A orientação educacional e a integração escola-comunidade - olhares sobre a atuação dos...
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata das possibilidades de atuação do Orientador
Educacional em relação à existência e funcionamento dos conselhos escolares,
mecanismos de gestão democrática nas escolas públicas e principal meio de
participação integrada da comunidade escolar nos desígnios da escola.
Desde a criação da função de Orientação Educacional, somente foi
legalizada nacionalmente no final dos anos de 1960 e no início da década
seguinte, permitindo sua existência em muitas redes públicas de ensino, até a
observação dos conselhos escolares enquanto princípio da gestão democrática
do ensino público, o que somente ocorreu em 1996, que são raras as
pesquisas em que ambos estejam associados.
Faz-se necessário compreender como o Orientador Educacional tem se
posicionado em relação à formação e atuação dos conselhos escolares, visto
que tanto esse profissional quanto os conselhos em questão são importantes
na construção de uma educação pública de qualidade.
O Orientador Educacional é um dos profissionais responsáveis pela
melhoria das relações da escola com a comunidade, por meio de ações
significativas junto ao corpo docente e discente e, ainda, às famílias que
mantém seus tutelados na instituição de ensino. Tais ações visam a melhoria
do processo educativo, observando-se as relações intra e interpessoais na
escola, dos rendimentos e da freqüência dos discentes e a criação e
manutenção de ambiente de diálogo tanto na unidade de ensino quanto na
região em que está inserida.
Os conselhos escolares, por sua vez, são mecanismos de
descentralização e de gestão democrática do ensino público que têm sua
constituição caracterizada pela presença de membros dos principais
segmentos da comunidade escolar. Sua atuação deve revelar tanto a
integração quanto a interação da escola com a comunidade em que ela se
encontra, promovendo melhores graus de autonomia administrativa, financeira
e pedagógica da unidade de ensino.
Não existe nenhuma obrigação legal quanto à participação do Orientador
Educacional no conselho escolar. No entanto, devido às características das
funções desse profissional, sobretudo as associadas às relações com a
comunidade, sua atuação no ou com o conselho escolar torna-se importante
para o desenvolvimento do trabalho educativo.
Justifica-se, pois, investigar os olhares da Orientação Educacional
quanto à formação e atuação dos conselhos escolares e como tem se dado a
relação entre os profissionais e os colegiados em questão.
A pesquisa tem como principal objetivo “compreender o posicionamento
do Orientador Educacional quanto à formação e atuação dos conselhos
escolares”.
A partir deste, foram elencados os seguintes objetivos específicos:
conceituar conselho escolar situando-o como mecanismo da gestão
democrática do ensino público; caracterizar as funções do orientador
educacional; e, finalmente, verificar a atuação e os olhares da orientação
educacional frente aos conselhos escolares.
Há evidências de que os conselhos escolares não apresentam sua
formação e atuação de acordo com a missão que devem possuir numa gestão
democrática do ensino público, bem como que a Orientação Educacional ainda
não tem percebido as possibilidades de atuação significativa nos espaços e
tempos de tais conselhos.
São questões secundárias da pesquisa: o que é conselho escolar e qual
sua relação com a gestão democrática do ensino público? Quais são as
funções do Orientador Educacional? Como tem se desenvolvido a atuação e
que olhares a orientação educacional apresenta frente aos conselhos
escolares?
A presente pesquisa teve seu espaço de investigação delimitado na
atuação e nos olhares de Orientadores Educacionais em seis escolas de
Ensino Fundamental da rede municipal de ensino de Queimados.
O Capítulo I trata das origens dos conselhos escolares na educação
brasileira, bem como sua observação pela legislação educacional e suas
relações com a gestão democrática do ensino público.
O Capítulo II, por sua vez, faz um breve esclarecimento sobre as origens
e funções do Orientador Educacional e suas possibilidades de atuação nas
escolas.
O Capítulo III, por fim, observa a atuação e os olhares da Orientação
Educacional frente aos conselhos escolares de seis unidades de ensino
municipais de Queimados.
A pesquisa pretende introduzir a reflexão sobre a atuação da Orientação
Educacional a partir dos conselhos escolares, sem a pretensão de construir
uma linha de ação para tais profissionais, pois é necessário estimular novos
olhares sobre os sujeitos e as ações diretamente associadas ao processo
educativo, de modo a possibilitar uma busca mais consciente e cidadã por uma
educação pública de qualidade.
CAPÍTULO I
CONSELHOS ESCOLARES: ORIGENS, LEGISLAÇÃO
EDUCACIONAL, RELAÇÕES COM A GESTÃO
DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO E
CARACTERÍSTICAS
1.1 – As origens dos conselhos na gestão pública
O entendimento do funcionamento dos conselhos voltados para o setor
educacional brasileiro está condicionado a toda uma história de criação e de
experiências de conselhos – dos mais variados tipos – na gestão pública. Logo,
aqui se pretende, por meio de um pequeno resgate histórico, refazer tal
trajetória dos seus primórdios até a criação dos conselhos de educação no
Brasil, sobretudo daqueles relacionados à gestão financeira da educação
pública.
Não se deve acreditar que a utilização de conselhos na gestão pública
ou em coletivos da sociedade civil é nova na História da Humanidade. Alguns
pesquisadores acreditam que a utilização de conselhos tem suas origens em
clãs visigodos, sendo tão antigos quanto a própria democracia participativa
(GOHN, 2007, p. 65).
Na história portuguesa, por sua vez, percebe-se a criação de
“concelhos”1 entre os séculos XII e XV – período em que a não lusitana estava
se firmando como a primeira unidade política européia. Estes, de caráter
municipal, ou seja, restrito aos limites das cidades lusas, influenciaram a
criação das câmaras municipais e as prefeituras brasileiras no período colonial.
Entretanto, vale citar que:
“(...) os conselhos que se tornaram famosos na história foram: a Comuna de Paris, os conselhos sovietes russos, os conselhos operários de Turim – estudados por Gramsci - ,
1 Na época, em que a língua portuguesa também passava por intensas transformações, a palavra era grafada com “c” mesmo.
alguns conselhos na Alemanha nos anos 1920, conselhos na Antiga Iugoslávia nos anos 1950, conselhos atuais na democracia americana, etc. Observa-se que na modernidade os conselhos irrompem em épocas de crises políticas e institucionais, conflitando com as organizações de caráter mais tradicionais.” (Idem, p. 65 – 66)
No Brasil, no princípio da década de 1980, quando se iniciava uma
abertura política em relação ao regime político instaurado em 1964 com o
Golpe Militar, várias ações visando a redemocratização do país foram
percebidas, como o movimento pelas eleições diretas, a realização de vários
fóruns e seminários sobre os caminhos da redemocratização, o surgimento de
muitos sindicatos e a discussão de nossas leis visando uma nova e necessária
Carta Magna. Muitos têm a eleição indireta de Tancredo Neves para presidente
do país, em 1985, como o marco do fim da Ditadura Militar e, naquele momento
– não se pretende aqui prender-se às sucessões presidenciais do período – a
discussão sobre a existência de conselhos na vida pública brasileira se
acalorava, influenciando a nova Constituição que seria promulgada em 1988.
A nova Carta Magna brasileira, atendendo a apelos da sociedade e, não
devemos esquecer, inserida numa nova ordem sócio-econômica mundial que
pretendia diminuir as responsabilidades do Estado frente à vida pública,
criando-se o chamado Estado Mínimo2, criava mecanismos de
descentralização da gestão pública, incentivando o surgimento de conselhos
voltados para vários setores da sociedade, também na esfera municipal.
Enquanto instrumentos de gestão pública, foram muitas as experiências
com tais colegiados país afora (Ibidem), dando-se preferência a uma
composição paritária entre os representantes dos governos e da sociedade
representada.
1.2 – Os conselhos no setor educacional2 Aqui se tratam das orientações neoliberais principalmente para os países em desenvolvimento, repassadas por organismos da ONU, como a UNESCO, e pelo Banco Mundial (ARANHA, 2006, p. 331).
