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III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1536 A PRODUÇÃO DE RAPADURA NO MUNICÍPIO DE BARBALHA: DIFICULDADES E PERSPECTIVAS Denize de Lima Paixão 1 Eliane Pinheiro de Sousa 2 RESUMO: A produção de rapadura é uma atividade marcada pelo tradicionalismo no município de Barbalha. Durante várias décadas se destacou como principal atividade econômica local, atuando como forte gerador de emprego (apesar de informal) e renda no município. No entanto, no decorrer dos anos, vieram surgir fatores que afetaram negativamente essa atividade levando ao fechamento de grande parte dos engenhos de rapadura locais, e deixando os que ainda funcionam em situação de decadência, comprometendo o futuro dessa atividade. Nesse contexto, o estudo tem o objetivo de identificar os fatores responsáveis pela crise vivida nos últimos dez anos nos engenhos de rapadura do município de Barbalha, assim como apresentar alternativas de sustentação da atividade no local. Os principais problemas estão associados principalmente aos seguintes fatores: dificuldade de comercialização do produto; baixa lucratividade, preços baixos, alto custo de produção; evasão de mão de obra; exigências feitas pelo Ministério do Trabalho; falta de recursos; falta de incentivos e ajuda governamental; falência da agricultura local; encargos sociais elevados; dificuldade de obtenção de crédito; e idade avançada de proprietários. A solução dos problemas causados por esses fatores poderia tirar os engenhos em funcionamento da situação de decadência, mantendo-os em funcionamento, assim como dar esperanças aos engenhos que encerraram suas atividades a chance de voltarem a funcionar. Palavras-chave: engenhos de rapadura; dificuldades; perspectivas. 1. INTRODUÇÃO A rapadura foi trazida ao Brasil provavelmente pelos colonizadores portugueses, sendo que no início de sua fabricação teve sua produção voltada para fora do país; ao decorrer dos anos, foi ganhando espaço internamente, principalmente na região Nordeste, onde se encontrava instalada a maior parte dos engenhos de todo o Brasil. A rapadura, produto típico do Nordeste brasileiro, ―[...] originou-se da raspagem das camadas espessas de açúcar presas 1 Economista pela Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: [email protected] 2 Doutora em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Professora do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: [email protected]

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A PRODUÇÃO DE RAPADURA NO MUNICÍPIO DE BARBALHA: DIFICULDADES

E PERSPECTIVAS

Denize de Lima Paixão1

Eliane Pinheiro de Sousa2

RESUMO: A produção de rapadura é uma atividade marcada pelo tradicionalismo no município de Barbalha.

Durante várias décadas se destacou como principal atividade econômica local, atuando como forte

gerador de emprego (apesar de informal) e renda no município. No entanto, no decorrer dos anos,

vieram surgir fatores que afetaram negativamente essa atividade levando ao fechamento de grande

parte dos engenhos de rapadura locais, e deixando os que ainda funcionam em situação de decadência,

comprometendo o futuro dessa atividade. Nesse contexto, o estudo tem o objetivo de identificar os

fatores responsáveis pela crise vivida nos últimos dez anos nos engenhos de rapadura do município de

Barbalha, assim como apresentar alternativas de sustentação da atividade no local. Os principais

problemas estão associados principalmente aos seguintes fatores: dificuldade de comercialização do

produto; baixa lucratividade, preços baixos, alto custo de produção; evasão de mão de obra; exigências

feitas pelo Ministério do Trabalho; falta de recursos; falta de incentivos e ajuda governamental;

falência da agricultura local; encargos sociais elevados; dificuldade de obtenção de crédito; e idade

avançada de proprietários. A solução dos problemas causados por esses fatores poderia tirar os

engenhos em funcionamento da situação de decadência, mantendo-os em funcionamento, assim como

dar esperanças aos engenhos que encerraram suas atividades a chance de voltarem a funcionar.

Palavras-chave: engenhos de rapadura; dificuldades; perspectivas.

1. INTRODUÇÃO

A rapadura foi trazida ao Brasil provavelmente pelos colonizadores portugueses,

sendo que no início de sua fabricação teve sua produção voltada para fora do país; ao decorrer

dos anos, foi ganhando espaço internamente, principalmente na região Nordeste, onde se

encontrava instalada a maior parte dos engenhos de todo o Brasil. A rapadura, produto típico

do Nordeste brasileiro, ―[...] originou-se da raspagem das camadas espessas de açúcar presas

1 Economista pela Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: [email protected]

2 Doutora em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Professora do Departamento de

Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: [email protected]

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às paredes dos tachos utilizados para a fabricação do mesmo, e depois moldadas em formas

semelhantes às de tijolos‖ (OLIVEIRA et al., 2007, p. 80).

Segundo Luna (1997) apud Lima e Cavalcanti (2001), apesar da concorrência do

açúcar e de outros adoçantes, o consumo de rapadura proveniente do início da colonização no

País permaneceu, sobretudo em áreas interioranas próximas de regiões produtoras, com

destaque para a região semiárida, como os estados nordestinos do Ceará, Pernambuco,

Paraíba, Bahia, Rio Grande do Norte e Piauí. No entanto, esse mercado consumidor

apresentava declínio, sendo constituído principalmente por famílias com menor poder

aquisitivo, que mantinham os hábitos de consumo, podendo ser atribuído ao fato da rapadura

possuir preço acessível e conter elevado teor energético em termos alimentares.

De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Centro de Ensino Tecnológico do

Brasil (CENTEC, 2004) apud Oliveira et al. (2007), a rapadura é um alimento rico em

vitaminas, proteínas, carboidratos e sais minerais, como potássio, cálcio e ferro, sendo,

portanto, um alimento essencial ao desenvolvimento humano. Ademais, possui características

de produto natural e orgânico.

Essas características quanto ao valor nutritivo da rapadura são corroboradas por

Figueiredo Filho (2010, p.55), que ressalta: ―Na rapadura, conserva-se todos os sais minerais,

substâncias pépticas e açúcares invertidos da cana. Torna-se assim mais nutritiva e de

digestão mais fácil que seu similar de superior qualidade.‖

Dentre os estados da região Nordeste, o Ceará se destaca como um dos maiores

produtores de rapadura. No Estado [...] ―duas regiões se destacam pela existência da pequena

produção de rapadura: a do Cariri e a da Serra do Ibiapaba‖ (LIMA; CAVALCANTI, 2001, p.

30). A região do Cariri se destaca como uma forte produtora de rapadura. De acordo com

Oliveira (2003, p. 45), ―a produção desse gênero alimentício era uma das maiores expressões

de riqueza na região.‖ Eram numerosos os engenhos existentes, esses se espalhavam,

principalmente, nos municípios que tinham a atividade agrícola voltada, especialmente, para o

cultivo da cana-de-açúcar.

