A Influência Das Ordenações Portuguesas e Espanhola

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“A INFLUÊNCIA DAS ORDENAÇÕES PORTUGUESAS E ESPANHOLA NA FORMAÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO DO PRIMEIRO IMPÉRIO” (1822 A 1831) ANDRÉ RUBENS DIDONE

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historia do direito no imperio

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  • A INFLUNCIA DAS ORDENAES PORTUGUESAS E ESPANHOLA

    NA FORMAO DO DIREITO BRASILEIRO DO PRIMEIRO IMPRIO

    (1822 A 1831)

    ANDR RUBENS DIDONE

  • 2

    AGRADECIMENTOS

  • 3

    RESUMO

    O presente estudo trata de averiguar a influencia das Ordenao Afonsinas, Manoelinas e Filipinas no Direito brasileiro da poca do Primeiro Imprio brasileiro. Para tanto, tomou-se como instrumento a reviso bibliogrfica sobre as referidas Ordenaes, assim como do processo da Independncia do Brasil, com nfase aos aspectos jurdicos. Diante da delimitao do tema, de Portugal limitou-se ao perodo das Ordenaes de forma a fornecer ao leitor uma compreenso geral das mesmas. Quanto ao Brasil, delimitou-se na exposio dos aspectos relevantes para o entendimento da Independncia do pas e da formao do seu Direito. das Ordenaes do Reino, as Filipinas tiveram forma vigentes no Brasil at a entrada em vigor do Cdigo Civil. Sendo o Brasil Colnia de Portugal, esse foi regido juridicamente pelo ordenamento portugus. Conclui-se que o Direito brasileiro vigente no Primeiro Imprio teve como referncia as Ordenaes do Reino, uma vez que essas eram os preceitos jurdicos apreendidos e absorvidos pelos brasileiros e portugueses residentes no Brasil, e teve como base as referidas Ordenaes, haja visto que as Ordenaes Filipinas mantiveram-se para suprir a ausncia de Cdigos prprios, bem como, na evoluo natural do Direito brasileiro, entende-se que as modificaes ocorridas, principalmente no Cdigo Criminal, pode-se dizer, partiram da reviso e adequao do ordenamento vigente.

  • 4

    SUMRIO

    CAPTULO 1 INTRODUO 01

    1.1 Problema 02

    1.2 Delimitao 03

    1.3 Justificativa 04

    1.4 Objetivos 05

    1.4.1 Objetivo geral 05

    1.4.2 Objetivos especficos 06

    1.5 Hipteses 06

    1.6 Metodologia 07

    CAPTULO 2 O DIREITO PORTUGUS 08

    2.1 Aspectos do Direito portugus 09

    2.2 Ordenaes Afonsinas 15

    2.3 Ordenaes Manuelinas 21

    2.4 Ordenaes Filipinas 25

    CAPTULO 3 O DIREITO BRASILEIRO

    NA POCA DO PRIMEIRO IMPRIO 31

    3.1 Antecedentes administrativos e jurdicos 32

    3.2 Processo emancipatrio do Brasil 38

    3.3 O Primeiro Imprio 45

    3.4 O Direito brasileiro 52

    3.5 A Constituio de 1824 63

  • 5

    3.6 O ensino de Direito 70

    3.7 O Cdigo Criminal de 1830 82

    CONCLUSES 87

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 97

    ANEXOS 101

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  • 1

    CAPTULO 1

    INTRODUO

    Nas palavras de Cesr Tripoli (1936, p. 3), o Direito deve ser

    encarado por dois aspectos: um, relativo sua formao e evoluo;

    outro, ao seu fundamento.

    No que se refere formao e evoluo do Direito,

    essencialmente histrico, por ser um fenmeno da civilizao humana que

    muda, se transforma e envolve no tempo e no espao. Seguindo tal

    entendimento, verifica-se que todo direito tem seguido a um direito

    anterior em um desenvolvimento contnuo.

    Quanto ao assunto, este eminentemente filosfico, sendo na

    filosofia que se deve buscar o princpio fundamental em que repousa o

    edifcio jurdico.

    A Histria do Direito, disciplina que trata da sua formao e

    evoluo, descreve os fatos e fenmenos com os quais os seres humanos

    realizam a sua vida jurdica.

    Em se tratando do Direito Brasileiro, este, semelhana do Direito

    dos demais povos, possui uma histria prpria e especial. Ao contrrio de

    autores que negam a existncia de um direito brasileiro j no perodo

    colonial, no entendimento de Csar Tripoli (1936), no h como negar que

    o direito brasileiro s comeou a existir desde que houve normas jurdicas

    no Brasil, tenham sido emanadas pela autoridade portuguesa em Portugal

    ou pela brasileira no Brasil.

  • 2

    Descobridor e colonizador, Portugal possua ordenamento jurdico

    prprio o qual, evidentemente, foi levado para as suas colnias, dentre as

    quais encontrava-se o Brasil.

    1.1 Problema

    Atualmente, define-se Direito de diversas formas, porm sua

    evoluo conceitual junto sociedade princpio basilar para sua

    compreenso. Noutra tica, verifica-se que, embora sua definio seja

    dinmica, seu propsito resta idntico, ou seja, estabelecer normas para

    que se possa viver em harmonia.

    Afim de que a cincia do Direito atinja seu propsito primordial,

    de suma importncia que caminhe pari passu com a sociedade, ou seja,

    no se tornar cincia esttica, mas to dinmica quanto a sociedade que

    visa regulamentar e harmonizar.

    Necessrio, portanto, se faz, remonta aos estudos fundamentais da

    cincia, apontando elementos bsicos que justificam o existir de cada

    norma.

    De suma importncia a nfase a se dar no tangente em que o

    Direito emana das prprias aes e omisses da sociedade que visa

    harmonizar.

    O Direito brasileiro vigente fruto da histria, da evoluo das

    sociedades. Pela cincia jurdica provir da necessidade de harmonizao

  • 3

    social e, em considerando, a dinamicidade da prpria sociedade, o

    ordenamento vigente deve ser compreendido atravs de sua histria.

    Faz-se indispensvel, no mesmo diapaso, a exposio da prpria

    sociedade da poca em sendo, sua economia, composio, moral,

    ascendncia, etc. podendo-se, a partir de ento, compreender as

    normas que a norteavam.

    1.2 Delimitao

    O presente trabalho visou a explanao do Direito no perodo

    referente ao Primeiro Reinado, ou seja, entre 1822 a 1831. Necessrio se

    faz, portanto, a contextualizao de tal poca, uma vez que nosso

    cotidiano muito diverge de outrora.

    Conforme elencado acima, para que se conceba o Direito como ele

    realmente foi num perodo certo da histria, apenas a compreenso da

    sociedade da poca poder nos proporcionar referida compreenso.

    Atualmente no mais se menciona o Direito regido pelo olho por

    olho, dente por dente, quando a justia era feita exatamente na medida

    do ato ilcito cometido. Assim, se se praticava o homicdio, seria com a

    vida que se lhe pagaria. Tal filosofia jurdica pode no parecer injusta

    quando observada com os olhos de quem a praticava, ou seja, sob a

    viso cultural e moral da poca.

  • 4

    Ex positis, verifica-se a necessidade de se delimitar o lapso

    temporal a serem estudadas as leis, no mbito de sua cultura, costumes,

    crenas e, primordialmente, no que se refere moral admitida no perodo

    do Primeiro Imprio.

    1.3 Justificativa

    O presente estudo justifica-se pela necessidade de demonstrar a

    inexistncia de trabalhos especficos referentes ao tema proposto.

    A delimitao oferecida ao tema se d, nica e primordialmente,

    por ser a poca ps-independncia, verificando-se, dessa forma, a

    independncia enquanto Imprio do Brasil, porm uma dependncia do

    que tange moral portuguesa e espanhola da poca.

    No h que se esquecer que a corte do Brasil Imprio era

    composta por portugueses, liderada pelo Rei de Portugal, D. Joo IV, e

    que, embora o Brasil colnia possusse regalias para com Portugal, seu

    poderio concentrava-se nas mos desses. Dessa forma, as normas a

    serem seguidas provinham do colonizador portugus.

    Ao ser declarada independncia em 7 de setembro de 1822 pelo

    filho de D. Joo VI, D. Pedro I, embora todo e qualquer vnculo com

    Portugal tenha sido negado, a cultura e moral pertencente colnia no

    poderia ser negada.

  • 5

    O Imprio, uma vez livre do domnio portugus, devia, dentre

    outras caractersticas da independncia, criar suas prprias normas,

    espelhando-se, assim, nos ordenamentos jurdicos europeus, mais

    especificamente, Portugus.

    Referida poca cria um marco no direito brasileiro outorgando a

    primeira Constituio do Imprio em 1824 e o Cdigo Criminal em 1830,

    bem como ser o perodo em que surgiram no Brasil os primeiros cursos

    jurdicos, os quais tinham, conforme apontamento de Maria Tereza Sadek

    e Humberto Dantas (2000), a clara inteno de formar a elite dirigente do

    pas.

    O incio de legislao d-se como fundamental para o desenrolar

    do Imprio brasileiro e, a regra de se conhecer a sociedade para que se

    compreenda o Direito, evidencia-se com qui pro quo, noutras palavras,

    conhecendo-se o Direito, pode-se vir a conhecer a sociedade.

    1.4 Objetivos

    1.4.1 Objetivo geral

    Analisar a influncia das ordenaes portuguesas e espanholas na

    formao do Direito Brasileiro do Primeiro Imprio.

  • 6

    1.4.2 Objetivos especficos

    a) Apresentar a histria do Brasil no Primeiro Imprio;

    b) Averiguar o Direito vigente poca;

    c) Expor os preceitos legais pertinentes s Ordenaes Afonsina,

    Manuelina e Filipina;

    d) Relacionar as Ordenaes supra citadas com a Carta Constitucional

    de 1824, bem como com as normas jurdicas vigentes poca;

    e) Correlacionar as Ordenaes com o sistema jurdico vigente.

    1.5 Hipteses

    As ordenaes Afonsinas, Manuelinas e Filipinas foram a base do

    Direito Brasileiro do Primeiro Imprio.

    As ordenaes Afonsinas, Manuelinas e Filipinas serviram de

    referncia na formao do Direito Brasileiro do Primeiro Imprio.

  • 7

    1.6 Metodologia

    Tratando-se de um estudo histrico, por meio de reviso da

    literatura, buscou-se obter subsdios que instrumentalizaram o autor a

    alcanar seus objetivos.

    As informaes obtidas foram expostas no decorrer de trs

    Captulos de forma a fornecer uma seqncia lgica ao estudo. Dessa

    forma, o primeiro Captulo trata da introduo do tema, constando de

    apresentao, delimitao do estudo, problema constatado, justificativa

    para o desenvolvido do estudo, objetivos a serem alcanados, hipteses e

    metodologia. O segundo Captulo consiste na exposio do Direito

    portugus, com nfase no perodo das Ordenaes Afonsinas,

    Manuelinas e Filipinas. No Captulo terceiro, o foco foi voltado para o

    Brasil no perodo de Imprio, caracterizando-o de forma geral, com o

    aprofundamento nas questes do Direito.

