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Karine Borges Goulart A imunidade das entidades beneficentes de assistência social em relação às contribuições sociais BRASÍLIA 2002

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Karine Borges Goulart

A imunidade das entidades beneficentes de assistência

social em relação às contribuições sociais

BRASÍLIA

2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

INSTITUTO DE COOPERAÇÃO E ASSISTÊNCIA TÉCNICA DA ASSOCIAÇÃO

DE ENSINO UNIFICADO DO DISTRITO FEDERAL - ICAT/AEUDF

MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO

A IMUNIDADE DAS ENTIDADES

BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM

RELAÇÃO ÀS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

Monografia apresentada como parte dos requisitos

para obtenção do título de Mestre em Direito Público,

sob a orientação do Professor Doutor Raymundo

Juliano Rêgo Feitosa.

BRASÍLIA

2002

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Raymundo Juliano Rêgo

Feitosa, pelos conhecimentos transmitidos e

pela atenção dispensada na elaboração

deste trabalho. A Cláudio Renato do Canto

Farag, pelo apoio recebido, indispensável à

realização deste curso.

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RESUMO

Esta dissertação pretende analisar a imunidade tributária concedida às entidades

beneficentes de assistência social, em relação às contribuições sociais, em

conformidade com o disposto no art. 195, § 7º da Constituição Federal Brasileira de

1988. Impõe-se, para tanto, a identificação dos motivos que levaram o constituinte a

estabelecer este benefício fiscal, como forma de se verificar os limites do legislador

ordinário para regulamentar o texto constitucional, tendo em vista que este deverá

atuar dentro da razoabilidade. Considerando ter havido a concessão de um benefício

fiscal sujeito a condições legais, analisa-se a legislação infraconstitucional que

regulamenta o disposto no art. 195, § 7º da Constituição Federal de 1988, propondo-

se algumas alterações na legislação vigente, com objetivo de atender aos desígnios

do constituinte, evitando, ainda, violação ao princípio da igualdade, que deve nortear

as atividades tributárias.

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ABSTRACT

Fiscal benefits given to the social assistance organizations

This thesis intends to show the fiscal benefits given by the Brazilian Constitution to

the non-profit organizations, who deals with social assistance. The benefit is related

to a kind of tax established to collect pecuniary resourses to support the social

security. One must identify, therefore, why the constituent assembly decided to give

this benefit to this organizations, in a way that will make possible to realize the

legislator's limits to estabilish the conditions to recognize the exempting

organizations, reminding that the law may observe a razonableness's rule. As the

Brazilian Constitution gives a fiscal benefit to the organizations that observe some

legal conditions, it is offered a project to make some changes in the actual law,

intending to reach the constituent assembly's purpose, avoiding to violate equality

that must conduct the tributary laws and activities.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADIMC - Ação Direta de Inconstitucionalidade - Medida Cautelar

AGRAG - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento ou de Petição

art. - artigo

BA - Bahia

CF - Constituição Federal

CJ/MPAS - Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência e Assistência Social

CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social

CNSP - Conselho Nacional de Seguros Privados

CNSS - Conselho Nacional de Serviço Social

COFINS - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social

CTN - Código Tributário Nacional

DF - Distrito Federal

DJ - Diário de Justiça

DO - Diário Oficial

ed. - edição

GB - Guanabara

INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

ICMS - Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços

IOF - Imposto sobre Operações Financeiras

IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

ISS - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

LC - Lei Complementar

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LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

MI - Mandado de Injunção

MP - Medida Provisória

OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

p. - página

PASEP - Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público

PIS - Programa de Integração Social

RE - Recurso Extraordinário

RJ - Rio de Janeiro

RS - Rio Grande do Sul

RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SESC - Serviço Social do Comércio

SESI - Serviço Social da Indústria

SP - São Paulo

STF - Supremo Tribunal Federal

UBIT - Unrelated Business Income Tax

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ÍNDICE

Introdução

1. Justificativa do tema - Funções estatais e relevância do papel das entidades de

assistência social ......................................................................................................01

2. Metodologia empregada no trabalho ....................................................................07

3. Estrutura da obra - Aspectos a serem abordados quanto à colaboração das

entidades beneficentes e requisitos para a obtenção da imunidade ..........................09

Primeira Parte

Capítulo Primeiro - Limitações ao poder de tributar

1.1. Justificativa para a tributação.............................................................................11

1.2. Distribuição da competência para tributar..........................................................18

1.3. Princípios constitucionais limitadores do poder de tributar previstos na

CF/88.........................................................................................................................22

1.4. Imunidade tributária e seus reflexos no poder de tributar .................................27

Capítulo Segundo - A imunidade tributária

2.1. Imunidade tributária como regra integrante de norma de estrutura ...................32

2.2. Imunidade, não incidência, isenção e alíquota zero............................................38

2.3. Finalidades da imunidade ..................................................................................47

2.4. Abrangência da imunidade: tributos a que se aplica..........................................49

2.5. Classificação da imunidade: objetiva, subjetiva, simples, condicionada ..........54

2.6. Histórico da imunidade em relação às contribuições sociais concedida às

entidades de assistência social..................................................................................56

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2.6.1. Imunidade em relação a impostos.............................................................56

2.6.2. Imunidade em relação a contribuições sociais..........................................59

2.6.3. Tratamento conferido pela CF/88 à imunidade quanto às contribuições

sociais ......................................................................................................................63

Capítulo Terceiro - Fundamentos da imunidade tributária das entidades de

assistência social

3.1. Justiça e tributação ............................................................................................65

3.2. Visão positivista da imunidade .........................................................................68

3.3. Valores decorrentes dos direitos fundamentais e ordem jurídica justa .............73

3.4. Imunidade como decorrência de direitos fundamentais.....................................86

3.5. Imunidade e igualdade ......................................................................................90

3.6. A relevância das atividades das entidades de assistência social .......................98

Segunda Parte

Capítulo Quarto - As entidades beneficentes de assistência social no contexto do

terceiro setor

4.1. Direitos sociais e Estado provedor ...................................................................102

4.2. Princípios e normas programáticas na CF/88 e a reserva do possível .............105

4.3. O papel do terceiro setor ..................................................................................110

4.4. Incentivos ao terceiro setor ..............................................................................116

Capítulo Quinto - Atividades exercidas pelas entidades beneficentes de

assistência social

5.1. Imunidade subjetiva .......................................................................................119

5.2. Assistência social ...........................................................................................121

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5.2.1. Corrente restritiva .................................................................................124

5.2.2. Corrente intermediária ..........................................................................129

5.2.3. Corrente extensiva ................................................................................130

5.3. Entidades de previdência privada ..................................................................136

5.4. Adequação da corrente intermediária para a definição da abrangência

da imunidade ........................................................................................................144

Terceira Parte

Capítulo Sexto - Natureza da lei que estabelece requisitos para a imunidade

6.1. Dispositivo constitucional de eficácia limitada ...............................................148

6.2. Distinção entre lei complementar e lei ordinária .............................................153

6.3. Natureza da lei que estabelece requisitos para a imunidade das entidades

assistenciais em relação aos impostos ...................................................................157

6.4. Natureza da lei que estabelece requisitos para a imunidade em relação às

contribuições sociais................................................................................................161

Capítulo Sétimo - Forma de atuação das entidades de assistência social

7.1. Clientela a ser atendida pelas entidades assistenciais......................................171

7.2. A gratuidade e as inovações estabelecidas pela Lei nº 9.732/98 ....................176

7.3. Exercício de atividade econômica pelas entidades beneficentes ....................184

Capítulo Oitavo - Requisitos estabelecidos pela legislação infraconstitucional

para a aquisição do direito à imunidade

8.1. Imunidade condicionada .................................................................................196

8.2. Os limites do legislador para a regulamentação do dispositivo

constitucional .........................................................................................................199

8.3. Requisitos estabelecidos pela Lei nº 8.212/91 para a obtenção da

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imunidade tributária ...............................................................................................202

8.3.1. Título de utilidade pública ......................................................................205

8.3.2. Certificado e registro junto ao Conselho Nacional de Assistência

Social ......................................................................................................................214

8.3.3. Não distribuição de vantagens a diretores ..............................................220

8.3.4. Aplicação do resultado ...........................................................................224

8.4. Experiências estrangeiras quanto ao tratamento fiscal diferenciado

concedido às entidades que exercem atividades de interesse público ....................225

Conclusão ..............................................................................................................230

Sugestões ...............................................................................................................239

Bibliografia:

1. Livros ..................................................................................................................244

2. Artigos ................................................................................................................248

3. Jurisprudência .....................................................................................................252

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INTRODUÇÃO

Sumário: 1. Justificativa do tema: Funções estatais e

relevância do papel das entidades de assistência social. 2.

Metodologia empregada no trabalho. 3. Estrutura da obra:

Aspectos a serem abordados quanto à colaboração das

entidades beneficentes e requisitos para a obtenção da

imunidade.

1. Justificativa do tema: Funções estatais e relevância do papel das entidades de

assistência social

A imunidade das instituições de educação e assistência social quanto a

impostos é contemplada pelo ordenamento jurídico desde a Constituição Federal de

1946. A Constituição Federal de 1988, contudo, além de manter a previsão de

imunidade em relação a impostos, cuidou de atribuir às entidades beneficentes de

assistência social, imunidade também em relação às contribuições sociais.

Pretende-se, neste trabalho, analisar esta inovação constitucional, referente à

concessão de imunidade às entidades beneficentes de assistência social, quanto ao

pagamento de contribuições sociais, em conformidade com o que prevê o art. 195, §

7º, da CF/88.

O interesse pelo tema surgiu a partir do exercício do cargo de Procuradora do

Instituto Nacional do Seguro Social, com a constatação das enormes controvérsias

que giram em torno do instituto da imunidade das entidades de assistência social, em

especial quanto aos requisitos estabelecidos para o gozo desta imunidade, e a forma

legislativa a ser adotada para sua especificação.

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Tais controvérsias se intensificaram a partir do advento da Lei nº 9.732/98,

que alterou os requisitos previstos no art. 55 da Lei nº 8.212/91 para o gozo da

imunidade pelas entidades de assistência social, estabelecendo critérios mais

rigorosos. As entidades prejudicadas pela alteração legislativa passaram, então, a

questionar a natureza da lei a que se refere o art. 195, § 7º, da CF/88, como

instrumento hábil para estabelecer os requisitos a serem preenchidos para a

imunidade em relação às contribuições sociais, bem com os limites a que está sujeito

o legislador, que não poderá retirar a eficácia da imunidade concedida pela Lei

Maior.

Nesse sentido, foi questionada pela Confederação Nacional de Saúde,

Hospitais, Estabelecimentos e Serviços, perante o Supremo Tribunal Federal, a

validade da nova regulamentação da imunidade em relação às contribuições sociais,

tendo sido suspensa, liminarmente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN

2028-51, a eficácia dos dispositivos inseridos na Lei nº 9.732/97 acerca do tema, por

reconhecer-se a sua inconstitucionalidade formal e material.

Assim, com os debates que se iniciaram após o advento da referida lei, com

eficácia suspensa em virtude da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, e

as discussões em torno dos limites da imunidade, pôde-se identificar a relevância de

se promover um estudo relacionado a esta imunidade específica, concedida às

entidades de assistência social.

Cabe, a propósito, considerar que a Constituição Federal de 1988 declara em

seu preâmbulo que o Estado Democrático por ela instituído é destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores de uma sociedade fraterna.

São, dessa forma, estabelecidas metas a serem alcançadas pelo Estado, que,

para tanto, deverá ter a seu dispor recursos financeiros. Estes recursos são obtidos

1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2028-5/DF, Relator Ministro Moreira Alves, liminar publicada no DJU de 16/06/2000.

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essencialmente por intermédio da tributação2, sendo que o poder de tributar também

encontra seu fundamento e suas limitações na Constituição Federal.

Com efeito, a Constituição, ao conferir o poder de tributar, determina a

competência para a instituição de cada tributo, definindo os fatos geradores dos

tributos a serem cobrados por cada ente federativo.

Dessa forma, se a Constituição atribui o poder para tributar, esta pode traçar

os seus limites, podendo excluir da tributação certas pessoas, bens e serviços,

visando à proteção de determinados valores e à consecução de determinadas

finalidades, estabelecendo as denominadas imunidades tributárias.3

Ao conceder imunidade, a Constituição consagra valores reputados

imprescindíveis à sociedade e viabiliza a realização, por intermédio da própria

sociedade, de determinados fins do Estado, como ocorre com a imunidade concedida

às entidades de educação e assistência social.

Assim, ao contrário da isenção, que pode ser revogada, a imunidade, sendo

estabelecida pela Lei Maior, e consagrando valores de alto interesse para a

sociedade, não pode ser suprimida pelo legislador4. Faz-se importante, dessa forma,

analisar questões referentes à imunidade como um dos critérios de demarcação da

competência tributária, e suas finalidades, que devem guardar consonância com a

estrutura, fundamentos e objetivos do Estado brasileiro.

O tema se reveste de importância, tendo em vista que, adotando o Estado

brasileiro, na Constituição Federal de 1988, as características de um Estado Social,

foi assumido um compromisso no que se refere à concretização dos direitos sociais

que possibilitem a consecução da igualdade material entre os indivíduos, obrigando-

2 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 45. 3 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 108. 4 YOSHIAKI, Ichiara. Imunidades Tributárias, São Paulo: Atlas, 2000, p. 128.

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se a cumprir as tarefas previstas em normas programáticas, que devem orientar a

atuação estatal.5

Assim sendo, num Estado dirigido à implementação dos direitos sociais6,

conforme ideologia inserida no texto da Constituição Federal de 1988, cujas regras,

pretende-se sejam fruto de um consenso entre os governados, infere-se a necessidade

de se criar condições eficientes para possibilitar o pleno gozo destes direitos. Exige-

se, dessa forma, o investimento de recursos nas áreas de saúde, educação, assistência

social, e políticas visando o pleno emprego.

Para tanto, precisa o Estado de recursos a serem investidos na prestação de

serviços públicos, com o fornecimento de prestações aos que delas necessitam. Tais

recursos, como já se mencionou, são obtidos basicamente mediante a atividade

tributária, impondo-se a transferência de recursos econômicos aos cofres estatais,

uma vez concretizada a hipótese de incidência, legalmente prevista.

Embora a ideologia do Estado neoliberal defenda a redução da atuação do

Estado7, infere-se que, face aos compromissos assumidos na Constituição Federal de

1988, não poderá o Estado se omitir no fornecimento de prestações que possibilitem

a concretização dos direitos sociais e da igualdade material.8

Todavia, poderá o Estado buscar auxílio da sociedade para a execução de

suas tarefas9, razão pela qual deve incentivar a atuação de particulares, no

desenvolvimento de atividades que possibilitem a redução das desigualdades sociais,

amparando os hipossuficientes.

5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 339. 6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 124. 7 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 106. 8 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 30, abr./jun. 1999, p. 103. 9 GIDDENS, Anthony. A terceira via, tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 128.

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A Constituição Federal, a fim de obter o auxílio da sociedade na

concretização dos fins a serem alcançados pelo Estado brasileiro, concede

imunidade às entidades de assistência social, impossibilitando a cobrança de

impostos e de contribuições sociais, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos

em lei.

Em conseqüência, considerando-se a amplitude das tarefas atribuídas ao

Estado, e ainda, que toda a sociedade é chamada a colaborar na consecução dos fins

estatais, mediante o recolhimento de tributos, qualquer norma que dispense o seu

recolhimento deve ter um fundamento adequado, sob pena de se configurar, nas

palavras de Ricardo Lobo Torres, em um privilégio odioso10. No caso das entidades

beneficentes de assistência social, o benefício constitucionalmente outorgado tem

como objetivo incentivar o exercício de atividades assistenciais pela sociedade civil,

suprindo ou complementando atividades próprias do Estado11, o que possibilita a

redução das desigualdades sociais.

Não obstante, para a concessão de imunidade a uma determinada pessoa

jurídica que atua no âmbito da assistência social, exige a Constituição o

cumprimento de determinados requisitos. O estabelecimento de requisitos é de suma

importância para evitar a concessão de privilégios a pessoas que não subsidiam a

atuação do Estado, mas, ao contrário, exercem suas atividades com intuito de auferir

lucros. Dispensar o recolhimento de tributos nestas hipóteses implicaria em oferecer

tratamento desigual entre contribuintes, retirando de alguns, injustificadamente, o

ônus de oferecer contribuições para a realização das tarefas estatais referentes à

concessão de prestações sociais aos que delas necessitam.12

10 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, Rio de Janeiro: Renovar, v. 3, 1999, p. 340. 11 ALVES, Francisco de Assis. Imunidade Tributária, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 284. 12 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, Rio de Janeiro: Renovar, v. 3, 1999, p. 341.

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Assim, torna-se importante a fixação de requisitos para o gozo do benefício, a

fim de que a imunidade concedida pela Constituição Federal de 1988 não seja

transformada em um privilégio a ser usufruído por particulares, mas sim em um

benefício a ser auferido por toda a sociedade, mediante os serviços prestados

desinteressadamente pelas entidades de assistência social, e que poderão reduzir,

dessa forma, as desigualdades sociais.

Em conseqüência, é relevante o estudo da imunidade das entidades

assistenciais quanto às contribuições sociais, como instrumento para incentivar a

atuação da sociedade na prestação de assistência social, devendo-se, contudo, evitar

a concessão de privilégios injustificados, com violação ao princípio da igualdade.

Destarte, é fundamental delimitar o alcance do instituto através da identificação das

destinatárias da imunidade, e analisar quais requisitos devem ser exigidos para se

restringir o benefício às que efetivamente atuam na prestação da assistência social,

trabalhando em prol da sociedade, a fim de se promover a adequada

complementação do art. 195, § 7º, da CF/88.

Considerando-se, ademais, o papel atribuído ao Estado brasileiro pela

Constituição de 1988, torna-se importante incentivar a atuação das entidades de

assistência social. Sendo a imunidade condicionada aos requisitos estabelecidos em

lei, cabe analisar a legislação, a fim de verificar a sua adequação formal e material

ao texto constitucional, não devendo tais requisitos se converterem em empecilhos

ao desempenho das atividades assistenciais, nem em privilégio de pessoas jurídicas,

devendo obedecer ao princípio da proporcionalidade13.

Este trabalho terá como objetivos, portanto, a discussão da amplitude da

imunidade concedida pela Lei Maior às entidades beneficentes de assistência social

em relação às contribuições sociais. Nesse sentido, buscar-se-á identificar o que

representa a imunidade, sua configuração jurídica e seus fundamentos, a

13 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 70.

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caracterização das entidades destinatárias do benefício fiscal, verificando-se, ainda,

se este benefício atribuído às entidades beneficentes pode ou não ser eliminado por

meio de emenda constitucional.

Pretende-se analisar, ainda, os limites a que está sujeito o legislador

infraconstitucional para regulamentar o dispositivo constitucional que atribui

imunidade às entidades beneficentes quanto às contribuições sociais, verificando se

a legislação em vigência se adequa ao princípio da proporcionalidade, ou seja, se o

legislador incorreu ou não em excessos que possam comprometer o alcance das

finalidades buscadas pelo constituinte ao instituir este benefício fiscal, bem como se

tal legislação evita a transformação da imunidade em privilégio injustificado.

2. Metodologia empregada no trabalho

Para se atingir o objetivo de discutir a imunidade condicionada concedida às

entidades beneficentes de assistência social, serão utilizadas, como fontes principais,

a Constituição Federal de 1988, a legislação complementar, a jurisprudência e a

doutrina.

A propósito, será necessário notar que o ordenamento jurídico brasileiro

consagra, desde a CF/46, a imunidade das entidades de educação e de assistência

social em relação aos impostos, sendo que somente com a CF/88 passou-se a

conceder imunidade também em relação às contribuições sociais. Assim sendo, será

analisada a doutrina e a jurisprudência referentes à imunidade em relação aos

impostos, mesmo as anteriores à Constituição Federal de 1988, e que podem ser

invocadas para a compreensão da imunidade em relação às contribuições, auxiliando

na definição de seu alcance.

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Por outro lado, considerando-se a exigência constitucional de cumprimento,

para o gozo da imunidade, dos requisitos estabelecidos em lei, serão analisados os

dispositivos legais que complementaram a Constituição brasileira, inseridos na Lei

nº 8.212/91 e alterados pela Lei nº 9.732/98.

As questões relacionadas com a justificação da imunidade, a natureza da lei a

que se refere a Constituição e a limitação a que se encontra submetido o legislador

ordinário serão analisadas à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da

doutrina, abrangendo livros, artigos e pareceres.

Com a leitura e análise deste material, pretende-se discorrer sobre os

compromissos assumidos pelo Estado brasileiro com a Constituição de 1988, o

papel de coadjuvantes exercido pelas entidades de assistência social, para a

concretização destes compromissos, e os requisitos a serem observados para que a

dispensa do pagamento de tributos não se converta em violação do princípio da

igualdade em matéria tributária.

Pôde-se verificar, todavia, dificuldades em se obter material relativo às

experiências estrangeiras relacionadas à concessão de tratamento fiscal diferenciado

a entidades de assistência social. Pôde-se constatar, contudo, em textos obtidos em

bibliotecas e também na Internet, que alguns países conferem benefícios fiscais a

entidades que os auxiliam na consecução de seus objetivos no campo social, sempre

sujeitando a obtenção destes benefícios ao preenchimento de certos requisitos, como

se noticiará no capítulo oitavo.

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3. Estrutura da obra: Aspectos a serem abordados quanto à colaboração das

entidades beneficentes e requisitos para a obtenção da imunidade

O trabalho será apresentado em oito capítulos, divididos em três partes,

destinadas à compreensão da imunidade, à definição das entidades destinatárias do

benefício fiscal, e à análise dos dispositivos legais que regulamentam o texto

constitucional.

A primeira parte inclui os três primeiros capítulos que tratam de aspectos

referentes à tributação e os institutos que limitam o poder de tributar, dentre os quais

se encontra a imunidade.

O primeiro capítulo será destinado a analisar as limitações ao poder de

tributar, verificando-se a distribuição da competência entre os entes estatais, os

princípios constitucionais tributários, e a restrição do poder mediante a concessão de

imunidade nos casos especificados na Constituição Federal.

No segundo capítulo, pretende-se estabelecer o conceito de imunidade, sua

natureza, finalidades e classificação, com objetivo de verificar seu alcance e sua

distinção para com institutos como a não incidência, a isenção e a alíquota zero, que

também implicam na exclusão do poder do fisco de constituir o crédito tributário.

Será apresentada, ainda, a evolução histórica da imunidade concedida às entidades

assistenciais.

No capítulo terceiro serão analisados os fundamentos da imunidade

concedida às entidades beneficentes de assistência social, verificando-se a sua

adequação ao princípio da igualdade, tendo em vista a necessidade de que todos

contribuam para a manutenção do Estado.

A segunda parte, composta de dois capítulos, será destinada à análise das

destinatárias da imunidade.

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No capítulo quarto se discorrerá sobre a inclusão das entidades de assistência

social no contexto do terceiro setor, que complementa a atuação estatal, suprindo as

necessidades sociais que o Estado não tem condições de atender diretamente, seja

pela limitação de recursos, seja pela falta de gerenciamento dos recursos existentes.

O quinto capítulo se dedica a identificar as entidades beneficentes de

assistência social, definindo as atividades a serem por elas desenvolvidas, para que

possam se beneficiar da imunidade.

Na terceira parte, que abrange os três capítulos finais, será analisada a

regulamentação conferida pela legislação infraconstitucional ao art. 195, § 7º, da

CF/88.

No capítulo sexto, tendo em vista que a Constituição determina, para o gozo

da imunidade, o preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei, passa-se a

analisar qual a natureza desta lei, ou seja, se seria necessária a utilização de uma lei

complementar, ou se seria suficiente lei ordinária.

No capítulo sétimo, pretende-se definir o âmbito de atuação das entidades

beneficentes de assistência social, bem como a forma de prestação de serviços e a

clientela a ser beneficiada.

Finalmente, no capítulo oitavo, serão analisados os requisitos previstos na Lei

nº 8.212/91 para o gozo da imunidade e sua adequação ao objetivo constitucional de

obter a cooperação da iniciativa privada na consecução de finalidades públicas, de

interesse social.

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PRIMEIRA PARTE

CAPÍTULO I

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

Sumário: 1.1. Justificativa para a tributação. 1.2.

Distribuição da competência para tributar. 1.3. Princípios

limitadores do poder de tributar previstos na CF/88. 1.4.

Imunidade tributária e reflexos no poder de tributar.

1.1. Justificativa para a tributação

O Estado se caracteriza como a personificação da sociedade politicamente

organizada, sendo uma entidade criada para manter a ordem e viabilizar a vida em

comunidade14. Sua criação pressupõe a necessidade de concretizar determinados

objetivos, que variam de acordo com a ideologia e os valores de cada época, e com a

própria caracterização da concepção do Estado e de suas funções.

O Estado pode ser tido como um ente destinado apenas à manutenção da

ordem social, cabendo-lhe a garantia da liberdade dos indivíduos15. Essa foi a idéia

de Estado consagrada pela Revolução Francesa, tendo a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, adotada pela Assembléia Constituinte Francesa em 1789,

contemplado uma concepção individualista da sociedade16, colocando em relevo a

14 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 5. 15 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 79. 16 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 162.

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preservação da liberdade, o que implicaria na necessidade da não intervenção do

Estado nas atividades individuais. Não obstante, o papel do Estado foi ampliado

quando este passou a ser responsabilizado pela concessão de prestações que

viabilizassem o exercício dos direitos sociais.17

Todavia, mesmo em se pensando em um Estado mínimo, nos moldes do

instituído pela Revolução Francesa, torna-se evidente a necessidade de obtenção de

recursos econômicos vultosos que viabilizem sua existência, custeando a força

pública e as despesas de administração18. Em conseqüência, sempre se buscou obter,

perante os governados, os recursos econômicos destinados à manutenção do Estado,

mediante a exigência de contribuições ou tributos, sendo utilizados critérios que

variaram durante o curso da história, seja em relação à definição daqueles que

devem oferecer tal contribuição, ou ao montante a ser oferecido por cada um, tendo

a tributação evoluído da servidão pessoal que caracterizava a corvéia19, durante o

regime feudal20, à transferência de recursos econômicos.

Ressalte-se que um dos direitos fundamentais reivindicados e declarados após

a Revolução Francesa, qual seja, o direito à igualdade, teve como inspiração

questões de natureza tributária, relacionadas com a distribuição do ônus da

tributação, e a intervenção do Estado na propriedade privada21. Esta intervenção

implicou, da mesma forma, no reconhecimento do direito à propriedade, implicando

na necessidade de se promover a tributação de forma razoável, para que não

representasse violação a esse direito.

17 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 119. 18 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 1. 19 NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 260. 20 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, tradução de Lourdes Santos Machado, 2ª ed., São Paulo: Abril Cultural. Coleção "Os pensadores", 1978, p. 107. 21 NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 75.

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Assim, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ao mesmo

tempo em que se reconheceu a necessidade de se conferir um tratamento igualitário

a todos os homens, e de se garantir o exercício do direito de propriedade, foi

previsto o direito do Estado de promover a tributação.

Todavia, para o exercício deste direito, foram estabelecidos certos limites,

sendo a principal restrição representada pela necessidade de obtenção do

consentimento dos contribuintes, seja o consentimento direto, ou através de

representantes por eles eleitos.22

Nesse sentido, prevêem os arts. 13 e 14 da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão:

Art. 13. Para a manutenção da força pública e para as despesas de

administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser

repartida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.

Art. 14. Todos os cidadãos têm o direito de verificar, por si ou pelos seus

representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti-la

livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta,

a cobrança e a duração.23 (grifo nosso)

Cabe citar as considerações de Dennis Loyd, acerca da relativização do

direito de propriedade em função do reconhecimento do direito estatal de tributar:

O poder do Estado ou do soberano para tributar os cidadãos certamente

parecia envolver uma usurpação desse direito, mas encontrou-se nesse

caso uma fórmula conciliatória com a introdução do princípio segundo

o qual a tributação era permissível desde que houvesse consentimento

para ela; e isso significou, no moderno Estado democrático, ser a

tributação autorizada por um legislativo representativo e devidamente

eleito.24 (grifo nosso)

22 NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 104-105. 23 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 161. 24 LLOYD, Dennis. A idéia de lei, tradução de Álvaro Cabral, 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 75.

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Além de estabelecer a necessidade de consentimento, foi prevista, ainda, no

citado art. 13 da Declaração Francesa, a necessidade de tratamento isonômico para

todos os contribuintes que se encontrassem na mesma situação, ao se prever a

instituição de uma "contribuição comum, que deveria ser repartida entre os cidadãos

de acordo com suas possibilidades".

Tem-se, portanto, o direito à propriedade e à igualdade, direitos fundamentais

consagrados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 e nas

constituições modernas, como óbices à tributação indiscriminada pelo Estado25,

cabendo-lhe, ao estabelecer regras acerca do pagamento de tributos, abster-se de

conceder privilégios, e ainda, de onerar demasiadamente os contribuintes. E a

previsão da necessidade de consentimento serviria exatamente para evitar

imposições arbitrárias e injustas por parte do Estado, sendo necessário se conferir

aos contribuintes a possibilidade de intervir, ainda que por intermédio de

representantes eleitos, para evitar tratamento discriminatório.

A tributação implica em invasão no patrimônio individual, a despeito de ser a

propriedade um dos bens que o Estado deve proteger, por se tratar de direito

individual fundamental, conforme previsão constitucional (art. 5º, XXII, da CF/88).

Esta invasão é possível tendo em vista que todos devem colaborar para a

manutenção do Estado, organizador da sociedade, possibilitando que este atinja os

fins a que se obrigou.

É, portanto, uma restrição a direito fundamental, devendo obedecer ao

princípio da proporcionalidade em seus três aspectos, ou seja, adequação aos fins

propostos, necessidade, devendo a medida restritiva ser indispensável, e

proporcionalidade em sentido estrito, verificando-se se o meio guarda proporção

com o fim perseguido, promovendo-se a equânime distribuição de ônus.26

25 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, Rio de Janeiro: Renovar, v. 3, 1999, p. 14. 26 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle constitucional das leis restritivas de direitos fundamentais, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 76-87.

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A cobrança dos tributos se dá em virtude da posição de supremacia em que se

encontra o Estado, dentro do território que ocupa. O poder de tributar corolário da

soberania do Estado, que o coloca, no âmbito internacional, em posição de igualdade

em relação aos demais países soberanos, e, no âmbito interno, em posição de

superioridade, por não reconhecer outro poder que lhe seja igual ou superior.27

Nesse sentido, afirmam Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto:

O poder tributário - enquanto atributo da soberania de que dotado o

Estado - tem, no Brasil, o seu exercício disciplinado inteira e rigidamente

pela Constituição. As pessoas político-constitucionais (União, Estados,

Distrito Federal e Municípios) receberam, da Constituição, faixas

circunscritas de competência tributária (isto é, competência legislativa para

instituir tributos).28

José Souto Maior Borges critica esta concepção de que a tributação decorre

da soberania do Estado, tendo em vista que, numa federação, nem todos os entes

capazes de tributar são dotados de soberania, como é o caso dos Estados-membros e

Municípios, entes públicos que possuem competência tributária.29

Com efeito, não se pode dizer que o poder que têm os Estados-membros e os

Municípios para instituir e cobrar tributos advenha de sua própria soberania, tendo

em vista que estes detêm apenas autonomia, assim entendida a "capacidade de auto-

organização, de auto-legislação, de autogoverno e de auto-administração".30

Deve-se considerar, contudo que tal circunstância advém da peculiaridade do

Estado Federal, no qual os cidadãos encontram-se submetidos a mais de uma ordem

jurídica, ou seja, há o poder político regional e o central, cada um atuando em sua

órbita de competência31.

27 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 85-86. 28 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 9. 29 BORGES, José Souto Maior. Teoria da Isenção Tributária, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 29. 30 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 590. 31 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 246.

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Como afirma Sacha Calmon Navarro Coelho, "na federação, os Estados-

membros estão subordinados a uma Constituição que os domina, assim como à

União. A soberania é da nação. União e Estados-Membros formam ordens jurídicas

parciais sob a égide da Constituição. A ordem jurídica interna total é a conjugação

das ordens jurídicas parciais sob a Constituição".32

Não obstante a existência destas "ordens jurídicas parciais", os poderes

atribuídos a cada componente da Federação advém do poder do próprio Estado

Federado, formado pelo "poder soberano de um povo situado num território com

certas finalidades"33, organizado em conformidade com a Constituição Federal.

Logo, em face da soberania do Estado Federado, organizado segundo a Constituição,

este concede aos entes que o integram o poder para promover a tributação, impondo

obrigações que não dependem da vontade dos sujeitos passivos.

Assim sendo, apesar de não serem dotados de soberania, os Estados-membros

e os Municípios integram o Estado soberano, estruturado segundo a Constituição,

deste recebendo o poder para impor unilateralmente obrigações tributárias. Ou seja,

o poder tributário decorre da soberania detida pelo Estado Federal, mas, em virtude

da repartição do território em poderes autônomos, e que, segundo a concepção de

federação, devem deter autonomia, advém a necessidade de se conferir uma parcela

do poder de tributar a cada ente, a fim de que estes obtenham os recursos necessários

para garantir a referida autonomia.

Dessa forma, o poder de tributar advém da soberania do Estado Federal, mas

é exercido pelos entes que detém autonomia, segundo critérios de competência

estabelecidos na Lei Magna, que estrutura a federação.

32 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 21. 33 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 102.

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Registre-se, contudo, que o Estado é organizado de acordo com sua

Constituição, que estabelece os limites de sua atuação34. Assim sendo, pode-se

considerar que a soberania atribuída ao Estado Federal e a autonomia atribuída aos

Estados-Membros e Municípios advém da Constituição, que por sua vez, é

elaborada pelo povo, através de seus representantes. Em última instância, a

soberania e o poder de tributar são conferidos pelo povo ao Estado.

Considerando o poder atribuído para a cobrança de tributos, resta definir

como deverá ser exercido o poder de tributar, ou seja, como serão estabelecidas as

regras acerca da tributação, com definição da competência para tanto, bem como

quem deverá suportar os encargos correspondentes e a proporção da contribuição de

cada um.

Face à relevância da questão da fixação de contribuições a serem pagas pelos

cidadãos para a manutenção do Estado, os princípios e as regras gerais sobre

tributação passaram a ser inseridas nas Constituições modernas35, conferindo

garantias aos contribuintes. Tais garantias tornam-se imprescindíveis, especialmente

em se considerando que, face à consagração dos direitos sociais e à atribuição ao

Estado do dever de conceder prestações aos cidadãos com vistas à implementação

destes direitos, houve um incremento na necessidade de obtenção de recursos, e,

como tal, da carga tributária a ser suportada pelos contribuintes, tornando

imprescindível o estabelecimento de limites para evitar violação ao princípio da

igualdade e ao direito de propriedade, devendo haver estímulo ao exercício de

atividades econômicas pelos particulares.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 tratou de estabelecer um

conjunto de princípios e regras orientando a atuação estatal no que se refere à

cobrança de tributos, sendo que estes princípios e regras representam garantias para

34 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 48. 35 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 45.

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o contribuinte, uma vez que lhe outorgam a pretensão de exigir que a atividade

tributária não se afaste dos preceitos constitucionais.

1.2. Distribuição da competência para tributar

As normas constitucionais, a fim de viabilizar a existência e a atuação do

Estado, tratam de lhe assegurar o direito de cobrar tributos das pessoas físicas e

jurídicas. Como já registrado, adota o Estado brasileiro a forma de federação,

estando o poder distribuído entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios,

pessoas políticas autônomas. Cada um destes entes tem competências específicas,

sendo dotados de administração e legislativo próprios. Para garantir a autonomia,

necessitam de recursos econômicos, razão pela qual a Constituição confere a cada

um competência para estabelecer tributos36. Estabelece, ainda, a Constituição

Federal de 1988, no art. 159, a criação de fundos que permitam a distribuição das

receitas apuradas com a tributação entre os entes integrantes da federação, o que

possibilita a descentralização dos recursos e do poder.

Face à essencialidade dos recursos obtidos com a tributação para garantir a

sobrevivência do Estado como forma de organização social, e ainda, a necessidade

de se preservar a liberdade das pessoas físicas e jurídicas submetidas ao poder do

Estado, prevê a Constituição um conjunto de regras e princípios que disciplinam a

tributação, denominado sistema tributário, estabelecendo as espécies tributárias e a

competência de cada um dos entes da federação.

Assim, a competência para cobrança de tributos por cada ente estatal já se

encontra devidamente delimitada na Constituição. Inicialmente, são apontadas as

36 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 37.

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espécies tributárias, atribuindo-se competência comum ou exclusiva para sua

instituição.37

Contempla a Constituição cinco espécies tributárias, a saber: impostos, taxas,

contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais.

Proclama-se no art. 145 da CF/88 que a União, os Estados, o Distrito Federal

e os Municípios poderão instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria. Há,

na hipótese, competência comum. No que se refere às taxas e às contribuições de

melhoria, a competência para instituição e cobrança dependerá da competência

administrativa para o exercício de determinadas atividades.

Já em relação aos impostos, a Constituição identifica os fatos geradores,

distribuindo-os entre os entes integrantes da federação. Dessa forma, como ensina

Sacha Calmon Navarro Coêlho, "as taxas e contribuições de melhoria são atribuídas

às pessoas políticas, titulares do poder de tributar, de forma genérica e comum, e, os

impostos, de forma privativa e determinada."38

À União, foi atribuída, ainda, a competência para instituir empréstimos

compulsórios e contribuições sociais. No que se refere às contribuições, foi

facultado aos Estados, Distrito Federal e Municípios a sua cobrança, apenas para

financiar o sistema de previdência e assistência de seus servidores.

Ademais, para a definição da hipótese de incidência de cada tributo, definida

por Geraldo Ataliba como sendo a descrição legal de um fato ou a formulação

hipotética contida na lei de um fato capaz de instituir uma relação jurídico-

tributária39, estará o legislador vinculado aos preceitos traçados no texto

constitucional.

37 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 697. 38 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 29. 39 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 58.

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Assim é que, em se tratando de taxas, os fatos que podem servir de

fundamento à sua instituição consistem no exercício do poder de polícia, ou a

utilização, efetiva ou potencial de serviços públicos, específicos e divisíveis,

conforme art. 145, II, da CF/88.

Da mesma forma, os fatos que podem ser considerados para a cobrança de

contribuição de melhoria e de empréstimos compulsórios estão delimitados, no art.

145, III, e no art. 148 da CF/88, consistindo, respectivamente, na valorização do

patrimônio do contribuinte em decorrência de obras públicas, ou à necessidade de

atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra ou sua

iminência, ou a investimentos de caráter urgente e de relevante interesse nacional.

Delimitou-se, ainda, no que se refere aos impostos, os fatos econômicos que

poderão ser objeto da exação, e ainda, a competência de cada ente para instituí-los,

atribuindo-se, à União, a competência residual para instituição de impostos não

previstos na Constituição, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato

gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Lei Maior.

Esta distribuição de competências e definição de hipóteses de incidência se

constitui em importante garantia para os contribuintes40, uma vez que já viabiliza a

verificação da legitimidade da cobrança a ser promovida por cada um dos entes da

federação, e sua adequação à competência atribuída pela Constituição. Logo, evita

que o mesmo tributo seja cobrado por mais de um sujeito ativo, ou, ainda, que as

hipóteses de incidência previstas em lei não correspondam ao campo de

competência já delimitado pela Constituição.

Além da definição expressa da competência tributária de cada ente da

federação, a Constituição estabelece outros limites ao poder de tributar, que

vinculam a atuação do Estado. De fato, a tributação implica na imposição de um

sacrifício patrimonial aos particulares, e, sendo o direito à propriedade garantido

40 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 37.

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pela Constituição, a atividade tributária deve ser delimitada, para que sejam

preservados direitos fundamentais constitucionalmente previstos.

Assim, além da discriminação da competência pela CF/88, são estabelecidas

outras limitações ao poder de tributar, como garantia ao particular, de que a

atividade tributária será exercida com a observância de certos critérios, que

permitam um mínimo de segurança jurídica, uma vez que a tributação consiste em

restrição a direitos fundamentais.41

Nesse sentido, a Constituição exclui da tributação, expressamente,

determinadas hipóteses nas quais encontra-se vedada a instituição e cobrança de

tributos. Embora a Constituição contenha seção entitulada "Das limitações do poder

de tributar", impende notar que existem limitações implícitas e explícitas. Dentre as

limitações implícitas, podem-se citar o princípio da proporcionalidade, não expresso

no texto constitucional, e os direitos e garantias individuais, como a liberdade para o

exercício de qualquer trabalho, ofício e profissão, a garantia da propriedade, desde

que atenda à sua função social, direito do autor à utilização, publicação ou

reprodução de obras, que não podem ser tolhidos por uma tributação excessiva.

As limitações explícitas decorrem de princípios enunciados no art. 150 da

CF/88, que consistem na legalidade, igualdade, anterioridade, irretroatividade,

vedação ao confisco e à limitação do tráfego de bens e pessoas, da capacidade

contributiva e, ainda, das imunidades enunciadas. São, ainda, decorrentes da

definição de hipóteses de incidência, bem como da competência de cada ente

federativo.

41 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, Rio de Janeiro: Renovar, v. 3, 1999, p. 14.

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1.3. Princípios limitadores do poder de tributar previstos na CF/88

As regras jurídicas correspondem aos dispositivos explicitamente inseridos

nos atos normativos, devendo ser aplicadas, uma vez verificada a ocorrência do

suporte fático nela previsto. Já os princípios são preceitos abstratos, que dão

unidade ao ordenamento jurídico, podendo ser explícitos ou positivados, ou

implícitos, sendo extraídos do ordenamento jurídico.

Assim, enquanto a regra é aplicável apenas para o caso de que trata, o

princípio, por sua abstração, pode ser aplicado em uma diversidade de situações.

Eros Roberto Grau promove diferenciação entre os princípios e as regras

jurídicas, afirmando:

As regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não são, de modo

absoluto, aplicáveis. Trata-se de um tudo ou nada. Desde que os

pressupostos aos quais a regra se refira - o suporte fático hipotético, o

Tabestand - se verifiquem, em uma situação concreta, e sendo ela válida,

em qualquer caso ela há de ser aplicada.

Já os princípios jurídicos atuam de modo diverso: mesmo aqueles

que mais se assemelham às regras não se aplicam automática e

necessariamente quando as condições previstas como suficientes para sua

aplicação se manifestam.42

Assim, as regras são aplicáveis sempre que ocorra o seu suporte fático, não

comportando exceções. Em havendo conflito entre as regras, este conflito será

resolvido mediante a utilização de critérios como o hierárquico, a lei mais recente

ou a mais específica. Invocando-se uma regra, está-se declarando a invalidade de

outra regra.

42 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 91-92.

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Já os princípios, tendo em vista a sua abstração, podem ser utilizados ou

não, sendo que a preponderância de um princípio em um determinado caso não

implicará a sua exclusão do ordenamento jurídico. A propósito, citam-se, mais

uma vez os ensinamentos de Eros Roberto Grau acerca dos princípios:

É que os princípios possuem uma dimensão que não é própria das

regras jurídicas: a dimensão do peso ou importância. Assim, quando se

entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito deve levar

em conta o peso relativo de cada um deles. Esta valoração,

evidentemente, não é exata e, por isso, o julgamento a propósito da maior

importância de um princípio, em relação a outro, será com freqüência,

discutível.

As regras não possuem tal dimensão. Não podemos afirmar que

uma delas, no interior do sistema normativo, é mais importante do que

outra, de modo que, no caso de conflito entre ambas, deva prevalecer uma

em virtude de seu peso maior. Se duas regras entram em conflito, uma

delas não é válida. 43

Logo, os princípios se constituem em grau de abstração superior ao das

normas, o que possibilita a sua aplicação em diversos casos. Exercem, assim, a

função de inspirar o legislador quando da elaboração das leis que integrarão o

ordenamento jurídico. Atuam, ademais, como critério a ser utilizado no caso de

existência de lacuna da lei, integrando o direito, ou como critério orientador na

interpretação das normas legais.

Dessa forma, os princípios dão unidade ao ordenamento jurídico,

orientando a interpretação das normas jurídicas, ou, na ausência de uma regra

específica, atua como critério de integração do direito, tendo, portanto, a tríplice

função de servir como fundamento de normas jurídicas, como critério de

interpretação e de integração44.

43 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 95. 44 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 255.

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O art. 150 da CF/88, ao tratar das limitações ao poder de tributar estabelece

alguns princípios gerais, a serem observados pelos detentores da competência para a

instituição de tributos, sendo aplicáveis a todas as espécies tributárias. São

princípios gerais explícitos no texto constitucional a legalidade, a isonomia, a

capacidade contributiva, a anterioridade, a vedação do confisco, a liberdade de

tráfego. As exceções a estes princípios gerais são somente aquelas expressamente

previstas pela própria Constituição Federal.

Segundo o princípio da legalidade, é vedado exigir ou aumentar tributo sem

lei que o estabeleça. É, como acima mencionado, decorrência da exigência de que a

instituição de tributos seja consentida pelos contribuintes, ainda que através de

representantes eleitos para a elaboração de leis.45

Do princípio da legalidade decorre, ainda, o princípio da tipicidade, segundo

o qual todos os elementos estruturais do tributo, quais sejam, o fato gerador, base de

cálculo, alíquotas, sujeito ativo e passivo, devem estar previstos em lei.46

Os princípios da legalidade e da tipicidade, todavia, sofrem limitações

previstas na própria Constituição. Nesse sentido, em relação aos impostos de

importação, exportação, produtos industrializados e operações de crédito, câmbio e

seguro, autoriza-se, no art. 153, § 1º, da CF/88, que o Poder Executivo promova a

alteração das alíquotas, o que deve atender, contudo, os limites estabelecidos em lei.

Como afirma Roque Antônio Carrazza, não se trata de exceção ao princípio

da legalidade, tendo em vista que a faculdade de alteração de alíquotas somente

poderá ser exercida pelo Poder Executivo se houver lei que a autorize, e nos limites

estabelecidos pelo diploma legal.47

45 NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 104-105. 46 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 199. 47 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 200.

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Assim sendo, nestes casos, embora estabelecidos limites legais, a alteração

das alíquotas não dependerá de lei, mas apenas de ato do Poder Executivo. Tal

tratamento justifica-se pela sua finalidade extrafiscal48, relacionada com a proteção

da indústria nacional, manipulação da política de crédito, câmbio, seguro e valores

mobiliários.

Pelo princípio da igualdade tributária, é vedada a instituição de tratamento

desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. O princípio

da igualdade é princípio geral de direito, previsto no art. 5º, caput, da CF/88. Foi

reiterado, todavia, no art. 150 da Lei Maior para reforçar a importância do

tratamento igual entre os contribuintes, sendo vedadas discriminações arbitrárias.

Considerando as funções dos princípios, acima mencionadas, deve a

igualdade inspirar a elaboração da lei, cuidando o legislador de não promover

tratamento diferenciado entre contribuintes, concedendo, por exemplo, isenções em

relação a tributos sem que haja um fundamento relevante e que guarde consonância

com os demais princípios e objetivos da Constituição Federal. Da mesma forma, faz-

se necessária a existência de razão plausível para a concessão de tratamento mais

gravoso a uma determinada categoria de contribuintes. Além disso, eventual

desrespeito a este princípio pode ser afastada pelo Judiciário quando da aplicação da

lei, uma vez que a igualdade é também critério de interpretação. Claro que, como

acima mencionado, não sendo os princípios utilizados segundo o critério do tudo ou

nada, será necessária a harmonização com os demais princípios, em especial o da

legalidade, de forma que não caberá ao Judiciário exigir tributos sem que haja

previsão legal.

Registre-se que, como expressão da igualdade ou isonomia, ou como

subprincípio, tem-se a necessidade da observância da capacidade contributiva, pelo

qual os impostos, sempre que possível, terão caráter pessoal e serão graduados de

48 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 37.

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acordo com a capacidade econômica do contribuinte, objetivando a igualdade

material. Logo, embora o § 1º do art. 145 da CF/88, ao tratar da capacidade

contributiva, refira-se apenas a impostos, sendo decorrente do princípio da isonomia,

será aplicável a todos os tipos de tributos.

Prevê-se, a seguir, o princípio da irretroatividade, que proíbe a cobrança de

tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os

instituiu ou aumentou.

Pelo princípio da anterioridade, estabelece-se que não se pode cobrar tributos

no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que o instituiu ou

aumentou. Tal princípio, todavia, sofre mitigações em relação às contribuições

sociais, tendo em vista que, para estas, veda-se tão-somente, a cobrança de

contribuições antes de decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as

houver instituído ou modificado. Trata-se do denominado princípio da anterioridade

especial49 ou mitigado. Não obstante, tal princípio, muitas vezes, representa maior

garantia para o contribuinte que o próprio princípio da anterioridade, como previsto

no art. 150 da CF/88, uma vez que este permite que uma lei publicada no último dia

de dezembro seja cobrada já no dia seguinte, primeiro de janeiro, por se tratar de

novo exercício financeiro.

Tem-se, ainda, o princípio da vedação ao confisco, que estabelece não ser

possível aniquilar a capacidade econômica do contribuinte. Tal princípio deve ser

conjugado com o princípio implícito da proporcionalidade ou proibição do

excesso50, não podendo ser o contribuinte submetido a uma carga tributária

excessiva, que venha a aniquilar o direito fundamental à propriedade.

Finalmente, entre os princípios explícitos da CF/88 encontra-se o princípio da

liberdade de tráfego de pessoas ou bens, não sendo possível a instituição de tributos

49 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 139. 50 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle constitucional das leis restritivas de direitos fundamentais, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 72.

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interestaduais ou intermunicipais que estabeleçam limitações ao tráfego de pessoas

ou bens, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização das vias conservadas pelo

Poder Público.

1.4. Imunidade e seus reflexos no poder de tributar

A Constituição Federal, como já consignado, ao tratar do sistema tributário,

estabelece os critérios básicos da tributação, definindo as espécies tributárias e

distribuindo competências entre as pessoas políticas que compõem a federação.

Além de distribuir a competência tributária entre os entes da federação, e

estabelecer princípios a serem observados quando da instituição dos tributos,

fixando limitações ao poder de tributar, tratou, ainda, a Constituição Federal de

1988, no inciso VI do art. 150, de vedar a instituição de impostos nos casos em que

especifica.

Conforme já afirmado, o ordenamento jurídico é composto por regras e

princípios, abrangidos pelo gênero “norma jurídica”51. As regras têm maior grau de

concretização, estando delimitada a situação fática que ocasionará a sua incidência.

Ocorridos os fatos, a regra incide, ocasionando as conseqüências nele estabelecidas.

Já os princípios caracterizam-se pela sua generalidade e abstração, podendo ser

aplicados em diversas situações, apresentando-se positivados ou não.

As regras se aplicam com exclusividade, excluindo-se mutuamente, de forma

que existem critérios, como a anterioridade, a especialidade ou a hierarquia, para se

verificar qual delas prevalecerá no caso de conflito aparente de normas52. Os

51 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária,. 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 72. 52 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na constituição de 1998, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 95.

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princípios, por outro lado, podem coexistir, sendo-lhes atribuídas diferentes

valorações, dependendo do caso, de forma que um deles pode prevalecer em

determinada hipótese, e ser afastado em outras circunstâncias. O fato de ser

preterido em algumas ocasiões não implica na “revogação” do princípio, ou o seu

afastamento do ordenamento jurídico.53

A Constituição, ao estabelecer hipóteses de imunidade, o fez através de uma

regra, com elevado grau de concreção, não se destinando a ser aplicada a um sem

número de hipóteses, atuando tão-somente como baliza para o exercício da

competência tributária pelos entes da federação, integrando a norma atributiva da

competência. Sua incidência não pode ser afastada, seus contornos já estão

definidos, não cabendo ao legislador valorá-la quando da elaboração das leis

tributárias.

Trata-se de delimitação da competência dos entes políticos54, assim

entendidas as pessoas jurídicas de direito público que integram a estrutura

constitucional do Estado, detendo poderes políticos e administrativos. Retira-se,

portanto, a possibilidade de se instituir impostos nos casos especificados, restando

excluídos do campo de competência para tributar, certas pessoas, bens e serviços.

