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www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depósito legal: 2005-5822 1 Derecho y Cambio Social A INEFICÁCIA DAS PENAS PUNITIVAS NOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO Daniela Garcia de Oliveira 1 Igor Scardini Costa 2 Fecha de publicación: 08/07/2017 Sumário: Introdução. 1. Gênese dos crimes de colarinho branco. 2. Legislação. 3. A ineficácia das penas. Conclusão. Bibliografia. Resumo: Estudo teórico que objetiva uma breve análise sobre os crimes de colarinho branco e a eficácia das penas a eles cominadas. Ademais, busca ilustrar tal ineficácia a partir de alguns casos recentes do cenário brasileiro. Ainda, visa abrir a reflexão acerca do tema, no intuito de se fortalecer no sistema jurídico penal brasileiro a adoção de uma política criminal contemporânea. Por fim, o presente artigo busca o fomento da discussão e sua solução a partir das práticas adotadas em países com alto índice de corrupção. Palavras-chave: Direito Penal Econômico. Crimes Financeiros. Direito Penal Moderno. Crimes de Colarinho Branco. Política Criminal Contemporânea. 1 Graduanda do Curso Superior de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo. 2 Graduando do Curso Superior de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo. [email protected]

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Derecho y Cambio Social

A INEFICÁCIA DAS PENAS PUNITIVAS NOS CRIMES DE

COLARINHO BRANCO

Daniela Garcia de Oliveira1

Igor Scardini Costa2

Fecha de publicación: 08/07/2017

Sumário: Introdução. 1. Gênese dos crimes de colarinho branco.

2. Legislação. 3. A ineficácia das penas. Conclusão.

Bibliografia.

Resumo: Estudo teórico que objetiva uma breve análise sobre

os crimes de colarinho branco e a eficácia das penas a eles

cominadas. Ademais, busca ilustrar tal ineficácia a partir de

alguns casos recentes do cenário brasileiro. Ainda, visa abrir a

reflexão acerca do tema, no intuito de se fortalecer no sistema

jurídico penal brasileiro a adoção de uma política criminal

contemporânea. Por fim, o presente artigo busca o fomento da

discussão e sua solução a partir das práticas adotadas em países

com alto índice de corrupção.

Palavras-chave: Direito Penal Econômico. Crimes Financeiros.

Direito Penal Moderno. Crimes de Colarinho Branco. Política

Criminal Contemporânea.

1 Graduanda do Curso Superior de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo.

2 Graduando do Curso Superior de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo.

[email protected]

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por propósito explorar os crimes contra o Sistema

Financeiros Nacional, comumente denominados de crimes de colarinho

branco, principalmente a fim de fomentar a discussão da ineficácia de suas

atuais penas punitivas.

Tal debate se mostra hodiernamente necessário e vital, tendo em vista

que o tema do decorrente artigo pode ser ilustrado com casos recentes da

seara brasileira.

Dessa forma, o presente esboço teórico visa refletir sobre esta

problemática e mostrar as soluções adotadas no direito comparado,

principalmente em países com alto nível de corrupção, com o intuito de se

aproximar a política criminal brasileira da utilizada na contemporaneidade.

Assim sendo, como adaptar o sistema político-criminal brasileiro às

novas percepções de crimes de colarinho branco e tornar as penas punitivas

eficazes, diminuindo assim o numero de reincidência e a atual sensação de

impunidade?

Para elucidar a presente questão, fora utilizado neste estudo o método

de pesquisa bibliográfico dedutivo, partindo-se da premissa de que as penas

são atualmente ineficazes e que outros países conseguiram suprimir quase

que ao todo práticas semelhantes.

Assim, faz-se importante analisar a origem dos denominados crimes

de colarinho branco. O crime de colarinho branco adveio da expressão

inglesa “whitecollar crimes”, cunhado por Edwin H. Sutherland, no dia 27

de dezembro de 1939, em sua exposição perante a Associação Americana

de Sociologia.