Percebe-se a existência de conselhos nas três esferas administrativas
em nosso país, conselhos esses relacionados a vários setores, como a
educação, a cultura, a saúde e a infância e a adolescência.
Em relação à educação brasileira, os primeiros colegiados puderam ser
observados ainda no final do século XIX, sendo denominados de “Caixas
Escolares”. Quando assim instituídos, tinham o objetivo de que a sociedade
compartilhasse da responsabilidade de financiar a educação pública, que sofria
com financiamentos insuficientes do Poder Público. Os Caixas Escolares,
instituídos, sobretudo, por leis estaduais, quando no Período Republicano,
apresentavam entre seus membros professores, diretores de escolas e
responsáveis de alunos. Seu grande objetivo era de que as doações recebidas
pela comunidade escolar ou por simpatizantes fossem utilizadas na melhoria
das condições de ensino, num paradigma claramente assistencialista.
Já na década de 1930, quando Lourenço Filho, um dos signatários do
Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova – o primeiro movimento de
intelectuais buscando a construção de um sistema nacional de ensino – sugeriu
a formação das Associações de Pais e Mestres (APM) na rede estadual de São
Paulo, encontrando-se o citado educador à Frente da Diretoria do Ensino da
referida unidade federativa, em 1931. Nesse caso, o grande objetivo era de que
as APM tivessem maior participação na aprendizagem dos educandos, mas
eram instituições facultativas, ou seja, formadas a partir das necessidades
apontadas pelas comunidades escolares paulistas. Dessa forma estava mais
para um direito do que para um dever dessas comunidades.
Contudo, com a saída de Lourenço Filho da citada Diretoria de Ensino,
as funções do colegiado, que também reunia professores e responsáveis dos
educandos, alguma mudanças consideráveis foram sendo ocorrendo em
relação às APM, com instituição mesmo de um “Estatuto Padrão”, basicamente
fugindo de suas originárias funções consultivas em direção a funções mais
relacionadas à administração e às finanças das escolas públicas, visando com
isso a constituição e preservação do patrimônio dessas unidades.
A Lei 5692/71 – a lei que reformava o ensino de primeiro e segundo
graus do ensino brasileiro – trazia em seu Artigo 62 a criação, em nível de
sistemas de ensino, de colegiados, a saber:
“Art. 62 – Cada sistema de ensino compreenderá, obrigatoriamente, além de serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados, condições de eficiência escolar entidades que congreguem professores e pais de alunos, com o objetivo de colaborar para o eficiente funcionamento dos estabelecimentos de ensino.” (Lei 5692/71)
Deve-se observar, contudo, que somente existiam pelas diretrizes e
bases da educação nacional no período de vigor da Lei 5692/71 os sistemas de
ensino mantidos pela União e pelos Estados, uma vez que as demais unidades
administrativas não apresentavam sistema de ensino próprio. Logo, nem os
Municípios nem as unidades escolares ganhavam o direito – ou o dever – de
apresentarem colegiados semelhantes.
Foi na rede estadual de ensino de São Paulo que surgiu, em 1978,
durante a Ditadura Militar, a expressão “Conselho Escolar”, por força do
Decreto Estadual 11625/78, que criava tais conselhos nas unidades escolares
de sua rede com caráter meramente consultivo.
A construção dos atuais conselhos escolares na educação brasileira
teve seu início em movimentos como a Conferência Brasileira de Educação,
ocorrida em Goiás em 1986, que elencavam princípios importantes para a
educação brasileira, fosse à elaboração de nossa atual Constituição, fosse
visando a criação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (SAVIANI,
2003).
No entanto, a voz do povo brasileiro foi calada por interesses de grupos
privados, sobretudo internacionais, que orientaram a criação de um Estado
neoliberal de pouca ação social, um Estado Mínimo. A descentralização do
ensino deve, portanto, ser observada nesse sentido, o que pouco favorece ao
desenvolvimento de participação consciente e muito colabora com todo um
esquema de ações técnico-burocráticas que prejudicam a cidadania e a
participação (ARANHA, 2006).
E, nesse contexto, o que parece servir aos interesses da população,
converte-se em instrumento de dominação, favorecendo muito mais a
fragmentação e a alienação. Não que tais instrumentos possam ser utilizados
em prol de uma participação consciente, mas, na realidade, esses geralmente
não vêm acompanhados das condições necessárias a tal tipo de atitude
(FONSECA, 2001).
Os conselhos voltados para a educação, contemplados em toda luta de
redemocratização do país e do ensino público, bem antes da Carta de Goiânia,
quando o processo de abertura política orientava a caminhada em direção a
um regime mais democrático, surgiram dessa necessidade de participação
como um “grito” da sociedade organizada, pleiteando a participação na
educação como um dos principais “locus” de formação cidadã.
1.3 – Os conselhos e a gestão democrática do ensino público
Quando, em nossa Carta Magna de 1988, surgiu como princípio do
ensino público a “gestão democrática” – devidamente referendada na Lei Darcy
Ribeiro (Lei 9394/96) aprovada oito anos depois – o caminho para a criação
dos conselhos escolares estava devidamente preparado. E, de um modo ou de
outro, tornam-se importantes tais espaços para a democracia, pois:
“(...) hoje a principal falha da escola com relação a sua dimensão social parece ser sua omissão na função de educar para a democracia. Sabendo da gravidade dos problemas e contradições sociais presentes na sociedade brasileira (...), que só fazem agravar com o decorrer do tempo, e considerando que uma sociedade democrática só se desenvolve e se fortalece politicamente de modo a solucionar seus problemas se contar com a ação consciente e conjunta de seus cidadãos, não deixa de ser paradoxal que a escola pública, lugar supostamente privilegiado do diálogo e do desenvolvimento crítico de consciências, ainda resista tão fortemente a propiciar, no ensino fundamental, uma formação democrática que, ao proporcionar valores e conhecimentos, capacite e encoraje seus alunos a exercer de maneira ativa sua cidadania na construção de uma sociedade melhor.” (PARO, 2007, p. 18 – 19)
Por isso, o conhecimento da gestão democrática do ensino público
torna-se imprescindível.
A gestão democrática do ensino é entendida como a efetiva participação
de seus profissionais e dos usuários do setor, de modo que, junto ao Poder
Público, possam contribuir tanto na construção de políticas públicas quanto no
seu desenvolvimento (BASTOS, 2005). Ou ainda que:
“O horizonte deste conceito de gestão é o da construção da cidadania que inclui: autonomia, participação, construção compartilhada dos níveis de decisão e posicionamento crítico em contraponto à idéia de subalternidade. Este é o viso que nos faz construir e enxergar a escola-cidadã que nada tem a ver com um modelo tradicional, tecnicista e excludente.” (CARNEIRO, 2004, p. 39 – 40)
Embora seja divulgada a idéia de que a gestão democrática deva ser
desenvolvida apenas pela escola – e nessa concepção se enquadram os
conselhos escolares – quando observada a descentralização e a criação de
vários mecanismos de elaboração e de acompanhamento das políticas
públicas para determinados setores da sociedade brasileira – dentre eles o da
educação – compreende-se facilmente que o tipo de gestão aqui mencionado
deve ser estendido a todo o funcionamento dos sistemas e das redes públicas
de ensino (SPÓSITO, 2005).
Dessa forma, vale citar que:
“Atualmente, a bandeira pela democratização da gestão escolar acompanha a luta dos setores mais progressistas da área da educação, encontrando respaldo nas associações e sindicatos de professores. A sua defesa torna-se um dos eixos fundamentais para a realização de mecanismos que incidam sobre o processo de democratização da educação pública no Brasil, possibilitando estender o atendimento, assegurar maiores recursos para a escola pública, transformar a qualidade do ensino que é efetivamente oferecido e, sobretudo, fazer da educação um serviço público, ou seja, transformá-la a partir do eixo central da ‘res publica’, e não dos interesses privados, patrimoniais, clientelistas ou meramente corporativos.” (Idem, p. 46)
Na aprovação de nossa atual Lei de Diretrizes a Bases da Educação
Nacional (LDBEN), constavam ainda que a participação dos profissionais da
educação na elaboração da proposta pedagógica e das comunidades escolar e
local em conselhos escolares e equivalentes são princípios da gestão
democrática do ensino público (Artigo 14, Incisos I e II) e, logo em seguida, que
os sistemas de ensino deverão promover progressivos graus de autonomia
pedagógica e administrativa, e de gestão financeira às escolas públicas de
educação básica que os integram (Artigo 15).