Concentrada em sua maioria nas terras das vilas de Missão Velha, Crato, Barbalha,

Brejo Grande e Jardim, a lavoura canavieira, no período colonial, foi bastante consistente e a

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produção de rapadura nos engenhos preserva uma estrutura de produção e mão de obra que

resiste até a atualidade (OLIVEIRA, 2003).

A agricultura canavieira predominava no município de Barbalha, onde se encontrava

uma grande quantidade de engenhos instalados. Durante décadas, a produção de rapadura foi

a principal atividade econômica no município. Devido à intensidade da produção no local nos

tempos de auge da fabricação do produto no Brasil, Barbalha ficou conhecida como a "Capital

Nacional da Rapadura". Assim, como afirma Figueiredo Filho (2010a, p. 7), ―Barbalha, que é

dos recantos mais encantadores do Cariri, é a verdadeira capital da rapadura.”

No entanto, a agroindústria de rapadura, que foi o setor econômico que mais

contribuiu para o progresso do município, vem se mostrando nos últimos anos bastante

ameaçada e com difícil sustentação. Graves dificuldades e fortes crises vêm sendo

enfrentadas, ameaçando o futuro dessa atividade já tão tradicional no município de Barbalha.

Os engenhos de rapadura estariam desaparecendo do município. Segundo Vicelmo (2008),

―dos mais de 100 engenhos que funcionaram na década de 60, no município de Barbalha,

restam somente cinco que estão agonizando. [...] As velhas moendas estão virando sucata na

bagaceira dos engenhos. Outras estão sendo vendidas para outros Estados para fabricação de

cachaça e álcool.‖

Mesmo com tantas dificuldades sendo enfrentadas, os proprietários têm esperança de

que essa atividade ainda possa se reerguer, e vêm lutando para manter viva a tradição de se

produzir a rapadura no município de Barbalha.

Em face dessas considerações, torna-se relevante a realização de estudos que se

preocupem com essa questão com o intuito de evitar o encerramento total da produção de

rapadura neste município, como também que tais medidas recomendadas possam ser adotadas

por outros municípios para fortalecer essa atividade produtiva. Desta forma, este estudo busca

descrever a produção de rapadura no município cearense de Barbalha nos últimos dez anos,

com destaque para as crises e as perspectivas futuras dessa atividade produtiva.

Especificamente, pretende-se identificar os fatores determinantes da decadência da produção

de rapadura em Barbalha; e apresentar alternativas de manutenção dessa atividade produtiva

em Barbalha.

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2. METODOLOGIA

2.1. Área de estudo

Segundo dados do IPECE (2012), o município de Barbalha localiza-se no sul do

Ceará; na microrregião do Cariri, tendo como municípios limítrofes, ao Norte: Missão Velha,

Juazeiro do Norte e Crato; ao Sul: estado do Pernambuco e Jardim; ao Leste: Missão Velha; à

Oeste: Crato. Com uma área de 479,18 km², distancia-se 405,00 Km da Capital, Fortaleza; e

apresenta um clima tropical quente semiárido brando, com temperatura média de 24° a 26°C.

Sua localização o faz um dos municípios privilegiados do interior cearense. De acordo com

Oliveira (2003, p. 71), ―as nascentes eram úteis à irrigação das plantações de cana em tempos

de escassez de chuvas‖.

Possui uma população de 55.323 habitantes, sendo 68,73% desses habitantes na zona

urbana e 31,27% na zona rural. Em termos econômicos, o PIB a preços de mercado (R$)

chegou a 361.385 mil reais no município em 2009, sendo 3,71%, 28,71% e 67,57%,

respectivamente, oriundos dos setores da agropecuária, indústria e serviços (IPECE, 2012).

2.2. Natureza dos dados

Para atender os objetivos propostos, foram empregados dados primários provenientes

de pesquisa direta junto aos proprietários dos engenhos que encerraram suas atividades

durante os últimos dez anos, como também com os que continuam em funcionamento durante

esse mesmo período, sendo realizada nos meses de abril e maio de 2013. Quanto aos

engenhos que encerraram suas atividades nesse período, buscou-se entrevistar esses

proprietários e no caso dos engenhos que funcionaram durante o período proposto, como

atualmente somente cinco engenhos continua em funcionamento, este estudo pesquisou todas

essas unidades e não utilizou amostragem.

2.3. Método de análise

Este estudo utilizou análise descritiva, em que os principais dados coletados foram

agrupados em tabelas de frequências, contendo as frequências absolutas e relativas das

variáveis consideradas ou representados por meio de gráficos.

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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Identificação dos engenhos e dos proprietários

Os engenhos de rapadura do município de Barbalha, em geral, são unidades antigas,

comprados há várias décadas, no início da fabricação do produto na região do Cariri, ou foram

herdados por filhos ou netos de algum proprietário que os adquiriu naquela época. Os dados

apresentados na Tabela 1 comprovam essa informação.

No caso dos engenhos que encerraram suas atividades no município de Barbalha nos

últimos dez anos, percebe-se que 61,54% são próprios (8 engenhos), e sua maioria foi

adquirida por seus proprietários no início da fabricação do produto no local, há bem mais de

10 anos; apenas um desses dez engenhos comprados foi adquirido pelo proprietário há menos

de 10 anos, o qual foi comprado a um outro produtor de rapadura que havia desistido de atuar

na área, se desfazendo do engenho, sendo que um destes engenhos próprios pertence a uma

associação de uma comunidade local (Associação dos Pequenos Produtores do Sítio Santana).

Outra parte destes engenhos foi herdada, 38,46%, passando de pai para filho por duas ou mais

gerações, fortalecendo a tradição de se produzir o produto.

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Dos engenhos de rapadura que ainda funcionam no município de Barbalha, 60% são

próprios (três dos cinco engenhos pesquisados), sendo que os proprietários são filhos, netos

ou sobrinhos de algum ex ou ainda produtor de rapadura, ou seja, vem de famílias que

mantém a tradição de se produzir o produto no local. Um dos cinco engenhos, que

corresponde a 20%, foi herdado de pai para filho já há três gerações; e o outro engenho é

arrendado (R$ 10.000,00 por ano), onde o arrendatário é filho de um ex-proprietário de

engenho, que chegou a falecer e este decidiu seguir os costumes da família e continuar

fabricando o produto.