Edwin H. Sutherland, definiu os crimes de colarinho branco como

aqueles realizados “por pessoas dotadas de respeitabilidade e elevado

status social, no âmbito de seu trabalho.”3 Criou-se o termo “White collar

crime” para dar ênfase à posição social dos criminosos, trazendo para o

campo científico o estudo do comportamento de empresários, homens de

3 Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria

do Advogado,2000, p. 225.

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negócios e figuras políticas como autores de crimes profissionais e

econômicos.

Ademais, anteriormente à caracterização desse termo aos crimes de

colarinho branco, utilizou-se a expressão inglesa “WhiteCollar” para

nomear os trabalhadores assalariados ou autônomos, que dado o caráter de

suas funções, se vestiam com certo grau de formalidade.

1. GÊNESE DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO

Duas características são peculiares aos crimes de colarinho branco, sendo

elas: a posição privilegiada do autor e a relação direta do crime com o seu

cargo funcional, ou seja, sua profissão.

Seguindo a linha proposta por Hermann Mannheim, quatro são os

elementos conceituais do “White collar crime apresentado por Sutherland:

a) é um crime; b) cometido por pessoas respeitáveis; c) com elevado status

social; d) no exercício de sua profissão. Além disso, geralmente constituem

uma violação da confiança depositada aos autores por seus funcionários, ou

até mesmo pela sociedade, em virtude do prestígio social ocasional que o

acompanha.

Quanto à gênese dos crimes de colarinho branco, não se sabe ao certo

o primeiro caso concreto e julgado a respeito do tema. Entretanto, alguns

casos foram emblemáticos, entre eles, o do banqueiro Salvatore Cacciola

(responsável pelo escândalo do banco Marka), condenado em primeira

instância por crimes contra o sistema financeiro, juntamente com diretores

e funcionários do Banco Central do Brasil.

Outro exemplo famoso vem a ser o do empresário Pedro Paulo de

Souza, ex-proprietário da falida construtora Encol que entrou em colapso,

deixando cerca de 45 mil mutuários sem casa. Caso bastante relevante

também e que buscou combater os crimes de colarinho branco foi a

Operação Satiagraha contra o desvio de verbas públicas, a corrupção e a

lavagem de dinheiro.

2. LEGISLAÇÃO

No Brasil, os crimes de colarinho branco, ou seja, relativos aos crimes

financeiros, foram inicialmente positivados pela Lei 7.492/86,que define os

crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e tem como escopo assegurar

na esfera do Direito Penal a proteção a este sistema. A referida lei tipificou

crimes, instituiu sanções, regulou normas de procedimento e definiu aquilo

que imaginou como sendo a responsabilidade penal dos autores dos delitos.

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Faz-se necessário, para o devido entendimento normativo, o

entendimento do quem vem a ser o Sistema Financeiro Nacional.

Recorrendo-se às lições doutrinárias de Rodolfo Tigre Maia, este vem a ser

"O conjunto articulado de instituições, ou entes a ela equiparados, públicos

ou privados, que correspondem ao modelo expressamente definido em lei e

estruturados com o escopo de ‘promover o desenvolvimento equilibrado do

País e servir aos interesses da coletividade’, instituições em atuação na

captação, gestão e aplicação de recursos financeiros e valores mobiliários

de terceiros – quer entes públicos ou privados – sob a fiscalização do

Estado, bem como as relações jurídicas existentes entre tais instituições,

seus usuários, seus funcionários e o poder público"4.

Desta forma, nos termos da lei5, são responsáveis penalmente o

controlador e os administradores da instituição, sendo-lhes equiparados o

interventor, o liquidante e o síndico.

Ainda, o parágrafo segundo6 do referido artigo elenca uma espécie de

colaboração premiada, oferecendo a redução da pena de um à dois terços

para o co-autor ou partícipe que espontaneamente revelar às autoridades

competentes toda a trama delituosa.

Inicialmente, a legislação foi criada para combater os crimes efetuados

por administradores e diretores das instituições financeiras, tutelando a

política econômica do governo. Contudo, houve uma amplitude para que

atingir não apenas esse núcleo, mas também a qualquer indivíduo que lese

a ordem econômica.