    Aps os referidos Captulos, tendo como base o contedo terico

    exposto, promoveu-se uma dialtica de forma a averiguar se as hipteses

    levantadas procedem ou no.

  • 8

    CAPTULO 2

    O DIREITO PORTUGUS

    No ano do descobrimento do Brasil, em 1500, era vigente em

    Portugal as Ordenaes Afonsinas, as quais foram substitudas, em 1514,

    pelas Ordenaes Manuelinas.

    Alm de tais Ordenaes, denominadas tambm de Ordenaes

    do Reino, que se constituam a fonte principal do direito portugus, havia

    outras fontes com valor subsidirio e complementar: direito romano,

    direito cannico e direito consuetudinrio.

    Antes de expor o Direito brasileiro na poca do imperial,

    fundamental expor alguns aspectos do Direito portugus.

    Como aponta Pontes de Miranda (1981, p. 28), o nosso direito no

    vem da semente; mas de um galho, que se plantou. de todo interesse

    seguir-lhe a evoluo antes de existir o Brasil-Colnia. S assim

    poderemos compreender certos fenmenos que posteriormente se ho de

    verificar.

    Dessa forma, objetiva-se com o presente Captulo traar um

    panorama geral do Direito portugus.

  • 9

    2.1 Aspectos do Direito portugus

    Na concepo de Raymundo Faoro (1998), precocemente

    consolidado, o Direito portugus serviu mais organizao poltica do que

    ao comrcio e economia particular, articulando-se no Estado de

    estamento, como elo de unio, de sedimentao da solidariedade de

    interesses.

    O incremento da idia de regular as relaes jurdicas por

    meio de normas gerais, e no de regras vlidas caso a

    caso, coincide com o aumento da autoridade do rei,

    sobretudo em desfavor dos privilgios do clero e da

    nobreza. O soberano passa da funo de rbitro dos

    dissdios, de fonte de decises, para o papel de chefe do

    governo e chefe do Estado: diante dele no esto mais

    pessoas qualificadas pela tradio, pelos ttulos, seno

    sditos, embora ainda no sditos abstratos e cobertos

    pela igualdade jurdica. O prncipe se comunica com os

    seus vassalos e s o rei tem vassalos por meio do

    regulamento, que ao reconhecer os direitos fixos do

    estamento, delimita-os. Leis para quase-funcionrios,

    aptas a ressalvar a supremacia real e capazes de

    organizar, por meio de cargos e privilgios, a ordem

    poltica do reino (Raymundo Faoro, 1998, p. 64).

    Segundo Pontes de Miranda (1981), o Direito portugus tem em

    suas origens o Direito Romano (mais poltico do que moral e religioso), o

    Germnico (mais moral do que poltico e religioso) e o Cannico (mais

  • 10

    religioso do que poltico e moral), adicionando-se a esses os elementos

    da vida peninsular, particularmente a lusitana.

    Walter Vieira do Nascimento (1988) concorda com tal afirmao,

    ressaltando que, mesmo como nao desde 1140, pouco foi realizado em

    Portugal, em matria legislativa, at o ano de 1210. At esse ano, havia

    apenas um complexo de normas e atos dispersos, sem o menor vestgio

    de sistematizao ou sentido unitrio (p. 222). Isso explicado pelo fato

    de que, em Portugal, at o trmino do sculo XIII, ainda no era

    conhecido o ensino do direito, encontrando-se a justia de cada

    localidade a cargo de juizes despreparados e, algumas vezes,

    analfabetos.

    Tal observao compreensvel, uma vez que cada civilizao,

    cada sociedade tem sua cultura prpria, sendo natural a adaptao de

    normas s suas realidade e necessidades.

    Sem demais delongas acerca de detalhes da histria geral de

    Portugal propriamente dita, Csar Tripoli (1936) ressalta que, naquele

    Reino, no incio do sculo XV, o direito em vigor era constitudo por um

    conjunto de fontes jurdicas, cuja sua multiplicidade de espcies e cujas

    contradies determinavam sria complicao, confuso e incerteza

    acerca da sua aplicabilidade (p. 57).

    Tal fato evidenciava a necessidade de confeccionar um texto nico,

    o qual reunisse e coordenasse, de forma sistemtica, todo o direito

    vigente, o que viria a ser as Ordenaes Afonsinas, cuja compilao teve

    como objeto as leis gerais promulgadas desde Afonso III (1248-1279); as

    resolues das Crtes (desde Afonso IV, 1325-1357); as concordatas de

  • 11

    D. Diniz (1279-1325), de D. Pedro I (1356-1367), de D. Fernando (1367-

    1385) e de D. Joo I (1385-1433); os usos e costumes nacionais, o direito

    foralcio (ttulos inteiros transcritos literalmente do direito romano e

    cannico); e algumas mximas deduzidas da Lei das Sete Partidas

    (vigentes na Espanha).

    Ora, compreensvel a necessidade de se estabelecer uma

    uniformidade jurdica que fundamente as normas de uma nao, no intuito

    de que se possa conseguir uma coeso das diversas regies que a

    compe, seja qual for a sua diviso poltica, ainda que se mantendo certa

    autonomia com relao a determinadas matrias.

    Naturalmente, o Direito portugus passou por uma evoluo.

    Pontes de Miranda (1981) aponta que so oito as pocas do direito

    portugus pr-romnico, romnico e nacional:

    1) Direito costumeiro puro: dos tempos primitivos at a reduo da

    Espanha provncia romana: direito pr-romnico, pluralismo e

    empria jurdica, com poucos costumes e nenhuma lei escrita.

    2) Direito romano e direito costumeiro: da ocupao romana at a

    invaso germnica (sculo V).

    3) Direito do Cdigo visigtico: da invaso brbara at a sarracena;

    Codex legum ou Lex wisigothorum, elaborado pelo XII Conclio de

    Toledo, confirmado em 693 pelo XVI Conclio; direito costumeiro;

    profundas simetrias sociais (classes).

  • 12

    4) Direito costumeiro: da dominao moura at a fundao da

    monarquia portuguesa; tradies romano-visigticas, forais (respeito

    rabe propriedade individual da terra).

    5) Direito costumeiro: da fundao da monarquia (incio da unificao

    do direito leis gerais) at D. Joo I (resistncia do direito local e do

    feudalismo portugus); oriundo dos forais, leis gerais (influncia do

    direito justinianeu). Resistncia dos direitos locais; menos sensvel a

    desigualdade das classes sociais.

    6) Ordenaes: D. Joo I at D. Manuel, que levou ao auge o

    absolutismo e a unidade do direito por meio dos princpios romanos;

    Ordenaes Afonsinas (1443); reforma dos forais pelo governo central

    (1500) sob regncia de D. Manuel; Ordenaes Manuelinas; de 1446 a

    1769: preponderncia das fontes do direito, as glosas de Acrsio e de

    Brtolo de Saxoferrato.

    7) Ordenaes: de D. Manuel at D. Jos (poca dos abusos de

    interpretao maquinal, firmada em Brtolo de Saxoferrato, ema resto,

    em opinies comuns); Ordenaes Manuelinas (1521); leis

    posteriores reunidas por Duarte Nunes de Leo (Alvar de 14 de

    fevereiro de 1569); Ordenaes Filipinas (1603), iniciadas e concludas

    pelos reis espanhis e revalidadas em 1643; Acrsio, Brtolo de

    Saxoferrato, a opinio comum e a boa razo.

    8) Lei de 18 de agosto de 1769: reformas do Marqus de Pombal

    (mtodo cujaciano, luta contra a teocracia e a oligarquia aristocrtica,

  • 13

    abertura de passagem burguesia para o plano aristocrtico e

    simetrizao que se operou, nos fatos, aps a filosofia do sculo

    XVIII.

    Com relao histria do Direito portugus do passado, Nuno J.

    Espinosa Gomes da Silva (1991) divide-o em quatro perodos, conforme

    exposto a seguir:

    1) Direito Consuetudinrio e Foraleiro (1140-1248): refere-se ao

    perodo da independncia de Portugal, at o comeo do reinado de

    D. Afonso III. um perodo marcado por um relativo florescimento

    do Direito Consuetudinrio local, em que o poder poltico central

    intervm pouco na criao do Direito.

    2) Perodo de influncia do Direito Comum (1248-1750): vai do

    comeo do reinado de D. Afonso III at meados do sculo XVIII

    (reinado de D. Jos). Perodo em que o Direito Romano Justinianeu

    e o Direito Romano da Compilao Bizantina so aplicados em

    Portugal. O rei legislava para esclarecer, completar ou afastar as

    solues romanas, embora o Direito Romano tenha sido sempre

    ponto de referncia. Alm disso, o Direito Cannico se aplicava

    tambm em coordenao com o Romano. Com relao a esse

    segundo perodo, Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991)

    considera conveniente distinguir dois perodos:

  • 14

    a) poca da recepo do Direito comum (1248-1446): vai at o

    aparecimento das Ordenaes Afonsinas (meados do sculo

    XV), caracterizando-se pela legislao avulsa, em que a lei geral

    do monarca combate as formaes consuetudinrias, ao mesmo

    tempo em que se torna o meio da romanizao do Direito

    portugus.

    b) poca das Ordenaes (1446-1750): caracterizada pela

    codificao dessa legislao avulsa e por uma sistematizao

    das vrias fontes.

    3) Perodo de influncia iluminista (1750-1820): esse perodo vai de

    meados do sculo XVIII at a ecloso da revoluo de 1820,

    caracterizando-se pelo racionalismo e pelo fato do rei se apresentar

    como nico guardio, atacando, com igual rigor, todas as fontes do

    Direito que no coincidia com a vontade do monarca.

    4) Perodo de influncia liberal e individualista (1820-1926): vai da

    revoluo liberal de 1820 at cerca de uma data que se pode,

    convencionalmente, estipular como sendo o ano de 1926. Nesse

    perodo surgiu a idia central da existncia dos Direitos Naturais do

    indivduo.

    Dos quatro perodos expostos anteriormente, relevante para o

    presente estudo aprofundar o que se refere poca das Ordenaes.

  • 15

    2.2 Ordenaes Afonsinas

    Conforme aponta Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), nos

    primrdios do sculo XV, tornou-se mais presente a necessidade de uma

    compilao que fixasse e sistematizasse devidamente as variadas fontes

    do Direito, em princpios aplicveis.

    Do lado das fontes nacionais, tinha-se a monopolizao, direta ou

    indireta, da criao do Direito pelo rei, o qual legislava abundantemente.

    No entanto, a populao nem sempre tinha o conhecimento da norma

    vigente1.

    Pelo lado das fontes no-nacionais, tornou-se necessrio

    determinar o exato campo de aplicao dos Direitos Cannico e Romano,

    bem como definir suas relaes com o Direito Nacional. Era preciso

    estabelecer um quadro de fontes com a sua hierarquia.

    Ante as queixas formuladas nas Cortes, no que diz respeito ao

    estado de confuso das leis, ainda no reinado de D. Joo I, Joo Mendes

    Corregedor da Corte, foi encarregado de proceder a reforma. Aps a

    morte de D. Joo I, D. Duarte determinou que a reforma tivesse

    continuidade. No entanto, Joo Mendes faleceu, sendo a compilao

    passada para o Doutor Rui Fernandes membro do Conselho do Rei. D.