Os engenhos de rapadura pesquisados são, em sua maioria, unidades antigas, com

vários anos de funcionamento. Como se pode observar pelas informações obtidas na pesquisa

de campo, dos engenhos que encerraram suas atividades, 84,62% funcionaram por mais de 10

anos, sendo que alguns ultrapassaram 40 anos de uso (havendo relatos de alguns que

perduraram por mais de um século); estes, ao decorrer dos anos, tiveram que ser conservados

e/ou melhorados para que fosse possível sua permanência em funcionamento, como a

substituição de moendas de madeira por moendas de ferro, e também a introdução de tração

elétrica ao invés de serem puxados por boi ou movidos por força hidráulica. Há a informação

de um engenho que funcionou por até cinco anos (7,69%), porém o proprietário informou que

o engenho não era novo, já tinha vários anos de uso, posto que foi comprado a outro produtor

de rapadura, que se desfez do mesmo. Entre 5 a 10 anos, tem-se a evidência de um engenho

(7,69%), também com vários anos de uso conforme o antigo proprietário.

Com relação aos engenhos de rapadura que ainda funcionam no município de

Barbalha, 60% do total pesquisado também são bem antigos, com mais de dez anos de uso,

sendo que 40%, que corresponde a dois engenhos do total de cinco, funcionam entre cinco a

dez anos, porém, segundo os proprietários, antes da compra, esses engenhos já tinham vários

anos de uso pelo antigo proprietário. Essas informações são comprovadas pelos dados

contidos na Tabela 1. Dessa forma, constata-se que essa atividade é secular no município de

Barbalha, comprovando a tradicional cultura de se produzir rapadura no local.

Conforme se observa pelo Gráfico 1 (a), a produção de rapadura nos engenhos, na

maioria das vezes, é feita sazonalmente, em geral, de março a dezembro. Os proprietários dos

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engenhos que encerraram suas atividades informaram que funcionavam apenas nesse período,

nunca funcionaram durante o ano todo. Entretanto, quanto aos engenhos que ainda funcionam

no município de Barbalha, 80% fabricam o produto durante o ano todo, com produção

modesta. Segundo os proprietários entrevistados, isso se dá por conta da necessidade de se

manter seus principais compradores, uma vez que a rapadura é produzida, em sua maioria das

vezes, sob encomenda. Dos cinco engenhos em funcionamento, apenas um funciona no

período de sazonalidade (de maio a novembro), também com produção modesta.

(a) (b)

Gráfico 1 – Período de funcionamento dos engenhos que encerraram suas atividades e dos

engenhos ainda em funcionamento (a) e período de fechamento dos engenhos que

encerraram suas atividades (b) no município de Barbalha, CE.

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da pesquisa.

Com base no Gráfico 1 (b), percebe-se que a maioria dos engenhos que encerraram

suas atividades (61,54%) fechou as portas depois do ano de 2007, e os outros 38,46%

fecharam entre os anos de 2002 a 2007, que corresponde a cinco dos treze engenhos visitados.

Segundo as informações reveladas pelos proprietários destes engenhos, esse resultado pode

ser atribuído ao fato de ter sido nesse período (2008 a 2012) que o Ministério do Trabalho

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tenha intensificado as fiscalizações nesses estabelecimentos e feito exigências que os mesmos

não tiveram como cumprir diante da situação vivida em seus engenhos.

Conforme dito anteriormente, a grande maioria dos engenhos de rapadura do

município funcionou por mais de 10 anos e, segundo a pesquisa empírica, esses engenhos

estiveram nas mãos dos mesmos proprietários durante todo o seu período de funcionamento.

Nesse contexto, é evidente que a maioria dos proprietários dos engenhos de rapadura, em

geral, apresente idade mais avançada, já que eram os responsáveis por manter a fabricação do

produto no local por tantas décadas.

Como se pode observar na Tabela 2, mais da metade (53,85%) dos proprietários dos

engenhos que encerraram suas atividades têm mais de 65 anos de idade. Dentre esses, dois

deles, que corresponde a 15,38%, possui faixa etária entre 75 a 85 anos, sendo que o

proprietário primogênito possui 85 anos. Por outro lado, o proprietário mais novo dos

engenhos que encerram suas atividades se encontra com 37 anos.

Já em relação aos proprietários dos engenhos ainda em funcionamento, percebe-se que

a maioria é mais jovem. De posse dessas informações obtidas, verifica-se que 40%,

correspondente a dois dos cinco proprietários entrevistados, têm entre 35 a 45 anos e os 60%

restantes estão divididos igualmente entre os proprietários que têm entre 45 a 55 anos de idade

(20%), 55 a 65 anos (20%), e os que têm entre 65 a 75 anos de idade (20%). Portanto,

constata-se que os engenhos em funcionamento estão nas mãos de pessoas com uma faixa

etária menor. Estes são familiares (filho, neto, irmão) de algum ex-proprietário de engenho

que tenha desistido de produzir o produto ou tenha vindo a falecer, sendo que estes estão

levando adiante à tradição familiar de se produzir a rapadura.

A idade avançada da maioria dos proprietários acaba sendo um dos fatores

responsáveis pelo fechamento de alguns engenhos, pois o proprietário se viu diante da

situação de decadência do engenho, sendo obrigado a abandonar a atividade por conta da

idade avançada, que lhe restringia de alguma forma. Assim, não tendo algum filho disposto a

assumir a administração da unidade, dando continuidade a tradição familiar (estes se voltaram

para outras áreas mais rentáveis e fora do campo), viram-se obrigados a fechar o engenho.

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No tocante ao nível de escolaridade dos proprietários dos engenhos que encerraram

suas atividades no município de Barbalha, nota-se que a maior frequência relativa (38,46%)

verificada se encontra no nível médio completo e que apenas um dos treze proprietários

pesquisados informa ter nível superior (7,69%), porém sua formação se deu na área da saúde.

Percebe-se, desta forma, que, em sua grande maioria, os proprietários desses engenhos tinham

nível de escolaridade considerado razoável. Dos proprietários dos engenhos de rapadura ainda

em funcionamento, o cenário não é diferente. Os dados mostram que 40% destes não

concluíram o ensino fundamental, apenas um dos cinco proprietários concluiu esse nível

(20%), e o restante (40%) possui ensino médio completo.

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3.2. Produção e comercialização da rapadura

Os engenhos pesquisados, em sua maioria, quase não apresentam diversificação de

produtos, o que, segundo Lima; Cavalcanti (2001, p. 32), ―pode ser considerado como

característica desse universo‖. Todos os engenhos pesquisados produzem rapadura na forma

tradicional. Dos engenhos que encerraram suas atividades, obteve-se a informação, pela

Tabela 3, de que sete dos treze engenhos pesquisados, que corresponde a 53,85%, produziam

somente a rapadura; sendo que um destes proprietários informou ter tentando diversificar a

produção, produzindo rapadura em tabletes de 25g, mas a tentativa não teve êxito, pois o

custo de se produzir esse tipo de rapadura era maior, o tempo de produção era mais extenso,

além de não ter encontrado um mercado consumidor fixo. Os outros seis, que corresponde a

46,15% produzem outros produtos além da rapadura, sendo que dois produzem mel, dois

produzem batida, um produz alfenim, um produz melaço, dois produzem cachaça e um

produz açúcar demerara.

