A Invocação Ao Sobrenatural Vale Como Prova

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Criminal/Criminal A Invocação ao Sobrenatural Vale como Prova? RESUMO: As experiências mediúnicas e o uso da psicografia merecem distinção, pois a última en- contra-se consubstanciada em um documento, meio de prova lícito, admitido, expressamente, no Código de Processo Penal (arts. 231 a 238). De qual- quer maneira, tanto a prova mediúnica como a re- sultante da psicografia são incabíveis, pois ambas não podem ser nem confirmadas nem infirmadas, gerando perplexidade para o juiz e para as partes e impedindo um juízo crítico adequado para o deslinde da causa. • PALAVRAS-CHAVE: Processo penal. Prova. Invo- cação ao sobrenatural. Impossibilidade. A matéria objeto do presente estudo raramen- te é versada entre os tratadistas da prova em razão da sua episódica incidência no campo do processo penal, muito embora, vez por outra, o tema venha à baila por meio de noticiários esparsos da imprensa, quase sempre abordados de forma superficial, bus- cando mais o sensacionalismo da notícia que a in- formação técnica e precisa. Fica-se, assim, sem sa- ber ao certo até que ponto a prova emanada de ex- periências mediúnicas ou de documentos psicografados influiu ou não na decisão da causa, pois somente por meio de percuciente exame dos autos respectivos é que se poderia emitir um pro- nunciamento seguro a respeito dos fundamentos do julgado em que ela restou apreciada e determinar até que ponto o dado sobrenatural teve relevância na decisão. Valho-me, inicialmente, para o estudo do nos- so assunto, de um caso concreto, distribuído à 16 a Vara Criminal- GB, em que tive a oportunidade de oficiar, quando ainda Promotor Substituto, ao tempo do ex- ,tinto Estado da Guanabara, atuando sOmente na fase final do processo, ou seja, quando da ápresentação das alegações finais escritas (art. 500 do CPP). c,': afeito criminal em tela pode ser assim resumi- do: os denunciados no processo em questão (n l1 73 Sergio DEMORO HAMILTON" 22.596), eG. e H.G., haviam conhecido o lesado, O.S.M.P., no distante ano de 1928 e, a partir de então, passaram a exercer domínio sobre a pessoa do ofen- dido, a.s.M.p., mediante ardil, a ponto de dominar- lhe a vontade, dizendo-se CG., com a participação de H.G" porta-voz de um "Mago Peruano" imaginário. Por aconselhamento dotal "Mago Peruano", a.s.M.p., homem de grande fortuna, passou a fazer aentrega de elevadas importâncias em dinheiro a CG. e H.G., bem como a transferir bens imóveis para estes. A atividade criminosa dos réus teve início em 1942, prolongando-se até setembro de 1959. Portan- to, estendendo-se por longos 17 anos. Vendo-se espoliado em seu patrimônio, O.S.M.P. pretendeu reaver os bens materiais que ha- via entregue aos réus, por influência do aludido "Mago Peruano". CG. e H.G. alegaram, então, que não devolveriam as vultosas quantias em dinheiro e os imóveis, que lhes tinham sido doados, sob o ar- gumento de que o ofendido, igualmente; não lhes poderia restituir os "bens espirituais" (síc) recebi- dos por intermédio da ação do tal "Mago Peruano". O processo em exame gozou, na época, de grande repercussão, poís tanto o lesado como os imputados eram pessoas bastante conhecidas, ten- do o ofendido arrolado uma série de testemunhas de notória representatividade social, entre elas o jor- nalista e empresário Roberto Marinho, presidente das Organizações "Globo" (Jornal, Revistas, TVetc.), que, ao prestar depoimento, se disse ser velho ami- go da vítima e que certa feita ouvira do próprio O.5.M.P. declaração de que a figura de um "Mago Peruano" o influenciara a entregar recursos dele, lesado, para negócios imobiliários em favor dos denunciados. • Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e Professor universitário.

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A Invocação Ao Sobrenatural Vale Como Prova

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  • Criminal/Criminal

    A Invocao ao Sobrenatural Vale como Prova?

