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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A INTERPRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICA: VANESSA MORAES São José (SC), junho de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A INTERPRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí

ACADÊMICA: VANESSA MORAES

São José (SC), junho de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A INTERPRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos.

ACADÊMICA: VANESSA MORAES

São José (SC), junho de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A INTERPRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

VANESSA MORAES

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

São José, junho de 2007.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos ­ Orientador

_______________________________________________________ Prof. MSc. Eunice Anisete de S. Trajano ­ Membro

_______________________________________________________ Prof. MSc. Giovani de Paula ­ Membro

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DEDICATÓRIA

Dedico este texto: Dedico este trabalho sobre aquilo que mais gosto, o

Direito!! Aos meus pais por sempre me apoiarem e pelo amor incondicional de cada um.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pela oportunidade e privilégio de freqüentar

este curso, compartilhar tamanha experiência, na qual os temas não faziam parte, em

profundidade de minha vida.

Para aqueles que mais amo, meus pais Sebastião Felipe Moraes e Eloiza Maria

Moraes pela paciência em tolerar minha ausência e incentivadores perpétuos de meus estudos,

minhas irmãs Ana e Cilene e ao meu irmão Rodrigo.

Particularmente ao meu cunhado Roberto (Riva) que cedeu seu computador

por mais de meses, devido o meu estar com eventuais falhas consecutivas.

Especialmente, ao meu professor e orientador Rodrigo Mioto dos Santos, pela

paciência, incentivo, simpatia, dedicação e presteza no auxílio às atividades desta Monografia

de Conclusão de Curso, durante esses meses. Obrigada do fundo do coração.

Ao meu cunhado Silvio, pelas caronas dadas nas idas e voltas da faculdade.

As minhas amigas fiéis de anos de faculdade Ana Paula Candido (Miguxa),

Carla do Nascimento Cristina (Carlita) e Ana Paula Silva, aos familiares que sempre me

apoiaram e me confortaram nos momentos mais difíceis e que souberam compreender os

muitos momentos de ausência.

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E CRISTO proclamou: “Tendes ouvido o que foi dito:

Olho por olho, dente por dente, Eu, porém, vos digo: Não

resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece­lhe

também a outra” , ou seja, fugi a vingança.

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SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 8

1 DAS GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS DE NATUREZA CONSTITUCIONAL . 11

1.1 PROCESSO e DIREITO À LIBERDADE.......................................................................... 13

1.2 A CONSTITUIÇÃO E OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO

DOS DIREITOS HUMANOS RATIFICADOS PELO BRASIL ............................................... 14

1.3 ELEMENTOS GARANTIDORES DOS PRINCÍPIOS ...................................................... 17

1.4 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ......................................................... 20

1.5 O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL............................................................ 22

1.6 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.................................................................................... 23

2 DA PRISÃO PREVENTIVA.............................................................................................. 26

2.1 A PRISÃO EM SEU CARÁTER CAUTELAR.................................................................. 27

2.2 PRISÃO PREVENTIVA.................................................................................................... 30

2.2.1 ESPECIFICIDADES DA PRISÃO PREVENTIVA....................................................... 31

2.2.2 OS PRESSUPOSTOS PARA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA ........... 33

2.2.3 CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE....................................................................... 36

2.3 FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA ................................ 37

3 AS HIPÓTESES AUTORIZADORAS DA PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DOS

PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS.......................................................... 42

3.1 A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA............................................................................ 44

3.2 A GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA ..................................................................... 55

3.3 A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL ........................................................ 59

3.4 A GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL .......................................................... 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 65

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 68

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RESUMO

A Constituição Federal de 1988 é reconhecida por fortalecer os direitos da sociedade, dando proteção às garantias fundamentais do indivíduo, devendo o operador jurídico interpretar os dispositivos processuais penais à luz da Constituição. Objetivou este trabalho monográfico, problematizar a importância da interpretação dos dispositivos processuais penais em nosso ordenamento jurídico e sua aplicação no momento cabível sob a ótica constitucional, considerando a aplicabilidade da prisão cautelar, especificamente a prisão preventiva, como principal espécie de prisão provisória que é, de cunho puramente cautelar e não como uma antecipação de cumprimento de pena. Fixa o seu fundamento satisfatório, na necessidade do Estado dar privação da liberdade do indivíduo, reservada aos casos excepcionais, sujeitando­ se a pressupostos e condições de admissibilidade, necessárias, como forma de preservar o interesse de toda sociedade, contudo exige­se que seja respeitada essa cautelaridade, característica indicada em lei, apresentando os meios adequados dessa medida, a fim de se evitar a inconstitucionalidade na aplicação da prisão cautelar e garantir o bom desenvolvimento do processo. Palavras­chaves: princípios processuais penais constitucionais; prisão preventiva.

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INTRODUÇÃO

O Estado é o titular do direito, tendo seus representantes a incumbência de manifestar­

se sob a regência de normas de direito, originadas da vontade geral expressa pelos

representantes do povo, cujo neste alicerce, firma­se a soberania nacional na preocupação de

defender a sociedade frente ao Estado e quando também, se proclama os princípios do Estado

de Direito, onde atribui não só uma interpretação dos direitos fundamentais, na qual a

liberdade é a regra, mas sim, de conceder a todo e qualquer cidadão os seus direitos e

garantias consagrados na Constituição Federal, à eficácia do processo criminal, bem como, o

de protegê­los a todo ato arbitrário e excesso do poder estatal, no que tange, lhes preservar à

honra, à liberdade individual e os seus direitos como cidadão que é 1 . O direito processual

penal é o regime amparado pela Constituição Federal, pois possui princípios norteadores da

interpretação dos textos legais, prestando segurança e uniformidade aos rumos e decisões

processuais, unificando a forma, o entendimento e a realização desses atos e decisões

constitucionais e processuais 2 .

Esse é o limite imposto pela Constituição, na presente prioridade dos direitos e

garantias individuais dos cidadãos, o de vedar todo ato sancionatório aplicado antes do

trânsito em julgado da sentença condenatória, no que concerne a real aplicação dos

dispositivos penais do Direito Processual Penal 3 . Tendo a Constituição declarado os

princípios, é esta a função destes, determinar toda a produção legislativa e atuação dos

operadores jurídicos 4 , na busca da igualdade perante a lei, seguido da dignidade da pessoa

humana, dentro da legalidade, orientado pelo princípio da presunção de inocência, na esfera

do devido processo legal, eis que este congrega todos os outros, a fim de se garantir a

liberdade do indivíduo.

Nesse prisma, vamos encontro à prisão preventiva, que constitui parte do nosso

trabalho, bem como, aos princípios constitucionais norteadores a efetivação desta medida

1 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 01/05. 2 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileiro. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 10. 3 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileiro. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 10. 4 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Pr eventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatória Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 149.

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extrema, que é considerada em nosso ordenamento jurídico a principal modalidade de prisão

cautelar de natureza processual. Todavia, estando ela inserida em nosso Estado Democrático

de Direito, a mencionada prisão, objeto principal de estudo, não é considerada muito

adequada ao nosso regramento, eis que a liberdade ser a regra 5 . Ortolan 6 chega a qualificá­la

de “fatal necessidade”: “Fatal aos homens, dizia ele, e fatal à sociedade; fatal também à

justiça, porquanto se prende, inocente ou culpado, o homem que ainda não foi julgado”. 7

Sobretudo, para a decretação da modalidade de prisão preventiva, de cunho altamente

cautelar, exigem­se pressupostos (fumus boni iuris e periculum in mora), seguidos das hipóteses legais que a autorizam, isto é, uma análise ampla da sua expressão, apresentando

assim, a justificação com as mais diversas fundamentações para se determinar à custódia

antecipadamente antes do trânsito em julgado da sentença 8 . Na lição de Bento de Faria 9 : “É

uma injustiça necessária do Estado contra o indivíduo e, por isso, deve ser reservada pra casos

excepcionais”.

Trata­se de uma prisão odiosa, eis que fere a dignidade da pessoa humana, por ser

decretada antes da condenação 10 , admitida pelas legislações como um “mal necessário” 11 ,

como dizia o grande Flamand 12 : “É uma dessas dolorosas necessidades sociais, perante as

quais somos forçados a nos inclinar”. A prisão preventiva trata­se da espécie de custódia

cautelar mais drástica de limitação à liberdade do indivíduo, cujo equilíbrio é o dilema

fundamental mais buscado pelo processo penal, acerca dos termos de interpretação e de

aplicabilidade da lei processual penal pelo aplicador da norma, eis que a sua excepcionalidade

interliga­se ainda aos princípios (expressa os limites das medidas de coerção) da presunção de

inocência, da legalidade, da humanidade entre outros 13 . Em rigor, a Constituição Federal

5 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 161/163. 6 ORTOLAN. Droit penal, v. 2, p. 560, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 494. 7 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 493 e 500. 8 MIRABETE. Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 2003. p.380. 9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 501. 10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 494. 11 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 494. 12 FLAMAND. Études, Paris, 1877, p. 55, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 494. 13 CHOUKR, José Carlos Mascari. Garantias constitucionais na investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.20, apud SILVA, Danielle Souza de Andrade e. A temporalidade específica da pr isão preventiva in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, n. 62, p. 202/203.

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protege e reconhece a liberdade como sendo seu maior bem, embora a pondo em perigo,

justifica a prisão preventiva como uma necessidade pra assegurar a efetividade do Direito

Penal 14 .

Portanto, o que se busca no texto, é como a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência tem

definido o conceito das hipóteses autorizadores de tal medida, da razão da sua verdadeira

cautela, a fim de se evitar a inconstitucionalidade desta custódia, cuja garantia pode implicar

na decretação desta prisão, verificar como tem sido definido e a partir daí, dar coerência a

esse emaranhado de informações e precedentes, demonstrando sua real necessidade,

concluindo­se pela afirmação ou não da existência de fundamentos eficazes da prisão

preventiva, quando decretada para tal fim.

A pesquisa desenvolveu­se por meio do método dedutivo, partindo da técnica de

pesquisa indireta, utilizando jurisprudências e posicionamentos doutrinários, para

posteriormente, sustentá­los.

No primeiro capítulo procurou­se dar uma visão geral sobre as garantias processuais

penais expressas na Constituição e sua influência na aplicação da lei processual penal, os

direitos e garantias inerentes à condição humana para defesa da liberdade individual, com o

propósito e necessidade de salvaguardar o cidadão, repassando para os instrumentos

internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil. Em seguida os

elementos garantidores dos princípios e os princípios fundamentais do processo penal.

No segundo capítulo foi abordado a prisão cautelar, na sua modalidade de prisão

preventiva, objeto principal deste estudo, sua cautelaridade com conceitos e generalidades da

sua natureza jurídica, os pressupostos, as condições de aplicabilidade legais e sua necessidade

de fundamentação.

No terceiro capítulo, finalmente, será visto como a doutrina e, sobretudo, a

jurisprudência tem definido o conceito das hipóteses autorizadores da prisão cautelar à luz dos

princípios e garantias constitucionais, na condição de garantir à ordem pública, a ordem

econômica, a conveniência da instrução e a garantir a aplicação da lei penal.

14 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 494.

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1 DAS GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS DE NATUREZA

CONSTITUCIONAL

O Estado de Direito, também conhecido como Estado de Legalidade, é aquele que

realiza os seus fins por meios ou processos jurídicos, que se manifesta através da idéia e dos

princípios do Estado de Direito, ou seja, regido pelas normas de direito originadas da vontade

geral expressa pelos representantes do povo e na qual firma­se a soberania nacional. Tem a

preocupação de defender a sociedade frente ao poder estatal, através de regras e princípios

previamente estabelecidos em leis e na Constituição 15 .

Nesse prisma, o Estado de Direito no que se refere especificamente ao conteúdo se

revela como sendo social e democrático, atribui não só uma interpretação dos direitos

fundamentais como esferas subjetivas de liberdade, mas sim como sendo elementos

constitutivos de um sistema unitário de liberdades, patrimônio comum dos cidadãos

individual e coletivamente, do qual a extensão e eficácia máxima se mostra como sendo a

principal meta a ser alcançada 16 .

Neste âmbito, uma das garantias mais eficazes dos direitos individuais é a ordem do

processo. O complemento necessário das liberdades públicas é a lei do processo, que tem suas

formalidades destinadas a proteger os direitos dos cidadãos, a preservá­los de todo o ato

arbitrário e de todo o excesso do poder 17 .

O direito processual penal é correlativo a idéia de direitos e garantias expressos na

Constituição Federal. Sabemos que os ordenamentos que determinam as formalidades para a

prática de atos processuais são a Constituição Federal, o Código de processo Penal e várias

leis esparsas, esclarecendo como se produzem e são aceitas as provas, ou ainda, de que

maneira o processo se desenvolve, quem pode e deve ter a iniciativa da ação penal, quais os

direitos e deveres das partes e de que forma deve o juiz penal se conduzir e decidir 18 .

Contudo, é imprescindível destacar que o direito processual penal é amparado pela

Constituição Federal, que possui princípios e regras básicas que orientam o estudo e a

15 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal brasileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 10. 16 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal brasileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 10. 17 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 01/05. 18 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 10.

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interpretação dos textos legais de caráter infraconstitucional (como é o caso do Código de

Processo Penal), prestando segurança e uniformidade aos rumos e decisões processuais,

unificando a forma, o entendimento e a realização desses atos e decisões constitucionais e

processuais 19 . E mais: a Constituição apresenta­se como o critério fundamental de avaliação

das disposições de caráter infraconstitucional.

Percebe­se, ainda, a existência de diplomas supervenientes em consonância com o

artigo 5º, § 2º da vigente Constituição Federal, especificamente, pelo Decreto nº. 678, de 6 de

novembro de 1992, que permitiu o ingresso forma, no ordenamento brasileiro, da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos. Outrossim, consubstanciando a proteção dos direitos e

garantias fundamentais do indivíduo, que posteriormente recaiu sobre a primazia da liberdade,

gerando uma situação de diferença em relação ao uso da custódia cautelar, prevalecendo

agora os limites constitucionais, eis que conforme determina a Constituição Federal em seu

inciso LVII, do artigo 5º, ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de

sentença penal condenatória 20 , acarretando uma maior atenção dos julgadores de primeiro,

segundo e instância superior, na área da justiça criminal, para a interpretação do aludido

dispositivo da Carta Magna, haja vista, terem que atuar de forma criteriosa e cautelosa, o que

outorga maior segurança 21 .

A atual constituição focalizou o estudo e deu destaque aos direitos e garantias

individuais, preocupando­se com a melhor qualidade de vida dos cidadãos e isso teve

influência decisiva na aplicação da lei penal e na forma de atuação do jus puniendi na vida prática, modificando sensivelmente as regras e o relacionamento Estado e cidadão 22 .

Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é interpretar os dispositivos penais e

processuais penais à luz do Texto Constitucional, isso significa recepcionar os direitos

fundamentais de forma interpretativa aos ditames constitucionais, fazendo uso dos principais

princípios do ordenamento jurídico, ou seja, o da Legalidade, do Devido Processo Legal e o

da Presunção de Inocência, eis que são de suma importância na busca do equilíbrio tão

sonhado do sistema judiciário, para que não sejam os textos legais taxados de

inconstitucionais.

19 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 10. 20 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 01/05. 21 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 01/05. 22 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 10.

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1.1 PROCESSO E DIREITO À LIBERDADE

A Lei Constitucional consagra os direitos e garantias inerentes à condição humana

para defesa da liberdade individual, com o propósito e necessidade de salvaguardar o cidadão,

além de consagrar a igualdade perante a lei. A Constituição Federal já os anuncia logo em seu

artigo 5º, caput:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo­se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:

A regra constitucional afirma que todos gozam de igualdade de direitos e que a

liberdade é valor inviolável. A Constituição estabelece uma série de disposições de caráter

processual tendentes à garantia da liberdade e de um devido processo legal; disposições essas

que confirmam a idéia segundo a qual “toda norma processual implica em garantia” 23 .

As formas do processo é uma das garantias de proteção ao cidadão, ela estabelece que

“o direito processual penal tem o objetivo de assegurar a liberdade do acusado 24 ”, ou seja, as

leis do processo são leis complementares das garantias constitucionais.

O poder estatal possui o dever de prestar a jurisdição 25 , entretanto, a tutela da

liberdade jurídica é o instrumento que prevalece, viabilizando a garantir os direitos

individuais e coletivos. O direito a liberdade é direito fundamental e cabe ao Estado defender

e zelar por ela, por meio do processo penal. Daí a lei processual penal ela rege­se pelo

princípio publicístico, que serve para cumprir o dever de jurisdição, que compreende o valor

de se ter o direito à jurisdição, bem como, o de atender à liberdade jurídica do ser humano 26 .