Em relação ao conceito de autonomia, vale citar que:
“(...) está etimologicamente ligado à idéia de auto-governo, isto é, à faculdade que os indivíduos (ou as organizações) têm de se regerem por regras próprias. Contudo, se a autonomia pressupõe a liberdade (e capacidade) de decidir, ela não se confunde com a ‘independência’. A autonomia é um conceito relacional (somos sempre autônomos de alguém ou de alguma coisa), pelo que a sua ação se exerce sempre num contexto de interdependência e num sistema de relações. A autonomia é também um conceito que exprime sempre um certo grau de relatividade: somos mais, ou menos, autônomos; podemos ser autônomos em relação a umas coisas e não o ser em relação a outras.” (BARROSO, 2001, p. 16)
Uma observação necessária sobre os supracitados artigos de nossa
LDBEN é a que entende que a gestão democrática do ensino não deve ocorrer
somente na escola: nos níveis municipais, estaduais e federal devem existir e
funcionar conselhos que tratam de assuntos diversos relacionados à educação,
como a merenda escolar, as verbas educacionais (como o FUNDEB – Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do
Magistério) e mesmo a normatização do referido sistema de ensino.
Sobre os conselhos da educação brasileira, resultantes do processo de
descentralização do setor, deve-se lembrar que existem em todas as esferas
administrativas.
Quanto à organização dos sistemas de ensino, podemos destacar os
conselhos de educação (Conselho Nacional de Educação, Conselhos
Estaduais de Educação e os Conselhos Municipais de Educação), que
apresentam natureza normativa, deliberativa, consultiva e fiscalizadora, cada
qual com sua natureza e atuações específicas.
Existem os Conselhos de Alimentação Escolar, responsáveis pelo
controle das verbas da merenda escolar e pela qualidade dos programas de
alimentação desenvolvidos pelas redes públicas de ensino.
Existem ainda os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social das
verbas da educação – no caso, os atuais dizem respeito ao FUNDEB.
Esses três tipos de conselhos são formados tanto por integrantes dos
respectivos governos quanto de representantes da sociedade civil, portanto,
sob a forma de colegiado.
Outrossim, ficam esclarecidos os caminhos históricos e legais para o
surgimento dos conselhos escolares na educação brasileira, que, a exemplo do
que deve ocorrer nos sistemas de ensino, nas escolas públicas de educação
básica devem existir conselhos formados com representantes dos segmentos
da respectiva comunidade escolar.
A simples existência de tais conselhos poderia denotar um processo de
gestão democrática no setor educacional. Porém, quando observado todo o
contexto em que se situa a descentralização da política educacional brasileira,
o que é chamado de “gestão democrática do ensino” merece maior atenção.
Questionamentos sobre sua concepção e dimensão, por exemplo, devem ser
levantados.
Deve ter a gestão democrática do ensino público uma nova interpretação
que não a burocrática conhecida somente dentro dos muros das escolas
públicas? Numa visão mais total, como se conceberia uma gestão democrática
tão reduzida? Por que tal tipo de gestão, de forma realmente deliberativa, não
pode ocorrer em instâncias maiores, como os sistemas municipais de ensino,
por exemplo, e, assim, favorecer a construção de uma educação mais
significativa às camadas populares, sem a grande preocupação de minimizar o
Estado e de garantir mercado a determinados grupos econômicos? Será que
uma gestão realmente democrática deve assumir a postura gerencialista
defendida pelo BM para a educação? Na opinião do referido banco, “é a
mesma coisa dirigir a Ford, a Igreja Católica ou um Ministério. Não importa o
tipo de organização – tendo alcançado certa escala, todas se parecem.”
(FONSECA, Op. Cit., p. 16). Será que a gestão democrática do ensino público
deve assumir essa lógica de mercado? Vale citar que:
“Sob esse ponto de vista, as concepções sobre gestão democrática não se esgotam na criação de canais no plano das unidades escolares. Enfim, torna-se preciso redefinir o âmbito dessa participação. Por essas razões, os canais a serem implantados deverão atingir as esferas intermediárias e superiores que tenderão a oferecer maiores resistências. Tradicionalmente, as propostas mais concretas resumiram-se em mecanismos que não transcendem o nível da unidade escolar, o locus mais frágil, uma vez que sempre deteve o menor poder de decisão. Assim, reiterando o tradicional ‘empurra-empurra’, as instâncias intermediárias e centrais dos organismos educativos lutam para permanecer “a salvo” dessa participação mais ampla; por sua vez as escolas, em geral sem poder efetivo de decisão e de autonomia, justificam as dificuldades da participação, pela estrutura hierarquizada e autoritária do sistema de ensino.” (SPÓSITO, Op. Cit., p. 50 – 51)
A formação e atuação dos conselhos escolares a partir de uma
concepção de gestão democrática da educação enfrentam, portanto, grande
resistência das instâncias intermediárias e centrais dos organismos educativos.
Assim, grandes dificuldades surgem e prejudicam a atuação dos conselhos
situados no âmbito das escolas os quais, por vezes, existem apenas numa
dimensão burocrática herdada de seu sistema de ensino.
Existem diferenças entre o que se configura, na estruturação desses
conselhos, como democracia representativa e democracia participativa, esta
última construída a partir de uma gestão mais democrática. Numa concepção
mais democrática de gestão da educação deve-se: abolir os modelos
burocráticos (centralizados e verticalizados), criados sem a devida
consideração das realidades locais; diminuir (ou anular) a distância entre os
representantes e representados, favorecendo o debate sobre os problemas e
suas possibilidades de resolução; reconhecer a existência de interesses
diversos, mas da necessidade de um bem comum construído coletivamente
(Idem).
Dessa forma, os conselhos escolares apresentariam atuação mais
significativa na busca de uma educação que atendesse os anseios das
comunidades escolares. A gestão democrática do ensino deve ser considerada
na formação e na atuação desse importante mecanismo de transformação de
consciências, colocando-o ao lado do povo e da educação escolar pública.
Claro que a autonomia que tais conselhos devem apresentar não é
sinônima de “liberdade total”, mas, mesmo nos limites legais, as possibilidades
de participação mais efetiva na construção de uma educação “mais pública”
tornam-se possíveis. É importante notar que:
“Nesse sentido, a cidadania, como síntese dos direitos e deveres, constitui-se fundamento da sociedade democrática. A democracia é importantíssima no âmbito político; mas, para efetivar-se, de fato, como mediação de uma vida social norteada por princípios histórico-humanos de liberdade, ela precisa impregnar toda uma concepção de mundo, permeando todas as instâncias da vida individual e coletiva. Assim, embora vital, não basta haver regras que regulem pelo alto, fazendo o ordenamento jurídico-político da sociedade. É preciso que cada indivíduo pratique a democracia. Daí a relevância do exercício concreto e cotidiano da cidadania: só há sociedade democrata com cidadãos democratas.” (PARO, 2001, p. 10)
1.4 – Características dos conselhos escolares
Inicialmente, faz-se necessário esclarecer que os colegiados objetos de
estudo deste trabalho, quanto à nomenclatura, recebem as mais diversas
definições nas muitas redes públicas de ensino.
Na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, a título de exemplo, o
referido colegiado é conhecido por “Associação de Apoio à Escola”. Na rede
municipal de ensino do Rio de Janeiro, de Nova Iguaçu e Queimados, dentre
outras do Grande Rio, o conselho escolar é chamado de “Conselho Escola
Comunidade” (CEC), por sua vez.