Com relação aos engenhos que continuam em funcionamento, dois dos cinco engenhos

pesquisados (40%) afirmam produzir somente a rapadura. Os outros três engenhos (60%)

informam produzir outros produtos além da rapadura, sendo que dois produzem mel, dois

produzem batida, um produz alfenim e um produz cachaça. Segundo Lima; Cavalcanti (2001,

p. 32), ―isso mostra o conservadorismo dos proprietários e a reduzida abertura de novos

mercados, que, em geral, são mais propensos à diversificação.‖

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A produção de rapadura há alguns anos era feita nos engenhos sem quase nenhuma

preocupação dos produtores com sua venda. Eles garantem que antigamente não se tinha

problemas com a venda, o mercado consumidor dificilmente deixava de demandar toda a

produção. Entretanto, no caso de a produção inteira fabricada no período da moagem

(sazonalidade) pelo engenho não ser vendida, era feito estoque do produto. Segundo eles,

quase não se tinha prejuízo, pois não havia perda total, a rapadura poderia ser desmanchada e

reaproveitada em uma nova produção, ou de alguma outra forma.

Com o passar dos anos, por conta de alguns fatores, passou-se a haver dificuldades

com a comercialização do produto e, foi a partir daí, que a produção passou a ser feita, na

maioria das vezes, apenas sob encomenda. A atividade já não gerava tanto lucro como

antigamente, e os proprietários viam esta como sendo uma forma de se evitar perda.

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A partir dessas informações e com base na Tabela 3, percebe-se que dos engenhos de

rapadura que encerraram suas atividades nos últimos dez anos (2002 a 2012), 69,23% deles

produziam rapadura acima do que se previa para venda. Dessa forma, já com um mercado

consumidor bem limitado no período proposto na pesquisa, obviamente havia dificuldade de

se vender o estoque. Um dos produtores informa que vendia a produção restante no comércio

local, enquanto o restante aguardava por compradores no próprio engenho.

Com a dificuldade cada vez maior de um mercado consumidor abrangente, alguns

proprietários viram na produção de rapadura apenas sob encomenda como sendo uma forma

de se prevenir contra perdas e, consequentemente, prejuízos que poderiam vir a sofrer. Dentro

deste contexto, encontram-se quatro dos treze engenhos produtores de rapadura que

encerraram suas atividades, que corresponde a 30,77%. Estes preferiam produzir sem nenhum

risco. Entretanto, apesar da alternativa recorrida, a falta de um mercado consumidor que

abrangesse toda a produção local teria sido um dos motivos da falência destes engenhos.

É tanta a comprovação de um mercado consumidor pouco expressivo e cada vez mais

declinante, que todos os engenhos do município de Barbalha que continuam em

funcionamento produzem a rapadura somente sob encomenda. Alegam que devido o lucro em

alguns casos não cobrir os custos, não se pode haver nenhum prejuízo com relação à venda,

pois isso poderia colocar em risco o funcionamento destes.

De acordo com as informações obtidas com a aplicação dos questionários, tem-se que

a maioria dos produtores vendia ou vende sua produção ao mercado atacadista, na própria

unidade de produção. A grande maioria vende ao chamado pequeno atravessador, que são

responsáveis por fazer a distribuição do produto, que conforme os proprietários entrevistados

se dão principalmente em outros estados da região Nordeste.

Segundo os proprietários dos engenhos pesquisados que encerraram suas atividades,

toda ou grande parte da produção é vendida aos atravessadores que vêm principalmente dos

estados nordestinos do Rio Grande do Norte, Paraíba, e Pernambuco, que são responsáveis

por fazer a distribuição do produto no comércio destes Estados. Esta parte da produção era

feita sob encomenda, sendo que os proprietários dos engenhos de rapadura que produziam

excedente do produto informaram que vendiam esse excedente a atravessadores locais, que

faziam a distribuição do produto em cidades cearenses, como Juazeiro do Norte (aos romeiros

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principalmente), Iguatu e Várzea Alegre. Além de eles próprios irem vender em feiras de

cidades da região e também aos ambulantes, aguardavam compradores no próprio engenho.

No caso dos produtores dos engenhos de rapadura que ainda funciona, sua maioria,

também vende a produção aos chamados atravessadores, que fazem a distribuição do produto

principalmente em outros estados da Região Nordeste (Rio Grande do Norte, Paraíba e

Pernambuco), mas que há também os que distribuem para o comércio de cidades da região do

Cariri, principalmente, Juazeiro do Norte, por conta da presença intensa de romeiros que,

segundo os proprietários dos engenhos pesquisados, são grandes apreciadores do produto.

Diante deste fato, tem-se a informação de que, um dos cinco proprietários dos engenhos ainda

em funcionamento, ressalta que 70% de toda a produção do seu engenho eram vendidas aos

romeiros que visitam o município de Juazeiro do Norte. Estes comprariam o produto

diretamente no engenho e aparecem como seus principais compradores.

Dessa forma, verifica-se que, no geral, o destino das vendas distribui-se

principalmente no mercado regional (Região Nordeste), seguido do mercado local

(municípios da Região do Cariri).

Segundo os proprietários dos engenhos ainda em funcionamento, não há nenhum

registro de venda de rapadura para o mercado externo e informam que não têm planos para

exportação. Afirmam que o principal objetivo no momento é manter e tentar expandir o

mercado consumidor nacional, regional e principalmente local, que deixa muito a desejar.

Além disso, eles têm consciência das exigências do mercado externo, sabem que para se

inserir neste mercado, seria necessária uma forte reestruturação dessa atividade, que exigiria

recursos, os quais estariam fora do alcance dos mesmos.

Os proprietários dos engenhos de rapadura adotam diferentes maneiras de monitorar a

produção. Uns fazem a contagem da quantidade produzida por carga, sendo que uma carga

equivale a 100 rapaduras; outros por unidade, sendo que a rapadura tradicional contém 500g;

outros por quilograma (1 kg = 1.000g), além dos que fazem a contagem por tonelada (uma

tonelada = 1.000.000g).

Apesar de se ter informação da quantidade média de rapadura produzida por ano em

cada engenho, em unidade, carga, kg ou tonelada, não seria confiável estimar a quantidade

média de rapadura produzida anualmente no município de Barbalha por conta dos diferentes

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períodos de fechamento dos engenhos, além do que os produtores não têm controle confiável

da quantidade produzida, informando uma média do que costumam produzir. Dessa forma,

será informada a quantidade média produzida nesses engenhos em seu período de moagem.