As imunidades se distinguem dos princípios, embora alguns princípios sejam

o fundamento de imunidades. Observa, contudo, Sacha Calmon Navarro Coelho,

que nem todo princípio tem a característica de originar uma imunidade, mas estes

atuam como diretrizes para a elaboração das leis tributárias.55

Embora se faça referência à exclusão de bens, serviços e pessoas do âmbito

da tributação, o que pretende a Constituição é que o ônus da tributação não seja

suportado por determinadas pessoas, tendo em vista sua natureza jurídica ou seu

âmbito de atuação.

53 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 251. 54 MALERBI, Diva. Imunidade Tributária, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, p. 70.

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A instituição da imunidade obsta que os entes políticos estabeleçam ônus a

serem suportados por pessoas que se encontrem numa das situações previstas pela

Constituição. Enquanto a atribuição de competência possibilita o desenvolvimento

da atividade legislativa, a imunidade atua em sentido contrário, obstando-a56.

A competência para instituir tributos é concedida pela Constituição, estatuto

jurídico que define a estrutura do Estado, podendo atribuir poder aos entes políticos,

definindo sua forma de exercício. A competência tributária é expressão do poder que

é atribuído às pessoas jurídicas integrantes da federação, de forma que, se a fonte do

poder para instituir tributos advém da Constituição Federal, esta pode estabelecer

limitações a este poder.

A Constituição, sendo norma estrutural do Estado, reguladora de seus

elementos essenciais, é tida como a Lei Maior no sistema jurídico, e todas as demais

normas devem se adequar a seus preceitos. Assim, não será possível instituir tributos

em desobediência à imunidade por ela prevista, sob pena de inconstitucionalidade,

sendo a lei que o instituir inválida perante o sistema jurídico.57

A imunidade representa, portanto, vedação dirigida às pessoas jurídicas de

direito público que exercem atividade legislativa, obstando a instituição de tributos

nos casos previstos.

A respeito desta característica da imunidade, de obstar a atividade legislativa,

cita-se o posicionamento de José Augusto Delgado:

Imunidade é obstáculo criado por disposição constitucional, resultando

na não incidência de qualquer lei ordinária que visa a tributar fato

econômico ou financeiro58 (grifo nosso)

55 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 137-138. 56 MORAES, Bernardo Ribeiro. A imunidade tributária e seus novos aspectos, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, p. 119. 57 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 44. 58 DELGADO, José Augusto. Imunidade Tributária, aspectos controvertidos, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 55.

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Cita-se, ainda, a lição de Ives Gandra da Silva Martins:

As imunidades, no direito brasileiro, exteriorizam vedação absoluta ao

poder de tributar nos limites traçados pela Constituição. Das seis formas

desonerativas da imposição tributária, é a única que se coloca fora do

alcance do poder tributante, não havendo nascimento nem da obrigação

nem do crédito tributário, por determinação superior. Por vontade do

constituinte. Por perfilação definida pelo legislador, que conforma o direito

e o Estado, no país.59 (grifo nosso)

Assim, se a atividade legislativa é obstada pela Constituição Federal, sendo a

lei que a instituir, inválida perante o ordenamento jurídico, esta não terá a eficácia

ou idoneidade para estabelecer fato gerador do tributo, que consiste, nos termos do

art. 114 do Código Tributário Nacional “na situação definida em lei como necessária

e suficiente à sua ocorrência.”

Em conseqüência, se a lei não pode validamente estabelecer como fato

gerador situações excluídas do poder de tributar pela Constituição, não haverá o

surgimento da obrigação, que nasce com a ocorrência do fato gerador60. Se o fato

gerador não é idôneo perante a Constituição, não poderá dar origem à obrigação

tributária.

Ressalte-se, mais uma vez, que o poder fiscal ou o poder de tributar encontra

sua fonte na Constituição. É ela quem atribui competência para que as pessoas

políticas instituam os tributos, dentro das prerrogativas e limites nela traçados.

Dessa forma, a competência tributária deve ser exercida nos termos e limites

em que foi atribuída. Exemplificando, verifica-se que a CF/88, em seu art. 156, I,

confere ao Município a possibilidade de instituir impostos sobre propriedade predial

e territorial urbana. Torna-se lícito aos Municípios, portanto, instituir tal tributo

mediante lei, que deverá definir todos os seus elementos essenciais. Não poderá,

59 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 31. 60 Ver art. 113, § 1º do CTN: "a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente".

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todavia, cobrá-lo de todos aqueles que se encontrarem na situação descrita como

hábil a criar a obrigação tributária, tendo em vista que, ao receber a competência,

esta já vem delimitada, inexistindo qualquer poder para instituir este imposto sobre

propriedade das pessoas beneficiadas pela imunidade prevista no art. 150, VI, da

Constituição. Não será possível, desta forma, que se pretenda cobrar o imposto de

imóvel de propriedade de Estado-membro ou da União, uma vez que estes se

encontram livres do ônus tributário correspondente.

A respeito da inexistência do poder de tributar, nos casos previstos como

imunidade, cabe consignar a lição de José Afonso da Silva, verbis:

As imunidades fiscais, instituídas por razões de privilégio, ou de

considerações de interesse geral (neutralidade religiosa, econômicos, sociais

ou políticos), excluem a atuação do poder de tributar. Nas hipóteses imunes

de tributação, inocorre fato gerador da obrigação tributária.61

Tendo o poder para tributar sua origem na Constituição Federal, deve ser

exercido nos limites em que é deferido, e não caberá a instituição de tributos que

incidam sobre situações retiradas do campo de competência das pessoas políticas,

impossibilitando sua inclusão como fato gerador da obrigação tributária.

O que ocorre, portanto, é que a Constituição Federal já confere aos entes

políticos poder tributário devidamente delimitado, como forma de evitar abusos

contra o contribuinte, a preservação de determinados valores e a consecução dos fins

estatais.

Feitas estas considerações preliminares, tendentes a identificar a imunidade

como uma das formas de limitação constitucional ao poder de tributar, passa-se, no

capítulo seguinte, a analisar mais detidamente os contornos deste instituto jurídico.

61 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 695.

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CAPÍTULO SEGUNDO: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Sumário: 2.1. Imunidade tributária como regra integrante de

norma de estrutura. 2.2. Imunidade, não incidência, isenção

e alíquota zero. 2.3. Finalidades da imunidade. 2.4.

Abrangência da imunidade: tributos a que se aplica. 2.5.

Classificação da imunidade: objetiva, subjetiva, simples,

condicionada. 2.6. Histórico da imunidade em relação às

contribuições sociais concedida às entidades beneficentes

de assistência social. 2.6.1. Imunidade em relação a

impostos. 2.6.2. Imunidade em relação às contribuições

sociais. 2.6.3. Tratamento conferido pela CF/88 à

imunidade quanto às contribuições sociais.

2.1. Imunidade tributária como regra integrante da norma de estrutura

As imunidades, já se afirmou, juntamente com os princípios e a definição da

competência tributária atuam como elementos limitadores do poder de tributar. A

imunidade pode decorrer dos princípios, mas com eles não se confundem.

A propósito da imunidade, escreve Misabel Abreu Machado Derzi:

O que é imunidade? É norma que estabelece a incompetência. Ora,

estabelecer a incompetência é negar competência ou denegar poder de

instituir tributos, conjunto de normas que só adquire sentido em contraste

com outro conjunto que atribui ou concede poder tributário. Conjunto só

inteligível se logicamente se pressupõe um outro conjunto, por ele reduzido

ou delimitado: o das normas atributivas do poder (...)

Os princípios e as imunidades geram os mesmos efeitos: limitam o

poder de tributar. Mas os princípios são normas e diretrizes gerais, que não

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estabelecem a incompetência tributária sobre certos fatos ou situações

determinados, enquanto as imunidades:

1. são normas que somente atingem certos fatos e situações

amplamente determinadas (ou necessariamente determináveis) na

Constituição;

2. reduzem, parcialmente, o âmbito de abrangência das normas

atributivas de poder aos entes políticos da Federação, delimitando-lhes

negativamente a competência;

3. e, sendo proibições de tributar expressas (ou fortes), têm eficácia

ampla e imediata;

4. criam direitos ou permissões em favor das pessoas imunes, de

forma juridicamente qualificada.62

Considerando a qualificação da imunidade como regra (ou parte integrante de

uma norma que define competência), importa definir o que se deve compreender

como norma jurídica. Como tal, deve-se diferenciar a norma jurídica dos enunciados

normativos. Os enunciados normativos ou os textos legais podem conter conceitos,

prescrições que, embora tenham natureza jurídica, podem não configurar uma

norma.

A propósito, afirma Sacha Calmon Navarro Coelho:

A norma, pois, não é a mesma coisa que a lei, entendida esta como

a fórmula verbal de um legislador anônimo (costume) ou como fórmula

escrita de um legislador institucional (lei, estrito senso). A norma é a

expressão objetiva de uma prescrição formulada pelo legislador que se não

confunde com aquilo a que comumente chamamos de lei. É, em verdade,

uma função da lei. Isto quer dizer que a norma posto que já se contenha nas

leis, delas é extraída pela dedução lógica, função de conhecimento.63

No mesmo sentido, cita-se Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli:

62 DERZI, Misabel Abreu Machado, em atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 114. 63 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 56.

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A norma jurídica, então, não é a estrutura que lhe dá forma,

tampouco é o ato mesmo de revestir tal forma com conteúdos de

significação, muito menos confunde-se com os enunciados do texto

normativo (dado material), a partir dos quais iniciamos nossa viagem ao

encontro das formas lógico-jurídicas64

Assim, para se obter uma norma jurídica, faz-se necessário conjugar diversos

dispositivos legais entre si e com conceitos concretos a fim de se verificar qual é o

mandamento imposto pelo ordenamento jurídico.

A fim de definir a norma jurídica, Paulo de Barros Carvalho afirma que esta é

constituída por uma hipótese à qual se liga uma conseqüência. Assim, para a

formação de uma norma, faz-se necessário, muitas vezes, analisar o ordenamento

jurídico, a fim de se buscar enunciados que possam conduzir a norma à sua inteireza,

como ensina o citado doutrinador:

De fato, o discurso produzido pelo legislador (em sentido amplo) é, todo

ele, redutível a regras jurídicas, cuja composição sintática é absolutamente

constante: um juízo condicional, em que se associa uma conseqüência à

realização de um acontecimento fáctico previsto no antecedente. Agora,

a implicação é a figura das formações normativas, após a leitura dos

enunciados prescritivos. (...)

Isso não quer dizer que seja impossível elaborar, a partir da redação

de um único artigo de qualquer documento jurídico-positivo, u'a norma na

plenitude de sua inteireza lógica. Porém, não é freqüente que o intérprete

venha a fazê-lo. Ao travar contacto com a materialidade física do texto

legislado, sabe ele, perfeitamente, que pode ter de percorrer longo caminho,

em termos de integração do sistema, de modo que, na maioria dos casos,

sairá à busca de outros enunciados, muitas vezes em diplomas bem

diferentes daquele que examina, tudo para montar uma única regra do

64 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções Tributárias, São Paulo: Dialética, 1999, p. 32.

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conjunto, obtendo, então, a plena esquematização formal da mensagem

positivada.65 (grifo nosso)

Pode-se, assim, partindo do conteúdo da norma, concluir que, embora possa

uma regra instituir uma norma completa, com mais freqüência, as regras e princípios

serão utilizados na composição de uma norma, juntamente com outras regras e

princípios existentes no ordenamento jurídico.

Miguel Reale, por sua vez, ressalta que nem todas as normas legais se

inserem nesse modelo constituído por uma proposição hipotética ao qual se liga uma

conseqüência. Afirma ser este o caso das normas de organização, como bem

observa:

Entendemos, pois, que essa estrutura lógica corresponde apenas a

certas categorias de normas jurídicas, como por exemplo, às destinadas a

reger os comportamentos sociais, mas não se estende a todas as espécies de

normas como, por exemplo, às de organização, às dirigidas aos órgãos do

Estado ou às que fixam atribuições na ordem pública ou privada. Nestas

espécies de normas nada é dito de forma condicional ou hipotética, mas

sim categórica, excluindo qualquer condição.66 (grifo nosso)

Afirma, portanto, o autor, que no caso de normas que estruturam órgãos e

distribuem competências e atribuições ou que disciplinam a aplicação de outras

normas jurídicas, não há juízo hipotético, mas configuração de algo que deve ser

feito. Assim, o que caracterizaria uma norma jurídica seria "o fato de ser uma

estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta,

que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória."67

O que se pode verificar é que as normas podem estabelecer juízos

condicionais ou prescrições objetivas, que devem ser obedecidas, sob pena de incidir

uma conseqüência, como a invalidade perante o ordenamento jurídico. No caso das

65 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário - Fundamentos Jurídicos da Incidência, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 18-19. 66 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 94. 67 REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 95.

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normas que estabelecem competência, por exemplo, sua violação implica na

invalidade dos preceitos estabelecidos por pessoas distintas daquela à qual a lei

estabeleceu determinada prerrogativa. Assim é que, se a Constituição estabelece ser

competência da União instituir imposto sobre produtos industrializados, na hipótese

de ser instituído tal tributo por lei estadual, a conseqüência será a invalidade desta

cobrança, por violar dispositivo constitucional.

Observa Norberto Bobbio que existem normas que orientam a conduta dos

cidadãos, enquanto que outras, de estrutura, disciplinam a própria atividade de

produção de outras normas. Nesse sentido, ensina:

Em cada grau normativo encontraremos normas de conduta e

normas de estrutura, isto é, normas dirigidas diretamente a regular a

conduta de pessoas e normas destinadas a regular a produção de outras

normas.68

Norberto Bobbio classifica as normas de estrutura como imperativas,

proibitivas e permissivas, identificando a existência de nove tipos destas normas, a

saber: normas que mandam ordenar, normas que proíbem ordenar, normas que

permitem ordenar, normas que mandam proibir, normas que proíbem proibir,

normas que permitem proibir, normas que mandam permitir, normas que proíbem

permitir e normas que permitem permitir.69

Considerando o conceito de norma, tem-se que esta definição estaria

abrangendo prescrições jurídicas, de forma que em alguns casos haveria a

necessidade de conjugar mais de um dispositivo constitucional ou legal para se

formular uma norma jurídica.

Partindo dos ensinamentos de Norberto Bobbio, Pedro Guilherme Accorsi

Lunardelli conclui que as regras que conferem aos entes federativos competência

68 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, tradução de Maria Celeste C. J. Santos, 5ª ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1994, p.46. 69 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, tradução de Maria Celeste C. J. Santos, 5ª ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1994, p.47-48.

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para instituir tributos estão entre as que permitem ordenar. Já as regras que conferem

a imunidade estão entre aquelas que proíbem ordenar. Nesse sentido, afirma:

(...) entendemos que as normas de imunidade classificam-se dentre

aquelas enquadradas no tópico 2 da proposta de Bobbio, ou seja, são

normas que proíbem ordenar. No caso, as imunidades proíbem as pessoas

jurídicas de direito público, apontadas no caput do art. 150 da Carta de

1988, deflagrar o processo legislativo que resulte em enunciados

relacionados a regras-matrizes tributárias, em cujos conseqüentes figurarão

pessoas físicas ou jurídicas submetidas a certa prestação fiscal.70

Misabel Abreu Machado Derzi afirma que a imunidade é regra constitucional

expressa que estabelece a não competência, reduzindo a atribuição do poder

tributário, somente podendo ser compreendida se analisada conjuntamente com as

regras de atribuição de competência. Promove, portanto, redução lógica, e não

temporal, no alcance da regra de competência.71

Assim, considerando a regra de definição da competência para tributar, tem-

se que a norma de estrutura de competência é formada pela conjugação do

dispositivo que permite ordenar e de dispositivo que proíbe ordenar72, bem como os

princípios que devem ser protegidos pela imunidade. Por exemplo, confere a

Constituição à União a prerrogativa de instituir imposto sobre a renda, desde que

não sejam sujeitos passivos as pessoas indicadas no art. 150, VI, da CF/88, seja em

virtude do princípio federativo ou da liberdade de expressão.

As regras que estabelecem a competência para tributar e a imunidade não se

constituem, portanto, em regras de comportamento, mas em regras integrantes de

normas de estrutura, que irão pautar a atividade de produção de outras regras

jurídicas.

70 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções Tributárias, São Paulo: Dialética, 1999, p. 112-113. 71 DERZI, Misabel Abreu Machado - atualização da obra de Aliomar Baleeiro, Direito Tributário, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 116. 72 FERREIRA, Odim B. A imunidade tributária das entidades de previdência fechada, 3ª Parte, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 3, n. 12, jul./set. 1995, p. 153.

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2.2. Imunidade, não incidência, isenção e alíquota zero

A Constituição prevê, entre o elenco de competências dos entes federados, a

competência para instituir e cobrar tributos, o que deverá ser realizado por

intermédio de lei, instrumento hábil para estabelecer os elementos estruturais do

tributo73, a saber: sua hipótese de incidência ou fato gerador, base de cálculo,

alíquota e sujeitos ativo e passivo.

A hipótese de incidência consiste na situação prevista na lei como sendo

suficiente a atrair a incidência da norma tributária, possibilitando a cobrança do

tributo74. São eleitos, portanto, certos fatos que suportarão a incidência da norma.

Os fatos econômicos que se encontram fora da descrição legal são incluídos

no campo da não-incidência da norma tributária75. Não havendo adequação ao

disposto na lei, não ocorrerá sua incidência sobre a situação fática, não sendo

produzidos, portanto, seus efeitos, que, no caso da norma tributária, consistem no

surgimento da obrigação tributária, com o conseqüente dever do sujeito passivo de

pagar o tributo e o direito do sujeito ativo de efetivar o lançamento, constituindo o

crédito tributário.

Assim, se um fato da vida não corresponde à descrição legal, estará no campo

da não incidência, onde estão todos os fatos não incluídos em lei como hábeis a criar

a obrigação de pagar um tributo.

Ressalte-se que o campo da não incidência pode ser composto por fatos

eleitos pelo constituinte, que exclui destes a "virtude jurígena"76, pelo legislador

73 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 26. 74 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 58. 75 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 170. 76 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 161.

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ordinário, que delimita a hipótese de incidência, ou, ainda, por fatos não previstos

em leis tributárias (não incidência natural ou pura). Sendo os fatos e situações

inseridos campo da não incidência por opção da Constituição Federal, restam

configuradas hipóteses de imunidade, faltando ao legislador competência para

transportá-los para o campo tributável. Com a previsão da imunidade, tem-se campo

de não incidência constitucionalmente protegido, de forma que as situações previstas

não podem ser, em qualquer hipótese, alcançadas pela tributação. Resta configurado,

portanto, campo de não incidência qualificado face à previsão constitucional.

Registre-se que a imunidade tem sido caracterizada como uma hipótese de

não-incidência constitucionalmente qualificada, tendo em vista que o fato é retirado

do campo de incidência, não por vontade do legislador, mas em decorrência de

norma que se encontra em posição de supremacia dentro do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, ensina Hugo de Brito Machado:

Imunidade é o obstáculo criado por uma norma da Constituição,

que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre

determinado fato.

É possível dizer-se que imunidade é uma forma qualificada de

não incidência. Realmente, se há imunidade, a lei tributária não incide,

porque é impedida de fazê-lo, pela norma superior, vale dizer, pela norma

da Constituição.77 (grifo nosso)

Bernardo Ribeiro de Moraes critica esta conceituação da imunidade como

uma forma qualificada de não incidência, por ser tal fato apenas sua conseqüência.

Ressalta que toda norma jurídica incide, tendo em vista que esta é uma de suas

características. Assim, “a norma constitucional incide para vedar a criação de

imposto sobre certas pessoas, coisas ou bens.”78

77 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 152. 78 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos, in: Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 122.

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Com efeito, deve-se considerar que o efeito da norma constitucional que

estabelece a imunidade consiste exatamente em retirar do campo da incidência as

situações que especifica, por vedar a instituição de impostos sobre as mesmas.

Não podendo a lei considerá-las como hábeis a criar a obrigação tributária,

por não poder prevê-las como hipóteses de incidência da norma, decorre, como

conseqüência, a exclusão dos fatos do campo de incidência do tributo.

Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto afirmam consistir as imunidades

tributárias em causas de exclusão da competência tributária, aduzindo:

(...) as chamadas "imunidades tributárias" que consistem, exatamente, na

exclusão da competência tributária em relação a certos bens, pessoas e

fatos. Quer dizer: a própria Constituição, ao traçar a competência tributária,

proíbe o seu exercício em relação a eles. Em outras palavras, não concede

competência tributária em relação a certos bens, pessoas e fatos. As

imunidades tributárias são, portanto, matéria pertencente à disciplina

constitucional da competência. Configuram as mais importantes "limitações

constitucionais ao poder de tributar", como indelevelmente batizadas por

Aliomar Baleeiro.79

Talvez seja melhor definir a imunidade, não como forma de exclusão da

competência, mas como forma de delimitação desta, tendo em vista que não há

propriamente exclusão, por ser a Constituição a lei instituidora da competência

tributária, e que pode, em conseqüência, limitar, inicialmente, o âmbito de atuação

dos entes estatais, no exercício do poder de tributar.

Considerando-se que as normas infraconstitucionais têm seu fundamento de

validade na Constituição, conforme a concepção hierarquizada do ordenamento

jurídico, em se configurando situação de imunidade, a inserção de fatos imunes na

norma tributária não terá sua validade reconhecida por colidir com regra

constitucional.

79 BARRETO, Aires F.; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 9.

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Todavia, estando um determinado fato no campo da não incidência por opção

do legislador, que não o elegeu como hipótese de incidência, poderão ser

posteriormente convertidos em fatos geradores de obrigações tributárias, ainda que

mediante a utilização da competência residual prevista no art. 154, I, da CF/88.

Estando o fato no campo de não incidência, mas não gozando de proteção

constitucional por não integrar regra de imunidade, sua inserção em norma tributária

encontrará na Lei Maior o seu fundamento de validade, desde que preenchidos os

requisitos para sua formação, ou seja, observância do processo legislativo,

competência, definição legal dos elementos do tributo, respeito aos princípios que

limitam o poder de tributar.

A isenção é definida, nos termos do art. 175 do CTN, como uma forma de

exclusão do crédito tributário. Não obstante, não haveria que se falar em exclusão do

crédito, se este sequer chegou a nascer. O que ocorre em relação à isenção é que esta

delimita o antecedente da norma jurídica, de forma que torna os fatos isentos não

sujeitos à incidência da norma, não se produzindo a sua conseqüência, que consiste

no surgimento do dever de recolher o tributo.

A propósito, deve-se considerar os ensinamentos de Sacha Calmon Navarro

Coelho acerca da configuração da norma tributária. Afirma o autor:

Achamos que a norma de isenção não é. E se não é, não pode ser não

juridicizante. Não sendo, também não incide. As normas não derivam de

textos legais isoladamente tomadas por isso que se projetam do contexto

jurídico. A norma é resultante de uma combinação de leis ou de artigos de

leis (existentes no ordenamento jurídico). As leis e artigos de leis (regras

legais) que definem fatos tributáveis se conjugam com as previsões

imunizantes e isencionais para compor uma única hipótese de incidência: a

da norma jurídica da tributação.80

80 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 153-154.

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Geraldo Ataliba lembra que a hipótese de incidência, que compõe a norma

tributária, pode ter seus elementos definidos em mais de um dispositivo legal.

Afirma:

Pois esta categoria ou protótipo (hipótese de incidência) se apresenta sob

variados aspectos, cuja reunião lhe dá entidade. Tais aspectos não vêm

necessariamente arrolados de forma explícita e integrada na lei. Pode haver

- e tal é o caso mais raro - uma lei que os enumere e especifique a todos,

mas, normalmente, os aspectos integrativos da hipótese de incidência estão

esparsos na lei, ou em diversas leis, sendo que muitos são implícitos no

sistema jurídico.81

Logo, a hipótese de incidência de um determinado tributo será definida pelo

intérprete mediante a identificação dos fatos imponíveis, que se sujeitarão à

incidência da norma, devendo-se, para tanto, promover a exclusão dos fatos em

relação aos quais foi legalmente vedada a incidência da norma em virtude de um

dispositivo que estabelece a isenção.

Conforme Sacha Calmon Navarro Coelho, a hipótese de incidência apresenta

a seguinte composição: fatos tributáveis menos os fatos imunes e isentos.82 Destarte,

a norma de tributação não incidirá sobre fatos isentos ou imunes, por não serem

estes hábeis a fazer nascer a relação jurídico-tributária, uma vez que se encontram

fora do antecedente da norma-matriz tributária.

Assim sendo, a regra de isenção promove uma alteração em outra regra que

estabelece a hipótese de incidência. Em conseqüência, se os fatos isentos são

retirados do antecedente desta norma, não há como se pretender estabelecer relação

jurídica entre contribuinte e fisco, na qual o contribuinte teria o dever de pagar

determinada quantia em dinheiro para solver a obrigação originada da ocorrência, no

mundo dos fatos, da hipótese descrita no antecedente da norma tributária.

81 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 76. 82 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 156.

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Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli afirma que ao se estabelecer fatos

isentos, cria-se uma norma de isenção, que será constituída a partir da interseção de

duas classes de antecedentes: o antecedente da norma que estabelece a hipótese de

incidência do tributo, e o antecedente da norma isencional, que exclui fatos da

norma-matriz de incidência tributária. A conseqüência será, portanto, a formação de

uma relação jurídica isencional. Nesse sentido, afirma:

Por conta da concretização daquela mesma conduta 'X', o sujeito

passivo não mais estará compondo a relação jurídica tributária, na qualidade

de devedor, mas sim, aparecerá na relação jurídica isencional, na qualidade

de credor, com o direito subjetivo de estar permitido a não cumprir a

prestação (está permitido omitir a conduta).83

A caracterização da isenção como causa de exclusão do crédito tributário,

prevista no art. 175 do CTN deve, portanto, como afirma Pedro Guilherme Accorsi

Lunardeli, ser entendida como uma exclusão da relação jurídica tributária,

estabelecendo uma outra espécie de relação jurídica, de natureza isencional,

surgindo para o contribuinte o direito subjetivo de não pagar tributo.84 Seria,

portanto, norma de comportamento, por atingir a conduta do particular.

Não há que se falar, contudo, em uma norma isencional autônoma, mas

simplesmente na definição do antecedente da norma tributária85. Se os fatos isentos

são retirados do antecedente desta norma, não há como se pretender estabelecer

relação jurídica entre contribuinte e fisco, na qual o contribuinte teria o dever de

pagar determinada quantia em dinheiro para solver a obrigação originada da

ocorrência, no mundo dos fatos, da hipótese descrita no antecedente da norma

tributária.

A exclusão do direito do fisco de cobrar o tributo não advém de uma norma

isencional autônoma, mas sim da não subsunção de um fato à hipótese de incidência

83 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções Tributárias, São Paulo: Dialética, 1999, p. 76. 84 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções Tributárias, São Paulo: Dialética, 1999, p. 77. 85 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 162.

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descrita na norma tributária. Logo, a regra isencional impede a formação de relação

jurídica entre contribuinte e fisco, impedindo o nascimento de qualquer obrigação,

sendo, portanto, impropriedade falar-se em exclusão do crédito tributário.

Infere-se, dessa forma, que tanto a imunidade quanto a isenção ocasionam

uma delimitação do campo de incidência, afastando certos fatos do antecedente da

norma tributária86. A imunidade, contudo, consiste em uma regra de estrutura, que

compõe o quadro de atribuição de competência dos entes federativos. Estabelecida a

imunidade, os fatos por ela abrangidos estarão protegidos da tributação, sendo

inseridos no campo da não incidência. A regra da imunidade presta-se, assim, a

definir a competência para tributar atribuída aos entes federativos.

Já a isenção trata dos fatos que encontravam-se à disposição do legislador

para sua inserção na hipótese de incidência, antecedente da norma tributária.

Entretanto, por opção do legislador, tais fatos foram afastados da tributação,

servindo para delimitação das hipóteses de incidência. Ao retirar certos fatos da

hipótese de incidência, a isenção impossibilita o nascimento da relação jurídico-

tributária.

Dessa forma, conforme a lição de Luciano Amaro, a imunidade define a

competência e a isenção a hipótese de incidência87.

Considerando-se, por outro lado, que a criação de uma norma tributária

pressupõe competência para instituir tributos atribuída pela Constituição aos entes

federativos, infere-se que a decisão de conceder ou não isenção será tomada pelo

ente federativo, no exercício da competência que lhe foi outorgada pela Lei Maior.

Em conseqüência, somente a pessoa jurídica que detém o poder de tributar é que

poderá estabelecer a isenção. A Constituição Federal de 1988 estabelece

expressamente em seu art. 151, III, ser vedada a concessão de isenção pela União,

86 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 170. 87 AMARO, Luciano. Algumas questões sobre a imunidade tributária, in: Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 145.

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em relação a tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos

Municípios, o que garante a autonomia dos entes federativos. As exceções a esta

regra são apenas aquelas traçadas na própria Constituição Federal, no inciso XII, §

2º, do art. 155, e 156, § 3º, II, que possibilitam a concessão de isenção de ICMS e

ISS pela União, em relação às exportações de serviços e produtos para o exterior,

devendo utilizar, para tanto, lei complementar.

Ressalte-se que, enquanto a imunidade é concedida pela Constituição, a

isenção é matéria de lei, como se infere do § 6º do art. 150 da CF/88. Ademais, a

imunidade não poderá ser afastada pelo legislador, ao contrário do que ocorre com

as isenções. Quanto a estas, apesar de ter havido a renúncia ao direito de cobrar o

tributo, será possível, mediante revogação da lei que inviabilizava o nascimento do

crédito, permitir-se a produção dos efeitos da norma que instituiu o tributo. A

possibilidade de revogação da isenção decorre do fato de que somente a

Constituição pode excluir definitivamente certos fatos do campo tributável, não

tendo a lei aptidão para inviabilizar, definitivamente, a cobrança de tributos em

conformidade com a autorização concedida pela Lei Maior.

Com efeito, as isenções são concedidas segundo a opção do legislador, de

acordo com as necessidades momentâneas verificadas na sociedade. A conveniência

de se conceder a isenção será avaliada pela pessoa jurídica titular do direito de

instituir o tributo.

Finalmente, deve-se ressaltar que, enquanto a isenção impede o nascimento

da relação jurídica tributária, poderá o legislador estabelecer que determinada

atividade fique sujeita à alíquota zero. Neste caso, haverá a incidência da norma

sobre o fato gerador, surgindo a obrigação tributária. O crédito decorrente desta

obrigação, todavia, não terá expressão econômica, como ensina Ives Gandra da Silva

Martins:

Na isenção, anistia e remissão nasce a obrigação tributária, mas não nasce o

crédito tributário (isenção), ou este á anulado no todo ou em parte por

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determinação legislativa posterior (anistia ou remissão). Na alíquota zero,

nascem os dois, reduzidos à sua expressão nenhuma.88 (grifo nosso)

É certo, porém, que os efeitos econômicos da alíquota zero são os mesmos da

isenção e da imunidade, de forma que o contribuinte beneficiado com tal alíquota

não estará sujeito ao pagamento de qualquer valor referente ao tributo. Entretanto,

difere da imunidade, por ser esta regra de definição de competência, integrante de

norma de estrutura. Difere, ainda, da isenção, tendo em vista que, enquanto esta

interfere na hipótese de incidência, a alíquota zero se constitui em espécie

exonerativa que atua no conseqüente da norma, afastando o aspecto quantitativo do

tributo.

A propósito, cita-se Sacha Calmon Navarro Coelho:

Por outro lado, ontologicamente isenção e "alíquota zero" são

mesmo profundamente diversas. A isenção exclui da condição de

"jurígeno" fato ou fatos. A alíquota é elemento de determinação quantitativa

do dever tributário. Se é zero, não há o que pagar.89

A previsão de alíquota zero consiste em expediente utilizado para afastar o

dever de recolher o tributo em determinadas hipóteses, sendo utilizado em relação

àqueles tributos cujas alíquotas podem ser alteradas pelo Executivo, como o IPI, o

IOF e os tributos aduaneiros, não estando sujeita tal alteração à observância da

legalidade, conforme § 1º do art. 153, da CF/88. Este expediente é utilizado,

portanto, para impedir que, uma vez conferido o direito subjetivo de não ser

tributado em virtude da alteração do antecedente da norma tributária por regra de

isenção, a cobrança do tributo fique adstrita a nova previsão legislativa, que insira o

fato na hipótese de incidência.

88 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades tributárias, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 31-32. 89 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 177.

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2.3. Finalidades da imunidade

As imunidades servem como uma garantia de concretização de valores

adotados como fundamentais pela Constituição, tais como o pluralismo político, a

liberdade de culto e a solidariedade social90. Busca-se, ainda, a colaboração de

particulares para que o Estado possa atingir suas finalidades91.

Sabe-se que a tributação é o instrumento utilizado pelo Estado para a

consecução de seus objetivos. Todavia, o Estado pode renunciar a parcela de seu

poder de tributar, visando preservar alguns valores. Assim, os tributos podem ser

utilizados não apenas com finalidade fiscal92. A sua imposição pode servir como

estímulo a determinados comportamentos, como o IPTU progressivo, que atua como

instrumento para incentivar a utilização social da propriedade, nos termos do § 1º do

art. 156, da CF/88.

A Constituição Federal, ao prever as imunidades, reconhece esta função

extrafiscal dos tributos, reduzindo o campo tributável como forma de garantir a

efetividade de seus preceitos, resguardando princípios e idéias essenciais ao sistema

jurídico93.

Ensina José Eduardo Soares de Melo que "a preservação de valores de

superior interesse nacional, serviços públicos, religião, democracia, educação, saúde

90 MALERBI, Diva. Imunidade Tributária, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 70. 91 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 33. 92 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 46-47. 93 FERREIRA, Odim B. A imunidade tributária das entidades de previdência fechada, 3ª Parte, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 3, n. 12, jul./set. 1995, p. 150.

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e cultura tem levado o legislador constitucional e impedir a imposição de cargas

fiscais."94

No mesmo sentido, afirma Bernardo Ribeiro de Morais:

Sem dúvida, a ratio essendi da imunidade tributária está na preservação,

proteção e estímulo dos valores éticos e culturais agasalhados pelo Estado.

Em verdade, a imunidade tributária repousa em exigências teleológicas,

portanto, valorativas. É o aspecto teleológico da imunidade tributária que

informa o seu conceito. A imunidade tributária dos ‘templos de qualquer

culto’ (Constituição, art. 150, VI, b), por exemplo, resguarda princípios

admitidos pela própria Constituição, como o da inviolabilidade ‘da

liberdade de crença’ ou o do ‘livre exercício dos cultos religiosos’, ou o da

‘proteção dos locais de culto’. Da mesma forma, a imunidade tributária do

‘patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos’ (Constituição, art.

150, VI, c) preserva o princípio da ‘liberdade para criação de partidos

políticos’ e do pluripartidarismo, base para o regime democrático que vive

somente com a existência de vários partidos políticos. E assim por diante.95

Ademais, busca-se, com a imunidade, estimular os particulares a

desenvolverem certas atividades inseridas nas finalidades do Estado, como as

relacionadas com educação, saúde, previdência e assistência social. Depreende-se,

portanto, que a imunidade não é um privilégio concedido a seu destinatário, mas um

benefício que será auferido, de forma direta ou indireta pela sociedade.

Com ela, busca-se preservar valores socialmente consagrados, bem como

garantir a eficácia de direitos fundamentais, reconhecendo-se a necessidade de se

integrar as atividades estatais com as atividades da sociedade, visando atingir as

finalidades apontadas pela Constituição. Reconhece-se, portanto, que o Estado não é

capaz, se isolado, de atingir todas as metas que lhes são impostas, e, em

94 MELO, José Eduardo Soares de. A imunidade das Entidades Beneficentes às Contribuições Sociais, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 18, mar./1997, p. 41. 95 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 107.

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conseqüência, que a atividade privada poderá realizar uma melhor gestão de

recursos, podendo ser utilizada como aliada para a consecução dos fins estatais.

Ensina, sobre a questão, Ives Gandra da Silva Martins:

Nas hipóteses mais relevantes de imunidades tributárias , colocam-

se as que fortalecem a democracia, a livre expressão e a cidadania. Por

outro lado, as imunidades relativas a entidades de educação e assistência

social objetivam atrair os cidadãos a suprir as ineficiências do Poder

Público, decorrentes, na maior parte das vezes, da incompetência

administrativa, dos desperdícios, da corrupção e da luta sem ética pelo

poder.96

A imunidade não é, portanto, um favor fiscal, nem um privilégio97, mas

forma de garantir a consecução das finalidades adotadas pela Constituição. A

imunidade é instituída em benefício da sociedade, sendo uma forma de buscar a

implementação dos fins do Estado e da sociedade – pluralismo político,

concretização de direitos fundamentais, fins sociais.

2.4. Abrangência da imunidade: tributos a que se aplica

A Constituição Federal de 1988, ao tratar da imunidade no capítulo referente

às limitações ao poder de tributar, o fez no inciso VI do art. 150, estabelecendo ser

vedado “instituir impostos” sobre as pessoas e bens que especifica.

Em face deste dispositivo, afirma Bernardo Ribeiro de Moraes que a

imunidade se relacionaria apenas com os impostos. Assim se manifesta o autor:

96MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades tributárias. In: Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 33. 97 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos, in: Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 117.

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Por disposição expressa e taxativa da Constituição, a imunidade

tributária aplica-se tão-somente à espécie tributária denominada imposto.98

Roque Antônio Carrazza registra que a imunidade pode ter acepção ampla ou

restrita, sendo que, em sua acepção ampla, significaria a incompetência da pessoa

política para tributar. Ensina o autor que nesta acepção ampla da imunidade estão

abrangidas:

a) pessoas que realizam fatos que estão fora das fronteiras de seu campo

tributário; b) sem observância dos princípios constitucionais tributários, que

formam o chamado estatuto do contribuinte; c) com efeito de confisco; d)

de modo a estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens (salvo a

hipótese do pedágio); e) afrontando o princípio da uniformidade

geográfica; e f) fazendo tábua rasa do princípio da não discriminação em

razão da origem ou do destino dos bens.99

Nesse sentido, estaria abrangendo genericamente as limitações

constitucionais ao poder de tributar. Não obstante, o autor define a imunidade em

sentido estrito, ao se referir às normas que vedam expressamente que pessoas

políticas promovam a tributação sobre atividades desenvolvidas por determinadas

pessoas100, sendo, neste caso, parte de norma de estrutura que define a competência

para tributar.

Sobre a imunidade, nesta acepção restrita, manifesta-se Roque Antônio

Carazza no sentido de que seria aplicável apenas a impostos. Assim se pronuncia o

autor :

Daí dizermos que os casos de imunidade tributária, no Brasil, dizem

respeito, sem exceção, a impostos, isto é, a tributos não-vinculados a uma

98 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 124. 99 CARRAZA, Antônio Roque, Curso de Direito Constitucional Tributário, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 423-424. 100 CARAZZA, Antônio Roque, Curso de Direito Constitucional Tributário, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 424.

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atuação estatal. Não há, em nosso País – no sentido em que estamos falando

-, imunidades a taxas ou a contribuições.101

A afirmação de que a imunidade refere-se apenas a impostos, implicaria na

exclusão de todas as demais espécies tributárias previstas na Constituição. Não

obstante, não é isto que ocorre.

Yoshiaki Ichihara aponta diversas imunidades em relação a taxas, previstas

na Constituição Federal. A primeira destas imunidades estaria prevista no art. 5º,

XXIV, da CF/88, que assegura, independentemente do pagamento de taxas, o

exercício do direito de petição e de obtenção de certidões em repartição pública,

para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal. Aponta,

ainda, o autor, a imunidade quanto às taxas para a propositura de ação popular (art.

5º, LXXIII) e das taxas na assistência integral e gratuita aos que comprovarem a

insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV).102

Além das taxas acima mencionadas, prevê, ainda, a CF/88, no § 7º do art.

195, imunidade em relação às contribuições sociais para as entidades beneficentes

de assistência social, determinando:

Art. 195...........................................................................................................

§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades

beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas

em lei.

Apesar de se referir o texto à isenção, trata-se, de fato, de imunidade, de

forma que foi retirada da União, pessoa jurídica competente para instituir

contribuições sociais para a seguridade social, nos termos do art. 149 da CF/88, a

possibilidade de incluir as entidades de assistência social, que atendam aos

requisitos da lei, como sujeitos passivos da exação.

101 CARAZZA, Antônio Roque, Curso de Direito Constitucional Tributário, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 424. 102 ICHIHARA, Yochiaki. Imunidades Tributárias, São Paulo: Atlas, 2000, p. 194.

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Neste ponto, surge a questão de se saber se as contribuições sociais têm

natureza jurídica distinta dos impostos. Em relação aos impostos, tem-se que sua

arrecadação não pressupõe uma prestação administrativa específica em relação ao

contribuinte103, sendo destinados a custear as despesas públicas em geral. Já as

contribuições sociais da seguridade social objetivam a obtenção de recursos para

financiar a seguridade.

Existem divergências, contudo, acerca da caracterização das contribuições

sociais como uma espécie tributária autônoma.

Sacha Calmon Navarro Coelho ressalta que a natureza jurídica da espécie de

tributo deve ser encontrada pela análise de seu fato gerador, não importando o

motivo ou a finalidade do mesmo, que seriam elementos acidentais104. Este aspecto

é, aliás, registrado pelo próprio Código Tributário Nacional - CTN, que, em seu art.

4º, estabelece que a natureza jurídica do tributo será determinada pelo fato gerador

da obrigação, sendo irrelevante a destinação legal do produto de sua arrecadação.

Assim sendo, em se tratando de contribuições previdenciárias, a verificação

da natureza jurídica passaria pela análise da hipótese de incidência, bem como pela

teoria dos tributos vinculados ou não a uma atuação estatal.

Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro Coelho classifica as contribuições

previdenciárias pagas pelo segurado como tributo vinculado, de natureza

sinalagmática. Já as contribuições pagas pelas empresas, não implicando na

necessidade de atuação estatal, proporcional e específica, relativa à pessoa do

contribuinte, seriam caracterizadas como impostos especiais, afetados, finalísticos. 105

Marco Aurélio Greco aponta, por sua vez, a possibilidade de se negar o

caráter tributário das contribuições sociais, tendo em vista que o art. 149 da CF/88 103 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 44. 104 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 73.

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determina a observância, para a sua instituição, apenas de algumas regras referentes

ao sistema tributário. Ressalta, sem concluir pela efetiva exclusão do caráter

tributário das contribuições, que, caso o constituinte entendesse que estas se

constituem em tributos, não teria feito remissão a determinadas regras e critérios

aplicáveis ao sistema tributário.106

Enfatiza, todavia, Marco Aurélio Greco, que a questão de saber se as

contribuições são ou não tributos é subsidiária, sendo relevante, por outro lado,

definir o regime jurídico a que estas estão submetidas, regime este que já se encontra

delineado na Constituição Federal. Assim, são aplicáveis algumas regras e princípios

específicos do sistema tributário, existindo outras regras que lhes são peculiares,

como o princípio da anterioridade mitigado.

Considerando, portanto, que as contribuições sociais estão sujeitas a este

regime jurídico especial, definido pela Constituição, que fez com que fossem

caracterizadas pela Lei Maior como espécie tributária autônoma, pode-se aceitar a

conclusão de que a concessão de imunidade em relação a impostos, como prevista

no art. 150, VI, da Constituição não alcançaria as contribuições sociais, mesmo

aquelas que são pagas pelas empresas e empregadores, sem que impliquem em

atividade estatal específica, relativa à pessoa do contribuinte, tendo em vista que

estas contribuições recebem tratamento próprio. Ademais são vinculadas a uma

finalidade específica, que consiste no custeio da seguridade social, que é

responsabilidade de toda a sociedade, conforme dispõe o caput do art. 195 da

Constituição Federal de 1988.

Logo, a imunidade não abrange exclusivamente os impostos, abrangendo,

também, as taxas, nas hipóteses especificadas na CF/88, e ainda, as contribuições

sociais, beneficiando, no caso, diretamente, às entidades beneficentes de assistência

social, e, indiretamente, a toda a sociedade, como adiante se verá.

105 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 75. 106 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura "sui generis"), São Paulo: Dialética, 2000, p. 74.

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2.5. Classificação da imunidade: objetiva, subjetiva, simples, condicionada

A imunidade pode ser classificada em objetiva e subjetiva107. A objetiva tem

como parâmetro a matéria a ser tributada, enquanto que a subjetiva considera as

características do beneficiário da imunidade.

Afirma Nelson Leite Filho ser a imunidade objetiva aquela que "leva em

conta a matéria tributável, em razão do objeto, a coisa res singulorum, sem que seja

considerada a situação pessoal do contribuinte"108. Já a imunidade subjetiva é aquela

concedida "em razão do sujeito passivo, como é o caso dos templos de qualquer

culto, dos partidos políticos, das pessoas jurídicas de direito público; instituições de

educação ou de assistência social".109

Roque Antônio Carazza afirma, contudo, ao discorrer sobre a natureza das

imunidades, sua classificação e seus destinatários, que as imunidades visam

beneficiar pessoas. Nesse sentido, pronuncia-se o autor:

A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional.

As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto,

fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para

onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza

jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.

As imunidades tributárias beneficiam, sempre, pessoas.

107 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, tomo II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 394. 108 LEITE FILHO, Nelson. Da incidência e não incidência, isenção e imunidade, São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1986, p. 146. 109 LEITE FILHO, Nelson. Da incidência e não incidência, isenção e imunidade, São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1986, p. 146-147.

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É certo que a doutrina mais tradicional classifica as imunidades em

subjetivas, objetivas e mistas, conforme alcancem pessoas, coisas ou

ambas.

Pensamos que esta classificação é útil e até a empregaremos mais

adiante. Todavia, parece-nos que, em termos rigorosamente técnicos, a

imunidade é sempre subjetiva, já que invariavelmente beneficia pessoas,

quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com

determinados fatos, bens ou situações.110

De fato, a regra da imunidade, embora possa ser estabelecida em

consideração à matéria tributável, ou o objeto da tributação, beneficia, sempre, de

forma imediata, a pessoa que não será obrigada a efetuar o recolhimento de tributos,

e, de forma mediata, a sociedade, em virtude da proteção dos valores tutelados pela

imunidade. Assim é que, em regra, a imunidade visa beneficiar pessoas, como os

entes federativos, os proprietários de pequenos imóveis rurais, os partidos políticos.

Da mesma forma, como beneficiárias da imunidade estão as entidades

beneficentes de assistência social. Face ao importante papel por elas desempenhado,

como auxiliares do Estado, a CF/88 lhes confere imunidade em relação aos

impostos e em relação às contribuições sociais, respectivamente, no art. 150, VI, "c",

e art. 195, § 7º.

A imunidade pode ser classificada, ainda, como simples ou condicionada. A

imunidade simples não está subordinada ao preenchimento de qualquer requisito

legal, estando prevista em dispositivo constitucional de eficácia plena, que não

depende de integração ou complementação pelo legislador ordinário, para que possa

produzir seus efeitos essenciais111, referentes à delimitação da competência dos

entes estatais, impossibilitando, imediatamente, a instituição de tributos que onerem

110 CARAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 418. 111 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 88-89.

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os seus beneficiários. É o caso da imunidade recíproca e da imunidade dos templos e

dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

Já as imunidades condicionadas são aquelas que exigem, para o seu gozo, o

preenchimento de requisitos previstos em lei. É o caso da imunidade concedida pelo

art. 150, VI, "c", da CF/88, aos partidos políticos, entidades sindicais dos

trabalhadores e instituições de assistência social e de educação, que devem atender

os requisitos estabelecidos em lei. Da mesma forma, a imunidade das entidades

beneficentes de assistência social, prevista no art. 195, § 7º, da CF/88.

São imunidades previstas em dispositivos constitucionais de eficácia limitada,

dependendo, portanto, da interferência do legislador ordinário para que possam

surtir seus efeitos principais112.

2.6. Histórico da imunidade em relação às contribuições sociais concedida às

entidades de assistência social

2.6.1. Imunidade em relação a impostos

A primeira Constituição brasileira a prever a imunidade das entidades de

assistência social em relação aos impostos foi a CF/46, em seu art. 31, V, "b", que

estabelecia:

Art. 31. À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é

vedado:

.........................................................................................................................

V - lançar impôsto sôbre:

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.........................................................................................................................

b) templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos,

instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas

sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins.

A imunidade foi regulamentada pela Lei nº 3.193/57, que cuidou apenas de

repetir o requisito previsto pela Constituição para o gozo do benefício, qual seja, a

exigência de que as suas rendas fossem aplicadas integralmente no país, para a

consecução de seus fins.

Estabelecia-se, ainda, a necessidade de se requerer a imunidade (referida na

Lei nº 3.193/57 como isenção), comprovando-se, desde logo, o seu enquadramento

no preceito constitucional limitador da competência tributária. Caso não reconhecida

administrativamente, era atribuída ao contribuinte a possibilidade de ajuizar ação

visando obter o reconhecimento da imunidade.

Sobre a sistemática da Lei nº 3.193/57, ensina Pontes de Miranda:

A Lei n. 3.193, de 4 de julho de 1957, teve dois fitos: a) estabelecer que o

requerimento de declaração de imunidade a impostos há de ser

acompanhado, desde logo, das provas das alegações feitas e marcar prazo

para que a autoridade administrativa decida (art. 2º), bem como atribuir ao

requerimento, uma vez entregue, eficácia de suspensão de qualquer

cobrança administrativa ou judicial do impôsto; b) regular o exercício da

ação declaratória da imunidade (art. 3º e §§ 1º-3º e arts. 4º-6º).113

Posteriormente, a referida Lei nº 3.193/57 foi alterada pela Lei nº 5.172/66 -

Código Tributário Nacional, que, em seu art. 14 elencou os requisitos exigidos para

o gozo da imunidade em referência.

Estabeleceu o art. 14 do CTN, em sua redação original:

112 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 118. 113 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946, tomo II, Rio de Janeiro: Borsoi, 1960, p. 312.

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Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à

observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a

título de lucro ou participação no seu resultado;

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos

seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos

de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo

9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são

exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais

das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou

atos constitutivos.

Não extrapolou o Código Tributário Nacional os limites estabelecidos pela

CF/46, tendo em vista que procurou, com os requisitos estabelecidos, evitar que as

rendas obtidas no exercício das atividades assistenciais e de educação deixassem de

ser novamente empregadas nestas mesmas atividades ou que viessem a ser aplicadas

fora do país.

Posteriormente, com o advento da CF/67, a regra limitadora da competência

tributária foi repetida, no seu art. 20, III, "c", com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios:

.........................................................................................................................

V - criar impôsto sôbre:

.........................................................................................................................

b) o patrimônio, a renda ou os serviços de partidos políticos e instituições

de educação ou de assistência social, observados os requisitos estabelecidos

em lei".

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Passou-se, portanto, a exigir o cumprimento dos "requisitos estabelecidos em

lei", consagrando-se, a partir daí, uma imunidade condicionada. Como visto, quando

da promulgação da promulgação da CF/67 já se encontrava em vigência o Código

Tributário Nacional, de forma que este foi recepcionado pela Constituição, dando

eficácia plena à regra acima enunciada.

Finalmente, a Constituição Federal de 1988 repetiu o tratamento conferido

pela CF/67, conferindo, em seu art. 150, VI, "c", imunidade às instituições de

educação e assistência social, sem fins lucrativos, que atendam aos requisitos

estabelecidos em lei. Cumpre registrar que, conforme o disposto no § 4º do citado

dispositivo constitucional, a imunidade abrange apenas "o patrimônio, a renda e os

serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades neles

mencionadas."

Assim, tendo sido mantida a imunidade condicionada, foi mais uma vez

recepcionado o art. 14 do CTN, quanto aos requisitos para o gozo do benefício.

2.6.2. Imunidade em relação às contribuições sociais

As Constituições anteriores à de 1988 não trataram de conferir às entidades

de assistência social qualquer tratamento diferenciado em relação às contribuições

sociais.

Todavia, considerando a relevância de sua atuação na sociedade, como

coadjuvantes do Estado, cuidou este, por meio da Lei nº 3.577/59, de dispensar as

entidades de fins filantrópicos do pagamento das denominadas “taxas de

contribuição previdenciária”, referentes à cota patronal.