E são muitas as denominações país afora. No entanto, quando tratado
de modo genérico neste trabalho, o conselho em questão receberá a
nomenclatura de “conselho escolar”3, devido à redação contida no Inciso II do
Artigo 14 da Lei Darcy Ribeiro (Lei 9394/96), que trata do segundo princípio da
gestão democrática do ensino público, a saber: “Participação das comunidades
escolar e local em ‘conselhos escolares’ ou equivalentes.”
Por comunidade escolar, entende-se o conjunto formado por
educadores, gestores escolares, educandos e seus responsáveis, egressos e
demais funcionários de uma unidade de ensino.
Os conselhos escolares têm sua composição indicada por lei específica
para o sistema de ensino correspondente, variando, portanto, de acordo com o
locus sistêmico.
No entanto, a maioria dos sistemas de ensino adota uma formação
paritária entre os servidores e os usuários das unidades escolares, eleitos por
seus pares em assembléia da comunidade escolar, entendendo-se educandos
e seus responsáveis enquanto usuários do serviço prestado. Nesse sentido,
deve-se perceber que dificilmente uma rede pública de ensino permitirá a
representação do segmento de educandos por indivíduo menor de dezesseis
anos, sendo comum, portanto, que as unidades escolares que atendem
somente aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental não apresentem esse
segmento representado por seus pares no conselho escolar.
Os conselhos escolares são também espaços de “gratuidade”, pois seus
integrantes, representantes de seus respectivos segmentos da comunidade
escolar, não são remunerados por sua participação nos colegiados.
Contudo, não se deve vislumbrar o espaço do conselho enquanto fórum
de disputas individuais:
“O Conselho Escolar é um espaço aberto, mas não uma área destinada à exposição unilateral de pontos de vista. Trata-se de um espaço no qual ‘nós’ construímos alguma coisa em comum e não, simplesmente, uma situação em que ‘eu’ torno públicas as minhas posições, as minhas convicções, os meus interesses e as minhas idéias. Nesta perspectiva, o Conselho Escolar é um campo de construção comunitária, porque nele é construído o ‘nosso’ . Ele é um espaço ‘de todos’ e, ao mesmo tempo, ‘para todos’, por constituir-se pelo voto e depois pela voz de representantes da comunidade.” (WERLE, 2003, p. 58)
3 A denominação Conselho Escolar surge na rede estadual de ensino de São Paulo, por meio do Decreto 11.625/78, que instituía tais conselhos, mas apenas com caráter consultivo.
Geralmente, por força de lei específica para o sistema de ensino, os
conselhos escolares têm como seu presidente o diretor da unidade de ensino.
Essa determinação é questionada por estudiosos do assunto, mas não será
objeto de discussão deste trabalho. O que se pretende aqui apontar enquanto
característica essencial e um conselho escolar é que seu espaço deve ser
entendido enquanto espaço de inclusão, de partilha, de decisões coletivas e
para a coletividade.
Nesse sentido, todos os integrantes do conselho escolar devem ser
entendidos como indivíduos que desejam a melhoria da escola em suas
dimensões administrativa, pedagógica, cultural financeira e comunitária,
sempre buscando o bem comum, não apenas o bem de seu segmento da
comunidade escolar. Como se pode observar:
“(...) O Conselho Escolar insere-se num contexto de inclusão e não de exclusão, em que o diretor não se sente sozinho. É um espaço para desenvolver a confiança social e a igualdade política; espaço de partilha, na medida em que todos os segmentos da comunidade escolar sentam-se, lado a lado. Suas regras são estendidas a todos, deles exigindo reciprocidade e relacionamento cooperativo, tolerante, baseado no respeito mútuo. Neste espaço institucionalizado, o diretor senta-se ao lado da funcionária merendeira, da aluna, da dona-de-casa, do professor de Pré-escola, do professor de Matemática. As posições hierárquicas, os títulos, o local de residência, o ‘status’ social não constituem o vetor para a composição do Conselho Escolar. Sob este aspecto, o Conselho é um espaço para entender o ponto de vista dos outros segmentos, para fazer trocas e para aprender com esta situação de inclusão e igualdade.” (Idem, p. 58 – 59)
Todo conselho escolar deve apresentar funções deliberativas,
consultivas e fiscalizadoras frente à gestão escolar, em seus âmbitos
administrativos, pedagógicos, culturais, financeiros ou comunitários.
CAPÍTULO II
O ORIENTADOR EDUCACIONAL E SEU TRABALHO EM
UNIDADES DE ENSINO: POSSIBILIDADES
2.1 – Sobre o trabalho do orientador educacional
Quando surgiu a Orientação Educacional no Brasil4, essa tinha caráter
psicológico, terapêutico e corretivo, apesar de receber significados
pedagógicos e escolares (GRINSPUN, 2006, p. 18).
No desenvolvimento da Orientação Educacional, essa foi se ajustando
aos contextos sociais, sobretudo os históricos e econômicos, tendo suas
funções definidas pela situação vigente em cada época. Não é objetivo deste
trabalho elaborar histórico minucioso sobre a Orientação Educacional no Brasil.
No entanto, vale tecer alguns pontos sobre sua implementação em nosso país,
pois desse modo pode ser facilitada a compreensão do desenvolvimento dos
olhares sobre tal função na educação brasileira e como ela pode ser associada
à existência e atuação dos conselhos escolares.
Em sua chegada ao Brasil, segundo Grinspun (2006), sofreu fortes
influências da Orientação Educacional estadunidense, baseada no
aconselhamento – “counseling” – e da francesa. As primeiras atividades de
Orientação Educacional no Brasil datam da década de 1920, em São Paulo,
sendo associadas à seleção e orientação de alunos para cursos ou trabalhos,
tendência também verificada na década seguinte, quando Lourenço Filho criou
em 1931 o primeiro serviço público de Orientação profissional do país. Pela
Reforma Capanema, em 1942, a Lei Orgânica do Ensino Industrial instituiu a
Orientação Educacional com apelo à Orientação Profissional como forma de
ajustamento dos futuros trabalhadores ao novo contexto econômico brasileiro
que se delineava desde a década de 1930. O Brasil, dessa forma, tornava-se o
primeiro país do mundo a criar bases legais para a existência da Orientação
Educacional. Com a aprovação de nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da
4 Um dos marcos da implantação da Orientação Educacional no Brasil foi o livro de Isabel Junqueira Schmidt “Orientação Educacional”, em 1942. Não se está considerando aqui os aspectos de regulamentação da profissão.
Educação (Lei 4024/61), a orientação Educacional amplia seu campo de
atuação nas escolas, passando a existir também no antigo curso primário, se
bem que com ênfase mesmo no ensino secundário, esse mais próximo do
ingresso do aluno no mercado de trabalho. Em 1968, foi aprovada a Lei 5564,
que regulamentava a profissão do Orientador Educacional, que tinha como um
de seus principais objetivos contribuir para o “desenvolvimento integral da
personalidade do aluno” (apud GRINSPUN, 2006, p. 26). Já com a Lei da
Reforma do Ensino de Primeiro e Segundo Graus (Lei 5692/71), a Orientação
Educacional tornava-se obrigatória em todos os estabelecimentos de ensino
dos níveis citados. Posteriormente, em 1973, o Decreto-lei 72846 determinou
as atribuições do Orientador Educacional, seguindo a tendência do
aconselhamento psicológico. A década de 1980, por sua vez, mostrou-se muito
produtiva – ao menos em termos de idéias – para a Orientação Educacional,
pois além de ser o período da abertura política, com a redemocratização do
país após a Ditadura Militar, foi o momento em que os educadores passaram a
conhecer autores mais críticos, os quais relacionavam a educação com a
sociedade e pregavam a transformação dessa sociedade. No entanto, não se
pôde observar a transposição dessas idéias para o campo prático:
“Na década de 80, os orientadores fazem uma reflexão maior sobre seu papel social. Estendem, como fato natural, seu compromisso com as classes trabalhadoras. O orientador tem que se posicionar em relação a seu trabalho e suas atribuições, dentro e fora da escola. O que se nota, na realidade, é que houve uma mudança no discurso, mas na prática não se conseguiu acompanhar tal ‘transformação’” (GRINSPUN, 2006, p. 29)
Na década de 1990, quando estavam sendo elaboradas as mais
recentes leis educacionais de nosso país, a prática da Orientação Educacional
tomou esses rumos mais reflexivos e comprometidos com a transformação da
sociedade.