Pelas informações obtidas na pesquisa aplicada com os proprietários de engenhos que

encerraram suas atividades, teve-se a informação de que os engenhos produziam por moagem

(período de sazonalidade) de 120 kg de rapadura, que foi a menor quantidade de produção de

rapadura informada por moagem, podendo chegar a produzir cerca de 150.000 kg de rapadura

por moagem (maior quantidade produzida informada), essa seria a quantidade produzida no

período de auge da fabricação do produto na região.

Os engenhos de rapadura ainda em funcionamento chegam a produzir de 5.750 kg a

50.000 kg de rapadura por ano, sendo que um dos proprietários informa já ter produzido até

100.000 kg do produto por ano, comprovando uma tendência de diminuição da produção do

produto no município ao decorrer dos anos.

3.3. Principais dificuldades apontadas

Os proprietários dos engenhos de rapadura, em geral, atribuem à falência e fechamento

ou decadência dos engenhos aos seguintes fatores: dificuldade de comercialização do produto;

evasão de mão de obra; exigências feitas pelo Ministério do Trabalho; preço baixo do

produto; falta de recursos; falta de incentivos e ajuda governamental (inserir a rapadura na

merenda escolar); falência da agricultura local; baixa lucratividade, de forma que o lucro não

vinha sendo o suficiente para cobrir os custos; secas sofridas que prejudicou o plantio da

cana-de-açúcar; encargos sociais elevados; energia elétrica cara (utilizada na irrigação da cana

e moagem); dificuldade de obtenção de crédito; e idade avançada do proprietário.

Conforme enfatizado, a comercialização da rapadura nos últimos anos vem sendo um

dos problemas enfrentados pelo segmento. O mercado consumidor da rapadura é bem

limitado, onde a produção local acaba se voltando principalmente para outros estados da

região Nordeste (RN, PB e PE, principalmente), através do pequeno atravessador,

observando-se a falta de um mercado consumidor local mais abrangente; a produção local se

tornara excedente diante da pequena procura pelo produto. Além do que a tendência de um

mercado consumidor cada vez mais declinante amedrontava os produtores locais, que diante

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desse fato se vinha obrigada a diminuir cada vez mais a produção, o que fez com que grande

parte destes, aliada a outros fatores, optassem pelo fechamento de seus engenhos; deixando os

engenhos ainda em funcionamento produzindo apenas sob encomenda para que não ocorram

perdas que viessem a piorar a situação de decadência já vivida nessas unidades sobreviventes.

Dessa forma, a dificuldade de comercialização da rapadura aparece como uma barreira a ser

quebrada para que venha a ser possível alavancar a produção no município.

A evasão de mão de obra das unidades (agrícolas) está associada à melhoria de vida da

população em geral, devido aos projetos governamentais; e ao desenvolvimento da região,

que levou a especialização da mão de obra local, que se evadiu para os centros urbanos;

acabou vindo a se tornar um problema para o setor. Os engenhos por falta de mão de obra

suficiente para ocupar todo o processo produtivo da rapadura muitas vezes tiveram que parar

a produção até que encontrassem mão de obra suficiente para ocupar todas as fases do

processo, sendo que os que não conseguiam pessoal suficiente acabaram fechando as portas.

Os engenhos ainda em funcionamento continuam sofrendo com esse problema que vem se

agravando cada vez mais, os trabalhadores rurais estariam migrando para o setor industrial

que vem se firmando na região. Diante desta situação, os engenhos acabam recorrendo à mão

de obra vinda de outras cidades da região e também de estados vizinhos.

Com o preço reduzido do produto e os custos elevados da produção,

consequentemente se tem uma baixa lucratividade com a venda do produto. Sendo assim, o

lucro obtido na produção nem sempre era o suficiente para cumprir com todas as obrigações

necessárias (custos da produção e renda familiar, além de capital necessário para cumprir com

os custos iniciais da produção seguinte). Além do que as exigências feitas pelo Ministério do

Trabalho, que com o descumprimento levaria a aplicação de multas (que chegou a ocorrer

com grande parte dos engenhos que alegam não terem tido condições de cumpri-las), vieram a

piorar ainda mais a situação de decadência vivida nos engenhos. Diante do baixo lucro e da

falta de recursos, a maioria dos proprietários informa não se ter condições de cumprir com

todas as obrigações citadas acrescidas aos custos adicionais (buscando cumprir com as

exigências feitas pelo Ministério do Trabalho e o pagamento de multas, no caso do

descumprimento das exigências), levando a falência de grande parte dos engenhos. Portanto,

os engenhos sobreviventes continuam a sofrer com o baixo lucro, onde parte afirma não ser

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viável a produção que ocorreria com objetivo de se manter a tradição de se produzir rapadura

no local.

A falência da agricultura local também aparece com um dos fatores responsáveis pelo

fechamento e pela decadência dos engenhos. A falência da agricultura estaria associada à falta

de chuva (secas sofridas no Nordeste), que levou a necessidade de irrigação da cana-de-

açúcar, acarretando em um aumento significativo da tarifa de energia elétrica paga, que diante

da falta de recursos e dificuldade de obtenção de crédito, além dos altos encargos sociais e

falta de incentivo e ajuda governamental, se tornou difícil cumprir com os custos acrescidos

ao cultivo da cana-de-açúcar. Com a dificuldade de se cultivar a cana-de-açúcar, que é a

principal matéria-prima utilizada na produção da rapadura, a produção acaba se vendo

ameaçada, já que a redução se é necessária, comprovando ser um dos fatores responsáveis

pelo fechamento e decadência dos engenhos ainda em funcionamento.

O último fator citado seria a idade avançada dos proprietários. Estes alegam não ter

mais condições físicas de continuar administrando as unidades de engenhos, e já que os filhos

e outros membros familiares optaram por atuar em outras atividades (não agrícolas), se viram

obrigados a fechar os engenhos. Os proprietários dos engenhos ainda em funcionamento veem

um futuro não tão diferente para suas unidades, informam que ao alcançar idade avançada

terão que abandonar a atividade, não tendo estes expectativas de que filhos ou netos se

disponham a continuar a tradição de se produzir o produto, diante das mudanças de hábitos já

vividas no local.

3.4. Sugestões para que os engenhos continuem funcionando

Diante da situação de decadência vivida atualmente nos engenhos de rapadura do

município de Barbalha, os proprietários dos engenhos ainda em funcionamento indicam

sugestões para que seja possível a continuidade da produção do produto no local. Eles

apontam como tipo de apoio mais urgente: incentivos à comercialização do produto;

incentivos e ajuda governamental; inclusão da rapadura na merenda escolar municipal; acesso

à linha de crédito (investir em melhorias tecnológicas); e assistência para o plantio da cana-

de-açúcar.