Determinou, então, o art. 1º da Lei nº 3.577/59:

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Art. 1º Ficam isentas da taxa de contribuição de previdência aos Institutos e

Caixas de Aposentadorias e Pensões as entidades de fins filantrópicos

reconhecidas como de utilidade pública, cujos membros de suas diretorias

não percebam remuneração. (grifo nosso)

O Decreto nº 1.117/62 regulamentou a Lei nº 3.577/59, estabelecendo que

seriam tidas como filantrópicas as entidades que:

a) destinarem a totalidade das rendas apuradas ao atendimento

gratuito das suas finalidades;

b) os diretores, sócios ou irmãos, não percebam remuneração e não

usufruam vantagens ou benefícios, sob qualquer título;

c) estejam registrados no Conselho Nacional de Serviço Social. (grifo

nosso)

Ademais, concedeu prazo de dois anos para que as entidades filantrópicas

obtivessem a declaração de utilidade pública exigida pela Lei nº 3.577/59, cujo

julgamento seria feito pelo Conselho Nacional de Serviço Social - CNSS, vinculado

ao Ministério da Educação. Foi atribuída, ainda, ao Conselho Nacional de Serviço

Social, a competência para caracterizar a condição de entidade filantrópica,

mediante a expedição do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos para servir

de prova junto à Previdência Social.

Exigiu-se, portanto, a destinação da renda ao atendimento gratuito, em

virtude da caracterização das beneficiárias do favor legal como entidades

filantrópicas, passando-se a exigir o registro no CNSS como forma de comprovação

desta qualidade.

De se ressaltar que, em 1961 foi publicada a Lei nº 3.933, concedendo

remissão dos débitos existentes para as entidades de fins filantrópicas contempladas

pela Lei nº 3.577/59. Estabeleceu a Lei nº 3.933/61, em seu art. 1º:

Art. 1º. As instituições assistenciais a que se refere a Lei nº 3.577, de julho

de 1959, ficam isentas do recolhimento das contribuições de que sejam

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devedoras, na qualidade de empregadoras, até a data da entrada em vigor da

referida lei.

Não obstante, o reconhecimento de isenção às entidades de fins filantrópicos

não persistiu por muito tempo em nosso ordenamento jurídico, face às alegações de

que a isenção provocava evasão de recursos da previdência, reduzindo fonte de

custeio não acompanhada por redução de benefícios ou serviços.

Proliferaram, portanto, entidades que atuavam dentro dos requisitos, mas que

não eram efetivamente filantrópicas.

Fernando Camargo Dias dá notícia da situação em artigo publicado na

Revista da Previdência Social em novembro/87:

Aí, então, tal como se criaram muitas entidades que nada tinham de

"filantrópicas", dentro dos conceitos exigidos, a Previdência, talvez em

defesa, fez de tudo, até em excessos, inclusive exigindo contribuições

daquelas entidades registradas no CNSS como filantrópicas, no período

anterior ao reconhecimento, o que só veio a ser deslindado anos depois,

ante manifestação da ilustrada Consultoria Geral da República,

devidamente aprovada: - o certificado do CNSS não "cria" direitos, mas os

"reconhece", implicando, com isso, na isenção dos pagamentos atrasados. O

então Ministério do Trabalho e Previdência Social se submeteu a tanto,

sempre negando, no entanto, a devolução de contribuições recolhidas

anteriormente, por sua intimação ou ameaça.

Na verdade, a Previdência tinha palpável prevenção contra as

entidades filantrópicas, não só pela evasão de receita, mas por se ver,

freqüentes vezes, envolvida em expedientes não muito decorosos, quando

aqueles reconhecimentos vinham alcançar e favorecer organismos e

instituições que nada tinham de filantrópicos, mas com a documentação

rigorosamente acorde com o exigido pela Lei.

Nessa ocasião, proliferaram as "entidades mantenedoras", com

atividades tidas como de fins filantrópicos, atendidos os requisitos exigidos,

mas que traziam em sua esteira, as organizações "mantidas", hospitais,

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casas de saúde, escolas, colégios, universidades, em especial, que nada

tinham de filantropia. E assim também em outros segmentos (...)114

Foi, então, publicado o Decreto-lei nº 1.572/77, revogando a Lei nº 3.577/59,

mas procurando preservar os direitos adquiridos.

Determinou o referido Decreto-lei:

Art. 1º Fica revogada a Lei nº 3.577, de 4 de julho de 1959, que isenta da

contribuição de previdência devida aos Institutos e Caixas de

Aposentadorias e Pensões unificados no Instituto Nacional de Previdência

Social - IAPAS, as entidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade

pública, cujos diretores não percebam remuneração.

§ 1º A revogação a que se refere este artigo não prejudicará a instituição

que tenha sido reconhecida como de utilidade pública pelo Governo

Federal até a data da publicação deste Decreto-lei, seja portadora de

certificado de entidade de fins filantrópicos com validade por prazo

indeterminado e esteja isenta daquela contribuição.

§ 2º A instituição portadora de certificado provisório de entidade de fins

filantrópicos que esteja no gozo de isenção referida no ‘caput’ deste artigo e

tenha requerido ou venha a requerer, dentro de 90 (noventa) dias, a contar

do início da vigência deste Decreto-lei, o seu reconhecimento como de

utilidade pública federal, continuará gozando da aludida isenção até que o

Poder Executivo delibere sobre aquele requerimento. (grifo nosso)

Garantiu-se, portanto, que as entidades que cumprissem os requisitos

previstos nos parágrafos 1º e 2º do art. 1º do Decreto-Lei nº 1.572/77 continuariam a

gozar da isenção.

Tal Decreto criou uma situação de violação ao princípio da igualdade. De um

lado, foi reconhecido o direito à isenção pelas entidades que, além de preencher os

requisitos estabelecidos pela Lei nº 3.577/59 já possuíam o Certificado de Entidade

de Fins Filantrópicos emitido pelo Conselho Nacional do Serviço Social e a

114 DIAS, Fernando Camargo. Entidade Filantrópica e Previdência, in Revista da Previdência Social, nº 84, nov. 1987, p. 645.

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declaração de utilidade pública. Foram, ainda, beneficiadas as entidades que já

haviam obtido o Certificado Provisório de Entidade de Fins Filantrópicos, tendo

sido conferido prazo para reconhecimento de sua utilidade pública, o que garantiria

a continuidade do gozo da isenção.

De outro lado, ficaram excluídas entidades que, mesmo preenchendo os

requisitos previstos na Lei nº 3.577/59, a partir do advento do Decreto-Lei nº

1.572/77 perderam a oportunidade de requerer e obter o Certificado de Entidade de

Fins Filantrópicos e se utilizarem de declaração de utilidade pública.

Esta situação persistiu até o advento da Constituição Federal de 1988.

2.6.3. Tratamento conferido pela CF/88 à imunidade quanto às contribuições

sociais

A CF/88, ao contrário das Constituições que lhe antecederam, consagrou,

como visto, a imunidade das entidades de assistência social não somente em relação

aos impostos, mas também em relação às contribuições sociais.

O art. 195, § 7º, da CF/88 cuidou de atribuir imunidade (e não apenas

isenção, como determina o dispositivo constitucional) a todas as entidades

beneficentes de assistência social que atendam as exigências estabelecidas em lei, e

não apenas às entidades que preenchiam os requisitos para a isenção por ocasião da

publicação do Decreto-Lei nº 1.572/77.

A imunidade, como se infere do texto da Constituição, foi condicionada ao

cumprimento dos requisitos previstos em lei, de forma que a implementação da

imunidade dependia da regulamentação do dispositivo constitucional em referência.

Tal regulamentação foi promovida pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91.

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Vê-se, pois, que a espécie normativa utilizada foi a lei ordinária. Ocorre que,

em dezembro de 1998 foi publicada a Lei nº 9.732, alterando a redação do referido

art. 55 da Lei nº 8.212/91, estabelecendo requisitos mais rigorosos para o gozo da

imunidade. Passou-se, então, a se questionar se a lei ordinária seria, efetivamente,

instrumento hábil para a regulamentação da imunidade prevista no art. 195, § 7º, da

CF/88, ou se seria necessária a utilização de lei complementar, em virtude do que

determina o art. 146, II, também da CF/88, por consistir a imunidade em uma

limitação constitucional ao poder de tributar.

Tal questão será tratada adiante, no capítulo sexto, sendo que o capítulo

oitavo será dedicado à análise dos requisitos estabelecidos pela Lei nº 8.212/91 para

a obtenção do benefício pelas entidades beneficentes, e sua adequação aos objetivos

da Constituição Federal.

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CAPÍTULO TERCEIRO

FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS ENTIDADES DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL

Sumário: 3.1. Justiça e tributação. 3.2. Visão positivista da

imunidade. 3.3. Valores decorrentes dos direitos

fundamentais e ordem jurídica justa. 3.4. Imunidade como

decorrência de direitos fundamentais. 3.5. Imunidade e

igualdade. 3.6. A relevância das atividades das entidades de

assistência social

3.1 Justiça e tributação

A concessão da imunidade, isenção, alíquota zero, como formas de dispensa

do pagamento de tributos, enseja discussão acerca da configuração de violação ao

princípio da igualdade.

Pode-se indagar, portanto, acerca da legitimidade desta exclusão, ou seja, se

existem critérios de justiça que autorizem este tratamento diferenciado.

Para o positivismo, não seria essencial se questionar acerca da justiça da lei, e

adequação aos valores sociais115, tendo em vista que, qualquer que seja o teor de

uma norma jurídica, será inevitável a sua observância, desde que produzida de

acordo com o conteúdo definido e da maneira determinada pela norma fundamental,

superior, que dá fundamento às demais normas do ordenamento jurídico116.

115 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 1. 116 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 247-249.

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Não obstante, tendo em vista a função do Direito de regular a vida em

sociedade, não se pode desconsiderar a importância de se buscar instituir normas

que sejam consideradas justas pela sociedade, e que possibilitem uma maior eficácia

social, com o seu cumprimento espontâneo, sendo que a inadequação destas normas

aos valores sociais poderá ensejar movimentos sociais que busquem a sua alteração.

Deve-se notar, assim, que um dos fundamentos essenciais da justiça consiste

na concessão de tratamento isonômico àqueles que se encontram na mesma

situação117. Para tanto, deve-se considerar as particularidades de cada indivíduo,

podendo-se conferir tratamento diferenciado, caso constatada a existência de

características essenciais que autorizem esta diferenciação.

No âmbito da tributação, o tratamento igualitário deve ser observado, sendo

que eventuais distinções devem ter uma justificativa adequada, em consonância com

os valores aceitos pela sociedade, sob pena da norma tributária se apresentar como

uma norma arbitrária, que outorga privilégios, desestimulando os contribuintes a

promoverem o regular recolhimento dos tributos devidos.

Registre-se que, além de já ter sido consagrado o princípio da igualdade entre

os direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º da CF/88, o constituinte

reforçou este direito, mais uma vez, no capítulo referente ao Sistema Tributário

Nacional, ao vedar, no art. 150, II, a instituição de "tratamento desigual entre

contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção

em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente

da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos."

A par do princípio da igualdade, contudo, foram consagradas as denominadas

imunidades, restando vedada a instituição de tributos sobre os fatos e sobre

atividades exercidas por determinados entes, identificados na Constituição.

117 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito, tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 14.

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Em se tratando de imunidades, impende registrar a pretensão de se relacionar

a delimitação da competência para tributar a direitos fundamentais118. Embora nem

todas as imunidades decorram de direitos fundamentais, deve-se considerar que, em

sua maioria, as imunidades terão como objetivo a preservação destes direitos. E,

uma vez constatado o objetivo de preservação dos direitos fundamentais, estarão as

imunidades contempladas como cláusulas pétreas pelo art. 60, § 4º da CF/88, de

forma que não poderão ser excluídas do ordenamento jurídico, sequer por emenda

constitucional.

Ademais, como registra Ricardo Lobo Torres, "embora não sirva de

fundamento autônomo para as imunidades, a idéia de justiça, pela coimplicação com

a de liberdade, também participa da problemática da justificativa das vedações

constitucionais."119 Afirma o autor, ainda, que em algumas espécies de imunidade,

como a do mínimo existencial, "cresce a importância da idéia de justiça, a ponto de

às vezes se tornar difícil extremá-la da idéia de liberdade"120.

Cabe questionar, assim, considerando a necessidade de tratamento igual, se a

imunidade concedida às entidades beneficentes de assistência social pela CF/88

adequa-se ao princípio da igualdade, que atribui a todos dever de recolher impostos

e contribuições. É certo que não se pode falar em inconstitucionalidade de norma

inserida no texto constitucional pelo poder constituinte originário, por ser ilimitado e

autônomo121, sendo necessário que, em caso de conflito aparente, sejam adotados

critérios de interpretação que permitam a harmonização dos preceitos. Não obstante,

é preciso compreender a imunidade dentro do contexto da Constituição e dos valores

sociais, atentando-se, quando de sua interpretação, para os princípios albergados

pela Lei Maior. Dessa forma, será possível identificar o alcance do instituto,

118 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 63. 119 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 67. 120 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 67. 121 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 54.

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promovendo sua harmonização com o princípio da igualdade, analisando se a

imunidade poderia ser excluída do texto constitucional, e ainda, se representa norma

jurídica justa.

Ademais, no que se refere à imunidade das entidades beneficentes, é de se

considerar que a CF/88, ao prevê-la, estabelece que esta obedecerá aos "requisitos

estabelecidos em lei". Faz-se necessário, dessa forma, recorrer-se à interpretação

teleológica do dispositivo constitucional, cotejando-o com os valores socialmente

aceitos, a fim de precisar o seu alcance, e, em conseqüência, os limites a que está

submetido o legislador ordinário ao efetivar a regulamentação da imunidade em

comento.

Proceder-se-á, assim, à análise da imunidade das entidades beneficentes

baseada em uma visão positivista, e, a seguir, à análise deste instituto face ao critério

de justiça e os valores aceitos pela sociedade, e ainda, como forma de concretização

de direitos fundamentais.

3.2. Visão positivista da imunidade

Conforme a concepção positivista, não haveria que se questionar acerca da

justiça da concessão de tratamento diferenciado a contribuintes, com atribuição de

imunidade, isenção, alíquota zero, como formas de dispensa do pagamento de

tributos, tendo em vista que, sendo legalmente estabelecida, será inevitável o seu

cumprimento. Assim sendo, as normas jurídicas, uma vez produzidas e não

invalidadas pelo mecanismo que o sistema jurídico prevê, ou por meio de uma

revolução que substitua uma ordem jurídica por outra, seriam legítimas.122

122 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 171.

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A propósito da validade das normas, independente de questões referentes à

moral ou sua conveniência, cita Dennis Loyd as considerações de Jeremy Bentham:

O que a lei é e o que a lei deve ser são questões inteiramente diferentes e

cada uma delas é objeto adequado de investigação de uma área distinta de

estudo, que o próprio Bentham designou por jurisprudência expositiva e

censória (ou ciência da legislação), respectivamente. Segue-se que, para

decidir se uma norma legal é válida ou não, é irrelevante saber se ela é boa

ou má, justa ou injusta, visto que tais questões dizem respeito ao valor ou

conveniência moral da norma legal, a qual, não obstante, permanece

legal, seja boa ou má.123 (grifo nosso)

Esboça-se, assim, uma visão positivista da lei, com a compreensão do direito

como um campo autônomo de estudo, desvinculado da moral e da religião, e,

muitas, vezes, dos valores sociais.

Hans Kelsen, por sua vez, afirma que não se deveria questionar a respeito da

justiça da regra jurídica, devendo a mesma ser respeitada apenas porque foi criada

dentro de certo modo, encontrando como fundamento uma norma superior, que seria

a norma fundamental. Afirma o autor:

Nesse sentido, todo conteúdo jurídico material, se for Direito positivo,

deve ser tomado como "reto" e "justo". O "dever ser" do direito positivo,

só pode ser hipotético. Isso se segue necessariamente da natureza do

fundamento de validade que distingue o Direito positivo do Direito natural.

As normas do Direito positivo são "válidas", ou seja, devem ser

obedecidas, não porque, como as leis do Direito natural, derivam da

natureza, de Deus ou da razão, de um princípio do absolutamente bom,

reto ou justo, de um valor ou norma fundamental absolutamente

supremo ou de uma norma fundamental, a qual se acha, ela própria,

investida de pretensão de validade absoluta, mas, simplesmente porque

foram criadas de certo modo ou feitas por certa pessoa.124 (grifo nosso)

123 LLOYD, Dennis. A idéia de Lei, tradução de Álvaro Cabral, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 118. 124 KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 562.

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Dessa forma, o fundamento de uma norma jurídica deveria ser buscado dentro

do próprio ordenamento jurídico, sendo a Constituição a Lei Maior, originada de

uma norma fundamental, hipotética e pressuposta, que não teria como função

garantir a "justiça" desse sistema125. Sua função deveria ser, ao contrário, garantir a

unidade do sistema jurídico, evitando contradição na esfera normativa, por conter o

fundamento de validade de uma norma que, por sua vez, será o fundamento de outra,

criando-se a pirâmide jurídica, com o estabelecimento de um sistema estático de

produção de normas, em contraposição ao sistema dinâmico, que pressupõe a

autorização à autoridade legisladora para a criação de normas jurídicas126.

A norma fundamental é pressuposta quando o costume ou o poder

constituinte dão origem à Constituição, como fator produtor de normas, visando

autorizar a produção legislativa, dar coerência ao sistema jurídico e garantir a sua

observância mediante a coerção. Assim, as normas não teriam validade por ter um

determinado conteúdo, mas por serem produzidas mediante um procedimento

especial de criação, ressaltando Kelsen que qualquer conteúdo pode ser direito.127

Sendo a Constituição norma hierarquicamente superior, com fundamento de

validade apenas na norma fundamental, que é a condição do direito positivo, deveria

ser respeitada pela legislação infraconstitucional, não sendo a justiça questão

fundamental a ser tratada dentro do sistema jurídico. Nesse sentido, afirma Kelsen

que a justiça se constituía em problema fundamental do direito natural:

Antes da ascensão vitoriosa da escola histórica de Direito, a questão da

justiça era considerada pela ciência jurídica como o seu problema

fundamental. Este, e nenhum outro, é o significado do fato de que, até

então, a ciência do Direito era a ciência do Direito natural. Isso não implica

que a ciência do Direito não se ocupasse do Direito positivo, mas,

125 KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 573. 126 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 217-218. 127 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 221.

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simplesmente, que ela acreditava na necessidade de tratar o Direito positivo

apenas em estreita conexão com o Direito natural, isto é, com a justiça.128

(grifo nosso)

Dessa forma, com a ascensão do positivismo, não mais deveria ter relevância

a busca do direito natural por um fundamento absoluto para o ordenamento

jurídico129.

Deve-se considerar que a Constituição, segundo Kelsen, tem como

fundamento a norma pressuposta que autoriza a produção legislativa, contendo, não

obstante, não apenas normas que regulamentam a produção de normas, mas também

determinam e vinculam o conteúdo de determinadas leis130, como as leis tributárias.

Numa ordem jurídica hierarquizada, torna-se necessário, de fato, observar o

procedimento estabelecido para a criação de normas e ainda o conteúdo e as

limitações materiais impostas no texto constitucional.

A regra da imunidade das entidades beneficentes quanto às contribuições tem

incontestável validade formal, ou seja, foi estabelecida no texto constitucional por

votação promovida por representantes do povo, que teriam poderes para fixar as

regras relacionadas à tributação.

Houve, portanto, um órgão competente para o estabelecimento das regras,

qual seja, o Congresso Nacional, tendo havido a observância de um procedimento,

com tramitação pela Câmara dos Deputados e Senado Federal. Tal órgão detinha

legitimidade subjetiva e objetiva, por ter competência para estabelecer regras sobre a

matéria. Está, portanto, a Constituição promulgada, apta a regular as relações sociais

como estatuto máximo do ordenamento jurídico.

128KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 558. 129KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 565. 130 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 221.

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Para a Teoria Pura do Direito não haveria que se pretender obter um

fundamento metajurídico para a imposição desta regra, tendo em vista que, qualquer

que fosse o fundamento, a ordem jurídica estabelecida com a observância de certos

procedimentos seria válida131, representando o positivismo a descrença na

possibilidade de encontrar uma norma ou fundamento absoluto132.

Nesse sentido, afirma Kelsen que o direito natural somente pode servir como

fundamento do direito positivo na medida em que a natureza prescreve obediência à

ordem jurídica e, com esta concepção, restaria descaracterizada a teoria

jusnaturalista133, prevalecendo a concepção positivista.

Todavia, ainda que não se possa deixar de cumprir as regras juridicamente

estabelecidas, não se pode renunciar à busca de um fundamento ético que justifique

as normas que representam o direito positivo, à compreensão do que representa a

justiça para uma determinada sociedade, a fim de orientar a própria interpretação e

regulamentação das regras constitucionais, bem como o processo de alteração das

regras jurídicas.

Em se tratando de imunidade concedida às entidades de assistência social,

tem-se que, uma vez consagrada em preceito constitucional, serve fundamento de

validade para outras regras jurídicas.

Entretanto, é preciso a compreensão de seu alcance, a fim de se promover a

adequada interpretação da regra constitucional e sua regulamentação pela legislação

ordinária. Considerando-se que a imunidade deve observar os requisitos

estabelecidos em lei, faz-se mister identificar os valores consagrados pela sociedade

e pela própria Constituição, a fim de se apurar o objetivo a ser alcançado com a

concessão do benefício fiscal, viabilizando a análise da adequação da legislação

infraconstitucional regulamentadora do dispositivo constitucional.

131 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 244. 132LLOYD, Dennis. A idéia de Lei, tradução de Álvaro Cabral, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 132.

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Não se pode, assim, deixar de se analisar sua abrangência, tendo em vista os

valores adotados em uma sociedade, cotejando-as, ainda, com os princípios

contemplados no próprio texto constitucional, e os objetivos atribuídos ao Estado, a

fim de que haja uma correta compreensão destas normas. Tal análise é relevante por

possibilitar a verificação da possibilidade de se promover alterações mediante

emenda constitucional, definindo se a imunidade, neste caso, pode ser considerada

como integrante do núcleo fundamental e permanente da Constituição Federal de

1988, conforme especificado em seu art. 60, § 4º, que veda a deliberação de

proposta tendente a abolir: a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto,

universal e periódico, a separação dos Poderes, os direitos e garantias individuais.

Importante, ainda, para a verificação da adequação da legislação infraconstitucional

aos preceitos da Lei Maior.

Assim, para a compreensão do alcance da imunidade concedida às entidades

beneficentes de assistência social, é preciso se definir os valores albergados pelo

texto constitucional e os valores subjacentes, que podem auxiliar na sua

interpretação.

3.3. Valores decorrentes dos direitos fundamentais e ordem jurídica justa

Dizer que algo possui um valor significa dizer que algo é relevante, que

merece ser considerado. Segundo Miguel Reale, o valor só existe em função de algo

já existente, de coisas valiosas, implicando em bipolaridade por estabelecer critérios

de bem e de mal.134

133 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 244. 134 REALE, Miguel. Introdução à Filosofia, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 143.

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Considerando a existência de valores, cabe considerar o que é considerado

bom, valioso, essencial, pela sociedade, a fim de que estes valores possam ser

tutelados pelo direito.

A fim de justificar o surgimento de valores, Miguel Reale aponta a teoria

psicológica, pela qual os valores existem como resultado de reflexos psíquicos, de

desejos e de inclinações. Refuta, todavia, esta teoria, considerando que os valores

persistem mesmo após cessado o desejo, existindo pressão social que exige a

conformação aos valores mesmo em contradição com as preferências individuais.135

Aponta a teoria sociológica, segundo a qual existiria uma consciência coletiva

irredutível e superior à consciência dos indivíduos componentes da sociedade. O

valor seria, assim, uma tendência prevalecente no todo coletivo, exercendo pressão

ou coação sobre as consciências individuais.

Entende Miguel Reale, todavia, ser mais adequado se falar em teoria de

valores face às alterações histórico culturais, tendo em vista a impossibilidade de se

conhecer o problema dos valores fora do âmbito da história, de acordo com as

transformações do mundo operacionadas pelo homem.136

Assim, considerando-se que as normas jurídicas destinam-se a regular a vida

em sociedade, existe tendência em todos os seguimentos a buscar a consagração de

regras que reflitam os valores em evidência em um determinado contexto histórico.

A fixação de regras jurídicas não pode estar em contradição com tais valores,

sob pena de não lograr eficácia ou validade social, passando a norma a ser

questionada, sendo descumprida, ou se tornando objeto de impugnações visando

promover a sua alteração. Nestes termos, o texto constitucional representará, apenas,

135 REALE, Miguel. Introdução à Filosofia, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 147. 136 REALE, Miguel. Introdução à Filosofia, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 161.

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no dizer de Ferdinand Lassale, uma "folha de papel", que poderá sucumbir perante

as forças vitais verdadeiras137.

O conhecimento e a consagração de valores são, portanto, de fundamental

importância para a instituição de uma ordem jurídica legítima, ou que se adequa às

aspirações sociais, sendo descobertos no decorrer do processo histórico. Alguns

destes valores, tidos como essenciais ao ser humano, foram elevados à categoria de

direitos fundamentais. Pode-se, assim, se afirmar que a consagração dos direitos

fundamentais nas declarações de direitos e posteriormente nas constituições dos

Estados modernos tem como um dos objetivos explicitar os valores aceitos em uma

determinada sociedade e que devem ser observados quando da elaboração das

normas.

Existe, portanto, uma tendência à positivação de valores, de preceitos morais,

como afirma Habermas:

O direito constitucional revela que muitos desses princípios possuem uma

dupla natureza: moral e jurídica. Os princípios morais do direito natural

transformaram-se em direito positivo nos modernos Estados

constitucionais. Por isso, a lógica da argumentação permite ver que os

caminhos de fundamentação, institucionalizados, através de processos

jurídicos, continuam abertos aos discursos morais. 138 (grifo nosso)

Habermas ainda acrescenta:

Pois princípios morais, procedentes do direito racional, compõem hoje em

dia o direito positivo. Por isso, a interpretação da constituição assume cada

vez mais a figura de uma filosofia do direito.139

A propósito da consagração de valores pela Constituição, cita-se o

pronunciamento de Dennis Loyd:

137 LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição, prefácio de Aurélio Wander Bastos, 2ª ed., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1998, p. 25. 138 JURGEN, Habermas. Direito e Democracia - entre facticidade e validade, tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 203. 139JURGEN, Habermas. Direito e Democracia - entre facticidade e validade, tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 206.

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Quando alguns dos valores fundamentais de um sistema jurídico

são incorporados à constituição, poder-se-á pensar que isso torna

desnecessária qualquer investigação adicional sobre os valores

subjacentes, seja de acordo com os princípios do direito natural seja em

alguma outra base ética aceitável (...)

Uma constituição escrita que incorpore uma declaração de direitos,

a qual expressa em termos gerais alguns dos principais pressupostos da

escala de valores a que ela dá plena vigência, pode avançar no sentido de

eliminar o hiato que examinamos entre justiça formal e justiça

concreta. Mas essa solução é meramente um começo e não uma solução

final para esse problema (...)140(grifo nosso)

Assim, tem-se que alguns valores descobertos no processo histórico foram

elevados à categoria de direitos fundamentais e inseridos nos textos constitucionais.

Cabe notar que a constituição de um Estado representa sua peculiar maneira de ser,

disciplinando a vida em sociedade, e a relação com os governados. Embora se possa

afirmar que cada Estado, cada sociedade, sempre teve sua própria constituição, por

se orientar dentro de certas estruturas e com a observância de certos princípios, a

elaboração de cartas constitucionais, tal como se conhece hoje, passou a ocorrer a

partir do século XVIII, com a consolidação das idéias iluministas, especialmente as

relacionadas com o contrato social e a consagração da liberdade entre os homens,

em oposição ao denominado constitucionalismo antigo, ou seja, o conjunto de

princípios escritos ou consuetudinários que conferiam poderes ao monarca e direitos

estamentais141.

Com efeito, no período anterior à Revolução Francesa, o Estado e a sociedade

eram controlados pela monarquia absoluta, em que as regras eram estabelecidas pelo

140 LLOYD, Dennis. A idéia de Lei, tradução de Álvaro Cabral, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 162-164. 141 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 48.

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monarca142. Eram concedidos privilégios ao primeiro estado, composto pela realeza

e nobreza143, cabendo ao povo, ou terceiro estado, financiar os gastos do Estado.

Surgiram, então, as idéias de contrato social144, e separação de poderes, como

forma de controle de abusos e excessos. Sugere-se a criação de um sistema de freios

e contrapesos, com a separação do Executivo, Legislativo e Judiciário, de forma que

um poder controle outro, evitando-se a arbitrariedade dos governantes145.

Desenvolvem-se, ainda, as idéias contratualistas, especialmente com

Rousseau, com seu "Contrato Social", no sentido de que o homem é titular de

direitos inalienáveis, inatos, irrenunciáveis146. Afirma-se que os homens,

impossibilitados de subsistirem por seus próprios meios, como indivíduos isolados

no estado da natureza, se unem mediante um contrato, em uma forma de associação

destinada a preservar as pessoas e os bens de cada um. Assim sendo, ao se constituir

a sociedade, são criadas regras de convivência, mas o homem não pode, jamais, ser

despojado de seus direitos fundamentais, face às características apontadas, sendo a

sua defesa fundamento legítimo da sociedade política147.

A partir destes ideais iluministas, surgem as declarações de direitos.

Inicialmente, é elaborada, em 1787, a Declaração de Direitos do Bom Povo da

Virgínia148, visando promover a limitação do poder, face à concepção da existência

de direitos naturais e imprescritíveis, sob inspiração das idéias iluministas européias.

142 NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 66. 143 NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 75. 144 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 39. 145 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 113. 146 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, tradução de Lourdes Santos Machado, São Paulo: Abril Cultural, Coleção "Os Pensadores", 2ª ed., 1978, p. 27. 147 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, tradução de Lourdes Santos Machado, São Paulo: Abril Cultural, Coleção "Os Pensadores", 2ª ed., 1978, p. 32. 148 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 157.

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A seguir, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela

Assembléia francesa em 1789, como corolário da revolução francesa, proclama a

liberdade, igualdade e fraternidade como direitos básicos reconhecidos ao lado do

direito à vida e à propriedade. Logo, os direitos fundamentais não eram instituídos

ou atribuídos aos indivíduos, por se reconhecer sua origem anterior ao Estado149.

Eram "declarados" sob o argumento de que eram preexistentes ao Estado, e não

poderiam ser esquecidos pelos homens, que deveriam lutar em sua defesa, resistindo

à opressão e aos desmandos de um governo que desrespeitasse as regras

estabelecidas no pacto original.

A partir do reconhecimento da igualdade, deixou de haver fundamento para a

concessão de privilégios à nobreza e para distinções feitas por considerações

hereditárias, passando-se a atribuir ao povo a titularidade do poder, proclamando-se

a igualdade entre todos os homens.

Os direitos fundamentais foram reconhecidos como estruturais à sociedade,

inalienáveis, podendo ser opostos ao Estado, limitando seu poder. Foram elaboradas

constituições, firmando-se a concepção de que esta seria o pacto fundante da

sociedade, sendo necessário, para se evitar o arbítrio, que se estabelecesse a divisão

de poderes e competência, e se proclamassem os direitos fundamentais, para evitar

que estes fossem olvidados e desrespeitados150.

A partir das Declarações de Direitos e sua inserção em documentos

destinados à disciplinar o modo de ser dos Estados, os direitos fundamentais

deixaram de ser apenas concepção ou ideal jusnaturalista, passando a integrar o

direito positivo. Surge aí o constitucionalismo, com a imposição de limites ao poder

do Estado e exigência de reconhecimento de direitos, com fins de garantia, passando

149 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 115. 150 CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 48-49.

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a constituição a ser reconhecida como a Lei Maior, à qual todas as demais leis

devem se adequar.

São elaboradas, assim, as constituições em sentido moderno, que

representam, segundo Canotilho, " a ordenação sistemática e racional da

comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as

liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político"151

A Declaração francesa chegou a proclamar, em seu art. 16, que uma

sociedade em que não sejam assegurados os direitos fundamentais e estabelecida a

separação de poderes não tem uma constituição, confundindo, como aponta Bobbio,

"constituição" com "boa constituição".152

Assim, foram estabelecidos como núcleo da constituição a divisão de poderes

e a proclamação de direitos, como forma de limitação do poder do governo e do

Estado. As constituições elaboradas a partir do século XVIII representavam o Estado

liberal, face à exigência da não intervenção do Estado na vida dos cidadãos, como

reivindicado pela burguesia153. O Estado deveria ser mínimo, para que não

destruísse os direitos fundamentais então reconhecidos.

O rol dos direitos fundamentais reconhecidos pelas constituições a partir das

declarações do século XVIII, todavia, foi ampliado com o surgimento de novas

necessidades, tendo havido o aumento dos bens considerados merecedores de

tutela154. Com efeito, não obstante a consagração destes direitos, como pertencentes

a todos os homens, constatou-se que estes não eram desfrutados por grande parte da

população não detentora de direitos de propriedade155.

151 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra: Coimbra, 1994, p. 48. 152 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, p. 123. 153 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 79-80. 154 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho, 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, p. 68. 155 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 163-164.

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A desigualdade entre os homens, separando aqueles que tinham condições de

usufruir dos direitos consagrados e entitulados direitos fundamentais, e aqueles que,

face à sua situação econômica eram excluídos do gozo destes direitos foi acirrada a

partir da revolução industrial, com a concentração de pessoas nos centros urbanos,

trabalhando em condições precárias, sem direitos assegurados156. Percebe-se que os

direitos fundamentais antiabsolutistas, que buscavam contrapor o indivíduo ao

Estado, possibilitando a manutenção de esfera de liberdade individual pela garantia

de um não agir do Estado, uma vez ausentes certas condições materiais, não

poderiam ser usufruídos por todos, mas apenas pelo homem burguês.

Em conseqüência, foi reconhecida a necessidade de serem conferidas

condições econômicas como garantia da preservação da dignidade da pessoa

humana. E, não tendo a própria sociedade, face às desigualdades existentes,

condições de oferecer a todos meios materiais para uma vida digna, bem como de

assegurar o pleno gozo dos direitos fundamentais, foi atribuída ao Estado a

responsabilidade pela efetivação destes direitos, sendo-lhe conferida a obrigação de

oferecer certas prestações aos cidadãos, principalmente os que se encontram em

situação econômica desfavorecida, passando o Estado a intervir na economia,

passando a se configurar como um Estado Social ou Welfare State157.

Surge uma nova geração ou dimensão de direitos humanos, relacionada aos

direitos sociais, abrangendo o direito ao trabalho e os decorrentes do vínculo

trabalhista, e o direito ao recebimento de prestações estatais de índole normativa e

material158, especialmente em havendo na carência de recursos, e impossibilidade de

conquistá-los pelo trabalho.

156 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 81. 157 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 91. 158 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais na Constituição de 1998, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 30, abr./jun. 1999, p. 103.

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Tais direitos, conhecidos como direitos de segunda geração, passam a ser

reivindicados a partir da constatação de que a consagração formal da igualdade não

gerava a garantia de seu efetivo gozo159. Passou-se, então, a se reivindicar o direito

de participar do bem-estar social, invocando-se a responsabilidade do Estado de

garantir a todos a igualdade, buscando-se a liberdade por meio do Estado.

Acerca destes direitos, afirma Paulo Bonavides:

Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira

geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e

econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social,

depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste

século. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se

podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser

que os ampara e estimula.160 (grifo nosso)

Ao contrário dos direitos de primeira geração, que partem do pressuposto de

que todos são iguais, para a concessão dos direitos sociais ou de segunda geração

são reconhecidas e consideradas exatamente as diferenças, partindo-se do

pressuposto de que os homens encontram-se em situação desigual, sendo que estas

desigualdades devem ser consideradas na atribuição de direitos sociais.161 Não mais

se fala em liberdade perante o Estado, mas por intermédio do Estado, que deve

assegurar ao indivíduo o direito de participar do bem-estar social162.

Conferem-se ao cidadão poderes contra o Estado, de invocar determinadas

prestações que lhe assegurem o gozo dos direitos fundamentais. Por outro lado,

também o poder do Estado resta ampliado, face ao aumento de suas funções.

159 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 49. 160 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 518. 161 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, p. 71. 162 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 49.

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Por esta razão, afirma Bobbio que estes direitos sociais, apesar de

concederem poderes aos indivíduos de exigir do Estado uma prestação, diminuem

sua liberdade, razão pela qual afirma que "as sociedades reais, que temos diante de

nós, são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na medida em que

menos livres."163

Assim, os direitos sociais implicariam em redução destes direitos de primeira

geração, por ocasionarem restrição da liberdade. Nesse sentido, ao se assegurar o

direito à moradia, delimita-se o direito à propriedade. Da mesma forma, ao se

reconhecer o direito à seguridade social, limita-se a liberdade das empresas, ao se

estabelecer a obrigatoriedade das contribuições patronais. Há, portanto, necessidade

de se promover uma ponderação de valores, em caso de conflitos164, de modo a

evitar que um dos direitos aniquile o outro.

Ainda que promovendo esta relativização dos direitos de primeira geração,

faz-se importante destacar a importância dos direitos de segunda geração,

caracterizados como sendo direitos sociais, econômicos e culturais165, como

instrumentos para a implementação dos direitos de primeira geração, principalmente

para as pessoas carentes de recursos, atribuindo-se ao Estado, como função básica, a

garantia dos meios materiais necessários166.

Dessa forma, os direitos de segunda geração representam um princípio de

justiça social, possibilitando o gozo dos direitos fundamentais pelas classes menos

favorecidas. Têm, como observa Canotilho, função de não discriminação,

assegurando que o Estado trate seus cidadãos como fundamentalmente iguais.167

163BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, p. 26. 164 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 172. 165 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 289-290. 166 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais na Constituição de 1998, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 30, abr./jun. 1999, p. 102. 167 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 385.

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Pretende-se, com sua consagração, minimizar as carências dos menos

favorecidos, conferindo-lhes condições de uma justa igualdade de oportunidades,

como forma de efetivação dos direitos fundamentais até então reconhecidos: vida,

liberdade, igualdade e propriedade.

Representam um meio para a obtenção da igualdade material e não formal,

por intermédio de prestações estatais, que deveriam compensar as desigualdades

sociais. O Estado assume, portanto, sua responsabilidade como compensador e

implementador das condições materiais indispensáveis ao exercício da dignidade da

pessoa humana168.

Pressupõem um tratamento preferencial para as pessoas que, em virtude de

condições econômicas, físicas ou sociais, não podem desfrutar dos direitos

fundamentais, cabendo ao Estado a criação de condições materiais para tanto.

Reconhecidos, dessa forma, estes direitos, resta ampliado o núcleo essencial

da Constituição, que passa a contemplar essa nova geração de direitos fundamentais.

Ressalte-se que este núcleo essencial, constituído pelos direitos fundamentais

não é estático, antes, com a evolução histórica e o surgimento de novas

necessidades, vem sendo ampliado cada vez mais, como expressamente determina,

no ordenamento jurídico brasileiro, o art. 5º, § 2º, da CF/88.

Assim, utilizando-se do critério de Rawls para o estabelecimento de regras

dentro de um critério razoável de justiça, ou seja, a submissão de todos a um véu de

ignorância para possibilitar o acordo inicial sobre as normas que vão reger a

sociedade169, pode-se concluir que os direitos fundamentais do homem certamente

seriam eleitos como essenciais, por viabilizarem a vida e a dignidade da pessoa

humana.

168 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 520-521. 169 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 19.

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Da mesma forma, se constituem os direitos fundamentais de primeira

geração, conforme a doutrina jusnaturalista, limite ao poder originário, com maior

razão limitam o poder constituinte derivado. Sua consagração confere legitimidade à

constituição, ou adequação aos valores e aspirações do povo com a adoção de regras

materialmente justas.

No que se refere aos direitos de segunda geração, embora não se possa

deduzir a existência de um direito inato à solidariedade, com a utilização dos

mesmos fundamentos invocados para justificar o caráter irrenunciável e

imprescritível dos direitos de primeira geração, pode-se concluir que tais direitos

seriam eleitos como regras necessárias ao pacto inicial, como forma de possibilitar a

plena realização dos direitos de liberdade, ainda que concretizadas situações

individuais desfavoráveis. Ademais, somente com a garantia de determinados

direitos sociais será possível assegurar o gozo dos direitos ditos de primeira geração.

Não é pacífica, contudo, a caracterização dos direitos sociais como direitos

fundamentais. Afirma Ricardo Lobo Torres que os direitos sociais estremam-se da

problemática dos direitos fundamentais, porque necessitam de concessão do

legislador para sua concretização. Assim, registra que os mínimos sociais se situam

no campo da liberdade e dos direitos fundamentais, sendo que o máximo social

integra a idéia de justiça e de direitos sociais, que podem ser maximizados até o

ponto em que não prejudiquem a saúde das finanças públicas. Os mínimos sociais,

afirma, retiram algumas das características essenciais dos direitos fundamentais, que

são a igualdade e a universalidade.170

Afirma, ainda, o autor que o mínimo existencial é direito subjetivo protegido

negativamente contra a intervenção do Estado e positivamente pelas prestações

estatais. Este status negativo do mínimo existencial manifesta-se no campo

tributário pelas imunidades, limitando o poder de imposição do Estado, vedando a

170 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 154-162.

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invasão da "esfera da liberdade mínima do cidadão representada pelo direito à

subsistência". Assim sendo, a imunidade concedida às entidades filantrópicas que

prestam assistência social ou serviços de educação a pessoas pobres se configura em

proteção do mínimo existencial.171

Da mesma forma, Ingo Wolfgang Sarlet ensina que o princípio da dignidade

da pessoa humana deve ser usado como "função demarcatória, podendo servir de

parâmetro para avaliar qual o padrão mínimo em direitos sociais (mesmo como

direitos subjetivos individuais) a ser reconhecido".172

Verifica-se, portanto, que a consagração dos direitos de segunda geração tem

repercussão na configuração do modelo de Estado173 tendo em vista que, a partir da

idéia de que cada homem deve possuir condições de sobreviver com dignidade, e,

ausentes estas condições, deve interferir o Estado a fim de garantir, por meio de

prestações positivas, a manutenção do estado de liberdade, impõe-se a este uma

configuração de Estado Social, implementador dos direitos de segunda geração. Em

conseqüência, a consagração destes direitos tem repercussão no âmbito tributário,

uma vez que, ampliadas as funções do Estado, este passa a necessitar de mais

recursos econômicos para possibilitar sua atuação, necessitando, ainda, do auxílio

direto da sociedade.

171 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 164-173. 172 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 30, abr./jun. 1999, p. 120.

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3.4. Imunidade como decorrência de direitos fundamentais

Considerando as finalidades a serem atingidas com a instituição da

imunidade, esta vem sendo considerada como forma de concretização dos direitos

humanos fundamentais.

Afirma Ricardo Lobo Torres que os juristas brasileiros desinteressaram-se da

questão do fundamento ou da justificativa das imunidades, adotando atitude

nitidamente positivista. Foram adotadas, conforme o doutrinador, três posições

básicas, a saber:

a) transformaram os valores em consideração de ordem extrajurídica, no

que coincidiram com certas explicações positivistas da doutrina estrangeira;

b) ou cuidaram apenas de indicar algumas conveniências sociais ou cálculos

utilitaristas para a intributabilidade; c) ou recorreram a princípios éticos e

jurídicos - ora a liberdade de crença ou de expressão, ora a capacidade

contributiva - como objetivos constitucionais preservados pela

autolimitação do poder fiscal ditada pela vontade do constituinte ou pelo

condicionamento histórico do ordenamento jurídico, e não como valores

fundantes da própria imunidade.174

Ricardo Lobo Torres ensina que a imunidade, no período compreendido entre

o século XIII e o século XIX era forma de limitação do poder da realeza,

impossibilitando a incidência tributária em relação ao senhorio e a Igreja, atendendo,

portanto, à liberdade estamental existente.175 Aponta, contudo, que após as

revoluções do século XVIII, consolidado o Estado Fiscal, como configuração do

Estado de Direito, a imunidade passou a ser concebida como limitação do poder

173 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 515. 174 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 63-64. 175 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 40.

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tributário do Estado pelos direitos preexistentes do indivíduo. Nesse sentido, afirma

o autor:

Com as grandes revoluções do século XVIII consolida-se o Estado Fiscal,

configuração específica do Estado de Direito, e se transforma radicalmente

o conceito de imunidade tributária. Deixar de ser forma de limitação do

poder do Rei pela Igreja e pela nobreza para se transformar em limitação do

poder tributário do Estado pelos direitos preexistentes do indivíduo.176

Ressalta, contudo, que com a onda positivista perdeu-se a ligação essencial

entre direitos humanos e imunidades, passando-se a adotar a idéia de que as

imunidades eram consagradas pela Constituição, numa autolimitação governamental

do poder de tributar177 Advoga-se, portanto, a tese do poder ilimitado de tributar e

sua limitação no texto constitucional.

Afirma, todavia, que a imunidade deve ser compreendida como limitação

absoluta ao poder de tributar pelas liberdades preexistentes. Assim, define

imunidade:

A imunidade é, portanto, intributabilidade, impossibilidade de o Estado

criar tributos sobre o exercício dos direitos da liberdade, incompetência

absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à

manifestação da liberdade, não-incidência ditada pelos direitos humanos e

absolutos anteriores ao pacto constitucional.178

A principal conseqüência do entendimento da vinculação da imunidade à

concretização de direitos fundamentais consiste na concepção de que não é

propriamente a Constituição que vai delimitar o exercício do poder de tributar, mas

sim os direitos fundamentais, preexistentes ao Estado.

Nesse sentido, pronuncia-se Edison Carlos Fernandes:

176 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 41. 177 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 44. 178 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 51.

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Conclusão: a imunidade traz ao texto constitucional,

expressamente, os direitos humanos pré-estatais e, em conseqüência, pré-

jurídicos. Sendo assim, somente poderá ser alterada se rompida essa ordem

constitucional e inaugurada outra, sob a égide de nova Constituição. O

legislador constituinte derivado não tem essa permissão; ao contrário, é

proibido, de alterar as garantias e os direitos inscritos pelo legislador

constituinte originário.179

Registre-se que o STF, na ADIN nº 939-7/DF180, já se manifestou no sentido

de que as imunidades seriam forma de defesa de princípios essenciais ao Estado

brasileiro ou de direitos fundamentais, de forma que estariam incluídos entre os

dispositivos constitucionais protegidos de qualquer alteração constitucional, face ao

disposto no art. 60, § 4º da CF/88.

Registra Ricardo Lobo Torres que o fundamento precípuo da imunidade é a

liberdade, sendo que uma das condições de sua preservação consiste na proteção do

mínimo existencial, ou seja, que "há um direito às condições mínimas de existência

humana digna que não pode ser objeto da intervenção do Estado, sequer na via

fiscal, e que ainda exige prestações estatais positivas".181 Dessa forma, este mínimo

existencial seria considerado direito fundamental, porque, sem que este seja

garantido, desaparecem as condições de liberdade.

Embora se possa afirmar, efetivamente, que as imunidades decorrem, em

regra, da necessidade de concretização de direitos fundamentais, não se pode deixar

de considerá-las como uma delimitação da competência tributária, representando

parte da norma jurídica de estrutura, que define o poder de tributar.

A impossibilidade de se tributar certas pessoas pode ser extraída não só das

regras expressas acerca da limitação do poder de tributar. Para a apuração de seu

179 FERNANDES, Edison Carlos. Imunidade Tributária, in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 562. 180 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 939-7/DF, Relator Ministro Sydney Sanches, publicada no DJ de 18/03/94. 181 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 67.

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significado e extensão, com a elaboração da norma jurídica definidora da

competência tributária, faz-se necessário, como acima afirmado, proceder-se à

conjugação de mais de uma regra e de princípios constitucionais. Os princípios que

estabelecem limitações ao poder de tributar, elencados no art. 150 da CF/88 são

reconhecidos como direitos fundamentais, auxiliando na definição das normas de

estrutura instituidoras do poder de tributar182. Além desses princípios vinculados

diretamente à competência tributária, os demais direitos fundamentais contemplados

pela Constituição Federal também podem ser invocados para a composição da

norma de estrutura relacionada à competência para tributar.

Não obstante, não se pode olvidar que a exclusão de certos fatos ocasiona a

impossibilidade de tributar, a delimitação de competência, ainda que se refira a

situações não relacionadas a direitos humanos fundamentais, como é o caso da

vedação constitucional relacionada à incidência de ICMS sobre operações que

destinem produtos industrializados ao exterior, excluídos os semi-elaborados,

definidos em lei complementar, conforme art. 155, X, "a", da CF/88.

Verifica-se, portanto, que algumas imunidades contempladas na Constituição

Federal objetivam resguardar direitos humanos. É o caso da imunidade recíproca

concedida aos entes federativos, como forma de limitação de poder. Da mesma

forma, a imunidade concedida às entidades de educação e assistência social. Estas,

como protegem direitos consagrados como fundamentais, não poderão ser objeto de

emenda constitucional, como se depreende do art. 60, § 4º, da CF.

Já outras imunidades (como a do ICMS sobre operações que destinem

produtos industrializados ao exterior), que não resguardam direitos fundamentais

poderão ser objeto de alteração por emenda, por não estarem protegidas como

cláusulas pétreas. Mas, por não visarem a preservação de direitos fundamentais, não

182 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito Tributário Brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 180.

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perdem a configuração de imunidade, como norma de estrutura definidora dos

limites ao poder de tributar.

3.5. Imunidade e igualdade

A imunidade das entidades beneficentes configura-se como instrumento de

proteção ao mínimo existencial183, como uma forma de viabilizar a implementação

dos direitos sociais, garantindo o padrão mínimo de dignidade da pessoa humana.

Não obstante, a Constituição a condiciona à observância de determinados

requisitos legais, tendo em vista que as entidades de assistência social devem,

efetivamente, exercer atividades relevantes para a sociedade, a fim de que se

justifique o tratamento mais benéfico em relação aos demais contribuintes.

A concessão de uma imunidade subordinada ao preenchimento de requisitos

legais deve-se ao fato de que, embora consagrado entre os direitos fundamentais o

direito a prestações que garantam o mínimo existencial, deve-se considerar que a

igualdade não pode ser sacrificada, não podendo haver tratamento desigual para

aqueles que se encontram em situação equivalente, inclusive no âmbito tributário.

Lutas houveram para a consagração da condição de igualdade entre os

contribuintes184, podendo-se afirmar que este é um valor atualmente aceito, pela

Constituição Federal e pela própria sociedade, devendo as normas jurídicas, para

serem consideradas justas, adequarem-se à exigência de tratamento igualitário.

Assim, para se justificar um tratamento diferenciado, faz-se necessário que,

da análise e ponderação da situação fática e dos valores envolvidos, seja constatada 183 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 253. 184 NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 75.

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a existência de alguma característica que deva ser considerada e que justifique a

diferenciação.

A regra, contudo, é que o valor igualdade deve orientar a imposição de

tributos, a fim de se configurar a justiça na distribuição dos ônus decorrentes da

tributação.

Para se definir se uma regra é justa, certamente será necessária a definição

preliminar do que se deve entender por justiça.

A justiça reflete os valores adotados em uma sociedade. Assim, um

tratamento diferenciado a uma determinada classe pode ser justificado em

decorrência da concepção do justo adotada face aos valores aceitos.