2.2 – Panorama da educação do século XXI
O órgão da Organização das Nações Unidas voltado para a educação e
a cultura (UNESCO), promoveu, sobretudo na década de 1990, grandes
discussões e estudos sobre a educação do século XXI, abragendo ações
significativas como a realização da Conferência Mundial de Educação para
Todos, em Jontiem, na Tailândia (1990).
Outras ações, como os estudos de Edgar Morin (2000), Jacques Delors
(2002) e Philippe Perrenoud (2000) ganharam notoriedade5.
Embora nenhum desses estudos tenha sido elaborado tendo como foco
a Orientação Educacional, devem ser associados à mesma.
Deve-se considerar que uma educação de caráter individualista,
memorístico e promotor da reprodução social, valorizando apenas uma
dimensão cognitiva, não favorece à construção de sujeitos que visem assumir a
sua própria história. A educação deve ser outra, que observe outras
possibilidades humanas:
“Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para participar coletivamente da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria história. (...)” (FREIRE, 2001, p. 16)
Quando ao ser humano é permitida a construção significativa de
conhecimentos – para isso deve-se valorizar suas experiências, e, sobretudo,
relacionar os conteúdos escolares e a própria escola ao mundo – ele passa a
compreender que deve assumir seu papel de protagonista em sua vida e na
reconstrução da sociedade de forma mais justa e democrática. Contudo, tal
tarefa não é possível se não se considera as muitas dimensões que possui
cada indivíduo: o ser humano não é somente racional. Ele também é um ser
emocional, biológico e social. Tal qual a sociedade, que também apresenta
uma natureza multidimensional:5 Os estudos a que se refere o texto foram patrocinados pela UNESCO e serviram de base para reformas educacionais em todo o mundo, inclusive no Brasil. Esta pesquisa não pretende, contudo, avaliar as influências do Banco Mundial – co-patrocinador dessas ações – na construção do pensamento educacional vigente.
“Unidades complexas, como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais: dessa forma o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa... O conhecimento pertinente deve reconhecer esse caráter multidimensional e nele inserir estes dados: não apenas não se poderia isolar uma parte do todo, mas as partes umas das outras, a dimensão econômica, por exemplo, está em inter-retroação permanente com todas as outras dimensões humanas; além disso, a economia carrega em si, de modo “hologrâmico”, necessidades, desejos e paixões humanas que ultrapassam os meros interesses econômicos.” (MORIN, 2000, p. 38)
A complexidade do ser humano e do processo educacional deve ser
observada:
“O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. ‘Complexus’ significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade.” (MORIN, Idem)
Nesse contexto, pode-se perceber a necessidade de se trabalhar o
coletivo, o grupo, a comunidade escolar enquanto todo mais próximo.
O ser humano não pode ser observado como um ser simples: ele é tão
complexo quanto a própria sociedade que constitui.
Uma educação comprometida com a transformação social – a qual deve
ser entendida num contexto de grande quantidade e velocidade das
informações – não admite mais um caráter memorístico ou condicionante.
Deve-se observar que:
“Nesta visão prospectiva, uma resposta puramente quantitativa à necessidade insaciável de educação – uma bagagem escolar cada vez mais pesada – já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de
conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança.” (DELORS, 2002, p. 90)
Contudo, tais dimensões do homem o permitem aprender também de
forma complexa: conhecer não é o único aprender que o indivíduo humano
possui: existem outros “aprenderes” que completam o caráter multidimensional
do homem: fazer, ser e conviver. Os “aprenderes” formam os quatro pilares
básicos que devem orientar a educação nos dias de hoje. Não são pilares
independentes, que podem ser concebidos separadamente:
“Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: ‘aprender a conhecer’, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; ‘aprender a fazer’, para poder agir sobre o meio envolvente; ‘aprender a viver juntos’6, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente ‘aprender a ser’, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta7.” (DELORS, Idem)
O aprender a conviver está associado à natureza social do ser humano.
Deve-se lembrar que, por ser social, é o homem um ser político. Suas relações
sociais devem ser consideradas no trabalho educacional, pois, sobretudo,
pessoas lidam com pessoas. Esse aprender em especial – por isso o único em
destaque neste trabalho – tem relação direta com a existência dos conselhos
escolares enquanto espaços de interações visando construções coletivas.
Foram formuladas ainda competências para os educadores a partir de
pesquisas das quais participou Philippe Perrenoud. Claro que, na realidade,
quando se observa a obra do educador, percebe-se que tais competências não
6 O aprender a viver juntos tem nesse trabalho a redação de aprender a conviver.7 Grifos do autor.
são exclusivas de docentes, mas estendidas a todo educador, inclusive aos
Orientadores Educacionais.
Perrenoud (2000) elaborou dez novas (famílias de) competências para
ensinar e, dentre essas, existe uma que se relaciona com o trabalho que ora se
apresenta: participar da administração da escola.
Tal família é desdobrada em cinco competências, a saber: elaborar,
negociar um projeto da instituição; administrar os recursos da escola;
coordenar, dirigir uma escola com todos os seus parceiros; organizar e fazer
evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos; e, finalmente,
competência para trabalhar em ciclos de aprendizagem (PERRENOUD, Idem).
Não são essas dez famílias de competências, segundo autor em
questão, derradeiras, isto é, as únicas famílias de competências que um
educador deve desenvolver. Contudo, tais grupos de competências reúnem o
que de mais importante deve saber realizar um educador. Alguns desses
grupos são interligados, inclusive o grupo destacado nesse trabalho, que se
relaciona com outros. Mas o que “participar da administração da escola” tem a
ver com conselhos escolares?
Quando observada a primeira competência da família – elaborar,
negociar um projeto da instituição – deve-se ter a clareza que se trata
especificamente do projeto político pedagógico. Participar da elaboração de tal
projeto, como se sabe, é incumbência dos profissionais de educação e
princípio da gestão democrática do ensino, segundo a Lei 9394/96 – assunto já
tratado neste trabalho em seu primeiro capítulo.
Contudo, apesar da mesma lei não colocar como incumbência de outros
possíveis agentes da instituição escolar, é consenso entre os autores que
tratam do tema que tal projeto deve ser resultante de um acordo construído
coletivamente por todos os sujeitos de uma comunidade escolar. O profissional
da educação, portanto, deve reunir condições de participar dessa construção
coletiva do pensar e do fazer da escola.
A segunda competência dessa família – administrar recursos da escola –
não pode ser compreendida numa escola pública a não ser no âmbito de um
conselho escolar, também princípio da gestão democrática do ensino. A
descentralização da gestão, permitindo a participação de outros atores, visa,
dentre outros fatores, a construção de uma consciência coletiva e participativa.
Sendo assim:
“Administrar os recursos de uma escola é ‘fazer escolhas’, ou seja, é tomar decisões coletivamente. Na ausência de um projeto comum, uma coletividade utiliza os recursos que tem, esforçando-se, sobretudo, para preservar uma certa eqüidade na ‘repartição’ dos recursos. Por essa razão, se não for posta a serviço de um projeto que proponha prioridades, a administração descentralizada dos recursos pode, sem benefício visível, criar tensões difíceis de vivenciar, com sentimentos de arbitrariedade ou de injustiça pouco propícios à cooperação.” (PERRENOUD, 2002, p. 103)
A terceira competência do grupo – coordenar, dirigir uma escola com
todos os seus parceiros – relaciona-se também aos princípios da gestão
democrática do ensino, ou seja, à existência de um projeto político pedagógico
construído coletivamente e às ações de um conselho escolar que participe
ativamente na gestão da instituição de ensino, envolvendo outros atores da
comunidade escolar, como funcionários não-docentes, alunos e responsáveis.