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Como se pode perceber, os apoios necessários para sustentação dos engenhos que se

encontram em situação de decadência, citados pelos proprietários dos engenhos ainda em

funcionamento, se resumem na resolução dos problemas referenciados no item anterior.

Outro fato relativamente novo no ramo é a introdução da rapadura na merenda escolar

de vários municípios, bem como a sua aquisição pela Companhia Nacional de Abastecimento

(CONAB) para compor as cestas básicas distribuídas às famílias indigentes (LIMA;

CAVALCANTI, 2001, p. 38).

Dessa forma, a diversificação do produto poderia levar a abertura desses novos

mercados que são mais exigentes, porém isso só aconteceria diante de outras mudanças

ocorridas no setor, como, por exemplo, tornar os engenhos de rapadura em pequenas ou

médias empresas formais; assim como também agregaria valor ao produto.

Ainda se poderia negociar com redes de supermercados e também entrar com

licitações para incluir o produto na merenda escolar municipal. Essas experiências já foram

feitas em outros centros produtores de rapadura aqui mesmo no estado do Ceará e também em

outros estados nordestinos. No entanto, com relação à tentativa de venda da rapadura para a

merenda escolar, pode-se encontrar o problema da concorrência com os atacadistas, que

levariam vantagem ao conseguir oferecer o produto por melhor preço.

Entretanto, essas mudanças são presentes apenas nos centros maiores produtores de

rapadura do Nordeste. Na área de estudo em questão, não há expectativas positivas em relação

a essas mudanças; já que o município é o único que ainda mantém alguns engenhos de

rapadura em funcionamento na região do Cariri, se vendo totalmente restrito a tais mudanças,

diante dos outros problemas enfrentados pelo setor no local.

Ademais, para que isso viesse a acontecer seria necessária a presença de algum tipo de

incentivo ou apoio governamental, aliada a outros órgãos (foi o que aconteceu nos casos

citados anteriormente), que seria outro apoio informado pelos proprietários dos engenhos

ainda em funcionamento como necessário para manter a atividade em ativa. Os produtores

clamam por ajuda governamental para continuarem a atividade, e indicam a aquisição da

rapadura para merenda escolar municipal como sendo uma das alternativas mais fáceis de

implementação. Mas, segundo Lima; Cavalcanti (2001), no caso da demanda institucional,

além da decisão política de incluir a rapadura na merenda escolar, os proprietários teriam que

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ter capacidade de atender os requisitos mínimos de qualidade, higiene, formalização e

legalização para participar de licitações e regularidade da oferta. Diante da situação de

decadência vivida pelas unidades de engenhos, essa seria mais uma barreira a ser superada.

Com relação à aquisição da rapadura para a merenda escolar municipal, assim como

outros produtos produzidos em unidades de engenhos (como o caldo de cana, por exemplo),

os proprietários dos engenhos pesquisados informam já ter ocorrido esse fato no local.

Entretanto, o produto não era comprado diretamente aos engenhos, que não chegaram a se

beneficiar; o produto era comprado a atacadistas que revendiam a rapadura à prefeitura

municipal que o incluía como parte da merenda escolar. Isso mostra a falta de apoio e

reconhecimento local com os engenhos de rapadura do município de Barbalha.

Outro apoio informado pelos proprietários dos engenhos de rapadura em

funcionamento está relacionado ao acesso a linhas de crédito. Os proprietários reclamam da

dificuldade de se obter qualquer tipo de obtenção de crédito, além dos altos juros cobrados no

pagamento da dívida. A facilitação da obtenção de crédito, assim como uma diminuição na

taxa de juros cobrada no pagamento da dívida viria a beneficiar os engenhos, de modo que o

crédito obtido seria utilizado, principalmente, para obtenção de máquinas e equipamentos que

trariam melhorias tecnológicas para as unidades, vindo a trazer benefícios como redução dos

custos de produção, agilização do processo produtivo (substituição do trabalho manual por

máquinas), aumento da produção, assim como também melhoramento na qualidade do

produto, entre outros.

A assistência ao plantio da cana-de-açúcar também foi apontada como apoio

necessário para o melhoramento da situação de decadência vivida pelos engenhos. Com a

agricultura tida como falida pelos produtores, estes veem na assistência ao plantio uma forma

de salvar a agricultura. Essa ajuda poderia ocorrer tanto na forma de assistência técnica, como

também ajuda governamental. A necessidade de assistência técnica viria no caso de indicar

propostas de técnicas de plantio e irrigação, diante da convivência com a seca, melhorando a

qualidade da cana-de-açúcar local e também aumento da produtividade, que se encontra em

baixa diante dos problemas causados pela seca; e a necessidade de assistência governamental

viria no caso de incentivar a agricultura local, como financiando a plantação da cana,

cobrando juros abaixo dos cobrados pelos bancos na hora do pagamento da dívida, e também

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dando maior prazo de pagamento; podendo também diminuir os encargos de energia elétrica

paga com a irrigação da plantação da cana.

Nesse contexto, segundo os produtores de rapadura dos engenhos ainda em

funcionamento do município de Barbalha, a chegada desses apoios melhoraria a situação

desses engenhos, retirando-os da situação de decadência vivida atualmente.

4. CONCLUSÕES

O estudo sobre a produção de rapadura no município de Barbalha nos últimos dez anos

com destaque para as dificuldades e perspectivas futuras dessa atividade produtiva indicou

que a importância dessa atividade para a economia local vem tendo quedas significativas nos

últimos anos, sofrendo com aparecimento de fatores que comprometem o futuro dessa

atividade já tão tradicional no município.

Diante dos pontos contemplados na pesquisa de campo, vale destacar a identificação

do engenho e do proprietário; a produção e comercialização da rapadura; e principais

dificuldades e sugestões.

Com base nesses pontos, conclui-se que a falência e o fechamento ou decadência dos

engenhos estão associados principalmente aos seguintes fatores: dificuldade de

comercialização do produto; baixa lucratividade, associada aos preços baixos e alto custo de

produção; evasão de mão de obra; exigências feitas pelo Ministério do Trabalho

(regularização do pessoal ocupado, melhoramento nas unidades produtivas, com relação às

melhores condições de trabalho e higiene do produto); falta de recursos; falta de incentivos e

ajuda governamental; falência da agricultura local, associada à seca e a falta de apoio a

agricultura; encargos sociais elevados; energia elétrica cara (utilizada na irrigação da cana e

moagem); dificuldade de obtenção de crédito; e idade avançada de proprietários.

A solução dos problemas causados por esses fatores poderia evitar a situação de

decadência dos engenhos de rapadura ainda em funcionamento, que informam as seguintes

medidas de apoio mais urgentes ao segmento: incentivos à comercialização do produto

(projetos de abertura de novos mercados e agregação de valor, com diversificação do

produto); incentivos e apoio governamental (inclusão da rapadura na merenda escolar

municipal); acesso à linha de crédito (com juros mais baixos e maior prazo de pagamento, que

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seria investido em melhorias tecnológicas, capital de giro); assistência técnica para plantio da

cana-de-açúcar; e ajuda governamental no caso de incentivos à agricultura local.