No entanto, na maioria das vezes, apenas os partícipes são punidos nos

delitos em questão. Conforme ensina Tigre Maia: “Há uma pletora de

razões que explicam tal fato (...) a complexidade organizacional das teias

criminosas engendradas, que desafiam as limitações notórias das forças da

ordem em reprimi-las; o desconhecimento generalizado dos tipos penais

aplicáveis e das hipóteses fáticas a eles correspondentes pelos

encarregados de sua repressão; a desarticulação entre os setores estatais

encarregados do controle e fiscalização destas práticas; o tráfico de

4 MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional – Anotações à Lei

Federal n. 7.492/86, pág. 28.

5 Art. 25 da Lei 7.492/86: Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o

controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores,

gerentes (Vetado).

6 Art. 25, §2º da Lei 7.492/86: § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou

co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade

policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.

(Incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995).

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influência e a corrupção imanente aos Estados cartoriais, e com elevada

concentração de renda (...).”7

Outro acréscimo relevante para o sistema jurídico brasileiro foi a

introdução da Lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou

ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da utilização do sistema

financeiro para ilícitos.

Tais legislações visam proteger o sistema financeiro, uma vez que, a

falta de tutela pode ocasionar o desequilíbrio do país ferindo objetivos

estabelecidos na Carta Magna. Percebe-se, assim, a importância de manter

a credibilidade das instituições financeiras. Trazendo como um de seus

objetivos, a Constituição Federal elege a construção de uma sociedade

livre, justa e solidária8. Ainda, em sua formação, o Estado Brasileiro que

almeja ser democrático de direito, objetiva a redução de desigualdades

sociais9, o que seria de difícil consumação com a ocorrência contínua de

atentados contra a ordem financeira.

Como dito alhures, os tipos penais financeiros visam evitar condutas

intoleráveis ao sistema diante de práticas que visam lucrar ilicitamente e

que causam prejuízo para toda a sociedade. Esses delitos causam diversos

danos, e dentre eles, lesões à economia.

Insta salientar também que, mesmo com a existência de legislação

específica a respeito do tema, ainda há a existência de casos de

impunidade, pelos motivos da época da criação da lei.

2.1. Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional – Lei n°

7.492/86

Encontra-se positivada, no sistema brasileiro, a lei 7.492/86 de suma

relevância quando o tema tratado é os crimes de colarinho branco. A

necessidade de uma legislação mais rígida mediante diversos escândalos

envolvendo diversas instituições financeiras desencadeou a referida lei.

Alcunhada como a lei que trata dos “crimes de colarinho branco’, ela

recebeu diversas críticas de renomados juristas brasileiros, uma vez que

esta possui termos vagos, e foi, praticamente, elaborada por economistas.

7 Rodolfo Tigre Maia. Dos crimes contra o sistema financeiro nacional. P.35.

8 Art. 3®, I, da CRFB/88: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

9 Art. 3®, III, da CRFB/88: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;

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Há na doutrina, ademais, críticas severas a determinados artigos da

legislação são responsabilizados pela ineficácia do sistema. Não iremos

tratar de todos os artigos, mas faremos uma exposição breve de dois

artigos, bastante criticados, para que o leitor tenha um vislumbre acerca dos

problemas técnicos redacionais da referida lei.

O artigo 4° da referida lei, por exemplo, é um dos mais debatidos na

doutrina, pois sua redação utiliza de expressões como: ‘gerir

fraudulentamente’ e ‘gestão temerária’.

Percebe-se assim a utilização de termos vagos em sua redação, o que

afronta diretamente o princípio da legalidade. Não define a legislação o que

vem a ser atos fraudulentos, e menos ainda gestão temerária, dificultando,

portanto, a aplicação da lei pelo intérprete da norma.

Outro artigo controverso é o 17°10

, que trata da tomada e do

recebimento de empréstimos pelos controladores e administradores

oriundos de familiares até o 2º grau e do cônjuge. Arnaldo Malheiros Filho,

por exemplo, se posiciona de modo crítico a essa tipificação penal em seus

estudos sobre o tema, defendendo que tais delitos não passam de ‘crimes de

mero capricho’, e concluindo que não há razão para que nessas condutas se

invoque a ultima ratio do Direito Penal. Tal fato se daria em virtude do

crime ser formal, em sua essência, mas não ter atrelado intrinsecamente a

sua tipificação a ocorrência de dano real, concreto e sério.