Por fim, dessa família, a competência de “organizar e fazer evoluir, no
âmbito da escola, a participação dos alunos”, está associada à existência de
instituições estudantis e mesmo à participação dos alunos em conselhos
escolares.
Essas idéias de mutidimensionalidade humana, de conhecimento
pertinente, de saber conviver e de participar da administração da escola,
influenciaram muito a legislação educacional brasileira desde e muitas obras
posteriores. Mas e a Orientação Educacional? O que tem a Orientação
Educacional com esse contexto de educação do século XXI? Isso é o que se
pretende configurar a seguir.
2.3 – O orientador educacional na educação do século XXI
No Brasil, as mudanças promovidas pela aprovação da Lei 9394/96
contribuíram para que uma educação progressista, no sentido aplicado por
Libâneo (1985), encontrasse solo fértil, ao mesmo tempo em que tornou a
Orientação Educacional uma função não obrigatória, ao contrário do que fizera
a Lei 5692/71 em seu Artigo 10. A partir do final de 1996, com a aprovação da
Lei Darcy Ribeiro, a Orientação Educacional deixava, portanto, de ser
obrigatória nas escolas, embora sua formação estivesse garantida em cursos
superiores de Pedagogia e em cursos de pós-graduação, o que depois foi
ratificado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia,
instituída pela Resolução 01/06 do Conselho Nacional de Educação.
As transformações que se iniciaram na década de 1980 e que se
intensificaram na década seguinte, contribuíram para que a Orientação
Educacional fosse desenvolvida de uma forma mais crítica, comprometida com
a transformação da sociedade e deixando de apresentar aspectos
prioritariamente psicológicos e individuais. A Orientação Educacional, com isso,
não deixou de perceber a inclusão dos jovens no mercado de trabalho, mas
passou também a observar questões voltadas para a formação do cidadão e de
indivíduos mais plenos. Sobre isso vale observar que:
“A Orientação, hoje, caracteriza-se por um trabalho muito mais abrangente, no sentido de sua dimensão pedagógica. Possui caráter mediador junto aos demais educadores, atuando com todos os protagonistas da escola no resgate de uma ação mais efetiva e de uma educação de qualidade nas escolas. O orientador está comprometido com a formação da cidadania dos alunos, considerando, em especial, o caráter da formação da subjetividade. Da ênfase anterior à orientação individual, reforça-se hoje, o enfoque coletivo (a construção coletiva da escola e da própria sociedade), sem, entretanto, perder de vista que esse coletivo é composto por pessoas, que devem pensar e agir a partir de questões contextuais, envolvendo tanto contradições e conflitos, como realizações bem-sucedidas. Busca-se conhecer a realidade e transformá-la, para que seja mais justa e humana. No início da década de 90, uma série de acontecimentos caracteriza os novos rumos da Orientação, que passa a desempenhar um papel muito significativo junto à educação, nos anos seguintes. Elas passam a ser parcerias inseparáveis em todos os rumos e finalidades. São os orientadores, no meu entender, os coadjuvantes da prática docente.” (GRINSPUN, 2006, p. 31)
A Orientação Educacional não deve ser desenvolvida sem a devida
análise das idéias construídas nas duas últimas décadas do século XX.
Considerar o ser humano como um ser complexo e múltiplo, dono de muitas
dimensões – inclusive uma social – capaz de construir “conhecimentos
pertinentes” a partir também do pilar do “aprender a conviver” e, assim como os
demais educadores, estar o Orientador Educacional apto a participar da
administração da escola, em oposição das configurações clássicas dos
chamados “especialistas”, certamente contribuirão para ações mais
significativas da Orientação Educacional, de modo que essa sirva à
coletividade que é a instituição escolar.
2.4 – Possibilidades de atuação frente aos conselhos escolares
Os conselhos escolares são espaços privilegiados nas instituições de
ensino públicas para a construção do pensar e fazer escolares, devendo contar
com a participação dos usuários, além de representantes de professores e
demais servidores da instituição.
E, nessa construção coletiva, embora existam ações administrativas e
financeiras, essas devem ser desenvolvidas tendo como foco o pedagógico e,
conseqüentemente, a melhoria da qualidade da educação oferecida, o que
passa também pela melhoria do processo de ensino-aprendizagem.
Assim, representantes de responsáveis e, dependendo do sistema de
ensino e da escola, de educandos, estão presentes nesse espaço de
construção coletiva de transformação da realidade.
Quando se vislumbra a atuação da Orientação Educacional a partir de
uma perspectiva progressista, portanto crítica e transformadora, o espaço dos
conselhos escolares não deve ser menosprezado, pois ali se encontram os
principais anseios da comunidade escolar. Deve ser, institucionalmente, o
espaço do diálogo, de convivências e de construções significativas, o espaço
de reconstrução contínua do projeto político pedagógico da escola, da
cidadania vivenciada. O Orientador Educacional, nesse caso, deve perceber
esse espaço enquanto um espaço de intervenção, atuando de modo a se
valorizar a multidimensionalidade humana e da sociedade, sobretudo em seu
aspecto social, de interação social. Mesmo porque um dos fins da educação
nacional, segundo a Lei Darcy Ribeiro, é o preparo para o exercício da
cidadania e, numa escola, o espaço e as ações do conselho escolar são
dimensões privilegiadas à formação dessa cidadania. Nesse sentido, o fazer da
Orientação Educacional deve considerar que:
“É preciso ainda que a escola assuma a sua função de formar homens críticos, politicamente competentes, conhecedores dos problemas que os cercam e das limitações que os sujeitam e que, acima de tudo, sejam capazes de organizar-se para defenderem para si e para os demais homens o direito de cidadania.” (ASSIS, 2008, p. 140)
E, sendo o espaço do conselho escolar administrativo, ou seja, espaço
que terá influência direta no trabalho a ser desenvolvido pela instituição de
ensino, a família de competências de “participar da administração da escola”
passa a ser relevante ao trabalho de todos os educadores, sobretudo do
Orientador Educacional, o qual tem a função de promover as interações na
escola e influir para que as ações administrativas e financeiras do conselho
escolar tenham reflexos significativos no processo de ensino-aprendizagem a
ser desenvolvido. E isso porque:
“É uma das funções do orientador fazer a mediação entre os dois lados da questão: sujeito e meio. O que se pretende é trabalhar neste meio como força propulsora do conhecimento do indivíduo, de sua realidade e de sua participação para construção do conhecimento necessário à transformação da realidade.” (GRINSPUN, 2008, p. 144)
Não se trata aqui de defender uma participação obrigatória do
Orientador Educacional enquanto membro efetivo do conselho escolar, mesmo
porque o segmento de educadores sempre se encontra representado em tal
espaço.
Trata-se apenas de considerar as possibilidades de atuação oferecidas
pelos conselhos à Orientação Educacional, pois num colegiado que deve
participar ativamente da vida da escola – construindo essa “vida” – o
Orientador Educacional passa a ter a incumbência tanto de conscientizar
quanto à importância do serviço de Orientação quanto de garantir que as
prioridades da escola ofereçam espaço às suas ações.
Logo, numa prática crítica e consciente, baseada no diálogo e, portanto,
no trabalho coletivo, sempre visando a melhoria da qualidade da educação
oferecida, o Orientador Educacional não deve ignorar a existência de tão
importante conselho em sua instituição de ensino. Preparar para o exercício da
cidadania é função de todos os educadores. Contudo, se o responsável por
“orientar a educação” numa instituição de ensino é justamente o Orientador
Educacional, sua participação na vida da escola deve ser mais ativa.