Em suma, conclui neste sentido Rogério Lauria Tucci 27 :

O poder­dever de punir encontra­se, sempre, estreitamente relacionado com a realização do bem comum, que se traduz, em sua mais simples expressão, no

23 ESCUSOL, Eladio Barra. Manual de Derecho Procesal Penal. Madrid: Editorial Colex, 1993. p. 65,68 e 69 apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 2. 24 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 2. 25 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 4. 26 TUCCI, ROGÉRIO Lauria “Processo penal e dir eitos humanos no Brasil”, in Revista dos Tribunais, vol. 755/464 e 465, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 4. 27 TUCCI, ROGÉRIO Lauria “Processo penal e dir eitos humanos no Brasil”, in Revista dos Tribunais, vol. 755/464 e 465, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 5.

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convívio dos indivíduos, membros da comunhão social, em paz e liberdade. O respeito à liberdade, destarte, integra a própria essencialidade do poder­dever de punir, que se faz exclusivo do Estado, justamente por dever ser ele o guardião­mor das garantias individuais.

Dessa forma, busca o Estado manter um equilíbrio, com atenção à proteção dos

direitos e liberdades da pessoa humana e ao recolhimento daqueles que em função de suas

condutas não compatíveis com a norma legal, afrontam as regras, viabilizando assim, a

aplicação da lei processual penal e a efetivação da norma no processo penal. E, é sob o prisma

garantidor de nosso estado democrático de Direito, no qual o processo penal vem proteger o

cidadão contra eventuais abusos dos órgãos estatais na individualização do ius puniendi,

resguardando o próprio Poder Judiciário 28 .

As leis são responsáveis por essa regulamentação processual. E no que aqui nos

interessa, pelas “atuais modalidades de custódia previstas em nosso ordenamento processual,

com vistas à sua adequação aos direitos fundamentais garantidos” 29 , posto que como veremos

adiante a Constituição Federal de 1988 considera a segregação cautelar algo de extrema

excepcionalidade.

1.2 A CONSTITUIÇÃO E OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO

DOS DIREITOS HUMANOS RATIFICADOS PELO BRASIL

O Brasil aprovou dois pactos internacionais (o Pacto Internacional sobre Direitos Civis

e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos), que foram acolhidos pela

Constituição Federal – possuindo, portanto, status constitucional – que estabelece em seu artigo 5º, §2º 30 que:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

28 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 4. 29 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisória e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 6. 30 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Feder al: Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 07 de mar. 2007.

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O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi aprovado pelo Decreto

Legislativo nº 266, de 12.12.91 e promulgado pelo Presidente da República através do

Decreto nº 592, de 06.07.92 31 , que apresenta inúmeras disposições relativas ao processo penal

e as modalidades de prisões provisórias, sendo que algumas delas já estão presentes em nossa

Constituição Federal. Entretanto, o Pacto, traz forte conteúdo que amplia o leque de proteção

do texto constitucional, sobretudo na argumentação em prol da liberdade 32 .

Deste modo, alguns dispositivos legais que estão recepcionados neste diploma

internacional 33 :

Artigo 7º. Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Art. 9°. 1. Toda pessoa tem à liberdade e a segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos. 2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e notificada, sem demora, das acusações formuladas contra ela. 3. Qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. 4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legalidade de seu encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal. 5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegais terá direito à reparação.

Artigo 10. 1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana. 2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com a sua condição de pessoas não condenadas.

Sendo assim, estes dispositivos mencionados, reafirmam outros já constantes de nossa

Constituição, o que faz garantir e assegurar as exigências nela contidas e ainda amplia a

interpretação constitucional, o que é de grande importância ao processo penal.

31 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 21. 32 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 21. 33 BRASIL. Decreto nº. 592 de 06.07.1992. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966). Disponível em : www.planalto.gov.br. Acesso em 07 de mar. 2007.

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Já a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa

Rica – que foi aprovada através de Decreto Legislativo do Congresso Nacional nº 27, em

25.09.92, quando o Governo Brasileiro depositou a Carta de Adesão, determinando seu

integral cumprimento pelo Decreto nº 678, de 06.11.92 34 , traz disposições semelhantes às do

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Contudo, há normas elencadas no Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos não mencionados na Convenção Americana

sobre Direitos Humanos, ou ainda, algumas garantias expressas na Convenção Americana

sobre Direitos Humanos que não se fazem presentes no Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos, ou seja, ambos os diplomas se complementam 35 .

Diante disso, afronta­se então alguns dispositivos elencados na Convenção Americana

sobre Direitos Humanos 36 :

Artigo 1º ­ 1. Os Estados­Partes nesta Convenção comprometem­se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

Artigo 5º ­ 1. Toda pessoa tem o direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. (...) 3. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas.

Tais instrumentos objetivam, de modo particularmente especial, a garantia dos direitos

ao processo, ou seja, direitos fundamentais, bem como, garantir um processo penal mais justo,

sem lesionar – de forma desnecessária – a liberdade do cidadão, devendo ser esta a função do

Estado.

Comentando o assunto, Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci 37 ,

esclarecem os direitos e garantias expressos na Constituição:

34 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 21. 35 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 44. 36 BRASIL. Decreto nº 678 de 06.11.1992. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969). Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 07 de mar. 2007. 37 TUCCI, Rogério Lauria. Constituição de 1988 e Processo / e CRUZ E TUCCI, José Rogério. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 7; cf., também, TUCCI, Rogério Lauria “Processo penal e direitos humanos no Brasil”, in

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De nada valeria a projeção do ideal de definir os direitos individuais do ser humano – indubitavelmente, uma das mais importantes conquistas do século XVIII, e segundo o mesmo ensinamento ­, se a respectiva declaração não se fizesse provida de meios aptos à sua realização por uma das atividades do Estado, autônoma e independentemente das demais. Daí, então, o indispensável dualismo – direitos e garantias –, na certeza de que a outorga destas, mediante preceituações constitucionais, importa em tutelar os direitos que amparam por via de instrumentos correspondentes, quer à sua grandeza, quer à sua dignidade e importância: ‘... O Estado, se quer cumprir a sua finalidade, precisa subministrar recursos idôneos para conseguir a mais completa proteção dos direitos individuais’. Em suma, estatuídos os direitos fundamentais do indivíduo, na própria Constituição Federal estabelecem­ se, igualmente, as garantias que lhes correspondem, a fim de preservá­los e tutelá­los por meio de atuações judiciais tanto quanto possível rápidas, prontas e eficazes.

Visto como o leque de proteção da liberdade ultrapassa as fronteiras da Constituição

Federal, veremos a seguir os mecanismos de defesa desse direito de liberdade.

1.3 ELEMENTOS GARANTIDORES DOS PRINCÍPIOS

A Constituição prevê disposições pertinentes ao processo que são garantidas como

cláusulas pétreas, que não podem ser abolidas ou restringidas. Tais disposições, garantidoras

dos direitos de liberdade, têm aplicação imediata (art. 5°, §1°). “Tais direitos não podem ser

restringidos, a não ser que a restrição seja oriunda da própria Carta Magna” 38 . A interpretação,

nesse caso, deve ser de “maneira extensiva, resguardando­se, ao máximo, as liberdades da

pessoa” 39 .

A respeito do tema, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio

Magalhães Gomes Filho 40 manifestam­se acerca da Constituição da República e seus reflexos

no processo penal:

Constituindo a liberdade física do indivíduo um dos dogmas do Estado de Direito, é natural que a Constituição fixe certas regras fundamentais a respeito da prisão de qualquer natureza, pois a restrição ao direito de liberdade, em qualquer caso, é

Revista dos Tribunais, vol. 755/459, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 23/24. 38 SILVA FRANCO, Alberto e outros. Código Penal e sua Interpretação Jur isprudencial. 4ª e 5ª edições. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993 e 1995 respectivamente apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 24. 39 PEREIRA, Paulo Maurício “A lei dos Crimes Hediondos e a liberdade provisór ia”, in Revista dos Tribunais, vol. 671/287 apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 24. 40 FERNANDES, Antonio Scarance e outros. As nulidades no Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993. p. 227, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 30.

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medida extraordinária, cuja adoção deve estar sempre subordinada a parâmetros de legalidade estrita.

Assim, são direitos que pertencem à tutela da liberdade jurídica do cidadão, à

dignidade da pessoa humana, acompanhada de três garantias fundamentais, o da

desconsideração prévia de sua culpabilidade e presunção de inocência, da legalidade e do

duplo grau de jurisdição, eis que tocam diretamente à questão da prisão provisória e jamais

poderão ser restringidos, estando à frente de qualquer valor, como principal fato para se

fundamentar o processo penal, ou seja, são todos direitos que pertencem e tocam diretamente

à questão da prisão provisória 41 .

Atente­se para as palavras de Marcello Caetano 42 que considera que “o valor supremo

da sociedade política é a liberdade, consistindo a autoridade num sistema de restrições só

admissível na medida do estritamente indispensável à coexistência das liberdades

individuais”. Na mesma linha de raciocínio Antonio Luiz Chaves de Camargo 43 se manifesta

afirmando “que o postulado in dúbio pro libertatis inspira o Estado Democrático de Direito”. O que se entende é que o princípio favor libertatis durante o desenvolvimento do

processo encontra garantia na chamada presunção de inocência. A consagração deste

princípio se dá em diversos diplomas internacionais adotados por nossa Magna Carta. Como por exemplo, no artigo XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 14, 2 do

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no artigo 8º, 2, 1ª parte da Convenção

Americana sobre os Direitos Humanos ­ Pacto de San José da Costa Rica ­ e por fim em nossa

própria Constituição, que no inciso LVII do art. 5° diz que ninguém será considerado culpado

até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Portanto, deve essa presunção ser

defendida de forma adequada ampliando os direitos fundamentais garantidos, no sentido de

valorar os direitos humanos, recebendo o indivíduo um tratamento mais digno 44 .

É cediço que o acolhimento pelo Brasil dos referidos pactos, veio para benefício de

todos, especialmente àqueles envolvidos em um processo penal. Não há que se falar da

hipótese de não se estender a qualquer acusado que seja uma presunção legal de inocência, em

41 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 55. 42 CAETANO, Marcello. Direito Constitucional. 1977. p. 374/377, apud FRANCO, João Melo e MARTINS, Herlander Antunes. Dicionár io de Conceitos e Pr incípios Jur ídicos. Coimbra: Almedina, 1993. p. 399, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 58. 43 CAMARGO, Antonio Luiz Chaves de. Culpabilidade e Reprovação Penal. São Paulo: Sugestões Literárias, 1994. p. 36, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 58. 44 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 55/61.

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razão de sua própria natureza de norma constitucional, sendo a base do estado de direito na

persecução penal. A hipótese de esta presunção ser desconstituída só se dará quando formada

a coisa julgada, ou seja, proferida a condenação 45 .

O fato é que a presunção de inocência deve atingir sua finalidade imposta, sendo ela

um princípio constitucional. Deve ser dirigida não só ao legislador que elabora, a aplica

corretamente nas situações apresentadas, na busca de desempenhar frente às normas jurídicas,

o interesse social e impedir a violação das mesmas, mas também sobremaneira aos juristas e

juízes, pois são eles os operadores do direito, são eles os responsáveis pela decretação ou

manutenção de qualquer modalidade de prisão provisória, o que é possível quando presentes

os requisitos cautelares 46 . Fundamental, contudo, ter sempre em vista o princípio da presunção

de inocência.

Por isso “o direito à presunção de inocência afigura­se como uma pilastra de todo e

qualquer Estado Democrático de Direito 47 ”, pois este direito não se reveste apenas acerca da

culpabilidade do cidadão, como também, a maneira na qual ele é tratado durante o processo,

sua integridade física e psíquica, sua honra, humilhações, dentre outros. Este direito abrange

não só a questão do ônus da prova, como ainda, a inadmissibilidade de qualquer tratamento

preconceituoso em função da condição do acusado 48 .

Sendo assim, a persecução penal é uma garantia nos dada em consonância com as

normas processuais penais frente à estrita legalidade do direito, não sendo aceitável a hipótese

de medidas que afetem a ou dêem restrições à liberdade do cidadão se não tipificadas clara e

previamente nos textos legais. Entendimento semelhante teve o Tribunal Regional Federal da

2º Região 49 , que salientou:

I ­ O poder geral de cautela para imposição de restrições ao direito de locomoção somente pode ser admitido com o amparo no princípio da estrita legalidade, conforme assim o determinam princípios constitucionais, dentre outros o da legalidade, o da liberdade de locomoção e o da presunção de inocência (art. 5º, incisos II, XV e LVII, da Constituição Federal).

45 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 64/65. 46 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 66. 47 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 67. 48 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 67. 49 HC nº 1999.02.01.058420­4, rel. Desa. Maria Helena Cisne, j. 25.4.00, DJU 4.7.00, pág. 123, in Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 94, setembro de 2000, jurisprudência, pág. 480, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 70/71.

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1.4 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal

condenatória”, diz o artigo 5º, LVII da Constituição Federal. A nossa Constituição, não

presume a inocência, mas declara que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do

processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado 50 . Também

conhecido como princípio do estado de inocência ou da não­culpabilidade, este princípio tem

por objetivo dizer que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por

sentença condenatória, com trânsito em julgado, ou seja, impedir que o imputado, desde logo,

seja submetido a medidas cabíveis, destinadas em regra somente ao condenado 51 .

Como bem salienta Alexandre de Moraes, tal princípio, “aclama a presunção de

inocência e constitui uma garantia processual penal, sendo a base do Estado de Direito,

garantindo à tutela da liberdade pessoal” 52 . Mas em decorrência desta norma constitucional,

isso não significa que as prisões cautelares sejam ilegais, pois elas são necessárias em razão

da violência e de situações que surgem e obrigam a segregação do indivíduo que não atuou

em perfeita consonância com as regras do Estado de direito 53 .

As prisões processuais embora pareçam violadoras dos direitos e garantias individuais,

sendo que em alguns casos até mesmo parecem entrar em conflito com este princípio

constitucional, são na verdade um mal necessário. Um mal necessário de caráter cautelar. A

lei só admite a segregação cautelar se demonstrar a necessidade, justificar e fundamentar com

base na lei processual (que deve estar em consonância com todo o ordenamento

constitucional).

A presunção de inocência garante que o ônus da prova seja atribuído à acusação e não

à defesa e que o réu deve ser absolvido em caso de dúvida 54 .

Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci 55 :

As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual para quebrar tal regra, torna­se indispensável que o Estado­acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado­juiz a culpa do réu. Por outro lado, confirma a

50 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 43. 51 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 123/124. 52 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 123. 53 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 137. 54 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 137/138. 55 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 49/50.

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excepcionalidade e a necessidade das medidas cautelares de prisão, já que indivíduos inocentes somente podem ser levados ao cárcere quando realmente for útil à instrução e à ordem pública. Integra­se ao princípio da prevalência do interesse do réu (in dubio pro reo), garantindo que, em caso de dúvida, deve sempre prevalecer o estado de inocência, absolvendo­se o acusado.

Sendo assim, em decorrência deste princípio, cabe ao Estado comprovar a

culpabilidade do indivíduo, ou seja, ao acusador comprovar sua culpa, sendo que a restrição à

liberdade do acusado é medida que se impõe somente a título cautelar, dentro da necessidade

e conveniência, pois caso contrário estaria afrontando a Constituição, pois o juiz deve ter a

convicção que ele é responsável pelo delito, pois não se pode permitir a prisão de alguém

apenas por estar suspeito, na dúvida a respeito da sua culpa, dá­se a absolvição, ou no caso, a

liberdade provisória.

Desta maneira conclui Fernando Capez 56 :

O princípio da presunção de inocência desdobra­se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não­culpabilidade, invertendo­se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando­a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual.

Diante do disposto, vê­se claramente uma tendência à presunção ou estado de

inocência, no qual o acusado é inocente até que se tenha um equilíbrio jurisdicional, até que

haja a sentença condenatória, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais, pois não há

condenado, nem culpado, somente acusado. Que as medidas de restrição à liberdade devem

cumprir as exigências legais, o que não impede de se adotar as medidas cautelares pra que se

tenha a boa aplicação do direito e efetivação da norma no processo. Sendo assim, deve­se

prevalecer o benefício do réu, no caso de incertezas de um fato 57 .

Assim pode­se dizer que o princípio da presunção de inocência é a própria essência do

direito, é ele que reforça a excepcionalidade da prisão cautelar e exige primordialmente do

magistrado que realize amplo controle da legalidade dos atos lesivos a privação de liberdade

do indivíduo 58 .

56 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 39. 57 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 138/142. 58 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. 26 ed. ver., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 418/421.

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1.5 O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O princípio constitucional do devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV

da Constituição Federal, é o ápice do sistema de princípios e congrega todos os outros de

caráter processual. O seu fundamento é focalizado sob seu aspecto material e processual.

Materialmente, o princípio liga­se ao Direito Penal, que quer dizer, que ninguém deve ser

processado senão por crime previamente previstos e definidos em lei, constituindo assim, uma

autêntica garantia contra acusações infundadas do Estado. Processualmente, vincula­se ao

procedimento e à ampla possibilidade de o réu produzir provas, apresentar alegações,

demonstrar, enfim, ao juiz a sua inocência, bem como ao órgão acusatório, representando a

sociedade, de convencer o magistrado, pelos meios legais, da legitimidade da sua pretensão

punitiva 59 . Ademais, no tocante ao processo, significa que todos os passos do Estado­acusação

devem ser dados nos estritos e bem delimitados termos da lei.