    Pedro, Prncipe Regente, determinou que Rui Fernandes desse

    continuidade ao trabalho, tendo-se findo em julho de 1446.

    1 No que se refere a esse aspecto, relevante expor que, no perodo em questo, a comunicao no contava com instrumento que contribusse para a divulgao de informaes, de forma a alcanar a maior parte da populao.

  • 16

    Logo aps o trmino do trabalho, D. Pedro determinou que fosse

    efetuada a reviso das Ordenaes e Compilaes pelo prprio Doutor

    Rui Fernandes, juntamente com o Doutor Lopo Vasques.

    Segundo Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), provavelmente,

    as Ordenaes foram concludas no segundo semestre de 1446 ou no

    primeiro de 1447.

    Mas como acentua Marcello Caetano podermos

    presumir, com relativa probabilidade, a data de concluso

    das Ordenaes, nada nos diz acerca de sua efetiva

    vigncia no pas. Tirar cpias dessa compilao extensa,

    como eram as Ordenaes Afonsinas, constitua tarefa

    demorada e onerosa. Possivelmente, o original teria

    ficado na chancelaria, as primeiras cpias teriam sido

    destinadas aos tribunais superiores a Casa da

    Suplicao, que acompanhava a Corte, e a Casa Cvel,

    que estava em Lisboa e pouco a pouco, mas muito

    lentamente, iriam sendo tiradas mais cpias completas,

    que s poderiam ser custeadas por conselhos ricos,

    como os do Porto e de Santarm, ou mosteiros

    poderosos como o de Alcobaa (...) O Conhecimento da

    compilao difundiu-se, portanto, com grandes vagares e

    no nos devemos deixar iludir pelas idias actuais sobre

    publicao e vigncia das leis (Nuno J. Espinosa Gomes

    da Silva, 1991, p. 247).

    No entendimento de Raymundo Faoro (1998), as Ordenaes

    Afonsinas tinham como preocupao fundamental as atribuies dos

  • 17

    cargos pblicos, incluindo dos cargos militares e municipais, assim como

    os bens e privilgios da Igreja, os direitos do rei e da administrao fiscal.

    Quanto sua estrutura, as Ordenaes Afonsinas, que vigoraram

    cerca de 75 anos, constavam de cinco livros, cada qual dividido em

    Ttulos, distintos por epgrafes detalhadas, subdivididas em nmeros ou

    pargrafos, cuja importncia efetiva gera controvrsias entre os autores

    que se ocuparam do tema.

    Milton Duarte Segurado (1973) atenta para o fato de que essa

    diviso em cinco livros possua uma tradio dos nmeros, uma vez que o

    Corpus Juris Canonicis comeou com cinco livros, tratando-se, o ltimo,

    do direito criminal, segundo a conhecida frmula, exposta a seguir:

    1) judex = sobre o juiz;

    2) judicium = sobre o processo;

    3) clerus = sobre o clero;

    4) connubia = sobre o casamento;

    5) crimen = sobre o crime.

    Essa tradio passou para as demais Ordenaes, sendo que as

    trs possuem, alm de cinco livros, a mesma natureza e assunto, apesar

    do contedo divergir de uma para outra, conforme poder ser verificado

    no transcorrer do presente estudo.

  • 18

    De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), os livros

    apresentavam os seguintes contedos:

    Livro I: com 72 Ttulos, continha os regimentos dos cargos pblicos.

    Livro II: com 123 Ttulos, dizia respeito matria da Igreja e da

    situao dos clrigos, direitos do rei em geral, administrao fiscal,

    jurisdio dos donatrios, privilgios da nobreza, e legislao especial

    de judeus e mouros.

    Livro III: com 128 Ttulos, ocupava-se do Processo Civil.

    Livro IV: com 112 Ttulos, do Direito Civil, e;

    Livro V: com 121 Ttulos, versava sobre o Direito Penal e Processo

    Penal.

    Por se constiturem de uma compilao atualizada e sistematizada

    das variadas fontes do Direito que tinham aplicao em Portugal, as

    Ordenaes Afonsinas eram formadas, em grande parte, por leis

    anteriores, respostas a captulos apresentados em Cortes, concrdias e

    concordatas, costumes, normas das Sete Partidas e disposies dos

    direitos romano e cannico (Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, 1991, p.

    248).

    Segundo Walter Vieira do Nascimento (1988), o Direito Romano, a

    partir das Ordenaes Afonsinas, transformou-se em lei subsidiria,

  • 19

    passando a ser aplicado apenas nos casos omissos da legislao

    nacional, bem como, pode-se dizer, que concorria em igualdade de

    condies com o Direito Cannico, o qual s era invocado onde fosse

    revelado o pecado, como por exemplo, nos casos de crimes sexuais e de

    heresia.

    Nas Ordenaes Afonsinas, a tcnica legislativa utilizada foi, de um

    modo geral, a transcrio na ntegra, dentro de cada Ttulo, da fonte ou

    fontes existentes, seguindo-se um comentrio, contendo confirmao,

    alterao ou afastamento do regime jurdico at ento em vigor.

    Apenas no Livro I foi utilizado, segundo Nuno J. Espinosa Gomes

    da Silva (1991), um mtodo diferente, sendo o mesmo escrito no estilo

    denominado de decretrio ou legislativo. Dessa forma, enunciava-se

    diretamente a norma, sem referncia fonte anterior.

    Para explicar essa diferena metodolgica, alguns autores

    sugerem que tal fato deve-se ao livro I ter sido escrito por Joo Mendes e

    os restantes por Rui Fernandes. Outros sugerem que isso se deve pelo

    fato do referido livro versar sobre matria que no era contemplada em

    fontes nacionais, o que no o caso das demais.

    Na concepo de Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), as

    Ordenaes Afonsinas possuem lugar primacial na evoluo do Direito

    portugus, sendo que seu plano sistemtico foi conservado nas

    Ordenaes Manuelinas e Filipinas, assim como essas tm seus

    contedos fundamentados na Afonsina.

    Embora as Ordenaes Afonsinas tenham solucionado o problema

    da necessidade de sistematizao do Direito portugus, continuava a

  • 20

    questo de como assegurar o seu conhecimento efetivo e vigncia em

    todo o pas. Isso se deveu ao fato de que fazer cpia dos seus cinco

    volumes era oneroso e demorado.

    Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991) ressalta que talvez tenha

    sido esse o motivo que fez com que D. Joo II, encarregasse o ex-

    corregedor da Corte, o licenciado Loureno da Fonseca, de abreviar as

    Ordenaes Afonsinas em apenas um Livro. Embora algumas fontes

    afirmem que ele assim o fez, no foi encontrado nenhum material que

    ateste tal ao.

    O fato que, no decorrer dos governos de D. Joo II e de D.

    Manuel I, muitas leis foram expedidas, alterando, corrigindo e suprimindo

    disposies das Ordenaes Afonsinas, tornando-se indispensvel a

    organizao de um novo cdigo de leis, cuja compilao iniciou-se em

    1505, tendo sua primeira edio ocorrido em 1512.

    Uma vez promulgado, o novo cdigo foi denominado de

    Ordenaes Manuelinas, tendo sido estruturadas da mesma maneira que

    as Ordenaes Afonsinas.

    A seguir apresenta-se a especificidade das Ordenaes

    Manuelinas, que, em sntese, como ser visto, consistiram, basicamente,

    na tentativa de resolver o problema da divulgao das Ordenaes pelo

    Reino de Portugal.

  • 21

    2.3 Ordenaes Manuelinas

    Como foi visto, um dos maiores problemas das Ordenaes

    Afonsinas encontrava-se no tamanho, na quantidade de texto, que

    onerava a sua publicao e, consequentemente, dificultava a sua

    divulgao.

    Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991) aponta que o problema

    de divulgao das Ordenaes Afonsinas pelo Reino voltou a ser

    encarado no reinado de D. Manuel, sendo a soluo facilitada pela

    inveno da imprensa, que chegou a Portugal, pelo que parece, em 1478.

    Com a chegada da imprensa, surgiu a necessidade de colocar em

    letra de forma as Ordenaes. Somada a essa necessidade, constatou-se

    que, devido a tais Ordenaes terem sido compiladas havia mais de 50

    anos, era preciso revisa-las e atualiz-las, tendo em ateno a legislao

    extravagante publicada.

    No ano de 1505, o Chanceler-Mor Rui Botto foi encarregado de

    reformar as Ordenaes com o auxlio de Rui da Gr e Joo Cotrim.

    Em dezembro de 1512 foi publicado o Livro I das novas

    Ordenaes, posteriormente chamadas de Manuelinas e, em 1513, o

    Livro II. De maro a dezembro do ano seguinte, foi feita uma impresso

    completa dos cinco livros das Ordenaes Manuelinas.

    De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), no

    prlogo dessas novas Ordenaes, o monarca, justificando a compilao,

    apontou:

  • 22

    (...) a confuso e repugnncia de algumas ordenaes

    por Reis nossos antecessores feitas, assim das que

    estavam encorporadas como das extravagantes, donde

    recresciam aos julgadores muitas dvidas e debates, e s

    partes seguia grande perda (Nuno J. Espinosa Gomes da

    Silva, 1991, p. 268).

    No intuito de remediar os inconvenientes expostos, o monarca

    determinou:

    (...) reformar estas ordenaes e fazer nova compilao,

    tirando todo o sobejo e suprfluo, e adendo no minguado,

    suprimindo os defeitos, concordando as contrariedades,

    declarando o escuro e difcil de maneira que assim dos

    letrados como de todos se possa bem e perfeitamente

    entender (Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, 1991, p.

    268).

    De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), a

    reforma definitiva das Ordenaes Manuelinas (1521) teve como fator

    impulsionador a promulgao de legislao extravagante, destacando-se

    em importncia o Regimento dos Contadores das Comarcas (1514) e o

    Regimento e Ordenaes da Fazenda (1516).

    No entanto, ante a proximidade de edies das Ordenaes,

    podendo provocar discrepncias, D. Manuel, atravs de Carta datada em

    15 de maro de 1521, determinou que aqueles que tivessem as

    Ordenaes velhas deveriam se desfazer delas, sob pena de, se assim

  • 23

    no se procedesse em trs meses, pagar uma taxa, bem como, nesse

    mesmo perodo, os conselhos deveriam adquirir as novas Ordenaes.2

    O sistema das Ordenaes Manuelinas o mesmo das Afonsinas,

    ou seja, cinco livros, divididos em ttulos e esses em pargrafos, assim

    como sua matria estava agrupada da mesma forma que anteriormente.

    Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991) destaca como alterao

    importante o fato da legislao relativa aos judeus desaparecer, devido

    sua expulso do Reino em 1496, assim como na edio de 1521,

    desapareceram as normas relativas fazenda real, por essas passarem a

    formar as autnomas Ordenaes da Fazenda.

    O autor ressalta ainda as alteraes efetuadas com relao ao

    estilo de redao utilizado.

    As novas Ordenaes no se constituam de mera compilao de

    leis anteriores, transcritas, na sua maior parte, com o teor original e

    indicao do monarca que as promulgara, ao contrrio, de maneira geral,

    todas as leis foram redigidas em estilo decretrio, como se fossem leis

    novas, apesar de serem, muitas vezes, nova forma de apresentao da lei

    que j vigente.