A função social da escola não deve passar despercebida por sua
estrutura organizativa e, por sua vez, a Orientação Educacional tem a
incumbência, nessa nova configuração escolar, de não permitir que isso ocorra:
“A proposta que fazemos para a nova prática dos orientadores educacionais relaciona-se com o próprio significado da função social da educação. Essa função está diretamente relacionada não só com q questão da socialização do indivíduo, como também com a obtenção dos conhecimentos acumulados pela sociedade. A interação social que será estabelecida nesta sociedade pode (e deve) ser trabalhada e experienciada na escola. A interação entre indivíduos desempenha um papel importante na construção do ser humano. A interação social que se realiza em determinada cultura vai propiciar a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo, como diz Vigotsky. Nas agências formalmente educativas, entre as quais a escola, esta interação deve ser considerada e desenvolvida em seu projeto pedagógico. Para que isto ocorra, a escola necessita entender a sua lógica interna de organização e funcionamento, sua relação com as demais instituições, seus condicionamentos e instrumentos de ação, e o desenvolvimento de sua proposta de trabalho. Esta prática, entretanto, é pouco exercitada na escola, que, na realidade, olha ‘mais para fora’ do que ‘para dentro’ de si mesma e, nesta linha de ação, a análise apontada deixa de existir. Esta análise é apresentada, em geral, em termos de uma crise educacional ou crise do sistema escolar.” (GRINSPUN, 2008, p. 150)
É importante que os Orientadores Educacionais desenvolvam “olhares
conscientes” sobre os conselhos escolares e suas possibilidades de
transformação no espaço escolar, uma vez que a própria existência efetiva de
seu trabalho dependerá das ações dos colegiados em questão.
CAPÍTULO III
ATUAÇÃO E OLHARES DE ORIENTADORES
EDUCACIONAIS FRENTE A CONSELHOS ESCOLARES
DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE QUEIMADOS
3.1 – Pequeno olhar sobre a realidade do município e de sua
rede de ensino
Para melhor situar a investigação realizada, faz-se necessário
caracterizar o cenário municipal onde a pesquisa se desenvolveu.
O Município de Queimados está localizado na Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, mais precisamente na Baixada Fluminense, região conhecida
por seus problemas estruturais e sócio-econômicos.
Queimados, que apresenta cerca de 76km2 de área, possui
aproximadamente 130275 habitantes. Em relação ao ensino, apresentou 29562
educandos matriculados na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, sendo
que dessa total apenas 12545 pertenciam à rede municipal de ensino (11960
somente no Ensino Fundamental).
A rede de ensino de Queimados conta com 27 escolas, que atende
prioritariamente os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, sendo poucas as
escolas que apresentam turmas de Educação Infantil – existe apenas uma
escola que se dedica exclusivamente a esse nível de ensino – e de Anos Finais
do Ensino Fundamental (apenas três, mas com turmas de Anos Iniciais
também).
Todas as escolas municipais apresentam o conselho escolar, que são
denominados Conselhos Escola Comunidade (CEC), projeto político
pedagógico e diretores eleitos pelas comunidades escolares.
As escolas investigadas foram a E. M. Scintilla Excel, a E. M. Monteiro
Lobato, a E. M. Allan Kardec, a E. M. Francisco Manuel Brandão, a E. M. Oscar
Weinschenck e a E. M. Leopoldo Machado.
3.2 – Histórico, legislação e composição dos conselhos
escolares em Queimados
O surgimento dos conselhos escolares em Queimados, assim como em
muitas outras realidades, teve origem da necessidade do município se adequar
às políticas de descentralização desenvolvidas pelo Governo Federal na área
educacional. Não se promoveram, durante o processo de implantação,
discussões que pudessem promover o desenvolvimento de uma consciência
sobre a importância desse colegiado para as comunidades escolares. A razão
que orientou a implantação dos colegiados foi a tecno-burocrata, a qual
também parece ter orientado a criação das primeiras propostas pedagógicas
das unidades escolares pós Lei Darcy Ribeiro. A criação desses mecanismos –
que são princípios da gestão democrática do ensino – tinha como objetivo
primordial o recebimento de verbas do Governo Federal. Esses dados foram
colhidos em entrevistas com professores e diretores de escolas do município,
mas não são novidades em termos de pesquisas sobre conselhos escolares.
Numa investigação realizada em 1991 (antes da lei 9394/96, portanto, mas
após a promulgação da Constituição de 1988, que orientou a
descentralização), na periferia de São Paulo, concluiu-se que:
“(...) se evidenciava o total divórcio entre a prática escolar cotidiana e qualquer perspectiva de uma consistente emancipação intelectual e cultural dos educandos. A estrutura da escola, por sua vez – e nesse momento estava em foco especialmente a estrutura administrativa –, era consoante com esse divórcio, dando-lhe sustentação material, na medida em que não era concebida de modo a favorecer a condição de sujeito dos agentes envolvidos. O próprio conselho de escola, instituído presumivelmente para esse fim, mostrava-se inoperante, mergulhado que estava numa estrutura avessa à participação e ao exercício da cidadania.” (PARO, 2007, p. 9 – 10)
De modo semelhante, foram criados os conselhos escolares de
Queimados, sem preocupação com conceitos de democracia, participação e
cidadania, ainda que sua criação corresponda ao cumprimento – pelo menos
teoricamente – de um princípio da gestão democrática do ensino. Percebe-se,
pois, um distanciamento entre a teoria e a realidade, já que um mecanismo
associado diretamente à participação consciente e cidadã, como deve ser um
conselho escolar, tem sua origem orientada por razões que não estão
associadas à melhoria da qualidade do ensino, qualidade essa geralmente
questionada. Assim:
“Quer no âmbito dos estabelecimentos de ensino e dos sistemas escolares de modo geral, quer nas produções acadêmicas e nos discursos sobre políticas públicas em educação, um dos traços que têm apresentado permanência marcante nas últimas décadas é o generalizado descontentamento com o ensino oferecido pela escola pública fundamental. O que essa insatisfação traz implícita é a denúncia da não-correspondência entre a teoria e a prática, ou entre o que é proclamado (ou desejado) e o que de fato se efetiva na qualidade do ensino (...).” (PARO, 2007, p. 15)
Nas entrevistas realizadas com populares das escolas investigadas e
mesmo com professores e funcionários, pôde-se observar um discurso muito
semelhante – bastante diferente do discurso oficial apresentado pelos gestores
dessas unidades de ensino – que mostrava o desconhecimento da formação e
da atuação desses conselhos. Não foi observado em nenhuma das instituições
investigadas a existência de murais ou cartazes que esclareciam tanto os
atores dos conselhos escolares quanto suas principais ações e momentos de
encontros. Não foram apresentados calendários de reuniões nem de
prioridades. Percebeu-se que, via de regra, os conselhos das escolas citadas
costumam reunir-se apenas quando da chegada de repasses financeiros
oriundos do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) ou de outra fonte,
mas tais repasses são raros, pois o sistema de ensino de Queimados não
promoveu os “progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e
de gestão financeira (...)” observados no Artigo 15 da Lei 9394/96. A maior
parte dos recursos destinados ao município é centralizada na Secretaria
Municipal de Educação, que adquire os serviços e materiais que julga
necessários ao bom funcionamento de suas unidades escolares. Para se ter
uma idéia do quantitativo dos recursos financeiros que chegam às escolas,
basta mencionar que a maioria das escolas públicas municipais recebeu em
média cerca de R$ 1200,00 (mil e duzentos reais) durante todo o ano de 20088,
numa única parcela. Mesmo os encontros, pelo que se pôde observar, são
realizados de modo a garantir apenas o trâmite burocrático da prestação de
contas, reunindo-se os conselheiros geralmente quando as compras já se
encontram efetivadas, sobretudo os representantes dos usuários. São poucas
as reuniões verificadas nos livros de atas analisados – geralmente relacionadas
à formação de uma nova direção para os citados conselhos, o que ocorre a
cada dois anos.