Nas palavras do doutrinador, “o empréstimo a diretor é em princípio

negócio de risco, mas não há sentido em proibir uma instituição de grande

porte de oferecer a um diretor empregado um financiamento para aquisição

de casa própria ou de automóvel que, além da boa garantia, é de montante

insignificante frente à financiadora”11

3. A INEFICÁCIA DAS PENAS

Como exposto anteriormente, a Lei 7.492/86 possui o propósito de punir as

condutas que ferem o Sistema Financeiro Nacional, buscando evitar a

fraude contra o sistema para construir uma sociedade que preza pelos seus

10

Art. 17 da Lei 7.492/86: Art. 17. Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no

art. 25 desta lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a

controlador, a administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges,

aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau, consangüíneos

ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por

qualquer dessas pessoas: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

11 MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Crimes contra o sistema financeiro na virada do milênio...,

cit., p. 5

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princípios constitucionais. Porém, ela se torna ineficaz na medida em que

não consegue evitar o acontecimento de futuras fraudes pelo fato de que os

agentes que praticam os crimes tipificados por ela não terem a sensação de

punição. Ainda, as punições se tornam “pequenas” na medida em que as

quantias envolvidas em tais crimes são de grandes montantes, fazendo com

que o crime “compense”.

Isso se dá por vários motivos, entre eles o baixo valor das penas, que

enseja a aplicação de quatro institutos penais para soltura dos agentes em

pouco tempo de reclusão.

O primeiro deles é a Suspensão Condicional da Execução da Pena, mais

conhecido como SURSIS. O Sursis é um direito subjetivo do réu, então

desde que preenchidos os requisitos, o juiz tem que concedê-lo. Eletem o

intuito de evitar o encarceramento do condenado, na medida em que

determina-o à observância de certos requisitos legais e condições

estabelecidas pelo juiz, durante o tempo por ele determinado. Terminado o

prazo, se não revogada a concessão, considera-se extinta a pena privativa

de liberdade.

Tal instituto é regido principalmente pelo artigo 77 do Código Penal,

que prescreve acerca da suspensão da execução, facultando ao juiz

suspender a pena privativa de liberdade não superior a dois anos. Para que

isso ocorra, deve ser observada a reincidência do réu12

; a personalidade,

antecedentes e conduta social do agente13

; e o não cabimento da

substituição14

:

Assim sendo, quase todos os crimes prescritos pela Lei 7.492/86

poderiam em tese ser embarcados pelo sursis, visto que apenas um deles

tem a pena mínima abstrata maior que dois anos.

O segundo instituto é o da Suspensão Condicional do Processo, regido

pelo artigo 89 da Lei 9.099/95, que permite ao Ministério Publico propor a

12

Art. 77, I do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): Art. 77 - A execução da pena privativa de

liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos,

desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - o condenado não seja

reincidente em crime doloso;

13 Art. 77, II do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): II - a culpabilidade, os antecedentes, a

conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias

autorizem a concessão do benefício;

14 Art. 77, III do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): III - Não seja indicada ou cabível a

substituição prevista no art. 44 deste Código.

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suspensão condicional do processo nos casos em que a pena mínima for

inferior a um ano, seguindo os requisitos da suspensão da pena.

Assim, 09 dos 23 crimes tipificados pela Lei 7.492/86 poderiam em

tese serem abrangidos por este instituto, visto que possuem a pena mínima

em abstrato de um ano.

O terceiro instituto que auxilia no desencarceramento dos agentes

criminosos é o do livramento condicional, regido pelo Código Penal nos

artigos 83 a 90, que livra o condenado da pena privativa de liberdade nos

casos prescritos pelos incisos do artigo 83.

Dessa forma, o juiz poderá conceder o livramento condicional ao

condenado à pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos

quando o preso já tiver cumprido mais de um terço da pena, conquanto este

não seja reincidente em crime doloso e tenha bons antecedentes15

.