    RESUMO: As experincias medinicas e o uso dapsicografia merecem distino, pois a ltima en-contra-se consubstanciada em um documento,meio de prova lcito, admitido, expressamente, noCdigo de Processo Penal (arts. 231 a 238). De qual-quer maneira, tanto a prova medinica como a re-sultante da psicografia so incabveis, pois ambasno podem ser nem confirmadas nem infirmadas,gerando perplexidade para o juiz e para as partese impedindo um juzo crtico adequado para odeslinde da causa.

    PALAVRAS-CHAVE: Processo penal. Prova. Invo-cao ao sobrenatural. Impossibilidade.

    A matria objeto do presente estudo raramen-te versada entre os tratadistas da prova em razoda sua episdica incidncia no campo do processopenal, muito embora, vez por outra, o tema venha baila por meio de noticirios esparsos da imprensa,,~c:y:,,\:,,:,:,: quase sempre abordados de forma superficial, bus-

    cando mais o sensacionalismo da notcia que a in-formao tcnica e precisa. Fica-se, assim, sem sa-ber ao certo at que ponto a prova emanada de ex-perincias medinicas ou de documentospsicografados influiu ou no na deciso da causa,pois somente por meio de percuciente exame dosautos respectivos que se poderia emitir um pro-nunciamento seguro a respeito dos fundamentos dojulgado em que ela restou apreciada e determinarat que ponto o dado sobrenatural teve relevnciana deciso.

    Valho-me, inicialmente, para o estudo do nos-so assunto, de um caso concreto, distribudo 16aVaraCriminal- GB, em que tive a oportunidade de oficiar,quando ainda Promotor Substituto, ao tempo do ex-

    ,tinto Estado da Guanabara, atuando sOmente na fasefinal do processo, ou seja, quando da presentaodas alegaes finais escritas (art. 500 do CPP).c,': afeito criminal em tela pode ser assim resumi-do: os denunciados no processo em questo (n l1

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    Sergio DEMORO HAMILTON"

    22.596), eG. e H.G., haviam conhecido o lesado,O.S.M.P., no distante ano de 1928 e, a partir de ento,passaram a exercer domnio sobre a pessoa do ofen-dido, a.s.M.p., mediante ardil, a ponto de dominar-lhe a vontade, dizendo-se CG., com a participao deH.G" porta-voz de um "Mago Peruano" imaginrio.Por aconselhamento dotal "Mago Peruano", a.s.M.p.,homem de grande fortuna, passou a fazer a entregade elevadas importncias em dinheiro a CG. e H.G.,bem como a transferir bens imveis para estes.

    A atividade criminosa dos rus teve incio em1942, prolongando-se at setembro de 1959. Portan-to, estendendo-se por longos 17 anos.

    Vendo-se espoliado em seu patrimnio,O.S.M.P. pretendeu reaver os bens materiais que ha-via entregue aos rus, por influncia do aludido"Mago Peruano". CG. e H.G. alegaram, ento, queno devolveriam as vultosas quantias em dinheiro eos imveis, que lhes tinham sido doados, sob o ar-gumento de que o ofendido, igualmente; no lhespoderia restituir os "bens espirituais" (sc) recebi-dos por intermdio da ao do tal "Mago Peruano".

    O processo em exame gozou, na poca, degrande repercusso, pos tanto o lesado como osimputados eram pessoas bastante conhecidas, ten-do o ofendido arrolado uma srie de testemunhasde notria representatividade social, entre elas o jor-nalista e empresrio Roberto Marinho, presidentedas Organizaes "Globo" (Jornal, Revistas, TVetc.),que, ao prestar depoimento, se disse ser velho ami-go da vtima e que certa feita ouvira do prprioO.5.M.P. declarao de que a figura de um "MagoPeruano" o influenciara a entregar recursos dele,lesado, para negcios imobilirios em favor dosdenunciados.

    Procurador de Justia (aposentado) do Ministrio Pblico doEstado do Rio de Janeiro e Professor universitrio.

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    Dessa maneira, a prpria Lei Maior que, aoconsagrar o Estado laico, exige tal postura por partedo intrprete.