Em relação à composição dos CEC, a legislação própria do sistema de
ensino do Município de Queimados determina a presença de membros
usuários, além de representantes dos professores e demais funcionários,
sendo os diretores seus presidentes por força da legislação municipal.
Configuram-se os CEC, ao menos teoricamente, como colegiados.
Essa configuração, por si somente, não chega a determinar práticas
mais democráticas. Não existe, principalmente dentre o segmento de usuários,
visível compreensão da importância e do funcionamento dos conselhos
escolares, uma vez que dentre os responsáveis dos educandos a expressão
“conselho escolar” ou “Conselho Escola Comunidade” normalmente os faz
recordar dos Conselhos de Classe, relacionado à avaliação de educandos.
Grande parte desses simplesmente desconhece a existência desses
colegiados9.
3.3 – A atuação dos conselhos escolares investigados
8 É claro que esse valor varia de acordo com o número de educandos matriculados, dependendo, portanto, da estrutura física e do quantitativo de turnos de cada unidade. No entanto, um grande número de escolas dessa rede apresenta quantitativo situado entre 400 e 600 alunos, o que as coloca numa mesma faixa para os repasses, que equivale ao valor aqui apresentado.9 Deve-se ressaltar que a pesquisa encontrou grandes dificuldades de concretização. Alguns dirigentes ou outros membros dos conselhos recusaram-se a preencher as fichas de investigação e mesmo a responder a entrevistas, alegando falta de tempo e excesso de trabalho. A visão dos responsáveis foi colhida em conversas nos horários de entrada e de saída dos educandos nas citadas instituições de ensino. As dificuldades, em alguns casos, pareceram revelar “receio” por parte dos dirigentes e demais profissionais.
Como todo sistema de ensino, existe uma regulamentação própria para
os conselhos escolares, que determina funções consultivas, mobilizadoras,
fiscais e deliberativas aos CEC. No entanto, nas visitas realizadas, foi
percebido o predomínio de ações deliberativas, geralmente associadas aos
poucos repasses financeiros recebidos pelas instituições de ensino e, ainda, de
modo a ratificar nas raras reuniões desses conselhos – a julgar pelas atas
investigadas – as ações determinadas por pequenos grupos associados à
gestão da própria escola. A gestão democrática, desse modo, torna-se
inexistente, sendo substituída por práticas técnico-burocráticas. A atuação dos
conselhos escolares não é significativa, a ponto de a comunidade escolar
confundir tais conselhos com outras ações mais comuns na escola, como os
Conselhos de Classe, por exemplo. Assim:
“(...) em escolas cujos professores, Direção e pessoal técnico administrativo demonstram descrença a respeito das possibilidades participativas na escola pública; consideram as ações da Secretaria de Educação por demais autoritárias e centralizadas e, a partir delas, justificam sua imobilidade política; ou instalam o Conselho Escolar só porque a Lei assim o determina, esse colegiado funciona, efetivamente, com marcantes características não-participativas. Nele, os pais são menos freqüentes e suas falas são desconsideradas, em detrimento de um funcionamento burocrático do Conselho (a Direção ou representantes do segmento de professores fazem calar os pais, tendo em vista o andamento da reunião, não solicitam sua opinião).” (WERLE, 2003, p. 75 – 76)
Mesmo dentre os profissionais de educação participantes dos conselhos
escolares é muito difícil encontrar opiniões esclarecedoras sobre a atuação do
colegiado. Numa das escolas investigadas, percebeu-se que determinados
membros docentes dos CEC, somente participavam das reuniões dos
conselhos por assinarem as atas, desconhecendo as decisões tomadas nas
últimas reuniões. Uma professora, também integrante do CEC de sua escola,
afirmou que tal atitude é decorrência de toda a estrutura de uma sociedade que
se diz democrática, mas não cria mecanismos efetivos de participação,
existindo, segundo ela, uma cultura de não-participação. Sobre isso, vale
ressaltar:
“Na realidade de nossas escolas públicas básicas, em que a prática escolar cotidiana costuma, em geral, frustrar as perspectivas da necessária emancipação intelectual e cultural dos alunos, percebe-se a perfeita consonância da estrutura da escola com a produção dessa frustração, na medida em que não se constitui de modo a promover a condição de sujeito dos vários agentes que aí se envolvem. Os próprios mecanismos de ação coletiva, como o conselho de escola, a associação de pais e mestres e o grêmio estudantil, mostram-se incapazes, na maioria das vezes, de superar os obstáculos antepostos por uma estrutura avessa à participação na qual estão mergulhados.” (PARO, 2007, p. 30)
Não se pode conceber um conselho escolar sem a devida valorização
dos três princípios já vistos nesse trabalho: democracia, cidadania e
participação. A necessária mediatização das ações do conselho escolar por
meio de práticas dialógicas parece não ser a característica relacionada aos
conselhos investigados, pois falta informação e não se observa possibilidades
de desenvolvimento de consciência coletiva em prol da melhoria da qualidade
de ensino. Os poucos integrantes dos conselhos escolares não demonstraram
conhecimento do projeto político pedagógico de sua instituição. Noutra escola,
a diretora, quando argüida se os integrantes do CEC tinham conhecimento do
projeto político pedagógico da instituição, afirmou que existe apenas um
exemplar do citado projeto, que pode ser manuseado por todos os
conselheiros. Mas como conceber um paradigma democrático para as ações
do conselho escolar quando não se observa o trânsito de informações?
A própria freqüência das reuniões dos conselhos escolares nas seis
escolas visitadas denuncia um não funcionamento efetivo desses colegiados,
pois as reuniões geralmente registradas em atas não eram condizentes com o
número de reuniões anotadas nos formulários entregues. A contradição
aumentava quando, numa questão seguinte no mesmo formulário, dizia
respeito ao registro das reuniões em atas próprias, o que era respondido
afirmativamente, apesar de se encontrar em algumas escolas tais registros de
acordo com o número de reuniões citadas.
Mesmo em relação às escolas que não preencheram os formulários –
por falta de tempo, por exemplo – percebeu-se que as ações e reuniões, bem
como a composição dos respectivos conselhos escolares, não eram divulgadas
sequer em murais nas escolas. Isso tudo aponta para uma prática pouco
significativa desses colegiados em relação à sua comunidade escolar e aos
anseios de seus sujeitos, sobretudo quando observada a necessidade do
desenvolvimento de uma educação de qualidade.
Uma diretora de escola investigada afirmou que faltam condições reais
para que as reuniões e a conseqüente atuação dos CEC pudessem ser mais
bem desenvolvidas. Dentre essas condições, citou a questão do tempo para as
reuniões, uma vez que professores e funcionários que participam do CEC de
sua instituição têm outras atividades em outras localidades e quase não têm
tempo para discussões e reuniões. No caso das reuniões serem realizadas no
horário de trabalho dos profissionais citados, outro problema surge: nem todos
trabalham no mesmo horário. Mas, se ainda assim fosse, determinadas turmas
e ações da escola deveriam ser paralisadas durante as reuniões do conselho, o
que não é viável, pois existe também a preocupação do cumprimento das
horas letivas e não existem professores substitutos.
Alguns responsáveis também apresentam dificuldades quanto ao horário
para reuniões, pois esses têm atividades diversas e constantes para garantir
um padrão sócio-econômico que lhes possibilite um mínimo das necessidades
básicas de sua família.
Os próprios vícios da “gestão democrática” em níveis superiores do
sistema de ensino, como na formação e na atuação do Conselho Municipal de
Educação, do Conselho de Alimentação Escolar, do Conselho de Controle
Social do FUNDEB, por exemplo, orientada por indicações políticas e por
interesses do Poder Público Municipal, faz com que nessa instância os
colegiados já não estejam necessariamente associados à gestão democrática
do ensino público. Os problemas relacionados à formação e atuação desses
conselhos de ordem municipal podem causar reflexos, certamente, nas
unidades da rede municipal de ensino. E o que poderia ser classificado como
“cultura da não-participação” pode expandir suas raízes em direção às escolas,
induzindo os conselhos escolares a esse tipo de prática.