Caso, no entanto, o condenado seja reincidente em crime doloso,

ainda lhe pode ser concedido o livramento condicional se já estiver

cumprida mais da metade da pena16

.

Se a condenação fora proveniente de cometimento de crime hediondo,

então o mínimo de pena cumprida para que haja a possibilidade de

livramento condicional é dois terços, conquanto não seja reincidente

específico em crimes desta natureza17

.

Não obstante, existem duas hipóteses em que não se faz necessário

tempo mínimo de cumprimento de pena para a concessão deste benefício,

sendo uma hipótese18

a que seja comprovado o comportamento satisfatório

durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho e aptidão para

prover a própria subsistência mediante trabalho honesto.

15

Art. 83, I do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): Art. 83 - O juiz poderá conceder

livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2

(dois) anos, desde que: I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for

reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;

16 Art. 83, II do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): II - cumprida mais da metade se o

condenado for reincidente em crime doloso;

17 Art. 83, V do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): V - cumpridos mais de dois terços da

pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for

reincidente específico em crimes dessa natureza.

18 Art. 83, III do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): III - comprovado comportamento

satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e

aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto;

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A outra hipótese para livramento condicional independente do

quantum de pena cumprido é a reparação do dano causado pela infração,

com a ressalva da efetiva impossibilidade de fazê-lo19

.

Desse modo, percebe-se que pela característica intrínseca dos crimes

de colarinho branco quanto ao seu cometimento por agentes de alto

escalão, fica mais propício o enquadramento nas condições impostas pelos

incisos do artigo 83. Também auxilia o fato de que a condição financeira

mais avantajada desses agentes os propicie uma melhor defesa técnica,

facilitando a aplicação desse instituto.

Por fim, o último instituto, diferentemente dos outros, não possibilita a

saída do condenado da reclusão, mas sim a evita desde o começo da

execução da pena. Trata-se da aplicação das Penas Restritivas de Direito

em lugar da Pena Privativa de Liberdade, conforme prescrito nos artigos 43

e 44 do Código Penal.

As penas restritivas de direito são passíveis de aplicação quando a

condenação não for superior a quatro anos e o crime não for cometido com

violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,

se o crime for culposo, o réu não for reincidente em crime doloso e a

culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do

condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa

substituição seja suficiente.

Assim sendo, verifica-se fácil a conversão da pena privativa de

liberdade para restritiva de direitos nos crimes de colarinho branco, visto

que por sua gênese, os agentes na maioria das vezes tem boa conduta

social, não tem maus antecedentes e as penas podem ser cominadas a

quatro anos.

Além dos fatores legais que possibilitam o cumprimento da pena fora

do cárcere, e assim a possibilidade de usufruto dos rendimento ilícitos que

o agente ainda tenha, bem como o retorno ao seu status quo de antes da

condenação, deve-se ser observado também uma falha sistêmica do sistema

prisional que também dificulta uma punição efetiva dos agentes

criminosos: o uso de celular nas prisões.

Faz-se importante ressaltar a realidade do sistema prisional brasileiro

e da ocorrência do uso de aparelhos telefônicos por detentos. Nos casos dos

crimes de colarinho branco, em que os agentes já possuem uma situação

19

Art. 83, IV do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal): IV - tenha reparado, salvo efetiva

impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração;

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econômica mais favorável, fica mais fácil a obtenção de celulares e por

conseguinte, a continuidade das operações empresariais e a possibilidade

de extraviar os produtos ilícitos do crime para lugares seguros que

possuem.

CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, é imprescindível entender que o problema envolvendo

a criminalidade financeira de alto escalão não encontrará sua solução

apenas no Poder Judiciário. O próprio juiz Sérgio Fernando Moro, que

comanda uma das maiores operações brasileiras de combate a corrupção,

admitiu em uma entrevista que “Justiça faz parte da solução, mas não é a

solução do problema”20

, quando questionado sobre sua operação.