    O sistema de hierarquia de fontes das Ordenaes Afonsinas no

    sofreu grandes alteraes, perpetuando a primazia das fontes nacionais

    (leis, estilo da Corte e costume).

    No que tange o pecado, na falta de direito ptrio, manda-se

    observar o Direito Cannico e, em matria que no seja pecado, o Direito

    Romano. Ao contrrio das Ordenaes anteriores, a Manuelina, nesse

    2 Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991) aponta que tal medida explica a raridade de se encontrar cpias das Ordenaes anteriores a de 1521.

  • 24

    aspecto, justifica o Direito Romano como norma subsidiria (Nuno J.

    Espinosa Gomes da Silva, 1991).

    Assim como nas Ordenaes Afonsinas, nas Manuelinas:

    (...) quando nenhuma das mencionadas fontes se

    pronunciasse sobre o caso, ou quando, em matria que

    no fosse de pecado e no havendo entre o direito

    cannico e as Grosas, e Doutores das Leys, seria o

    assunto remetido deciso do rei (Nuno J. Espinosa

    Gomes da Silva, 1991, p. 275).

    Alm disso, no Livro V, Ttulo LVIII, estava prevista a aplicao de

    certas penas aos juizes que no observavam as Ordenaes, bem como

    se determinava que, no caso de dvidas na interpretao da lei, se

    deveria apresentar tais dvidas ao regedor da Casa da Suplicao, no

    intuito de que, em conjunto com os desembargadores, se fixasse a

    interpretao3.

    As Ordenaes Manuelinas vigoraram at 1603 (cerca de 90 anos)

    sendo substitudas pelas Ordenaes Filipinas.

    Como ser exposto a seguir, as Ordenaes Filipinas foram

    editadas por Felipe II no intuito de reorganizar o direito rgio portugus,

    bem como para agradar os portugueses.

    3 Segundo Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991, p. 275), a supremacia da Casa de Suplicao, relativamente aos demais tribunais, obteve, at, consagrao protocolar: que era o prprio rei que se deslocava Suplicao, enquanto que, nas restantes judicaturas, eram os tribunais que se deslocavam ao rei, ao pao real.

  • 25

    2.4 Ordenaes Filipinas

    De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), com a

    proximidade do fim do sculo, o elevado nmero de leis posteriores a

    Coleco de Leis Extravagantes4 de Duarte Nunes do Leo, comeou a

    torn-la antiquada e fazer surgir o desejo de nova compilao. Dessa

    forma e, possvel e igualmente, por consideraes polticas, Filipe I

    determinou, em data que no se pode precisar deduzindo-se ter sido

    anterior a 1589, a reforma das Ordenaes, ficando tal tarefa aos

    cuidados de Duarte Nunes Leo, os desembargadores Jorge de Cabedo

    e Afonso Vaz Tenreiro.

    Filipe I aprovou as novas Ordenaes por lei em 5 de junho de

    1595. No entanto, essa lei no chegou a ter o seguimento necessrio,

    sendo por isso que foi s em 1603, no reinado de Filipe II que, por fora

    de nova lei, entraram em vigor as Ordenaes Filipinas.

    Conforme Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), pode-se dizer

    que essas Ordenaes tratavam-se de uma compilao escassamente

    inovadora, cuja preocupao principal era, no fundo, reunir, em um

    mesmo texto, as Ordenaes Manuelinas, a Coleco de Duarte Nunes

    do Leo e as leis, posteriores a essa. Dessa forma, mantido o sistema

    de diviso em cinco livros, por sua vez divididos em ttulos e esses em

    pargrafos.

    4 Lei que, se ocupando de matria que foi objeto de compilao ou codificao oficial, no vm a ser a incorporadas, vigorando por fora (Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, 1991).

  • 26

    Pode-se dizer que a legislao filipina nada mais foi que uma

    atualizao das Ordenaes Manuelinas.

    O autor ressalta que no se deve criticar demasiadamente o

    carter no inovador dessas Ordenaes, chamando ateno pelo fato de

    que a prpria cultura jurdica da poca encontrava-se em crise, diante da

    investida humanista contra o Direito Romano. Alm disso, a preocupao

    poltica de Filipe I era de no ferir a susceptibilidade dos novos sditos,

    logo, no queria mexer na estrutura e no contedo das Ordenaes

    anteriores, visando demonstrar que respeitava as instituies

    portuguesas.

    De acordo com Raymundo Faoro (1998, p. 64), as Ordenao

    Filipinas foram basicamente e principalmente:

    (...) o estatuto da organizao poltico-administrativa do

    reino, com a minudente especificao das atribuies dos

    delegados do reino, no apenas daqueles devotados

    justia, seno dos ligados corte e estrutura municipal.

    Elas respiram, em todos os poros, a interveno do

    Estado na economia, nos negcios, no comrcio

    martimo, nas compras e vendas internas, no

    tabelamento de preos, no embargo de exportaes aos

    pases mouros e ndia. A codificao expressa, alm do

    predomnio incontestvel e absoluto do soberano, a

    centralizao poltica e administrativa.

    No entendimento de Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), um

    os maiores defeitos das Ordenaes Filipinas teve origem justamente, de

  • 27

    certa forma, ao respeito pelas Ordenaes anteriores, ou seja, a sua falta

    de clareza e a obscuridade de muitas disposies.

    O fato que os compiladores, de forma mecnica, juntaram,

    adicionaram leis manuelinas e preceitos posteriores, tornando, muitas

    vezes, difcil o se entendimento. relevante apontar que, alm disso, nem

    sempre ocorreu a verificao do que se encontrava revogado ou em

    desuso, nem mesmo o cuidado de evitar a insero de leis contraditrias.

    Jos Reinaldo de Lima Lopes (2000) aponta que as Ordenaes

    Filipinas no eram um cdigo no sentido moderno do termo, mas uma

    consolidao de direito real, as quais so criticadas especialmente pelas

    contradies e repeties.

    De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), vrias

    foram as tentativas no sucedidas de reformar as Ordenaes Filipinas,

    que acabou vigorando at o Cdigo Civil de 1867 e, tendo sua vigncia

    prolongada no Brasil at o Cdigo Civil de 1917.

    Walter Vieira do Nascimento (1988), na vigncia das Ordenaes

    Filpinas, no reinado de D. Jos I, destaca, na rea jurdica, Sebastio

    Jos de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal, tambm Conde de

    Oeeiras, devido a dois fatores. Em primeiro lugar pela Lei da Boa Razo

    de 1979, que fixou os limites de aplicao subsidiria do Direito Romano

    em Portugal e, em segundo, pela reforma dos estatutos da Universidade

    de Coimbra (1772), que resultou na introduo de novas disciplinas no

    currculo da Faculdade de Leis, tais como: Direito Natural; Histria do

    Direito; e Direito Ptrio.

  • 28

    Retomando brevemente as trs Ordenaes descritas

    anteriormente, segundo Pontes de Miranda (1981), enquanto as

    Ordenaes Afonsinas resultaram da necessidade da afirmao nacional,

    aps a vitria de Aljubarrota, as Ordenaes Manuelinas tiveram como

    fatores principais a ambio pessoal do monarca e a necessidade de

    aproveitar, no ento novo cdigo, as doutrinas romanistas do poder

    absoluto dos reis.

    As Ordenaes Filipinas, por sua vez, foram elaboradas por reis

    espanhis como ato de seduo, ou seja, tentativa, por parte dos Filipes,

    de cativar o povo portugus, bem como na inteno de reagir contra o

    realce do Direito Cannimo.

    Walter Vieira do Nascimento (1988) aponta que os livros da

    ordenaes constavam das seguintes matrias:

    Livro I Direito Administrativo e Organizao Judiciria.

    Livro II Direito Eclesistico, do Rei, dos Fidalgos e dos Estrangeiros.

    Livro III Processo Civil.

    Livro IV Direito Civil e Direito Comercial.

    Livro V Direito Penal e Processo Penal.

    O autor ressalta que as trs Ordenaes tinham a mesma natureza

    de matrias, embora o seu contedo apresentasse pontos de divergncia,

  • 29

    tais como, segundo os ensinamentos do douto doutrinador Walter Vieira

    do Nascimento (1988, p. 487):

    (...) a conseqncia natural e lgica era o

    aperfeioamento do processo de codificao das leis

    portuguesas, ainda que das primeiras para as outras

    duas Ordenaes no houvesse operado uma diferena

    muito acentuada.

    Em sntese, as Ordenaes Afonsinas foram o resultado de um

    vasto trabalho de consolidao das leis que foram promulgadas desde

    Afonso II, assim como das resolues das cortes desde Afonso IV e das

    concordatas de D. Dinis, D. Pedro e D. Joo, sofrendo a influncia do

    Direito Cannico e da Lei das Sete Partidas, dos costumes e usos.

    Com relao s Ordenaes Manuelinas, essas se formaram da

    reunio das leis extravagantes que foram promulgadas at ento e das

    Ordenaes Afonsinas.

    Por fim, as Ordenaes Filipinas, foram compostas de disposies

    das Ordenaes Manuelinas e de outras decorrentes das reformas

    legislativas que ocorreram no sculo XVI (Walter Vieira do Nascimento,

    1988).

    Conforme o exposto, as Ordenaes do Reino, iniciadas pelas

    Afonsinas, as quais foram substitudas pelas Manuelinas e,

    posteriormente, pelas Filipinas, surgiram da necessidade de consolidar as

    normas do reino de Portugal, servindo para centralizao do poder na

    figura do rei.

  • 30

    No diapaso da conduta do sistema colonial, as normas jurdicas

    estabelecidas nas Metrpoles eram aplicadas nas suas colnias. No caso

    de Brasil, colnia de Portugal, coube seguir as diretrizes das Ordenaes

    Filipinas.

  • 31

    CAPTULO 3

    O DIREITO BRASILEIRO NA POCA DO PRIMEIRO IMPRIO

    Aps a exposio de alguns aspectos sobre o Direito portugus,

    com nfase no perodo das Ordenaes, esse Captulo trata da

    apresentao do Direito brasileiro na poca do Imprio.

    A histria do Direito brasileiro envolve, em suas razes, no

    entendimento de Walter Vieira do Nascimento (1996), dois atos de Direito

    Internacional Pblico: primeiro ato que se prende Bula Intercoetera

    (1493) expedida pelo Papa Alexandre VI, assegurando ao rei de Espanha

    direitos obre a Amrica e outras terras ainda no descobertas, a partir de

    uma linha de cem lguas a oeste de Cabo Verde; e o segundo ato que se

    relaciona com o Tratado de Tordesilhas (1494), entre Espanha e Portugal,

    por mediao do referido Papa, definindo que, tendo como ponto de

    partida Cabo Vede, na direo ocidental as terras que se inclussem at o

    limite de trezentas e setenta lguas pertenceriam a Portugal e, as da para

    frente Espanha.

    No intuito de traar um panorama geral do Brasil no decorrer do

    primeiro Imprio, parte-se de uma breve exposio do perodo, passando

    posteriormente as questes do Direito brasileiro da poca.