Considerando as alterações de valores, verifica-se que a concepção de justiça

pode ser diferente em cada época. Está vinculada à legitimação de concessão de

tratamento igual ou não aos seres humanos. Atualmente, pode-se considerar que a

concepção de justiça está vinculada exatamente à necessidade de se promover a

igualdade, como bem relata Dennis Loyd:

As concepções de justiça podem variar de época para época. Isso é

suficientemente ilustrado pelo fato de que, para os gregos, justiça

consubstanciava essencialmente a idéia de desigualdade, uma vez que a

própria ausência de igualdade natural entre seres humanos (assim como

entre objetos físicos) exigia tratamento diferente, enquanto em tempos

modernos podemos arriscar a opinião de que a igualdade é considerada

a própria essência da justiça. Com efeito, a obtenção da igualdade, não a

preservação da desigualdade, é o que a filosofia moral e a filosofia do

direito modernas tratam como função vital da justiça.185 (grifo nosso)

Chaim Perelman também vincula a idéia de justiça à igualdade, nos seguintes

termos:

A noção de justiça sugere a todos, inevitavelmente, a idéia de certa

igualdade. Desde Platão e Aristóteles, passando por Santo Tomás, até os

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juristas, moralistas e filósofos contemporâneos, todos estão de acordo sobre

este ponto. A idéia de justiça consiste numa certa aplicação da idéia de

igualdade. O essencial é definir essa aplicação de tal forma que, mesmo

constituindo o elemento comum das diversas concepções de justiça, ela

possibilite as suas divergências. Isto só é possível se a definição de justiça

contém um elemento indeterminado, uma variável, cujas diversas

determinações ensejarão as mais diversas fórmulas de justiça.186

O autor estabelece, ainda, que a justiça formal consiste num " princípio de

ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados

da mesma forma."187 Restam, todavia, dúvidas sobre o que se deve entender como

característica essencial, que possibilitaria o tratamento diferenciado. Assim, o autor

aponta seis sentidos possíveis da noção de justiça, representados pelas seguintes

fórmulas:

1. A cada qual a mesma coisa.

2. A cada qual segundo seus méritos.

3. A cada qual segundo suas obras.

4. A cada qual segundo suas necessidades.

5. A cada qual segundo sua posição.

6. A cada qual segundo a lei lhe atribui.188

A primeira destas fórmulas - a cada qual a mesma coisa - não leva em

consideração as diferenças ou particularidades que distinguem os seres humanos. Já

a última fórmula apresentada - a cada qual segundo o que a lei lhe atribui -

representa a concepção positivista de que, havendo previsão legal, o critério

legalmente estabelecido deve ser considerado como justo.

185 LLOYD, Dennis. A idéia de Lei, tradução de Álvaro Cabral, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 141. 186 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito, tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 14. 187 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito, tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 19. 188PERELMAN, Chaim. Ética e Direito, tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 9.

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As demais fórmulas sugerem outros critérios que possam viabilizar a

obtenção do conceito de justiça, referindo-se à existência de alguma característica de

diferenciação, seja quanto à posição social, consagrando-se, neste caso, uma fórmula

aristocrática da justiça, seja quanto às obras e ao mérito, valorizando-se o resultado

da ação. A distinção pode, ainda, tomar como parâmetro as necessidades de cada

um, com o objetivo de diminuir as diferenças sociais.

Mas, quais os critérios deverão ser observados para a elaboração de um

direito positivo que atenda às regras da justiça? Deve-se considerar,

preliminarmente, para a atribuição de direitos e deveres, quais características devem

ser tidas como essenciais, a fim de possibilitar um tratamento diferenciado. Tais

critérios devem ser buscados no sistema de valores predominante na sociedade,

apontando-se qual a fórmula de justiça, dentre as acima mencionadas, prevalecerá na

situação concreta.

A respeito da influência dos valores sobre os critérios de justiça, afirma

Dennis Lloyd:

Portanto, não é suficiente para um sistema legal aceitar os atributos formais

da justiça, mesmo quando temperados por um espírito de equidade. Pois,

além disso, a lei necessita possuir um conteúdo justo, e isto só pode

significar que suas normas reais devem elas mesmas, por seus

dispositivos, aspirar a - e esforçar-se por - obedecer a alguns critérios

de retidão que assentem em valores exteriores à própria justiça, no

sentido de que nenhuma idéia meramente formal de justiça pode ditar-nos a

base para optarmos por um conjunto de valores em vez de outro.189 (grifo

nosso)

Os valores variam de acordo com a época, podendo ser alterados no decorrer

da história, alterando-se, em conseqüência, a concepção de justiça de uma

determinada sociedade. Estes valores não são fixados aleatoriamente, cabendo citar,

mais uma vez, o entendimento de Dennis Loyd:

189 LLOYD, Dennis. A idéia de Lei, tradução de Álvaro Cabral, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 159.

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Que valores desejamos afirmar não é uma questão de necessidade

lógica, mas de escolha. Isso não subentende, é claro, que a nossa escolha é

absolutamente livre, uma vez que, em primeiro lugar, ela será

profundamente condicionada por nossa história e tradições, assim como

pelo nosso meio social e econômico.190 (grifo nosso)

A forma da tributação, com a divisão de ônus entre os membros da sociedade,

deve refletir princípios de justiça, de acordo com os valores socialmente aceitos num

determinado período histórico.

No período absolutista, a tributação era fixada arbitrariamente, estando

excluídos do pagamento de tributos os nobres e os membros do clero191. Estes, além

de não contribuírem em virtude de origem social ou de atividade desempenhada, se

beneficiavam dos recursos obtidos com a tributação. Ademais, o terceiro estado,

responsável pelo financiamento do Estado monárquico, não tinha influência no

estabelecimento dos fatos geradores e alíquotas dos tributos.

Este tratamento desigual se constituiu em um dos motivos determinantes para

a eclosão da Revolução Francesa192, que consagrou o princípio da igualdade,

proclamando a necessidade de uma contribuição comum, repartida entre os cidadãos

de acordo com suas possibilidades.

Pode-se considerar que a igualdade é hoje valor proeminente, que pode ser

extraído das aspirações de cada um de não ser tratado de forma mais onerosa do que

aqueles que se encontram na mesma situação, sendo mister não se fazer distinções

arbitrárias, como ensina John Rawls:

Desse modo, os que defendem outras concepções de justiça podem ainda

assim concordar que as instituições são justas quando não se fazem

distinções arbitrárias entre pessoas na atribuição de direitos e deveres

190 LLOYD, Dennis. A idéia de Lei, tradução de Álvaro Cabral, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 146. 191 NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 75. 192 NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 72.

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básicos e quando as regras determinam um equilíbrio adequado entre

reivindicações concorrentes das vantagens na vida social.193 (grifo nosso)

No mesmo sentido, ensina Marciano Seabra de Godoy, que, para se aferir se

uma regra é justa, deve-se verificar se a discriminação é razoável, ou se é

arbitrária.194

Deve ser, portanto, excluída a consagração de privilégios, com a aplicação

dos mesmos princípios e critérios a todos os membros da sociedade que estejam na

mesma situação. Para tanto, deve-se distribuir igualmente o peso dos tributos, de

acordo com a capacidade contributiva, a fim de que seja mesurada a quota

individual, para que uns não sejam prejudicados face aos demais.

Além de não ser justa a fixação de discriminações arbitrárias, deve-se

considerar que a exigência de contribuição de cada pessoa física ou jurídica e a

certeza de sua cobrança consistem em estímulo a que cada um conceda sua parcela

para o financiamento do Estado. Assim, fatores de discriminação injustificados

podem servir como causa de liberação moral do compromisso de financiamento do

Estado em relação àqueles aos quais foi imputada a carga tributária, tendo em vista a

liberação legal de outras pessoas físicas ou jurídicas com a mesma capacidade

contributiva.

A propósito, afirma John Rawls:

Quando o público é grande e inclui muitos indivíduos, existe a tentação de

que cada pessoa tente se eximir de fazer a sua parte (...). Portanto, nesse

caso extremo, não se pode esperar que aconteçam mecanismos de troca e

acordos voluntários.

Decorre que o fornecimento e o financiamento dos bens

públicos deve ficar a cargo do Estado, e alguma regra imperativa que

exija o pagamento deve ser imposta. Mesmo se todos os cidadãos

estivessem dispostos a pagar o que lhes cabe, supõe-se que eles só o 193 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 6.

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fariam se tivessem a certeza de que os outros também pagarão a sua

quota.195 (grifo nosso)

Assim, ao se promover a tributação faz-se necessária a observância da regra

que determina que todos ofereçam contribuições, na medida de sua capacidade.

Cita-se, nesse sentido, as considerações de Alberto Nogueira acerca do

princípio da igualdade e da participação popular na instituição de tributos, como

condição de reconstrução dos direitos humanos no que se refere aos efeitos da

tributação:

O primeiro caminho para a reconstrução dos Direitos Humanos da

Tributação é o da efetiva, direta e ativa participação de todos os segmentos

da sociedade na elaboração, fiscalização e controle das regras tributárias. A

idéia básica é a de eliminar os excessos e injustiça da carga tributária,

de forma a torná-la equânime e efetiva, em harmonia com os

princípios da justiça e racionalidade. No contraponto, todos, dentro de

suas reais possibilidades, devem pagar, pelo que nesse sistema não há

lugar para sonegadores de impostos.196 (grifo nosso)

Não obstante a consagração do princípio da igualdade e do dever de

contribuir conforme a capacidade contributiva, as constituições ou mesmo as leis

retiram do campo de incidência dos tributos determinados fatos ou determinados

contribuintes. É o que ocorre no âmbito da Constituição brasileira de 1988, que veda

a cobrança de impostos e de contribuições sociais sobre as atividades exercidas pelas

entidades de assistência social.

Surgem, então, questionamentos acerca da concessão deste benefício,

podendo-se indagar se tal discriminação é justa e se reflete os valores socialmente

aceitos pela sociedade brasileira.

194 GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário, São Paulo: Dialética, 1999, p. 147. 195 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 295. 196 NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 411.

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Conforme Misabel Abreu Machado Derzi, não haveria que se invocar o

cumprimento dos princípios da legalidade, irretroatividade, anterioridade, vedação

do confisco, igualdade, para a instituição da imunidade, tendo em vista que esta

representa delimitação da competência tributária.197

Não obstante, embora não se possa invocar tais princípios para excluir a

observância da regra da imunidade, cabe considerar que a ausência de justificativa

para a manutenção da regra e a eventual violação dos valores sociais poderia ensejar

a possibilidade de se promover a sua exclusão do texto constitucional198.

Pode-se inferir, em relação à imunidade das entidades beneficentes, que o

tratamento diferenciado se justificaria segundo a concepção de justiça que prevê a

adoção da fórmula "a cada um segundo suas obras"199, de forma que o benefício se

legitimará em virtude da prestação de relevantes serviços à sociedade, como se verá

a seguir.

Considerando-se, portanto, que a igualdade é um direito fundamental, e um

valor consagrado pela sociedade, tem-se que somente será justa a concessão da

imunidade a entidades que efetivamente colaborem na efetivação dos mínimos

sociais.

197 DERZI, Misabel Abreu Machado - atualização da obra de Aliomar Baleeiro, Direito Tributário, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 119. 198 LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição, prefácio de Aurélio Wander Bastos, 2ª ed., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1998, p. 48. 199 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito, tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 10.

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3.6. A relevância das atividades das entidades de assistência social

A fim de se verificar o fundamento da imunidade concedida às entidades de

assistência social, deve-se registrar que a partir do século XX200, desenvolveu-se o

modelo de Estado conhecido como o Estado do Bem Estar Social, que assume

compromisso com a efetivação dos direitos sociais, assistindo especialmente os

menos favorecidos, a fim de possibilitar a concretização da igualdade material.

Afirma Dennis Loyd sobre o Estado Social:

(...) pois a história do século XIX e o desenvolvimento do moderno Estado

do Bem-Estar forneceram impressionante prova da pressão eficaz da

opinião pública em favor da reforma da lei, boa parte dela inspirada pelo

critério de maximização da felicidade humana (...)201 (grifo nosso)

Mais adiante, aduz o citado autor:

A necessidade de proteger todos e cada um não apenas contra a pobreza

angustiante , mas também na fruição de um razoável padrão de vida, no

emprego ou fora dele, estabeleceu-se gradualmente como um dos valores

supremos do Estado moderno. Na Inglaterra, por exemplo, foi implantado

um sistema elaborado de seguro nacional, o qual - apesar de todos os seus

defeitos e deficiências - tenta fornecer, de qualquer modo, uma cobertura

abrangente contra os riscos de desemprego e de incapacidade física

prolongada durante o emprego de uma pessoa, bem como a concessão de

pensões depois da aposentadoria.202 (grifo nosso)

Assim, com a adoção do modelo de Estado Social, deve-se considerar que

certos valores são contemplados atualmente e tidos como válidos, devendo ser

consagrados pelo sistema positivo.

200 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 91. 201 LLOYD, Dennis. A idéia de Lei, tradução de Álvaro Cabral, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 119. 202 LLOYD, Dennis. A idéia de Lei, tradução de Álvaro Cabral, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 181.

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Ainda que se faça hoje apologia ao modelo de Estado neoliberal203, é certo

que ao Estado brasileiro cabe a realização de atividades sociais e assistenciais por

força da própria Constituição Federal de 1988, que consagra valores aceitos pela

sociedade, como a igualdade. A igualdade implica na necessidade de serem

praticados uma série de atos que possibilitem sua materialização, demandando

investimento de recursos econômicos para a redução das desigualdades existentes.

Os recursos que o Estado dispende para a concretização da igualdade material

advêm da tributação, de forma que devem ser valorizados os atos que impliquem em

auxílio aos fins estatais, com redução do montante de recursos necessários à sua

implementação.

Nesse sentido, a dispensa do recolhimento de tributos para as entidades de

assistência social pode ser considerada como justa se se considerar que os recursos

arrecadados com a tributação são empregados no fornecimento de bens públicos,

com a prestação de serviços de saúde, educação e assistência.

Sobre a divisão da carga tributária, cita-se a lição de John Rawls:

A segunda parte do setor de distribuição é um sistema de tributação que tem

o intuito de arrecadar a receita exigida pela justiça. O governo deve receber

uma parte dos recursos da sociedade, para que este possa fornecer os bens

públicos e fazer os pagamentos de transferências necessários para que o

princípio da diferença seja satisfeito. Esse problema pertence ao setor de

distribuição, já que a carga tributária deve ser partilhada de forma

justa.204 (grifo nosso)

Como já mencionado, a concessão de imunidade às entidades de assistência e

de educação pode ser considerado como justa face à adoção do critério "a cada um

segundo suas obras"205. Se estas entidades já atuam na consecução dos fins estatais,

203 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 103. 204RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 307. 205 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito, tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 10.

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torna-se legítima a diferenciação face aos encargos que lhes são atribuídos em seus

estatutos sociais.

Torna-se justo, em conseqüência, que não tenham o mesmo tratamento das

demais pessoas jurídicas com fins lucrativos.

A Constituição, a fim de conferir legitimidade a esta imunidade, condiciona-a

à observância dos requisitos previstos em lei. Tais requisitos têm a função de evitar

que a imunidade se transforme em uma regra injusta, instituindo um privilégio por

tratar desigualmente pessoas jurídicas com as mesmas características, todas atuando

com objetivo de auferir lucros para seus sócios.

Neste caso, ainda que desenvolvendo, por exemplo, atividade relacionada à

saúde, que é atividade lucrativa, e caso o lucro, e não a assistência aos menos

favorecidos, fosse o objetivo da sociedade, seria necessário que lhes fossem

atribuídos, como corolário da igualdade e da justiça, os mesmos ônus suportados

pelas demais pessoas jurídicas.

Se a todos cabe fornecer sua prestação, deve-se considerar que, se não foi

efetuada a contribuição mediante a prestação de serviços assistenciais, propiciando a

redução dos encargos necessários à consecução das finalidades estatais, não há

fundamento que coadune com o princípio da igualdade para justificar a sua exclusão

do campo da tributação. As atividades desenvolvidas são, dessa forma, uma espécie

de contribuição prestada à sociedade, para a qual devem reverter todos os recursos

oriundos da tributação.

Infere-se, assim, que a imunidade concedida às entidades de assistência

social, além de ter validade jurídica por ser consagrada pela norma maior do

ordenamento jurídico brasileiro, tem, ainda, legitimação segundo os critérios da

justiça, não violando o princípio da igualdade, mas antes, viabilizando a sua

concretização, desde que estas entidades atuem visando suprir as necessidades dos

menos favorecidos, sem objetivo de auferir lucros, devendo os resultados positivos

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serem reinvestidos na própria entidade. Extrai-se, daí, a importância da legislação

infraconstitucional à qual cabe estabelecer os requisitos para o gozo da imunidade,

devendo cuidar para que a regra constitucional não se transforme em um privilégio,

violando o princípio da igualdade.

E, por ser um instrumento consagrado pela Constituição Federal para a

implementação dos direitos fundamentais de segunda geração, está a imunidade das

entidades beneficentes a salvo de alteração em virtude de reforma constitucional.

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SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO QUARTO

AS ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO

CONTEXTO DO TERCEIRO SETOR

Sumário: 4.1.Direitos sociais e Estado provedor. 4.2.

Princípios e normas programáticas na CF/88 e a reserva do

possível. 4.3. O papel do terceiro setor. 4.4. Incentivos ao

terceiro setor.

4.1. Direitos sociais e Estado provedor

Como visto no capítulo anterior, os direitos fundamentais passaram a ser

contemplados nos textos constitucionais, sendo a sua preservação e efetivação

erigida a obrigação fundamental do Estado206. São, portanto, considerados objetivos

a serem alcançados no âmbito do Estado.

Ainda que não seja pacífica a configuração dos direitos sociais como direitos

fundamentais207, deve-se considerar que estes são meios para a obtenção dos direitos

de primeira geração ou dimensão.

Ademais, conforme as regras estabelecidas pelo poder constituinte, o Estado

poderá adotar diversas formas, conforme os direitos que são reconhecidos e as metas

a serem perseguidas208.

206 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais na Constituição de 1998, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 30, abr./jun. 1999, p. 102.

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Reconhecida a função do Estado de promover a igualdade de fato, há a

evolução do Estado Liberal para o moderno Estado de Direito - Estado Social e

Democrático209. É atribuída ao Estado a responsabilidade para agir e para legislar no

sentido de promover a compensação das desigualdades, fornecendo prestações aos

que delas necessitam.

Enquanto os direitos de liberdade nascem para defender o indivíduo contra o

poder do Estado, os direitos sociais exigem o contrário, a ação do Estado, requerem

sua intervenção ativa210, de onde advém a necessidade de leis que reconheçam as

diferenças entre os cidadãos e que estabeleçam meios para minimizá-las, como

forma de implementar a igualdade material e não formal. Reconhece-se que o

Estado existe em função do homem, e não o contrário, devendo, em conseqüência,

atuar em seu benefício211.

Além da elaboração de leis, atribui-se ao Estado o dever de fornecer

prestações aos cidadãos212, surgindo a necessidade de organização dos serviços

públicos, e obtenção de recursos econômicos a serem investidos em prestações, uma

vez conferida ao Estado a tarefa fundamental de efetivar os direitos econômicos,

sociais e culturais.

Esta atribuição de tarefas, decorrente da função de promover o bem-estar das

classes menos favorecidas, pela correção das desigualdades na distribuição da

riqueza e eliminação das diferenças, dão novo perfil ao Estado, que adota a feição de

um Estado Social. Neste modelo, busca-se, sem excluir as conquistas obtidas com o

207TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 68. 208 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 515. 209 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 91. 210 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 521. 211 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 60. 212 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 385.

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liberalismo, o oferecimento pelo Estado de condições para a plena realização dos

direitos assegurados.

O Estado assume, portanto, compromissos perante a sociedade, como registra

Jorge Miranda:

Como se sabe, as tarefas equivalem a fins do Estado manifestados em certo

tempo histórico, em certa situação político-constitucional, em certo regime,

em certa Constituição em sentido material. Traduzem um determinado

enlace entre o Estado e a sociedade. Implicam um princípio (ou uma

tentativa) de legitimação do exercício do poder.213 (grifo nosso)

Para a consecução de sua finalidade de promover a redução das

desigualdades, é utilizado o sistema fiscal, que possibilita a repartição dos

rendimentos. E, além de ser possível se promover a tributação conforme a

capacidade contributiva, deve, ainda, a atividade financeira do Estado, no que se

refere à destinação de seus recursos, ser orientada no sentido da implementação da

igualdade entre os cidadãos.

Pode-se verificar que as constituições brasileiras, desde a de 1934, sob a

inspiração da Constituição da República de Weimer214, prevêem os direitos sociais,

adotando-se os compromissos de um Estado Social, comprometido com a

preservação dos direitos de liberdade, mas também com a igualdade material.

A atual Constituição Federal de 1988 consagra em seu texto diversos direitos

sociais. Em seu art. 6º são elencados como direitos sociais a educação, a saúde, o

trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância e a assistência aos desamparados. Ademais, infere-se que a Constituição

Federal de 1988 é uma constituição social215, tendo em vista que estabelece, no art.

3º, entre os objetivos a serem alcançados pelo Estado, a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a 213 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., Coimbra: Coimbra, p. 344. 214 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 288.

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redução das desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos.

Verifica-se, portanto, a adoção do modelo do Estado Social.

4.2. Princípios e normas programáticas na CF/88 e a reserva do possível

A Constituição de 1988, guarda, ainda, as características de uma constituição

dirigente216, estabelecendo em seu texto princípios e normas programáticas, a

conformar a atuação política e o ordenamento jurídico.

Com efeito, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 já enuncia, logo

em seu preâmbulo, valores a serem perseguidos pelo Estado brasileiro,

representados pelo exercício dos direitos sociais e individuais, liberdade, segurança,

bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça.

Se existem, todavia, dificuldades para a efetivação dos direitos de primeira

geração, apesar de solenemente proclamados, estas dificuldades se tornam mais

evidentes em relação aos direitos de segunda geração, ou direitos sociais, que

implicam na necessidade de prestações do Estado ou de conjunturas econômicas

favoráveis217.

Considerando-se que os direitos sociais se caracterizam como essenciais e

plenamente aceitáveis em uma sociedade que adota um critério razoável de justiça,

passa-se a inserir nas constituições determinadas normas que orientam a conduta do

Estado, no sentido de viabilizar a consecução de determinadas metas218, que

215 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 346. 216 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra: Coimbra, 1994, p. 346. 217 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 44-45. 218 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 119.

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culminarão com a implementação dos direitos fundamentais, em especial dos

direitos sociais, que exigem investimentos do Estado para sua concretização.

Estas normas, que pretendem legitimar a atuação política, orientando-a no

sentido de efetivar as condições inseridas na Constituição, recebem a denominação

de normas programáticas, e seu emprego implica na instituição de uma constituição

dirigente, de caráter vinculante para a escolha dos critérios políticos a serem

adotados na condução do Estado, no que se refere aos fins e tarefas a serem

perseguidos. Determina-se, por meio destas normas, a necessidade de

implementação de políticas públicas com vistas a concretizar os direitos sociais.

Tais normas, segundo a definição de José Afonso da Silva, são "normas

constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e

imediatamente determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para

serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e

administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização

dos fins sociais do Estado."219

Bobbio questiona se um "direito", cuja efetivação pode ser adiada sine die,

além de ser confiado à vontade de sujeitos que executarão o programa, seria apenas

uma obrigação moral ou poderia ser chamado realmente de direito.220

Não obstante, as normas programáticas, apesar de representarem a ideologia a

ser seguida pelo Estado e as metas a serem atingidas, não são destituídas de eficácia

jurídica, citando-se, a propósito, mais uma vez os ensinamentos de José Afonso da

Silva acerca de suas conseqüências imediatas:

Em conclusão, as normas programáticas têm eficácia jurídica imediata,

direta e vinculante nos casos seguintes:

I - estabelecem um dever para o legislador ordinário;

219 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 138. 220 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, p. 78.

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II - condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem

inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;

III - informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua

ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos

valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum;

IV - constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e

aplicação das normas jurídicas;

V - condicionam a atividade discricionária da Administração e do

Judiciário;

VI - criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou de desvantagem. 221

Não caberá, de fato, ao legislador e ao administrador, o afastamento das

metas estabelecidas pelas normas programáticas, sendo inválidas perante o

ordenamento jurídico as normas que lhes forem contrárias. Servirão, por outro lado,

como critério para interpretação e integração das normas jurídicas.

A adoção do Estado Social e a inserção de normas programáticas implica na

necessidade de criar mecanismos que tornem os direitos sociais efetivos. As maiores

dificuldades encontradas referem-se à reserva do possível.

Nos casos em que os direitos de segunda geração dependem de prestações do

Estado, sua concessão fica na dependência das condições econômicas, que

representam limite real ao seu oferecimento.

Ressalte-se que, em que pese alguns direitos civis e políticos também

requererem investimentos por parte do Estado, como por exemplo, os investimentos

realizados para garantir o voto direto, é no campo dos direitos sociais,

principalmente aqueles relacionados à saúde, previdência, assistência social e saúde,

que se torna mais evidente e imprescindível, para sua efetivação, que sejam feitos

investimentos vultosos pelo Estado.

221 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 164.

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É preciso, assim, quando da efetivação destes direitos, levar-se em conta os

fatores econômicos, a organização da administração pública. Jorge Miranda adverte

que não se trata de simples hermenêutica, mas de verificação da realidade

circundante. Ademais, registra que, se nem todos os direitos podem ser tornados

plenamente operativos em certo momento, há que se fixar prioridades. 222

Será cabível, portanto, a avaliação dos recursos disponíveis e dos direitos a

efetivar, restando claras as dificuldades, principalmente nos países em

desenvolvimento, em conferir proteção à maioria dos direitos sociais.

Bobbio reconhece as dificuldades quanto às condições de realização dos

direitos fundamentais, manifestando-se nos seguintes termos:

(...) para a realização dos direitos do homem, são freqüentemente

necessárias condições objetivas que não dependem da vontade dos que os

proclamam, nem das boas disposições dos que possuem os meios para

protegê-los. Mesmo o mais liberal dos Estados se encontra na necessidade

de suspender direitos de liberdade em tempo de guerra; do mesmo modo, o

mais socialista dos Estados não terá condições de garantir o direito a

uma retribuição justa em épocas de carestia. Sabe-se que o tremendo

problema diante do qual estão hoje os países em desenvolvimento é o de se

encontrarem em condições econômicas que, apesar dos programas ideais,

não permitem desenvolver a proteção da maioria dos programas sociais.223

(grifo nosso)

Outrossim, face ao princípio da reserva do possível, que pode representar

limite fático à atuação estatal, os tribunais, embora possam invocar os direitos

sociais como forma de interpretar ou integrar lacunas, encontram obstáculos para

viabilizar a fruição de direitos de cunho prestacional. A propósito, cita-se Ingo

Wolfgang Sarlet:

222 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., Coimbra: Coimbra, p. 349. 223 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, p. 44-45.

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Que o Judiciário possa (e deva) viabilizar a fruição dos direitos

fundamentais mediante o preenchimento das lacunas existentes pode ser

aceito em diversas hipóteses e até mesmo como regra geral, o que não

significa a inexistência de limites a esta atividade, que não podem ser

desconsiderados. (...) Com efeito, especialmente no que concerne aos

direitos fundamentais sociais de natureza prestacional, verifica-se que

os limites da reserva do possível, da falta de qualificação (e/ou

legitimação) dos tribunais para a implementação de determinados

programas socioeconômicos, bem como a colisão com outros direitos

fundamentais podem, dentre outros aspectos, exercer uma influência

decisiva. 224 (grifo nosso)

Reconhecendo-se que o princípio da reserva do possível atua como limite

material para a atuação do Estado, cabe discutir, por outro lado, se poderá ou não se

invocar o princípio do não retrocesso social. Para Canotilho, uma vez obtido

determinado grau de realização dos direitos sociais, estes passam a constituir uma

garantia institucional e um direito subjetivo. Se é certo que nada pode ser feito

contra as recessões e crises econômicas, situação de reversibilidade fática, o

princípio do não retrocesso social limitaria a reversibilidade dos direitos adquiridos,

por violar a segurança jurídica. 225 Tal princípio evitaria, por outro lado, que " a

pretexto de não haver 'meios jurídicos', os direitos fundamentais se tornem 'fórmulas

vazias', em virtude de o legislador 'não ter vontade' ou 'ser incapaz' de actualizar' os

direitos económicos, sociais e culturais constitucionalmente garantidos".226

As dificuldades nesta área são grandes, tendo em vista que alguns direitos

sociais são de prestação continuada, como ocorre com a saúde e a educação, e

devem ser entendidos como sendo direito de todos os que necessitem destes

serviços, sem exceção. Existem, por outro lado, direitos tais como o direito à

224 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 244-245. 225 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 326. 226 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra: Coimbra, 1994, p. 377.

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educação e à saúde que não comportam interrupção, trazendo problemas acerca da

forma de atuação na hipótese de ocorrência de graves crises econômicas.

Considerando, no caso do Estado brasileiro, o compromisso assumido no

momento constituinte, estabelecendo-se como objetivos da República Federativa do

Brasil a erradicação da pobreza e a marginalização, redução de desigualdades sociais

e regionais e a consecução do bem de todos, infere-se a necessidade de serem

aplicados recursos na efetivação dos direitos sociais, como garantia da manutenção

da legitimidade do governo, razão pela qual se pode questionar os constantes cortes

feitos quanto aos recursos destinados aos programas sociais, em nome da

estabilidade de planos econômicos. Deve-se reconhecer, contudo, que a efetivação

dos direitos sociais passa pela existência de disponibilidade econômica, exigindo

uma adequada aplicação e controle dos recursos públicos.

Implica, portanto, o princípio da reserva do possível em tensão entre direito e

realidade, ou seja, apesar da previsão de direitos no âmbito da Constituição, para sua

concretização e cumprimento das metas impostas, faz-se necessária a existência de

dotação orçamentária.

Não obstante, a consagração dos direitos e a imposição de metas implica no

dever de utilização dos recursos existentes em cumprimento dos objetivos definidos

na Constituição.

4.3. O papel do terceiro setor

Considerando-se as dificuldades do Estado em obter recursos para concretizar

todos os direitos a prestações, fala-se hoje, no fim do consenso do Estado Social ou

do Welfare State, e na necessidade de se encontrar uma "terceira via", ou seja, um

caminho intermediário entre o Estado liberal, individualista, e o Estado social,

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paternalista, reduzindo as pressões existentes quanto ao fornecimento de prestações

aos indivíduos227.

Passa-se a defender, dessa forma, a teoria do Estado mínimo, entendendo-se

que a solidariedade social deveria ser criada pela própria sociedade, sendo que o

desenvolvimento econômico e o mercado possibilitariam a implementação da justiça

social. Trata-se de um teoria globalizante, acreditando-se que os Estados e o planeta

poderão evoluir se os mercados não sofrerem interferências.228

Tem-se, portanto, um dilema entre a adoção dos fundamentos do Estado

social, com a atuação direta na vida dos governados, mediante o fornecimento de

prestações, ou do neoliberalismo, que dá ênfase no desenvolvimento econômico e

dos mercados, clamando pela flexibilização dos direitos sociais e pela redução da

atuação do Estado.229

Tem sido proposta, como solução, a adoção de uma "terceira via", na qual o

Estado não se liberaria de seus compromissos sociais, mas chamaria a sociedade a

participar ativamente no fornecimento de prestações e concretização da igualdade

material. Convoca-se, portanto, a sociedade para atuar em parceria com o Estado.

Registra Anthony Giddens este papel proeminente atribuído à sociedade civil

dentro desta nova concepção de Estado:

A promoção de uma sociedade civil ativa é uma parte básica da

política da terceira via (...)

Estado e sociedade civil deveriam agir em parceria, cada um para

facilitar a ação do outro, mas também para controlá-la.230

227 GIDDENS, Anthony. A Terceira Via, tradução de Maria Luíza X. de A. Borges, Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 79. 228 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 106. 229 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 107. 230 GIDDENS, Anthony. A Terceira Via, tradução de Maria Luíza X. de A. Borges, Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 88-89.

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Adotando-se a terceira via, o Estado deverá intervir quando a sociedade não

for capaz de apresentar soluções para os problemas sociais, no que se refere ao

fornecimento de prestações. Anthony Giddens observa que este é o sistema adotado

na Alemanha, registrando:

O sistema que Bismarck criou na Alemanha é em geral considerado

a forma clássica do welfare state. Contudo, o welfare state na Alemanha

sempre teve uma complexa rede de grupos e associações do terceiro setor

com que as autoridades contaram para colocar políticas de welfare em

prática. O objetivo é ajudar esses grupos e associações a atingir seus

objetivos sociais. Em áreas como a assistência à infância, grupos do terceiro

setor têm quase o monopólio de fornecimento.231

Assim, convocando-se a sociedade a participar diretamente do sistema de

solidariedade, promove-se a substituição do "Welfare State" pela sociedade do

"welfare", citando-se, mais uma vez, as considerações de Anthony Giddens:

O tema de que o welfare state deveria ser substituído pela

'sociedade de welfare' tornou-se convencional na literatura recente sobre

questões de welfare. As instituições do terceiro setor, onde não estão bem

representadas, deveriam desempenhar um papel maior no fornecimentos de

serviços de welfare. A concessão de benefícios de cima para baixo deveria

ceder lugar a sistemas de distribuição mais localizados. De maneira mais

geral, deveríamos reconhecer que a reconstrução da provisão de welfare

deve ser integrada a programas para o desenvolvimento ativo da sociedade

civil.232

Em síntese, o que se pretende com a terceira via é a convocação da sociedade

para atuar diretamente no sentido de se obter um sistema solidário, de forma a

minimizar as diferenças, como forma de obtenção de uma sociedade justa.

231 GIDDENS, Anthony. A Terceira Via, tradução de Maria Luíza X. de A. Borges, Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 121. 232 GIDDENS, Anthony. A Terceira Via, tradução de Maria Luíza X. de A. Borges, Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 128.

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Considerando a limitação dos recursos existentes, busca o Estado obter, cada

vez mais, a participação ativa da sociedade na implementação dos direitos humanos

de segunda geração, de fundo social e de direitos coletivos e difusos, de onde se

infere a importância de se estimular a participação da sociedade nas áreas de

assistência social.

Assim, ao lado do Estado, denominado primeiro setor, e das instituições

privadas com intuito lucrativo, que recebem a denominação de segundo setor,

forma-se o denominado terceiro setor, composto por organizações privadas, que

atuam sem objetivo de lucro e com finalidades públicas.

José Eduardo Sabo Paes assim define o terceiro setor:

(...) o Terceiro Setor é aquele que não é público e nem privado , no sentido

convencional desses termos; porém, guarda uma relação simbiótica com

ambos, na medida em que ele deriva sua própria identidade da conjugação

entre a metodologia deste com as finalidades daquele. Ou seja, o Terceiro

Setor é composto por organizações de natureza "privada" (sem o objetivo

do lucro) dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos, embora

não seja integrante do governo (Administração Estatal).233

As entidades do terceiro setor, dentre as quais se encontram as entidades

beneficente de assistência social, desempenham a importante tarefa de

complementar a atuação estatal, suprindo as necessidades sociais que o Estado não

tem condições de atender diretamente, seja pela limitação de recursos, seja pela falta

de gerenciamento dos recursos existentes.

Embora tenha o Estado brasileiro assumido a feição de um Estado Social,

atribuindo-se a responsabilidade pela efetivação dos direitos sociais, infere-se do

texto da CF/88 que são concedidos incentivos à participação da sociedade na

implementação destes direitos, em virtude da limitação dos recursos do Estado, e da

233 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social, Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 56.

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importância da cooperação dos particulares. Reconhece-se, ademais, em diversos

dispositivos constitucionais, a necessidade de se obter esta cooperação.

Assim, ao se garantir, no art. 194 da CF/88, o acesso à seguridade social,

declara-se que esta compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos

poderes públicos e da sociedade, abrangendo a saúde, a previdência e a assistência

social.

Outrossim, encontra-se previsto no art. 196 da CF/88, o direito à saúde, que é

um corolário do direito à vida, sendo atribuído ao Estado o dever de garanti-lo

mediante políticas públicas sociais e econômicas, que visem a redução dos riscos da

doença. Proclama-se, todavia, no art. 197, que os serviços de saúde devem ser

executados diretamente pelo Estado, ou através de terceiros, e por pessoa física ou

jurídica de direito privado.

Outro direito social assegurado pela CF/88 é o direito à educação, sendo

atribuído ao Estado e à família o dever de implementá-la. Este direito tem seus

contornos bem definidos nos arts. 205 a 213 da CF/88, prevendo-se a garantia do

ensino fundamental, obrigatório e gratuito, atendimento aos portadores de

deficiência, atendimento em creche e pré-escola de crianças de zero a seis anos de

idade, atendimento ao educando. No art. 209, determina-se que o ensino é livre à

iniciativa privada, condicionado à autorização e avaliação de qualidade pelo poder

público e ao cumprimento das normas gerais da educação nacional.

A convocação da sociedade para atuar nestas áreas não significa a exclusão

da responsabilidade do Estado, mas apenas a busca de auxílio na prestação de

serviços sociais de interesse público. O Estado não pode se eximir dos

compromissos assumidos perante a sociedade na Constituição Federal de 1988, não

podendo assumir características de um mero ente regulador na área social. Cabe-lhe,

portanto, atuar diretamente, ainda que conclamando a participação da sociedade em

determinadas atividades.

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Diogo de Figueiredo refere-se às pessoas jurídicas que buscam satisfazer

interesses públicos como entidades intermédias, expressão que abrange as entidades

"criadas pelas sociedade para cuidar de problemas derivados da existência desses

novos interesses coletivos e difusos, quanto as criadas pelo Estado para atuar, por

delegação, mais proximamente das comunidades diretamente interessadas".234 Como

exemplo de pessoas jurídicas de direito privado criadas pelo Estado, cita o SENAI,

SESI, SENAC, SESC e SEBRAE, que se mantém com a arrecadação de tributos

arrecadados pelo Estado e que lhes são destinados por meio de lei.

Ressalta, ainda, que estas entidades intermédias promovem uma

descentralização das atividades tendentes a assegurar o bem-estar social,

apresentando vantagens política, técnica e fiscal, que consistem, respectivamente, na

maior participação do administrado, com aumento da legitimidade das decisões das

entidades intermédias, na despolitização das decisões e na prestação de serviços sem

ônus ou com ônus mais reduzido para o Estado.235

Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma que o modelo de Estado atual deve ser

um Estado Democrático, compreendendo a participação do cidadão, e subsidiário,

de forma que a atuação estatal deve ocorrer quando a própria sociedade não

consegue resolver os problemas existentes.236

Sobre as características do Estado Subsidiário, afirma:

Algumas idéias são inerentes ao princípio da subsidiariedade: de

um lado, a de respeito aos direitos individuais, pelo reconhecimento de que

a iniciativa privada, seja através dos indivíduos, seja através das

associações, tem primazia sobre a iniciativa estatal; em consonância com

essa idéia, o Estado deve abster-se de exercer por sua própria iniciativa e

234 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Organizações Sociais de Colaboração (Descentralização Social e Administração Pública não-estatal), in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, v. 210, 1997, p.188. 235 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Organizações Sociais de Colaboração (Descentralização Social e Administração Pública não-estatal), in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, v. 210, 1997, p.190-191. 236 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 23-24.

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com seus próprios recursos; em conseqüência, sob esse aspecto, o princípio

implica uma limitação à intervenção estatal. De outro lado, o Estado deve

fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada, de tal modo a permitir

aos particulares, sempre que possível, o sucesso na condução de seus

empreendimentos. E uma terceira idéia ligada ao princípio da

subsidiaridade seria a de parceria entre público e privado, também dentro

do objetivo de subsidiar a iniciativa privada, quando ela seja deficiente.237

(grifo nosso)

Considerando, portanto, a importância de se incentivar a atuação da sociedade

e suprir as deficiências da atuação estatal, mediante a criação de pessoas jurídicas de

direito privado destinadas a exercer atividades de interesse público, são concedidos

aos entes integrantes do denominado terceiro setor benefícios fiscais e auxílio

financeiro.

4.4. Incentivos ao terceiro setor

Dentre as entidades integrantes do terceiro setor estão as entidades dedicadas

a prestar assistência social, em parceria com o Estado, razão pela qual lhe são

concedidos incentivos fiscais e subvenções.

Possibilita-se, assim, mediante lei, que se promova de transferências de

recursos públicos para as entidades privadas, sem fins lucrativos, que tenham como

objetivo a prestação de serviços de interesse públicos. Tais transferências são

representadas pelas subvenções.

237 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 25.

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Nesse sentido, a Lei nº 4.320/64 prevê, em seu art. 16, a possibilidade de

concessão de subvenções sociais às entidades de assistência social, médica e

educacional, nos seguintes termos:

Art. 16. Fundamentalmente e nos limites das possibilidades financeiras, a

concessão de subvenções sociais visará à prestação de serviços

essenciais de assistência social, médica e educacional, sempre que a

suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos

revelar-se mais econômica.

Parágrafo único. O valor das subvenções, sempre que possível, será

calculado com base em unidades de serviços efetivamente prestados ou

postos à disposição dos interessados, obedecidos os padrões mínimos de

eficiência previamente fixados. (grifo nosso)

Dessa forma, mediante a concessão dessas benesses, pretende o Estado obter

a colaboração da sociedade na prestação de serviços sociais, com maior eficiência e

menor dispêndio de recursos públicos.

De se ver que o Estado busca, cada vez mais, a parceria com a sociedade, a

fim de implementar os direitos sociais. A propósito, cabe registrar que recentemente

foram previstas em lei a concessão de títulos de organização social e como

organização social de interesse público - OSCIP.

Com efeito por intermédio da MP nº 1.501/97, reeditada e posteriormente

convertida na Lei nº 9.637/98, veio o Estado inovar na regulamentação das entidades

do terceiro setor, possibilitando que, ao lado das pessoas jurídicas já existentes e já

beneficiadas pela concessão de títulos públicos e benefícios fiscais e econômicos,

fossem instituídas entidades qualificadas como organizações sociais. Tais entidades

recebem tratamento diferenciado previsto na referida lei, que tem como objetivo

estimular a assunção pela iniciativa privada do fornecimento de serviços públicos

relacionados à concretização de direitos sociais, possibilitando a concessão de

benefícios mais amplos que os previstos na legislação anterior para as pessoas

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jurídicas integrantes do terceiro setor, mas não agraciadas pelo título de

organizações sociais.

Da mesma forma, com a Lei nº 9.790/99, dispôs-se sobre a qualificação de

pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos como Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, que devem celebrar termo de parceria

com o Poder Público, destinado à formação de vínculo entre as partes, para fomento

das atividades referidas no art. 3º da referida lei, relacionadas à implementação de

direitos humanos, em especial os direitos de segunda geração, dentre as quais a

promoção da assistência social.

Por outro lado, ainda nesta busca da cooperação da sociedade, a CF/88 retirou

dos entes políticos o poder de cobrar impostos e contribuições das entidades

assistência social, atendidos os requisitos estabelecidos em lei.

A imunidade, todavia, em ambas as hipóteses, é condicionada, dependendo

do cumprimento de certos requisitos estabelecidos em lei, a fim de garantir que as

entidades beneficiadas efetivamente colaborem com o Estado na consecução de

finalidades públicas.

Infere-se, portanto, que no âmbito da assistência social, o Estado busca,

mediante a concessão de benefícios a entidades que exercem atividades

complementares àquelas por ele exercidas, incentivar a sua atuação, seja mediante

subvenções, atribuição de títulos que as habilitam à obtenção de certas vantagens, e

ainda, mediante a concessão, seja de isenção, seja de imunidade.

É certo que a concessão dos diversos tipos de benefícios dependem do

preenchimento de determinados requisitos por parte das entidades. Em se tratando

de imunidade quanto a contribuições sociais, refere-se a CF/88 às "entidades

beneficentes de assistência social", sendo necessário, portanto, em primeiro lugar,

identificar o âmbito de atuação destas entidades, para se possibilitar a identificação

das destinatárias do benefício fiscal.

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CAPÍTULO QUINTO:

IDENTIFICAÇÃO DAS DESTINATÁRIAS DA IMUNIDADE

Sumário: 5.1. Imunidade subjetiva. 5.2. Assistência social.

5.2.1. Corrente restritiva. 5.2.2. Corrente intermediária.

5.2.3. Corrente extensiva. 5.4. Entidades de previdência

privada. 5.5. Adequação da corrente intermediária para a

definição da abrangência da imunidade.

5.1. Imunidade subjetiva

A imunidade pode ser classificada como objetiva ou subjetiva, embora se

reconheça que as imunidades beneficiam, de fato, seus destinatários. A imunidade

das entidades beneficentes de assistência social é, sem dúvida, imunidade subjetiva,

instituída em consideração às atividades por elas desenvolvidas.

Assim sendo, a competência dos entes federativos é limitada, restando

inviabilizada a instituição e cobrança de impostos sobre patrimônio, renda, serviços

e contribuições sociais em decorrência do exercício de suas atividades essenciais.

Se a competência atribuída aos entes federativos já é limitada, não será

possível, mediante lei, pretender tributar as atividades exercidas pelas entidades de

assistência social, relacionadas a suas finalidades essenciais, conforme dispõe o § 4º

do art. 150 da CF/88. Não poderão estas entidades integrar a norma tributária na

qualidade de sujeito passivo, uma vez que a exigência de tributos não encontraria

fundamento de validade na Constituição.

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Entretanto, a imunidade concedida a estas entidades apresenta uma

peculiaridade, qual seja, a de obrigar estas entidades a se submeterem a requisitos

estabelecidos em lei para o gozo do benefício.

Considerando a imunidade outorgada em relação a impostos e contribuições

sociais, faz-se importante notar, que, quer se considere as contribuições sociais

como espécie de imposto destinado a custear uma despesa específica em virtude de

previsão constitucional, quer sejam estas consideradas como espécie tributária

autônoma, haverá distinções quanto ao tratamento a ser conferido a cada uma destas

imunidades. Cada uma delas está sujeita a regras específicas, extraídas do texto

constitucional.

Ademais, também as destinatárias das imunidades se diferenciam,

destinando-se a imunidade em relação aos impostos às "instituições de educação e

de assistência social", e a imunidade em relação às contribuições sociais às

"entidades beneficentes de assistência social".

Considerando que a regra é que todos contribuam para as despesas do Estado,

trazendo a imunidade exceção a esta regra fundada em motivos relevantes, faz-se

importante, a fim de se verificar o alcance da imunidade concedida em relação às

contribuições sociais, proceder-se à análise prévia das destinatárias do benefício,

identificando quais entidades podem se caracterizar como "entidades beneficentes de

assistência social".

A partir desta definição, poder-se-á identificar a área de atuação das entidades

de assistência social, a fim de se verificar quais entidades poderão pleitear o

benefício constitucional, uma vez cumpridos os requisitos legais.

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5.2. Assistência social

Para a identificação das beneficiárias da imunidade prevista no art. 195, § 7º,

da CF/88, é mister verificar o que se deve entender como assistência social. A

propósito da abrangência da assistência social, podem ser identificadas três

correntes: a que pretende restringir o conceito, a que pretende ampliá-lo, e uma

corrente intermediária, impondo-se a sua análise para se apurar qual seria a

interpretação mais adequada.

É importante notar que a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art.

194, que se deve compreender por seguridade social "um conjunto integrado de

ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os

direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social."

Cada uma destas áreas da seguridade social já se encontra devidamente

delimitada na Constituição Federal.

Assim, a saúde é proclamada no art. 196 como sendo "direito de todos e

dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à

redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às

ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Abrange, portanto, as ações de prevenção quanto ao risco de doenças e outros

agravos, bem como a recuperação no caso de configurada lesão.

Já a previdência social objetiva cobrir determinados riscos, tendo caráter

contributivo e de filiação obrigatória, objetivando conceder prestações a seus

segurados, para atender aos seguintes eventos, previstos no art. 201 da CF/88, a

saber:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

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II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de

baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou

companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

A assistência social, por sua vez, nos termos do art. 203 da CF/88, é prestada

a quem necessitar, independente de contribuição à seguridade social. Ressalte-se que

o mencionado dispositivo constitucional define as atividades que devem ser

consideradas como inerentes à assistência social.

Nestes termos, prevê o mencionado art. 203 da CF/88:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,

independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por

objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, á adolescência e à

velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a

promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora

de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à

própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser

a lei. (grifo nosso)

Assim, estabelece a Constituição que as atividades de assistência social serão

prestadas a quem dela necessitar, para a consecução dos objetivos elencados pelo

dispositivo acima transcrito, sem que para tanto seja exigida contribuição do

beneficiário.

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A Lei Orgânica da Assistência Social - Lei nº 8.742/93, determina, em seu

art. 1º, ser esta decorrente de política de seguridade social não contributiva, para

provimento dos mínimos sociais, mediante conjugação de ações do poder público e

da sociedade.

Considerando-se, portanto, a delimitação das atividades de assistência social

contida no art. 203 da CF/88 e o que determina a Lei nº 8.742/93, impende definir se

somente o exercício destas atividades poderia habilitar as entidades assistenciais a se

beneficiarem da imunidade.

Nesse ponto, faz-se mister considerar que o custeio da seguridade social é

atribuído à sociedade, possibilitando-se a atuação direta e indireta, sendo prevista a

instituição de contribuições sociais para arcar com as despesas decorrentes da

concessão dos benefícios inerentes à seguridade social, que abrange a saúde,

previdência e assistência social.

Estabelece o citado art. 195 da CF/88:

Art. 195. A seguridade será financiada por toda a sociedade, de forma direta

e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos

orçamentos da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios, e

das seguintes contribuições sociais (...).

Estão previstas, portanto, algumas contribuições sociais, com hipóteses de

incidência já definidas pela Constituição, sendo possível a utilização de outras

hipóteses, desde que a instituição se faça por meio de lei complementar, em

conformidade com o que determina o art. 195, § 4º, da CF/88.

As "entidades beneficentes de assistência social" estão dispensadas do

pagamento das contribuições a que se refere o artigo acima transcrito, contribuições

estas que são destinadas ao custeio da seguridade social.

Assim sendo, pode-se questionar: se as contribuições sociais são destinadas a

manter a seguridade social, a imunidade estaria a abranger apenas as entidades que

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atuem em qualquer das áreas abrangidas pela seguridade social, ou se somente na

assistência social em sentido estrito?

Faz-se importante, dessa forma, definir quais atividades devem ser exercidas

para que uma determinada entidade possa ser considerada imune. A divergência,

neste ponto, está entre se considerar somente as atividades assistenciais, em sentido

estrito, ou as atividades inerentes à seguridade social, ou assistência social em

sentido amplo.

Para definir tal questão, apresentam-se as seguir, as correntes que conferem

interpretação restritiva, intermediária e extensiva à assistência social.

5.2.1. Corrente restritiva

A corrente restritiva pretende limitar a abrangência da imunidade às

atividades exercidas para a consecução dos objetivos previstos no art. 203 da CF/88,

sem que se estenda o conceito de assistência social às atividades relacionadas à

saúde e à previdência social.

A propósito, Pontes de Miranda afirma que as disposições legais, tanto as que

imunizam quanto as que concedem isenções, devem ser interpretadas estritamente,

não cabendo qualquer invocação de equidade.238 Também Leopoldo Braga afirma

que, sendo limitação ou cerceamento ao poder soberano de tributar, implicando em

outorga de privilégio em regra de direito excepcional, deveria ser submetida à

interpretação restritiva.239

238 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946, tomo II, Rio de Janeiro: Borsoi, 1960, p. 303. 239 BRAGA, Leopoldo. Do conceito jurídico de instituições de educação e de assistência social, Rio de Janeiro [s.n], 1960, p. 54.

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Impende notar que, enquanto a Lei nº 3.577/59 concedeu isenção da "taxa de

contribuição de previdência" às "entidades de fins filantrópicos, reconhecidas como

de utilidade pública", a CF/88 refere-se a "entidades beneficentes de assistência

social".

Celso Barroso Leite faz distinção entre filantropia e assistência social,

restringindo esta a programas emergenciais. Afirma:

O conceito de filantropia é amplo, complexo, voltado em geral para

ações de maior porte e por vezes de efeitos menos objetivos e menos

diretos, destinadas inclusive a pessoas que desfrutam de satisfatórias

condições de vida. O de assistência social, mais modesto, diz respeito

sobretudo a programas essenciais ou até emergenciais, destinados a

pessoas que dependem deles para a própria subsistência ou pouco mais,

isto é, pessoas necessitadas, carentes.

A diferença que mais nos interessa aqui é que filantropia é gênero e

assistência social uma das suas espécies, donde resulta que toda entidade de

assistência social é filantrópica, mas nem toda entidade filantrópica é de

assistência social.240 (grifo nosso)

Tal conceito de entidade de assistência social corresponderia à definição de

assistência prevista na Constituição Federal, no art. 203, como sendo referente à

concessão de determinadas prestações a quem dela necessitar.