Dentro desse contexto, conclui-se que apesar das expectativas negativas tidas em

relação ao futuro dessa atividade econômica, uma forte reorientação do setor, visando

solucionar os problemas responsáveis pelo fechamento e decadência dos engenhos de

rapadura do município de Barbalha, poderia manter os engenhos funcionando por mais um

considerável período de tempo e até reabrir engenhos antigos. Entretanto, a produção

continuaria ocorrendo de forma modesta, respeitando os limites impostos atualmente pelo

setor, com rendimentos também modestos, podendo ser tão somente o suficiente para manter

a tradição de se produzir rapadura no local. Sem retirar a hipótese de que sem essa

reorientação no setor, os engenhos ainda sobreviventes podem vir a fechar em um período não

tão longo de tempo, dando um fim a essa atividade tão tradicional no município.

REFERÊNCIAS

FIGUEIREDO FILHO, J. Engenhos de rapadura do Cariri. Fortaleza: Edições UFC, 2010.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo

Agropecuário 2006: Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro,

p.1-777, 2009.

IPECE – INSTITUTO DE PESQUISA E ESTRATÉGIA ECONÔMICA DO CEARÁ. Perfil

Básico Municipal – Barbalha – CE. IPECE: Fortaleza – CE. 2012.

LIMA, J. P. R.; CAVALCANTI, C. M. L. Do engenho para o mundo? A produção de

rapadura no Nordeste: características, perspectivas e indicação de políticas. Revista

Econômica do Nordeste. Fortaleza, v. 32, n. 4, p. 950-974, 2001.

OLIVEIRA, A. J. Engenhos de rapadura do Cariri: trabalho e cotidiano (1790-1850).

Fortaleza, CE: UFC, 2003. 153p. Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade

Federal do Ceará, 2003.

OLIVEIRA, J. C.; NASCIMENTO, R. J.;BRITTO, W. S. F. Demonstração dos custos da

cadeia produtiva da rapadura: estudo realizado no Vale do São Francisco. Custos e

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1556

@gronegócio online- v. 3 – Edição Especial – Maio - 2007. Disponível em:

http//www.custoseagronegocioonline.com.br. Acesso em: 20 jan. 2012.

VICELMO, A. Falência da tradição: engenhos agonizam no Cariri. Diário do Nordeste,

publicado em 16/08/2008. Disponível em: caririagora.blogspot.com/.../matéria-do-diário-do-

nordeste-16-08-2008. Acesso em: 07 de Dezembro de 2011.

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A QUESTÃO AGRÁRIA COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL E O

TRABALHO DESENVOLVIDO PELOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS

ASSENTAMENTOS RURAIS

Claudina Sonaly Melo Rodrigues3

Jamyllier Nathafia Araújo Gurgel4

Ana Paula Rodrigues da Silva5

Gilcélia Batista de Góis6

RESUMO Com a reconceituação da profissão do Serviço Social, o trabalho dos Assistentes Sociais abandonou

suas raízes conservadoras e se tornou cada vez mais necessário em espaços sociais distintos que

necessitassem da garantia e efetivação dos direitos dos trabalhadores. Os profissionais passaram a

participar ativamente junto com a classe trabalhadora em lutas e conquistas ganhando cada vez mais

espaço, inclusive em assentamentos rurais, trabalhando com a chamada Questão Agrária. A

contribuição teórica e técnica do Serviço Social tem sido um importante instrumento de intervenção

para enfrentamento da Questão Social, sendo também indispensável a articulação entre outras

profissões para que se faça ainda mais viável a elaboração de programas, projetos e ações que

realmente contemplem a necessidades presentes nos assentamentos rurais.

Palavras-chave: Questão agrária, questão social, trabalho do assistente social.

INTRODUÇÃO

O processo de concentração de terras brasileiras perpassa desde a época da

Colonização, quando as terras pertenciam aos colonos Portugueses e a população ficava a

mercê destes para garantir sua moradia e sobrevivência, o que deixa seus vestígios até os dias

atuais, onde a população ainda sofre com a falta de teto, de terras, com o desemprego e sem

condições de subsistência.

3 email: [email protected], Telefone: (84) 9654-0384.

4 email: [email protected], Telefone; (84) 9666-3870

5 email: [email protected], Telefone: (85) 8153-0767

6 email: [email protected], Telefone: (84) 9927-8339

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE-UERN

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL – FASSO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO

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O Brasil se mostra um país agrário, que passou pelo processo de urbanização, graças

ao movimento de industrialização existente no Mundo e mesmo assim não perdeu sua riqueza

natural e a capacidade do povo em criar alternativas de resistências frente às políticas

neoliberais, mesmo diante do sistema capitalista em vigor, que ao mesmo tempo em que

avança no desenvolvimento de novas forças e modos de produção, capaz de construir novas

riquezas, favorece um processo de subordinação das necessidades humanas a condições de

vida precárias, submetendo o trabalhador a um processo de empobrecimento.

É nesse contexto que temos as expressões da questão social bem presentes e que se

apresentam por meio da concentração de terras, da questão fundiária, das desigualdades e da

pauperização cada vez mais visíveis no meio rural.

A Questão Agrária perpassa nesse contexto, através das relações de poder econômico,

político, cultural e social, entre sujeitos antagônicos que visam interesses diversificados em

torno da propriedade de terras no sistema capitalista. Trata da concentração de terras

produtivas em posse dos que as utilizam em períodos sazonais, não conferindo a elas uma

função social e ao mesmo tempo as mantém como um elemento que os caracteriza como

detentores de poder, dominação, submissão sobre os que não têm terras para garantir a sua

sobrevivência através da agricultura familiar ou sua subsistência. Aparece nessa situação,

expondo entre outras problemáticas: a centralização de terras, desapropriação do pequeno

produtor da agricultura familiar e o não acesso a terra por parte das famílias rurais.

Com a decorrência desses fatos, surgem diversos Movimentos Sociais Organizativos,

que inicialmente lutavam e ainda hoje permanecem na luta pelo acesso a terra, enquanto

direito social, bem como por programas e projetos para o Espaço Rural, que batalham de

forma organizada pelo acesso a esses elementos e por melhores condições de vida e de

salários, pela distribuição de terras, dentre outros.