  • 32

    3.1 Antecedentes administrativos e jurdicos

    Como sabido, aps o descobrimento da Amrica, as terras que

    posteriormente viriam a serem denominadas de Brasil, foram

    descobertas pelos portugueses, mais propriamente, por Pedro Alvares

    Cabral, no ano de 1500.

    Na poca do seu descobrimento, o Brasil era habitado por ndios

    os quais, no entendimento de Milton Duarte Segurado (2000, p. 7), se os

    indgenas brasileiro no tinham leis, regiam-se por normas no-escritas,

    formando incipiente direito consuetudinrio.

    Em 1532, Martim Afonso de Souza, em expedio designada pelo

    rei Joo III, trouxe para a colnia as primeiras leis (trs cartas rgias

    datadas de 1530), dentre as quais uma que lhe nomeava capito-mor de

    todas as terras que fossem descobertas, dando-lhe alada de juiz no

    crime e no cvel.

    No Brasil, o primeiro sistema administrativo foi o de capitanias,

    governadas pelo capito-mor, ou seja, a terra foi dividida em senhorios,

    dentro do senhorio do Estado, tendo como natureza jurdica a autarquia

    territorial, no havendo laos de coeso entre as capitanias, muito menos

    obrigao recproca de se defenderem no caso de agresso externa, elas

    sujeitavam-se diretamente metrpole (Milton Duarte Segurado, 2000).

    Milton Duarte Segurado (2000), ressalta que a capitania com o seu

    capito-mor, no entanto, no foi a primeira realidade jurdica brasileira. A

    primeira foi a Casa da Cmara, nas vilas e nas cidades, com o seu

    alcaide-mor, que era o mesmo governador da capitania, juiz ordinrio,

  • 33

    dois vereadores, procurador da Coroa, almotac (fiscal) e meirinho do juiz

    (oficial de justia) e, algumas vezes, um juiz-de-fora. A Casa da Cmara

    era presidida pelos juizes ordinrios, que eram eleitos pelos homens

    bons, juntamente com dois vereadores.

    As figuras administrativas e jurdicas desse perodo foram,

    conforme aponta Milton Duarte Segurado (2000):

    Governador: era o capito-mor donatrio, cuja jurisdio se estendia

    a todo territrio da capitania, com alada no cvel e no crime, em

    conjunto com o Ouvidor.

    Ouvidor: figura judiciria de grande relevncia, era a maior autoridade

    depois do capito-mor, tendo como funes a judiciria e a

    administrativa, vindo de Portugal j nomeado pelo donatrio.

    Juizes: os primeiros foram o juiz ordinrio e o juiz-de-fora, seguidos

    por outras espcies de juizes de primeira instncia, cujos cargos foram

    criados por lei, tendo suas funes especificadas nas Ordenaes do

    Reino.

    - Juiz ordinrio: presidente nato da Casa da Cmara, eleito pelos

    homens bons, tinha sua eleio confirmada pelo Ouvidor, no

    havendo necessidade de ser bacharel, usando como insgnia a

    magistratura, a vara vermelha, assim como os demais juizes, com

    exceo do juiz-de-fora.

  • 34

    - Juiz-de-fora: nomeado pelo Rei, tinha de ser letrado e entendido,

    ou seja, versado em Direito, bacharel em leis. Esse juiz visitava as

    Comarcas, servindo nos lugares que no tinham juiz, bem como

    auxiliando em suas funes os juizes ordinrios que lhe cediam a

    jurisdio, bem como substitua o ouvidor, na sua ausncia ou

    impedimento.

    - Juiz-de-vintena: atuava em aldeias pequenas, com mais de 20

    famlias (o que dava o seu nome, isto , juiz de vintena ou

    vintenrio), sendo um pequeno juiz, um juiz de paz, com alada

    entre 100 e 400 ris, decidindo verbalmente os pleitos, podendo

    prender em flagrante os malfeitores.

    - Juiz pedneo: na escala dos juizes, esse era o mais nfimo, sendo

    mandado servir em lugares distantes, de pequena importncia.

    Desta forma, era denominado de pedneo por andar a p ou por

    julgar de p.

    - Juiz de rfos apartado: esse tipo de juiz devia existir desde as

    Ordenaes Manuelinas em vila onde residiam mais de 400

    vizinhos. Devendo ter mais de 30 anos de idade, esse juiz devia

    saber o nmero de rfos existentes na comarca, providenciar-lhes

    tutor, saber se tinham bens e cuidar dos mesmos. Na ausncia

    desse juiz, o juiz ordinrio acumulava as duas varas.

    Escrives: havia aqueles que atuavam como juizes ordinrios, outros

    como ouvidor e os que trabalhavam com os demais juizes. Deveriam

  • 35

    ser muito diligentes e aplicados, no caso de rfo, em anotar,

    arrecadar e zelar pelos bens desses menores. Alm disso, deviam

    prestar fiana antes de entrar no exerccio do cargo.

    Tabelies: as Ordenaes Manuelinas dispuseram sobre os tabelies,

    sendo que em cada lugarejo afastado uma lgua ou mais da vila,

    deveria ter um tabelio, o qual era escolhido pelos vereadores da vila

    prxima, podendo ser um morador que jurava sobre os Evangelhos

    que iria servir fielmente o ofcio.

    Vereadores: eram eleitos pelos homens bons e, uma vez eleito, era

    cargo obrigatrio, sendo a reeleio imediata proibida, podendo ser

    reeleito trs anos aps terminar o mandato. Prestava fiana antes de

    exercer o cargo, tendo seus bens hipotecados em nome da Casa da

    Cmara, enquanto durasse o mandato.

    Almotacs: os almotacs eram oficiais com funes administrativas e

    judiciais, sendo uma espcie de fiscais, competindo-lhes a polcia

    administrativa e higinica das vilas, tendo como atribuies: fiscalizar a

    limpeza e todas as questes referentes a caminhos, estradas, ruas,

    becos, praas, logradouros pblicos, mercados, aquedutos etc. Eram

    eleitos mensalmente na Casa da Cmara pelo juiz ordinrio, seu

    presidente nato.

    Inquiridores: eram os juizes bem entendidos e diligentes, destinados

    a inquirir testemunhas nos processos.

  • 36

    Procurador: representava o Rei na Casa da Cmara, sendo uma

    espcie de promotor de justia.

    Provedor: o provedor representava a fazenda, sendo uma espcie de

    procurador e fiscal da Coroa.

    Tesoureiro: competia a ele cuidar e zelar pelo dinheiro existente na

    Casa da Cmara, resultante de multas, fianas e fintas, alm de outras

    arrecadaes.

    Vedor: era responsvel pela arrecadao de taxas e multas.

    Meirinhos: inicialmente denominados de cursores, tinham a

    incumbncia de levar cartas dos juizes para fazer as diligncias nela

    mandadas, sendo que havia trs categorias de meirinhos:

    - Meirinho-mor: muito principal e nobre, a servio de El-Rei, era o

    oficial de justiar particular do Rei.

    - Meirinho da Corte: andava continuamente na Corte no intuito de

    levantar as foras, prender malfeitores e outras diligncias.

    - Meirinho das cadeias: cumpria os mandados de justia.

    Corregedor: era uma espcie de fiscal dos juizes.

    Quadrilheiros: eras os policiais civis da vila, que prendiam os

    malfeitores, evitavam malefcios e perseguiam vagabundos.

  • 37

    Conforme aponta Jos Murilo de Carvalho (1980, p. 29):

    Os juristas e magistrados exerciam um papel de maior

    importncia na poltica e na administrao portuguesa e

    posteriormente na brasileira. Tratava-se de uma elite

    sistematicamente treinada principalmente atravs do

    ensino de direito na Universidade de Coimbra, fundada

    em 1290. E o direito ensinado em Coimbra era

    profundamente influenciado pela tradio romanstica

    trazida de Bolonha. O direito romano era particularmente

    adequado para justificar as pretenses de supremacia

    dos reis. Tratava-se de um direito positivo cuja fonte era a

    vontade do Prncipe e no o poder da Igreja ou o

    consentimento dos bares feudais.

    relevante lembrar que, na poca do descobrimento do Brasil,

    Portugal j havia consolidado suas Ordenaes, as quais centralizavam o

    poder na figura do rei. Dessa forma, o ensino jurdico ia ao encontro dos

    interesses do monarca.

    Ora, como mostra a histria, as regies colonizadas tendem a

    almejar a sua independncia, o que no foi diferente na Colnia brasileira.

    Como ser visto, de forma sucinta, uma vez que o objetivo do

    presente estudo no de esgotar a histria do pas, a Independncia do

    Brasil foi fruto de um processo, influenciado pela queda do sistema

    colonial e das idias liberais disseminadas pela Europa.

  • 38

    3.2 Processo emancipatrio do Brasil

    Richard Grahan (2001) aponta que quando Napoleo invadiu

    Portugal, o prncipe regente Joo fugiu para o Rio de Janeiro, transferindo

    a corte portuguesa e toda a burocracia do governo (arquivos, biblioteca

    real, tesouro pblico). Vieram aproximadamente 15.000 pessoas, entre

    funcionrios do governo e familiares da famlia real.

    Segundo aponta Jos Murilo de Carvalho (1980), D. Joo trouxe

    para Brasil todo o aparelho de Estado portugus. A elite que o

    acompanhou era composta de nobres e funcionrios vinda do Estado

    Moderno europeu, que embora atrasada em termos europeus, era

    moderna para a colnia. Essa elite consolidou o poder nas mos do Rei,

    no repartindo com a nobreza e o clero, criando e fortalecendo a

    burocracia civil e militar que iriam garantir a ordem, a arrecadao de

    impostos e a distribuio da justia do Rei.

    De acordo com Raimundo Faoro (1998), o desembarque na Bahia

    trouxe a primeira conseqncia da transmigrao, ou seja, diante do

    fechamento dos portos da metrpole, no era possvel a exportao da

    produo da monarquia, nem a obteno dos bens necessrios sua

    subsistncia.

    A abertura dos portos, repelido o alvitre de um emprio

    ingls localizado e exclusivo da Gr-Bretanha, quebra o

    pacto colonial, intil a reserva de provisoriedade inscrita

    na carta de 28 de janeiro de 1808. Conquista na verdade

    ferida com as tarifas preferenciais de 1810, que garantem

  • 39

    o mercado brasileiro s manufaturas inglesas por quinze

    anos (Raimundo Faoro, 1998, p. 247)

    Raimundo Faoro (1998) aponta que outra conseqncia est

    caracterizada com o desembarque no Rio de Janeiro (8 de maro de

    1808), que teria uma profunda projeo interna: as capitanias, dispersas

    e desarticuladas, gravitariam em torno de um centro de poder, que

    anularia a fuga geogrfica das distncias (p. 247).

    Richard Grahan (2001) ressalta que, freqentemente, alguns

    autores afirmam que, quando o governo portugus se mudou para o

    Brasil, tornou esse ipso facto independente, especialmente devido ter

    declaro a abertura dos portos para comercializar com qualquer outra

    nao, bem como pelo fato de ter posto fim ao monoplio colonial de

    comrcio ultramarino, que estava nas mos das casas de comrcio

    portuguesas. Diante disso, foi destruda uma caracterstica determinante

    da relao colonial anterior.

    Diante da admisso do comrcio estrangeiro na colnia, a vida

    colonial, conforme Raimundo Faoro (1998), adquire modernidade, por

    meio de padres de costumes e idias novas.