    Portanto, que fique bem claro nosso posicio-namento diante de to delicado assunto, envolven-do matria de crena religiosa, a qual respeito aindamesmo quando no a aceite.

    Nos episdios aqui examinados, envolvendoa psicografia, o assunto torna-se mais delicado queo evento noticiado relativo ao "Mago Peruano", esteltimo, ao meu pensar, totalmente bizarro e inacei-tvel.

    A razo da maior dificuldade no enfrentamen-to do problema reside no fato de queo documentopsicografado ganha materializao nos autos, per-mitindo, portanto, exame crtico de um dado con-creto.

    Cabe, assim, primeiro, definir o que seja psi-cografar ou, mais ainda, o que significa psicografia.

    a verbo psieografarsignifica "redigir (o que ditado por espritos)" (FERREIRA, 1986, p.1-412) aopasso que o substantivo psieografiaconsiste na "es-crita dos espritos pela mo do mdium" (op. cit.,loe. cit.). Por seu turno, como j definido aqui, o m-dium figura como intermedirio entre os vivos e osmortos.

    Nessa ordem de idias, o que vem para os au-tos um documento, tal como o define nossa leiprocessual penal em seu art. 232. Para ela;conside-ram-se documentos "quaisquer escritos".

    Portanto, prima facie, cogita-se de meio deprova previsto em lei (art. 232 do CPP, Captulo IX,Ttulo VII,Livro I do CPP, que se ocupa "Da Prova").Se assim , em um primeiro exame da matria, de-ver-se-ia aplicar o brocardo nu/la restrictio sine/ege', tendo em vista que as restries, todas elas,so de direito singular, isto ,no existem sem leiexpressa que as consagrem. Haver, assim, prvia,regra vedando a prova, podendo ela ser encontradana lei processual ou na lei material, estejam encon-trem-se ta is vedaes expressas nos cd igos respec-tivos ou, ainda, em leis extravagantes. Outras vezes,a proibio decorrer de manifesta incompatibili-dade com os princpiosconsagradosna prpria Cons-tituio da Repblica. Esta, portanto, h deser a ori-entao consentnea com o sistema do livre con-

    Antes de examinar o themasob o ngulo jur-em funo do nosso direito positivo, gostaria

    de deixar claro que no meu intento ofender ou'''';;::... ,.:,.... :, menosprezar aqueles que, professando o espiritis-

    mo, acreditam na veracidade de tais fenmenos so-brenaturais. Professo, com respeito, o irenismo. Mi-nha anlise ir ater-se, to-somente, em funo donosso ius positum, para que se possa chegar a umaconcluso se, diante da lei, podem eles embasar umadeciso judicial.

    Com efeito, desde que se examine a nossa Cons-tituio Federal, veremos que ela considera inviolvel. liberdade de conscincia e de crena, assegurandoo livre exerccio dos cultos religiosos e protegendoos locais de culto e suas liturgias naforma dalei (art.

    inciso VI); alm disso, apertis verbis, afirma a nos-Carta Magna que ningum ser privado de direitos

    motivo de crena religiosa ou de convico filo-,\'sotca ou poltica .;. (art. 5Q , inciso VII!)... "., ....

    gando o ru a ser submetido a julgamento pelo JrL:~ " bos; ressalta o Autor citado, havia relatos baseados

    "'t"lpc:;niriitic;mo ligados os dois psicografia. No ter-'},i!;:.\,,}:" :n~:(-"';cJr"f'b

    processo como "Mago Superior", por meio dos irmosCG. e H.G., exercia sobre o lesado total influncia,mantendo-o sob domnio absoluto, no mereceu daminha parte qualquer relevncia, at porque ridcula.Com efeito, o lesado era homem de indiscutvel inte-ligncia, empresrio bem-sucedido no seu campo deatividades, tendo, inclusive, exercido o cargo de mi-nistro da Fazenda em carter interino. Emcontrapartida, os rus pareciam-me pessoas de pou-cas letras, sendo conhecidos como lutadores de jiu-jtsu, que desfrutavam de grande popularidade.