Está ainda em consonância com a Lei nº 8.742/93, que dispôs sobre a

organização da assistência social, definindo-a como forma de provimento dos

mínimos sociais. A propósito, cabe registrar que a referida Lei nº 8.742/93

estabelece em seu art. 3º, parâmetros para se identificar uma entidade de assistência

social, nos seguintes termos:

Art. 3º. Consideram-se entidades e organizações de assistência social

aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento

240 LEITE, Celso Barroso. Filantropia e Contribuição Social, São Paulo: LTr, 1998, p. 31.

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aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na

defesa e garantia de seus direitos. (grifo nosso)

A atuação das entidades e organizações de assistência social deve ser,

portanto, direcionada aos beneficiários da lei, que são, em primeira instância, os

destinatários da assistência, em conformidade com o disposto no art. 203 da

Constituição Federal, ou seja, são as pessoas que necessitam de prestações a fim de

garantir o atendimento à suas necessidades básicas, como forma de provimento dos

mínimos sociais.

Em defesa da corrente restritiva, afirma, Ana Neyle Olímpio Holanda:

Não concordamos com a defesa irrestrita e incondicional da

concessão do benefício da imunidade de impostos a todos os

estabelecimentos de ensino e hospitais sob o pretexto de prestarem

relevantes serviços à sociedade, sejam eles filantrópicos ou não. A

imunidade discrimina, e, consequentemente, tem de ser restritiva e

restritivamente interpretada.241

Celso Barroso Leite ainda ressalta que as características básicas da assistência

social são a necessidade, a ausência de contribuição, a cobertura dos mínimos

sociais e o acesso generalizado. A respeito da necessidade que têm os beneficiários

da assistência social, assim se pronuncia:

Embora não menos amplo que o de filantropia, o conceito de

assistência social oferece a vantagem do traço comum de seus destinatários:

a necessidade que têm dela. Enquanto as entidades filantrópicas podem

prestar serviços úteis e com freqüência valiosos, mas nem sempre

essenciais, a assistência social tem por objetivo atender a necessidades

vitais das pessoas carentes. Convém insistir nesse ponto: a necessidade da

assistência social é inerente à sua natureza.242

Afirma, ainda, sobre os mínimos sociais:

241 HOLANDA, Ana Neyle Olímpio. Imunidade impositiva - Verificação de atendimento às determinações constitucionais, por parte de instituições de educação e de assistência social, in Tributação em Revista [s.n.], ano 4, nº 16, fev. 2000, p. 63.

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É evidente que a assistência social deve ser prestada em nível

modesto, em verdade mínimo, pois se trata somente de assegurar o

indispensável. Isso não está expresso na Constituição, decerto por ser

óbvio; porém está explicitado não só no mencionado artigo 1º da LOAS

("provisão dos mínimos sociais") mas também no parágrafo único do seu

artigo 2º ("garantia dos mínimos sociais").

Repetindo um pouco, uma entidade que oferece, por exemplo,

programas culturais gratuitos de alto nível dá a pessoas que não dispõem de

recursos para pagar por eles uma oportunidade valiosa que não deixa de ter

algum sentido filantrópico. Entretanto, isso não corresponde a uma

necessidade básica, vital, dessas pessoas, que decerto apreciam programas

culturais requintados mas podem viver sem eles. Ainda por outras palavras:

trata-se de algo mais e não de um mínimo; e em última análise é essa a

principal diferença entre filantropia e assistência social.243

Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto também sustentam que, sendo as

beneficiárias da imunidade "entidades beneficentes", faz-se necessário que estas

promovam a assistência de pessoas carentes ou necessitadas. Nesse sentido,

afirmam:

Mais que entidade de assistência social, tem ela que ser beneficente.

Esse vocábulo tem por fim deixar patente que a instituição deve assistir

carentes e necessitados, provendo uma ou algumas de suas (destes)

necessidades (assistência médica, odontológica, jurídica). Ter atuação que

vise à proteção da família ou amparo à velhice, a crianças e a adolescentes

carentes. Colaborar com o Estado em outros campos, seja promovendo a

integração de pessoas ao mercado de trabalho, seja viabilizando a

habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência, seja

proporcionando sua integração à vida comunitária.

É instituição de assistência social a que dedicar-se a um ou algum

desses misteres. E é beneficente aquela que dedicar parte dessas atividades

ao atendimento gratuito de carentes e de desvalidos. Não é necessário que a

242 LEITE, Celso Barroso. Filantropia e Contribuição Social, São Paulo: LTr, 1998, p. 75. 243 LEITE, Celso Barroso. Filantropia e Contribuição Social, São Paulo: LTr, 1998, p. 76.

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gratuidade envolva grandes percentuais. É sabido que para prover a

necessidade de uns poucos é necessário contar com os recursos de muitos.

Qualquer que seja esse percentual, exceto se absolutamente ínfimo,

insignificante, há o caráter beneficente. Aliás, pequeno que seja esse

percentual, será sempre um auxílio ao Estado, em missões que lhe

competem.244

Registre-se que as características referentes à ausência de contribuição e

acesso generalizado serão analisados a seguir, nos tópicos correspondentes.

Fábio Zambitte Ibrahim afirma que a maior parte dos trabalhos desenvolvidos

acerca da imunidade prevista no art. 195, § 7º, da CF/88 demonstra errada

compreensão do conceito de assistência social, alargando-o demasiado. Registra que

não se poderia, contudo, olvidar que são requisitos essenciais a gratuidade e a

necessidade dos beneficiados. Nesse sentido, afirma:

O texto constitucional transcrito traz restrição de grande relevância

para efeitos de assistência social ("a quem dela necessitar"). As atividades

de proteção e amparo prestadas por entidades beneficentes em geral só são

consideradas como de assistência social quando prestadas àqueles que delas

efetivamente necessitam. Isto é, o auxílio gratuito, desinteressado de

entidades beneficentes, sem fins lucrativos, a pessoas com condições de

manterem sua subsistência não é, perante o texto constitucional, atividade

de assistência social (...)

Enfim, é patente a necessidade da restrição imposta pela Lei nº

9.732/98, no que se refere a prestação exclusiva da assistência a

necessitados para a obtenção da proteção constitucional. A Constituição

adotou, expressamente, o princípio da necessidade para a caracterização da

atividade assistencial, vinculando a interpretação do conceito de entidade

beneficente de assistência social.245

244 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 63. 245 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Considerações sobre a Imunidade do § 7º do art. 195 da CF/88, referente às Entidades Beneficentes de Assistência Social, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 53, fev. 2000, p. 38-39.

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Afirma o autor que o art. 195, § 7º, da CF/88 deve ser considerado norma

excepcionalíssima, por se tratar de abrandamento da natureza contributiva da

previdência social. Sobre a questão, assim se manifesta:

Este caráter contributivo da previdência até ajuda a entender o

porquê da Constituição não estender os preceitos do CTN à imunidade

securitária, prevendo a necessidade de simples lei ordinária, mais

facilmente adaptável à realidade previdenciária, para a explicitação de

requisitos a serem cumpridos pelos postulantes à imunidade. (...)

A aceitação de que a prestação de serviços ligados à saúde e

educação possa beneficiar-se da imunidade do art. 195, § 7º, da CF/88 não

só contraria a coerência interna do sistema constitucional, mas também

agride postulados científicos do sistema securitário. Financiar um sistema

de educação e saúde, os quais são gratuitamente prestados à população com

renúncia de contribuições previdenciárias, componentes de um sistema

necessariamente contributivo, não faz sentido algum. 246

Assim sendo, infere-se uma tendência em se procurar restringir as atividades

a serem consideradas assistenciais para o fim da imunidade, de modo a coincidir

com a definição de assistência social, prevista no art. 203 da Constituição Federal de

1988, relacionando-a com o suprimento dos mínimos sociais.

5.2.2. Corrente intermediária

A corrente intermediária, defendida por Ricardo Lobo Torres, identifica, além

das atividades previstas no art. 203 da CF/88, uma outra atividade, incluída no

âmbito da assistência social, qual seja, a prestação de serviços de saúde.

246 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Considerações sobre a Imunidade do § 7º do art. 195 da CF/88, referente às Entidades Beneficentes de Assistência Social, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 53, fev. 2000, p. 39-40.

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Assim, Ricardo Lobo Torres entende que a assistência social abrange a

assistência médica, por se incluir na garantia do mínimo existencial, afastando as

entidades de previdência privada.247 Afirma o autor:

O conceito de instituição de assistência social, para o efeito de

reconhecimento de imunidade não coincide integralmente com o da Lei nº

8.742/93, eis que esta cuida precipuamente da atividade estatal de

garantia dos mínimos sociais e da ação administrativa de controle da

efetivação do sistema descentralizado e participativo de assistência social.

No conceito de assistência social se subsume também o de

assistência médica, assim entendida a prestada por instituições e hospitais

beneficentes, não obstante a circunstância de o art. 194 da CF estremar as

ações de saúde das de previdência e assistência social. Mas é necessário,

evidentemente, que a prestação de saúde tenha por objetivo a garantia

do mínimo existencial.248 (grifo nosso)

Assim, considerando que a saúde também se refere ao provimento dos

mínimos sociais, como, aliás, reconhece o art. 2º, § único, da Lei nº 8.742/93, as

atividades relacionadas à saúde deveriam ser incluídas no conceito de assistência

social, ensejando às entidades que as exercessem, o benefício da imunidade em

relação às contribuições sociais.

5.2.3. Corrente extensiva

A terceira corrente que trata da definição do âmbito da assistência social é

extensiva, pretendendo que a imunidade não abranja somente a assistência social, tal

como definida no art. 203 da CF/88, mas também a previdência social e a saúde.

247 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 258-260.

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A propósito, Ives Gandra da Silva Martins afirma que a interpretação da

imunidade, ao contrário da interpretação da isenção, deve ser extensiva:

Ao contrário das imunidades, em que a interpretação extensiva se

compreende, pois é o Constituinte que Retira do Poder Tributante Potencial

Área de Sua Atuação Impositiva, razão pela qual não pode permitir venha

reduzir "pro domo suo" o campo previamente proibido, nas isenções, por

surgir o plano desonerativo de favor fiscal do sujeito ativo, não pode o

sujeito passivo beneficiar-se de pretendida extensão maior em sua

concepção, objetivando alargar o terreno e a influência, que não se

colocavam na intenção legislativa ordinária ou complementar. Essa é a

razão que torna diferentes as técnicas exegéticas para diferentes fenômenos,

embora resultem, na prática, na mesma conseqüência, ou seja, o

afastamento da incidência tributária. (...)

Ora, toda a interpretação que objetiva reduzir a área de atuação das

referidas instituições, procurando mutilar o conceito de assistência social

a fim de aumentar a arrecadação tributária, muitas vezes destinada não

à comunidade, mas a cobrir os "deficits" provocados pelos benefícios que

se auto-outorgaram os detentores do poder, é interpretação inconstitucional,

pois ferindo a técnica extensiva aplicável ao estudo das imunidades fiscais

da lei maior249 (grifo nosso)

Assim sendo, conclui Ives Gandra da Silva Martins, referindo-se ao art. 165

da CF/67:

Ora, se o artigo 165 é dedicado à melhoria da condição social e os

termos assistência médica, previdência social, assistência social, benefício

social estão vinculados à referida melhoria, à evidência, toda a instituição

que, respeitados os requisitos formais, prestar assistência pertinente ao

248 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 258-259. 249 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitação de hipótese de efeitos pretéritos em revogação de isenção - conformação de isenção e imunidade no sistema brasileiro de Direito Tributário - perfil constitucional das instituições de assistência social - Parecer, in Cefir - Revista de Imposto de Renda: São Paulo, ano XXVIII, nº 208, nov. 1984, p. 10-21.

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artigo de denso conteúdo social do título "Ordem Econômica e Social", será

necessariamente uma instituição de assistência social.250

Os comentários acima, contudo, foram feitos antes da Constituição Federal de

1988, de forma ser possível se argumentar que não podem mais ser considerados

válidos, por ter a Constituição delimitado o que se deve entender como assistência

social.

Odim B. Ferreira afirma, referindo-se à imunidade quanto a impostos prevista

no art. 150, VI, c, da CF/88, que o argumento segundo o qual a análise sistemática

do texto constitucional afastaria a imunidade das entidades de previdência fechada,

porque suas atividades são pagas, enquanto as atividades assistenciais seriam

gratuitas, não poderia prosperar, tendo em vista que o dado econômico previsto no

texto constitucional se refere apenas à ausência de fins lucrativos251.

Considerando as deficiências do regime oficial de previdência, questiona o

autor:

Em linguagem concisa, há suporte jurídico para endossar a tese que

resulte na oneração adicional dos particulares, já duplamente sacrificados:

de um lado, pelo pagamento de contribuições a uma previdência ilusória e,

de outro, pela necessidade de arcar com contribuições para o sistema

privado próprio? (...)

Esse parece, do ponto de vista do "domínio normativo" o aspecto

mais relevante: quem já foi literalmente abandonado pelo Estado em

matéria de previdência social deve, agora, pagar imposto sobre a parcela de

recursos reunida para superar a inércia estatal no campo da assistência

social?

250 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitação de hipótese de efeitos pretéritos em revogação de isenção - conformação de isenção e imunidade no sistema brasileiro de Direito Tributário - perfil constitucional das instituições de assistência social - Parecer, in Cefir - Revista de Imposto de Renda: São Paulo, ano XXVIII, nº 208, nov. 1984, p. 20. 251 FERREIRA, Odim B. A imunidade tributária das entidades de previdência fechada, 4ª Parte, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 4, n. 13, out./dez. 1995, p. 71.

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Existisse uma previdência pública minimamente decente, as

entidades da espécie da ora em causa seriam dispensáveis.252

Permanece, assim, mesmo com a diferenciação feita pela Constituição

Federal, a discussão acerca da inclusão das entidades de previdência privada no

conceito de entidades de assistência social. Nesse sentido, assim se posiciona

Francisco de Assis Alves:

Nesse ponto, cabe esclarecer que a Constituição Federal faz

referência à assistência social em dois momentos distintos, e sob dois

aspectos: em sentido estrito e em sentido amplo. Em sentido estrito, ao

dispor no art. 203 que a assistência social será prestada a quem dela

necessitar (...)

Da assistência social em sentido amplo, que abrange previdência,

saúde e assistência social, propriamente dita, se ocupa o art. 150, VI, c, da

Carga Máxima.253 (grifo nosso)

Também James Marins ao tratar da imunidade das entidades de educação e

assistência social lhe confere um sentido bastante extenso, como se verifica a seguir:

Dentro de moldura constitucional e infraconstitucional

complementar (CF, arts. 6º, 150, 195, 203 e 204 e CTN, arts. 9º e 14) é que

se afigura possível o desenho seguro e completo do conteúdo dos núcleos

"educação" e "assistência social'' como aquele correspondente às atividades

sem fins lucrativos voltadas para a educação, saúde, trabalho, lazer e

segurança; previdência e assistência aos desamparados; proteção à

família, maternidade, infância, adolescência e velhice; amparo às crianças e

adolescentes carentes; promoção da integração ao mercado de trabalho.

Habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência e a

promoção de sua integração ao mercado de trabalho. Tais atividades,

sempre que realizadas sem intuito de lucro, estão, sem resquício de

252 FERREIRA, Odim B. A imunidade tributária das entidades de previdência fechada, 4ª Parte, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 4, n. 13, out./dez. 1995, p. 80. 253 ALVES, Francisco de Assis. Imunidade tributária. in Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 284-285.

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dúvida, abrangidas pela imunidade concernente a impostos e

contribuições sociais.254 (grifo nosso)

Sacha Calmon Navarro Coelho e Misabel Abreu Machado Derzi ressaltam

que o conceito de assistência é fugidio e ambíguo na CF/88. Logo, não obstante a

definição de assistência social no art. 203 da CF/88, seria possível se questionar se

no art. 195 não teria sido dada uma acepção diferente ao termo, abrangendo a

seguridade social.255

Os autores mencionados registram que há necessidade de interpretação dos

princípios ordenadores do sistema positivo, para afastar a inevitável imprecisão da

linguagem do legislador256. Assim, registram a necessidade de compreensão de

princípios jurídicos para a sua análise.

Afirmam, portanto, que na terminologia previdenciária brasileira,

constitucional e legal, existem duas acepções de assistência social. A primeira

relacionada com a seguridade pública, independente do pagamento de contribuições,

correspondendo ao previsto nos arts. 203 e 204 da CF/88. A segunda acepção,

poderia apresentar-se em uma das formas abrangidas pelos exemplos que citam, a

saber:

a) atividades desenvolvidas por instituições particulares do tipo Sesi, Senai, Senac,

que fazem assistência em prol de grupos restritos, financiados com contribuições

sociais;

b) atividades de instituições fechadas de previdência privada, que complementam as

aposentadorias, com o auxílio de empresas patrocinadoras;

254 MARINS, James. Imunidades condicionadas e incondicionadas - inteligência do artigo 150, VI e § 4º e artigo 195, § 7º da Constituição Federal, in Grandes Questões Atuais de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 3, 1998, p. 153. 255 DERZI, Misabel Abreu Machado e COELHO, Sacha Calmon Navarro. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social, in Direito Tributário Aplicado - Estudos e Pareceres, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 227. 256 DERZI, Misabel Abreu Machado e COELHO, Sacha Calmon Navarro. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social, in Direito Tributário Aplicado - Estudos e Pareceres, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 225.

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c) atividades de instituições criadas pela União, Estados e Municípios para prestar

assistência aos seus servidores e familiares mediante módicas contribuições

atributárias, facultativas;

d) criação de sistemas de previdência e assistência social pelos Estados e

Municípios, com cobrança de contribuições, conforme autoriza o art. 149 da CF/88;

e) entes que colaboram com o Estado dedicadas à saúde, à educação, à assistência e

à filantropia;

f) atividades exercidas por instituições filantrópicas, pias e caritativas.257

Informam Sacha Calmon Navarro Coelho e Misabel Abreu Machado Derzi

que o que existe de comum nestas conotações distintas de atividades beneficentes de

assistência social está no fato de serem estas desinteressadas, não distribuindo lucros

a particulares, sendo de natureza pública, paraestatal. Em conseqüência, haveria

ausência de capacidade econômica, em face da importância da atividade.258

Nelson Jobim afirma que, não obstante tenha a CF/88, ao tratar da ordem

social, delimitado o campo da assistência social, identificando o seu objeto como

sendo a assistência ao que não têm capacidade de gerar qualquer tipo de renda para

o sustento de sua família, não tendo recolhido para a previdência social, este

conceito não pode ser utilizado no campo tributário. Assim se pronuncia sobre a

questão:

No caso da Constituição de 1988, constata-se, portanto, que o

conceito de "assistência social" utilizado no capítulo da seguridade social,

não pode ser universalizado como "o conceito constitucional de assistência

social".

257 DERZI, Misabel Abreu Machado e COELHO, Sacha Calmon Navarro. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social, in Direito Tributário Aplicado - Estudos e Pareceres, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 231-232. 258 DERZI, Misabel Abreu Machado e COELHO, Sacha Calmon Navarro. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social, in Direito Tributário Aplicado - Estudos e Pareceres, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 233.

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É um conceito restrito ao subsistema constitucional da seguridade

social e somente nesse subsistema circula com coerência, posto que nele e

para ele são produzidas as condições de aplicação do conceito.259

A partir da exposição desta corrente extensiva, verifica-se a necessidade de

que, preliminarmente, seja analisada a forma de atuação das entidades privadas de

previdência social, o que viabilizará a conclusão pela sua inclusão, ou não, no

âmbito da imunidade.

5.3. Entidades de previdência privada

O Regime de Previdência Complementar encontra-se atualmente

regulamentado pela LC nº 109, de 29 de maio de 2001, que revogou a Lei nº

6.435/77, que tratava da previdência privada.

A LC nº 109/2001 manteve a sistematização da Lei nº 6.435/77 quanto à

previsão de existência de duas espécies de entidades previdência privada, quais

sejam, entidades fechadas e abertas. Em conformidade com o disposto no art. 31 da

LC nº 109/2001, as entidades fechadas, organizadas sob a forma de fundação ou

sociedade civil, sem fins lucrativos, são acessíveis apenas aos empregados de uma

empresa ou de um grupo de empresas, ou de associados ou membros de pessoas

jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial. Já as entidades abertas, em

conformidade com o art. 36 da LC nº 109/2001, são constituídas sob a forma de

sociedades anônimas, sendo acessíveis a quaisquer pessoas físicas.

Mozart Victor Russomano, sob a égide da Lei nº 6.435/77, apresentava a

diferenciação entre estas duas espécies de entidade de previdência privada. Assim,

ensina que as entidades abertas têm caráter comercial, com intuito de lucro, 259 JOBIM, Nelson. Imunidade das entidades fechadas de previdência privada, in Cadernos de Direito

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equiparando-se a autênticas companhias de seguros. As entidades fechadas, por sua

vez, objetivam subsidiar, complementar, o sistema oficial de previdência social, em

virtude de sua insuficiência. Presta, assim assistência a determinados grupos de

pessoas, com fins mutualistas, sendo decorrentes do espírito de compreensão e

solidariedade do empresário, que se predispõe a ampliar os programas da

Previdência Social.260

Registre-se, a propósito, que o art. 7º da Lei nº 6.435/77 já estabelecia serem

as entidades abertas integradas ao Sistema Nacional de Seguros Privados, sendo que

a LC nº 109/2001 atribui a fiscalização destas entidades ao Ministério da Fazenda,

por intermédio do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da

Superintendência de Seguros Privados, até que seja criado órgão regulamentador

específico.

No que se refere à natureza jurídica das entidades de previdência privada,

cabe notar que a Lei nº 6.435/77, na redação original do § 3º de seu art. 39, havia

estabelecido serem as entidades fechadas "consideradas instituições de assistência

social, para os efeitos da letra c do item III do art. 19 da Constituição", sendo a

referência, no caso, à imunidade quanto aos impostos prevista na Constituição

Federal de 1967.

Não obstante, o Decreto-lei nº 2.065/83, em seu art. 6º, § 3º, revogou tal

dispositivo, passando a ser prevista no ordenamento jurídico, tão somente a isenção

ao imposto de renda para as entidades de previdência privada, previstas no inciso I,

a e inciso II, b, da Lei nº 6.435/77, que se referem às entidades fechadas, sem fins

lucrativos. A alteração no tratamento conferido a tais entidades ensejou discussão na

doutrina acerca da possibilidade de tal revogação, ou seja, se a CF/67, ao se referir

às instituições de assistência social teria abrangido as entidades de previdência

Tributário e Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, n. 9, out./dez. 1994, p. 118. 260 RUSSOMANO, Mozart Victor. Entidades fechadas de previdência privada no contexto da assistência social, in Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 5, 1994, p. 114-116.

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fechada, e, em conseqüência, sem intuito lucrativo, ou se esta extensão teria sido

apenas uma concessão do legislador ordinário.

Ruy Barbosa Nogueira, analisando tal questão, afirmou que não caberia à lei

ordinária alterar o tratamento concedido às entidades fechadas de previdência, tendo

em vista que estas se encontravam inseridas no campo da não incidência em

decorrência de preceito constitucional. São as palavras do autor:

Qualquer lei ordinária ou decreto-lei alterando essa matéria não

constitui somente invasão de poder e de competência privativos do

Constituinte e do Legislador complementar, mas desobediência à vedação

ou proibição imperativa da Constituição.

Neste sentido o art. 6º e §§ 1º e 2º do Decreto-lei nº 2065/83 são

absolutamente inconstitucionais, disposições nulas, írritas, porque o art. 19,

III, c, da Constituição e o art. 14 do CNT já preencheram tanto a "hipótese

de não incidência" como a provisão exaustiva dos requisitos que devam

ocorrer "in concreto". O que é mais relevante para afastar ou excluir a lei

ordinária ou o Decreto-lei é a natureza das disposições do art. 14 do CTN,

que é lei complementar de aplicação direta e plena do texto constitucional

que não requer outra norma.261

Da mesma forma, Mozart Victor Russomano afirma que a revogação somente

teria relevância se o direito assegurado às entidades fechadas decorresse apenas de

lei. Não obstante, afirma que não se tratava apenas de isenção, contemplada no art.

39, § 3º, da Lei nº 6.435/77, mas sim de benefício decorrente do próprio texto da

Constituição Federal, o que tornaria ineficazes as normas restritivas do art. 6º e

parágrafos do Decreto-lei nº 2.065/83.262

Mozart Victor Russomano registra que o art. 21 da Declaração dos Direitos

do Homem já havia definido os socorros públicos como dívida sagrada, sendo toda a

sociedade e o Estado, como resultado da organização política, os titulares dessa 261 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Imunidades - Contra impostos na Constituição anterior e sua disciplina mais completa na Constituição de 1988, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 62.

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dívida. Seria devida, portanto, a manutenção de um sistema de proteção social,

abrangendo o amparo ao trabalhador e àqueles que não estivessem em condição de

garantir a própria subsistência.263

Registra que não existe diferença, quanto à natureza, entre uma instituição de

beneficência clássica, representada por asilos, orfanatos e entidades similares, e

outras instituições criadas pela iniciativa privada, sem o auxílio do Estado.264

Nestes termos, afirma:

Pode e deve o Estado, naturalmente, não apenas responder pelo

sistema da Previdência Social (público e oficializado), mas, igualmente, dar

seu apoio às entidades assistenciais, organizando-as ou estimulando-as,

quer sejam clássicas, quer sejam novas instituições de assistência, entre elas

incluídas as chamadas entidades fechadas de Previdência Social.265

Nelson Jobim também afirma que as entidades fechadas são abrangidas pelo

conceito de assistência social, por serem entidades sem fins lucrativos e

complementares ao sistema oficial de previdência e assistência social, enquadrando-

se na área de competência do Ministério da Previdência e Assistência Social,

auxiliando o Estado a prestar assistência social.266

Contudo, como aponta Ricardo Lobo Torres, o Supremo Tribunal, analisando

a questão da imunidade das entidades de previdência privada, após o advento do

Decreto-lei nº 2065/83, deu interpretação ampliativa, que posteriormente foi

reduzida.267

262 RUSSOMANO, Mozart Victor. Entidades fechadas de previdência privada no contexto da assistência social, in Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 5, 1994, p. 119. 263 RUSSOMANO, Mozart Victor. Entidades fechadas de previdência privada no contexto da assistência social, in Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 5, 1994, p. 112. 264 RUSSOMANO, Mozart Victor. Entidades fechadas de previdência privada no contexto da assistência social, in Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 5, 1994, p. 113. 265 RUSSOMANO, Mozart Victor. Entidades fechadas de previdência privada no contexto da assistência social, in Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 5, 1994, p. 113. 266 JOBIM, Nelson. Imunidade das entidades fechadas de previdência privada, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, n. 9, out./dez. 1994, p. 119-120. 267 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 260.

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Com efeito, a interpretação ampliativa da imunidade pode ser inferida do

acórdão proferido no RE nº 115.970, no qual atuou como relator o Ministro Moreira

Alves, tendo sido fixado o seguinte entendimento:

Imunidade tributária. Art. 19, III, 'c' da Emenda Constitucional n. 01/69. É

instituição de assistência social, e goza, portanto, de imunidade tributária

fundação de fins previdenciários e de assistência social que objetiva

distribuir benefícios a empregados e administradores das organizações

patrocinadoras dela. Entidades dessa natureza auxiliam o Estado na

prestação de assistência social aos que necessitam dela, embora em área

circunscrita. Recurso extraordinário não conhecido268 (grifo nosso)

Posteriormente, passou o STF a adotar entendimento no sentido da exclusão

das instituições de previdência privada do conceito de entidades de assistência

social, para fins de obtenção de imunidade, como se depreende da ementa que se

segue:

Entidade de Previdência Privada. Sendo mantida por expressiva

contribuição dos empregados, ao lado da satisfeita pelos

patrocinadores, não lhe assiste o direito ao reconhecimento da imunidade

tributária, prevista no art. 19, III, c da Constituição de 1967, visto não se

caracterizar, então, como instituição de assistência social.269 (grifo

nosso)

No mesmo sentido, assim se pronunciou o Tribunal, ao julgar o RE nº

108.120/SP, tendo como relator o Ministro Sydney Sanches:

Imunidade tributária (ISS). Instituição de assistência social. Art. 19, III, c,

da CF c/c arts. 9, IV, c e 14, III do Código Tributário Nacional.

Não basta, para esse efeito, que a entidade preencha os requisitos do art. 14

e seus incisos do CTN. É preciso, além disso e em primeiro lugar, que se

trate, de instituição de assistência social. Hipótese não caracterizada pois a

recorrente, conforme os estatutos, só presta serviços de assistência onerosa 268 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 89.012/SP, Relator Ministro Moreira Alves, publicado na RTJ 126/847.

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a seus associados, mediante contra-prestação mensal, como entidade de

previdência privada ou de auxílio mútuo, sem realizar atendimento de

caráter estritamente social, como o de assistência gratuita a pessoas

carentes.270 (grifo nosso)

Cita-se, ainda, decisão mais recente da Suprema Corte, proferida em

março/1997:

Constitucional. Tributário. Previdenciário. Imunidade Tributária.

Previdência Privada. Assistência Social. CF, 1967, art. 19, c; CF/88, art.

150, VI, c.

I - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada sob o pálio da

CF/67, é no sentido de que as entidades de previdência privada, porque

não são entidades de assistência social, não estão abrangidas pela

imunidade tributária do art. 19, III, c, da Constituição pretérita.

II - Entendimento pessoal do relator em sentido contrário, esclarecendo-se,

entretanto, que tal entendimento não é sustentável sob o pálio da CF/88,

que distingue previdência de assistência social (CF/88, art. 194).

III - RE conhecido e provido.271 (grifo nosso)

Em decisão mais recente, proferida no RE 202.700/DF272, tendo como relator

o Ministro Maurício Corrêa, o STF reconheceu que as entidades de previdência

privada não se beneficiam da imunidade prevista no art. 150, VI, c, da CF/88, tendo

em vista que estas apresentam gênese contratual, uma vez que somente conferem

benefícios aos filiados se estes recolherem suas contribuições. Reconheceu-se que a

assistência social, por outro lado, não dependeria de contribuição por parte dos

beneficiários, sendo a imunidade um incentivo ao altruísmo.

269 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 136.332/210, Relator Ministro Octávio Gallotti, publicado na RTJ 150/598. 270 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 108.120/SP, Relator Ministro Sydney Sanches, publicado no DJ de 08/04/88. 271 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 175.871/SP, Relator Ministro Carlos Velloso, publicado na RTJ 165/1069. 272 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 202.700/DF, Relator Ministro Maurício Corrêa, publicado no informativo nº 249, STF.

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Decidiu, contudo, o STF, ao julgar o RE 235.003/SP273, Relator Ministro

Moreira Alves, que seria possível se reconhecer as entidades fechadas de

previdência social como entes imunes, na hipótese de não haver contribuição dos

empregados, mas tão-só a do patrocinador.

Registre-se que, para definir a questão acerca da inclusão ou não das

entidades fechadas de previdência social no conceito de assistência, impende notar

que a assistência social abrange, nos termos da Constituição Federal, a concessão de

prestação a quem delas necessitar.

No campo da previdência social, embora se possa afirmar que as prestações

fornecidas pelo regime geral de previdência social são de valor reduzido, deve-se

considerar que o regime oficial é um sistema contributivo e de filiação obrigatória,

destinado a fornecer aos segurados um sistema de proteção contra infortúnios,

fornecendo-lhes prestações quando não mais possam exercer atividade remunerada.

Prevê o art. 201, caput, da Constituição Federal, com a redação da EC 20/98,

os riscos a serem cobertos pelo sistema previdenciário oficial:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral,

de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que

preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de

baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou

companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

273 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 235.003/SP, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no Informativo nº258, STF.

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Infere-se, portanto, que o regime de previdência social destina-se a suprir os

mínimos sociais, sendo que o valor do benefício dependerá da remuneração auferida

pelo segurado, empregado, avulso ou contribuinte individual, que consiste na base

de cálculo para a incidência da contribuição previdenciária, em conformidade com o

art. 22 da Lei nº 8.212/91.

Assim sendo, o regime oficial já oferece a todos os trabalhadores,

obrigatoriamente segurados do regime geral, benefício proporcional às contribuições

vertidas pelo segurado. Certamente, as pessoas mais necessitadas de prestações

assistenciais vincular-se-ão tão-somente a este regime, que poderá lhes garantir o

mínimo existencial.

Infere-se, ademais, do próprio texto constitucional, ter sido traçada uma

diferença básica entre a previdência e a assistência social: a primeira será

contributiva, enquanto que a segunda será prestada a quem dela necessitar.

Nem mesmo numa interpretação teleológica da Constituição Federal poder-

se-ia chegar à conclusão de que as entidades de previdência privada, ainda que sem

fins lucrativos, seriam caracterizadas como "entidades beneficentes de assistência

social", de forma a exclui-las do rol dos contribuintes da previdência social, tendo

em vista que a garantia do mínimo existencial no campo previdenciário já é

atribuída ao regime geral.

Mesmo os segurados vinculados também a regime privado de previdência

serão obrigatoriamente segurados do regime geral, do qual receberão benefícios,

quando da ocorrência dos riscos segurados. Não se justifica, dessa forma, a exclusão

da obrigação das entidades de previdência de promoverem o recolhimento de suas

contribuições patronais, destinadas ao custeio do regime geral.

Como já registrado, a imunidade das entidades assistenciais decorre dos

direitos fundamentais de segunda geração, que visa fazer valer, estando, portanto,

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protegida da exclusão do texto constitucional. Não se pode, contudo, inferir-se a

existência de uma imunidade implícita às entidades de previdência social.

Com efeito, se a proteção dos direitos fundamentais de segunda geração deve

abranger os mínimos sociais, sem os quais não se pode manter a dignidade

humana274, e se o Estado já garante um sistema de previdência, cujos benefícios

serão proporcionais às contribuições vertidas pelos segurados, infere-se que não há

fundamento para se pretender estender as imunidades conferidas às entidades de

assistência social para as entidades de previdência privada.

Eventual não correspondência entre o valor das contribuições a cargo dos

segurados, ou defasagem dos valores dos benefícios pagos pelo regime geral deve

ser argüido mediante utilização os recursos jurídicos existentes, a fim de se cumprir

o disposto no art. 201, § 4º, da CF/88, que assegura o reajustamento do valor dos

benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o seu valor real.

Não obstante, não se pode pretender promover a inclusão das entidades de

previdência privada entre as beneficiárias da imunidade prevista no art. 195, § 7º, da

CF/88, tendo em vista que o dispositivo somente se refere à assistência social,

prestada a quem dela necessitar, não se podendo extrair um direito implícito à

imunidade das entidades de previdência, por garantir o Estado, em regime geral, o

atendimento aos mínimos existenciais.

É certo que as entidades de previdência privada poderão ser beneficiadas com

a concessão de isenção, a fim de estimular o seu desenvolvimento e garantir o

pagamento dos benefícios assegurados em seus planos. Não obstante, tal benefício

será decorrente de opção do legislador infraconstitucional, tendo em vista que a

Constituição Federal de 1988, ao mencionar a assistência social, definiu, no seu art.

203, como sendo seus destinatários "aqueles que dela necessitem".

274 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 30, abr./jun. 1999, p. 120.

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5.4. Adequação da corrente intermediária para a definição da abrangência da

imunidade

Para se inferir qual interpretação seria adequada em face do texto

constitucional, impende notar que um dos princípios estruturadores da Constituição

Federal de 1988 é a solidariedade social.

Cabe consignar que a Constituição, ao estabelecer regras gerais a respeito da

seguridade social, atribuiu, em seu art. 194, caput, ao Estado e à sociedade a

obrigação de assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social.

Como se discorreu no subitem anterior, tendo a Constituição, ao tratar da

imunidade, mencionado expressamente apenas as entidades de assistência, é

coerente com o sistema a conclusão de que as prestações das entidades privadas de

previdência social não são abrangidas pelo art. 197, § 7º, da CF/88. Com efeito,

estas entidades são de natureza contributiva, não sendo prestados serviços a quem

necessite, mas tão-somente às pessoas que possam se vincular a outro regime, além

do regime oficial de previdência social, de filiação obrigatória.

Os mínimos sociais no campo da previdência social já são garantidos pelo

Estado, que assegura a todos os trabalhadores a proteção quanto aos eventos

previstos no art. 201 da CF/88.

Não se pretende reduzir o texto constitucional, mas não se pode deixar de se

promover interpretação sistemática, considerando-se que a Constituição Federal

mencionou apenas as entidades beneficentes de assistência social, tendo, a seguir,

definido o que se deve entender como assistência social. Registre-se que, ainda em

se tratando de imunidade, não se trata de procurar obter interpretação restritiva ou

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extensiva, mas buscar-se a adequação à Constituição, extraindo-se do contexto, os

exatos limites do benefício fiscal.

Não obstante, em relação à saúde, a situação é diferente. A saúde se insere,

efetivamente, no campo do atendimento dos mínimos existenciais, sendo

pressuposto inafastável do respeito ao direito à vida.

Ives Gandra da Silva Martins, em parecer elaborado com Marilene Talarico

Martins Rodrigues afirma que a proteção à família, maternidade, infância,

adolescente e velhice não se fará se não houver assistência à saúde.275

Assim, pode-se inferir que a saúde encontra-se abrangida pela assistência

social. De fato, estabeleceu-se como característica da assistência social o fato de ser

ela prestada, independente de contribuição, a quem dela necessitar.

Ocorre que, embora a saúde tenha tido tratamento diferenciado e

pormenorizado em seção própria, esta não deixa de ser assistência social, tal como

definida na CF/88, tendo em vista que também deve ser prestada a quem necessitar,

sendo as prestações correspondentes meio de proteção à família, à maternidade, à

infância, à adolescência e à velhice, conforme previsto no art. 203, I, da CF/88.

Ademais, o custeio dos serviços de saúde é promovido mediante a utilização das

contribuições sociais destinadas à seguridade.

Registre-se que o art. 55 da Lei nº 8.212/91, ao regulamentar à imunidade,

exige, em seu inciso III, que a entidade beneficente promova assistência social

beneficente, "inclusive educacional ou de saúde". Ora, à referência expressa às

entidades de saúde deve ser atribuído caráter declaratório, objetivando afastar as

dúvidas que viessem a surgir em virtude da sistemática adotada pelo texto

constitucional ao conferir tratamento específico para a saúde.

275 MARTINS, Ives Gandra da Silva e MARTINS, Marilene Talarico. Imunidade tributária das instituições de assistência social à luz da Constituição Federal, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 38, nov. 1998, p. 122.

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Por outro lado, em relação às entidades de educação constata-se que, não

tendo sido prevista a sua imunidade em relação às contribuições sociais da

seguridade social, a referência feita pelo inciso III do art. 55 da Lei nº 8.212/91 deve

ser considerada como a outorga de isenção a tais entidades. De fato, embora suas

atividades possam ser consideradas assistenciais em sentido amplo, por atuar em

área de fundamental importância para a sociedade, não são destinatárias da

imunidade em relação às contribuições sociais. Com efeito, quisesse o constituinte

estender a imunidade em questão às entidades de educação, e a referência às mesmas

teria sido expressa, como se fez no tocante à imunidade quanto aos impostos, no art.

150, VI, "c", da CF/88 de onde se infere que, no âmbito do § 7º do art. 195 do texto

constitucional, há um silêncio eloqüente quanto a estas entidades.

Logo, impõe-se a conclusão de que as destinatárias da imunidade quanto às

contribuições sociais são as entidades que atuam no âmbito da assistência social, em

sentido estrito, tal como definida no art. 203 da CF/88, e, ainda, das entidades que

exercem atividades de saúde, tendo em vista que tais atividades devem ser prestadas

a quem necessitar, independentemente de contribuição, possibilitando o suprimento

dos mínimos existenciais.

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TERCEIRA PARTE

CAPÍTULO SEXTO: NATUREZA DA LEI QUE ESTABELECE

REQUISITOS PARA A IMUNIDADE

Sumário: 6.1. Dispositivo constitucional de eficácia limitada. 6.2.

Distinção entre lei complementar e lei ordinária. 6.3. Natureza da

lei que estabelece requisitos para a imunidade das entidades

assistenciais em relação aos impostos. 6.4. Natureza da lei que

estabelece requisitos para a imunidade em relação às contribuições

sociais

6.1. Dispositivo constitucional de eficácia limitada

A Constituição, ao conceder a imunidade às entidades de assistência social,

subordina esta imunidade ao cumprimento de requisitos estabelecidos em lei.

Trata-se, portanto, de norma de eficácia limitada, que consiste, segundo a

definição de José Afonso da Silva, em norma "de aplicabilidade indireta, mediata e

reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma

normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto tenham uma

incidência reduzida e surtam outros efeitos não-essenciais, ou, melhor, não dirigidos

aos valores-fins da norma, mas apenas a certos valores meios e condicionantes".276

276 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 83.

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Necessita tal preceito constitucional de lei que o regulamente, a fim de que

possa produzir os efeitos almejados pelo constituinte, produzindo eficácia plena.

Sendo a imunidade em relação a impostos disciplinada desde a Constituição

de 1946, quando do advento da CF/88 já existia diploma legal prevendo os

requisitos a serem cumpridos para o gozo desta imunidade, qual seja, o Código

Tributário Nacional.

Por esta razão, poder-se-ia questionar se seria possível, para o gozo a

imunidade em relação a contribuições sociais, invocar-se o disposto no Código

Tributário.

Gabriel Lacerda Troianelli afirma que, sendo idênticos os fundamentos

inspiradores da imunidade concedida às entidades assistenciais quanto aos impostos

e às contribuições sociais, seria justificada a imediata aplicabilidade da regulação

prevista no art. 14 do CTN à imunidade prevista no art. 195, § 7º, da CF/88. No que

se refere à exigência de que tais entidades, para serem imunes às contribuições,

devem ser beneficentes, registra que desde a Lei nº 91/35, existem regras para o

reconhecimento de determinada entidade como sendo de utilidade pública, e

portanto, beneficente. Assim sendo, entende que, com a vigência da CF/88, todas as

entidades que atendessem o disposto no art. 14 do CTN e sendo reconhecidas como

de utilidade pública passaram a ter o direito à imunidade em relação às contribuições

sociais.277

Cabe observar, todavia, que tal proposição implicaria no reconhecimento da

necessidade da junção de duas normas anteriores à CF/88, com o objetivo de

regulamentar o disposto no art. 195, § 7º. A primeira delas, o CTN, que trata da

imunidade quanto aos impostos. O segundo requisito seria o reconhecimento de

utilidade pública, previsto na Lei nº 3.577/59, revogada pelo Decreto-lei nº

1.572/77, que, por sua vez, é aplicável apenas às entidades que já possuíam o

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registro ou que viessem a requerê-lo no prazo de 90 dias contados da publicação do

referido diploma legal.

Acerca desta questão, cabe considerar que foi impetrado mandado de

injunção perante o STF (MI 232) para se reconhecer o direito à imunidade às

contribuições sociais com fundamento no art. 14 do CTN. O STF, na ocasião,

considerou não ser possível a aplicação do disposto no art. 14 do CTN,

reconhecendo a existência de omissão do legislador.

Assim se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:

Mandado de injunção.

Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por

falta de regulamentação do disposto no par. 7. do artigo 195 da Constituição

Federal.

Ocorrência, no caso, em face do disposto no artigo 59 do ADCT, de mora,

por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional.

Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para

declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a

fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas

que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do

artigo 195, par. 7., da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem

que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade

requerida.278

Não importa, aqui, discutir o tratamento conferido pelo STF ao mandado de

injunção, devendo-se apenas observar que, ao reconhecer a mora do Congresso

Nacional para promover a regulamentação do art. 195, § 7º, da CF/88, o STF afastou

a possibilidade de se invocar o art. 14 do CTN como norma regulamentadora da

imunidade quanto a contribuições sociais.

277 TROIANELLI, Gabriel Lacerda. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social prevista no artigo 195, § 7º da Constituição Federal e a Lei Complementar nº 84/96, in Contribuições Previdenciárias - Questões Atuais, São Paulo: Dialética, 1996, p. 87-88.

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Impende notar que, de fato, o art. 14 do CTN se refere somente a impostos, e,

considerando o tratamento diferenciado dado pela Constituição às contribuições

sociais, pode-se concluir pela impossibilidade de se invocar os requisitos

estabelecidos pelo Código para o gozo da imunidade.

Assim, considerando-se o entendimento do STF, manifestado no MI nº 232,

ainda que prevista na Constituição Federal a imunidade quanto às contribuições

sociais, até a regulamentação do art. 195, § 7º, da CF/88, somente as entidades de

assistência social beneficiadas pela Lei nº 3.577/59 e com direito adquirido em

conformidade com o Decreto-Lei nº 1.572/77 continuaram dispensadas do

pagamento das contribuições sociais, por serem beneficiárias de isenção.

O gozo da imunidade, todavia, só foi viabilizado com o advento da Lei nº

8.212/91, que estabeleceu em seu art. 55 os requisitos para o benefício.

Ocorre que este dispositivo sofreu alterações substanciais com a publicação

da recente Lei nº 9.732/98, que restringiu o direito à imunidade, tendo sido

impugnada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN nº 2028-5279.

Além de se questionar a constitucionalidade material dos requisitos exigidos pela

nova lei para o gozo do benefício, questionou-se, ainda, acerca da possibilidade de

se regulamentar dispositivo constitucional que trata de imunidade, e, portanto,

limitação constitucional, mediante lei ordinária, ou seja, a sua constitucionalidade

sob o ponto de vista formal.

Ressalte-se que os debates acerca da questão já haviam se iniciado com a

publicação da Lei nº 9.532/98, que acrescentou novos requisitos para a imunidade

em relação a impostos, além dos já previstos no art. 14 do CTN. Também neste caso

foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN nº 1802-3, questionando-

se a possibilidade da utilização de lei ordinária para previsão de requisitos para o

278 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI nº 232/92, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 27/03/92. 279 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2028-5, Relator Ministro Moreira Alves, liminar publicada no DJ de 16/06/2000.

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gozo de imunidade, tendo sido deferida, pelo Tribunal, por unanimidade, a medida

cautelar para suspender os dispositivos que acrescentavam requisitos para a

imunidade, além dos já previstos no CTN.280

Assim, em ambos os casos, foi concedida liminar pelo STF, reconhecendo

que, sendo a imunidade limitação constitucional ao poder de tributar, somente

poderia ser regulamentada mediante lei complementar, como determina o art. 146, II

do CTN.

Nesse sentido manifestou o Ministro Moreira Alves, Relator da ADIN nº

2028-5:

A toda evidência, adentrou-se o campo da limitação ao poder de

tributar e procedeu-se - ao menos é a conclusão neste primeiro exame - sem

observância da norma cogente do inciso II do art. 146 da Constituição

Federal. Cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao

poder de tributar. Ainda que se diga da aplicabilidade do Código Tributário

Nacional apenas aos impostos, tem-se que veio à baila, mediante veículo

impróprio, a regência das condições suficientes a ter-se o benefício,

considerado o instituto da imunidade e não o da isenção, tal como previsto

no § 7º do artigo 195 da Constituição Federal.

Assim, tenho como configurada a relevância suficiente a caminhar-

se para a concessão da liminar, no que a inicial desta ação direta de

inconstitucionalidade versa sobre o vício de procedimento, o defeito de

forma.281

Registre-se, contudo, que se trata de medida cautelar, podendo vir o Tribunal

a adotar entendimento contrário à existência do alegado vício de forma. Cabe, assim,

indagar se efetivamente seria necessária lei complementar para regulamentar a

imunidade concedida às entidades assistenciais em relação às contribuições sociais,

ou se a lei ordinária poderia fazê-lo.

280 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 1802-3, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento da liminar em 27/08/98, pendente de publicação. 281 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2028-5, Relator Ministro Moreira Alves, liminar publicada no DJ de 16/06/2000.

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Quanto a este aspecto, deve-se notar que existe tratamento diferenciado para a

imunidade em relação a impostos e em relação a contribuições sociais, como se

demonstrará a seguir.

6.2. Distinção entre lei complementar e lei ordinária

Ensina Celso Ribeiro Bastos que a origem das leis complementares stricto

sensu está vinculada ao surgimento das constituições formais, que atribuíam às leis

orgânicas a incumbência de disciplinar determinadas matérias, viabilizando a

execução do texto constitucional. Inicialmente destinadas a disciplinar as matérias

previstas na Constituição, estas leis orgânicas passaram, posteriormente, a se

diferenciar também quanto ao procedimento legislativo e ao quorum de aprovação,

preenchendo uma posição intermediária entre as demais leis e a Constituição, no que

diz respeito à estabilidade.282

No Direito brasileiro, a diferenciação quanto ao quorum de aprovação das leis

complementares surgiu com a CF/67, que, em seu art. 53, determinou que as leis

complementares da Constituição deveriam ser votadas por maioria absoluta dos

membros das duas Casas do Congresso Nacional.

A CF/88, no art. 69, repete a exigência de que as leis complementares sejam

votadas por maioria absoluta.

José Souto Maior Borges observa que todas as leis que conferem eficácia

integral a dispositivos constitucionais poderiam ser consideradas leis

complementares. Não obstante, reconhece que, de acordo com o ordenamento

jurídico brasileiro atual, a expressão "lei complementar" deve ser reservada apenas

282 BASTOS, Celso Ribeiro. Lei Complementar - Teoria e comentários, 2ª ed., São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 28-29.

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para a lei votada com a observância de um quorum qualificado, versando sobre

matéria que lhe é especificamente atribuída pela Constituição Federal.283

No mesmo sentido, cita-se Alexandre de Moraes:

São duas as diferenças entre lei complementar e lei ordinária. A

primeira é material, uma vez que somente poderá ser objeto de lei

complementar a matéria taxativamente prevista na Constituição Federal,

enquanto que todas as demais matérias deverão ser objeto de lei ordinária.

Assim, a Constituição Federal reserva determinadas matérias cuja

regulamentação, obrigatoriamente, será realizada por meio de lei

complementar. A segunda é formal e diz respeito ao processo legislativo, na

fase de votação. Enquanto o quorum para aprovação da lei ordinária é de

maioria simples (art. 47), o quorum para aprovação da lei complementar é

de maioria absoluta (art. 69), ou seja, o primeiro número inteiro

subsequente à divisão dos membros da Casa Legislativa por dois.284

Registra, ademais, o referido autor, que a razão da existência da lei

complementar advém do fato de que o constituinte ter entendido "que determinadas

matérias, apesar da evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na

própria Constituição Federal, sob pena de engessamento de futuras alterações; mas,

ao mesmo tempo, não poderiam comportar constantes alterações através de um

processo legislativo ordinário."285

Não obstante a importância das questões tratadas por lei complementar por

determinação constitucional, não há relação de hierarquia entre esta espécie

normativa e a lei ordinária, mas apenas atuação em campos distintos de

competência. Ademais, a lei complementar não regula a forma de criação da lei

ordinária, nem consiste sem seu fundamento de validade.286

283 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária, São Paulo: Revista dos Tribunais/EDUC, 1975, p. 31. 284 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 529-530. 285 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 529. 286 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária, São Paulo: Revista dos Tribunais/EDUC, 1975, p.56.

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Já se pretendeu, contudo, diferenciar a lei complementar da lei ordinária, sob

a alegação de que a lei complementar seria veiculadora, no Estado Federal, de

norma nacional, representando a ordem jurídica total. A lei ordinária seria, por sua

vez, lei do âmbito da ordem jurídica parcial representada pela União, destinada às

pessoas físicas ou jurídicas por ela jurisdicionadas ou administradas.287

Como se verifica pelo art. 1º da CF/88, a República Federativa do Brasil é

composta pela união indissolúvel dos Estados e dos Municípios. Dessa forma,

observa Sacha Calmon Navarro Coêlho, que passam a existir três ordens jurídicas

parciais. Afirma, assim, que Kelsen e os teóricos do federalismo costumam

distinguir, utilizando-se do âmbito de validade das leis, entre as que são válidas em

todo o território federal (normas centrais) e as que são válidas apenas para

determinadas partes desse território (normas parciais).288

Sobre as ordens jurídicas parciais, ensina:

No Brasil, v.g., existem três ordens jurídicas parciais, que

subordinadas pela ordem jurídica constitucional forma a ordem jurídica

nacional. As ordens jurídicas parciais são: (a) a federal, (b) a estadual e (c)

a municipal, pois tanto a União, como os Estados e os Municípios possuem

autogoverno e produzem normas jurídicas. Juntas, estas ordens jurídicas

forma a ordem jurídica total, sob o império da Constituição, fundamento do

Estado e do Direito. A lei complementar é nacional, e, pois, subordina as

ordens jurídicas parciais.289

Embora a lei complementar seja proveniente da União e informando a ordem

jurídica total, por valer para todo o Estado, lembra José Souto Maior Borges que esta

tem o mesmo âmbito espacial e temporal de validade que a lei federal, que traz

regras referentes a uma das ordens parciais. Da mesma forma, a lei complementar é

287 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária, São Paulo: Revista dos Tribunais/EDUC, 1975, p. 67. 288 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 66. 289 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 65.