    Aps a derrota de Napoleo, D. Joo VI elevou o Brasil a condio

    de Reino, unido a Portugal, permanecendo no Rio de Janeiro, at 1820,

    quando as cortes exigiram seu retorno a Lisboa, em 1820, e aceitasse

    uma constituio liberal. Desta forma, D. Joo VI deixou seu filho Pedro

    como prncipe regente no Brasil, o qual, em 1822, tomou medidas para

  • 40

    declarar o Brasil independente, coroando a si mesmo como D. Pedro I

    (Richard Graham, 2001).

    Gladys Sabina Ribeiro (2002) ressalta que a liberdade era o grande

    tema de discusso no espao pblico, principalmente com as medidas

    tomadas por D. Joo VI a partir do estabelecimento da Corte no Brasil. A

    igualdade, nesse perodo, era direcionada apenas queles que eram

    pares e que tinham, na igualdade diante da lei, um dos fatores que

    poderiam justific-la, que garantiam a vida e a propriedade. No Brasil, a

    classe dominante passou a considerar esses direitos inalienveis e

    geraram o constitucionalismo, tendo como base as experincias francesa

    e norte-americana. Dessa forma, passaram a desejar, diante do

    entendimento da liberdade como fator de igualdade total com Portugal,

    que o Reino do Brasil permanecesse autnomo e livre, em igualdade de

    condies e de direitos com a Metrpole.

    Estava inserido nesse desejo a idia de que os portugueses do

    Brasil e os de Portugal, iriam se complementar em riqueza e grandeza.

    Tal fato, mostra, segundo Gladys Sabina Ribeiro (2002), que a

    independncia no foi sempre desejada enquanto separao de Portugal.

    O que se queria era autonomia poltica, ou seja, o direito de tomar

    medidas baseadas nas especificidades da Amrica portuguesa, a partir

    das instituies estabelecidas nela.

    relevante expor que, conforme discutido por Emilia Viotti da

    Costa (1979), o sistema colonial, com base na lgica do capitalismo

    comercial e em funo dos interesses do Estado absolutista, diante da

    expanso dos mercados, desenvolvimento crescente do capital industrial

  • 41

    e falncia do Estado absolutista, entrou em crise, tornando inoperantes os

    mecanismos restritivos de comrcio e de produo.

    A crtica das instituies polticas e religiosas, as novas

    doutrinas sobre o contrato social, a crena na existncia

    de direitos naturais do homem, as novas teses sobre as

    vantagens das formas representativas de governo, as

    idias sobre a soberania da nao e a supremacia das

    leis, os princpios da igualdade de todos perante a lei, a

    valorizao da liberdade em todas as suas manifestaes

    caractersticos do novo iderio burgus faziam parte

    de um amplo movimento que contestava as formas

    tradicionais de poder e de organizao social. O novo

    instrumental crtico elaborado na Europa na fase que

    culminou na Revoluo Francesa iria fornecer os

    argumentos tericos de que necessitavam as populaes

    coloniais para justificarem sua rebeldia (Emilia Viotti da

    Costa, 1979).

    No Brasil, as crticas feitas na Europa pelo pensamento ilustrado ao

    absolutismo, adquiriram o sentido de crtica ao sistema colonial. Emilia

    Viotti da Costa (1979) aponta que se passou o anticolonialismos ocorria

    por meio das crticas a realizar, de forma que a tenso entre colonos e

    Metrpole, nas duas ltimas dcadas do sculo XVIII, se concretizou em

    alguns movimentos conspiratrios, com influncia da Revoluo Francesa

    e Americana e das idias ilustradas. Tais idias se espalharam no Brasil

    diante da abertura dos portos e conseqente entrada crescente de

    estrangeiros, o que intensificou o contato com a Europa. Alm disso,

    aumentou tambm o nmero de sociedades secretas no estilo da

  • 42

    maonaria, as quais contribuam de forma significativa para a divulgao

    dessas idias.

    No entanto, a autora ressalta que, apesar de ser evidente a

    influncia das idias liberais da Europa nos movimentos que se

    sucederam desde fins do sculo XVIII, no se deve superestimar sua

    importncia. Emilia Viotti da Costa (1979, p. 27), com relao a esse

    aspecto, cita Carlos Guilherme Mota que faz a seguinte observao:

    Analisando-se os movimentos de 1789 (Inconfidncia Mineira), 1798

    (Conjura Baiana), 1817 (Revoluo Pernambucana) percebe-se logo sua

    pobreza ideolgica.5 Nas palavras da autora:

    Apenas uma pequena elite de revolucionrios inspirava-

    se nas obras dos autores europeus que liam,

    freqentemente, mais com entusiasmo do que com

    esprito crtico. A maioria da populao inculta e atrasada

    no chegava a tomar conhecimento das novas doutrinas.

    Se havia barreiras de ordem material difuso das idias

    ilustradas (analfabetismo, marginalizao do povo da vida

    poltica, deficincia dos meios de comunicao), o maior

    entrave advinha, no entanto, da prpria essncia dessas

    idias, incompatveis, sob muitos aspectos, com a

    realidade brasileira (Emilia Viotti da Costa (1979, pp. 27-

    28).

    Com relao aos indcios da independncia, Richard Graham

    (2001, p. 15) cita o historiador Jos Honrio Rodrigues, que afirma:

    5 MOTA, Carlos Guilherme. Idia de revoluo no Brasil no final do sculo XVIII. So Paulo: 1967.

  • 43

    D. Pedro I descobriu que os brasileiros estavam

    animadamente preparados para endossar sua declarao

    de independncia do Brasil e que permaneceram unidos,

    a partir de ento, por um sentimento nacional

    (...)

    O sonho de um Brasil, nico e indivisvel, dominou todos

    os brasileiros (demonstrando) o orgulho nacional

    nascente.

    Segundo Richard Graham (2001), essa idia de nacionalismo

    brasileiro compartilhada por outros autores, como Manuel de Oliveira

    Lima, para quem o Brasil, mesmo antes da separao de Portugal, j

    tinha como objetivo a independncia.

    No entanto, no havia uma coeso entre as diversas regies que

    formavam a colnia. Como relata Richard Graham (2001, pp. p 21-22):

    Os chamados precursores do movimento de

    independncia no Brasil, em conspiraes tramadas em

    Minas Gerais (1789) e na Bahia (1798), tentaram libertar

    do domnio portugus somente aquelas reas especficas

    e no visaram a independncia de um Brasil unido e

    maior.

    Uma rebelio republicana separatista irrompeu em

    Pernambuco, em 1817, e, apesar de reprimida em

    poucos meses por tropas leais vindas de outras regies,

    ela revelou um sentimento regionalista profundo. Quando

    as cortes portuguesas, em 1820, exigiram o retorno do rei

    D. Joo VI a Portugal, as provncias do norte do Brasil

    aprovaram, enquanto as do sul protestaram, insistindo

    para que ele ficasse. Quando seu filho D. Pedro I

    declarou a Independncia do Brasil, em 1822, a maior

    parte das provncias do norte foi contra e permaneceu

  • 44

    leal a Portugal, at defrontarem-se com uma fora vinda

    do Rio de Janeiro. A unidade do Brasil pareceu duvidosa

    para os contemporneos, no importando como

    historiadores a tm visto desde ento.

    Conforme aponta Emilia Viotti da Costa (1979), o nacionalismo

    brasileiro, mesmo com a participao de portugueses nos movimentos

    revolucionrios, era manifestado, sobretudo, por meio de um

    antiportuguesismo generalizado. A Independncia, na viso da populao

    nativa mestia, tinha, antes de tudo, a esperana de eliminar as restries

    que afastavam as pessoas de cor das posies superiores, dos cargos

    administrativos, bem como do acesso Universidade de Coimbra e ao

    clero superior. Desta forma, para elas, a Independncia configurava-se

    como uma luta contra os brancos e seus privilgios (p. 31). Por outro

    lado, para aqueles que representavam as categorias superiores da

    sociedade (fazendeiros e comerciantes), a condio necessria da

    revoluo era a manuteno de seus privilgios.

    Com relao a esse aspecto da pr-disposio para a

    Independncia e do nacionalismo, relevante transcrever a reflexo de

    Gladys Sabina Ribeiro (2002, p. 22):

    (...) no processo da independncia no cabe uma relao

    de causalidade, marcada por eventos exteriores aos

    processos internos da ex-Colnia, em ordem de

    sucesso direta. A posteriori, colocaram-se os eventos

    enfileirados a partir da necessidade de se construir uma

    explicao convincente da independncia; da

    necessidade de se dizer que o Brasil estava predestinado

  • 45

    desde sempre, ou ao menos desde o final do sculo

    XVIII, a ser prspero e autnomo, independente como

    pas. preciso esclarecer, juntamente com Valentim

    Alexandre, que a palavra "nacionalismo" no tinha curso

    ao longo da dcada de 1820; existiam apenas as

    palavras "nao" e "nacional". Vale tambm o lembrete

    de Eric Hobsbawn de que o conceito de Nao no tinha

    o mesmo significado no incio e no fim do sculo XIX,

    sendo, dessa forma, bastante moderno. Para este ltimo

    autor, a compreenso deste termo dificultada por

    acharmos hodiernamente a identificao nacional "to

    natural, fundamental e permanente a ponto de preceder a

    histria".

    A autora ressalta que a dita conscincia nacional teve sua

    construo iniciada a partir da atuao daqueles homens no seu tempo,

    das suas vivncias e das circunstncias polticas.

    3.3 O Primeiro Imprio

    Contextualizando o perodo histrico de que trata o presente

    estudo, o perodo inicial do Imprio compreendido da Independncia do

    Brasil, em 7 de setembro de 1822, at a abdicao de Dom Pedro I, em

    1831.

    Retrocedendo ao incio de 1822, onde surgiram os primeiros

    indcios de independncia do imprio brasileiro, conforme aponta Manuel

    de Oliveira Lima (1989), j em 1 de janeiro D. Pedro recebeu o manifesto

  • 46

    escrito por Jos Bonifcio e assinado por toda a junta provincial da

    cidade, do qual constava que as Cortes de Lisboa, baseadas "no

    despropsito e no despotismo" buscavam impor ao Brasil "um sistema de

    anarquia e escravido".

    Emilia Viotti da Costa (1979) ressalta que as Cortes tomaram uma

    srie de medidas que deixaram claro a nova orientao assumida em

    relao ao Brasil, evidenciando as intenes de restrio a autonomia

    administrativa da colnia, bem como limitar a liberdade de comrcio, o

    restabelecimento do monoplio e privilgios que os portugueses tinham

    usufrudo anteriormente transferncia da Corte para o Brasil. Nas

    palavras da autora:

    Antes que os representantes brasileiros tivessem tido

    tempo de chegar a Lisboa, j as Cortes decidiram

    transferir para Portugal o Desembargo do Pao, a Mesa

    de Conscincia e Ordens, o Conselho da Fazenda, a

    Junta de Comrcio, a Casa de Suplicao e outras

    reparties instaladas no pas por D. Joo VI. Decretos

    de setembro e outubro determinavam a volta do prncipe

    regente para Portugal, nomeando para cada provncia, na

    qualidade de delegado do poder executivo, um

    governador de armas, independente das juntas

    governativas que se tinham criado. Ao mesmo tempo

    destacavam-se novos contingentes de tropas com

    destino ao Rio de Janeiro e Pernambuco (Emilia Viotti da

    Costa, 1979, p. 40).