    Dessa maneira, no crvel que olesado fosseaceitar a influncia de um "Mago", soando-meinverossmil a afirmao de que transferira para osrus vultosas somas em dinheiro e imveis em trocade "benefcios espirituais" obtidos graas aoaconselhamento do "Mago Peruano", por meio dosmdiuns CG. e H.G.. Para os no-iniciados, mdium,na doutrina esprita, o intermedirio entre os vi-vos e a alma dos mortos. o que ensina o lxico.

    A sentena criminal, da lavra do saudoso juizDeocleciano d'aliveira, endossou o pronunciamentodo Ministrio Pblico desacolhendo as preliminaresargidas e, cirea merita, absolveu os denunciados.

    No juzo cvel, igualmente, foi rechaada a pre-tenso de O.S.M.P., buscando a reparao do dano,tendo a sentena salientado que se algum itcitoforapraticado nas relaes havidas entre as partes,O.s.M.P. seria quem o praticara.

    H outras experincias medinicas relatadasenvolvendo a figura do conhecido mdium brasilei-ro "Chico Xavier", falecido em 2001, em que, em trscasos emblemticos, suas psicografias acabaram porinfluenciar no resultado de trs crimes que culmina-ram com a morte das vtimas. o que narra o doutopromotor de justia Renato Marco (2007), em seuapreciado artigo "Psicografia e prova penal".

    Salienta o ilustre membro do Ministrio P-blico de So Paulo que, nos trs casos por ele indica~dos, as psicografias influenciaram a prova em bene-ficio dos rus. Dos trs episdios a que se refere oaludido doutrinador, dois ocorreram no Estado deGois, em 1976, e os respectivos processos foramdistribudos, em momentos diversos, aojulgamen-to do mesmo juiz de direito. No primeiro caso, deu-se a absolvio sumria (art. 411 do CPP), no che"

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    Igualmente, prestou depoimento Eloy Dutra,poltico bastante influente naquele momento, afir-mando que conhecia a.s.M.p., tido e havido comoprotetor dos irmos CG. e H.G .. Salientou, em seudepoimento, que o lesado fora vtima de estelionatouma vez que fora induzido em erro por meio de"fraudes religiosas" (siq aplicadas pelos irmos CG.e H.G.. Tais informaes, segundo disse, foram pres-tadas ao conhecido homem pblico pelo prprioofendido.

    Como de fcil observao, era o prprio ofen-dido, a.s.M.p., que alegava que os irmos CG. e H.G.atuavam como porta-vozes do "Mago Superior Pe-ruano".

    CG. e H.G. se viram denunciados por infraoao art. 171 do Cdigo Penal, na modalidade da ficolegal do crime continuado, tendo em vista o lapso detempo decorrido e o nmero de crimes perpetrados.

    Esta constitui, de forma bastante resumida, aquaestio iuris na parte que interessa ao nosso estu-do, pois o volumoso feito contou com outros des-dobramentos, tais como por exemplo o aditamentoda denncia alm de duas preliminares de naturezaprocessual, que aqui no merecero anlise por noapresentarem qualquer relevncia para o presentetrabalho.

    Chamado a oficiar em alegaes finais escri-tas (art. 500 do CPP), portanto na fase final da ins-truo postulatria, aps refutar as preliminaressuscitadas, neguei qualquer valor prova sobrena-tural, isto , atuao do "Mago Peruano" que, porintermdio dos rus, em atuao medinica, fez queo lesado transferisse para os acusados elevadssimassomas em dinheiro, alm de imveis.

    Pareceu-me que havia entre o ofendido e osrus uma sociedade de fato, que se estendeu porquase duas dcadas e que, em determinado momen-to, por razes ignoradas, chegou ao fim. As transa-es poderiam ter sido feitas mediante atos jurdi-cos simulados ou por meio de negcios fiduciriospraticados entre as partes. Ressaltei que se tratavade mera hiptese, pois jamais me foi possvel sabero que havia de subjacente na relao comercial deque participaram as partes em contenda.