Ao tentarmos acabar com a ocorrência desses crimes, deve-se

entender que se faz impossível a sua total dissolubilidade, a fim de ter o

enfoque em práticas que diminuam a ocorrência desses delitos e diminua o

efeito dos problemas.

Assim, uma mudança na legislação para dobrar o prazo de prescrição

desses crimes, tornar seu julgamento prioritários nas varas criminais ou

mesmo aumentar as penas abstratas, conforme sugerido por estudiosos

brasileiros sobre o tema, mostra-se ineficaz diante de nossa realidade atual.

É necessário uma perspectiva mais ampla acerca desses fatos, que seja

fundamentada em experiências positivas ocorridas em outros países, como

Hong Kong, Filipinas, Índia e Geórgia, que demonstram estar a solução

para além das fronteira judiciárias.

Hong Kong, modelo exemplar quando o assunto é combate à

corrupção, criou em 1974 uma Comissão Independente Contra a

Corrupção, focada não apenas em punição, mas em educação e prevenção,

atuando até mesmo em jardins de infância com histórias onde somente o

personagem honesto vence.

Ainda, essa comissão possui poder de acesso a contas bancárias, pode

exigir que testemunhas deponham sob juramento e confiscar propriedades e

documentos de viagem. Também, insta salientar a vontade dos poderes

legislativo e judiciário de atuarem em prol do combate a essa forma de

criminalidade.

20

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2016/09/justica-faz-parte-da-solucao-mas-

nao-e-a-solucao-do-problema-diz-moro-7525158.html, acessado aos 10 de novembro de

2016

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Por outro lado, o Poder Executivo das Filipinas abordou a situação de

maneira mais direta, desistindo da persecução penal aos “pequenos

corruptos” e focando nos grandes criminosos. Ainda, criou um sistema de

avaliação direto e periódico do serviço público pela população, para

diminuir o pagamento de propinas.

Insta salientar também o novo sistema de parcerias com a sociedade

civil e empresária, que cumulada com reformas na formulação do

orçamento do país deixaram o processo mais transparente.

A Índia, que por sua vez, tinha grandes problemas com suborno, criou

um mecanismo online de denúncias anônimas para levantar os lugares e

profissões de maior ocorrência do ilícito. Assim, o governo conseguiu criar

planos específicos de atuação e eliminar, por exemplo, as propinas pagas

para se conseguir permissão para dirigir, criando um centro totalmente

automatizado para a prova de habilitação.

Por último, e com os problemas mais semelhantes ao Brasil, a Geórgia

conseguiu implantar um sistema de transparência fiscal online onde são

realizadas todas as licitações, o que muito facilitou o controle externo.

Ainda, a transparência chegou a sua instituição mais corrupta: a

polícia. Todo o corpo policial foi renovado (cerca de 16 mil agentes),

passou a receber mais e ser mais monitorado a fim de se evitar a prática de

suborno. O símbolo dessa reforma foi a mudança de todas as delegacias

para prédios com paredes de vidro, onde todos possam ver o que se passa

dentro.

Portanto, há de se convir que existem soluções melhores do que a pura

presença e aplicação da legislação, ainda mais em um contexto na qual a

existente é tão permeada por críticas e tem se mostrado ineficiente. Para

além de uma reforma na lei vigente, é necessário que se estude mais sobre

as medidas adotadas em outros lugares e observe-se a possível

aplicabilidade no Brasil.

Dessa forma, ao se fazer uma análise do panorama internacional

apresentado, além de perceber-se que a solução vai além da esfera jurídica,

observa-se até mesmo nestes países que os problemas continuam, e devem

ser sempre debatidos para a criação de novas medidas.

Isso só reitera a necessidade de sempre nos debruçarmos

academicamente sobre este tema, ora pouco trabalhado, para que haja o

contínuo fomento da discussão, bem como o incessante debate sobre as

Page 12: A INEFICÁCIA DAS PENAS PUNITIVAS NOS CRIMES DE … · Resumo: Estudo teórico que objetiva uma breve análise sobre os crimes de colarinho branco e a eficácia das penas a eles cominadas.

www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 12

soluções adotadas, que por essência do crime estudado, precisarão sempre

serem atualizadas.

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