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proveniente de uma ordem jurídica parcial central, podendo, eventualmente, haver

diferenças quanto ao âmbito pessoal. Não obstante, registra o autor que a lei

ordinária pode ser federal stricto sensu, se somente dizem respeito aos

jurisdicionados e administrados da União, ou materialmente nacional, se aplicável à

União, Estados, Distrito Federal, Municípios.290

Logo, pode-se inferir que os critérios básicos de diferenciação da lei

complementar e lei ordinária consistem no quorum de aprovação e às matérias a

serem tratadas, atuando a lei diretamente ou complementando "dispositivos

constitucionais de eficácia contida (balizando-lhes o alcance) ou ainda integram

dispositivos constitucionais de eficácia limitada (conferindo-lhes normatividade

plena)".291

No âmbito tributário, as matérias objeto de lei complementar são aquelas

previstas no art. 146 da CF/88, dentre as quais encontram-se as limitações

constitucionais ao poder de tributar. Não obstante, considerando-se que, quando a

Constituição deseja que seus dispositivos sejam regulamentados por lei

complementar, invoca expressamente esta espécie normativa, discute-se acerca da

possibilidade de regulamentação da imunidade concedida às instituições de

assistência social em relação aos impostos e às contribuições sociais por lei

ordinária, tendo em vista que, tanto o art. 150, VI, "c" como o art. 195, § 7º da

CF/88 referem-se aos "requisitos estabelecidos em lei", sem qualificá-la como lei

complementar.

É o que se analisará a seguir.

290 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária, São Paulo: Revista dos Tribunais/EDUC, 1975, p. 68-69.

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6.3. Natureza da lei que estabelece requisitos para a imunidade das entidades

assistenciais em relação aos impostos

A atual Constituição, como já consignado, consagra a imunidade das

entidades educação e de assistência social em seu art. 150, VI, "c", nos seguintes

termos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

........................................................................................................................

VI - instituir impostos sobre:

........................................................................................................................

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas

fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de

educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos

da lei.

A necessidade de se estabelecer requisitos para o gozo da imunidade advém

da necessidade de restringir tal prerrogativa apenas às entidades que efetivamente

auxiliam o Estado na consecução de seus objetivos, atuando em benefício da

sociedade.

Assim, o primeiro requisito a ser observado para o gozo desta imunidade já

está estabelecido na própria Constituição, que é a ausência de fins lucrativos. Outros

requisitos, podem, todavia, ser exigidos mediante lei, surgindo, em conseqüência, o

problema de se definir a natureza desta lei.

No texto do dispositivo supra-transcrito, mencionou a Constituição apenas a

necessidade de "lei", sem definir se esta seria uma lei complementar ou uma lei

ordinária, ou seja, se a lei mencionada deveria ou não ser caracterizada pela

291 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 67.

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observância de um processo de elaboração especial, cuja aprovação exige a maioria

absoluta dos votos dos membros da duas Casas do Congresso Nacional, nos termos

do art. 69 da CF/88.

Em princípio, não tendo exigido expressamente a submissão da lei ao

processo especial, seria de se considerar suficiente a instituição de requisitos em lei

ordinária. Isto porque, quando a Constituição deseja submeter a regulamentação de

determinada matéria ao procedimento mais dificultoso da lei complementar, o diz

expressamente, como bem registra Celso Ribeiro Bastos:

Um dos traços que individualizam a lei complementar é o fato de só

poder tratar das matérias que expressamente a Constituição diz ser

própria dessa espécie normativa. Nenhuma outra pode cuidar dos

assuntos afetos a essa sorte de lei. Daí a razão de ser ela imodificável pelas

leis em geral. É que ela (lei complementar) desfruta de matéria própria,

subtraída da competência das demais normas.292 (grifo nosso)

Não obstante, a questão não deve ser vista à luz tão-somente do disposto no

art. 150, VI, "c", da Constituição Federal de 1988, devendo ser inserida no contexto

da Lei Maior, em interpretação sistemática. Deve-se, portanto, reconhecer que a

imunidade representa uma limitação ao poder de tributar, uma vez que implica na

não concessão de competência aos entes estatais para cobrarem impostos das

entidades de educação e assistência social.

Tal reconhecimento implica na conjugação do disposto no art. 150, VI, "c"

acima mencionado, com o que determina o art. 146, II da CF/88, verbis:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

......................................................................................................................

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

292 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 309.

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Conclui-se, portanto, que sendo a imunidade uma limitação ao poder de

tributar, a lei que estabelecerá os requisitos para seu gozo em relação a impostos

deverá ser complementar, como amplamente reconhecido pela doutrina.

Acerca da natureza da lei hábil a dispor sobre a imunidade das instituições em

análise, citam-se os comentários de Roque Antônio Carazza:

(...) tal lei só pode ser uma lei complementar, justamente porque ela vai

regular imunidades tributárias, que são 'limitações constitucionais ao poder

de tributar'. Ora, estas, a teor do art. 146, II, da CF, só podem vir veiculadas

por meio de lei complementar. 293

Afirma, ainda, Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Não é nem poderia ser lei ordinária. A uma, porque a imunidade,

restrição ao poder de tributar da União, dos Estados e dos Municípios,

ficaria à mercê da vontade dos próprios destinatários da restrição, se

lhes fosse dado regulá-la pela lei ordinária. Seria transferir ao legislador

ordinário das ordens parciais poder permanente de emenda à Constituição.

Sim, porque na medida em que por lei ordinária pudessem variar as

condições para a fruição da imunidade, poderiam até mesmo frustrá-la.

Assistiríamos ao absurdo de ver um valor posto numa Constituição rígida,

para garantir certas categorias de pessoas contra a tributação, vir a ser

manipulado, justamente por aqueles a quem se proíbe o poder de tributá-las.

(...) A duas, porque seria admitir duas fórmulas constitucionais para operar

uma só matéria, a regulação das limitações ao poder de tributar. Haveria

antinomia entre o art. 146, II, que prevê lei complementar para o trato da

espécie, e o art. 150, VI, c, prevendo apenas lei ordinária para a regulação

de uma limitação específica ao poder de tributar.294 (grifo nosso)

Ressalte-se que, determinando o art. 150, VI, "c", da CF/88 a necessidade da

observância de requisitos estabelecidos em lei para o gozo da imunidade, verifica-se

293 CARAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 434-435. 294 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 349-350.

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o enquadramento do dispositivo como uma norma de eficácia limitada, ou seja, sua

eficácia depende de lei que regulamente a questão.

Ocorre que, como acima registrado, em se tratando de imunidade em relação

aos impostos, já existia, no sistema jurídico brasileiro, lei estabelecendo os

requisitos a serem observados pelas entidades de educação e assistência social, qual

seja, o art. 14 do Código Tributário Nacional, que foi recepcionado como lei

complementar pela CF/88, o que possibilitou a concessão de eficácia imediata ao

dispositivo constitucional.

Assim, os requisitos para o gozo da imunidade são os previstos no art. 14 do

CTN, que estabelece:

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à

observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a

qualquer título295;

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos

seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos

de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do art. 9º,

a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são

exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais

das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou

atos constitutivos.

O Código Tributário Nacional - Lei nº 5.172, de 25/10/66, foi votado como

lei ordinária, uma vez que, como visto, somente com a CF/67 passou o ordenamento

jurídico brasileiro a prever a submissão de leis que versassem sobre determinada

matéria à votação por um quorum qualificado. Não obstante, tendo em vista que o

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art. 19, § 1º da CF/67 e o art. 46, II da CF/88 passaram a exigir lei complementar,

aprovada pela maioria absoluta dos membros da Câmara e do Senado, para regular

as limitações constitucionais ao poder de tributar, o Código Tributário, por tratar

desta matéria, foi recepcionado como lei complementar296, continuando as entidades

de assistência social e de educação que preenchiam os requisitos estabelecidos no

art. 14 acima transcrito, a fazer jus ao benefício da imunidade.

6.4. Natureza da lei que estabelece requisitos para a imunidade em relação às

contribuições sociais

A imunidade concedida às entidades de assistência pela Constituição Federal,

tanto em relação a impostos como em relação a contribuições sociais, foi

condicionada à observância dos requisitos estabelecidos em lei, tratando-se, em

conseqüência, de regra de eficácia limitada.

No que se refere à imunidade em relação aos impostos, conforme já se

discorreu, a norma constitucional pôde produzir efeitos imediatos, tendo em vista a

existência de regra específica no ordenamento jurídico estabelecendo os requisitos

para o gozo da imunidade.

Não obstante, em relação às contribuições sociais, a norma ficou na

dependência do advento de lei que estabelecesse os requisitos mencionados pela

CF/88, tendo em vista que a lei vigente por ocasião da promulgação da Constituição

somente se referia a entidades em gozo de isenção por ocasião do advento do

Decreto-lei nº 1.572/77.

295 Inciso I com redação da LC nº 104/2001. 296 BASTOS, Celso Ribeiro. Lei Complementar - Teoria e comentários, 2ª ed., São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 167.

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Discute-se, todavia, se a lei a que se refere o § 7º do art. 195 da Constituição

também deveria ser lei complementar, tendo em vista a determinação contida no art.

146, II da CF/88, no sentido de que as limitações constitucionais ao poder de tributar

sejam regulamentadas por esta espécie normativa, como aliás reconheceu o STF em

liminar concedida na ADIN nº 2028/5297, quando suspendeu a aplicação dos

dispositivos da Lei nº 9.732/98, que alterou a redação do art. 55 da Lei nº 8.212/91.

Nesse sentido, Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto afirmam ser necessária

a utilização de lei complementar para a regulamentação do art. 195, § 7º, da

Constituição Federal de 1988, sendo que, aqueles que defendem a regulamentação

mediante lei ordinária partem do pressuposto equivocado de que o dispositivo trata

de isenção, e não de imunidade. São suas palavras:

O equívoco que tem marcado a análise dessa questão resulta do viés

de certa legislação que pretende, equivocada ou maldosamente, ver isenção

onde há imunidade. Deveras, especialmente as normas que versam a

contribuição à seguridade social pretendem que a exoneração tributária seja

decorrente de isenção (como era até o advento da Constituição de 1988). A

partir da Carta Magna em vigor, tem-se imunidade, ex vi do § 7º do art.

195. Destarte, a partir de então, não mais há falar em isenção e sim em

imunidade. Os defensores da equivocada tese da isenção apegam-se à

literalidade do texto constitucional (que menciona o vocábulo isenção) para,

a esse pretexto, (a) criar exigências não previstas no art. 14 do CTN e (b)

fazê-lo por leis ordinárias (ou, até mesmo, por normas infralegais).298

Ressalte-se, no que se refere à defesa da utilização do disposto no CTN como

complemento ao art. 195, § 7º, da CF/88, que tal interpretação foi afastada pelo STF,

em conformidade com a decisão proferida no MI nº 232299, acima mencionado.

297 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2028-5, Relator Ministro Moreira Alves, liminar publicada no DJ de 16/06/2000. 298 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 81-82. 299 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI nº 232/92, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ 27/03/92.

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Ives Gandra da Silva Martins, em parecer elaborado com Marilene Talarico

Martins Rodrigues afirma que a lei a que se refere o art. 195, § 7º, da CF/88 é a lei

complementar, registrando que não poderia a Lei nº 8.212/91 instituir novos

requisitos, não previstos no art. 14 do CTN, dificultando o reconhecimento da

imunidade como forma de exoneração tributária300. Assim, afirmam:

Além de deverem estar previstos em lei complementar, os

requisitos só podem consistir em condições que visem assegurar a

teleologia do benefício; que sejam compatíveis com a finalidade para a

qual a desoneração foi concebida pelo legislador supremo.301

No mesmo sentido, José Eduardo Soares de Melo, ao discorrer sobre a

imunidade das entidades beneficentes quanto às contribuições sociais defende ser a

lei complementar o instrumento adequado para a regulamentação do texto

constitucional, registrando o que se segue:

O legislador ordinário não tem nenhum tipo de competência para

dispor sobre as regras imunitórias, por se tratar de matéria afeta ao

exclusivo âmbito da lei complementar, pairando sobre todas as pessoas de

direito público, uma vez que concerne à regulação das limitações

constitucionais ao poder de tributar (art. 46, II da CF-88).

Os requisitos e o veículo normativo apontados, para aplicação da

imunidade a impostos, também hão de ser observados para a desoneração

das contribuições sociais, na forma contida na CF-88.302

Rodrigo César Caldas de Sá defende que os requisitos para a imunidade

devem ser apenas os previstos no Código Tributário Nacional. Analisando a Lei nº

8.212/91, em sua redação original, afirma que esta respeita as disposições do art. 14

300MARTINS, Ives Gandra da Silva e MARTINS, Marilene Talarico. Imunidade tributária das instituições de assistência social à luz da Constituição Federal, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 38, nov. 1998, p. 110-113. 301 MARTINS, Ives Gandra da Silva e MARTINS, Marilene Talarico. Imunidade tributária das instituições de assistência social à luz da Constituição Federal, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 38, nov. 1998, p. 116. 302 MELO, José Eduardo Soares de. A imunidade das Entidades Beneficentes às Contribuições Sociais, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 18, mar. 1997, p. 43.

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do CTN, determinando apenas exigências formais para o exercício da imunidade.

São suas palavras:

A conceituação e os requisitos para que se considere uma entidade

como de assistência social é dada, portanto, pelo artigo 14, do Código

Tributário Nacional, seja para efeito de imunidade de impostos, prevista no

artigo 150, VI, c, da Constituição Federal, seja para efeito da imunidade de

contribuições para a seguridade social prevista no § 7º do artigo 195, da Lei

Maior.303

Misabel Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho, em parecer

publicado na Revista de Direito Tributário Aplicado afirmam:

A Constituição, tanto em seu art. 150, V, c, como no art. 195, § 7º,

exige do ente imune observância aos requisitos ou exigências estabelecidas

em lei. Mas que espécie de lei?

Antes do advento da Constituição de 1988, já havia a jurisprudência

fixado o entendimento de que a regulamentação das imunidades somente

poderia advir de lei complementar federal. Após a vigência da Carta de

1988, restou mais claro ainda que o único veículo idôneo a regular a

matéria seria a lei complementar, genericamente prevista no art. 146 e

especificamente referida no art. 150 e 195, § 7º citados.304

Gabriel Lacerda Troianelli, por sua vez, reconhece que o legislador ordinário

poderia disciplinar a questão, desde que não extrapolasse o art. 14 do CTN, ou seja,

reconhece que o instrumento normativo adequado para conferir eficácia plena ao art.

195, § 7º da CF/88 é a lei complementar, podendo a lei ordinária, se for o caso, atuar

como uma espécie de regulamentação dos requisitos estabelecidos em lei

complementar, tendo em vista a matéria tratada. Neste sentido, assim se pronuncia:

303 SÁ, Rodrigo César Caldas de. Considerações a respeito da Lei nº 9732/98 e a imunidade tributária das entidades filantrópicas e de assistência social, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 47, ago. 1999, p. 115. 304 DERZI, Misabel Abreu Machado e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social, in Direito Tributário Aplicado - Estudos e Pareceres, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 217.

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O que não impede, todavia, que o legislador ordinário, desde que

não extrapole o disposto no art. 14 do CTN, disponha sobre os critérios

para o reconhecimento de uma sociedade nos moldes estabelecidos pelo

parágrafo 7º do artigo 195, como fez, não sem algumas imperfeições, no

artigo 55 da Lei nº 8.212/91.305 (grifo nosso)

Afirma, ainda, Aires F. Barreto que seria descabido supor que limitações

constitucionais possam ser reguladas por lei ordinária, tendo em vista que tal

tratamento implicaria na concessão da possibilidade de que cada ente estatal pudesse

disciplinar a imunidade. Argumenta o autor:

O legislador constitucional, ao conferir à lei complementar a função

de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, buscou manter

a coerência da ordem jurídica e a eficácia de seu comando, evitando abusos

que pudessem restringir o gozo da imunidade.

Fosse possível estabelecer os requisitos para o gozo da imunidade,

por intermédio de lei ordinária, estaríamos diante do caos. Isto porque cada

ente tributante - União, Estados, Distrito Federal e Municípios - buscaria

fixar as condições para o usufruto da imunidade constitucional. Cada uma

dessas inúmeras leis (isto para não falar nos atos infralegais que se

seguiriam) estabeleceria critérios e condicionantes os mais díspares para

reger a matéria. Como não existe hierarquia entre as leis ordinárias dos

diversos entes políticos, seria difícil precisar qual preceito deveria ser

obedecido. Instalar-se-ia, de vez, nesse campo, total desordem no

ordenamento jurídico brasileiro.306

Ocorre que, em se tratando de contribuições sociais, a competência para sua

instituição é deferida apenas à União (com exceção das contribuições destinadas ao

custeio dos regimes próprios de previdência social dos Estados e Municípios), de

forma que a regulamentação não ficará a critério de cada entidade tributante.

305 TROIANELLI, Gabriel Lacerda. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social prevista no artigo 195, § 7º da Constituição Federal e a Lei Complementar nº 84/96, in Contribuições Previdenciárias - Questões Atuais, São Paulo: Dialética, 1996, p. 87-88. 306 BARRETO, Aires F. Contribuições Sociais: Imunidade das Instituições Beneficentes de Assistência Social, in Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 3, 1999, p. 16-17.

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Ademais, já se verificou, tanto a lei ordinária quanto a lei complementar

podem ser nacionais, aplicáveis à ordem jurídica total. E ainda que assim não o

fosse, a competência para a instituição das contribuições sociais é da União Federal,

de forma que a regulamentação desta espécie tributária será feita por lei decorrente

da ordem jurídica parcial, representada pela União.

Logo, tal argumento é válido apenas quanto as imunidades de impostos, mas

não de contribuições sociais.

Não obstante as respeitáveis posições acima elencadas, para se verificar a

natureza da lei exigida para a regulamentação do art. 195, § 7º, da CF/88 faz-se

necessário se promover uma interpretação sistemática do texto constitucional.

Logo, da análise do texto constitucional poderá se concluir que a lei hábil

para estabelecer os requisitos para o gozo da imunidade não precisa ser formalmente

complementar. Com efeito, as contribuições sociais são tributos que receberam uma

regulamentação específica. Tratou, assim, o constituinte, de submetê-las ao princípio

da anterioridade mitigado, nos termos do art. 195, § 4º, da CF/88, dispensando, por

outro lado, o emprego de lei complementar para regulamentar a imunidade das

entidades de assistência social.

De fato, deve-se recorrer à interpretação sistemática para se verificar a

natureza da lei a que se refere o § 7º do art. 195 da CF/88. Para tanto, deve-se atentar

para o que dispõe o art. 149, caput, da Constituição Federal, verbis:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais,

de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias

profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas

respectivas áreas, observado o disposto no arts. 146, III, e 150, I e III, e sem

prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que

alude o dispositivo.

Assim, no que se refere às contribuições, determinou a Constituição tão-

somente a submissão às regras estabelecidas em lei complementar referentes a

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normas gerais em matéria de legislação tributária. De forma que, não tendo o art.

149 da CF/88 feito referência ao disposto no inciso II do art. 146, também da

Constituição Federal, conclui-se pela inaplicabilidade, às contribuições sociais, da

exigência de lei complementar que regule as limitações constitucionais ao poder de

tributar. Infere-se, portanto, a possibilidade de se estabelecerem requisitos ao gozo

da imunidade por lei ordinária, como o fez a Lei nº 8.212/91.

A propósito, afirma Fábio Zambitte Ibrahim:

Ora, já que a própria Carta Magna remete à lei complementar esta

limitação, parece bastante lógico que a menção à "lei" no art. 195, § 7º da

CF/88 também seja uma verdadeira lei complementar. Entretanto,

utilizando-se do mesmo componente sistemático de interpretação, a

conclusão vai em sentido diverso. Deve-se atentar para o art. 149 da

Constituição, o qual prevê, somente, a aplicação do inciso III do art. 146 às

contribuições sociais, e não o artigo por completo. Contrario sensu,

conclui-se pela não-aplicação do art. 146, II da CF/88 em relação às

contribuições sociais, e daí a inadequação da referida lei complementar para

impor restrições à imunidade do art. 195, § 7º da CF/88, restando inviável

sustentar-se que a "lei" mencionada seja complementar, e muito menos,

defender-se a aplicação do art. 14 do CTN.

Entende que a interpretação a contrario, neste caso, não decorre de

um mero silêncio ou omissão da Carta Magna, mas sim de um "silêncio

eloqüente" da mesma, no qual o texto impõe exegese restrita, pois trata-se

de enumeração taxativa, a qual "limita claramente só a certos casos a sua

disposição", ou seja, só às contribuições. Sustentar-se a necessidade de lei

complementar para o art. 195, § 7º da CF/88 mediante interpretação

analógica com o art. 150, VI, "c" é incorreto, pois contraria, frontalmente, o

sentido literal do art. 149, e, portanto, tal tentativa "já não é interpretação,

mas modificação de sentido".307

307 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Considerações sobre a Imunidade do § 7º do art. 195 da CF/88, referente às Entidades Beneficentes de Assistência Social, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 53, p. 36-37.

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Por outro lado, Sacha Calmon Navarro Coêlho registra que, em se tratando de

imunidade quanto a contribuições sociais, somente se se entender que as

contribuições patronais são impostos, é que se viabilizará a exigência de lei

complementar para a fixação dos requisitos a serem preenchidos pelas entidades

beneficiárias. Afirma:

No concernente especificamente às contribuições sociais do art. 195 da CF,

só possuem legitimidade para exigir lei complementar prévia aqueles que

entendem serem impostos tais figuras impositivas. Certo, por isso, que a

regra do art. 146, III, 'a' da CF, endereçada está a impostos e, o que é mais,

impostos discriminados na mesma. Consequentemente, os que entendem

possuir as contribuições sociais natureza específica diversa da dos

impostos, seja por critérios de validação finalística, seja por outros

critérios, estão ipso facto impedidos de pleitear lei complementar

regrando o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes dessas

exações. As contribuições sobre folha, lucro e faturamento, receitas e

prognósticos deveriam ser previamente estruturadas em lei complementar

de normas gerais.308 (grifo nosso)

Desta forma, caso se considerassem as contribuições sociais como impostos,

seria necessária, não somente a utilização da lei complementar para instituir o fato

gerador, base de cálculo e contribuintes, em conformidade com o disposto no art.

146, III, "a" da CF/88, sendo aplicável, da mesma forma, o disposto em seu art. 146,

II, referente às limitações ao poder de tributar.

A propósito, cabe observar que o STF, no RE nº 166.772/RS, já reconheceu

que as contribuições previstas no art. 195 da CF/88 podem ser instituídas por lei

ordinária, por não se lhes aplicar o disposto no art. 146, III, "a" da Lei Maior, sendo

que, somente na hipótese de se criar novas fontes destinadas ao custeio da

seguridade social, é que se deveria utilizar de lei complementar, em conformidade

308 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 93.

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com o § 4º do mencionado dispositivo.309 Considerando tal posicionamento, bem

como o tratamento diferenciado conferido pela Constituição às contribuições sociais,

ainda que se invoque o disposto no art. 4º do CTN, segundo o qual a destinação do

produto de arrecadação do tributo é irrelevante para identificar a sua natureza

jurídica específica, pode-se concluir que, mesmo que algumas espécies de

contribuições sociais não impliquem em qualquer atividade estatal específica em

relação ao contribuinte (o que, em princípio, poderia ensejar o seu enquadramento

como imposto, em conformidade com o que dispõe o art. 16 do CTN), não se

poderá, em face da CF/88, pretender conferir-lhe o tratamento previsto para a

espécie tributária "imposto".

Ademais, o que importa notar, é que o art. 149 da CF/88 somente determinou,

para as contribuições sociais, a observância do art. 146, III, da Constituição, de

forma que afastou expressamente a exigência de lei complementar para regular as

limitações constitucionais ao poder de tributar quanto a esta espécie tributária.

De se considerar que, embora tenha o STF promovido a suspensão dos

dispositivos da Lei nº 9.732/98, que alterava os requisitos estabelecidos pela Lei nº

8.212/91 para o reconhecimento da isenção, na ADIMC nº 2.036/DF e na ADIN nº

2.028-5/DF, a questão da necessidade de lei complementar não ficou

definitivamente definida, uma vez que não se tratam de decisões de mérito.

Cumpre mencionar que, no julgamento da ADIMC nº 2.036/DF, foi

registrado que a jurisprudência do STF já se firmara, há muito tempo, no sentido de

que só será exigível lei complementar quando a Constituição expressamente a exigir.

Consignou-se, todavia, a existência de corrente doutrinária que defende que, não

obstante referir-se o art. 195, § 7º da CF/88 à "lei", não se referindo expressamente à

lei complementar, este seria o instrumento adequado para regulamentar o dispositivo

constitucional, tendo em vista que o art. 146, II, também da CF/88 exige tal espécie

309 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE nº 166.772/RS, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no DJ de 16/12/94.

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normativa para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Ao se

conceder a liminar, não se decidiu sobre a prevalência de uma dessas teses,

afirmando o Ministro Moreira Alves:

Em se tratando, porém, de pedido de liminar, e sendo igualmente relevante

a tese contrária - a de que, no que diz respeito a requisitos a serem

observados por entidades para que possam gozar da imunidade, os

dispositivos específicos, ao exigirem apenas lei, constituem exceção ao

principio geral - não me parece que a primeira, no tocante à relevância,

se sobreponha à segunda de tal modo que permita a concessão da liminar

que não poderia dar-se por não ter sido atacado também o artigo 55 da Lei

8212/91 que voltaria a vigorar integralmente em sua redação originária,

deficiência essa que levaria, de pronto, ao não-conhecimento da presente

ação direta. Entendo que, em casos como o presente, em que há, pelo menos

num primeiro exame, equivalência de relevâncias, e em que não se alega

contra os dispositivos impugnados apenas inconstitucionalidade formal,

mas também inconstitucionalidade material, se deva, nessa fase da

tramitação da ação, trancá-la com seu não-conhecimento, questão cujo

exame será remetido para o momento do julgamento final do feito.310 (grifo

nosso)

Infere-se, portanto, que, embora tenha sido concedida medida cautelar

suspendendo a eficácia dos dispositivos da Lei nº 9.732/98, não somente por vício

de fundo, mas também por vício de forma311, a questão não se encontra

definitivamente resolvida pelo STF, podendo prevalecer a tese ora defendida, ou

seja, de que a imunidade quanto às contribuições sociais pode ser instituída por lei

ordinária, por ter o constituinte afastado expressamente, em relação a esta espécie

tributária, a aplicação do disposto no art. 146, II, da CF/88, que exige lei

complementar para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

310BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIMC nº 2.036, Relator Ministro Moreira Alves, liminar julgada em 11/11/99, publicada no DJ de 16/06/2000. 311 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2028-5, Relator Ministro Moreira Alves, liminar publicada no DJ de 16/06/2000.

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CAPÍTULO SÉTIMO

FORMA DE ATUAÇÃO DAS ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Sumário: 7.1. Clientela a ser atendida pelas entidades

assistenciais. 7.2. A gratuidade e as inovações estabelecidas

pela Lei nº 9.732/98. 7.3. Exercício de atividade econômica

pelas entidades beneficentes.

7.1. Clientela a ser atendida pelas entidades assistenciais

Questão relevante é a que se refere à clientela a ser atendida pelas entidades

imunes. Pode-se questionar: tais entidades têm o dever de atender quaisquer pessoas

ou pode definir sua clientela?

Sobre esta questão, afirma Celso Barroso Leite:

Podemos defini-la como a generalidade do acesso aos seus serviços por

todas as pessoas cuja situação se enquadre nos respectivos programas; e

também se fala, meio enfaticamente, em universalidade.

Assim, por exemplo, uma entidade voltada para problemas mentais

deve atender a qualquer pessoa que, desprovida de recursos, necessite da

sua ajuda; outra, de gerontologia ou algo equivalente, atenderá a qualquer

idoso carente que a procurar; uma terceira, de assistência de menores,

precisa estar, dentro das suas condições e possibilidades, à disposição das

crianças necessitadas, sem exceções; e assim por diante.312

312 LEITE, Celso Barroso. Filantropia e Contribuição Social, São Paulo: LTr, 1998, p. 77-78.

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Afirma, assim, que não pode ser considerada assistencial creche ou escola

mantida por empresários para atender aos filhos de seus empregados. Afirma que

existe, aí, assistência patronal e não social, tratando-se de "cortesia com chapéu

alheio, isto é, à custa da seguridade social."313

Leopoldo Braga, analisando a imunidade concedida às entidades de educação

e assistência social pela Constituição Federal de 1946, afirma que não se pode

generalizar, confundindo e nivelando as verdadeiras instituições de educação e

assistência social, criadas com fim público exclusivo, nascidas do espírito de

cooperação, e as simples "associações", "corporações", "organizações" e entidades

congêneres, ainda que sem fins lucrativos, mas criadas para atender

predominantemente a interesses particulares de seus próprios membros, fundadores

e associados, ainda que prestem secundariamente serviços gratuitos a terceiros

estranhos ao quadro social. Tais entidades, afirma, poderiam usufruir de isenção,

mas não de imunidade.314

A propósito, discorre o autor:

Compreende-se, por ser absolutamente justo, que essas simples

associações beneficentes sem fim lucrativo, criadas exclusiva ou

principalmente no interesse particular de grupos, classes, ordens

profissionais ou religiosas, etc (...) recebam, também, auxílio do Estado;

mas esse auxílio - proporcional à natureza, extensão e relevância dos seus

serviços - deve consistir em subvenções, doações de imóveis, quando muito

em abrandamentos ou simples isenções de certos impostos, por via de leis

ordinárias especiais, na medida dos merecimentos e das necessidades de

cada qual delas; jamais, porém, no privilégio máximo da 'imunidade'.315

(grifo nosso)

No mesmo sentido, afirma Ricardo Lobo Torres:

313 LEITE, Celso Barroso. Filantropia e Contribuição Social, São Paulo: LTr, 1998, p. 78. 314 BRAGA, Leopoldo. Do conceito jurídico de instituições de educação e de assistência social, Rio de Janeiro [s.n.], 1960, p. 59. 315 BRAGA, Leopoldo. Do conceito jurídico de instituições de educação e de assistência social, Rio de Janeiro [s.n.], 1960, p. 96.

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Para ser beneficiária da imunidade torna-se necessário que a

instituição de educação ou de assistência preste atendimento à população

em geral, sem discriminações. Fora do campo do direito,

conseguintemente, estariam as instituições fechadas, que restringissem o

atendimento a grupo, classe ou empresas.316 (grifo nosso)

Em amparo a este posicionamento, afirma Ricardo Lobo Torres que na

Alemanha e nos Estados Unidos, busca-se a ampliação dos beneficiários da

assistência social. Assim, informa:

O Código Tributário da Alemanha prevê: "deixa de ocorrer

promoção social, se o círculo de pessoas beneficiadas é muito restrito,

como, por exemplo, quando pertence a uma família ou ao quadro de pessoal

de uma empresa, ou quando há de ser apenas de curta duração em razão das

limitações impostas principalmente pelo seu restrito âmbito de atuação ou

pelas características profissionais de seu trabalho". Nos Estados Unidos a

doutrina denuncia os abusos ocorridos na criação das fundações familiares e

corporativas, com o intuito de obter os benefícios da legislação do imposto

de renda.317

Afirma, assim, o autor, que no Brasil, a doutrina e a jurisprudência dilargaram

exageradamente a compreensão da imunidade, tendo a afastado de seu fundamento

precípuo, que seria a proteção dos direitos de liberdade sintetizados no mínimo

existencial. Assim, com o argumento de justiça, foi estendida a pessoas e classes

sociais que não necessitam da proteção estatal. Seria, portanto, necessário repensar

os fundamentos da garantia e dar à imunidade finalidade relacionada com os ideais

do Estado Social Fiscal, para que não se transforme em privilégio.318

Não obstante, já decidiu o STF, no RE nº 116.631/RS, ao analisar a

imunidade em relação a impostos, que a restrição a determinada parcela da

316 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 270. 317 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 270. 318 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 278-280.

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sociedade, como os empregados de uma empresa não estaria a descaracterizar a

assistência social. É o que se depreende da ementa a seguir transcrita:

Instituição de assistência social. A finalidade pública da entidade e a

generalidade de sua atuação não se acham comprometidas pelo fato de

se destinarem ao universo de beneficiários constituídos por todos

quantos são ou venham a ser empregados de uma empresa ou da

própria fundação.319 (grifo nosso)

Da mesma forma, o STF registrou, no RE nº 89.012/SP, que a prestação de

serviços assistenciais a diretores e empregados e seus dependentes caracteriza a

assistência social, em conformidade com a ementa que se segue:

É instituição de assistência de social entidade mantida por empresas para

prestar, gratuitamente, serviços de assistência a diretores, empregados e

dependentes destas, uma vez que, além de preencherem os requisitos do

artigo 14 do CTN, auxiliam o Estado na prestação de assistência social

aos que necessitam dela, embora em área circunscrita. Recurso

extraordinário não conhecido.320 (grifo nosso)

Com efeito, deve-se considerar que tais entidades auxiliam o Estado a prestar

a assistência social, reduzindo, portanto, os investimentos necessários neste setor por

suprir as necessidades de parcela da sociedade.

Nesse sentido, o Ministro Moreira Alves registrou, no julgamento do RE nº

115.970/RS, que "a assistência social tem sempre finalidade pública, seja quando

propicia o bem estar de um grupo de empregados e empregadores, seja quando o faz

a toda coletividade." 321

319 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 116.631/RS, Relator Ministro Octávio Gallotti, publicado no DJ de 23/09/88. 320 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 89.012/SP, Relator Ministro Moreira Alves, julgamento em 09/06/1978. 321 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 115.970/RS, Relator Ministro Moreira Alves publicado na RTJ 126/853.

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O STF não considera, todavia, como entidades de assistência social aquela

que atende exclusivamente os interesses de seus sócios. É o que deixou assentado na

ementa proferida no RE nº 52.461/GB:

A imunidade estabelecida na alínea B, do inc. V, do art. 31, da carta política

de 1946, abrange as instituições de assistência social, entidades que

colaboram com o poder público em atividades específicas; jamais a

entidade que se preocupa, apenas, com interesses particulares dos seus

sócios.322 (grifo nosso)

José Eduardo Soares de Melo corrobora o entendimento do STF,

argumentando que as entidades beneficentes de assistência social não precisam estar

abertas a toda a população, podendo estar abertas a um determinado grupo, como os

empregados de uma empresa específica. Observa que a delimitação da clientela não

revela caráter restritivo, sendo que, muitas vezes, podem abranger universo mais

amplo do que a população de muitos municípios.323

Com efeito, verifica-se que o fato de limitarem as entidades beneficentes o

seu atendimento a um determinado grupo social, como os empregados de uma

empresa, ou os moradores de um determinado bairro não implicará na exclusão de

sua característica de entidade beneficente de assistência social, destinatárias da

imunidade.

Desde que promova programas assistenciais, destinados a pessoas que dele

dependam, assistindo pessoas carentes, o auxílio prestado por estas entidades,

voltadas a uma clientela específica, também consistirá em auxílio da sociedade para

com a implementação dos mínimos sociais.

322 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 52.461/GB, Relator Ministro Djaci Falcão, publicado no DJ de 04/10/68. 323 MELO, José Eduardo Soares de. A imunidade das Entidades Beneficentes às Contribuições Sociais, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 18, mar. 1997, p. 42.

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7.2. A gratuidade e as inovações estabelecidas pela Lei nº 9.732/98

Outra questão relevante, quanto à definição dos limites da atuação das

entidades beneficentes, para que façam jus ao favor legal, consiste em se definir se

estas podem cobrar pelos seus serviços, ou se a gratuidade é essencial para a

obtenção do benefício fiscal.

Leopoldo Braga já afirmava, sob a égide da CF/46, que, para que uma

instituição de assistência social tenha direito à imunidade, esta deveria preencher as

seguintes condições: ter fim público, institucional, exclusivo, ou pelo menos

principal, exercer suas atividades gratuitamente e sem intuito lucrativo, e observar a

generalidade na prestação de serviços.324

Afirma que o constituinte de 1946 teve como objetivo imunizar apenas as

entidades de fins públicos, desinteressadas e altruístas, instituídas com o objetivo de

colaborar com o Estado, suprindo suas deficiências.325

Assim sendo, registra que estas instituições não podem visar a satisfação de

interesses particulares, em proveito de seus próprios membros organizadores ou

associados, mas devem visar "à realização desinteressada de caráter altruístico, com

sentido de colaboração à causa do interesse coletivo, do progresso e do bem

geral".326

No âmbito da Constituição Federal de 1988, a discussão tem como

fundamento o disposto no seu art. 203, no sentido de que a assistência social será

prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição, tendo sido acirrada

324 BRAGA, Leopoldo. Do conceito jurídico de instituições de educação e de assistência social, Rio de Janeiro [s.n.], 1960, p. 97. 325 BRAGA, Leopoldo. Do conceito jurídico de instituições de educação e de assistência social, Rio de Janeiro [s.n.], 1960, p. 24. 326 BRAGA, Leopoldo. Do conceito jurídico de instituições de educação e de assistência social, Rio de Janeiro [s.n.], 1960, p. 33.

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com o advento da Lei nº 9732/98, que ao alterar o inciso III do art. 55 da Lei nº

8.212/91, estabeleceu a gratuidade como requisito para o gozo da imunidade.

Assim, cumpre observar que a Lei nº 9.732/98 alterou o inciso III do art. 55

da Lei nº 8.212/91, acrescentando os parágrafos 3º, 4º e 5º ao dispositivo legal, nos

seguintes termos:

Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta lei

a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes

requisitos cumulativamente:

.........................................................................................................................

III - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social

beneficente a pessoas carentes, em especial a criança, adolescentes, idosos e

portadores de deficiência;

..........................................................................................................................

§ 3º Para os fins destes artigo, entende-se por assistência beneficente a

prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar.

§ 4º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS cancelará a isenção se

verificado o descumprimento do disposto neste artigo.

§ 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins

deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos

sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento.

(grifo nosso)

Determinou, ainda, o art. 4º da Lei nº 9.732/98:

Art. 4º. As entidades sem fins lucrativos educacionais e as que atendam ao

Sistema Único de Saúde, mas não praticam de forma exclusiva e

gratuita, atendimento a pessoas carentes, gozarão de isenção das

contribuições de que trata os artigos 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991, na

proporção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a

carentes e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial,

desde que satisfaçam os requisitos referidos nos incisos I, II, IV e V do

artigo 55 da citada lei, na forma do regulamento. (grifo nosso)

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Tais dispositivos, como consignado, estão com sua eficácia suspensa, face à

decisão liminar proferida pelo STF na ADIN nº 2.028-5/DF, sendo que um dos

fundamentos invocados para a concessão da medida cautelar foi o fato de que a Lei

nº 9.732/98 teria promovido mitigação da imunidade, inviabilizando a atuação das

entidades de assistência social, que necessitam de recursos para atingir suas

finalidades.

Assim se pronunciou o Relator da referida ADIN nº 2.028-5/DF, Ministro

Moreira Alves:

No preceito, cuida-se de entidades beneficentes de assistência

social, não estando restrito, portanto, às instituições filantrópicas.

Indispensável, é certo, que se tenha o desenvolvimento da atividade voltada

aos hipossuficientes, àqueles que, sem prejuízo do próprio sustento e o da

família, não possam dirigir-se aos particulares que atuam no ramo buscando

lucro, dificultada que está, pela insuficiência de estrutura, a prestação de

serviços pelo Estado. Ora, no caso, chegou-se à mitigação do preceito,

olvidando-se que nele não se contém a impossibilidade de reconhecimento

do benefício quando a prestadora de serviços atua de forma gratuita em

relação aos necessitados, procedendo à cobrança junto àqueles que possuam

recursos suficientes.327

No que se refere às entidades de educação, deve-se considerar que são

beneficiárias de isenção, e não de imunidade, sendo lícito ao legislador alterar os

requisitos para a obtenção do benefício, ou mesmo revogar a isenção concedida,

impondo a obrigatoriedade do recolhimento de contribuições sociais a todas as

instituições de ensino.

Não obstante, para as entidades assistenciais abrangidas pela imunidade, a

questão da possibilidade de cobrança pelos serviços prestados pelas entidades

assistenciais é objeto de controvérsias doutrinárias.

327 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2028-5/DF, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 16/06/2000.

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Registre-se que Celso Barroso Leite, antes da alteração legislativa, já

defendia a adequação desta exigência, afirmando acerca da ausência de contribuição

para a obtenção de assistência social:

(...) ela é gratuita, não depende de contribuição, ao contrário da previdência

social, onde a contribuição é obrigatória, por ser inerente à sua natureza

securitária. Não poderia ser de outra forma, pois quem necessita de

assistência não tem como contribuir para o seu custeio (...)

Esse reforço conceitual tem por sua vez uma vantagem adicional:

evidencia a impropriedade de se pretender atribuir natureza assistencial a

entidades que cobram pelos seus serviços. A circunstância de prestá-los

gratuitamente a um número em geral reduzido de usuários pode (embora

não deva) caracterizá-las como filantrópicas, porém não como assistenciais.

Uma entidade se caracteriza pela sua finalidade básica, estatutária, e não

por algum setor assistencial restrito, quando não apenas simbólico.328

Antônio Ribeiro Romanelli adota o mesmo posicionamento, assim se

pronunciando:

O fato de um colégio, um hospital ou outra qualquer entidade, seja

uma fundação ou o de que seja declarada de utilidade pública, não é

suficiente para caracterizá-la como instituição capaz de transformá-la em

titular do direito à excepcionalíssima regalia da imunidade constitucional.

Poderia, quando muito - de preencher certos requisitos, ao inteiro

alvedrio do poder tributante - pleitear os favores da isenção, em

reconhecimento de eventuais méritos por algum serviço prestado à

comunidade. Jamais, porém, pretender a imunidade (privilégio

constitucional excepcional).

De outro lado, verificamos que o conceito de gratuidade dos

serviços prestados, o que importa no conceito de ausência total de fins

lucrativos, é outro elemento caracterizador da instituição.

A instituição, como a quer o legislador constituinte há de ser

absolutamente desinteressada, ou seja, não visar nenhuma remuneração de

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seus beneficiários, a quem prestaria os seus serviços gratuitamente.329 (grifo

nosso)

Misabel Abreu Machado Derzi, por sua vez, entende não ser possível se

exigir que as beneficiárias da imunidade prestem serviços gratuitos, tendo em vista

que a Constituição Federal de 1988 não estabeleceu este requisito, assim se

manifestando:

Ao contrário, a Constituição estabelece imunidade ampla para

as entidades de educação e de assistência social, sem distinguir entre as

gratuitas ou não gratuitas, entre as amplamente franqueadas à população

em geral ou as fechadas a um grupo mais restrito. O que importa é que a

atividade seja prestada em solidariedade, sem espírito comercial e fins

lucrativos.330 (grifo nosso)

Jaime Marins registra que, não havendo preço, não haverá capacidade

contributiva, não sendo possível, em conseqüência, a tributação por via de impostos.

Da mesma forma, não se poderia pretender que para obtenção da imunidade quanto

às contribuições sociais fosse exigida a prestação gratuita de assistência social, por

ser "ficção incompatível com a realidade."331

Aires F. Barreto lembra que a imunidade é destinada às entidades

beneficentes de assistência social, impondo-se a conclusão, dessa forma, que devem

prover a necessidades de pessoas que não têm recursos. Não obstante, para tanto,

pode ser necessária a cobrança de serviços prestados a outros, que possam pagar

pelos mesmos. Nesse sentido, ensina:

Mais que entidade de assistência social, tem ela que ser beneficente.

Esse vocábulo tem por fim deixar patente que a instituição deve assistir

328 LEITE, Celso Barroso. Filantropia e Contribuição Social, São Paulo: LTr, 1998, p. 75-76. 329 ROMANELLI, Antônio Ribeiro. Imunidade tributária das instituições educacionais e de assistência social, in Revista de Direito Municipal, ano 3, nº 9-10, Porto Alegre [s.n.], jul./dez. 1978, p. 189. 330 DERZI, Misabel Abreu Machado. A imunidade das Instituições de Educação e de Assistência Social, in Imposto de Renda - Alterações Fundamentais, v. 2., São Paulo: Dialética, 1998, p. 148. 331 MARINS, James. Imunidades condicionadas e incondicionadas - inteligência do artigo 150, VI e § 4º e artigo 195, § 7º da Constituição Federal, in Grandes Questões Atuais de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 3, p. 158.

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carentes e necessitados, provendo uma ou algumas de suas necessidades

(assistência médica, odontológica, psicológica, jurídica).

É instituição de assistência social a que dedicar-se a um ou alguns

desses misteres. E é beneficente aquela que dedicar parte dessas atividades

ao atendimento gratuito de carentes, de hipossuficientes, de desvalidos. Não

é necessário que a gratuidade envolva grandes percentuais. É sabido que

para prover a necessidade de uns poucos é necessário contar com os

recursos de muitos. Qualquer que seja esse percentual, exceto se

absolutamente ínfimo, insignificante, há o caráter de beneficente. Aliás,

pequeno que seja esse percentual, será sempre um auxílio ao estado, em

missões que lhe competem.

É despropositado pretender que os serviços prestados por

instituições de educação e de assistência social sejam sempre gratuitos. Esse

despropósito fica mais visível se tomarmos em conta fato singelo: se os

serviços prestados por essas instituições fossem (sempre) todos gratuitos, de

nada valeria a imunidade. Fossem gratuitos, não teriam preço; não tivessem

preço, jamais poderiam ser objeto de tributação por via de impostos, porque

não haveria qualquer manifestação de capacidade contributiva, pressuposto

inafastável da incidência de todo e qualquer imposto.332

Rodrigo César Caldas de Sá consigna que a exigência de gratuidade

inviabilizaria a existência de tais instituições. A propósito, afirma:

Assumir que somente goza de imunidade quem prestar

exclusivamente serviços gratuitos é contrariar o disposto no inciso I, do

artigo 14, do Código Tributário Nacional, além do contido no próprio artigo

55, inciso IV, da Lei nº 8212/91. Tudo isso sem falar que a exigência de

somente se prestar serviços gratuitos praticamente inviabiliza tais

instituições, por lhes retirar importante fonte de receita, o que por si só

já constituiria inconstitucionalidade.333 (grifo nosso)

332 BARRETO, Aires F. Contribuições Sociais: Imunidade das Instituições Beneficentes de Assistência Social, in Grandes Questões Atuais de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, vol. 3, 1999, p. 24-25. 333 SÁ, Rodrigo César Caldas de. Considerações a respeito da Lei nº 9732/98 e a imunidade tributária das entidades filantrópicas e de assistência social, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 47, ago. 1999, p. 116.

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Ricardo Lobo Torres, em posição intermediária, ensina que a gratuidade deve

ser considerada requisito para o gozo da imunidade, tendo em vista que a assistência

social deve ser exercida desinteressadamente. Assim sendo, deve ser gratuita para os

necessitados. Reconhece, todavia, que a gratuidade não pode ser interpretada no

sentido absoluto, abrangendo todas as prestações a cargo da entidade. Não obstante,

deve abranger parcela substancial do atendimento:

Mas, quanto às entidades imunes, a gratuidade não pode ser

interpretada no sentido absoluto, a abranger todas as prestações; porém, é

necessário que parcela substancial do atendimento se faça sem

contraprestação pecuniária e que não se negue a ação quase pública a

pretexto da impossibilidade de pagamento pelo assistido.334

Com efeito, a exigência de gratuidade integral pode retirar a eficácia do

dispositivo constitucional, tendo em vista que poderá, efetivamente, inviabilizar a

existência de entidades voltadas a auxiliar o Estado na prestação de serviços

assistenciais e na garantia de serviços na área de saúde.

Cumpre ressaltar que, embora seja lícito à lei estabelecer condições para o

gozo da imunidade, não deve destituir de eficácia a norma imunizante inserida na

Constituição, tendo em vista que o Estado necessita da colaboração da sociedade

para a consecução dos objetivos traçados no art. 3º da CF/88. Cabe, todavia, ao

legislador, cuidar para que a imunidade não seja desvirtuada, implicando na

concessão de privilégios a entidades que não visam atender à sociedade, mas a seus

próprios interesses.

Em relação às entidades imunes, contudo, deve-se considerar que a exigência

de um percentual mínimo de gratuidade não contraria o texto constitucional, tendo

em vista que a finalidade mais imediata da imunidade é a ampliação de serviços

assistenciais e de saúde à população que não dispõe de recursos para a obtenção

destes serviços.

334 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 264.

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No julgamento do RE nº 74.792/BA, registrou o Relator, Ministro Djaci

Falcão:

(...) não é a gratuidade da prestação ou do serviço que lhe oferece a

característica de assistência social, por isso que hospitais, mantidos pelos

poderes públicos, cobram diárias, de que é exemplo o Hospital dos

Servidores Municipais nesta Capital, enquanto outros, como o Hospital

Getúlio Vargas, cobram prestações de seus serviços.

Realmente, não seria possível manterem-se as entidades de

assistência social, se não lhes fosse permitido cobrar das pessoas que

podem pagar e que recorrem aos seus serviços.

Vale salientar que a própria Constituição proíbe a cobrança de

impostos sobre a renda etc..., o que demonstra que a gratuidade não é

elemento substancial integrante e caracterizador das sociedades de

assistência social.335

A Lei nº 8.212/91 não exigiu qualquer percentual de gratuidade na prestação

de serviços para o gozo da imunidade. Não obstante, o Decreto nº 2.536/98,

dispondo sobre a concessão do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, cuja

detenção é um dos requisitos para o reconhecimento da imunidade, estabeleceu, em

seu art. 3º, VI, ser necessária a aplicação, anualmente, em gratuidade, de pelo menos

vinte por cento da receita bruta da entidade. É o que teor do mencionado dispositivo:

Art. 3º. Faz jus ao Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos a entidade

beneficente de assistência social que demonstre, nos três anos

imediatamente anteriores ao requerimento, cumulativamente:

.........................................................................................................................

VI - aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos vinte por cento da

receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita

decorrente de aplicações financeiras, de locação de bens, de venda de bens

não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo

montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruída. 335 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 74.792/BA, Relator Ministro Djaci Falcão, publicado na RTJ 66/620.

Page 195: A imunidade das entidades beneficentes de assistência ... · A Constituição Federal de 1988, contudo, além de manter a previsão de imunidade em relação a impostos, cuidou de

Embora seja razoável exigir-se um percentual de gratuidade, tendo em vista

que os destinatários da assistência social são, em regra, pessoas necessitadas, sem

condições de pagar pela prestação de serviços, cabe questionar se seria possível a

instituição desta exigência em decreto.

Tal questão será analisada no capítulo que se segue, ao se tratar do requisito

para a imunidade estabelecido no art. 55, II da Lei nº 8.212/91, qual seja, a obtenção

de registro e do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo

Conselho Nacional de Assistência Social.

7.3. Exercício de atividade econômica pelas entidades beneficentes

Questão tormentosa consiste em se definir, considerando que a entidade

beneficente necessita de recursos para se manter, se haveria a possibilidade de

exercício de atividade econômica, concomitante com o exercício de atividades

assistenciais.

A imunidade das entidades de educação e assistência em relação aos impostos

está expressamente limitada ao patrimônio, renda e serviços relacionados com suas

finalidades essenciais, como determina o § 4º do art. 150 da Constituição, verbis:

§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas 'b' e 'c', compreendem

somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as

finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Em relação à imunidade quanto às contribuições sociais, por ser atribuída

pelos mesmos fundamentos da imunidade em relação aos impostos, ou seja, sendo

atribuída em virtude das atividades prestadas pelas beneficiárias, verifica-se a

possibilidade de aplicação da mesma regra, em interpretação sistemática e

teleológica, restringindo-se a imunidade às atividades essenciais das beneficiárias.