    A esdrxula e infantil alegao trazida aos au-tos de que o "Mago Peruano", tambm indicado no

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    No caso da psicografia haveria formalmenteum documento nos autos, que tornaria lcita a pro-va pretendida. Porm, tal documento seria, de todo,descabido, impertinente e imprestvel por no sercapaz de trazer qualquer contribuio para a verda-de real, uma vez que no se pode afirmar nemtampouco infirmar o que nele est contido.

    interessante observar que no caso do "MagoPeruano", caso eu tivesse oficiado nos autos desdeo incio do procedimento, no teria sequer ofereci-do a denncia porfalta de justa causa para a impu-tao, pois jamais admitiria formular acusao con-tra os indiciados naquelas circunstncias.

    Deparando-me com a psicografia, j como sa-lientei, de nada valeria igualmente colher o. depoi-mento do mdium, no somente porque ocontedodo escrito no lhe pertenceria pois fora ditado porum espirito, como tambm porque estaramos di-ante de uma verdadeira petio deprindpio,paralogismo em que se estaria aCOlhendo previa-mente como verdadeiro aquilo que se tinha em mirademonstrar. Torna-se evidente que o mdium iriaconfirmar haver recebido a mensagem do sprito.

    Demais disso, resta saber se o padro grficoestampado no documento emanava do punho domdium ou se provinha do esprito. Se emanasse doprimeiro, estaramos, novamente, diante de umapetio de princpio. Se proviesse do segundo, ha-veria, em tese, a possibilidade da realizao do exa-me grafotcnico, efetivado por meio das indicaesconstantes do art. 174, incisos 11 e 111 do CPP. Porm,dada a peculiaridade da prova assim colhida, no sepoderia prescindir da inquirio do autor do escrito.Como faz-lo?

    H, ainda, um dado intrigante em relao psicografia que exige, por certo, anlise cuidadosa. que ela vem sendo usada, de forma sistemtica,em benefcio dos rus. Nunca me deparei diante deuma acusao originria do Ministrio Pblco fun-dada na psicografia.

    Outro aspecto que merece ser destacadoreside na circunstncia do seu aproveitamento,tambm usual, nos processos da competnciado Jri. Ali, mais que nunca, passando da f mera crendice, o jurado sofre, sem dvidas, gran-de influncia para absolver o ru, tanto mais quesua deciso no vem motivada.

    escocs en 1754, que dos testigos afirmaron bajo ju-,~.,....::,':,"'.:,'.: ramento que les haba revelado un espritu celestial

    el nombre dei autor de un homicdio."No mesmo sentido, o pensamento de Julio

    Acero (p. 226), que transcreve, inclusive, o ensina-mento de Bonnier.

    Averbe-se que, no caso de crime de compe-'. tncia do Tribunal do Jri, a valorao do documen-.~.::.:',":'>'.:: to psicografado torna-se especialmente delicada,.wti"'::,.:' to, sistema adotado pelo juiz de direito para validarsuas decises. No Jri, ao contrrio, o sistema espo-

    . sado o da ntima convico dos jurados, tornando"Iotrica a deciso que viesse a acolher como prova o

    ,:."" ...:':.... dOcumento psicografado. Bastaria que o Conselhode Sentena se visse composto, em sua maioria, por

    ,,,,,,:..::.:,.: ..~':::>::'.:' deptos do espiritismo ou por pessoas influenciveis

    >por tais fenmenos para que a prova obtida pormeio de psicografia ganhasse relevo incomensur-

    .""", ::.: Vel em relao s demais, mesmo quando estas adesmentissem totalmente.

    . :. Releva observar que os casos emblemticosaqui referidos no tocante psicografia envolviam,TODOS, crime doloso contra a vida (homicdio) e,pois, deveriam merecer julgamento pelo tribunalpopular.

    Rechaar a psicografia importaria numa limi-tao prova, pois o documento em que ela seconsubstancia constitui meio de prova lcito (art. 231do CPP)? Penso que no. No meu entendimento, odocumento psicografado no deveria chegar sequer fase de valorao da prova. Esbarraria na fase deadmisso, cumprindo ao juiz indeferi-lo, in /mine/itis, escoimando-o dos autos.