O princípio do devido processo legal vem assegurado no art. XI, nº. 1, da Declaração

Universal dos Direitos do Homem 60 , que garante:

Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

A Constituição Federal de 1988 mencionou expressamente o devido processo legal no

inciso LIV do art. 5º: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”. Além de fazer referência explícita à privação de bens como matéria a

beneficiar­se também dos princípios próprios do direito processual penal, esse devido

processo legal encerra as garantias do réu com exigência de um procedimento regular,

contraditório, ampla defesa, da representação por advogado, de permanecer calado (“direito

ao silêncio”), sendo­lhe assegurada à assistência da família, etc. 61 .

Alexandre de Moraes 62 , ao formular orientações sobre tal princípio não poderia ser

mais categórico:

59 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 49/50. 60 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 116. 61 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 116. 62 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 116.

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O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal ao assegurar­lhe paridade total de condições com o Estado­persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).

A concepção do devido processo legal é conceder ao indivíduo o direito ao

contraditório e à ampla defesa, isto é, permitir uma maior proteção do indivíduo frente ao

Estado, é uma exigência constitucional, tendo todo o cidadão, direito a um processo justo e

devido 63 .

1.6 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Considerado o alicerce do Estado democrático de direito, que é o Estado no qual

impera a lei, por este princípio temos que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de

fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Somente a lei pode dizer o que é crime e qual a

pena a ser aplicada. Tal princípio, a rigor, visa a combater o poder arbitrário e se liga ao

conceito de lei manifesto na Declaração de 1789 frente à Revolução Francesa 64 . Este princípio

se consagrou no Brasil em 1824, estando – no que diz respeito especificamente ao âmbito

penal – devidamente estampado no artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal de 1988 65 .

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo­se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

O fundamento da legalidade se limita ao fato de só à lei criar obrigação para o

indivíduo, o que no plano penal e processual penal equivale a dizer que não há crime sem lei

anterior que assim o defina. Dessa forma, “somente a lei pode dizer o que é crime e qual a

pena a ser aplicada” 66 . Por este princípio qualquer indivíduo só pratica uma conduta tida como

63 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 116/117. 64 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Cur so de Direito Constitucional. 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 282. 65 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito Penal na Constituição. Luiz Vicente Cernicchiaro, Paulo José da Costa Jr. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 13/14. 66 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal br asileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 35/36.

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crime, se a mesma, anteriormente à data da prática, estiver expressamente tipificada em lei, ou

seja, somente não é lícito, aquilo que a lei proíbe 67 .

Esse princípio veio com o intuito de estabelecer regras válidas e permanentes ao

cidadão e faz do Estado um mero instrumento de garantia dos chamados direitos do homem.

No Brasil, o texto vigente consagra a liberdade como direito inviolável, que tem como

conseqüência o princípio da legalidade, sendo assim, é de sustentar que entre nós, por força de

normas constitucionais, não há crime e não há pena sem lei prévia, atual e certa 68 .

Dessa forma este princípio tem o objetivo de impedir que o Executivo e o Judiciário

possam agir de forma arbitrária e os restringe a declarar a extensão da lei, constituindo efetiva

limitação do poder estatal 69 . Segundo a precisa lição de Nilo Batista 70 , é um princípio que

“além de assegurar a possibilidade do prévio conhecimento dos crimes e das penas, o

princípio garante que o cidadão não será submetido à coerção penal distinta daquela

predisposta em lei”, ou seja, em respeito aos direitos dos cidadãos, na busca de um sistema

penal em conformidade com o direito.

Essa, pois, a primeira face do princípio da legalidade: não há crime sem lei anterior

que o defina. Contudo, não basta a existência da lei. Trata­se, sem dúvidas, de um primeiro e

importante passo, mas insuficiente. No âmbito específico do direito penal e processual penal,

a legalidade deve ser entendida como estrita legalidade, o que vai significar que para além da vedação de responsabilização de condutas que não estavam previamente tipificadas, veda­se

também a existência de tipos penais abertos, ou tipos que trabalhem com zonas de incerteza punitiva, no conceito de Sandro César Sell 71 .

Há muitos dispositivos que tem o diapasão de fazer produzir essas zonas cinzentas.

Podemos citar como exemplo, o artigo 233 do Código Penal, no qual prevê detenção àquele

que praticar ato obsceno em lugar público. Para Giuseppe Maggiore 72 , “ato obsceno

representa a conduta positiva do agente, com conteúdo sexual, atentatório ao pudor público,

que suscita repugnância”, tem­se a certeza positiva que ao praticasse o ato é crime, entretanto

67 LUISI, Luiz. Os Pr incípios Constitucionais Penais. Sérgio Antonio fabris Editor. Porto Alegre: Sete Mares Editora. 1991. p. 14/15. 68 LUISI, Luiz. Os Pr incípios Constitucionais Penais. Sérgio Antonio fabris Editor. Porto Alegre: Sete Mares Editora. 1991. p. 14/15 e 23/25. 69 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito Penal na Constituição. Luiz Vicente Cernicchiaro, Paulo José da Costa Jr. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 37. 70 BATISTA, Nilo. Intr odução cr ítica ao Direito Penal brasileir o. 9. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004. p. 67 71 SELL, Sandro César. Zonas de incertezas punitiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1210, 24 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9079. Acesso em: 25 out. 2006. 72 MAGGIORE, Giuseppe. Diritto Penale. Bologna: Nicola Zanichelli Ed.,1995, apud SELL, Sandro César. Zonas de incertezas punitiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1210, 24 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9079. Acesso em: 25 out. 2006.

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tal explicação, não permite nenhuma garantia absoluta jurídica, podendo ser também um beijo

ardente, um topless, estando esta resolução, nas mãos da sociedade, no que ela considerar e

interpretar as conseqüências para o ato. “Na caracterização de um ato enquanto obsceno um

juízo de valor a de ser feito. A obscenidade de um ato depende do que se entenda por pudor

público” 73 .

Ao lado deste raciocínio cabe o conceito de Plácido e Silva salientando que pudor

público é “o decoro público ou sentimento coletivo a respeito da honestidade e decência dos

atos, que se fundam na moral nos bons costumes. Ofender o pudor público, assim, é praticar

atos que ofendam os bons costumes e a moral pública” 74 . Entretanto a dúvida permanece ao

restringir­se ao fato de saber o que é decoro público, decência e moral, tendo a necessidade de

exercer um juízo de valor, acerca do que é lesivo ou não, ou seja, se classifica na zona de

certeza negativa 75 . Isso implica ressaltar, que a lei penal acompanhada do seu basilar princípio

da legalidade vedam qualquer determinação, que não seja contundente ao caso concreto, bem

como, ao poder judiciário que as interpreta e as elabora, devendo­o fazer de forma objetiva e

concreta, para que não haja nenhuma possibilidade de outro entendimento 76 , almejando um

sistema coerente, sem tratamentos diferenciados.

Nesses termos, conforme os ditames constitucionais atinentes à prisão preventiva, são

esses princípios abordados acima que evidenciam a cautelaridade, com a finalidade de

garantir o bom desempenho do processo. São eles que integram o ordenamento jurídico, no

sentido de dar interpretação, fazer a tradução e configuração da linguagem normativa da lei

em todo sistema penal e processual. Dessa análise, passaremos, sobretudo a abordar a prisão

preventiva à luz da teoria da necessidade cautelar, verificando como tem se posicionado o

ordenamento jurídico e os seus operados.

73 SELL, Sandro César. Zonas de incertezas punitiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1210, 24 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9079. Acesso em: 25 out. 2006. 74 SILVA, De Plácido e. Vocabulár io Jur ídico. Rio de Janeiro: Forense, 1980, apud SELL, Sandro César. Zonas de incertezas punitiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1210, 24 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9079. Acesso em: 25 out. 2006. 75 SELL, Sandro César. Zonas de incertezas punitiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1210, 24 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9079. Acesso em: 25 out. 2006. 76 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 23/24.

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2 DA PRISÃO PREVENTIVA

No primeiro capítulo procurou­se dar uma visão geral sobre as garantias processuais

penais inseridas na Constituição, bem como, a sua proclamação e consagração acerca da

evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana ocorridos com a chegada da

Constituição Federal de 1988 que se manifesta através do Estado de Direito. Analisou­se a

importância dos princípios constitucionais informadores do processo penal, no que concerne à

real aplicação dos dispositivos penais do Direito Processual Penal (sua interpretação) frente à

proteção dada constitucionalmente, cujo destaque desses direitos se faz presente na forma de

qualidade de vida aos cidadãos, sua igualdade perante a lei, seguido da importância da

dignidade da pessoa humana que conseqüentemente é orientado pelo princípio da presunção

de inocência (artigo 5º, LVII, da Constituição Federal) e pelos instrumentos internacionais de

proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil. Como visto, tratou dos Pactos e

Convenções acolhidos por nossa Constituição Federal, que nos asseguram normas e

exigências nelas contidas, ampliando ainda mais a interpretação constitucional e ocasionando

uma mudança nas interpretações dos operadores do Direito, o que é de grande valia ao

processo penal a fim de garantir a liberdade do acusado.

Nessa esteira, caminha de um lado o processo penal na busca do equilíbrio entre a

proteção dos direitos e liberdades da pessoa, e a criação de instrumentos legais para que

cumpra o Estado sua função de prestar a jurisdição 77 . No que tange à expressão liberdade ser a

regra e a prisão a exceção, sendo está ultima, uma medida extrema somente decretada no

curso do inquérito policial ou da instrução criminal, isto é, antes da condenação definitiva, se

vai à busca da razão dentro das hipóteses previstas de utilização no âmbito penal, da referida

cautelaridade prevista em nosso ordenamento jurídico para decretação desta medida odiosa na

modalidade de prisão preventiva. Sendo a partir daqui analisada, demonstrada a sua real

necessidade, o que ela representa em nosso ordenamento jurídico, quanto a sua adequação aos

direitos consagrados na Constituição e nas convenções. Aclarar se essa medida odiosa

disposta no Código de Processo Penal e irregularmente aplicada notadamente em nossa

sociedade, encontra reconhecimento dos operadores de direito e também da Constituição

Federal.

77 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 05/06.

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2.1 A PRISÃO EM SEU CARÁTER CAUTELAR

Uma primeira e fundamental afirmação é de que todas as modalidades de prisões

provisórias, prisões sem pena, previstas e admissíveis em nosso ordenamento, são medidas de

caráter cautelar, razão pela qual a cautelaridade deve ser aqui esclarecida e considerada, em

seguida, como um dos mecanismos de avaliação da prisão preventiva.

Assim, entendemos ser as providências cautelares, uma exceção, uma medida

reconhecida pela sua imprescindibilidade. A cautelaridade está compreendida entre o processo

de conhecimento e o de execução, período destinado a garantir sua eficácia, submetido com o

intuito de se evitar prejuízos irreparáveis, exposto ao lapso temporal dos atos processuais.

Desta forma temos a tutela cautelar como instrumento que busca resguardar o processo, a fim

de garantir o provimento jurisdicional 78 . A cautelaridade teve sua origem na Constituição

Federal que prevê em seu artigo 5º, XXXV, a garantia de que toda ameaça ou lesão a direito

pode ser combatida pelo Poder Judiciário, dispondo o judiciário de mecanismos, isto é, as

medidas cautelares para que sua atuação no cumprimento das tarefas seja eficaz. Sendo o juiz

seu titular de direito, esta medida cautelar o permite tomar decisões mesmo quando não

tenham sido requeridas 79 . No dizer de Luiz Rodrigues Wambier: “A medida cautelar é a

providência jurisdicional protetiva de um bem envolvido no processo” 80 . Para o processo

penal poderíamos reformular: “protetiva do próprio processo”. A tutela cautelar é

imprescindível em muitos casos à prestação jurisdicional do Estado, ou seja, a eficácia no

processo de conhecimento e no de execução, como medida asseguradora e para auto defesa do

ordenamento jurídico, sendo reconhecida nas doutrinas e jurisprudências, em razão da sua

aplicação 81 .

A eficácia do provimento cautelar tutelando uma situação de emergência é uma

medida que perdura pouco no tempo, ou melhor, é de caráter provisório 82 na busca da

preservação do equilíbrio das partes no processo, até alcançar a prestação jurisdicional

78 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Preventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 23. 79 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais / e ALMEIDA Flávio Renato Correia de, TALAMINI Eduardo. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 3, 2006. p. 40. 80 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 39. 81 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Preventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 23. 82 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais / e ALMEIDA Flávio Renato Correia de, TALAMINI Eduardo. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 3, 2006. p. 36.

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definitiva 83 . As medidas cautelares se associam na busca da preservação da efetividade do

processo, com o fim de evitar o dano jurídico ocasionados pelo lapso temporal do processo

principal, ou seja, a preservação dos litigantes no caso de perigo e de provável direito visível,

decorrente da demora 84 . Assinala Francesco Carnelutti 85 que a “finalidade das medidas

cautelares é manter o ‘equilíbrio inicial das partes’ no processo judicial”, que tem como

conseqüência o fim colimado pela jurisdição, ou seja, a realização de um dos objetivos da

cautelaridade, que é a prevenção 86 .

A pretensão cautelar é uma forma de proteção jurisdicional conhecida como tutela

preventiva, que serve para dar proteção ao direito subjetivo e a outros inerentes pela ordem

jurídica considerados legítimos, isto é, proteger igualmente o direito pretendido, as exceções e

ações nas quais o titular do direito os reconhecer, diante da justificável situação de ameaça e

dano irreparável. Pois estando o direito exposto a situação de dano iminente, esta será a

justificativa da tutela cautelar, por seu caráter de urgência. Devendo o Estado preservar a

incolumidade do direito ameaçado e conceder a proteção imediata, existindo a probabilidade

de dano iminente 87 .

As medidas cautelares possuem características próprias e específicas de sua natureza,

que fazem definir o seu perfil. É a possibilidade de se pleitear uma providência preventiva ao

seu provável direito de proteção, desde que demonstrado fumus boni iuris e periculum in mora 88 . O direito para ser concretizado deve ter sua realização concreta e objetiva no âmbito das relações humanas, e a tutela cautelar é esse instrumento eficaz planejado para este fim,

tornar o direito existente 89 .

De acordo com os ensinamentos de Eurico Tullio Liebman, lembrado por Cândido

Rangel Dinamarco 90 :

83 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Preventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 23. 84 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Preventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 24. 85 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di Dir itto Processuale Civile. Padova: Cedam, 1936 apud THEODORO JR., Humberto. Processo Cautelar . 4 ed. São Paulo: Leud, 1980. p. 53. 86 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Preventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 24/25. 87 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil – Processo Cautelar (tutela de urgência). 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 17/18. 88 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais / e ALMEIDA Flávio Renato Correia de, TALAMINI Eduardo. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 3, 2006. p. 41. 89 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil – Processo Cautelar (tutela de urgência). 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 38. 90 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo, RT, 1986. p. 36, apud SILVA, Ovídio A. Baptista da. Cur so de Processo Civil – Processo Cautelar (tutela de urgência). 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 43.

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Naturalmente, só tem direito à tutela jurisdicional aquele que tem razão, não quem ostenta um direito inexistente. Ora, sabido como é que a tutela cautelar é outorgada não a quem tenha razão, mas apenas a quem alegue uma probabilidade de ter razão, a solução encontrada pela doutrina é fazer a tutela cautelar necessariamente dependente do chamado processo principal, no qual o julgador confirmará a proteção dada àquele que houver demonstrado ter razão, retirando­a de quem a obtivera inicialmente no caso de o julgador declará­lo sem razão.

Sendo assim, a tutela cautelar protege o processo, de modo a demonstrar a seriedade

do poder do Estado e a eficiência da função jurisdicional. É proteger o bem jurídico, para

evitar conseqüências indesejáveis do ponto de vista processual. Trata­se a cautelaridade de

um processo em que, com base na verificação de que há fumus boni iuris e periculum in mora, tem a finalidade de evitar a ineficácia do processo principal, ou seja, essa preservação do

processo para que se identifique o interesse ameaçado e a natureza desse interesse que se diz

estar de acordo com a lei 91 .

No entendimento de Ovídio A. Baptista da Silva 92 :

O pressuposto da existência, no caso concreto, de uma situação cautelanda acaba sendo o divisor de águas entre a doutrina que tem as medidas cautelares como destinadas a servir ao processo e aquela por nós aceita, que atribui a essas medidas a finalidade de defender não o processo, mas o direito (provável) da parte que as pede.