  • 47

    No Brasil, tais decises repercutiram como se fosse uma

    declarao de guerra, gerando tumultos e manifestaes de desagravo,

    alm de novas adeses no movimento em favor da Independncia.

    No Rio de Janeiro, segundo Manuel de Oliveira Lima (1989), foi

    efetuado um abaixo-assinado com oito mil nomes, o qual foi entregue D.

    Pedro em uma cerimnia realizada no dia 9 de janeiro. Depois de ler o

    documento, o prncipe regente anunciou solenemente a sua deciso de

    ficar no Brasil. No dia 11, as tropas portuguesas tentaram em vo obrig-

    lo a embarcar para Lisboa.

    Segundo Emilia Viotti da Costa (1979), apesar de D. Pedro ter

    decidido permanecer no Brasil, tal fato no se tratava ainda de uma

    ruptura, pois havia uma tentativa de manter aberta a possibilidade de

    constituio de uma monarquia dual com sede simultnea em Portugal e

    no Brasil, no intuito de manter o Brasil como Reino Unido a Portugal, ao

    mesmo tempo em que se procurava em preservar a autonomia

    administrativa e comercial alcanada. Nesse contexto, para cada grupo D.

    Pedro passou a ter um significado. Desta forma, para os portugueses,

    representava a possibilidade de manter o Brasil unido a Portugal, uma vez

    que acreditavam que esse poderia evitar um movimento separatista. No

    caso dos brasileiros, havia aqueles que almejavam a preservao das

    regalias que foram obtidas e que pretendiam a criao de uma monarquia

    dual, considerando que para isso, era essencial a presena de D. Pedro.

    Tal presena tambm era vista como fundamental pelos brasileiros que

    almejavam a Independncia definitiva e total, por acreditarem que o

    prncipe evitaria qualquer alterao da ordem aps a independncia.

  • 48

    Dando continuidade ao suceder dos fatos, Manuel de Oliveira Lima

    (1989) aponta que cinco dias depois de expulsar do Rio as tropas lusas,

    comandadas pelo general Avilez, D. Pedro organizou um novo ministrio,

    cuja liderana foi incumbida a Jos Bonifcio de Andrada e Silva. Em 1

    de agosto, D. Pedro declarou inimigas todas as tropas enviadas de

    Portugal sem o seu consentimento. No dia 14, partiu para So Paulo para

    contornar uma crise na provncia. No dia 2 de setembro, no Rio, a esposa

    de D. Pedro, D. Leopoldina, leu as cartas chegadas de Lisboa com as

    abusivas decises da Corte. Reuniu os ministros e enviou mensageiros a

    D. Pedro que proclamou a independncia do pas em 7 de setembro aps

    tomar cincia das mesmas. Dia 12 de outubro D. Pedro I aclamado

    primeiro imperador do pas.

    Gladys Sabina Ribeiro (2002) aponta que D. Pedro, Jos Bonifcio,

    dentre outros, na poca que antecedeu a Independncia, no estavam

    lutando especificamente por ela.

    Os grupos, ou "faces" polticas, existentes no Rio de

    Janeiro e que pugnavam ao redor do constitucionalismo

    e do liberalismo portugueses , eram unnimes nos bons

    propsitos de organizao da Nao portuguesa ao redor

    de leis bsicas e promotoras da liberdade do indivduo.

    Tais qual a idia de liberdade, as noes de igualdade e

    fraternidade eram complexas e estavam na pauta do dia,

    sempre reportadas s noes do direito natural, que

    promovia uma rediscusso do pacto entre o rei e seus

    sditos e questionava as bases do Antigo Regime.

    Filsofos franceses como Montesquieu, Rousseau,

    Voltaire, Diderot, e outros pensadores anglo-saxes,

    como Bentham, foram lidos e reinterpretados com

    sentidos diferentes dos dois lados do Atlntico. Dessa

  • 49

    forma, a Ilustrao portuguesa forneceu as bases para a

    elaborao e o triunfo do movimento constitucionalista,

    reafirmando a necessidade de se reforar a construo

    do imprio luso-brasileiro, projeto vislumbrado no sculo

    XVI e acalentado com desenho prprio desde finais do

    sculo XVIII (Gladys Sabina Ribeiro, 2002, pp. 23-24).

    Segundo Emilia Viotti da Costa (1979), em 1822, as elites

    brasileiras que tomaram o poder eram compostas por fazendeiros,

    comerciantes e membros de sua clientela, ligados economia de

    importao e exportao, interessados na manuteno das estruturas

    tradicionais de produo que tinham como base o sistema de trabalho

    escravo e o latifndio. Com a Independncia eles reafirmaram a tradio

    agrria da economia brasileira, opondo-se aqueles que buscavam

    promover o desenvolvimento da indstria, bem como resistindo s

    presses inglesas com relao abolio da escravatura.

    Essas elites, cuja ideologia era essencialmente conservadora e

    antidemocrtica, tiveram a oportunidade, diante da presena dos

    herdeiros da casa de Bragana no Brasil, de alcanar a Independncia

    sem que fosse preciso recorrer mobilizao das massas, organizando

    um sistema poltico fortemente centralizado, o qual colocava os

    municpios na dependncia dos governos provinciais e as provncias na

    dependncia do governo central. Deram continuidade tradio colonial,

    subordinando a Igreja ao Estado, mantiveram o catolicismo como religio

    oficial. Alm disso, adotaram um sistema de eleies indiretas, que tinha

  • 50

    como base o voto qualificado (censitrio), excluindo a grande maioria da

    populao das eleies (Emilia Viotti da Costa, 1979).

    Aps a independncia, no incio de 1823, conforme Walter Vieira

    do Nascimento (1996), foi convocada a Assemblia Constituinte, porm,

    devido a uma forte divergncia entre os deputados brasileiros e o

    soberano, que exigia um poder pessoal superior ao do Legislativo e do

    Judicirio, a Assemblia foi dissolvida em novembro. Antes de sua

    dissoluo, foi elaborado um Projeto de Constituio, tendo Antnio

    Carlos Andradas como seu principal redator.

    A primeira Constituio do Brasil finalmente foi outorgada pelo

    imperador em 25 de maro de 1824.

    Embora a referida Constituio tenha determinado que o regime

    vigente no pas fosse liberal, o governo era autoritrio. Freqentemente,

    conforme aponta Jos Reinaldo de Lima Lopes (2000), D. Pedro impunha

    sua vontade aos polticos. Esse impasse constante gerou um crescente

    conflito com os liberais, que passou a v-lo cada vez mais como um

    governante autoritrio. Os problemas de D. Pedro I agravaram-se a partir

    de 1825, com a entrada e a derrota do Brasil na Guerra da Cisplatina. A

    perda da provncia da Cisplatina e a independncia do Uruguai, em 1828,

    alm das dificuldades econmicas, levaram boa parte da opinio pblica a

    reagir contra as medidas personalistas do imperador.

    Segundo aponta Waldemar Martins Ferreira (1954), em 29 de

    agosto de 1825, por intermdio de um tratado de paz, D. Joo VI

    reconheceu o Brasil como imprio independente dos Reinos de Portugal e

  • 51

    Algarves, e D. Pedro como imperador, cedendo-lhe e transferindo-lhe a

    soberania, transmissvel a seus sucessores legtimos.

    Aps a morte D. Joo VI, em 1826, D. Pedro envolve-se cada vez

    mais na questo sucessria em Portugal. Do ponto de vista portugus, ele

    continua herdeiro da Coroa. Para os brasileiros, o imperador no tem

    mais vnculos com a antiga colnia, porque, ao proclamar a

    Independncia, havia renunciado herana lusitana. Posteriormente,

    formaliza-se a renncia e D. Pedro I abriu mo do trono de Portugal em

    favor de sua filha Maria da Glria.

    Ainda assim, a questo passou a ser uma das grandes bandeiras

    da oposio liberal brasileira. Nos ltimos anos da dcada de 1820, esta

    oposio cresceu. O governante procurou apoio nos setores portugueses

    instalados na burocracia civil-militar e no comrcio das principais cidades

    do pas. Incidentes polticos graves, como o assassinato do jornalista

    oposicionista Lbero Badar em So Paulo, em 1830, reforaram esse

    afastamento: esse crime foi cometido a mando de policiais ligados ao

    governo imperial e D. Pedro foi responsabilizado pela morte.

    Para Frei Vicente do Salvador (1975), a ltima tentativa de D.

    Pedro de recuperar prestgio poltico foi frustrada pela m recepo que

    teve durante uma visita a Minas Gerais na virada de 1830 para 1831. A

    inteno era costurar um acordo com os polticos da provncia, mas

    recebido com frieza. Alguns setores da elite mineira faziam questo de

    lig-lo ao assassinato do jornalista. Revoltados, os portugueses instalados

    no Rio de Janeiro promoveram uma manifestao pblica em desagravo

    ao imperador. Isso desencadeou uma retaliao dos setores antilusitanos.

  • 52

    Em 7 de abril de 1831, aconselhado por seus ministros, D. Pedro I

    abdicou e retornou a Portugal.

    3.4 O Direito brasileiro

    Walter Vieira do Nascimento (1996) afirma que, at 1822, o Brasil,

    enquanto parte integrante de Portugal, foi juridicamente regido de acordo

    com as normas portuguesas, tendo o seu direito orientado pelas

    Ordenaes Filipinas.

    Indo ao encontro de tal afirmao, Ives Gandra da Silva Martins

    Filho (1999) aponta que no existe registro sistemtico no Brasil dos atos

    normativos que regiam a vida no perodo anterior a 1808, haja vista que

    os registro oficiais encontravam-se em Portugal, sendo aplicadas no Brasil

    as normas jurdicas gerais portuguesas e as especficas de administrao

    da colnia. Desta forma, enquanto colnia, o Brasil encontrava-se

    submetido s Ordenaes do Reino, bem como aos seus Regimentos,

    que traavam normas especficas para o Brasil, que estabeleciam

    medidas que deveriam ser tomadas nas capitanias, tratamento dos ndios,

    organizao da defesa, disciplinamento do comrcio, organizao da

    justia, normas de arrecadao, cuidados com os hospitais e igrejas,

    dentre outros.

    Conforme aponta Ives Gandra da Silva Martins Filho (1999), a

    instalao de um Governo-Geral com Tom de Souza, foi o marco inicial

  • 53

    da estruturao do Judicirio no Brasil, ao trazer consigo o

    Desembargador Pero Borges para desempenhar a funo de Ouvidor-

    Geral, encarregando-se da administrao da Justia. Desta forma, a

    administrao da Justia, no Brasil, fazia-se, originalmente, por meio do

    Ouvidor-Geral, localizado na Bahia, ao qual se poderia recorrer das

    decises dos ouvidores das comarcas, em cada capitania, que cuidavam

    da soluo das contendas jurdicas nas vilas.