    No haveria em tal maneira de decidir qual-quer ato de arbtrio do julgador, pois no somenteas provas ilcitas so inadmissveis. Igualmente, asprovas absurdas e que no apresentam um mni-mo de verossimilhana so incabveis e imperti-nentes.

    bom assinalar que fatos que escapam aoslimites da nossa inteligncia, por mera questo debom senso, no merecero, evidentemente, aceita-o como prova, pois no podem ser submetidos aum juzo crtico severo.

    um feito criminal nas mos das convices relgio-sas do magistrado?

    Um juiz, fosse ele agnstico, ou, mais ao extre-mo, fosse ele ateu, jamais admitiria tal modalidadede prova. Por outro vrtice, um julgador que fosseadepto da crena esprita aceitaria como vlida apsicografia ao argumento de que ela no , expressa-mente, proibida pela lei processual e que vem ao en-contro de sua crena religiosa.

    Restaria a possibilidade do exame caligrficodo documento, regulado minuciosamente no art. 174do CPP, que versa a respeito do reconhecimento deescritos, por comparao de letra. Mas que letra? Domdium? Do esprito? Seria uma forma tcnica pelaqual se poderia chegar a uma concluso definitiva?No creio.

    Penso que, ainda assim, tal modaldadedeexame grafotcnico no daria suficiente respaldopara a aceitao da validade da psicografia, pois noseria possvel, caso assim desejasse uma das prtes(ou o determinasse o prprio juiz), submeter-se aocrivo do contraditrio o esprito desencarnado, paraque confirmasse o laudo (se positivo a respeito daautoria do escrito) ou viesse a contest-lo (se nega-tivo em relao ao valor do documento). ..

    Tal direito no poderia ser sonegado parteacusadora, caso desejasse, por tratar-se de direitoindividual assegurado pela Constituio Federal aoslitigantes em qualquer processo judicial (art. 512,inciso LV). Referi-me, de modo especial, ao Minist-rio Pblico ou ao querelante, pois, tanto quanto mefoi dado observar, a psicografia somente tem sidoutilizada em favor dos rus. certo que, na espcie,restaria a possibilidade de sabatinar, sob o crivo docontraditrio, o mdium. Porm, ele no seria o au-tor intelectual do escrito, mas mero copista daquiloque o esprito lhe teria ditado.

    O documento, por si s, dada a peculiaridadeda prova, no poderia merecer aceitao, sem quese completasse por meio da prova oral. Mas comofaz-lo?

    Bonnier (1847), examinando o valor emanadoda prova obtida por meio de invocao ao sobrena-tural, lana, sem meias palavras, vigoroso antemacontra seu aproveitamento no processo, in verbis:"En el dia no se permitira ya, como hijo un Tribunal

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    vencimento e com a busca da verdade real consa-grados em nossa lei processual penal, que estabele-ce a ampla liberdade na produo de provas (TtuloVII - "Exposio de Motivos" do CPP).

    O Cdigo de Processo Civil, quando se ocupa"Das Provas", declara, em suas "Disposies Gerais",que "todos os meios legais, bem como os moral-mente legtimos [...] so hbeis para provar a verda-de dos fatos [...]" (art. 332, Seo I, Captulo VI, TtuloVIII do Livro 1), preceito que, sem sombra de dvida,encontra aplicao no processo penal (art. 311do CPP).

    Sabe-se, da mesma forma, que o procedimentoprobatrio passa por diversas fases, a saber: apropositura da prova pela parte, a admisso da provapelo juiz, a produo da prova e, por fim, a valoraoda prova pelo magistrado, por ocasio da sentena.

    Dessa maneira, diante da natural perplexida-de com que se depara o magistrado diante da indi-cao pela parte de uma prova arrimada no sobre-natural, deve ou no o juiz admiti-Ia ainda na pri-meira fase do rito probatrio?

    Renato Marco (2007), a respeito do uso dapsicografia como prova penal, salienta que no hno ordenamento jurdico vigente qualquer preceitoexpresso que proba a apresentao de documentoproduzido por psicografia uma vez que de prova il-cita no se trata, concluindo por afirmar que no sis-tema jurdico brasileiro no h como normatizar ouso do documento psicografado como meio de pro-va, seja para autoriz-lo, seja para ved-lo. O Estado,afinal, laico.