O provimento cautelar é destinado aos efeitos do periculum in mora, independente do mérito do processo principal. A medida cautelar procura alcançar o fim colimado, o que

indica Antonio Alberto Machado: “assegurar a plena realização e eficácia mesma dos

processos cognitivos e executórios”. Além da instrumentalidade, admite­se também a

provisoriedade e revogabilidade das tutelas cautelares, ou seja, durante o desenvolvimento do

processo de conhecimento, na busca da preservação e interesse das partes, necessariamente a

função cautelar será provisória no tocante à prestação jurisdicional definitiva. Tal medida não

faz coisa julgada, podendo a qualquer tempo, ser revogada ou modificada, a partir do

momento que se verificar não mais existir as circunstâncias que a decretaram 93 .

91 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais / e ALMEIDA Flávio Renato Correia de, TALAMINI Eduardo. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 3, 2006. p. 34/35. 92 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil – Processo Cautelar (tutela de urgência). 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 52. 93 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Preventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 25/26.

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No entanto devemos compreender os requisitos específicos dessas medidas cautelares,

ou seja, o fumus boni iuris e periculum in mora. O fumus boni iuris conhecido também como fumaça do bom direito é o juízo de probabilidade, ou de verossimilhança, do cometimento do

delito. Ensina Fernando da Costa Tourinho Filho, “É a existência plausível ante a necessidade

atual e concreta de remover o temor de um dano jurídico” 94 . Consiste em se formular um juízo

de probabilidade, acerca da existência do direito afirmado, a fim de se evitar o perigo

iminente, por assim dizer, evitar conseqüências de difícil reparação. O periculum in mora diz respeito à ineficácia que venha ter o processo principal face à demora do direito invocado 95 ,

“se traduz, no perigo de que o imputado, em liberdade, oculte a verdade dos fatos ou

determine a inaplicabilidade da lei penal”, como bem disse Vélez Mariconde 96 , ou seja, um

provável do dano, gerado em face do acusado querer obstaculizar a averiguação da verdade.

Tudo o que foi exposto acima é condição primeira de compreensão da prisão

preventiva, vale dizer, indispensável que, além dos princípios processuais penais de natureza

constitucional vistos no capítulo primeiro, tenha o julgador sempre em mente o caráter de

provimento cautelar destinado a assegurar o bom andamento do processo que possui esse tipo

de prisão.

2.2 PRISÃO PREVENTIVA

Após algumas alterações legislativas, a prisão preventiva está hoje disciplinada

fundamentalmente no artigo 312 do Código de Processo Penal, sendo considerada em nosso

ordenamento jurídico a principal modalidade de prisão cautelar. Todavia, mesmo estando ela

inserida em nosso Estado Democrático de Direito, a mencionada prisão, não é considerada

muito adequada ao nosso regramento, eis que a liberdade é a regra 97 .

Sobretudo, para a decretação desse tipo de prisão cautelar, exigem­se pressupostos e

requisitos legais que a autorizam, isto é, uma análise ampla da sua expressão, apresentando

94 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509. 95 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Preventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 27. 96 MARICONDE, Vélez. Estudios de der echo procesal, Córdoba, Ed. Universidad de Córdoba. 1956, t. II, p. 249, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509. 97 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 161/163.

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assim, a justificação com as mais diversas fundamentações para se determinar a custódia

antecipadamente antes do trânsito em julgado da sentença 98 .

No que concerne a sua decretação, muitos autores a consideram absurda, pois que fere

as normas, o bom senso, a liberdade física 99 , ou ainda, “um abuso, tolerado com indisfarçável

repugnância” 100 . Contudo, hoje ela é admitida como um mal necessário, ainda assim, é preciso

ter sempre em mente que o acusado é presumido inocente até sua situação de condenado se

efetivar, devendo­se reduzir o emprego desta prisão preventiva somente ao estritamente

necessário, sendo considerada uma medida de exceção cabível somente em situações

extremas, devendo a liberdade prevalecer. Nesse diapasão está a opinião de Dyrceu Aguiar

Dias Cintra Júnior 101 : “Desta forma, os motivos ensejadores da custódia cautelar previstos no

artigo 312 do Código de Processo penal devem ser analisados sob interpretação restritiva, em

que prepondera, sempre, o interesse do homem à liberdade”.

2.2.1 ESPECIFICIDADES DA PRISÃO PREVENTIVA

A prisão provisória de natureza cautelar ou processual é uma espécie de medida

provisória, e a prisão preventiva é espécie do gênero de natureza tipicamente cautelar. É

aquela modalidade de prisão cautelar que recai sobre o indivíduo, restringindo sua liberdade

mesmo antes da sentença definitiva, de caráter excepcional, portanto. Tem como objetivo

resguardar o processo de conhecimento, decretada e analisada exclusivamente pelo juiz, em

qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, que se caracteriza com os

requisitos imprescindíveis para determinar a prisão preventiva estabelecidos no caput do artigo 312 do Código de Processo Penal sendo adotada no seu caráter de urgência e

necessidade 102 . Nesse sentido, Arturo J. Zavaleta 103 a define:

Como uma medida precautória de índole pessoal, criando para o indivíduo sobre o qual recai um estado mais ou menos permanente de privação de liberdade,

98 MIRABETE. Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 2003. p.380. 99 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Pr azo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 163. 100 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 163. 101 CINTRA JÚNIOR, Dyrceu Aguiar Dias. Pr isões Cautelar es ­ o uso e o abuso, in Revista dos Tribunais, vol. 703/263, maio de 1994, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 163. 102 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. 26 ed. ver., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 423/424. 103 ZAVALETA, Arturo J. La Pr isión Pr eventiva y La Liber tad Provisór ia. Buenos Aires: Editora Arayú, 1954. p. 74, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 494.

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suportada em estabelecimento adequado, e que é decretada pelo juiz competente no curso de uma causa, contra o imputado, com o único objetivo de assegurar sua presença em juízo e garantir a eventual execução da pena.

Nesta modalidade de prisão, o que se tutela é o processo e não o direito material

discutido no processo, que é objeto do processo de conhecimento. Assim, a prisão preventiva

tem a função de instrumento, isto é, o de solver o caso penal, para que assim se alcance o fim

desejado pelo processo de conhecimento 104 .

A prisão preventiva stricto sensu, hoje está prevista e regulada pelo Código de Processo Penal, nos artigos 311 a 316. Embora a Constituição Federal disponha a norma do

direito à liberdade, o acusado é cerceado antes mesmo de sua condenação, ou seja, havendo

prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (fumus boni iuris), em consonância com um dos fundamentos que a autorizam, isto é, garantia de ordem pública,

econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal

(periculum in mora) 105 . Por estas razões manifesta o jurista Arturo J. Zavaleta 106 : “Como se explica então que a justiça, por meio de prisão preventiva, aprisione um inocente antes de

declará­lo culpado em uma sentença definitiva? Não parece ilegítimo semelhante proceder? E

se não é, a que título se faz?”. Arturo J. Zavaleta mesmo justifica: “É a necessidade, portanto,

o que justifica o direito da sociedade de impor a prisão preventiva ao indivíduo a quem se

atribui o cometimento de um fato delituoso”.

Aqui convém dizer que, essa cautelaridade penal não só se relaciona ao poder geral de

cautela do juiz em determinar tal medida, mas sim, ao princípio da legalidade 107 , bem como, a

alegada e comprovada necessidade que justifica a prisão preventiva, seja como medida de

segurança de natureza processual, seja para garantir eventual execução da pena, seja pra

preservar a ordem pública, seja por conveniência da instrução criminal 108 , está subordinada,

como toda medida de caráter cautelar, à análise de dois requisitos: o fumus boni iuris e o periculum in mora 109 .

104 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 557. 105 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 501 e 507/508. 106 ZAVALETA, Arturo J. La Pr isión Pr eventiva y La Liber tad Provisór ia. Buenos Aires: Editora Arayú, 1954. p. 110, apud RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 587/588. 107 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 54. 108 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 493. 109 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 588.

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Em face do exposto, a prisão preventiva é uma espécie de prisão provisória, que

antecipadamente priva a liberdade do acusado, sendo só admissível em casos de extrema

necessidade, decretada através do despacho fundamentado pelo juiz antes da condenação

definitiva 110 . Na lição de Flamand 111 , “é uma dessas dolorosas necessidades sociais, perante as

quais somos forçados a nos inclinar”. É medida drástica, porém necessária ao Estado 112 , que

tem por objetivo a eficácia do futuro provimento jurisdicional, o qual poderia ser

comprometido e até se tornar inútil em determinadas hipóteses, se o acusado do crime fosse

deixado em liberdade 113 . Apesar de expor o direito à liberdade do cidadão, esta prisão reveste­

se do caráter de excepcionalidade e só poderá ser decretada pelo juiz, dentro daquele mínimo

indispensável, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, podendo fazê­

lo também de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou ainda

mediante representação da autoridade policial (artigo 311 114 do Código de Processo Penal), só

em casos excepcionais e ainda submetidos aos pressupostos e condições de admissibilidade,

evitando uma punição injusta sem ofensa ao direito à liberdade que tanto o Estado tutela e

ampara 115 .

2.2.2 OS PRESSUPOSTOS PARA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

É indispensável para a decretação da prisão preventiva, conforme expresso na redação

do artigo 312 do Código de Processo Penal, tendo em conta o rigoroso princípio da legalidade

proclamado em nosso Dogma de Fé, a existência de dois pressupostos específicos: fumus boni iuris e o periculum in mora. Indispensável o dever de demonstrar que se o réu permanecer em liberdade há risco para o processo, bem como, que há prova da existência do delito e, ainda,

fortes indícios de autoria 116 .

110 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 228 e 232/233. 111 FLAMAND. Étude. Paris, 1877. p. 265, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 494. 112 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 501. 113 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 501. 114 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 29 de abr. 2007. 115 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 501. 116 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 561.

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O fumus boni iuris é caracterizado pela fumaça do bom direito, da certeza do

cometimento do crime 117 . Traduz­se na probabilidade de o réu ser condenado, diante da

existência do crime e indícios suficientes de autoria 118 . “A medida se autoriza quando há

prova da existência material da infração e quando os indícios apontem, seriamente, o

inculpado como seu autor”, como bem salienta Espínola Filho 119 .

Já o periculum in mora indica o risco que a liberdade do acusado pode representar, durante o tempo necessário para que se desenrole a prestação jurisdicional e que seja possível

a eficácia do futuro provimento jurisdicional que se pleiteia 120 , visto, “tratar­se da

probabilidade de uma lesão ou de um dano” 121 . Esse pressuposto se justifica como medida de

extrema necessidade e urgência 122 .

O artigo 312 do Código de Processo Penal estabelece os pressupostos imprescindíveis

para decretar a prisão preventiva e impõe os seguintes termos:

A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

As expressões garantia de ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da

instrução e para assegurar a aplicação da lei penal, são considerados os fundamentos

específicos da prisão preventiva e estão situados na primeira parte do artigo 312 do Código de

Processo Penal constituindo o chamado periculum in mora. O fumus boni iuris representado pela expressão prova da existência do crime e indício suficiente de autoria está presente na

parte final do artigo 312 do Código e representa o pressuposto para a decretação da

custódia 123 .

O juiz poderá decretar a prisão preventiva sempre que existir prova da existência do

crime, no que se referem à materialidade do ilícito penal, documentos, prova testemunhal,

corpo de delito, sempre que dispor de um elemento perceptivo que comprove a probabilidade

117 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 561. 118 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 561. 119 ESPÍNOLA. Filho. Comentár ios. v. 3, p,. 370, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 501. 120 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 560/561. 121 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 561. 122 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 561. 123 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 560/561.

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do réu ter praticado uma conduta típica e ilícita 124 . Entretanto, a compreensão deste

pressuposto depende da associação do pressuposto relativo ao indício suficiente de autoria, ou

seja, refere­se a algo que leve a deduzir a ocorrência do delito, isto é, “que se demonstre a

probabilidade do réu ou indiciado ter sido o autor do fato delituoso” 125 , pois, embora não seja

necessária a prova precisa da autoria, indispensável que se demonstre a convicção desses

indícios 126 . Ou melhor, é indispensável que se demonstre essa probabilidade 127 , eis que a

expressão indícios suficientes de autoria “significa probabilidade certa da autoria e não

simples possibilidade” 128 . No que se refere ao significado da expressão indício suficiente,

Frederico Marques explica, ser a “probabilidade suficiente e não a de simples possibilidade de

autoria” 129 , “devem ser tais que gerem a convicção de que foi o acusado o autor da infração,

embora não haja certeza disto. No entanto eles devem ser suficientes para tranqüilizar a

consciência do juiz” 130 .

A prisão preventiva subordina­se a esses dois pressupostos fundamentais: a prova da

existência do crime, o que deve estar devidamente demonstrada, no processo ou no inquérito

policial, quanto à ocorrência do fato delituoso tipificado na lei penal e ainda, a circunstância

de indícios suficientes de autoria, que tendo relação com o fato, se traduz na convicção da

existência de um crime com a mera probabilidade 131 . Daí que, como nos alerta Tourinho

Filho: “Sem a coexistência dos dois elementos contidos no inciso legal: [...], a prisão

preventiva incide em constrangimento ilegal” 132 .

124 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 135. 125 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 230. 126 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 508. 127 BARROS, ROMEU Pires de Campos. Processo penal cautelar . Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 194, apud FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 136. 128 BARROS, ROMEU Pires de Campos. Processo penal cautelar . Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 194, apud FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 136/137. 129 MARQUES, Frederico. Estudos de direito processual penal em homenagem a Nélson Hungria. P. 129, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 502. 130 ROSA, Inocêncio Borges da. Processo Penal Br asileir o. Porto Alegre: Globo, 1942, vol. II. p. 281, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 502. 131 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 55/57. 132 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 501/502.

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Entretanto, não bastam os dois pressupostos que constituem o fumus boni iuris para ser

possível a decretação da prisão preventiva, é necessária a junção deles a uma das quatro

circunstâncias, previstas na primeira parte do artigo 312 do Código de Processo Penal, que

quando presentes servem para justificar a medida cautelar: garantia de ordem pública, da

ordem econômica, por conveniência da instrução e para assegurar a aplicação da lei penal, o

chamado periculum in mora.

2.2.3 CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE

A prisão preventiva pode ser decretada somente nas condições de admissibilidade que

se refere o artigo 313 133 do Código de Processo Penal, quando presentes os pressupostos e

fundamentos que a autorizam, inseridos nos artigos 311 134 e 312 135 do Código de Processo

Penal. De acordo com o dispositivo, somente será admissível a prisão, nos crimes dolosos

punidos com detenção (artigo 313, inciso I 136 do Código de Processo Penal) e cabíveis nos

punidos com detenção nas hipóteses previstas no artigo 313, incisos II 137 e III 138 do Código de

Processo Penal. Nesse prisma, acrescenta 139 Júlio Fabbrini Mirabete que somente a medida

excepcional é permitida aos delitos dolosos punidos com reclusão; nos crimes punidos com

detenção quando o réu for vadio ou que frustra a sua identificação; e nos crimes punidos com

qualquer pena privativa de liberdade quando se tratar de criminoso reincidente, aquele que

torna a cometer outro crime doloso se condenado.

Portanto não é admissível a prisão preventiva nos crimes culposos, bem como, nos

dolosos punidos com detenção, a rigor ela se aplica a crimes graves 140 . A decretação da

medida extrema no que tange o crime doloso, punidos com reclusão, somente cabe aos delitos

133 Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: 134 Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial. 135 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 136 Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: I ­ punidos com reclusão; 137 Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: II ­ punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê­la; 138 Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: III ­ se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal. 139 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 383. 140 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 517.

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sujeitos a gravidade, ou seja, nos crimes de furto, estelionato, estupro, roubo, apropriação

indébita 141 . No que se refere aos crimes dolosos punidos com detenção, é admissível a

decretação da preventiva quando se apurar que o réu é vadio e insiste na ociosidade, conturba

a instrução criminal ou ainda não quer fornecer ou identificar­se 142 .

Temos ainda, a possibilidade da prisão no caso de reincidência em crime doloso, no

qual o condenado torna a cometer outro crime doloso. Antes condenado por crime doloso,

torna a praticar crime igualmente doloso ou de natureza diversa 143 . Cabe ressaltar sobre o

parágrafo único do artigo 46 do Código de Processo Penal, mencionado no artigo 313, inciso

III do Código de Processo Penal, que hoje está disposto no artigo 64, do Código Penal, que se

refere “para o efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior, se entre a data do

cumprimento ou extinção da pena e a prática do novo crime houver decorrido período

superior a cinco anos” 144 .

Diante disso, devido ao seu caráter excepcional, essa medida de coerção só é

admissível se analisada em primeiro lugar o artigo 313 do Código de Processo Penal, e

observar se a lei permite; em segundo lugar analisar se há prova da existência do crime e

indícios suficientes de autoria, o chamado fumus boni iuris que está recepcionado na parte final do artigo 312 145 do Código de Processo Penal; e por fim, a presença de apenas uma das

hipóteses estabelecidas na primeira parte do artigo 312 do Código de processo Penal, se há o periculum in mora. Ou seja, deverá ser analisada com a junção desses três elementos mencionados devidamente fundamentada pelo juiz.