    No perodo colonial, as funes judiciais eram confundidas com as

    funes administrativas e policiais, o que resultou na atuao dos

    chanceleres, contadores e vereadores, que compunham os Conselhos ou

    Cmaras Municipais, nas atividades jurisdicionais nas comarcas. Foi s

    no decorrer da ampliao da colonizao, diante da necessidade de uma

    estrutura burocrtica e administrativa mais sofisticada, que surgiram as

    figuras dos corregedores, provedores, juzes ordinrios e juzes de fora.

    Na concepo de Csar Tripoli (1936), nos trinta primeiros anos

    que se seguiram ao descobrimento do Brasil, ocorreram alguns atos

    legislativos que, apesar de no serem destinados de forma direta queles

    que residiam na ento colnia portuguesa, referem-se a eles. Tais

    legislaes referem-se a atos eclesisticos bulas pontifcias, e civis

    alvars e cartas-rgias.

    Comentando a afirmao de Csar Tripoli, Walter Vieira do

    Nascimento (1996), destaca na legislao eclesistica:

    a) Nula do Papa Jlio II (1506) que confirmou os direitos de Portugal

    sobre as terras do Brasil, devido o Tratado de Tordesilhas.

  • 54

    b) Bula do Papa Leo X (1514) e a Bulado Papa Jlio III (1551) que

    retificaram a de 1506.

    Com relao a legislao civil, destaca:

    a) Em 1502, um contrato de arrendamento de terras celebrado entre o

    governo portugus e um consrcio liderado por Fernando de Noronha,

    segundo o qual, no decorrer de trs anos, os arrendatrios obrigavam-

    se a enviar anualmente ao Brasil seis navios, fazer o reconhecimento

    de 300 lguas de terra, fundar e manter uma fortaleza.

    b) Em 1516, dois alvars expedidos por D. Manuel ordenavam ao feitor e

    oficiais da Casa da ndia o fornecimento de machado, enxadas e

    demais ferramentas queles que fossem povoar o Brasil. Alm disso,

    deveriam indicar um homem prtico e capaz de ir ao Brasil dar

    princpios a um engenho de acar; e se lhe desse sua ajuda de custo,

    e tambm todo o cobre e ferro e mais coisas necessrias (p. 243).

    c) Em 1530, trs cartas-rgias expedidas por D. Joo III, dando a Martim

    Afonso de Souza poderes amplos e excepcionais para organizar e

    regular a administrao colonial.

    Jos Isidoro Martins Jnior (1895 apud Walter Vieira do

    Nascimento, 1996, p. 254) ressalta:

    (...) de 1808 a 1822 o direito nacional se revela pela

    predominncia, seno quase exclusiva preponderncia,

    dos institutos de direito pblico interno e externo:

  • 55

    medidas polticas, administrativas, financeiras e

    diplomticas. Os institutos de direito privado so, nesse

    perodo, insignificantes ou quase nulos.

    No entanto, Walter Vieira do Nascimento (1996) salienta que a

    situao poltica e jurdica do brasil no se manteria dentro dos limites que

    eram pretendidos e delineados por D. Joo VI, pois, ao regressar para

    Portugal em 1821, deixou no Brasil seu filho D. Pedro I, que possua um

    esprito rebelde e impulsivo, que logo mostrou que no iria se submeter s

    imposies e Portugal, sendo um dos seus primeiros atos, o decreto de

    que toda e qualquer lei que de l viesse, s entraria em vigor no Brasil

    mediante o seu Cumpra-se.

    Ives Gandra da Silva Martins Filho (1999) ressalta que o primeiro

    perodo de atos normativos registrados refere-se ao perodo de 1808, com

    a chegada da famlia real portuguesa ao Brasil, a at 1822, com a

    Proclamao da Independncia, sendo que os atos normativos desse

    perodo foram, basicamente:

    Cartas Rgias constituem respostas do Prncipe

    Regente a consultas de seus sditos, nas quais

    determina as providncias a serem adotadas nos

    vrios casos que lhe so submetidos: medidas

    administrativas concretas, nomeaes de

    autoridades, declaraes de guerra e medidas sobre

    sua conduo, instituio de impostos, etc.

    Decretos constituem ordens e mandamentos

    emitidos pelo Prncipe Regente, por iniciativa prpria,

    sobre as mais diversas questes, tanto gerais quanto

  • 56

    particulares: instituio de cargos e nomeao de

    seus ocupantes, criao de organismos estatais,

    concesso de benefcios, etc.

    Alvars constituem proclamaes do Prncipe

    Regente, articulados em incisos, para regular a

    atividade estatal, tendo, originariamente, natureza de

    lei de carter geral, mas que passaram,

    posteriormente, a ter carter temporrio, modificando

    as disposies constantes em decretos. Albergavam

    normas administrativas, processuais, tributrias, etc.

    Cartas de Lei constituem normas legais pelas quais

    o Prncipe Regente disciplinava, em carter

    permanente, as vrias matrias prprias de lei

    (frmula menos usada do que o alvar e o decreto).

    Leis votadas pelas Cortes Gerais Portuguesas e

    sancionadas pelo Rei, a partir de 1821 (Ives Gandra

    da Silva Martins Filho, 1999, p. 2).

    Nesse perodo os atos normativos editados totalizaram-se da

    seguinte forma: Leis 10; Cartas de Lei 16; Cartas Rgias 183;

    Alvars 215; Decretos 722 (Ives Gandra da Silva Martins Filho, 1999).

    De acordo com Clia Costa (2000), a elite poltica portuguesa era

    formada pelos altos estratos da burocracia estatal, sendo na sua maioria

    juristas e magistrados. A partir de 1822, no Brasil, o grupo luso-brasileiro

    responsvel pelo projeto de Estado, por ter sido formado dentro dos

    cnones do direito romano ensinado em Coimbra, trouxe para a ex-

    colnia a experincia burocrtica da metrpole. O Estado que se constitui

    no sculo XIX, foi influenciado fortemente pelas concepes poltico-

  • 57

    jurdicas portuguesas, dessa forma, era burocrtico e centralizado, com

    fortes traos patrimonialistas herdados de Portugal.

    Em 1822, com a proclamao da independncia, o Brasil, entre

    outros graves problemas, teve que enfrentar o da sua estrutura jurdica.

    No entanto, as mudanas levariam tempo, alm de serem difceis. Dessa

    forma, at que fossem feitas as alteraes necessrias, continuou em

    vigor a legislao de 1821 e as leis promulgadas por D. Pedro a partir de

    tal ano.

    Como conseqncia das primeiras medidas em direo a um novo

    sistema de leis prprias, em 1823 foi convocada a Assemblia

    Constituinte e, logo se passou a tratar da elaborao de um Projeto de

    Constituio, tendo Antnio Carlos Andradas um dos seus principais

    redatores.

    Conforme Luiz Koshiba e Denise Manzi Frayze (1996), a referida

    Assemblia foi formada por 90 membros eleitos em quatorze provncias,

    dos quais 26 eram bacharis em leis, 19 sacerdotes, 7 militares, alguns

    mdicos, proprietrios rurais e funcionrios pblicos, representando, na

    sua maioria, os interesses da aristocracia rural.

    Como aponta Emilia Viotti da Costa (1979, p. 116):

    Durante as discusses da Constituinte ficou manifesta a

    inteno da maioria dos deputados de limitar o sentido do

    liberalismo e de distingui-lo das reivindicaes

    democratizantes. Todos se diziam liberais, mas ao

    mesmo tempo se confessavam antidemocratas e anti-

    revolucionrios. As idias revolucionrias provocavam

    desagrado entre os constituintes. A conciliao da

    liberdade com a ordem seria o preceito bsico desses

  • 58

    liberais, que se inspiravam em Benjamim Constant e

    Jean Baptiste Say. Em outras palavras: conciliar a

    liberdade com a ordem existente, isto , manter a

    estrutura escravista de produo, cercear as pretenses

    democratizantes.

    O Projeto de Constituio era composto de 272 artigos, tendo

    como princpios fundamentais:

    a) monarquia constitucional e representativa;

    b) liberdades e garantias constitucionais,

    compreendendo liberdade de pensamento e

    locomoo, liberdade individual e religiosa, liberdade

    de imprensa, inviolabilidade da propriedade;

    c) diviso dos poderes em Executivo (exercido pelo

    Imperador com o auxlio de um Ministrio e um

    Conselho Privado), Legislativo (exercido em conjunto

    pelo Imperador e pela Assemblia Geral, esta

    formada da Cmara dos Deputados e do Senado),

    Judicirio (exercido pelos juizes letrados e jurados,

    estes com interferncia em matria criminal) (Walter

    Vieira do Nascimento, 1996, pp. 256-257).

    O referido Projeto passou a ser debatido at que D. Pedro, sob o

    pretexto de serenar os nimos, uma vez que o transcorrer dos debates

    apresentava divergncias e discusses naturais, resolveu dissolver a

    Constituinte. Walter Vieira Nascimento (1996) ressalta que alm desse

    pretexto, certamente outras razes influenciaram a sua atitude, seja por

    convico prpria, seja por incentivo de membros da cpula governista.

  • 59

    D. Pedro dissolveu a Assemblia Constituinte com o seguinte

    decreto:

    Havendo eu convocado, como tinha o direito de

    convocar, a Assemblia Constituinte e Legislativa, por

    decreto de 3 de junho do ano prximo passado, a fim de

    salvar o Brasil dos perigos que estavam iminentes, e

    havendo esta Assemblia perjurado o to solene

    juramento, que prestou nao de defender a

    integridade o Imprio, sua independncia e minha

    dinastia; hei por bem, como Imperador e Defensor

    Perptuo do Brasil, dissolver a mesma Assemblia e

    convocar j uma outra na forma das instrues feitas (In:

    Walter Vieira do Nascimento, 1996, p. 128).

    Com relao a esse fato, para Vicente Barreto (1977) a origem do

    mesmo, que acabaria por separar de forma definitiva os constituintes do

    Imperador, residia na origem da autoridade legislativa e da autoridade

    executiva. Segundo ele, o trabalho dos constituintes estaria sendo

    limitado pelo poder imperial, que avocava o direito de julgar a dignidade

    ou no da Constituinte.

    Na concepo de Paulo Sarasate (1967, p. 13):

    Entre as razes que motivaram o choque entre o

    Imperador e a Assemblia e de que resultou,

    inexoravelmente, a dissoluo desta, alude-se ao fato,

    tido como absurdo, de ter ela querido servir de

    legislatura ordinria com prerrogativas especiais de

    exclusividade, que s lhe cabiam na qualidade de

    Constituinte. A par disso, e como elemento de ordem

  • 60

    pessoal, no podem ser esquecidos, tambm, como

    fatores negativos, tanto a inexperincia poltica da

    maioria dos deputados como o arrebatamento e, por

    igual, a inexperincia prpria da juventude do Imperador.

    Paulo Sarasate (1967) aponta que, no intuito de elaborar um novo

    texto, finalmente outorgado como Constituio, aps a audincia e

    aprovao das Cmaras Municipais, o Imperador instituiu um Conselho de

    Estado, para o qual foram escolhidos dez membros entre as expresses

    polticas e intelectuais mais destacadas do Imprio (p. 13), cabendo a

    Carneiro de Campos Marques de Caravelas, o melhor jurista, a parte

    mais importante do projeto em que se consagrou