    Portanto, de acordo com o pensamento daque-le ilustre promotor de justia, a prova em questomerece ser admitida, produzida e valorada pelo juizpor no se tratar de prova obtida por meio ilcito.

    De outro lado, deve deixar-se ao juiz a prerro-gativa de, de acordo com o sistema do livre conven-cimento, dar ao documento o valor que entendercabvel, como procederia com qualquer outro meiode prova.

    Coloco-me tomado por sria dvida diante detal posio em relao ao thema. Como ser possvela valorao de prova que,se no vedada expressa-mente, jamais poder ser normatizada?

    Em conseqncia da indagao, vejo-me le-vado a uma outra pergunta. Como colocar a sorte de

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    Outras vezes, movido pelo medo do desconhe-cido ou ainda por simples superstio, o jurado ten-de a acatar a comunicao do alm, sempre muitobem explorada pelo tipo de oratria usado pela de-fesa da tribuna do Jri.

    No se pode olvidar que os jurados so pesso-as oriundas das mais diversas camadas da popula-o, muitas vezes desprovidas de formao religio-sa e cultural, sujeitos, portanto, aos apelos emocio-nais lanados no interesse da defesa no objetivo deobter a absolvio.

    Tanto quanto eu saiba, repito, os espritos ja-mais auxiliaram o Ministrio Pblico...

    ConclusesPode-se, em resumo, chegara algumas con-

    cluses:o A prova medinica, por no poder ser nem

    infirmada nem confirmada, no pode merecer acei-tao uma vez que no enseja ao juiz e s partes arealizao de um juzo crtico adequado.

    o No caso da psicografia, por tratar-se formalmentede prova documental prevista em lei, no pode elaser acomada de prova ilcita; porm, trata-se deprova incabvel para a demonstrao dos fatos, nopodendo servir de base quer para a condenao,quer para aabsolvio. Como tal, deve serexpungida, desde logo, do processo, no ultrapas-sando a fase de admisso da prova. Quando mui-to, caso chegue fase de valorao da prova, me-recer desacolhimento.

    De nada valer o depoimento do mdium, por evi-denciar-se, no caso, uma verdadeira petio deprincpio.

    o No deixa de ser estranhvel o fato de que a invo-cao ao sobrenatural se d sempre em favor dosrus, buscando inocent-los.

    o Apsicografia tem sido admitida, ao que sei, em pro-cessos da competncia do Jri, justamente em ra-

    zo de que l o veredicto imotivado, sofrendo ojurado, pelas razes mais diversas, toda a sorte deinfluncias (medo, superstio, crendice etc).

    o No haver qualquer cerceamento para a parte,caso o juiz no admita, desde logo, a produo dequalquer prova fundada no sobrenatural.

    Qualquer fato que escape aos limites da nossa in-teligncia, no estgio atual de nosso conhecimen-to, no poder merecer aceitao como prova.

    DEMORO, HAMILTON, S. Is the claim of supernaturalphenomena acceptable as evidence? Rev. Justitia(So Paulo), v. 197, p. 73-78. jul./dez. 2007. ABSTRACT: Medium experience and the use of

    psychography deserve distinction due to the factthat the latter is found consubstantiated in adocument, legal means of evidence, expresslyadmitted in the Criminal Process Code (articles 231to 238). By any means, both medium evidence andthose which result from psychography areinadmissible, owng to the fact that they cannotbe confirmed ar disproved, generating perplexityto th e judge a nd to the parts involved a ndhindering an adequate criticai judgement to theunraveling ofthe law.

    KEYWORDS: Criminal processo Evidence;Supernatural summoning. Impossibility.

    Referncias bibliogrficasACERO, Julio. Procedimento penal. 4. ed. Puebla:Editorial Jos M. Cajica, Jr. S.A, Puebla. p. 226.BONNIER, Edouard. Procedure civile. Joubert: Paris,1847.FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicio-nro da Lngua Portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio deJaneiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1-412.MARCO, Renato. Pscografia e prova penal. In:Frum-MP. Acesso em: 13 mar. 2007.