2.3 FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA

Por disposição expressa no Código de Processo Penal “o despacho que decretar ou

denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado” o que reza o artigo 315 146 . Trata­se

141 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 517. 142 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 588. 143 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 518. 144 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 589. 145 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 146 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 29 de abr. 2007.

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da obrigação do juiz, aliás, também determinada na Constituição Federal em seu artigo 5º,

LXI, ao decretar a medida cautelar, deverá estabelecer a exposição fundada em dados

concretos, não bastando apenas sua alusão genericamente ou ainda cópia da lei. Exige­se que

a autoridade ao decretar ou denegar a carceragem, explique “em seu despacho se estão

presentes os pressupostos da medida e qual o fundamento que a autoriza. Exige­se uma

fundamentação que não diga respeito a meras suposições” 147 . A autoridade deverá declarar os

fatos que fundam a decisão, expondo as razões da conveniência da cautela restritiva de

liberdade 148 .

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido rigorosa contra expedientes

do gênero:

“HABEAS CORPUS” ­ CRIME HEDIONDO – PRISÃO PREVENTIVA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA IDÔNEA – INVOCAÇÃO DE CLAMOR PÚBLICO – INADMISSIBILIDADE ­ FUGA DO RÉU – FUNDAMENTO INSUFICIENTE QUE, POR SI SÓ, NÃO AUTORIZA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR – CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO ­ PEDIDO DEFERIDO. A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE NATUREZA EXCEPCIONAL. ­ A privação cautelar da liberdade individual reveste­se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade. A prisão preventiva, para legitimar­se em face de nosso sistema jurídico, impõe ­ além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) ­ que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu 149 .

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE DO CRIME. COMOÇÃO SOCIAL. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está sedimentada no sentido de que a alusão à gravidade em abstrato do crime e à comoção social não é suficiente para a decretação da prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública. Ordem concedida.

“Os fundamentos do decreto de prisão, mantidos na sentença de pronúncia, são vagos. O Juiz, no decreto originário, alude às hipóteses legais da prisão cautelar por conveniência da instrução criminal e para garantia da aplicação da lei penal, sem contudo apontar elementos concretos que justificassem a medida extrema, em clara afronta ao entendimento pacificado nesta Corte” 150 .

147 MIRABETE. Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 2003. p.822. 148 MIRABETE. Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 2003. p.822. 149 STF, HC 89.501 GO, 2ª T., rel. Celso de Mello, julgado em 12.12.2006. DJ 16.03.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 150 STF, HC 90.146 GO, 2ª T., rel. Eros Grau, julgado em 06.02.2007. DJ 09.03.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007.

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Essas asserções permitem compreender como o Supremo Tribunal Federal tem

examinado com rigor os fundamentos que decretam a medida cautelar, a fim de impedir a

permanência dessa excepcional custódia cautelar.

Logo, a autoridade competente deverá demonstrar juntamente com o mínimo de

requisitos que pressupõe a prisão, as hipóteses que conduzem à necessidade. “É preciso a

indicação de dados dos quais se possa deduzir legitimamente a necessidade da medida” 151 .

Segundo Hélio Tornaghi a fundamentação do despacho:

Não basta de maneira alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei e ilude as garantias da liberdade, o fato de o Juiz dizer apenas ‘considerando­se que a prisão é necessária para a garantia da ordem pública ...’ ou então: ‘as provas dos autos revelam que a prisão é conveniente para a instrução criminal...’. Fórmulas como essas são a mais rematada expressão da prepotência, do arbítrio e da opressão. Revelam displicência (...).

Sendo assim, o julgador deve alcançar o objetivo da norma, não sendo possível a

simples menção em abstrato das circunstâncias legais para legitimar a prisão, é preciso uma

fundamentação que cabe ao aplicador do direito determinar o seu sentido, ou seja, a subjunção

do fato à norma jurídica 152 . O direito possui sua linguagem própria, bastando a sua

interpretação. Ocorre que o dispositivo legal a se referir as circunstâncias legais e

pressupostos para se configurar a medida extrema, utilizou­se de expressões vagas ou

ambíguas. E isso é um problema 153 . “O juiz deve ser prudente e mesmo avaro na

decretação” 154 . Assim sendo arremata Bento de Faria 155 :

Cumpre, porém, esclarecer a lição, no sentido de que a precariedade intelectual do Juiz não exclui a realidade dos fatos, que devem existir. Não basta, portanto, fundamentar simplesmente, mas fundamentar com apoio no que existe, embora manifestado sem inteligência (...).

Por isso mesmo, a prisão preventiva só poderá ser decretada dentro da sua

incontrastável necessidade, onde o despacho fundamentado feito pela autoridade judiciária

151 Azevedo Fraceschini, Jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, v. 3, p. 453, n. 5.219, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 521. 152 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 66/67. 153 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 66/67. 154 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 521. 155 FARIA, Bento de. Comentár ios. v, 1, p. 371, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 521.

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deverá assegurar aquele mínimo indispensável, devendo ser reservada para casos

excepcionais, com apoio na realidade fática, que gerem a convicção de que foi o acusado o

autor do crime, sendo esta a razão de ser da norma 156 . Nesse sentido, transcrevemos os estritos

critérios jurisprudenciais das Cortes Superiores em tema de prisão preventiva:

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRONÚNCIA. APLICAÇÃO FACULTATIVA DO ART. 408, 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, DEVENDO SER OBSERVADO O CASO CONCRETO. AUSÊNCIA SUPERVENIENTE DE FUNDAMENTOS PARA A MANUTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. ORDEM DEFERIDA. I – O art. 408, § 2º, do CPP é de aplicação facultativa pelo magistrado, devendo ser observado o caso concreto. II – Ausente a efetiva demonstração da necessidade da manutenção da segregação preventiva, não são motivos aptos à sua justificação a gravidade do crime, sua reprovabilidade, nem o clamor públicos. III – Ordem deferida 157 .

Pr isão preventiva (pr isão provisór ia). Meras suposições (motivação). Fundamentação (insuficiência). Tr ibunal de or igem (novo fundamento). Fuga (inovação). Constrangimento ilegal (caso). 1. A preventiva é espécie de prisão provisória; dela se exige venha sempre fundamentada. Ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. 2. Carecendo o ato judicial de suficiente fundamentação, carece de legalidade; caso, portanto, de constrangimento ilegal. 3. No caso, o decreto de prisão cautelar está motivado apenas em meras suposições – não se apoiou em elemento palpável, concreto de convicção –, fundamento insuficiente, pois, para a imposição de medida de índole excepcional 158 .

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A prisão cautelar, assim entendida aquela que antecede a condenação transitada em julgado, só pode ser imposta se evidenciada, com explícita fundamentação, a necessidade da rigorosa providência. 2. Dizendo o Juiz de primeiro grau ser a custódia cautelar necessária à garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para garantir a aplicação da lei penal, tecendo considerações de ordem genérica e mencionando a gravidade do delito, sem demonstrar concretamente a conveniência da adoção da rigorosa providência, resta evidenciado o constrangimento ilegal, notadamente porque o paciente apresentou­se espontaneamente à autoridade policial. 3. Habeas corpus concedido 159 .

156 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 501. 157 STF, HC 89.773 GO, 1ª T., rel. Ricardo Lewandowski, julgado em 21.11.2006. DJ 15.12.2006. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 158 STJ, HC 42.361 PE, 6ª T., rel. Min. Nilson Naves, julgado em 05.12.2006. DJ 30.04.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 159 STJ, HC 62.123 SP, 6ª T., rel. Min. Paulo Gallotti, julgado em 24.11.2006. DJ 26.03.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007

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Portanto, a simples menção abstratamente dos pressupostos da prisão preventiva

contidas no artigo 312 do Código de Processo Penal, não bastam para legitimar a custódia

preventiva, deverá o juiz asseverar com razões e realidade fática dessas hipóteses,

demonstrando a verdadeira necessidade de se limitar à liberdade do cidadão 160 .

160 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 66.

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3 AS HIPÓTESES AUTORIZADORAS DA PRISÃO PREVENTIVA À LUZ DOS

PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

Como toda e qualquer medida cautelar, a prisão preventiva é uma dessas medidas de

coerção que se subordina a dois pressupostos: o fumus boni iuris, que se identifica como sendo a fumaça do bom direito que corresponde na verdade, à prova da existência do crime (a

materialidade do delito e o indício suficiente de autoria – existência de graves indícios de sua

autoria), inerente ao direito que a parte dispõe do direito ao processo 161 juntamente com o periculum in mora, traduzido na probabilidade de perigo iminente que se possa haver estando o réu em liberdade, no que se refere evitar prejuízo à prestação jurisdicional, vale dizer, ao

processo. Trata­se de um pressuposto que se manifesta em uma das quatro hipóteses que

subordina esse requisito, que autorizam a prisão preventiva quando a liberdade do acusado,

realmente representar ameaça ao bom desenvolvimento do processo, eis que auxiliará na

fundamentação da prisão preventiva 162 .

Assim, consiste a aplicação da prisão cautelar na ocorrência do fumus boni iuris juntamente com a presença de uma, pelo menos, das seguintes condições: a garantia da ordem

pública, da ordem econômica, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. Isto posto, é

de esclarecer a necessidade ao menos, de uma dessas quatro condições existirem

simultaneamente com a fumaça do bom direito, para que assim haja a junção dos pressupostos com os fundamentos, para que se possa então autorizar a custódia preventiva 163 .

Em face do exposto, temos que em nosso sistema a privação da liberdade determinada

antes de uma sentença penal condenatória, é medida processual de exceção, por tratar­se de

uma medida cautelar e, como tal, só pode ocorrer ante a necessidade atual, cabível quando

presentes de forma concreta e objetiva suas hipóteses autorizadoras, ou seja, quando

ameaçada estiver a eficácia do devido processo legal, a fim de se “remover o temor de ‘um

dano jurídico’, que se traduz no perigo de que o imputado, em liberdade, oculte a verdade dos

fatos ou determine a inaplicabilidade da lei penal”, assim diz o ensinamento de Vélez

161 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 136/137. 162 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 560/561. 163 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. rev., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 507.

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Mariconde 164 . A prisão preventiva é a espécie de custódia cautelar mais drástica de limitação

à liberdade do indivíduo, pois eis aqui o encontro que versa sobre prisão, medidas cautelares e

liberdade, cujo equilíbrio é o dilema fundamental mais buscado pelo processo penal, o direito

que gozam todo e qualquer indivíduo acusado/suspeito a não ser privado de sua liberdade sem

o devido processo legal, no qual a sua excepcionalidade interliga­se ainda aos princípios da

presunção de inocência, da legalidade e da humanidade, versus o direito da sociedade a um instrumento eficaz de combate a criminalidade 165 .

O objetivo que se busca neste capítulo, é o equilíbrio acerca dos termos de

interpretação e de aplicabilidade da lei processual penal pelo aplicador da norma, o que é

indispensável e fundamental como prova da sua segurança jurídica do Estado/Juiz e da

confiabilidade do sistema judiciário, permitindo adequá­lo o quanto possível aos ditames da

Lei Maior, o que menor gravame acarrete. Neste sentido, a lição de Odone Sanguiné: “A

questão que se coloca é se tais finalidades se harmonizam com os ditames constitucionais

(presunção de inocência, devido processo legal) que vedam qualquer espécie de antecipação

da pena ou imposição dela sem processo” 166 e, de outro lado, projetar no processo penal

infraconstitucional, a dosagem correspondente para as possíveis interpretações à situação

fática, cumprindo as valiosas ferramentas traçadas por esses princípios, numa combinação de

limites aliados à persistência dos fundamentos da preventiva dispostos no artigo 312 do

Código de Processo Penal.

Diante disso, se pretende abordar as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva à luz

da Constituição, sobretudo como a jurisprudência tem definido tais conceitos. Veremos

também as hipóteses que não se compatibilizam com a Constituição Federal, o que faz gerar

grande insegurança acerca da tutela de urgência propriamente dita. Certo que a lei maior

protege o direito a liberdade, embora reconheça a prisão como um mal necessário, só se

justifica a prisão preventiva, exclusivamente em casos excepcionais para assegurar os fins do

processo.

164 MARICONDE, Vélez. Estudios de der echo peocesal penal. Córdoba. ed. Universidad de Córdoba, 1856, t. II. P. 249, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509. 165 CHOUKR, José Carlos Mascari. Gar antias constitucionais na investigação cr iminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.20, apud SILVA, Danielle Souza de Andrade e. A temporalidade específica da pr isão preventiva in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, n. 62, p. 202/203. 166 SANGUINÉ, Odone. Devido processo legal e constituição ­ Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Fabris, 1989, ano 2, vol. 2, n. 9, p. 131­140 136, apud FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recor r ível e Pr isão Decor rente de Decisão de Pronúncia – Consider ações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 138.

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3.1 A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA

Como garantia de ordem pública, nos termos do artigo 312 do Código de Processo

Penal, como se sabe, a prisão preventiva pode ser decretada. Entretanto, temos ciência das

diversas tentativas de definições do conceito de ordem pública, bem como, notadamente as

mais diversas fundamentações acerca da justificação para sua decretação. Sobre o tema diz

Gabriel Bertin de Almeida 167 : “Ora se fala em confiabilidade da justiça, ora em acautelar­se o

meio social, ora na periculosidade do acusado, ora no clamor público, ora na gravidade do

crime, ora na segurança do próprio ofendido”. No ponto de vista doutrinário a muito se

reconhece o conceito de ordem pública como sendo extremamente ambíguo, o que gera

atualmente grande preocupação e insegurança jurídica. Por estar ela mesma em situação de

indefinição segue Gabriel Bertin de Almeida 168 pronunciando que “conseqüentemente, da

exata definição das hipóteses de cabimento da prisão preventiva para sua garantia (da ordem

pública) é, ela mesma, uma forma de perturbação dessa ordem”. Trata­se então, de uma

circunstância de interpretação mais extensa na avaliação da necessidade de decretação desta

medida cautelar razão pela qual é a mais problemática. Neste sentido, discorre Fernando da

Costa Tourinho Filho 169 “que ordem pública é expressão de conceito indeterminado.

Normalmente, entende­se por ordem pública a paz, a tranqüilidade no meio social”.

Segundo De Plácido e Silva 170 , “ela representa a situação e estado de legalidade

normal em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e

acatam, sem constrangimento ou protesto”. Professa Paulo Rangel 171 , que se deve “entender a

paz e a tranqüilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas

vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado no modus

vivendi em sociedade”. Guilherme de Souza Nucci 172 vai ainda mais além ao afirmar que:

167 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 71. 168 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 71/72. 169 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. 26 ed. ver., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 424/425. 170 SILVA, De Plácido e. Vocabulár io J ur ídico. Rio de Janeiro: Forense. vol. 3, 1980. p. 1101, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 511. 171 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 560. 172 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3 ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 565.

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Entende­se pela expressão a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, via de regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.

Como se pode observar, imensa é a quantidade de significados para traduzi­la; fala­se

de ordem pública com definições jurídicas completamente diferentes em hipóteses

dificilmente conciliáveis com o sistema, o que põe à vista divergência de finalidades,

julgando­se muitas vezes o indivíduo e não o fato, acerca da conduta futura do suspeito, o que

justificaria uma medida de segurança e não uma medida cautelar, se reconhecendo à

incompetência dos poderes constituídos para interpretação das finalidades da prisão

preventiva de atingir os fins sociais a que se destina 173 . Nesse sentido, a lição de Tourinho

Filho 174 : “Ordem pública é fundamento geralmente invocável, sob diversos pretextos, para se

decretar a preventiva, fazendo­se total abstração de que ela é uma coação cautelar, e sem

cautelaridade não se admite à luz da Constituição prisão provisória”.

A expressão genérica garantia de ordem pública se ajusta à “comoção social,

perigosidade do réu, crime perverso, insensibilidade moral, os espalhafatos da mídia,

reiteradas divulgações pelo rádio ou televisão” 175 , sendo que a maioria esmagadora dessas

situações em nada tem a ver com uma proteção cautelar do processo.

O Desembargador Amilton Bueno de Carvalho, do Tribunal de Justiça do Rio Grande

do Sul, tratou com extrema propriedade a expressão: “‘Ordem pública’ é um requisito legal e

amplo, aberto e carente de sólidos critérios de constatação, facilmente enquadrável em

qualquer situação”.

Em razão de todo o exposto Fernando da Costa Tourinho Filho afirma em tom

enfático: “Tudo, absolutamente tudo, ajusta­se àquela expressão genérica ‘ordem pública’. E a

prisão preventiva, nesses casos, não passa de uma execução sumária. O réu é condenado antes

de ser julgado, uma vez que tais situações nada têm de cautelar”.

Portanto, cabe a decretação de prisão preventiva tão somente na finalidade de impedir

que o réu em liberdade coloque a credibilidade da justiça em dúvida, ou seja, “perturbe a

173 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 139/143. 174 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 511. 175 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 507.