Page 196: A imunidade das entidades beneficentes de assistência ... · A Constituição Federal de 1988, contudo, além de manter a previsão de imunidade em relação a impostos, cuidou de

Cabe observar, contudo, que, não obstante determinar a Constituição Federal

de 1988 que estas instituições não devem ter fins lucrativos, estas não estão

impedidas de auferir rendas, sendo necessário que estas sejam investidas no

implemento das atividades fins da sociedade. Assim, se a renda auferida pela

sociedade, seu patrimônio e seus serviços for relacionada às finalidades essenciais

da entidade, estará abrangida pela imunidade.

Ruy Barbosa Nogueira argumenta que as "finalidades essenciais" são aquelas

previstas nos atos constitutivos.336 Não basta, contudo, a inclusão de quaisquer

atividades nos atos constitutivos, mas é preciso que a atuação das entidades imunes

seja voltada à assistência social.

Há, é certo, possibilidade de cobrança de remuneração pela prestação de

serviços assistenciais, desde que os recursos obtidos sejam investidos na própria

entidade. As maiores dificuldades surgem quando uma entidade assistencial explora

outra espécie de atividade, de natureza comercial, com o intuito de obter recursos

para o financiamento de suas atividades essenciais. Seria o caso, por exemplo, de

uma creche manter pequeno estabelecimento comercial.

Face a esta questão, identifica-se corrente para a qual a imunidade não

poderia abranger atividades que, mesmo desenvolvidas para a consecução dos

objetivos sociais da entidade, violem a livre concorrência, provocando desequilíbrio

contrário ao que determina o art. 173 da CF/88, possibilitando a dominação dos

mercados.

Citam-se, nesse sentido, os ensinamentos de Ives Gandra da Silva Martins,

referindo-se à imunidades quanto a impostos:

Ora, o Texto Constitucional atual objetivou, na minha opinião,

eliminar, definitivamente, tal possibilidade, sendo que a junção do princípio

estatuído nos arts. 173, § 4º, e 150, § 4º, impõe a exegese de que as

atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais

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das entidades imunes enunciadas nos incs. b e c do art. 150, VI, se forem

idênticas ou análogas às de outras empresas privadas, não gozariam da

proteção imunitória.

Exemplificando: uma entidade imune tem um imóvel e o aluga. Tal

locação não constitui atividade econômica desrelacionada de seu objetivo

nem fere o mercado ou representa uma concorrência desleal. Tal locação do

imóvel não atrai, pois, a incidência do IPTU, gozando a entidade de

imunidade para não pagar imposto de renda.

A mesma entidade, todavia, para obter recursos para suas

finalidades, decide montar uma fábrica de sapatos, porque o mercado da

região está sendo explorado por outras fábricas de fins lucrativos, com

sucesso. Nesta hipótese, a nova atividade, embora indiretamente

referenciada, não é imune, porque poderia ensejar a dominação de

mercados ou eliminação de concorrência sobre gerar lucros não tributáveis

exagerados se comparados com os de seu concorrente.337

Ives Gandra Martins registra, ainda, que, ao se prever no art. 173, § 4º da

CF/88 a repressão ao abuso do poder econômico, tal regra estaria abrangendo até

mesmo o Estado, devendo ser estendida à iniciativa privada, a fim de não criar

concorrência desleal.338

Cita-se, ainda, a posição de Francisco de Assis Alves:

Assim sendo, em respeito a esses princípios, nenhuma das entidades

referidas no art. 150, VI, b e c, poderá ser beneficiada com a imunidade,

sempre que explore atividades econômicas iguais ou semelhantes às

exploradas por outras empresas, que estejam submetidas à tributação.

Se qualquer dessas entidades desfrutasse de imunidade também na

industrialização e comercialização de produtos, gozaria de privilégios em

336 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Imunidades - Contra impostos na Constituição anterior e sua disciplina mais completa na Constituição de 1988, São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 1992, p. 81. 337 MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil, v. 6, tomo 1, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 206. 338 MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil, v. 6, tomo 1, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 204-205.

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detrimento das demais empresas que comercializam ou industrializam

produtos do mesmo gênero.339 (grifo nosso)

No mesmo sentido, posiciona-se José Cretella Júnior:

As vedações expressas no inciso VI, b ('templos de qualquer culto') e c

('partidos políticos, fundações inclusive, entidades sindicais dos

trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social')

compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados

com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Clara a finalidade do dispositivo que visa a impedir abusos ou

distorções por parte dessas entidades que, sem fins lucrativos e criadas

com determinadas finalidades, poderiam beneficiar-se dos privilégios

tributários, outorgados pela Constituição, para transações que

contrariariam o princípio do enriquecimento sem causa.340 (grifo nosso)

Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto advertem ser necessária cautela para

interpretar o disposto no § 4º do art. 150 da CF, que limita a imunidade em relação

ao patrimônio, renda e serviços "relacionados com as finalidades essenciais" das

entidades assistenciais e de educação.341 Afirmam que tal dispositivo visa coibir

abusos, mas, deve-se considerar que as "rendas relacionadas com as atividades

essenciais" podem ser obtidas de diversas fontes, desde que lícitas. Assim, o que

importa não seria a fonte, mas a aplicação das rendas nos objetivos institucionais.

Ressalvam, contudo, as atividades que possam implicar em violação ao princípio da

livre concorrência, aduzindo:

Ressalvados, assim, os casos em que possa haver agressão ao

princípio da livre concorrência, no mais, podem as rendas provenientes de

quaisquer fontes lícitas. Isto é até desejável juridicamente. Nada tem de

repugnante. Pelo contrário, a simples presença no texto constitucional da

339 ALVES, Francisco de Assis. Imunidade tributária, in: Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 311. 340 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1998, v. 7, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 3577. 341 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 37.

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imunidade para essas entidades já mostra ser desígnio constitucional claro

que elas obtenham rendas, empreguem seu patrimônio e desempenhem

serviços tendo em vista esse objetivo que, por sua vez, irá suportar, custear

financeiramente aquelas finalidades realizadoras de valores

constitucionalmente prestigiados.342

Ricardo Lobo Torres, por sua vez, estabelece que não se pode admitir a

concorrência de entidades imunes com as empresas no mercado. Afirma que as

"rendas relacionadas às finalidades essenciais" podem abranger lucros ou ganhos de

capital, desde que destinados às atividades essenciais, excluindo-se, apenas, os

rendimentos que possam implicar em agressão ao princípio da livre concorrência.343

Nesse sentido, afirma:

A interpretação da ausência de finalidade lucrativa não pode ser a

literal, porque à entidade beneficiada não se proíbe que obtenha lucro - pois

não pode sobreviver a que dê prejuízo permanentemente - senão que se

veda o objetivo institucional do lucro e a concorrência com as empresas

privadas no mercado. No direito americano é muito clara a preocupação de

se evitar a unfair competition, para o que se distinguem as organizações de

caridade não-lucrativas (nonprofit charitable organizations) daquelas que,

embora sem finalidade lucrativa, concorrem com as empresas que vendem

mercadorias ('commmercial' nonprofits). A característica da competição no

mercado é importante para delimitar o aspecto objetivo da imunidade.344

A propósito, cabe observar que, no Relatório do XXIII Simpósio Nacional de

Direito Tributário sobre Imunidades Tributárias, elaborado sob a Coordenação de

Ives Gandra da Silva Martins, foi também consignada a tese da exclusão dos

rendimentos referentes a atividades ensejadoras de violação do princípio da livre

concorrência. Assim, consta no Relatório as seguintes conclusões:

342 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 48. 343 TORRES, Ricardo Lobo. Imunidades Tributárias, in: Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 219. 344 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, v. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 261-262.

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A expressão 'rendas relacionadas com as finalidades essenciais' diz respeito

a rendas empregadas no exercício dessas atividades, seja qual for a origem

da renda. Estão excluídos da imunidade os rendimentos das atividades

que, se gozassem do benefício, acarretariam ofensa ao princípio da

livre concorrência (...) Tudo o quanto economicamente for explorado em

atenção às finalidades das entidades imunes estará imune, exceto no que

atentar ao mercado concorrencial nacional tutelado pelo art. 173, § 4º da

Constituição Federal. (...) Deve-se entender que quaisquer rendas, desde

que aplicadas na consecução dos objetivos estatutários, são imunes, salvo se

provenientes da exploração de atividade econômica implicando agressão ao

princípio da livre concorrência (...) A expressão 'rendas relacionadas com

atividades essenciais' deve ser interpretada objetivamente nos termos da lei

complementar (arts. 9º e 14 do CTN) expressamente recepcionada (art. 146,

II e art. 34, § 5º do ADCT da CF/88), que não cogita da origem ou fonte do

rendimento auferido, mas sim onde este foi aplicado (finalidades

institucionais).345 (grifo nosso)

Da análise da jurisprudência do STF, infere-se tendência em se afastar a

imunidade quanto às atividades não essenciais. Nesse sentido, já se decidiu que a

entidade que aufere renda com a venda de pães não se beneficiaria da imunidade

prevista na Emenda Constitucional 01/69.

ICM. Entidade de assistência social que aufere renda com produção e

venda de pães.

Não é ela alcançada pela imunidade prevista no artigo 19, III, 'c', da

Emenda Constitucional N. 1/69. Precedentes do STF.

Recurso Extraordinário não conhecido.346 (grifo nosso)

Da mesma forma, decidiu-se pela possibilidade de se exigir ICMS na

comercialização de produtos rurais, tendo em vista que o ônus seria arcado pelo

contribuinte de fato:

345 Relatório do XXIII Simpósio Nacional de Direito Tributário sobre Imunidades Tributárias. Coordenador - Ives Gandra da Silva Martins; in Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª quinzena de março de 1999, caderno 1, p. 188.

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Tributário. Entidades de assistência social. Imunidade tributária. ICMS.

Comercialização do produto de sua atividade agro-industrial.

Exigência fiscal que, incidindo sobre bens produzidos e fabricados pela

entidade assistencial, não ofende a imunidade tributária que lhe é

assegurada na Constituição, visto repercutir o referido ônus,

economicamente, no consumidor, vale dizer, no contribuinte de fato do

tributo que se acha embutido no preço do bem adquirido.

Recurso conhecido e provido.347 (destacou-se)

Não obstante, em relação a atividades que não implicam em concorrência,

tem o STF decidido que o seu exercício não implica na exclusão da imunidade,

como se infere da ementa que se transcreve a seguir:

Imunidade Tributária. Art. 150, VI, c, da Constituição. Instituição de

assistência social. Exigência de imposto sobre serviço calculado sobre o

preço cobrado em estacionamento de veículos no pátio interno da

entidade. Ilegitimidade.

Eventual renda obtida pela instituição de assistência social mediante

cobrança de estacionamento de veículos em área interna da entidade,

destinada ao custeio das atividades desta, está abrangida pela imunidade

prevista no dispositivo sob destaque.

Precedente da Corte: RE 116.188-4.

Recurso conhecido e provido.348 (grifo nosso)

No mesmo sentido, a Suprema Corte, decidindo questão envolvendo os

serviços de diversão prestados pelo SESC, entendeu que a cobrança de ingressos

não ensejaria a tributação. É o que se infere da ementa do acórdão proferido no

AGRAG nº 155.822/SP, verbis:

346 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 134.573/SP, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 29/09/95. 347 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 164.162/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 13/09/96. 348 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 144.900/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 26/09/97.

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Imunidade tributária. CF, art. 150, VI, c. Serviço Social do Comércio.

SESC. Imposto sobre serviços. Prestação de serviços de diversão pública.

A renda obtida pelo SESC na prestação de serviços de diversão pública,

mediante a venda de ingressos de cinema ao público em geral, e

aproveitada em suas finalidades assistenciais, estando abrangida na

imunidade tributária revista no art. 150, VI, c, da Carta República.

Precedente da Corte: RE 116.188-4.

Agravo regimental improvido.349 (grifo nosso)

Aliomar Baleeiro defendia que, explorando a instituição de assistência social

atividades econômicas, estaria sujeita ao recolhimento dos impostos que repercutem

sobre terceiros. Assim, afirmava:

Se a instituição explora indústria ou comércio como meio de renda para

realização de seus fins, está sujeita aos impostos de que seja contribuinte de

iure, mas que, nas circunstâncias concretas, repercutem sobre terceiros - os

seus compradores ou usuários. Não assim o imposto de renda ou de

transmissão de propriedade imobiliária que lhe toquem.350

Maria Beatriz Parodi Luna, ao discorrer sobre a competição, integração e

cooperação entre entidades não lucrativas e empresas lucrativas, afirma que, em

geral, existe uma tendência em se permitir o exercício, pelas entidades não

lucrativas, de atividades econômicas, a fim de lhes conferir meios para o exercício

de suas finalidades essenciais. Assim, o problema existente consiste em se definir a

possibilidade ou não de tributar tais atividades. Sobre a questão, apresenta quatro

alternativas possíveis, a saber: a) isenção geral de impostos; b) não insenção; c)

isenção quando os resultados decorrem de atividades "relacionadas" com os

propósitos da entidade, embora seja difícil se definir se a atividade é ou não

relacionada; d) a fixação de uma regra de tributação arbitrária, como uma

349 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AGRAG nº 155.822/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 02/06/95. 350 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 137.

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porcentagem fixa, em relação ao montante de recursos derivados das atividades

comerciais.351

Para se definir o modelo brasileiro, deve-se promover interpretação

sistemática da Constituição Federal, a fim de se identificar o alcance da expressão

"patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das

entidades" de educação e assistência social imunes a impostos, restrição que, como

visto, pode ser aplicada à imunidade das entidades beneficentes de assistência social

em relação às contribuições sociais, tendo em vista a identidade de fundamento dos

dois benefícios.

Embora haja tendência doutrinária em se conferir interpretação extensiva à

imunidade, abrangendo, inclusive, as atividades econômicas exercidas pelas

entidades assistenciais, desde que os recursos obtidos sejam aplicados nas atividades

principais, de forma a auxiliar no cumprimento de seus fins, não se pode olvidar que

a Constituição Federal incentiva o exercício de atividades econômicas em um

sistema de livre concorrência. Para tanto, procura conceder igual tratamento às

empresas que atuam em um determinado setor da economia, estabelecendo sua

igualdade, inclusive para com as empresas públicas e sociedades de economia mista.

Assim, estabelece em seu art. 173, § 2º, que "as empresas públicas e as sociedades

de economia mista poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor

privado."

Da mesma forma, ao tratar da imunidade recíproca, cuidou a CF/88 de limitá-

la, registrando no § 2º do art. 150, que, em relação às autarquias e fundações

instituídas e mantidas pelo poder público, esta somente se relacionaria com "o

patrimônio, "a renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às

delas decorrentes". Estabeleceu, ainda, no § 3º do mesmo dispositivo, a

possibilidade de se tributar o patrimônio, renda, serviços "relacionados com

351 LUNA, Maria Beatriz Parodi. Establishing new interactive forms of collaboration between non-profit organizations and enterprises - competitive vs. colaboratives relationship. Disponível em: <http://www.icnl.org/journal/vol.1iss3/Peru/html>. Acesso em: 30 jun. 2001.

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exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a

empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços

ou tarifas pelo usuário".

Cabe observar que as receitas obtidas pelo Estado, tanto as tributárias quanto

as patrimoniais, são destinadas ao custeio das atividades estatais, não só as

referentes à disponibilização de prestações assistenciais, mas também ao custeio da

administração e da segurança pública, a manutenção da estrutura do Poder

Judiciário, enfim, atividades imprescindíveis à manutenção do Estado, e essenciais

para a população.

Ainda assim, tratou a CF/88 de permitir expressamente a tributação das

atividades econômicas exercidas pelos entes estatais, suas autarquias e fundações.

Ademais, em seu art. 173, § 2º, veda expressamente a concessão de tratamento fiscal

privilegiado a empresas estatais, de forma a evitar que tal tratamento venha a

prejudicar o desempenho da iniciativa privada.

Em se tratando de entidades assistenciais, a situação não é diferente. É certo

que há necessidade de que estas obtenham recursos econômicos, tendo em vista que,

em muitos casos, as atividades essenciais por elas exercidas não possibilitam a

captação de recursos para o seu custeio. Deve-se considerar, contudo, que, se a

Constituição afasta expressamente a imunidade quanto às atividades econômicas

exercidas pelas autarquias e fundações públicas, limitando tal imunidade a "suas

finalidades essenciais ou às delas decorrentes", afastando, da mesma forma,

tratamento fiscal privilegiado às empresas públicas e sociedades de economia mista,

não se pode pretender que as instituições de educação e assistência social a que se

refere o art. 150, VI, "c" da Constituição, cuja imunidade também é vinculada a suas

"finalidades essenciais" seja contemplada com um benefício superior ao previsto

para as próprias entidades estatais, ou seja, que a imunidade abranja as atividades

econômicas por elas exercidas.

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Quanto à imunidade prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, a

conclusão é a mesma, ou seja, a imunidade concedida a entidades assistenciais, tanto

em relação a impostos, quanto em relação às contribuições sociais, limita-se às

atividades que se caracterizam como sendo de assistência social.

De se notar que, não fosse a ressalva do constituinte, e a execução de

atividades educacionais e de assistência poderia ser utilizada como subterfúgio para

o desenvolvimento paralelo de atividades econômicas que seriam indiretamente

beneficiadas pela imunidade.

Logo, caso as entidades de assistência social exerçam atividades econômicas,

tais atividades estarão sujeitas à tributação, sendo possível, portanto, promover-se a

cobrança de contribuições sociais sobre a folha de salários e demais pessoas físicas

envolvidas no exercício da atividade comercial, e sobre a receita, o faturamento e o

lucro, conforme previsto no art. 195 da CF/88.

Considerando, contudo, a necessidade de obtenção de recursos para o custeio

das atividades assistenciais, seria possível contemplar as entidades beneficentes com

isenção, relacionada ao exercício de atividades econômicas, desde que esta isenção

não representasse violação ao princípio da livre concorrência.

O ideal seria a concessão de isenção para as instituições que obtivessem lucro

até um determinado valor, como acontece na Holanda352. Tal regra possibilitaria, por

exemplo, a uma creche manter pequeno estabelecimento comercial, ou a uma escola,

manter uma livraria, visando o custeio de suas finalidades institucionais.

Por outro lado, ao se tributar as atividades econômicas cujos lucros

ultrapassassem determinado valor, poder-se-ia evitar a criação de entidades

beneficentes de fachada, instituídas para se valer do benefício fiscal, mas cujo

objetivo principal fosse, na realidade, a obtenção de vantagens para os

352 FONTAINE, Nicole. Report on Non-Profit Making Associations in the European Community. Disponível em <http:// www.uia.org/legal>. Acesso em: 26 jun. 2001.

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administradores, mediante distribuição disfarçada de lucros, com a utilização de

expedientes tendentes a ludibriar o fisco.

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CAPÍTULO OITAVO

REQUISITOS ESTABELECIDOS PELA LEI Nº 8.212/91 PARA A

AQUISIÇÃO DO DIREITO À IMUNIDADE

Sumário: 8.1. Imunidade condicionada. 8.2. Os limites do

legislador para a regulamentação do dispositivo

constitucional. 8.3. Requisitos estabelecidos pela Lei nº

8.212/91 para a obtenção da imunidade tributária. 8.3.1.

Título de utilidade pública. 8.3.2. Certificado e registro

junto ao Conselho Nacional de Assistência Social. 8.3.3.

Não distribuição de vantagens a diretores. 8.3.4. Aplicação

do resultado. 8.4. Experiências estrangeiras quanto ao

tratamento fiscal diferenciado concedido às entidades que

exercem atividades de interesse público

8.1. Imunidade condicionada

A Constituição Federal de 1988, como visto, não confere irrestritamente a

imunidade às instituições de assistência social e de educação, mas condiciona tal

benefício ao cumprimento de certos requisitos estabelecidos em lei.

A possibilidade de se estabelecerem requisitos advém da necessidade de se

distribuir de forma equânime os ônus decorrentes da necessidade de se efetivar a

prestação assistência social e da educação entre os componentes da sociedade. A

Constituição determina que a sociedade deverá colaborar com o Estado, e ao

estabelecer a imunidade, permite que esta colaboração seja in natura, dispensando

do pagamento de tributos as entidades que subsidiam o ente estatal na consecução de

seus objetivos.

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Ruy Barbosa Nogueira ensina que tais entidades colaboram com serviços, na

proporção de cem por cento de tudo o que produzem, uma vez que atuam, não em

busca de lucro, mas auxiliando o Estado a se desencumbir de suas funções.353

Ademais, Francisco de Assis Alves lembra que essas entidades auxiliam o Estado na

realização do bem comum, ou seja, "avocam para si funções que, em princípio,

deveriam ser cumpridas pelo poder público"354

Assim, para merecer a imunidade, a atuação das entidades de assistência

social e de educação deve ser desinteressada, no sentido de não visar benefícios

próprios ou promover seus interesses, devendo atuar, ao contrário, com o objetivo de

atingir as camadas mais necessitadas da sociedade, subsidiando a atuação do Estado.

A própria Constituição Federal de 1988, ao tratar da imunidade quanto aos

impostos, já exige que as entidades beneficiárias não tenham fins lucrativos. Com

efeito, não basta que uma entidade privada tenha como objetivo prestar serviços

educacionais ou de saúde (nas quais a possibilidade de lucro é mais evidente que nas

entidades de assistência social), tendo em vista que, se atuam apenas em seu próprio

interesse, auferindo lucros, não estariam a merecer a concessão da imunidade, que

em tal caso significaria violação dos princípios da justiça social, que devem

determinar a adequada distribuição de vantagens e ônus entre os membros da

sociedade, e que se constitui em uma das metas da República Federativa do Brasil,

nos termos do preâmbulo da Constituição.

Cabe considerar, a propósito, os ensinamentos de John Rawls, a respeito dos

princípios da justiça social:

Exige-se um conjunto de princípios para escolher entre várias formas de

ordenação social que determinam essa divisão de vantagens e para selar um

acordo sobre as partes distributivas adequadas. Esses princípios são os

353 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. As imunidades contra impostos diretos e as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, tais como: Santas Casas de Misericórdia, SESC, SENAC, SESI, SENAI e congêneres, in Direito Tributário Atual, São Paulo: Resenha Tributária, v. 11/12, 1992, p. 3095. 354 ALVES, Francisco de Assis. Imunidade Tributária. In: Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 310.

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princípios da justiça social: eles fornecem um modo de atribuir direitos e

deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição

apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social.355 (grifo

nosso)

Se a entidade é instituída para a consecução de objetivos econômicos e para a

satisfação dos seus "sócios" ou fundadores, como qualquer outra sociedade com

finalidades comerciais ou civis, a exclusão do poder de tributá-las, pura e

simplesmente, implicaria na concessão de vantagens maiores aos empresários que

atuam em educação e saúde (que são atividades lucrativas), ainda que seus serviços

sejam acessíveis apenas a uma pequena parcela da sociedade, que por dispor de

meios econômicos, não necessita de prestações assistenciais do Estado. Tal

imunidade reverteria, portanto, em proveito exclusivo das entidades prestadoras de

serviço e não para a sociedade, como se pretende, implicando numa distribuição

desigual dos encargos, violando os princípios da justiça social.

Assim, o estabelecimento de condições a serem preenchidas pelas entidades

de assistência social e de educação para o gozo da imunidade em relação a impostos

(e a ausência de intuito de lucro é condição básica, já prevista na Constituição) é

necessário para evitar que o benefício deixe de reverter à sociedade como um todo,

passando a ser usufruído tão-somente pela entidade que presta os serviços, ou por

seus fundadores.

Da mesma forma, estabelece a Constituição que as entidades beneficentes

devem preencher os requisitos legais para que tenha direito à imunidade quanto às

contribuições sociais. Logo, em ambos os casos, trata-se de imunidade

condicionada, havendo necessidade de norma integrativa, estando a eficácia plena da

norma constitucional subordinada à observância das normas infraconstitucionais.356

355 RAWLS, John. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves, São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 5. 356 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 21.

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Tais condições não devem, todavia, inviabilizar a prestação dos serviços por

estas entidades, subsidiando a atuação do Estado, mas devem ser hábeis a evitar a

concessão de privilégios, possibilitando que a atuação das entidades reverta em

proveito da sociedade, da mesma forma como revertem os tributos pagos por

empresas que atuam com vistas a satisfazer seus próprios interesses.

Logo, o legislador ordinário tem que cuidar para não retirar a eficácia do

dispositivo constitucional, e, por outro lado, para não ensejar a instituição de

privilégios, excluindo, sem fundamento adequado, determinadas pessoas da

participação no custeio da assistência social.

8.2. Os limites do legislador para a regulamentação do dispositivo

constitucional

Ao complementar o dispositivo constitucional que concede a imunidade

condicionada, deverá o legislador cuidar para que o benefício fiscal não seja

mitigado, mas também para que não seja desvirtuado. Não pode, portanto,

estabelecer requisitos impossíveis de serem atingidos, mas deve evitar que entidades

lucrativas, ou que não atuam na implementação dos serviços de assistência social,

sejam beneficiadas. Deve, portanto, o legislador ordinário, observar o princípio da

proporcionalidade357.

Cristina Lino Moreira afirma que a lei que regulamentar o dispositivo

constitucional, não pode alterar o perfil do Texto Maior, não podendo "ter por

357 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 74.

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conteúdo cláusula que amesquinhe ou atente contra a ratio de imunidade e sua

teleologia, tal como inferidas a partir do próprio texto constitucional".358

Discorrendo sobre os limites do legislador, Geraldo Ataliba ensina que este

não tem ampla liberdade para estabelecer os requisitos para o gozo da imunidade. Os

dispositivos legais deveriam apenas completar a Constituição, explicitando seus

pressupostos, a fim de lhe assegurar a plenitude de eficácia.359 Assim, afirma:

A subordinação da lei complementar à Constituição é formal e

substancial. Interessa desenvolver o raciocínio quanto à subordinação

substancial. Substancialmente, a lei complementar não pode agregar

conteúdo material à normação que está na Constituição. Com efeito, a lei

complementar não pode alterar um desígnio constitucional.

O desígnio constitucional, no caso, é claro: atribuir a essas

entidades imunidade tributária. Aí estão conteúdo, sentido e alcance

exaustivos do comando, todos eles já contidos na Constituição. A lei

complementar não poderá ampliar nem restringir esse preceito

constitucional, sob pena de deturpá-lo e nisso incidir em

inconstitucionalidade.360

Aponta, portanto, a impossibilidade de alteração do alcance da norma

constitucional pela lei regulamentadora, à qual caberá apenas explicitar o que já está

implicitamente contido na Constituição, sob pena de caracterizar-se uma emenda à

Constituição feita sem a observância do procedimento adequado. Caso contrário,

estar-se-ia transformando a imunidade em isenção, retirando-a do texto

constitucional para inseri-la no plano legal.361

358 MOREIRA, Cristina Lino. Instituição de Assistência Social - Imunidade Tributária, in Revista de Direito Tributário, ano 2, nº 3, jan./mar. 1978, p. 239. 359 ATALIBA, Geraldo. Imunidade de instituições de educação e assistência, in Revista de Direito Tributário, ano 15, nº 55, jan./mar. 1991, p. 137-138. 360 ATALIBA, Geraldo. Imunidade de instituições de educação e assistência, in Revista de Direito Tributário, Ano 15, nº 55, jan./mar. 1991, p. 138. 361 ATALIBA, Geraldo. Imunidade de instituições de educação e assistência, in Revista de Direito Tributário, ano 15, nº 55, jan./mar. 1991, p. 139-142.

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Roque Antônio Carrazza também se posiciona no sentido de que a lei

complementar só pode explicitar o que está contido na CF/88, assim se

manifestando:

(...) tal lei complementar só pode explicitar o que está implícito na

Constituição. Não pode inovar, mas, apenas, declarar. Para além destas

angustas fronteiras, o legislador complementar estará arrogando-se

atribuições que não lhe pertencem e, deste modo, desagregando princípios

constitucionais que deve acatar, máxime os que concedem autonomia às

pessoas políticas, no que concerne à decretação e arrecadação dos tributos

de suas competências.362

Da mesma forma, Ives Gandra da Silva Martins sustenta que a lei destinada a

conferir eficácia plena à imunidade condicionada deve apenas explicitar o que se

encontra implícito na Constituição. Ocorre que, uma vez regulamentado o preceito

constitucional, entende que os requisitos não poderiam ser alterados por lei

posterior, tendo em vista que, se assim se procedesse, chegar-se-ia à conclusão de

que não "seria a lei complementar que dependeria da Constituição, mas a

Constituição que se submeteria à lei complementar, dado que teria o poder de alterar

a Constituição, aumentando ou reduzindo os requisitos, ou até mesmo praticamente

anulando o texto constitucional, a bel-prazer do legislador menor."363

Com efeito, a função da lei complementar (em sentido amplo) consiste em

estabelecer requisitos que reflitam os objetivos visados pelo constituinte ao prever a

imunidade das entidades beneficentes, observando as regras e princípios inseridos na

Lei Maior.

Não obstante, a lei não pode ser considerada imutável, tendo em vista que a

Constituição, ao prever a imunidade condicionada, conferiu certa margem de

liberdade para o legislador. O que importa é que a lei preserve os valores previstos

362 CARAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 406-407. 363 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias de Editora vinculada a instituição de educação e assistência social - Parecer, in R. Trib. Regional da 1ª Região, Brasília, n. 11 (3), 1999, p. 24.

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na Constituição, exija a prestação efetiva de assistência social, sendo possível, caso

se verifique que os requisitos não são ou deixaram de ser adequados, que se

promova a alteração da legislação.

Se assim não o fosse, a própria Constituição já teria fixado os requisitos. Por

outro lado, entender que a legislação não pode sofrer alteração seria conferir caráter

de cláusula pétrea a um dispositivo infraconstitucional.

8.3. Requisitos estabelecidos pela nº Lei 8.212/91 para a obtenção da imunidade

tributária

A imunidade das entidades beneficentes prevista no art. 195, § 7º, da CF/88,

já se viu, depende de norma integrativa, que vai viabilizar a produção dos efeitos

principais do dispositivo constitucional, sendo que tais requisitos, em relação à

imunidade das contribuições sociais, podem ser estabelecidos em lei ordinária. O

diploma legal que integra o art. 195, § 7º, da CF/88 é a Lei nº 8.212/91, que

estabelece, em seu art. 55, os requisitos para o gozo da imunidade.

Tal dispositivo sofreu as alterações introduzidas pela Lei nº 9.732/98. Não

obstante, estando as alterações suspensas, conforme liminar concedida pelo STF na

ADIN 2028-5364, valem, atualmente, os requisitos contidos no art. 55 da Lei nº

8.212/91, antes do advento da Lei nº 9.732/98, com o seguinte teor:

Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta lei

a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes

requisitos cumulativamente:

I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do

Distrito Federal ou municipal;

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II - seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade Beneficente de

Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência

Social, renovado a cada três anos365;

III - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de

saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;

IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou

benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a

qualquer título;

V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e

desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente

ao Conselho Nacional da Seguridade social relatório circunstanciado de

suas atividades.

Cabe notar, inicialmente, que o caput do art. 55 da Lei nº 8.212/91 refere-se

apenas às contribuições previstas nos arts. 22 e 23 da referida lei, ou seja

contribuição sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho creditados a

pessoa física, e sobre a receita bruta, para custeio do seguro de acidentes de trabalho.

As demais contribuições ficaram, assim, excluídas do dispositivo legal, não

podendo, por outro lado, serem disciplinadas pelo art. 14 do CTN, que se refere à

imunidade quanto aos impostos. Em relação ao PIS/PASEP e à COFINS, tem-se que

o art. 17 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24/08/2001, determinou a aplicação

do disposto no art. 55 da Lei nº 8.212/91.

Não obstante, resta, ainda, a contribuição social sobre o lucro, que, por

enquadrar-se na espécie tributária "contribuição social", deveria ter o mesmo

tratamento recebido pelas demais contribuições. O mesmo se diga das contribuições

que venham a ser instituídas, em virtude da permissão inserida no § 4º do art. 195 da

CF/88.

364 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2028-5/DF, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 16/06/2000. 365 Inciso II com a redação conferida pela MP nº 2.187-13, de 24/08/2001.

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Assim, o art. 55 da Lei nº 8.212/91 deveria ser aplicável a todas as

contribuições sociais, e não somente às elencadas no caput do dispositivo legal. Não

tendo sido este o tratamento estabelecido pela legislação infraconstitucional, será

possível que entidades que se entendam prejudicadas pelo dispositivo, recorram ao

Judiciário, a fim de ter reconhecido seu direito à imunidade quanto a todas as

contribuições sociais, uma vez cumpridos os requisitos da Lei nº 8.212/91. Isto

porque a imunidade abrange todas as contribuições sociais, não sendo lícito ao

legislador ordinário limitá-la a apenas algumas de suas espécies, não havendo razão

para se estabelecer requisitos diferenciados para a imunidade em relação a cada

contribuição social.

No que se refere às condições estabelecidas pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91

para a imunidade, é de se observar que o requisito estabelecido no inciso III, qual

seja, a promoção da assistência social beneficente, inclusive educacional ou de

saúde, já foi analisado no capítulo quinto, quando da definição do âmbito de

abrangência da "assistência social", restando configurado que o dispositivo legal

apresenta, em relação às entidades educacionais, uma isenção e não imunidade.

Analisou-se, ainda, a alteração promovida na redação deste inciso pela Lei nº

9.732/98, referente à gratuidade e à exclusividade na prestação de serviços. Restou

assentado que a cobrança daqueles que podem pagar não exclui o benefício, não

sendo vedado, por outro lado, o exercício concomitante de outras atividades que não

são de assistência social, devendo tais atividades, contudo, se sujeitarem à

tributação, a fim de que não se caracterize concorrência desleal, violando o princípio

da livre concorrência.

Deve-se partir do pressuposto de que ao legislador é lícito estabelecer os

requisitos para o gozo do benefício, não podendo, contudo, afastar a imunidade, nem

estabelecer requisitos impertinentes, obedecendo, portanto, ao princípio da

proporcionalidade.

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Impõe-se, portanto, analisar os requisitos previstos nos incisos I, II, IV e V

do art. 55 da Lei nº 8.212/91, analisando-se sua adequação dos dispositivos legais ao

fim constitucional.

Cabe registrar, contudo, previamente, que a MP 2129- 13, de 24/08/2001,

acrescentou o parágrafo 6º ao art. 55 da Lei nº 8212/91, estabelecendo que, para a

concessão e manutenção do benefício fiscal, seria necessário que a entidade

requerente comprovasse não ter débitos em relação às contribuições sociais no

momento do requerimento. Cabe notar, contudo, que esta restrição poderia ser

efetivada somente para as entidades de educação, beneficiárias de isenção em

relação a esta espécie tributária, mas não em relação às detentoras da imunidade,

tendo em vista que este benefício decorre da própria Constituição Federal.

Logo, a partir do momento em que são preenchidos os requisitos legais para o

benefício, não será possível o seu indeferimento, sob a alegação de que existem

obrigações tributárias surgidas antes do preenchimento destes requisitos,

condicionando o reconhecimento da situação de imunidade à regularização dos

débitos existentes.

8.3.1. Título de utilidade pública

O primeiro requisito estabelecido para o gozo da imunidade, no inciso I do

art. 55 da Lei nº 8.212/91 consiste na apresentação de título de utilidade pública

federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal.

Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto definem declaração de utilidade

pública como "o ato pelo qual o Poder Público, federal, estadual, distrital ou

municipal, de acordo com a sua esfera de competência, assegura que uma entidade é

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idônea e tem seus objetivos voltados para satisfazer um interesse de utilidade

pública, na sua área de atuação".366

Afirmam os autores que o propósito dessas declarações "é o de permitir que,

independentemente de novos exames específicos, caso a caso, possa a

Administração Pública, nos termos da lei, subvencionar certas atividades ou oferecer

outros benefícios correlatos, como eventual isenção."367

O poder público pode, assim, conceder a entidades particulares, títulos que as

habilitam à obtenção de um tratamento diferenciado, em virtude das atividades por

elas exercidas, em colaboração com o Estado. Além desta conseqüência, aponta

Paulo Modesto, como finalidades da concessão do título a padronização do

tratamento das entidades que possuem características comuns e o controle de suas

atividades. Registra o autor acerca das três finalidades básicas da concessão de

títulos jurídicos especiais a entidades do terceiro setor:

A concessão caso a caso de títulos jurídicos especiais a entidades do

terceiro setor parece atender a pelo menos três propósitos. Em primeiro

lugar, diferenciar as entidades qualificadas, beneficiadas com o título,

relativamente às entidades comuns, destituídas dessa especial qualidade

jurídica. Essa diferenciação permite inserir as entidades qualificadas em um

regime jurídico específico. Em segundo lugar, a concessão do título permite

padronizar o tratamento normativo de entidades que apresentem

características comuns relevantes, evitando o tratamento legal casuístico

dessas entidades. Em terceiro lugar, a outorga de títulos permite o

estabelecimento de um mecanismo de controle de aspectos da atividade das

entidades qualificadas, flexível por excelência, entre outras razões, porque o

título funciona como um instrumento que admite não apenas concessão,

mas também suspensão e cancelamento.368

366 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 81. 367 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 81. 368 MODESTO, Paulo. Reforma do marco legal do Terceiro Setor no Brasil. Disponível em: <http:// www.jus.com.br>. Acesso em: 25 set. 2000.

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A concessão de títulos possibilita, dessa forma, uma diferenciação entre as

entidades privadas de acordo com sua atuação, possibilitando a concessão de

benefícios a um número indeterminado de instituições que atuam

desinteressadamente em benefício da sociedade e que, portanto, merecem tratamento

benéfico.

Implica, ainda, na submissão das entidades beneficiadas à fiscalização do

poder público, para fins de se verificar a manutenção das condições necessárias para

o recebimento das vantagens inerentes ao título. Estão, portanto, as entidades

qualificadas, sujeitas a mecanismos de controle, tendo em vista que, como lembra

Paulo Modesto, não há direito adquirido ao título, ou às vantagens dele decorrentes,

salvo se mantidas as condições que ensejaram a sua concessão.

A Lei nº 91/35 disciplina a concessão dos títulos de utilidade pública,

estabelecendo as condições a serem observadas. Comprovando o preenchimento

destes requisitos, cabe ao interessado apresentar requerimento junto ao Ministério da

Justiça, sendo a utilidade pública declarada em Decreto do Poder Executivo. Tal

declaração será cassada se a entidade deixar de preencher os requisitos previstos no

art. 1º da referida Lei nº 91/35, ou se deixar de apresentar a cada ano ao Ministério

da Justiça relação circunstanciada dos serviços que houverem prestado à

coletividade.

Cabe observar, ainda, que, quando da criação do título de utilidade pública

pela Lei nº 91/35, declarou-se que deste não decorreria nenhum favor para as

entidades que o obtivessem, salvo a garantia do uso de emblemas, flâmulas,

bandeiras ou distintivos próprios registrados no Ministério da Justiça e a menção do

título concedido.

Todavia, alguns benefícios foram posteriormente concedidos a entidades

declaradas de utilidade pública, como subvenções, cessão de servidores, tratamento

fiscal favorecido.

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Nesse sentido, a Lei nº 3.577/59 concedeu isenção da taxa de contribuição de

previdência às entidades de fins filantrópicos reconhecidas como de utilidade

pública, cujos membros das diretorias não percebessem remuneração. A mencionada

lei foi revogada pelo Decreto-Lei nº 1.572/77, que resguardou apenas o direito

adquirido à isenção, pelas entidades reconhecidas como de utilidade pública pelo

Governo Federal até a data da publicação do Decreto-lei, e que fossem portadoras de

certificado de entidade de fins filantrópicos com validade por prazo indeterminado.

Posteriormente, a Lei nº 8.212/91, ao regulamentar o disposto no § 7º do art.

195 da Constituição Federal, estabeleceu, em seu art. 55, I, a obrigatoriedade do

reconhecimento de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou

municipal, como um dos requisitos para o gozo da imunidade em relação às

contribuições sociais.

Depreende-se, daí, a importância da concessão de títulos pelo poder público

como forma de habilitação da entidade à percepção de determinados benefícios

legalmente previstos.

Paulo Modesto aponta, por outro lado, as desvantagens de se outorgar títulos

públicos, ao aventar a possibilidade de certificação indevida, bem como a frouxidão

dos critérios utilizados para a sua concessão, possibilitando a erosão da credibilidade

do título.

Nesse sentido, registra a crise dos títulos de utilidade pública concedidos com

base na Lei nº 91/35, que não é detalhista, mas deficiente e lacônica, não

promovendo a diferenciação das entidades de favorecimento mútuo, dirigidas a

proporcionar benefícios a um círculo restrito ou limitado de sócios e as entidades de

fins comunitários, de fins públicos ou de solidariedade social. Observa, ainda, que a

falta de controle de resultados possibilita uma série de abusos, gerando "uma

situação de suspeição generalizada, de indefinição e perplexidade, indiscutivelmente

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negativa para o desenvolvimento entre os brasileiros de um voluntariado mais

efetivo no país, e, consequentemente, do próprio terceiro setor no Brasil."369

Como já visto, o fato de prestarem as entidades beneficentes serviços a um

círculo de pessoas não implica na sua descaracterização, o que poderá ocorrer se o

objetivo for apenas prestar serviços aos sócios e fundadores.

Em princípio, a concessão de títulos se constitui em medida adequada para

diferenciar as diversas pessoas jurídicas existentes no país, habilitando algumas

delas a um tratamento diferenciado. Não se pode discordar, todavia, que não

obstante estas venham a obter declaração de utilidade pública, tal documento não

implica em presunção absoluta de cumprimento dos requisitos exigidos após a

obtenção do título.

Acerca da inclusão da exigência deste documento para a obtenção da

imunidade, Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto, considerando que os requisitos a

serem exigidos das entidades beneficentes são os previstos no art. 14 do CTN,

registram que uma entidade pode ser declarada de utilidade pública sem ser imune,

sendo que uma entidade imune pode não ser declarada de utilidade pública, sem que

seja afetado o benefício, tendo em vista que os requisitos para o título são diferentes

daqueles previstos no Código Tributário.370

Embora, como se tenha esclarecido, seja legítima a regulamentação do

dispositivo constitucional em análise mediante lei ordinária, deve-se verificar se os

requisitos exigidos em lei não dificultam o exercício do direito constitucionalmente

consagrado.

Aires F. Barreto critica a exigência de títulos, considerando que, sendo títulos

expedidos por órgãos da União, seria possível a criação de requisitos injustificados,

com o fim de negar o documentos às entidades que o pleiteassem. Afirma:

369 MODESTO, Paulo. Reforma do marco legal do Terceiro Setor no Brasil. Disponível em: <http:// www.jus.com.br>. Acesso em: 25 set. 2000. 370 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: Limitações constitucionais ao poder de tributar, São Paulo: Dialética, 1999, p. 81-82.

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É bem de ver que condições descompassadas com a Constituição e

com o CTN já existiam ao tempo da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991.

Deveras, descabida é a exigência, nela prevista, de que a entidade

beneficente seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual

ou do Distrito Federal ou municipal (inciso I do art. 55, da Lei 8.212/91).

Mais despropositada, ainda, a exigência posta no inciso II do mesmo

preceptivo, restringindo "a isenção" à entidade portadora de certificado ou o

registro de entidade de fins filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional

de Serviço Social (renovado a cada 3 anos). De fato, em se tratando de

documento expedido por órgão da União, basta negá-lo, ainda que a

pretexto banal, pela criação de questiúncula absurda, desprovida de

fundamento sério, para inviabilizar a obtenção do indigitado registro ou

certificado para, via de conseqüência, negar o pedido de "isenção".371

Deve-se ressaltar que as entidades beneficentes devem apresentar, nos termos

da Lei nº 8.212/91, além do título de utilidade pública federal, outro título de

utilidade pública, seja estadual, distrital ou municipal, podendo estar sujeitas ao

cumprimento de outros requisitos além dos previstos na Lei nº 91/35.

Considerando esta exigência, cabe avaliar se esta seria efetivamente adequada

ao texto constitucional.

No que se refere ao título de utilidade pública federal, verifica-se este foi

exigido pela Lei nº 3.577/59 e pelo Decreto-lei nº 1.572/77, para que as entidades

filantrópicas fizessem jus à isenção da "taxa de contribuição de previdência". Por

não ser a exclusão do campo tributável tratada na Constituição Federal, era lícito ao

legislador exigir tal requisito.

Assim sendo, questiona-se, em face do texto da CF/88, é realmente possível

exigir-se a apresentação de título de utilidade pública federal, a fim de se ter

garantida a imunidade em relação às contribuições sociais?

371 BARRETO, Aires F. Contribuições Sociais: Imunidade das Instituições Beneficentes de Assistência Social, in Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 3, 1999, p. 29.

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Em princípio, caso não haja excesso nos requisitos exigidos em lei para a

obtenção da declaração de utilidade pública, não haveria empecilho à sua inserção

no dispositivo legal regulamentador da Constituição.

Sob a égide da CF/88, cumpre analisar os requisitos estabelecidos pela Lei nº

91/35, a fim de se verificar se estes podem ou não inviabilizar o gozo da imunidade.

Estabelece o art. 1º do dispositivo legal em referência:

Art. 1º As sociedades civis, as associações e as fundações constituídas no

País com o fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade,

podem ser declaradas de utilidade pública, provados os seguintes requisitos:

a) que adquiriram personalidade jurídica;

b) que estão em efetivo funcionamento e servem desinteressadamente à

coletividade;

c) que os cargos de sua diretoria, conselhos fiscais, deliberativos,

consultivos não são remunerados.

Já no caput, exige-se que as entidades devem ter o fim exclusivo de servir

desinteressadamente à coletividade. É, de fato, o fim das entidades assistenciais,

que, embora possam eventualmente exercer atividades econômicas, o objetivo a ser

alcançado será sempre obter recursos para viabilizar o bom desempenho de suas

finalidades essenciais, que se relacionam à assistência social. Assim, a entidade não

pode visar a obtenção de lucros a serem distribuídos entre os sócios e fundadores,

sendo que todos os recursos eventualmente obtidos devem ser revertidos à

persecução dos fins assistenciais.

Da mesma forma, é lícito se exigir que as entidades adquiram personalidade

jurídica, tendo em vista que, a partir do cumprimento das formalidades exigidas para

a constituição, e, posteriormente, quanto à escrituração, viabilizem à fiscalização a

verificação de sua condição de entidade imune.

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A proibição de remuneração dos cargos de diretoria, conselhos, fiscais,

deliberativos e consultivos, exigência repetida no inciso IV do art. 55 da Lei nº

8.212/91, será adiante analisada.

Cabe consignar, ainda, que o Decreto nº 50.517/61, que regulamentou a Lei

nº 91/35, exige que a entidade, para obtenção do título, deva comprovar o efetivo e

contínuo funcionamento nos três anos anteriores ao pedido, o que representa

restrição ao direito de não se sujeitar ao recolhimento de contribuições

previdenciárias. Por tal dispositivo, previsto em Decreto, haveria a necessidade de se

aguardar três anos após a constituição da sociedade para somente aí adquirir-se o

direito ao título e, em conseqüência, à imunidade. Não obstante, tal requisito não

encontra amparo na lei, de forma que o Decreto exorbitou sua função regulamentar.

Ocorre que, da análise dos requisitos da Lei nº 91/35, pode-se constatar que o

fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade, o efetivo

funcionamento, e a prestação de serviços desinteressados e a não remuneração dos

cargos de sua diretoria, conselhos fiscais, deliberativos, consultivos, são requisitos

cujo preenchimento pode e deve ser verificado diretamente pela fiscalização

previdenciária, e guardam semelhança com as exigências contidas nos incisos III, IV

e V da Lei nº 8.212/91. Por outro lado, a aquisição de personalidade jurídica é

requisito de fácil análise pela fiscalização.

Assim sendo, em virtude da grande semelhança com os dispositivos exigidos

para a obtenção do título, verifica-se, ao se conjugar o art. 55 da Lei nº 8.212/91 e a

Lei nº 91/35, que poderia ser dispensada a apresentação do título de utilidade

pública, com a exclusão do inciso I do citado art. 55 da Lei nº 8.212/91.

Tal exclusão, em nada prejudicando à verificação da forma de atuação das

entidades beneficentes, evitaria que uma entidade que, atuando efetivamente dentro

dos parâmetros estabelecidos pela Lei nº 8.212/91 para a imunidade, tenha o

benefício recusado, em virtude da ausência de um requisito formal.

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Ademais, deve-se considerar a possibilidade de se promover alteração nos

requisitos legalmente exigidos para a obtenção do título de utilidade pública, o que

repercutirá nas condições previstas no art. 55 da Lei nº 8.212/91 para a concessão da

imunidade.

Deve-se notar que a declaração de utilidade pública não é documento exigido

exclusivamente para se deferir a imunidade a entidades beneficentes, podendo

habilitar as instituições reconhecidas com o título à percepção de benefícios

concedidos por cada uma das ordens jurídicas parciais.

Assim sendo, não se poderia pretender questionar a inconstitucionalidade de

requisitos exigidos para a obtenção de títulos de utilidade pública, tendo em vista ser

possível ao legislador ordinário estabelecer requisitos razoáveis para a concessão

dos títulos, objetivando a obtenção de vantagens como subvenções e auxílios.

Desta forma, a exigência contida no art. 55, I, da Lei nº 8212/91, no que se

refere ao título de utilidade pública federal, por si só, não padece de

inconstitucionalidade. Não obstante, caso as exigências para a obtenção do título de

utilidade pública federal sejam irrelevantes ou excessivas para a caracterização das

entidades beneficentes de assistência social, poder-se-á questionar a

constitucionalidade deste dispositivo.

Cria-se, portanto, uma situação paradoxal: a regra contida no inciso I do art.

55 da Lei nº 8.212/91 será constitucional ou não, dependendo do conteúdo de outra

norma, que estabelece os requisitos para a obtenção do título de utilidade pública

federal, o que gera uma situação de incerteza jurídica, totalmente indesejável.

Deve-se considerar, por outro lado, que o referido art. 55, I, da Lei nº

8.212/91 exige, cumulativamente, a apresentação do título de utilidade pública

estadual ou do Distrito Federal ou municipal, o que pode, efetivamente, dificultar o

reconhecimento da imunidade pela possibilidade de multiplicação dos requisitos a

serem cumpridos.

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Ademais, no que se refere à exigência de apresentação de títulos de utilidade

pública municipal e estadual ou distrital, verifica-se a ocorrência de violação à

Constituição Federal. Com efeito, a lei regulamentadora do art. 195, § 7º da CF/88,

embora possa ser lei ordinária, há de ser lei federal. E, ao se exigir a apresentação de

títulos de utilidade pública municipal e estadual, estar-se-á possibilitando que cada

uma das ordens jurídicas parciais trace requisitos que, indiretamente, condicionarão

o gozo da imunidade prevista na Constituição.

Pode-se, concluir, portanto, da análise do primeiro requisito trazido pela Lei

nº 8.212/91 que:

a) é inconstitucional a exigência de apresentação de título de utilidade pública

estadual, distrital ou municipal, por possibilitar, indiretamente, a instituição de

requisitos para o gozo da imunidade em lei estadual, distrital ou municipal que

venha a disciplinar a concessão do título;

b) em princípio, não haverá inconstitucionalidade na exigência de apresentação de

título de utilidade pública federal, tendo em vista que os seus requisitos são

previstos em lei federal, instrumento hábil para regulamentar o disposto no art. 195,

§ 7º da CF/88;

c) caso os requisitos estabelecidos em lei federal para a obtenção do título de

utilidade pública federal sejam irrelevantes ou excessivos para o reconhecimento da

imunidade, tal fato poderá ensejar argüição de inconstitucionalidade da exigência

deste documento, por ferirem o princípio da proporcionalidade;

d) a lei atualmente em vigência - Lei nº 91/35, traz requisitos que guardam grande

semelhança aos exigidos pela Lei nº 8212/91 para a concessão da imunidade, de

forma que seria possível a exclusão desta exigência, sem prejuízo da possibilidade

de se verificar a forma de atuação desinteressada das entidades beneficente de

assistência social.

