrica é considerado legalmente, pela Lei nº 7.783/1989, como serviço

essencial. A referida lei é a Lei de Greve e determina que em caso de greve serviços

essenciais devem ser mantidos, indicando quais seriam este serviços, onde, dentre

eles encontra-se o de energia elétrica.

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Na prestação do serviço público de energia elétrica, entre concessionária e

consumidor se estabelece uma relação de consumo, onde a concessionária é

fornecedora e o usuário o consumidor, por isto esta relação é também submetida as

normas do Código de Defesa do Consumidor.

O consumidor do serviço público de energia elétrica tem direito a receber a

prestação adequada deste serviço, de não ser exposto a constrangimento ou

ameaça na cobrança de seus débitos, além de todas as outras garantias

fundamentais alocadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, como a

dignidade da pessoa humana, e dos demais direitos do consumidor trazidos pelo

Código de Defesa do Consumidor. Neste contexto, devem ser respeitados na

relação de consumo entre concessionária e consumidor os princípios da boa-fé, bem

como o do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Porém, os direitos do consumidor e os princípios acima mencionados, entre

outras garantias constitucionais não estão sendo respeitados na circunstancia da

suspensão do fornecimento do serviço público de energia elétrica, quando o

consumidor está inadimplente com o pagamento de suas faturas de consumo de

energia elétrica.

A afronta do princípio da continuidade, da dignidade da pessoa humana, do

princípio da boa-fé, da garantia ao devido processo legal e a ampla defesa além de

inúmeras disposições legais de proteção ao consumidor e inclusive disposições

constitucionais tornam a questão polemica ante o direito da concessionária de ser

remunerada, e do que dispõe o artigo 6º, § 3º, inciso II da Lei nº 8.987/1995, que

permite a suspensão da energia elétrica por inadimplência do consumidor, causando

divergência nos entendimentos dos tribunais pátrios e entre os doutrinadores.

Restou demonstrado, contudo, que o dispositivo legal acima referido contraria

disposições legais e constitucionais e vários princípios de direito, e que os

doutrinadores trazidos no presente estudo, assim como outros, já se posicionam

contrários a suspensão nos moldes em que vem acontecendo, sendo também do

entendimento dos tribunais pátrios.

O que se concluí é que a suspensão da maneira que vem acontecendo, feita

pelo mando da concessionária, sem antes passar pelo devido processo legal,

configura justiça privada, que não é permitida em nossa legislação, e não poderia

permanecer desta forma. Não que a concessionária não possa cobrar a

113

remuneração que é sua de direito, mas ela possui mecanismo legais para tanto, e

utilizando-os, estará também respeitando os direitos do consumidor.

Desta forma, constata-se que todas as hipóteses traçadas inicialmente foram

acatadas.

A contribuição jurídica que se objetivou com este estudo foi de evidenciar a

necessidade da suspensão do serviço público de energia elétrica oriunda da

inadimplência do consumidor, receber um trato legislativo mais específico,

regulamentando devidamente esta situação que vem suscitando inúmeras

demandas judiciais, fazendo com que a política jurídica atue como elemento

distribuidor de Justiça e pacificador de conflitos através da edição de novas normas

que atendam o anseio da sociedade em busca da harmonia e paz social, pois a

situação não pode, por muito, permanecer da maneira que se encontra.

O assunto ainda merece a atenção e reflexão de todos que são beneficiários

deste serviço, e dos operários do direito. É interessante também e de grande

importância o estudo das demais circunstâncias motivadoras da suspensão da

energia elétrica pela concessionárias, bem como de outras espécies de serviço

públicos como o de abastecimento de água, recolhimento de lixo, etc.

114

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