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prova que o juiz vai recolher para a reconstrução do fato a ser julgado e prevenir quanto ao

perigo de fuga, burlando, assim, eventual condenação”, como explica Fernando da Costa

Tourinho Filho 176 , apesar dos problemas que a expressão “perigo de fuga” pode trazer.

Vejamos algumas decisões do Supremo Tribunal Federal que adotam tal posição:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 14 DA LEI 10.826/2003. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE INVESTIGADO POR CRIME DE HOMICÍDIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. HIPÓTESE DE FLEXIBILIZAÇÃO DA SÚMULA 691 DO STF. DEMORA NO JULGAMENTO DE HC IMPETRADO JUNTO A TRIBUNAL ESTADUAL. PACIENTE PRIMÁRIO, QUE POSSUI RESIDÊNCIA FIXA. CRIME CUJA PENA CORPORAL É DE 2 A 4 ANOS. INEXISTÊNCIA DE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. INVESTIGAÇÃO PELA PRÁTICA DO DELITO DE HOMICÍDIO NÃO OBSTA O DIREITO DE RESPONDER AO PROCESSO EM LIBERDADE. (...) II – Paciente acusado da prática de porte ilegal de arma de fogo, cuja sanção corporal não excede a 4 anos, ensejando a imposição de pena restritiva de direitos, ante a ausência de violência ou grave ameaça. III – Ademais, a demora no julgamento de writ impetrado junto ao Tribunal de Justiça da Bahia, e o fato de ser o paciente pr imário e possuir residência fixa, permitem responda ele ao processo em liberdade. IV – A circunstância de o paciente estar sendo investigado pela prática do delito de homicídio, por si só, não se mostra suficiente par a a decretação de pr isão preventiva sob o fundamento de gar antia da ordem pública. (...) Destarte, não se mostra razoável a prisão do paciente pelo cometimento, em tese, do crime de porte ilegal de arma de fogo – e que não impede possa ele responder ao processo em liberdade ­ sob o fundamento de garantia da ordem pública, pelo simples razão estar sendo investigado pela prática do delito de homicídio. (...) Ademais, o paciente não possui antecedentes criminais (vide certidões de execução penal e de distribuição que constam do apenso), além de residir em local certo. Esses fatos todos, ensejam o sucesso do presente writ, com a superação da Súmula 691 desta Corte, sobretudo em homenagem aos princípios sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito 177 .

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO. ART. 121, § 2O, IV, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTO CONCRETO QUE JUSTIFIQUE A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONFIGURAÇÃO. INSTRUÇÃO CRIMINAL FINDA. ANDAMENTO PROCESSUAL REGULAR. AUSÊNCIA DE CONTURBAÇÃO DO AMBIENTE PRISIONAL. AMEAÇA DE TESTEMUNHAS. INOCORRÊNCIA. CO­RÉUS QUE, ADEMAIS, FORAM LIBERTADOS PARA RESPONDEREM AO PROCESSO EM LIBERDADE. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. PACIENTE SEM CONDENAÇÃO CRIMINAL ANTERIOR. I – A prisão preventiva deve ser reavaliada de tempos em tempos, tendo em vista que se modifica a condição do réu ou do indiciado no transcurso da persecutio criminis. II – Inadmissível que a finalidade da custódia cautelar seja

176 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 513. 177 STF, HC 90.443 BA, 1ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10.04.2007. DJ 04.05.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007.

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desvir tuada a ponto de configur ar antecipação de pena. A gr avidade do delito e a existência de prova de autor ia não são suficientes par a justificar a pr isão preventiva. III – No caso, a instrução criminal findou­se, e o paciente foi pronunciado juntamente com outros co­réus na mesma ação e que respondem em liberdade à acusação a eles imputada. Manutenção da custódia do paciente representaria ofensa ao princípio da igualdade. IV – Paciente que, ademais, não ameaçou testemunhas nem conturbou a instr ução cr iminal, além de não ter sido condenado em processo­crime anter ior . V – Ordem concedida. (...) Deferir o writ, no caso, é prestigiar o princípio da igualdade. A instrução criminal está encerrada finda, e não há qualquer indício de que o paciente tenha ameaçado testemunha ou conturbado o andamento do processo. À luz do princípio da presunção de inocência, a prisão processual não pode desvincular­se de sua finalidade para transmudar­se em instrumento de antecipação de pena 178 .

Entendimento semelhante possui o Superior Tribunal de Justiça. Vejamos algumas

passagens de julgados que adotam tal posição:

1. A preventiva é espécie de prisão provisória; dela se exige venha sempre fundamentada. Ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. (...) 3. No caso, o decreto de prisão cautelar está motivado apenas em meras suposições – não se apoiou em elemento palpável, concreto de convicção –, fundamento insuficiente, pois, para a imposição de medida de índole excepcional. (...) É de ver que o decreto de prisão preventiva não se apoiou em elemento palpável, concreto de convicção. O que há, na decisão, é simples suposição: "... os indiciados fazem parte de uma gangue que com certeza vive assaltando motoqueiros para roubar as suas motos." Suposição insuficiente para fundamentar segregação de natureza cautelar. (...) "Antes da sentença penal condenatória transitada em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc. Em casos tais, requer­se se fundamente a sua imposição; por exemplo, quanto à preventiva, reza o art. 315 da lei processual que o despacho (ou a decisão) que a decrete ou a denegue 'seja sempre fundamentado'. Outra não tem sido a nossa jurisprudência quanto ao procedimento a ser adotado em relação ao flagrante, à vista do disposto no parágrafo único do art. 310. De outra banda, presume­se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê­lo inscrito no ordenamento jurídico. Em qualquer lugar, a qualquer momento, aqui, ali e acolá, esse princípio é convocado em nome da dignidade da pessoa humana". "Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do paciente constitui fundamento bastante para enclausurá­lo preventivamente." Repare­se ainda que, nos registros do Superior Tribunal, "a fuga do réu não justifica, por si só, o decreto de prisão cautelar" 179 .

PRISÃO PREVENTIVA ­ MATERIALIDADE DO CRIME E INDÍCIOS DE AUTORIA. A mater ialidade do cr ime e os indícios de autor ia não r espaldam, por si sós, a pr isão pr eventiva, surgindo, isoladamente, como elementos para tal fim 180 .

178 STF, HC 90.464 RS, 1ª T. rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10.04.2007. DJ 04.05.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 179 STJ, HC 42.361 PE, 6ª T., rel. Min. Nilson Naves, julgado em 05.12.2006. DJ 30.04.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 180 STJ, HC 42.263 GO, 5ª T., rel. Min. Laurita Vas, julgado em 03.04.2007. DJ 07.05.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007.

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I ­ A prisão preventiva deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva­se o réu de seu jus liber tatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só pode ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. II ­ Em razão disso, deve o decreto prisional ser necessariamente fundamentado de forma efetiva, não bastando meras referências quanto à gravidade do delito. É dever do magistrado demonstrar, com dados concretos extraídos dos autos, a necessidade da custódia do paciente, dada sua natureza cautelar nessa fase do processo (Precedentes) 181 .

Assim, é cediço pelos Tribunais Superiores que a gravidade do crime não pode servir

como motivo extra legem 182 para decretação da prisão provisória, o suposto clamor público, considerado que o delito ocorreu em cidade de interior, não é suficiente pra segregação

cautelar para garantia de ordem pública, pois os motivos justificadores da medida fazem

apenas menção vaga e imprecisa, acerca da gravidade do delito e comoção social instalada na

sociedade. É imprescindível que haja a demonstração da necessidade desta medida, não há

existência da prisão preventiva pela gravidade do delito, o que seria cumprimento antecipado

da pena caso isso ocorresse. A jurisprudência do STF e do STJ, com raras exceções, tem

rigorosamente proclamado que nem a gravidade abstrata do crime, ainda quando qualificado

de hediondo enseja a prisão preventiva. Nesse sentido:

"(...) II. Prisão preventiva: falta de fundamentação concreta de sua necessidade cautelar, não suprida pelo apelo a gravidade objetiva do fato criminoso imputado: nulidade. A fundamentação da prisão preventiva ­ além da prova da existência do crime e dos indícios da autoria ­, há de indicar a adequação dos fatos concretos à norma abstrata que a autoriza como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução ou para assegurar a aplicação da lei penal (CPP, arts. 312 e 315). A gravidade do crime imputado, um dos malsinados 'crimes hediondos' (Lei 8.072/90), não basta a justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse dos interesses do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizado, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, "ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º., LVII)". (RHC 68631/DF ­DISTRITO FEDERAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. SEPULVEDA PERTENCE. Julgamento: 25/06/1991. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Publicação: DJ DATA­23­08­ 91) 183 .

181 STJ, HC 20.026 SP, 5ª T., rel. Felix Fischer, julgado em 15.03.2007. DJ 30.04.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 182 Fora da proteção da lei. 183 STJ, RHC 19.618 RS, 6ª T., rel. Min. Paulo Medina, julgado em 20.03.2007. DJ 23.04.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007.

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Dessa forma, os Tribunais Superiores parecem estar firmando mais o entendimento

que essas situações quanto à gravidade do crime, clamor público, fuga e demais termos

utilizados, não podem embasar o decreto da prisão preventiva, pois se tratam de fundamentos

não elencados no artigo 312 taxativo do Código de Processo Penal e que não podem ser

incluídos dentro da expressão “garantia da ordem pública”. Quando cabível, a prisão

preventiva, uma medida excepcional de cautela, deve embasar sua fundamentação de forma

objetiva e concreta com base na suas hipóteses autorizadoras 184 . Entretanto a associação desta

medida sem o devido processo legal, revela a evidente violação dos princípios constitucionais,

os quais se destacam o princípio da presunção de inocência, bem como o elenco dos direitos

humanos, o princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana 185 . Outrossim, a título de

ilustração que representa fielmente esse entendimento, a decisão do Superior Tribunal de

Justiça: “A probabilidade de fuga não passa de especulação, conjecturas não demonstradas,

fruto da antiquada cultura do encarceramento prematuro, em nítida afronta ao princípio da

inocência” 186 .

Sobre o “clamor público” essa precisa decisão do Superior Tribunal de Justiça:

Por outro lado, mencionou­se que à gravidade do crime é de se somar à comoção social (..). Preocupo­me muito quando as prisões são decretadas sob o enfoque do clamor público (...). Qualquer fato grave, ou não, repercute de forma intensa numa cidade menor. Não é crime de maior gravidade o fato de um grave crime ter sido cometido em uma cidade do interior. Claro que a repercussão é maior, mas, nem por isso, exige­se a custódia preventiva, pois o que a exige seria, por exemplo, o enfoque da aplicação da Lei Penal. Portanto, o argumento de que o clamor público ocorreu (...) não autoriza a custódia preventiva. É um risco muito grande estarmos a decidir imbuídos, de certo modo, pelo clamor público. Mas não é ele que autoriza a custódia preventiva; é ele, sim, e mais a instrução criminal; é ele, sim, e mais o risco da aplicação da Lei Penal. Mas para isso não podemos presumir o risco da instrução criminal; não podemos presumir o risco da aplicação da Lei Penal, ao contrário, o Recorrente, ao que se disse, tem passado favorável, é primário e de bons antecedentes. Se isso não é valor para evitar a prisão preventiva, forma um somatório capaz de arrefecer, de mitigar, de fazer esmaecer a necessidade da segregação cautelar 187 .

184 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 72/73. 185 LUISI, Luiz. Os Pr incípios Constitucionais Penais. Sérgio Antonio fabris Editor. Porto Alegre: Sete Mares Editora. 1991. p. 32. 186 STJ, RHC 19.618 RS, 6ª T., rel. Min. Paulo Medina, julgado em 20.03.2007. DJ 23.04.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 187 STJ, RHC 19.618 RS, 6ª T., rel. Min. Paulo Medina, julgado em 20.03.2007. DJ 23.04.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007.

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Para o STF:

II. Prisão preventiva: fundamentação inadequada. Não constituem fundamentos idôneos, por si sós, à prisão preventiva: a) o chamado clamor popular provocado pelo fato atr ibuído ao réu, mormente quando confundido, como é freqüente, com a sua r epercussão nos veículos de comunicação de massa; b) a consideração de que, interrogado, o acusado não haja demonstrado "interesse em colaborar com a Justiça"; ao indiciado não cabe o ônus de cooperar de qualquer modo com a apuração dos fatos que o possam incriminar ­ que é todo dos organismos estatais da repressão penal; c) a afirmação a ser o acusado capaz de interferir nas provas e influir em testemunhas, quando despida de qualquer base empírica; d) o subtrair­se o acusado, escondendo­se, ao cumprimento de decreto anterior de prisão processual." (HC 79.781/SP, Relator o Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 09.06.2000, pág. 22) 188 .

Destarte, o artigo 5º, LVII 189 estabelece constitucionalmente o princípio da presunção

de inocência, afirmando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da

sentença penal condenatória” em face do provimento cautelar, bem como, a Constituição

Federal também prevê o princípio da legalidade 190 que se consiste ao fato de somente a lei ter

a faculdade de dizer o que é crime e qual a pena a ser aplicada, combatendo assim as punições

arbitrárias e os abusos por parte do Estado 191 . Ademais, impossível a construção dos

chamados tipos penais abertos. Sendo de relevante importância, esses princípios têm a

capacidade de limitar as intervenções do Estado, além de adequar às normas jurídicas ao caso

em questão na busca do equilíbrio das garantias para sociedade 192 . Por isso a prisão preventiva

é uma medida excepcional cabível somente em situações estritamente necessárias, onde o

acusado poderá ser preso caso os requisitos da segregação – constitucionalmente redigido –

estejam em evidências 193 . Em face do exposto Julio Mayer 194 elucida sobre a observância do

princípio da presunção de inocência que sobretudo “é o que expressa os limites das medidas

de coerção processual contra o réu”, mesmo que logo a frente tenha­se sem dúvida, a colisão

do direito a liberdade do indivíduo presumidamente inocente categórico na nossa

Constituição, versus o direito de punir da sociedade interessada. Mas não se pode falar da

188 STJ, RHC 19.618 RS, 6ª T., rel. Min. Paulo Medina, julgado em 20.03.2007. DJ 23.04.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 189 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Feder al: Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 04 de mai. 2007. 190 Artigo 5º, XXXIX – Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal in BRASIL. Constituição (1988). Constituição Feder al: Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 04 de mai. 2007. 191 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Dir eito Constitucional. 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 282. 192 SOUZA, José Castro de. J ornadas. p. 151 apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509. 193 SOUZA, José Castro de. J ornadas. p. 151 apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509. 194 MAYER, Julio. Derecho procesal penal argentino. Buenos Aires. ed. Hammurabi, 1989, t. I.p. 277, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 507.

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prisão preventiva sem se posicionar a garantia constitucional da presunção de inocência e o

princípio da legalidade. É de suma importância e deve prevalecer a favor do réu, do contrário,

que serventia teriam tais princípios?

Um dos caminhos apontados pelo Desembargador Amilton Bueno de Carvalho 195 para

a escolha de uma entre as decisões viáveis é a argumentação teorizada nos seguintes termos:

Não se pode falar em prisão preventiva sem estar com as vistas voltadas para o princípio da presunção de inocência (...) Se é dogma constitucional, todos devem respeitá­lo. Na hipótese de “preservação da ordem pública”, a prisão preventiva não tem nenhum caráter cautelar. Ela não acautela o processo condenatório a que está instrumentalmente conexa.

Sobre o tema diz Fernando da Costa Tourinho Filho 196 , no caso específico da prisão

preventiva: “aí está o equilíbrio razoável entre os dois interesses: o interesse na repressão e a

preservação do princípio da inocência”.

Nesse passo concluiu José Castro de Souza 197 , “que somente exigências processuais de

natureza cautelar podem justificar uma limitação, total ou parcial, à liberdade das pessoas”.

Assim se manifestou sobre o tema, Vélez Mariconde 198 :

Toda privação da liberdade determinada antes do ato jurisdicional legítimo para impô­la a título de sanção, só pode ocorrer ante a necessidade atual e concreta de remover o temor de ‘um dano jurídico’, que se traduz no perigo de que o imputado, em liberdade, oculte a verdade dos fatos ou determine a inaplicabilidade da lei penal.

Ainda no que se refere à expressão “garantia da ordem pública”, Guilherme de Souza

Nucci 199 afirma o seguinte: “A garantia da ordem pública deve ser visualizada pelo binômio

gravidade da infração + repercussão social”. Diante de tal raciocínio é perceptível a não vinculação à cautelaridade, ou seja, trata­se do caso de associação da gravidade do crime, que

seria entendida como manifestação da periculosidade do agente que consentiria na

necessidade da prisão preventiva, o que revela evidente violação aos princípios da presunção

de inocência e da legalidade, eis que não se pode afirmar a responsabilidade do acusado no

195 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 512. 196 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509. 197 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 508. 198 MARICONDE, Vélez. Estudios de der echo peocesal penal. Córdoba. ed. Universidad de Córdoba, 1856, t. II. P. 249, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 508. 199 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3 ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 565.