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8.3.2. Certificado e Registro junto ao Conselho Nacional de Assistência Social

Embora somente tenha sido exigido das entidades de fins filantrópicos a

obtenção de título de utilidade pública para o gozo da isenção prevista na Lei nº

3.577/59, o Decreto nº 1.117/62, ao regulamentá-la, instituiu a obrigatoriedade de

que a condição de entidade filantrópica fosse comprovada mediante a obtenção de

Certificado de Entidade Filantrópica junto ao Conselho Nacional de Serviço Social.

O certificado era obtido uma vez comprovados os requisitos estabelecidos no

art. 2º do Decreto nº 1.117/62:

Art. 2º. São entidades filantrópicas, para os fins deste decreto, as

Instituições que:

a) destinarem a totalidade das rendas apuradas ao atendimento gratuito de

suas finalidades;

b) que os diretores, sócios ou irmãos não percebam remuneração e não

usufruam vantagens ou benefícios, sob qualquer título;

c) que estejam registradas no Conselho Nacional do Serviço Social.

Com a Lei nº 8.212/91 exigiu-se, inicialmente, como requisito para o gozo da

imunidade, se apresentasse o registro ou o certificado obtido junto ao Conselho

Nacional do Serviço Social, alternativamente. Com o advento da Lei nº 9.429/96, o

registro e o certificado passaram a ser exigidos concomitantemente.

De se consignar que a Lei nº 8.742/93, dispondo sobre a organização da

assistência social, instituiu o Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS,

atribuindo-lhe, no art. 18, a competência para conceder o registro e o certificado de

entidades de fins filantrópicos, na forma do regulamento (atualmente Certificado de

Entidade Beneficente de Assistência Social, em conformidade com a redação

atribuída ao art. 55, II da Lei nº 8.212/91 pela MP nº 2.187-13, de 24/08/2001).

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Dessa forma, a partir da criação do CNAS, este passou a ser responsável pela análise

da atuação das entidades no âmbito da assistência social.

Registre-se que o certificado tem natureza declaratória, ou seja, reconhece-se

que a entidade requerente preenchia os requisitos exigidos para a obtenção do

documento desde o momento em que o requereu. Assim, os efeitos do certificado

retroagem até a data do requerimento, tendo em vista que não pode a entidade

postulante ser prejudicada pela demora da administração em analisar o seu pedido.

Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal, conforme se infere da

ementa do acórdão proferido no RE nº 115.510-8, a seguir transcrita:

Certificado de Filantropia. Isenção da contribuição patronal à previdência.

A expedição do certificado de filantropia tem caráter declaratório e como

tal gera efeitos 'ex-tunc'. Se a entidade requereu o certificado antes da

determinação administrativa que arquivou os processos respectivos, mas

veio tê-lo deferido anos depois, quando revogada a medida, o seu direito às

vantagens conferidas pela lei retroagem à data do requerimento, inclusive o

da isenção da quota patronal da contribuição previdenciária.

Recurso conhecido e provido.372

José Eduardo Soares de Melo, discorrendo sobre o Certificado emitido pelo

CNAS, observa que este tem "efeito meramente declaratório de direito preexistente,

caracterizando o simples reconhecimento de que a entidade já atendia os

pressupostos básicos à concessão do benefício previdenciário".373 Não obstante, não

se pode olvidar que, em face do art. 55 da Lei nº 8.212/91, outros requisitos, além da

apresentação do Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos, devem ser

cumpridos para a obtenção da imunidade.

Registra, ainda, José Eduardo Soares de Melo que o Certificado nada mais

representará do que a "consideração dos objetivos institucionais, a ausência de 372 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 115.510-8, Relator Ministro Carlos Madeira, publicado no DJ de 11/11/88.

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finalidade lucrativa, e a aplicação dos recursos em suas finalidades societárias"374,

reconhecendo, contudo, que a emissão do certificado pode ficar sujeita às

conveniências, interesses e interpretações pessoais.

De se notar que, nos termos do art. 18, IV, da Lei nº 8.742/93, foi conferida

ao regulamento a atribuição para fixar normas para a concessão de atestado de

registro e certificado de entidades de fins filantrópicos.

Inicialmente, os requisitos para a obtenção do certificado passaram a ser

previstos no art. 2º do Decreto nº 752/93375, posteriormente revogado pelo Decreto

nº 2536, de 06/04/98, que estabeleceu em seu art. 3º:

Art. 3º. Faz jus ao Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos a entidade

beneficente de assistência social que demonstre, nos três anos

imediatamente anteriores ao requerimento, cumulativamente:

I - estar legalmente constituída no País e em efetivo funcionamento;

II - estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social

do município de sua sede, se houver, ou no Conselho Estadual de

Assistência Social, ou Conselho de Assistência Social do Distrito Federal;

III - estar previamente registrada no CNAS;

373 MELO, José Eduardo Soares de. A imunidade das Entidades Beneficentes às Contribuições Sociais, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 18, mar. 1997, p. 44. 374 MELO, José Eduardo Soares de. A imunidade das Entidades Beneficentes às Contribuições Sociais, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 18, mar. 1997, p. 44. 375 "Art. 2º. Faz jus ao Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos a entidade beneficente de assistência social que demonstre, cumulativamente: I - estar legalmente constituída no país e em efetivo funcionamento nos três anos anteriores à solicitação do Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos; II - estar previamente registrada no Conselho Nacional de Serviço Social, de conformidade com o previsto na Lei nº 1.493, de 13 de dezembro de 1951; III - aplicar integralmente, no território nacional, suas rendas, recursos e eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento dos objetivos institucionais; IV - aplicar anualmente pelo menos vinte por cento da receita bruta proveniente da venda de serviços e de bens não integrantes do ativo imobilizado, bem como das contribuições operacionais, em gratuidade, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições previdenciárias usufruídas; V - aplicar as subvenções recebidas nas finalidades a que estejam vinculadas; VI - não remunerar e nem conceder vantagens ou benefícios, por qualquer forma ou título, a seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou equivalentes; VII - não distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela do seu patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto; VIII - destinar, em caso de dissolução ou extinção da entidade, o eventual patrimônio remanescente a outra congênere, registrada no Conselho Nacional de Serviço Social, ou a uma entidade pública; IX - não constituir patrimônio de indivíduo(s) ou de sociedade sem caráter beneficente."

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IV - aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional

integralmente no território nacional e na manutenção e no desenvolvimento

de seus objetivos institucionais;

V - aplicar as subvenções e doações recebidas nas finalidades a que estejam

vinculadas;

VI - aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos vinte por cento da

receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita

decorrente de aplicações financeiras, de locação de bens, de venda de bens

não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo

montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruída;

VII - não distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou

parcela do seu patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto;

VIII - não perceberem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores,

benfeitores ou equivalentes remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou

indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências,

funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos

constitutivos;

IX - destinar, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou

extinção, o eventual patrimônio remanescente a entidades congêneres

registradas no CNAS ou a entidade pública;

X - não constituir patrimônio de indivíduo ou de sociedade sem caráter

beneficente de assistência social. (grifo nosso)

Os requisitos elencados nos incisos IV, VII e VIII correspondem às

exigências contidas no art. 55, IV e V da Lei nº 8.212/91. Já as exigências previstas

nos incisos II e III constam no art. 9º, § 3º da Lei nº 8.742/93. Não obstante, alguns

dos requisitos para a obtenção do certificado atuam como restrições ao

reconhecimento da imunidade, sem que tenham sido contemplados em lei.

Registre-se que, da mesma forma que o título de utilidade pública, os

requisitos para a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência

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Social376, documento necessário para o reconhecimento da imunidade, devem ser

razoáveis, no sentido de não inviabilizarem a concessão do benefício.

Por outro lado, é de se notar que a Constituição Federal exige que os

requisitos para a imunidade sejam estabelecidos por lei. Assim sendo, considerando

que os requisitos para a concessão do certificado estão estabelecidos em Decreto,

verifica-se que estas não poderiam exorbitar as exigências das Leis nº 8.212/91 e

8.742/93.

Embora a Lei nº 8.742/93 tenha atribuído ao regulamento a possibilidade de

normatizar a forma de concessão do certificado, não se pode desconsiderar que a

Constituição somente condiciona a concessão da imunidade aos requisitos legais,

não podendo haver a fixação de requisitos em decreto, ainda que de forma indireta.

É o que ocorre com a exigência de que a entidade esteja em efetivo

funcionamento nos três anos anteriores à solicitação do certificado. Embora seja

razoável exigir a demonstração da atuação desinteressada em assistência social, seria

necessário exigir que a entidade esteja em funcionamento há mais de três anos? No

caso, estar-se-ia protelando o reconhecimento de um benefício fiscal que iria

reverter em vantagens para toda a sociedade.

Por outro lado, a aplicação de "pelo menos vinte por cento da receita bruta

proveniente da venda de serviços e de bens não integrantes do ativo imobilizado,

bem como das contribuições operacionais, em gratuidade", prevista no inciso VI, do

art. 3º do Decreto nº 2.536/98, é requisito razoável, tendo em vista que a finalidade

básica das entidades beneficentes é a prestação de assistência social, e esta se

destina, precipuamente, às pessoas que não detém condições financeiras.

Ocorre que tal percentual não poderia ser fixado tão-somente por decreto,

tendo em vista que, para o gozo da imunidade, exige-se a fixação de requisitos em

lei.

376 Conforme a redação atribuída pela MP nº 2.187-13 ao art. 55, II da Lei nº 8.212/91.

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Já a aplicação de subvenções e doações recebidas nas finalidades a que

estejam vinculadas (art. 3º, V do Decreto nº 2.536/98) é conseqüência da exigência

de exercício desinteressado das atividades de assistência social, ou seja, todos os

recursos de que disponha a entidade devem ser revertidos ao atendimento de suas

finalidades essenciais.

Destinar, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, o

eventual patrimônio remanescente a entidades congêneres registradas no CNAS ou a

entidade pública (art. 3º, IX do Decreto nº 2.536/98) também representa requisito

adequado, garantindo a continuidade da prestação dos serviços, e evitando que,

eventualmente, alguém deseje extinguir uma instituição beneficente para locupletar-

se com o seu patrimônio. Da mesma forma, poder-se-ia exigir que a entidade não

constituísse patrimônio de indivíduo ou de sociedade sem caráter beneficente de

assistência social.

Não obstante, tratando-se o Certificado de Entidade Beneficente de

Assistência Social de requisito para a imunidade, as condições para a sua obtenção

deveriam ser estabelecidas em lei.

O art. 3º do Decreto nº 2.536/98 exige, ainda, em seu § 1º, que a prestação de

serviços gratuitos seja permanente e sem qualquer discriminação de clientela.

Todavia, deve-se observar que, como acima mencionado, não se exclui a qualidade

de entidade beneficente de assistência social àquelas instituições que atuam em prol

de uma parcela da sociedade, desde que não haja discriminação e esteja a mesma

aberta a todos os que compõe a classe ou categoria beneficiada.

Diante do exposto, pode-se concluir que a exigência do registro e do

Certificado do CNAS para o gozo da imunidade, nos termos do inciso II do art. 55

da Lei 8.212/91 não é, por si só, inconstitucional.

Não obstante, a exigência de cumprimento de requisitos estabelecidos em

Decreto viola o art. 195, § 7º da CF/88, que exige o cumprimento de requisitos

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"estabelecidos em lei", assim entendido o ato normativo aprovado pelo Poder

Legislativo.

8.3.3. Não distribuição de vantagens a diretores

O quarto requisito exigido pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91 (lembre-se que o

requisito contido no inciso III já foi analisado no capítulo anterior) consiste na

vedação à percepção de remuneração por seus diretores, conselheiros, sócios,

instituidores ou benfeitores, e ainda, da concessão de vantagens ou benefícios a

qualquer título.

Este requisito difere do estabelecido no art. 14 do CTN para o gozo da

imunidade em relação a impostos, que veda tão-somente a distribuição de parcela do

patrimônio das entidades imunes.

Não obstante, a Lei nº 9.532/97 estabeleceu, em seu art. 12, § 2º, "a", como

requisito para a obtenção da imunidade quanto a impostos, a obrigatoriedade de não

se deferir o pagamento de remuneração aos dirigentes, pelos serviços prestados. Tal

dispositivo teve sua eficácia suspensa na ADIN 1.802-3377, tendo em vista o

reconhecimento de que, tratando-se de limitação constitucional ao poder de tributar,

não poderia ser instituída tal condição em lei ordinária, conclusão que, como já se

discorreu, é adequada ao sistema constitucional.

No que se refere à imunidade quanto às contribuições sociais, cuja

regulamentação pode ser feita por lei ordinária, verifica-se, nos termos do art. 55, IV

da Lei nº 8.212/91, que a vedação é restrita ao exercício dos cargos acima

mencionados, não abrangendo o exercício de outras atividades pelas pessoas

377 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 1.802-3/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento da liminar em 27/08/98, pendente de publicação.

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indicadas. Assim, o diretor de uma entidade de educação poderá ministrar aulas e

receber pelos serviços prestados. É o que ficou assentado no Parecer CJ/MPAS

639/96, da lavra de Paulo José Leite Farias, no qual se concluiu pela "possibilidade

de pagamento de remuneração a outras atividades exercidas pelos dirigentes que não

sejam as inerentes ao cargo eletivo integrante da estrutura estatutária, sem que

configure hipótese ensejadora de cancelamento ou não concessão da 'isenção'

prevista no § 7º do art. 195 da Constituição Federal e regulamentada no inciso IV do

art. 55 da Lei de Custeio vigente (Lei nº 8.212/91)".378

Edvaldo Brito assim se pronuncia sobre este requisito:

Logo, se uma pessoa física integra um dos órgãos diretivos da

fundação e, cumulativamente, exerce um emprego, com atribuições distintas

e compatíveis com a sua habilitação profissional tem de ser assalariada, em

igualdade de condições com os demais empregados; bem assim se se trata

de um prestador de serviços autônomo, porque, nesse caso, há de ser-lhe

reconhecido o tratamento jurídico específico do paradigma.

A proibição é, pois, para a remuneração pelo exercício das

atribuições do cargo diretivo incorporado aos órgãos que integram, sob

essa rubrica, a estrutura da fundação.379 (grifo nosso)

Pode-se questionar, todavia, se o dispositivo, ao vedar a percepção de

remuneração pelos diretores prejudica o exercício da liberdade de profissão e o

direito à retribuição financeira pelo trabalho exercido.

Cabe, inicialmente, notar que tal requisito já era exigido pela Lei nº 3.577/59,

que determinava, em seu art. 1º, que as entidades de fins filantrópicos, para fazer jus

à isenção da taxa de contribuição previdenciária não poderiam remunerar os

membros de suas diretorias.

378 FARIAS, Paulo José Leite, Parecer CJ/MPAS 639/96, publicado no DOU de 01/10/96. 379 BRITO, Edvaldo. Contribuições sociais previdenciárias: cassação de isenção patronal de fundação beneficente, in Revista Dialética de Direito tributário, v. 3, p.26.

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Aires F. Barreto, contudo, referindo-se ao art. 150 da CF/88, entende ser

indevida a exigência de não pagamento de remuneração ao sócios. Nesse sentido,

assim se pronuncia:

É absolutamente incompreensível, por isso, que alguns

representantes do fisco entendam vedada a remuneração de diretores.

Diversamente do que ocorria no passado, a maioria das entidades de hoje,

pelo seu porte e pela extensão dos serviços que prestam à população, só

pode ser gerida tendo à frente um grupo de profissionais públicos ou

privados.380

Embora tais observações sejam referentes à imunidade em relação aos

impostos, não tendo sido inserido no art. 14 do CTN dispositivo que vede a

percepção de remuneração pelos diretores, o argumento apresentado é relevante, ou

seja, em muitos casos, os diretores estarão à frente de uma organização complexa,

demandando grande dedicação profissional.

A questão não é pacífica, cabendo citar a posição de Ricardo Lobo Torres

que, na análise da exigência deste requisito para a imunidade das instituições de

assistência social quanto a impostos, conclui que a proibição de remunerar os

dirigentes é decorrência da vedação contida no art. 14, I, do CTN, que veda a

distribuição de parcelas do patrimônio ou suas rendas, a título de lucros ou

participação no resultado, evitando, em conseqüência, a distribuição disfarçada de

lucros.381

Melhor seria, contudo, que se exigisse que a remuneração dos diretores,

conselheiros não fosse superior à de mercado, citando-se, a propósito, José Eduardo

Soares de Melo:

É evidente que as relações de direito privado se assentam e

decorram do princípio da autonomia da vontade, conferindo às partes a

380 BARRETO, Aires F. Contribuições Sociais: Imunidade das Instituições Beneficentes de Assistência Social, in Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 3, 1999, p. 14. 381 TORRES, Ricardo Lobo. Imunidades Tributárias. In: Imunidades Tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, Nova Série 4, 1998, p. 211.

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faculdade de pactuar a remuneração pelos valores que entenderem

adequados. Entretanto, na peculiar situação em tela, a contra-prestação do

serviço tem que corresponder - com razoável exatidão - aos valores de

mercado, a fim de que não se vislumbre a malsinada prática de distribuição

disfarçada de lucros.382

É certo que não se pode admitir que os diretores, conselheiros, sócios,

instituidores e benfeitores usufruam de vantagens ou benefícios a qualquer título,

assim entendidos a distribuição de parcelas do patrimônio ou suas rendas, a título de

lucros ou participação no resultado, e, ainda, a concessão de quaisquer tipo de

privilégios, tais como autorização para ocupação de imóvel de propriedade da

entidade beneficente, de disponibilização de carros e motoristas.

Não obstante, em relação aos diretores ou mesmo em relação aos conselheiros

que desempenham atividades profissionais junto às entidades beneficentes, ainda

que relacionadas com a sua administração, não se justifica, em face do princípio da

proporcionalidade, a vedação quanto ao pagamento de remuneração, podendo lhes

ser assegurado o direito a uma contraprestação pelo trabalho prestado, em valores

compatíveis com o mercado.

8.3.4. Aplicação do resultado

Finalmente, o último requisito estabelecido no art. 55, V, da Lei nº 8.212/91

consiste na obrigação de se aplicar integralmente o eventual resultado operacional

na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando,

anualmente, relatório circunstanciado de suas atividades ao Instituto Nacional do

Seguro Social.

382 MELO, José Eduardo Soares de. A imunidade das Entidades Beneficentes às Contribuições Sociais, in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 18, mar. 1997, p. 45.

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A vedação de distribuição de lucro ou de parcela do patrimônio encontra-se

em consonância com a exigência constitucional no sentido de que as instituições,

para gozar da imunidade, não tenham fins lucrativos. Assim, eventual resultado

positivo deve ser investido nos fins institucionais da entidade, não podendo reverter

em benefício de seus fundadores, seja mediante distribuição de lucros ou de parcelas

do patrimônio. Ressalte-se, todavia, que a vedação da distribuição de lucros não

impede o pagamento dos funcionários pelos serviços prestados às instituições.

Requer-se, ainda, a aplicação dos recursos no país, tendo em vista que a razão

da concessão da imunidade consiste em incentivar os particulares a colaborarem

para a consecução dos objetivos da República Federativa do Brasil.

8.4. Experiências estrangeiras quanto ao tratamento fiscal diferenciado

concedido às entidades que exercem atividades de interesse público

Celso Barroso Leite afirma que, não obstante pesquisas por ele realizadas,

não encontrou referência em outro país, ao tipo de "isenção" contributiva existente

no Brasil quanto ao custeio da previdência social.

Informa que, onde chegou mais perto foi na Espanha, informando, a

propósito:

Ali empresas em situação financeira difícil podem obter redução temporária

da contribuição para a previdência social. Todavia, essa possibilidade nada

tem com a atividade da empresa nem, por conseguinte, com filantropia ou

assistência social.383

Contudo, pode-se encontrar em diversos países, tratamento fiscal privilegiado

para empresas do terceiro setor, ou seja, empresas que atuam sem fins lucrativos,

objetivando alcançar algum objetivo social ou público.

383 LEITE, Celso Barroso. Filantropia e Contribuição Social, São Paulo: LTr, 1998, p. 26.

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Tais benefícios fiscais são concedidos por intermédio da legislação

infraconstitucional, sendo que os requisitos variam em cada ordenamento jurídico.

Pode-se, não obstante, identificar em todos a proibição de distribuição de lucros.

Leo Smith384 ensina que, nos Estados Unidos, desde 1894 algumas entidades

sem fins lucrativos (non-profit organizations) são isentas do pagamento de tributos,

em virtude das atividades por elas exercidas, situação mantida no Código de 1954,

que permite isenção para instituições que atuam exclusivamente para objetivos

religiosos, filantrópicos, científicos, literários, educacionais, de incentivo ao esporte

amador, prevenção da crueldade contra crianças e animais, desenvolvimento da

segurança pública.

Exige-se, para a isenção, que os ganhos obtidos não sejam destinados a

empresas ou indivíduos, que não sejam feitos gastos substanciais em propaganda, e

que a entidade não participe ou intervenha em campanhas políticas. As atividades

isentas devem estar previstas nos atos constitutivos, e no caso de dissolução, os bens

devem ir para outras organizações isentas.

Registra Leo Smith385 que um dos problemas fundamentais da isenção das

entidades sem fins lucrativos refere-se ao exercício de atividades comerciais,

situação que vem se acirrando em virtude nos cortes promovidos pelo governo

federal nos recursos a elas destinados, o que as força a buscar recursos em

competição com as empresas do primeiro setor, ou seja, das entidades com fins

lucrativos.

Considerando tal fato, as empresas lucrativas (for-profit organizations) vêm

reivindicando a extinção de benefícios fiscais, tendo em vista o exercício de

atividades similares pelas entidades do terceiro setor. Assim, foi criado o "Unrelated

Business Income Tax", conhecido como UBIT, que se destina a verificar quais

384 SMITH, Leo. Non Profit versus For Profit. Disponível em: <http://www.gtld-mou-org>. Acesso em: 26 jun. 2001. 385 SMITH, Leo. Non Profit versus For Profit. Disponível em: <http://www.gtld-mou-org>. Acesso em: 26 jun. 2001.

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receitas são derivadas de negócios não relacionados ao exercício das atividades

educacionais, de caridade ou de outro propósito ou função que constitua a base para

sua isenção (unrelated trade or business). Para a incidência de tributos, são

verificados alguns critérios, como a freqüência das operações de produção, a

maneira como as atividades são conduzidas, e a forma de atuação similar às

atividades comerciais de organizações não isentas. São trazidas, contudo, exceções,

excluindo-se a cobrança de tributos sobre casos especificados na legislação, como

serviços prestados pela organização sem compensação financeira, ou referentes à

venda de presentes ou contribuições recebidas, bem como receitas obtidas por

organizações destinadas à conveniência de seus membros, estudantes, pacientes ou

empregados, que vendam itens relacionados ao trabalho, roupas ou equipamentos.386

Também J. Shchiff e B. Weisbrod informam que, nos Estados Unidos, a

isenção concedida às entidades sem fins lucrativos não é irrestrita, estando excluídas

as atividades que não são "relacionadas" com o propósito da entidade, atividades

estas sujeitas ao UBIT.387

Ocorre que, tendo as entidades sem fins lucrativos se voltado ao exercício de

atividades comerciais, a pressão das entidades lucrativas contra as isenções

aumentaram, sendo que a legislação cada vez mais limita a isenção para as

atividades comerciais, lucrativas, exercidas por entidades do terceiro setor.

Observa, ainda, Leo Smith388, que os critérios adotados pelo governo federal

no que se refere à tributação do terceiro setor não se aplicam aos governos locais,

que pode estabelecer seus próprios critérios.

Registra, ademais, que as políticas futuras, em relação às entidades sem fins

lucrativos, no que se refere à isenção fiscal, são incertas, especialmente em se 386 SMITH, Leo. Non Profit versus For Profit. Disponível em: <http://www.gtld-mou-org>. Acesso em: 26 jun. 2001. 387 SCHIFF, Jerald, WEISBROD, Burton. Competition between for-profit and nonprofit organizations in commercial markets, in Annals of Public and Cooperative Economics, v. 62, n. 04/91, Bruxelas: Editions de Boeck-Wesmal SA, p. 629-630.

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considerando o aumento do déficit federal, e a possibilidade de que os contribuintes

representados pelos cidadãos e pelas entidades incluídas no primeiro setor não

tenham condições de suportar sozinhos o ônus de custear a administração e os

serviços públicos. Reconhece, contudo, que a balança é precária, tendo em vista que,

se as entidades sem fins lucrativos não puderem funcionar, tal fato forçará o Estado

a investir nas áreas em que tais entidades atuavam.

No mesmo sentido, J. Shchiff & B. Weisbrod observam que a política

corrente, de taxar os resultados de atividades comerciais das entidades sem fins

lucrativos poderia reduzir a possibilidade de prestação de serviços públicos, o que

demandaria uma maior atuação do Estado.389

No âmbito da Comunidade Européia, Nicole Fontaine390 noticia a existência

de tratamentos diferenciados em cada um dos países-membros, no que se refere à

tributação das entidades sem fins lucrativos que promovem atividades de interesse

público. Não obstante, informa a existência de uma regra mínima, referente à

vedação de distribuição de lucros entre os membros.

Registra que na Bélgica, Luxemburgo, Espanha e França, é concedido um

tratamento favorável a associações reconhecidas como sendo de utilidade pública,

mas estas associações requerem uma supervisão rigorosa pelas autoridades

administrativas. Quanto ao exercício de atividades lucrativas, informa que, na

Alemanha, a participação direta da associação em atividades econômicas coloca em

questão sua natureza não lucrativa. Já na Holanda, possibilita-se a isenção de

atividades econômicas até um determinado valor391.

388 SMITH, Leo. Non Profit versus For Profit. Disponível em: <http://www.gtld-mou-org>. Acesso em: 26 jun. 2001. 389 SCHIFF, Jerald, WEISBROD, Burton. Competition between for-profit and nonprofit organizations in commercial markets, in Annals of Public and Cooperative Economics, v. 62, n. 04/91, Bruxelas: Editions de Boeck-Wesmal SA, p. 637. 390 FONTAINE, Nicole. Report on Non-Profit Making Associations in the European Community. Disponível em: <http:// www.uia.org/legal>. Acesso em: 26 jun. 2001 391 FONTAINE, Nicole. Report on Non-Profit Making Associations in the European Community. Disponível em: <http:// www.uia.org/legal>. Acesso em: 26 jun. 2001.

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Carlo Borgaza registra que, na Itália, fundações e associações são isentas de

tributos apenas em relação às atividades que não são comerciais.392

Nicole Fontaine informa, ainda, a existência de uma tendência de

harmonização da legislação, a fim de reduzir as diferenças em cada Estado-membro

da Comunidade Européia, sendo que o Committee on Legal Affairs and Citizens'

Rights sugeriu que a legislação tomasse como parâmetro a Lei Francesa de Julho de

1901, que não proíbe associações sem fins lucrativos de exercer atividades

econômicas ou mesmo atividades comerciais, com a expressa condição de que as

rendas sejam usadas para perseguir os objetivos da associação, excluindo qualquer

distribuição de lucros entre os membros.393

Pode-se verificar, portanto, dos exemplos acima apresentados, que existe uma

tendência em se conceder tratamento fiscal diferenciado para as entidades que atuam

desinteressadamente em atividades de relevância social. Em todos os casos, as

entidades devem comprovar o cumprimento de requisitos para se habilitarem ao

benefício.

A questão mais controvertida consiste na concessão de isenção ou imunidade

na hipótese de exercerem as entidades beneficiadas atividade lucrativa. Neste caso,

as soluções são diversas, e, mesmo nos países em que se admite o exercício de

atividades econômicas por estas entidades, surgem dificuldades quanto à

fiscalização do emprego dos resultados nas atividades essenciais, ligadas a um

interesse público relevante.

392 BORGAZA, Carlo. The Italian Nonprofit Sector, in Annals of Public and Cooperative Economics, v. 62, n. 04/91, Bruxelas: Editions de Boeck-Wesmal SA, p. 698. 393 FONTAINE, Nicole. Report on Non-Profit Making Associations in the European Community. Disponível em: <http:// www.uia.org/legal>. Acesso em: 26 jun. 2001.

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CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto neste trabalho, é possível se chegar às seguintes

conclusões:

1. O Estado, para se manter e atingir seus fins, necessita de recursos econômicos,

que obtém, especialmente, através da cobrança de tributos. O poder tributário é,

todavia, delimitado Constituição, que estabelece os fatos tributáveis e a competência

de cada ente federativo para a instituição de tributos, bem como os critérios exigidos

para o exercício da competência residual (art. 154, I, da CF/88). A Constituição

estabelece limitações ao poder de tributar, representadas, não apenas pela

distribuição da competência entre os entes federativos, mas também por princípios e

pelas imunidades.

2. Os princípios são preceitos abstratos que se aplicam em uma diversidade de

situações, sendo utilizados para orientar a elaboração e interpretação de regras

jurídicas.

3. A imunidade, embora seja, em geral, inspirada em princípios, consiste em regra

que integra a norma de estrutura de atribuição de competência tributária para os

entes estatais. É regra que proíbe ordenar, conforme a classificação de Norberto

Bobbio394. Assim, para a formação da norma de estrutura definidora da competência

para tributar, faz-se necessária a conjugação da regra que atribui competência e da

regra que concede a imunidade.

4. A imunidade promove uma delimitação no âmbito da competência tributária,

colocando determinado fato no campo da não incidência. Protege pessoas, bens e

394 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, tradução de Maria Celeste C. J. Santos, 5ª ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1994, p. 47.

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serviços da tributação, como forma de garantir a preservação de certos valores e

estimular o exercício de determinadas atividades pelos particulares. Em

conseqüência, face à vedação constitucional, não poderá o legislador inserir as

pessoas, bens e serviços imunes na hipótese de incidência da lei tributária, sob pena

de invalidade perante o ordenamento jurídico.

5. Para a exata compreensão da imunidade das entidades beneficentes quanto às

contribuições sociais é preciso identificar os objetivos a serem alcançados, os

valores consagrados pelo texto constitucional e pela sociedade, possibilitando-se a

sua adequada interpretação, bem como a análise da viabilidade de se promover

alteração no dispositivo constitucional que a prevê.

6. Nesse sentido, verifica-se que a imunidade concedida às entidades beneficentes de

assistência social tem como fundamento a colaboração por elas prestadas ao Estado,

tendo em vista que atuam na efetivação dos direitos fundamentais, especificamente,

na implementação dos mínimos existenciais que, de outra forma, deveriam ser

supridos pelo Estado.

7. Decorre, portanto, da necessidade de concretização de direitos fundamentais,

visando resguardar os direitos humanos, em especial a igualdade e a dignidade da

pessoa humana. Em conseqüência, não poderá ser objeto de emenda constitucional,

tendo em vista estar vedada, pelo art. 60, § 4º, da CF/88, a deliberação de propostas

tendentes a abolir os direitos e garantias individuais.

8. A imunidade das entidades beneficentes não atenta quanto à igualdade que deve

orientar a imposição de tributos, face à relevância social das atividades por elas

desenvolvidas, podendo-se inferir que o tratamento diferenciado decorre do critério

de justiça representado pela fórmula "a cada qual segundo suas obras"395.

9. A adoção do modelo de Estado Social fez com que o Estado se agigantasse,

passando a necessitar de cada vez mais recursos para concretizar os direitos a

395 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito, tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 10.

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prestações. Passou-se, então, a discutir a possibilidade de se retornar a uma forma de

Estado mínimo, passando a responsabilidade pela implementação da solidariedade

social para a própria sociedade. Não obstante, o Estado brasileiro, face aos

compromissos assumidos na Constituição de 1988, não pode deixar de atuar na

implementação dos direitos sociais. Não se impede, contudo, que o Estado busque o

auxílio da sociedade para a consecução de seus fins. Assim é que a CF/88 busca a

cooperação da sociedade na efetivação dos mínimos sociais, considerando a

limitação dos recursos do Estado.

10. Para o desempenho, pela sociedade, de atividades de interesse público, o Estado

confere incentivos como subsídios, benefícios fiscais e atribuição de títulos especiais

que possibilitam a concessão de benefícios como a utilização de bens, recursos e

mesmo de servidores públicos. A imunidade das entidades beneficentes representa

uma forma de incentivar a participação da sociedade em áreas de relevante interesse

público, suprindo as deficiências do Estado.

11. Para a identificação das beneficiárias da imunidade, faz-se necessária a

compreensão do que se entende por "assistência social". Pode-se verificar, a

propósito, que a Constituição insere a assistência no contexto da seguridade social,

que abrange, também, a saúde e a previdência.

12. A CF/88 estabelece que a assistência social abrange a prestação de serviços a

quem necessitar, independente de contribuição à seguridade social, tendo a Lei

Orgânica da Assistência Social - Lei nº 8.742/93, esclarecido ser a assistência forma

de provimento dos mínimos sociais.

13. Ainda que se reconheça a relevância das entidades fechadas de previdência

privada, sem fins lucrativos, que possibilitam a ampliação dos benefícios

previdenciários, deve-se considerar que a previdência, ao contrário da assistência

social, é essencialmente contributiva. Por outro lado, o Estado garante um regime

geral de previdência social a todos os trabalhadores, sendo os benefícios

proporcionais à contribuição de cada um, restando garantidos os mínimos

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existenciais. Assim, considerando a diferenciação promovida pela Constituição entre

assistência e previdência social, bem como a existência de regime previdenciário

oficial obrigatório, pode-se concluir pela não inclusão das entidades que atuam no

âmbito da previdência social entre as beneficiárias da imunidade prevista no art.

195, § 7º da CF/88.

14. As atividades de saúde, contudo, devem ser incluídas no conceito de assistência

social para o fim de definição das destinatárias da imunidade, tendo em vista que se

inserem no campo de atendimento dos mínimos existenciais, devendo ser prestada,

em regra, a quem dela necessitar, ainda que não possua recursos para pagar pelos

serviços. Ademais, a proteção da saúde é essencial para a "proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência e à velhice", que se constitui em um dos

objetivos da assistência social, previsto no art. 203 da CF/88.

15. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social foi prevista na

Constituição em um dispositivo de eficácia limitada, de forma que sua eficácia

plena depende da regulamentação em lei infraconstitucional. O art. 195, § 7º, da

CF/88 exigiu, para que as entidades beneficentes pudessem usufruir da imunidade,

que estas cumprissem "os requisitos definidos em lei", sem ter especificado se esta

lei deveria ou não ser uma lei complementar, votada com quorum privilegiado.

Entretanto, ainda que a imunidade seja uma limitação constitucional ao poder de

tributar, impende notar que o art. 149 da Constituição Federal determina a aplicação,

às contribuições sociais, apenas do disposto no art. 146, III, da CF/88. Foi, portanto,

afastada pelo próprio texto constitucional a obrigatoriedade de regulamentação da

imunidade quanto às contribuições sociais por lei complementar.

16. O legislador infraconstitucional, ao estabelecer requisitos para a imunidade, deve

cuidar para selecionar as entidades que efetivamente exercem atividades em proveito

da sociedade, evitando que seja desnaturada a imunidade, conferindo-a a pessoas

que não auxiliam o Estado na consecução de seus objetivos de promover a justiça

social, mas, ao contrário, buscam apenas a satisfação de seus próprios interesses.

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Não poderá, por outro lado, retirar a eficácia do preceito constitucional,

estabelecendo condições impossíveis de serem atingidas, ou que não atendam ao

princípio da razoabilidade. Este é, portanto, o desafio do legislador, que deve

escolher critérios que não desestimulem a existência destas entidades, mas que ao

mesmo tempo, garantam que a sua atuação reverta, efetivamente, em proveito da

sociedade.

17. Para obter a imunidade, as entidades beneficentes não precisam estar abertas ao

público em geral, podendo definir sua clientela, limitando seu atendimento a um

determinado grupo social, como os empregados de uma empresa, ou os moradores

de um bairro. Devem, contudo, promover programas assistenciais destinados a

pessoas carentes.

18. Não perde o direito à imunidade a entidade que cobra daqueles que podem pagar

pela prestação de seus serviços. A exigência de gratuidade integral, na forma

pretendida pela Lei nº 9.732/98, com eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal

Federal396, inviabiliza a existência das entidades assistenciais, tendo em vista que

estas necessitam de obter recursos para desenvolver suas atividades. É adequado,

contudo, exigir-se a prestação de um determinado percentual de serviços gratuitos,

tendo em vista que os destinatários da assistência social são aquelas pessoas carentes

de recursos econômicos, e que não podem pagar pelos serviços e bens que lhes

garantam o mínimo existencial.

19. A fixação de um percentual mínimo de gratuidade deve, contudo, ser

estabelecido em lei, não podendo ser inserido em Decreto (como consta atualmente

no Decreto nº 2.536/98, que estabelece os requisitos para a obtenção do Certificado

de Entidades de Fins Filantrópicos), por não ser este a espécie normativa exigida

pela Constituição Federal para estabelecer os requisitos a serem exigidos para a

imunidade.

396 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2.208-5, Relator Ministro Moreira Alves, liminar publicada no DJ de 16/06/2000.

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20. Embora muitas vezes as entidades beneficentes sejam levadas ao exercício de

atividades econômicas, visando a obtenção de recursos necessários para o custeio de

suas finalidades básicas, a imunidade, tanto em relação a impostos como em relação

às contribuição sociais, não se estende às atividades econômicas.

21. No que se refere à imunidade quanto a impostos, a Constituição Federal de 1988

limitou expressamente o benefício "às rendas relacionadas com as finalidades

essenciais", restrição que, em interpretação teleológica do texto constitucional pode

ser aplicada também à imunidade em relação às contribuições sociais, uma vez que

ambas guardam o mesmo fundamento.

22. A CF/88 incentiva o exercício de atividades econômicas em um regime de livre

concorrência. Para garantir a livre concorrência, permite expressamente a tributação

das atividades econômicas exercidas pelas empresas públicas e sociedades de

economia mista. No mesmo sentido, ao conceder a imunidade recíproca, extensiva

às autarquias e fundações públicas, possibilita a tributação do patrimônio, renda e

serviços "relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas

normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou

pagamento de preços ou tarifas pelo usuário". Constata-se, portanto, que, mesmo

devendo ser todos os recursos obtidos pelo Estado aplicados no custeio da

administração pública e dos serviços públicos essenciais, a Constituição não excluiu

a possibilidade de tributação das atividades econômicas desenvolvidas pelo Estado.

Logo, não se pode pretender que as entidades beneficentes tenham imunidade mais

ampla do que a própria imunidade recíproca, de forma que as atividades econômicas

por elas exercidas estarão sujeitas à tributação.

23. Considerando a necessidade de se incentivar a implementação de direitos

sociais pela própria sociedade, seria possível se conceder isenção para as atividades

econômicas exercidas pelas entidades beneficentes, com o objetivo de obter recursos

para a manutenção de suas atividades essenciais, cuidando, contudo, para que o

exercício destas atividades pelas entidades beneficentes não representasse

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concorrência desleal. O ideal seria a concessão de isenção apenas para entidades que

obtivessem lucros até um determinado valor, tendo em vista que, na hipótese, o

auxílio seria concedido às entidades com menores recursos, e evitaria a instituição

de entidades beneficentes de fachada, cuja criação tivesse como objetivo a obtenção

de maiores proveitos em decorrência do benefício fiscal, promovendo-se

distribuição disfarçada dos lucros entre os sócios ou fundadores.

24. O art. 55 da Lei nº 8.212/91, ao regulamentar o disposto no art. 195, § 7º, da

Constituição Federal de 1988, refere-se apenas às contribuições sociais incidentes

sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos a pessoas físicas, e

sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços relativamente a

serviços prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho397,

tributos estes disciplinados pela referida Lei nº 8.212/91 e arrecadados pelo Instituto

Nacional do Seguro Social. Seria necessário, contudo, promover-se a extensão do

dispositivo às demais contribuições (como foi feito pela MP nº 2.158-35, de

24/08/2001, que determinou a aplicação do disposto na Lei nº 8.212/91 ao

PIS/PASEP e à COFINS), tendo em vista a necessidade de se garantir a imunidade

em relação a todas as contribuições sociais.

25. O primeiro requisito exigido pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91 para a imunidade

refere-se à apresentação de título de utilidade pública federal e estadual, distrital ou

municipal. Não é possível, todavia, exigir-se a apresentação de títulos de utilidade

pública estadual, distrital ou municipal, tendo em vista que a regulamentação do art.

195, § 7º, da CF/88 deve ser feita por lei da União, não se podendo permitir a

inserção de requisitos, ainda que de forma indireta, na legislação estadual, distrital

ou municipal. Ademais, a exigência destes títulos poderia ensejar tratamento

diferenciado entre as entidades beneficentes que atuassem em localidades distintas.

397 Ver, em relação a serviços prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho, o disposto no art. 22, IV da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 9.876/99.

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26. No que se refere ao título de utilidade pública federal, sua exigência, por si só,

não viola a Constituição. Não obstante, dependendo dos requisitos estabelecidos em

lei para a obtenção do título de utilidade pública, evidenciando-se que estes são

excessivos ou irrelevantes para a concessão da imunidade, tal fato poderá ensejar o

reconhecimento da inconstitucionalidade da exigência deste título, que não é exigido

apenas para a imunidade, mas para a obtenção de outros benefícios, como o repasse

de recursos estatais. Por outro lado, a vigente Lei nº 91/35, que estabelece os

requisitos para a obtenção do título de utilidade pública federal, prevê requisitos que

guardam semelhança com os previstos no art. 55 da Lei nº 8.212/91, de forma que a

sua exclusão não implicaria em prejuízo da possibilidade de se fiscalizar a atuação

das entidades beneficentes.

27. Em relação ao registro e ao Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos (ou

Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, conforme a MP nº 2.187-

13, de 24/08/2001), a ser concedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social,

verifica-se que sua exigência também não é, por si só, inconstitucional,

especialmente se se considerar que cabe ao CNAS a coordenação da Política

Nacional de Assistência Social, em conformidade com o art. 17 da Lei nº 8.742/93.

Não obstante, a concessão do Certificado não pode se sujeitar a requisitos previstos

em Decreto, tendo em vista que, em assim se procedendo, estar-se-á criando,

indiretamente, em ato normativo sem aptidão para regulamentar dispositivo

constitucional, requisitos para a imunidade.

28. Adequa-se ao texto constitucional a exigência de não recebimento de vantagens

ou benefícios a qualquer título pelos diretores, conselheiros, sócios, instituidores e

benfeitores da entidade beneficente. Não obstante, deve-se autorizar a percepção de

remuneração por parte dos diretores ou mesmo em relação aos conselheiros que

desempenham atividades profissionais junto às entidades beneficentes, por lhes ser

devida contraprestação pelo seu trabalho. Deve-se, entretanto, ser observado o valor

de mercado.

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29. É adequada, ainda, a exigência de aplicação dos lucros na manutenção dos

objetivos institucionais, apresentando relatório anual ao Instituto Nacional do

Seguro Social, tendo em vista a necessidade de se fiscalizar as atividades das

entidades beneficentes, a fim de que estas não deixem de atuar em benefício da

sociedade, passando a buscar a satisfação de interesses privados.

30. Seria importante, ademais, incluir entre os requisitos para a imunidade, a

obrigatoriedade de se assegurar nos atos constitutivos, a destinação do patrimônio

das entidades beneficentes, para outra instituição que atenda os requisitos para a

imunidade, no caso de fusão, cisão, incorporação ou encerramento das atividades, a

fim de se garantir sua permanente vinculação a finalidades públicas.

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SUGESTÕES

Após a análise do alcance da imunidade das entidades beneficentes, pode-se

sugerir algumas alterações na legislação infraconstitucional brasileira, a fim de se

adequar os requisitos legais ao texto constitucional, possibilitando o controle das

atividades desempenhadas pelas entidades beneficentes, sem contudo, incorrer em

excessos.

Em primeiro lugar, sugere-se que o art. 55 da Lei nº 8.212/91 passe a ser

aplicável a todas as contribuições sociais, e não somente às previstas nos arts. 22 e

23 da referida lei, ou seja contribuição sobre a folha de salários e demais

rendimentos do trabalho creditados a pessoa física, sobre a receita bruta, para

custeio do seguro de acidentes de trabalho, e sobre o valor bruto da nota fiscal ou

fatura de prestação de serviços relativamente a serviços prestados por cooperados

por intermédio de cooperativas de trabalho.398 Com efeito, considerando que as

entidades beneficentes são beneficiárias da imunidade quanto a todas as

contribuições sociais, não há razão para se estabelecer requisitos diferenciados para

cada espécie de contribuição.

No que se refere às condições estabelecidas para o benefício, sugere-se a

exclusão do requisito previsto no inciso I do art. 55 da Lei nº 8.212/91, referente à

apresentação do título de utilidade pública federal e estadual, distrital ou municipal.

Tal proposta se justifica, em relação aos títulos de utilidade pública estadual,

distrital e municipal, pela impossibilidade de se estabelecerem, indiretamente, em

legislação proveniente destas ordens jurídicas parciais, requisitos para a imunidade.

398 Ver, em relação a serviços prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho, o disposto no art. 22, IV da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 9.876/99.

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Já o título de utilidade pública federal poderia ser dispensado, tendo em vista

que os requisitos atualmente existentes na Lei nº 91/35 já constam nos incisos da Lei

nº 8.212/91, podendo ser objeto de análise por parte da fiscalização do INSS.

No que se refere ao registro e ao Certificado de Entidade Beneficente de

Assistência Social, deve-se considerar que, existindo órgão responsável pela

coordenação da Política Nacional de Assistência Social, é lícito, efetivamente,

pretender submeter as entidades beneficentes, ao controle do CNAS.

Não obstante, deve-se considerar que, sendo a obtenção do Certificado de

Entidade Beneficente de Assistência Social condição para a obtenção da imunidade,

os requisitos para este documento deveriam ser estabelecidos em lei, sob pena de se

violação ao disposto no art. 195, § 7º, da CF/88. Ademais, seria de se exigir um

certificado que atestasse a condição de entidade beneficente especificamente para

fins de obtenção de imunidade, tendo em vista a possibilidade de se exigir

certificados das instituições assistenciais para habilitação a outros benefícios, como

a obtenção de recursos públicos.

Por outro lado, cabe observar que, dentre os requisitos estabelecidos pelo art.

3º do Decreto nº 2.536/98 para a concessão do Certificado pelo CNAS, destaca-se,

pela sua importância, a exigência de aplicação de pelo menos vinte por cento da

receita bruta em gratuidade.

Ora, como visto, a assistência social destina-se a atender, em especial, às

pessoas desprovidas de recursos, às quais deve ser garantido, pelo Estado, o

suprimento do mínimo existencial. Assim sendo, embora seja possível a cobrança

por serviços prestados a pessoas que têm recursos econômicos, faz-se mister que os

recursos obtidos sejam revertidos em proveito daqueles que têm necessidade, mas

não podem pagar pelos serviços.

Em conseqüência, tal requisito deveria ser incluído, não em Decreto, por não

ter este instrumento normativo aptidão para regulamentar o disposto no art. 195, §

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7º, da CF/88, mas em lei. Seria cabível, nesse sentido, estudo para se verificar a

adequação do percentual atualmente estabelecido pelo Decreto nº 2.536/98, podendo

haver sua redução ou o seu acréscimo, dependendo das atividades desenvolvidas

pela entidade imune.

Poder-se-ia, ainda, manter a vedação de recebimento, por parte de diretores,

conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, de vantagens ou benefícios a

qualquer título, em conformidade com o que estabelece o inciso IV do art. 55 da Lei

8.212/91. Não obstante, considerando a necessidade de se remunerar os serviços

prestados, deve-se prever o pagamento de remuneração aos administradores, desde

que os valores não excedam os praticados no mercado.

Pode-se manter, ainda, o requisito previsto no art. 55, V, da Lei nº 8212/91,

exigindo-se a apresentação de relatório das atividades e da apresentação de

relatórios ao INSS, como estabelecido pela Lei nº 9.732/98.

Por outro lado, deve-se acrescentar a necessidade da destinação do

patrimônio a outra entidade beneficente ou a algum órgão público, no caso de

incorporação, fusão, cisão ou de encerramento das, de forma a evitar que se busque

aumentar o patrimônio da entidade imune, para posterior distribuição entre os

fundadores, garantindo-se, ainda, a permanente vinculação do patrimônio à

consecução de uma finalidade pública.

Sugere-se, ainda, que, não obstante seja concedida pela Constituição Federal

de 1988, a imunidade apenas quanto às atividades essenciais, e portanto, somente

em relação às atividades fins das entidades de assistência social, seja concedida

isenção de contribuições sociais para as entidades que mantém pequenos

estabelecimentos comerciais, a fim de que possam obter recursos para a consecução

de seus objetivos. Ao se limitar a isenção às entidades que obtivessem lucros até um

determinado valor, poder-se-ia evitar que a atuação nas atividades assistenciais

venha a ser utilizada apenas como um subterfúgio para o exercício de atividades

lucrativas.

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Deve-se, outrossim, registrar que as entidades educacionais não são

abrangidas pelo art. 195, § 7º, da CF/88, de forma que o benefício fiscal a elas

concedido pela Lei nº 8.212/91 representa uma isenção.

Sugere-se, portanto, a seguinte redação para o art. 55 da Lei nº 8212/91:

Art. 55. Tem imunidade quanto às contribuições sociais a entidade

beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos

cumulativamente:

I - promova a assistência social beneficente, inclusive de saúde, a menores,

idosos, excepcionais ou pessoas carentes;

II - aplique anualmente, em gratuidade, pelo menos ......... por cento da

receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita

decorrente de aplicações financeiras, de locação de bens, de venda de bens

não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo

montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruída;

III - seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de

Assistência Social, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social,

atendidos os requisitos estabelecidos em lei, renovado a cada três anos;

IV - não percebam seus administradores, diretores, conselheiros, sócios,

instituidores ou benfeitores, vantagens ou benefícios a qualquer título;

V - não percebam seus diretores e conselheiros, pelos serviços prestados,

remuneração superior à de mercado;

VI - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção

e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando,

anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas

atividades;

VII - seja assegurado, nos seus atos constitutivos, a destinação de seu

patrimônio a outra instituição que atenda às condições para o gozo da

imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de

suas atividades, ou a órgão público.

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§ 1º. Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo

será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que terá o

prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.

§ 2º. A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade

que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja

no exercício da isenção.

§ 3º É garantida às entidades beneficentes de assistência social, isenção

quanto as atividades econômicas por elas exercidas, desde que o lucro seja

inferior a (...), e os resultados sejam integralmente aplicados na consecução

de suas atividades essenciais.

§ 4º É garantida às entidades educacionais que atendam os requisitos

previstos neste artigo, a isenção em relação às contribuições sociais."

Tais requisitos, acredita-se, possibilitariam uma melhor definição do âmbito

de atuação das entidades imunes, e o direcionamento de suas atividades para o

atendimento de necessidades sociais, evitando que o benefício fiscal seja convertido

em um privilégio.

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3. Jurisprudência.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 1.802-3/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento da liminar em 27/08/98, acórdão pendente de julgamento.

_______. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 2.028-5/DF, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 16/06/2000.

_______. Supremo Tribunal Federal. ADIMC nº 2.036/DF, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 16/06/2000.

_______. Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 939-7/DF, Relator Ministro Sydney Sanches, publicado no DJ de 18/03/94.

_______. Supremo Tribunal Federal. AGRAG nº 155.822/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 02/06/95.

_______. Supremo Tribunal Federal. MI nº 232/RJ, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 27/03/92.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 52.461/GB, Relator Ministro Djaci Falcão, publicado no DJ de 04/10/68.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 89.012/SP, Relator Ministro Moreira Alves, julgamento em 09/06/1978.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 108.120/SP, Relator Ministro Sydney Sanches, publicado no DJ de 08/04/88.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 116.631/RS, Relator Ministro Octavio Gallotti, publicado no DJ de 23/09/88.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 136.332/RJ, Relator Ministro Octavio Gallotti, publicado no DJ de 25/06/93.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 166.772/RS, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no DJ de 16/12/94.

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_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 134.573/SP, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 29/09/95.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 164.162/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 13/09/96.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 144.900/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 26/09/97.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 175.871/SP, Relator Ministro Carlos Velloso, publicado na RTJ 165/1069.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 115.970/RS, Relator Ministro Moreira Alves, publicado na RTJ 126/853.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 74.792/BA, Relator Ministro Djaci Falcão, publicado na RTJ 66/260.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 202.700/DF, Relator Ministro Maurício Corrêa, Informativo STF nº 249.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 235.003/SP, Relator Ministro Moreira Alves, Informativo STF nº 258.