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caso de ter ele praticado presumidamente um crime grave e tê­lo como perigoso, sendo o

conceito de gravidade variável, que não exprime determinação.

A prisão preventiva só pode ser decretada quando presentes os pressupostos desta

medida cautelar, pois a simples constatação de gravidade do delito não implica em custódia

cautelar, pois isso não pode subtender que o suspeito seja o autor do crime, outrossim, a

gravidade pode até aproximar a segregação, mas jamais determina a medida caso ausentes os

demais pressupostos, ou seja, de indícios de autoria e materialidade. Há, ainda, a concepção

de repercussão na sociedade, havendo aqueles que pleiteiam a determinação do recolhimento

do agente, com a finalidade de se manter a ordem na sociedade, o que gera também

evidentemente sem sombra de dúvidas, antecipação de pena e violação do princípio da

presunção de inocência, do devido processo legal, da legalidade, da humanidade sendo um

absurdo que a justiça determine a decretação da prisão a fim de dar satisfação ao sentimento

público de justiça. Deste modo, de nada seria necessário o juiz para aplicar a norma, sendo

está decidida pela mídia e pelo povo, implicando ao acusado a responsabilidade, sem que

fosse necessário o devido processo legal para determinação dos fatos. Trata­se de omissão de

todos os princípios constitucionais de garantias individuais 200 .

Em geral os magistrados decretam a prisão preventiva do réu a partir de presunções.

Mas, como pode presumir o juiz a fuga de um réu, ou que ele vá perturbar a instrução

criminal, e ainda, que vá ameaçar testemunhas e que vá desaparecer com as provas? 201

Na condição de ordem pública como hipótese para a decretação da preventiva é

comum se observar nas decisões, que não se dão ao trabalho nem de definir o que é ordem

pública e muito menos por que estaria em jogo essa garantia da sociedade, simplesmente

repetem a fórmula legal, afirmando que a prisão é cabível para a garantia de ordem pública 202 .

Fauzi Hassan Choukr 203 corrobora nosso entendimento: “A simples repetição da fórmula legal

é presente em várias decisões, sendo uma das linhas mais perceptíveis, mesmo porque não se

200 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 140/141. 201 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 510. 202 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 73. 203 CHOUKR, Fauzi Hassan. A ‘ordem pública’ como fundamento da pr isão cautelar – Uma visão jurisprudencial. RBCCrim, São Paulo: RT, n. 4, p. 92, out.­dez. 1993, apud ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decretação de Pr isão Preventiva, Pr isão pra Gar antia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 73.

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dá ao trabalho de tentar definir o que seja ordem pública, limitando a decretar a prisão

cautelar (ou mantê­la apenas proferindo a letra da lei)”.

Cremos, contudo, que podemos justificar sim essa limitação da liberdade do indivíduo

sempre que houver um desvio do movimento ideal, uma perturbação a persecução criminal

que efetivamente venha tumultuar a própria possibilidade de conhecimento acerca do fato,

quando venha a colocar em risco a própria garantia do processo. Enfim, quando presente a

demonstração, em concreto e de forma devidamente fundamentada, do periculum libertatis do indivíduo 204 . Contudo, inadmissível é a prisão cautelar, por exemplo, em uma hipótese

acusatória no qual se determina a prisão preventiva na incerteza sobre a realidade de um

delito, em face da intranqüilidade, perturbação da amedrontada comunidade social 205 , por se

tratar de uma expressão de sentido tão amplo e ambíguo, duro é a tarefa de “distinguir se a

revolta da sociedade é decorrência do choque que o crime causou no meio social, por si só, ou

se a mencionada vingança do inconsciente popular é conseqüência da exploração e da

distorção dos fatos pela mídia” 206 . O vício freqüente existente nesta invocação de garantia de

ordem pública é marcado pela nostalgia do velho regime ditatorial inerente ao abuso da

coação cautelar, nas quais àquela época não existia o princípio da presunção de inocência

como dogma constitucional, o que nos dias de hoje é dogma de fé, chegando à conclusão

inarredável que a prisão preventiva de caráter eminentemente cautelar, tem essa invocação de

garantia de ordem pública autorizadora da medida extrema fundado no pensamento do povo

ou têm um critério que não tutelam a pretensão satisfativa, meramente utilitário 207 . Em suma:

seus fins são inegavelmente extraprocessuais, na lapidar observação de Fernando da Costa

Tourinho Filho 208 . Indica sem sombra de dúvida antecipação de pena. Como lembra

Alessandro Baratta 209 , que nem sempre a opinião publicada corresponde à opinião pública,

204 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 74. 205 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 183. 206 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 189. 207 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509/510. 208 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 510. 209 BARATTA, Alessandro. Funções instr umentais e simbólicas do direito penal. Lineamentos de uma teor ia do bem jur ídico, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Revista dos Tribunais, janeiro­ março de 1994, vol.5, p. 13, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 188.

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cabe ressaltar a seguinte ementa do Ministro Adhemar Maciel do Superior Tribunal de

Justiça 210 :

(...) II – Não se pode confundir ‘ordem pública’ com o ‘estardalhaço causado pela imprensa pelo inusitado do crime’. Como ficar em liberdade é a regra geral, deveria o juiz justificar substancialmente a necessidade de o paciente ficar preventivamente preso. Não basta invocar, de modo formal, palavras abstratas do art. 312 do Código de Processo Penal.

De se ressaltar que a prisão preventiva é medida excepcional de cautela, cabível

quando presentes de forma objetiva e concreta suas hipóteses autorizadoras 211 . No

entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho 212 , só se justifica a prisão preventiva

quando possuidora do indisfarçável caráter cautelar, necessário em cada caso concreto,

quando o juiz adaptar a norma processual ao princípio que a Magma Carta acolheu, o da

presunção de inocência, não podendo jamais decretar a medida extrema por mera presunção

que o réu vai fugir, que o réu vai prejudicar a instrução, essa presunção entra em flagrante

desvantagem em relação à presunção de inocência prevista no Pacto Fundamental, visto

tratar­se de normas restritivas ao direito constitucional devendo a interpretação ser restrita à

lei, ou seja, aos princípios norteadores das garantias fundamentais de todo cidadão. Devemos

entender e adotar esta coerção, quando estivermos exclusivamente diante do propósito, ou

seja, o processo penal.

Nas palavras de Alexandre Moraes 213 :

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico­constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis.

Assim, o fim que ato se destina “é tão somente impedir que o réu em liberdade

perturbe a prova que o juiz vai recolher para a reconstrução do fato a ser julgado e prevenir

210 6ª Turma, HC nº 3.232­2­RS, j. em 28.3.95, DJU 4.9.95, pág. 27863, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 13, “Ementário de Jurisprudência”, p. 527, item II.27, apud DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 189. 211 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 75. 212 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509/510. 213 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 124.

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quanto ao perigo de fuga, burlando, assim, eventual condenação” 214 . Portanto, dessa análise já

se verifica que o entendimento jurisprudencial dominante, como o doutrinário, é o de que a

ordem pública não possui finalidade cautelar, bem como, não tutela vinculação ao processo,

frente aos princípios constitucionais penais.

3.2 A GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA

O que foi dito quanto à decretação da prisão preventiva para assegurar a ordem

pública, cabe para a garantia da ordem econômica. Reconhece Eros Roberto Grau 215 o quão

árduo é delimitar o significado do conceito de ordem econômica, afirmando: “A ambigüidade

de todas essas expressões é da tal ordem ­ e uso aqui, propositadamente, o vocábulo ‘ordem’ –

que a operacionalização dos conceitos que designam é sempre tormentosa”. Mas em vão vem

tentando encontrar a doutrina e jurisprudências o significado de ordem econômica, eis que

não passível tal conceituação, bem como, vazia de significado são as expressões de ordem

econômica e ordem pública 216 .

É muito comum ver o conceito no que se refere ao cabimento da prisão preventiva,

para impedir que o agente causador do abalo econômico­financeiro a uma instituição

financeira ou ao Estado, permaneça em liberdade 217 , bem como, o abalo que se demonstra aos

crimes que envolvem grandes golpes no mercado financeiro, que efetivamente causam

repugnância a toda sociedade 218 , que perturbam as atividades livres do mercado econômico 219 .

A Lei Antitruste, 8.884, de 11/6/1994, em seu artigo 86 alterou a redação do artigo 312 e

incluiu e expressão ordem econômica, permitindo assim a prisão preventiva nessas

214 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 511/512. 215 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 41, apud FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor r ente de Sentença Condenatór ia Recor r ível e Pr isão Decor rente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 140. 216 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 148. 217 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 583. 218 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 583. 219 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 591.

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condições 220 . Neste sentindo Fernando da Costa Tourinho Filho 221 elucida que é um tanto

quanto difícil a ocorrência desta extravagante circunstância, por ela não significar “uma

finalidade eminentemente cautelar, no sentido de instrumento para a realização do processo

(preservação da instrução criminal) ou para garantia de seus resultados (assegurar a aplicação

da lei penal)”, mas sim uma medida esdrúxula, sem nexo e inútil.

Há ainda quem diga que são exemplos em que o réu possa afetar à ordem econômica:

é defensável a decretação da preventiva do comerciante que açambarca, sonega, destrói ou

inutiliza bens de produção ou de consumo, com o fim de estabelecer monopólio ou de

eliminar, total ou parcialmente, a concorrência, ou eleva, sem justa causa, o preço de bem ou

serviço, valendo­se de posição dominante no mercado (artigo 4º da Lei 8.137/90) 222 . Além

disso, o artigo 20 da Lei 8.884/94, também enumerou hipóteses pra ensejar a prisão

preventiva: Constituem infração de ordem econômica, independentemente de culpa, os atos

sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto, ou possam produzir os seguintes

efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a

livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III – aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

Podem ser extraídos, outras causas que permitem aferir esta garantia, “previstas nas Leis

8.176/91, 8.078/90 e 7.492/86 e demais normas que se referem à ordem econômica, como

quer o artigo 170 da Constituição Federal e seguintes c/c com o artigo 20 da Lei 8.884/94” 223 .

É de ressaltar que, nesses casos, a medida só dá ênfase à exaltação da população,

através de seu contentamento ao ver atrás das grades alguém de prestígio social 224 . Se a prisão

visa reprimir qualquer atividade econômica de industriais e comerciantes desonestos, safados

que tenham o abuso de poder, a ganância, o lucro fácil como objetivo, que se estabeleçam

sanções em relações à pessoa jurídica 225 . Como por exemplo, tirado da lição de Fernando da

Costa Tourinho Filho 226 se pode citar “o fechamento por determinado prazo, aumento desse

220 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 514/515. 221 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 515. 222 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 515/516. 223 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 591. 224 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 516. 225 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 511/512. 226 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 515.

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prazo nas recidivas, impossibilidade de, durante certo tempo, fazer empréstimos em quaisquer

estabelecimentos de crédito”. O lucro cessante para o comerciante, industrial ou ganancioso

que só tem em mente o dinheiro é pior que o cárcere 227 . O que ocorre é que infelizmente os

legisladores não vêem que tais problemas poderiam ser resolvidos desta forma, com

prestações sociais, porque não são somente com as leis que se resolvem os problemas, aliás,

muitas vezes elas criam situações indesejáveis, no que tange a restrição da liberdade do

cidadão, a fim de dar satisfações à sociedade, ou seja, violam um direito constitucionalmente

garantido 228 .

Mais uma vez a lei fala que a custódia preventiva jamais pode ser ordenada para

intimidar outras pessoas a fim de exemplaridade, tal atitude não está demonstrando o caráter

instrumental da providência acautelatória, se está repousando na conveniência de toda a

sociedade 229 , é um absurdo admitir que se ordene a prisão de um indivíduo, que ainda não se

sabe se é o responsável pelo delito ou inocente, cabe ao poder judiciário julgar a conveniência

ou não desta medida, justamente porque, segundo os nossos tribunais, não se configura nesse

caso o chamado periculum libertatis 230 .

Como mencionado, não seriam argumentos aptos a embasarem decretos de prisão, a

confiabilidade do sistema, meras suposições a necessidade de acautelar­se o meio social, a

gravidade do crime e o de prevenir a prática de novos crimes, seguidos de conclusões vagas e

abstratas de cunho subjetivo, porque não teriam caráter unicamente instrumental, não têm

base concreta, são motivações inidôneas pra manter a segregação antecipada, não justificam,

portanto o decreto da prisão preventiva 231 . No entanto, no caso de necessidade da custódia por

estar o poder judiciário presumidamente ameaçado, entende­se que teria caráter instrumental

em situações excepcionalíssimas, em que a desordem e a comoção social fossem de tamanha

grandeza, o que é de difícil ocorrência, entretanto, em razão dessa raridade, esse tipo de

prevenção direcionada a garantir a ordem econômica, não pode justificar prisão cautelar.

227 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 515. 228 CAGNANI, Rafael de Souza. A ordem econômica e sua proteção penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1018, 15 abr. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8249. Acesso em: 18 maio 2007. 229 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509/510. 230 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 78. 231 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 79.

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Consequentemente, não pode servir na hipótese de cabimento de prisão preventiva a

necessidade de tutelar­se a confiabilidade institucional do sistema penal 232 .

De tudo o que foi exposto até aqui, é fácil concluir que a circunstância acerca de

garantir a ordem econômica não tem caráter cautelar, não se pode admitir essa restrição ao

direito de liberdade, sendo ela uma ofensa às garantias individuais constitucionais. Não há –

portanto – como a defender 233 .

Por isso não seria o caso de se contrariar os consagrados princípios constitucionais, o

princípio da presunção de inocência, o da legalidade, o devido processo legal, o da

humanidade, ademais que sem o trânsito em julgado da sentença condenatória, ninguém será

considerado culpado. Dessa forma, a aplicação da medida da prisão preventiva por razões de

prevenção geral, não é compatível com os princípios garantidores dos direitos individuais 234 .

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

PRISÃO PREVENTIVA. EXCEPCIONALIDADE. EXIGÊNCIA DE BASE CONCRETA ­ A prisão preventiva, como exceção à regra da liberdade, é providência excepcionalíssima e, por isso mesmo, só deve ser decretada nas hipóteses arroladas no artigo 312 do Código de Processo Penal, conjugadas com situações reais concretamente demonstradas, a justificarem a necessidade da medida extrema de segregação da liberdade ante tempus. (...) A “ameaça à livre concorrência” atua aqui como mero artifício retórico, vez que o Magistrado não disse no que ela consistiria. Os fundamentos da prisão preventiva devem ser objetivos, evidenciando a necessidade da medida, notadamente quando excepciona a regra da presunção constitucional de inocência, da qual decorre a impossibilidade do encarceramento prematuro; o juiz há de expor, de forma nítida e compreensível, os fundamentos pelos quais entende necessária a decretação da prisão excepcional 235 .

Por isso, não cabe contra qualquer indivíduo prisão preventiva para garantia da ordem

econômica, que como visto, daria grande margem para insegurança jurídica, podendo se

concluir que a prisão preventiva na hipótese de garantir a ordem econômica é incompatível

com o estado atual de nosso sistema penal, posto que fundada num conceito vazio e ambíguo,

eis que a Constituição Federal exige tratamento isonômico entre todas as espécies de

232 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 79 233 CAGNANI, Rafael de Souza. A ordem econômica e sua proteção penal . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1018, 15 abr. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8249. Acesso em: 18 maio 2007. 234 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 78. 235 STF, HC 86.620 PE, 1ª T. rel. Min. Eros Grau, julgado em 13.12.2005. DJ 17.02.2006. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007.

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acusados 236 . Tratando­se apenas de uma medida para satisfazer o povo a fim que a sociedade

fique tranqüila pela atuação do poder estatal e assim, demonstrar tamanha violação aos

princípios impostos pela Constituição.

3.3 A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

Essa é a pedra de toque de toda medida cautelar, tida como a única circunstância que

realmente justifica a prisão cautelar, a conveniência da instrução é a única hipótese da prisão

preventiva que visa única e exclusivamente, proteger os fins do processo, onde a coerção se

faz necessária 237 . Esta finalidade da prisão preventiva destaca pelo fato de utilizar­se do

acusado, de sua colaboração como meio de prova ao processo, ou para evitar que ele

intencionalmente prejudique a colheita de provas, no que tange à descoberta da verdade,

sendo evidente a necessidade da medida, para que com segurança o juiz possa colher os

elementos de convicção indispensáveis ao desenrolar do processo 238 . Nesse sentindo

argumenta Fernando Capez 239 justificando a prisão preventiva, sobre o aspecto de

conveniência da instrução criminal, eis que “visa impedir que o agente perturbe ou impeça a

produção de provas, ameaçando testemunhas, apagando vestígios do crime, destruindo

documentos etc. Evidente aqui o periculum in mora, pois não se chegará à verdade real se o réu permanecer solto até o final do processo”.

Essa finalidade justifica­se com a intenção de garantir um processo justo e seguro,

“trata­se do motivo resultante da garantia da existência do devido processo legal” 240 , para que

o juiz forme sua convicção honesta e leal 241 para poder melhor discernir e julgar 242 . Nesse

sentido, têm­se os seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal:

236 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 83. 237 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509. 238 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 513. 239 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 231. 240 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 584. 241 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 591. 242 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 513.

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HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA EM ELEMENTOS CONCRETOS E COM­ PROVADOS NOS AUTOS. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO EXAUSTIVA. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. 1. Improcedência da alegação de inexistência de elementos concretos a justificar a prisão preventiva do Paciente. No decreto da prisão preventiva se tem presente, de forma fundamentada, uma circunstância grave – tentativa de intervenção do Paciente na instrução criminal ­ e a conseqüente necessidade da segregação cautelar do Paciente, evidenciando, dessa forma, a conveniência da medida constritiva. 2. Este Supremo Tribunal tem decidido que a fundamentação da prisão preventiva não precisa ser exaustiva, bastando que a decisão analise, ainda que de forma sucinta, os requisitos ensejadores da custódia cautelar. Precedentes. 3. Habeas corpus a que se denega a ordem 243 .

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CONSTRANGIMENTO. INOCORRÊNCIA. I – Prisão preventiva devidamente fundamentada na garantia de aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. II – Impossibilidade de vincular­se o prosseguimento da ação penal à revogação da prisão preventiva. III ­ Ordem denegada 244 .

Essa hipótese, portanto, relaciona­se com a atividade probatória no processo, pois a

liberdade do acusado pode colocar em risco, ou ameaçar as testemunhas, tentar subornar o

perito, subtrair documentos buscando desaparecer com as evidências, ameaças ao juiz,

promotor ou à vítima do feito, a fuga deliberada do local do delito, mudança brusca de

residência, dentre outras. Quando for assim, a custódia preventiva é legítima, “até que a

produção de provas se realize por completo, evitando­se o dano e o perecimento dos

elementos probantes” 245 . Nesse sentido decidiu a 5ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de

Justiça:

HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PRISÃO PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. RÉU QUE PERMANECEU FORAGIDO POR MAIS DE CINCO ANOS DO DISTRITO DA CULPA, OBSTRUINDO, AINDA, O ANDAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES. 1. Extrai­se, na hipótese, que o paciente permaneceu, deliberadamente, por mais de cinco anos foragido da justiça pública, impedindo o regular andamento do

243 STF, HC 89.643 RS, 1ª T. rel. Min. Cármem Lúcia, julgado em 14.11.2006. DJ 01.12.2006. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 244 STF, HC 89.750 MT, 1ª T. rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20.03.2007. DJ 13.04.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 245 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 62.

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processo­crime, que restou suspenso, em cumprimento ao disposto no art. 366, do Código de Processo Penal. 2. Tem­se, assim, evidenciado, no caso, a existência de dois elementos concretos que justificam, com amparo no art. 312, do Código de Processo Penal, a manutenção da custódia cautelar do acusado: a sua fuga do distrito da culpa e o embaraço do andamento da instrução criminal. 3. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 4. Ordem denegada 246 .

É precisamente essa a orientação de Guilherme de Souza Nucci 247 , para quem “a

conveniência de todo o processo é que a instrução criminal seja realizada de maneira lisa,

equilibrada e imparcial, na busca da verdade real, interesse maior não somente da acusação,

mas sobretudo do réu”. A conveniência da instrução surge, quando o réu, “por uma forma ou

por outra está agindo ou começa a agir no sentindo de conseguir que não se faça ou obtenha

prova contra ele” 248 . Diante disso, circunstâncias como abalos provocados pela atuação do

acusado, que tem como objetivo à perturbação do bom desenvolvimento da instrução

criminal, que compreende a colheita de provas de um modo geral, é motivo a ensejar a prisão

preventiva. Portanto somente a hipótese da prisão preventiva que garante a conveniência da

instrução criminal, se faz presente no seu caráter cautelar, estritamente instrumental, aí sim o

poder de coerção é legítimo e justificável, a fim de que o réu venha a prejudicar a obtenção da

verdade, o que não constitui ofensa ao princípio da presunção de inocência, da legalidade e da

dignidade da pessoa humana.

Importante, por fim, consignar ainda dois pontos: o primeiro é que essa é a única

hipótese autorizadora em que o próprio réu, por um comportamento seu, dá causa à prisão

preventiva; o segundo é que todas as hipóteses que asseguram a decretação da prisão

preventiva por conveniência da instrução criminal devem ser devidamente – comprovada e

fundamentadamente – demonstradas na decisão que a determina.

3.4 A GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL

A fundamentação da prisão preventiva com base na garantia da aplicação da lei penal

torna­se necessária quando visa a “garantir a finalidade útil do processo penal, que é

246 STJ, HC 66.924 SP, 5ª T., rel. Min. Laurita Vaz Lima, julgado em 06.02.2007. DJ 12.03.2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 247 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 584. 248 ROSA, Inocêncio Borges da. Processo Penal Br asileir o. Porto Alegre: Globo, 1942, vol. II. p. 285, apud MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 62.

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proporcionar ao Estado o exercício do seu direito de punir, aplicando a sanção devida a quem

é considerado autor da infração penal” 249 . As prisões preventivas determinadas para garantir a

conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal, possuem a excepcionalidade, a

natureza cautelar, são as únicas pedras de toque que realmente justificam a medida extrema,

pois visam através da segregação cautelar satisfativa preservar a eficiência do processo e seu

próprio resultado, sendo legítimas, tendo, pois o dogma de fé da Constituição. Nesse sentido,

acrescente­se o entendimento jurisprudencial adotado pelo Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUGA. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. FUNDAMENTO IDÔNEO. Prisão preventiva decretada para garantia da aplicação da lei penal, sob o fundamento de que o paciente, acusado de homicídio, fugiu do distrito da culpa e permaneceu foragido por um ano, até ser capturado, o que evidencia nítida intenção de frustrar a aplicação da lei penal. Fundamento idôneo, eis que não se trata de hipótese em que o paciente foge para não se sujeitar a prisão cautelar que considera ilegal. Ordem denegada 250 .

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CONSTRANGIMENTO. INOCORRÊNCIA. I – Prisão preventiva devidamente fundamentada na garantia de aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. II – Impossibilidade de vincular­se o prosseguimento da ação penal à revogação da prisão preventiva. III ­ Ordem denegada 251 .

De acordo, asseverou evidentemente Fernando Capez 252 ser caso determinante para a

decretação da prisão preventiva, sob o fundamento de garantia da aplicação da lei penal:

No caso de iminente fuga do agente do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena. Se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita, nada, enfim, que o radique no distrito da culpa, há um sério risco para a eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante da sua provável evasão.

Necessária é a segregação do apontado autor, quando “está se desfazendo dos seus

bens de raiz injustificadamente (...) a medida cautelar se impõe, a fim de que se evite o

249 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 585. 250 STF, HC 90.352 GO, 2ª T. rel. Min. Eros Grau, julgado em 10.04.2007. DJ 11.05.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 251 STF, HC 89.750 MT, 1ª T. rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20.03.2007. DJ 13.04.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 252 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 231.

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periculum libertatis, assegurando­se, pois, a aplicação da lei penal” 253 . Todavia, as

circunstâncias necessárias determinadas no artigo 312 do Código de Processo Penal para a

decretação da medida, deverão ser abordadas pelo juiz e fundamentadas juntamente com os

fatos devidamente apurados, respeitando os requisitos estabelecidos em lei. Não há que se

falar de mera presunção do juiz, eis que existente num patamar acima a presunção de

inocência, que ostenta a probabilidade de se presumir a inocência ao encarceramento do não

condenado. Não pode o juiz presumir nenhuma perturbação à ordem pública, bem como à

fuga do acusado, deverá ele cautelosamente provar a amplitude dessa expectativa 254 . “É

preciso um mínimo de prova sensata no sentindo de que vai mudar­se para lugar ignorado, de

que está prejudicando a instrução, etc”, afirma Tourinho Filho 255 . O Supremo Tribunal

Federal assim vem decidindo:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. REQUISITOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CONCRETAMENTE DEMONSTRADOS. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA INCONTESTÁVEL. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A decretação da prisão preventiva que baseada na garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e necessidade de assegurar a aplicação da lei penal está devidamente fundamentada em fatos concretos a justificar a prisão cautelar, especialmente em razão da fuga do Paciente do distrito da culpa, tendo sido preso quase um ano após a decretação. Precedentes. 2. Habeas corpus denegado 256 .

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. RECURSOS EXCEPCIONAIS. DIREITO DE AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO EM LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA PRISÃO DURANTE TODO O CURSO PROCESSUAL. ORDEM DENEGADA. I – Não ofende o princípio da presunção de inocência a custódia do paciente antes do trânsito em julgado da decisão condenatória. II – Prisão preventiva decretada para assegurar a aplicação da lei penal e posterior confirmação das condenações. III – Ordem denegada 257 .

253 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 514. 254 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 514. 255 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3. 28 ed. ver., atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 514. 256 STF, HC 90.386 SP, 1ª T. rel. Min. Cármem Lúcia, julgado em 06.03.2007. DJ 23.03.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007. 257 STF, HC 86.261 RJ, 1ª T. rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 06.02.2007. DJ 16.03.2007. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 15 de mai. 2007.

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Segundo Delmanto Júnior, é obrigação do juiz “demonstrar que o indiciado ou

denunciado já fugiu ou está planejando evadir­se do distrito da culpa, para subtrair­se à ação

da justiça” 258 . A possibilidade de o indiciado escapar justifica a efetiva atuação da lei penal,

isto é, a decretação da prisão preventiva, ante essa eventualidade é de se reconhecer tal

medida restritiva de liberdade legítima e justa 259 . Não tem sentido o ajuizamento de uma ação

penal na qual o réu age com o visível propósito de subtrair­se da justiça e frustrar o

ordenamento jurídico, a fim de evitar a consolidação do direito de punir do Estado 260 . A

prisão será decretada, quando o acusado estando em liberdade, começar a se desfazer de seu

patrimônio, sem justificação, ou ainda, ter a convicção que se encontra em lugar incerto e não

sabido, com o intuito de se livrar da responsabilidade 261 . Segundo Antônio Alberto

Machado 262 :

Portanto sempre que houver a fundada possibilidade de que o réu pretende desonerar­se de sua responsabilidade criminal, evadindo­se, terá lugar a imposição da prisão preventiva como meio de garantir o efetivo resultado da ação penal condenatória.

Diante de tais situações, é perceptível que a segregação cautelar deu­se na forma da

lei, para assegurar a aplicação da lei penal, eis que não há ofensa ao dogma constitucional, ou

seja, ao princípio da presunção de inocência, da legalidade, ou ainda, da humanidade, sendo a

segregação da custódia nessas circunstâncias – conveniência da instrução criminal e aplicação

da lei penal –, compatíveis com o Código de Processo Penal, com a Constituição Federal, com

o Pacto da San José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

258 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 174. 259 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 63. 260 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 585. 261 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. ver., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 591. 262 MACHADO, Antonio Alberto. Pr isão Pr eventiva – Crítica e Dogmática. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 64.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe­se, desde muito, que a prisão antes do tempo devido deveria ser espetacular

exceção no sistema, tanto que alguns a tem como inconstitucional agressão ao estado de

inocência. Assim, a conseqüência que explode do sistema está em que não pode ser

banalizada sua aplicação. É das lições da doutrina e das Cortes Superiores, que a gravidade do

crime, por si só, não autoriza a medida odiosa, eis que foi demonstrado ao longo do trabalho,

que a prisão preventiva só cabe quando presentes o fumus boni iuris (pressupostos) e o periculum in mora (hipóteses de cabimento), nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, entretanto, em que pesem existirem várias tentativas de definições quanto às hipóteses,

especificamente no conceito de garantia de ordem pública e ordem econômica, trata­se de

conceitos extremamente ambíguos e, por isso preocupante motivo de insegurança, que

conseqüentemente gera uma incógnita da verdadeira definição das hipóteses de cabimento 263 .

Portanto, desta análise se extrai as seguintes conclusões: a retórica do alarma social,

abalo à comunidade, sentimento de impunidade, periculosidade ou gravidade do agente não

tornam a cautelar legitimada. O que se exige é fundamentação séria, objetiva, concreta,

justificando imperiosa necessidade do encarceramento. Mas o fundamento maior que se

vislumbra para não autorizar a medida odiosa está em que à prisão provisória é cautelar, mera

cautelar (sob pena de ser antecipação de pena). Em sendo cautelar, é instrumento de

segurança ao bom andamento do processo (assegurar aplicação da lei penal e da conveniência

da instrução). Por outro lado, também se sabe que tanto no entendimento jurisprudencial

dominante, como o doutrinário, se verifica que a ordem pública e ordem econômica em nada

se referem à finalidade cautelar, bem como, não se vinculam à garantia do processo,

inconstitucionais, portanto, frente aos princípios constitucionais penais. Sendo assim, ordem

pública e ordem econômica são expressões vazias de significado, ajustam­se a qualquer

expressão genérica, não se tratando de situações cautelares.

Com efeito, de nada serve a tutela cautelar, senão ao interesse do próprio processo,

visando tanto à possibilidade plena de garantir a fase de conhecimento da instrução quanto à

busca eficaz da garantia do provimento do processo principal, aí sim, se aclara á utilidade

buscada pelo provimento cautelar, que não mais serve que não à garantia do processo, à

263 ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, Quando é Possível a Decr etação de Pr isão Preventiva, Pr isão pr a Garantia de Ordem Pública? in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, p. 71.

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preservação de sua instrumentalidade, possibilidade que ela se concretize 264 . É muito comum

se ver ainda em decisões, a simples menção do dispositivo legal inserido na legislação

processual penal brasileira, sem ao menos tentar definir esse vazio conceito, sendo certo que

as medidas decretadas com tais finalidades, a de garantir ordem pública e ordem econômica,

vêm delineadas com a intenção inversa ao que propõe o dispositivo infraconstitucional,

gerando a incabível antecipação de pena e a ofensa aos princípios norteadores do processo

penal, fulcrados em nossa Constituição Federal do Brasil, eis que esses determinam à

liberdade, a preponderância do poder estatal, principalmente no que se refere aos direitos

garantidos constitucionalmente fundamentais consagrados em nosso Dogma de Fé, em favor

do cidadão, a preservar sua dignidade, sua liberdade, devendo nesses casos os princípios

serem aplicados com a devida interpretação dos direitos fundamentais, nas quais a liberdade é

a regra, concedendo a todo e qualquer cidadão os seus direitos e garantias consagrados, ou

seja, o de protegê­los a todo ato arbitrário e excesso do poder estatal, no que tange lhes

preservar à honra, à liberdade individual e os seus direitos como cidadãos que são 265 .

O direito processual penal é o regime amparado pela Constituição Federal, pois possui

princípios norteadores da interpretação dos textos legais, prestando segurança e uniformidade

aos rumos e decisões processuais, unificando a forma, o entendimento e a realização desses

atos e decisões, a fim de que exerça o Estado, a concessão de direitos basilares do sistema

penal, eis que titular do direito 266 . Importando que se reconheça seu modo de interpretação de

medida e o entendimento de situação de urgência, sendo este o fim que se destina esta

delineada forma de tutela inserida no âmbito da teoria geral do processo. Destarte, que o

problema reside justamente na circunstância de tradução da linguagem da norma, eis que a lei

exige limites na sua interpretação, que revista­se ela de natureza cautelar, devendo o operador

jurídico permanecer dentro desses limites 267 , para que tal medida extrema tida como mal

necessário se harmonize com a primazia da constituição, sendo este o limite necessário e

264 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 126. 265 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Pr isão Provisór ia e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 01/05. 266 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Pr incípios no processo penal brasileir o. Campinas, São Paulo: Copola, 1999.p. 10. 267 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 126.

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determinado pelo princípio da presunção de inocência 268 , princípio este, basilar do sistema, o

qual veda toda espécie de tratamento sancionatório aplicado antes da sentença penal transitada

em julgado. Ademais, sabemos que tal conduta abusiva de limitação total/parcial à liberdade

das pessoas, somente recai o ônus maior sempre sobre os presos, devendo nesse toar, o estado

reconhecer sobre o investigado as suas garantias individuais 269 , pois são os vetores das

normas em nosso ordenamento jurídico. Esse é o limite imposto pela constituição, que tem

por fim, a busca desse equilíbrio acerca dos termos de interpretação e de aplicabilidade da lei

processual penal pelo aplicador da norma, o que é indispensável e fundamental como prova de

sua segurança jurídica do Estado/Juiz e da confiabilidade do sistema judiciário, permitindo

adequá­lo o quanto possível aos ditames da Lei Maior.

268 FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Pr isão Preventiva, Pr isão Decor rente de Sentença Condenatór ia Recorr ível e Pr isão Decor r ente de Decisão de Pronúncia – Considerações in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 149. 269 SILVA, Danielle Souza de Andrade e. A temporalidade específica da pr isão preventiva in Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, n. 62, p. 217.

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