Junto aos Movimentos Sociais em vigor e a realidade de desigualdades presentes nos

assentamentos rurais, é que se faz fundamental a presença de profissionais como assistentes

sociais, atuando junto a essa população que se mostra vulnerável ao sistema capitalista, na

busca pelo enfrentamento das disparidades e pela garantia da efetivação dos direitos do

homem do campo. Para tanto, é preciso que o Serviço Social, enquanto atividade pensada e

voltada aos assentamentos e comunidades rurais exerça uma ruptura com as práticas

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conservadoras que permeiam o histórico da profissão e passe a adotar outras atitudes e

pensamentos mais condizentes com a realidade vigente.

É preciso analisar a possibilidade de repensar e redirecionar as ações profissionais para

que passem a apontar para um rumo social distinto dos interesses da classe dominante, ou

seja, é preciso que o assistente social assuma uma postura política e profissional voltadas para

os interesses da classe popular, na perspectiva da transformação social. Por meio da ruptura

com o conservadorismo, que o profissional possa dirigir suas ações à transformação da

realidade dos sujeitos acima relatados, que foram historicamente explorados e marcados por

processos desiguais.

Questão agrária como expressão da questão social

Para compreender o significado da questão social partimos dos pressupostos da

expansão da produção e reprodução das relações capitalistas, impulsionadoras da

industrialização e urbanização, as quais trazem em seu bojo as raízes da referida questão.

Contudo, foi somente em meio a luta dos trabalhadores por direitos sociais que a questão da

exploração humana passou a fazer parte da cena política, imprimindo ao Estado a necessidade

reconhecê-la enquanto uma questão pública.

A partir do reconhecimento da questão social pelo Estado, este ampliou suas funções

e passou a administrar e gerir os conflitos de classes não apenas via coerção, mas também

através do consenso, considerando-o como favorável ao funcionamento da sociedade de modo

a evitar tensões contra hegemônicas. O Estado, no processo de mediações das tensões

apresentadas no cotidiano das relações capital e trabalho, toma como centralidade a política

sócio-assistencial e efetiva-se através de prestação de serviços sociais.

Segundo Iamamoto, o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade

capitalista tem uma raiz comum: ―a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho

torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada,

monopolizada por uma parte da sociedade‖ (IAMAMOTO, 2001, p. 27). O que nos faz

perceber a existente desigualdade de apropriação de bens e também de terras no cenário

nacional.

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É no movimento do processo de reprodução da vida social que procuramos decifrar as

novas mediações por meio das quais se expressa a questão social hoje. Tal fato é de

fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que se possa

tanto apreender as várias expressões que assumem na atualidade as desigualdades sociais,

muitas vezes travestidas e forjadas e também qualificar o horizonte das competências

profissionais na luta contra o capital.

A questão agrária, enquanto expressão da questão social traz as disparidades e

impactos do sistema capitalista no meio rural, as relações de produção no campo são bastante

complexas, pois abarca a intensificação da concentração fundiária e, concomitantemente, a

resistência dos trabalhadores na luta pela terra e a implantação dos assentamentos rurais. A

questão agrária compreende ainda as relações de poder no bojo da correlação de forças entre

sujeitos antagônicos com interesses e perspectivas diferenciadas em torno da propriedade da

terra, inclusive na realidade brasileira.

No caso da situação rural brasileira, são predominantes as relações de dominação e

subordinação por meio do capitalismo tardio, que se estrutura em grandes latifúndios

concentradores de capital e desempenham a função de reproduzir a questão social do campo,

marcada de forma mais específica pelo acesso desigual a terra. Dessa forma, a luta pela terra

se torna um dos elementos essenciais para compreendermos a questão agrária no Brasil como

expressão da questão social.

O meio rural tornou-se palco de lutas entre atores sociais taticamente engajados, que

expandem os conflitos em torno da posse da terra e se organizam de acordo com seus

interesses de classe específicos, estando em um lado, uma elite latifundiária e, de outro, a

grande parcela da população dos trabalhadores rurais, secularmente desapropriada pelos

donos de terras. Percebe-se, portanto uma forte arena de lutas desiguais, de correlações de

força e poder assimétricas, onde o campo é o grande palco do embate político, demarcado por

interesses de classes sociais distintas, no qual a questão social é explicitada e negociada.

Com base nas raízes históricas do serviço social, é recorrente na literatura, que os

Assistentes Sociais passaram a atuar no enfrentamento das mais variadas expressões

quotidianas da questão social em diversos setores, o que envolve também a sua presença na

questão da propriedade da terra, mais especificamente na questão agrária.

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No entanto, a direção retórica adotada pelo conjunto das atuais diretrizes curriculares

norteadoras da profissão na contemporaneidade, em suas análises, entendem que no serviço

social brasileiro, as discussões pautam-se na compreensão crítica acerca das novidades sobre a

questão social, muitas vezes renomeando a expressão e adotando o termo problemas sociais,

que se mostra como uma reposição de análise equivocada, que tende a despolitizar o real

sentido do termo.

Iamamoto (2006) afirma que, esta nomenclatura impede uma compreensão da

complexidade da qual emerge a Questão Social no interior da organização capitalista. A

autora defende um discurso genérico, que resulta numa visão unívoca e indiferenciada da

Questão Social, prisioneira das análises estruturais, segmentadas da dinâmica conjuntural e da

vida dos sujeitos sociais.

Neste contexto a reforma agrária constitui-se uma questão polêmica no Brasil, já que

pôs em jogo interesses de classes antagônicas, bem como as divergências que esses interesses

acarretam, favorecendo ora uma e por vezes a outra classe social. Por isso a importância do

trabalho dos assistentes sociais junto a essa realidade, lidando com as múltiplas expressões da

questão social e procurando meios viáveis a igualdade entre as classes.

O trabalho dos/as Assistentes Sociais nos Assentamentos Rurais de questão agrária

Com o movimento de reconceituação, a profissão iniciou o processo de repensar o seu

fazer profissional, de maneira a fugir da neutralidade e do conservadorismo e voltar-se ao

compromisso com as classes subalternas. O Assistente Social vem se mostrando cada vez

mais como um agente profissional capaz de intervir na realidade dos sujeitos, proporcionando

a garantia e efetivação de seus direitos, bem como na implementação das políticas públicas ou

sociais, visto que o Serviço Social historicamente participa do processo de produção e

reprodução das relações sociais, onde seu trabalho se volta à relação estabelecida entre os

sujeitos e pelos interesses que envolvem as classes sociais distintas.

O Assistente Social possui a capacidade técnica e teórica de elaborar estratégias de

intervenção, de leitura crítica e de transformação da realidade social, possui a habilidade com

o trato a pessoa humana e enfrentamento da questão social, o que são questões próprias do

Serviço Social. No exercício de suas funções e mediante às demandas inscritas no contexto

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atual, este profissional necessita desenvolver capacidades técnico-operativas, teóricas e

reflexivas para direcionar sua própria ação rumo ao horizonte da cidadania, da democracia, da

igualdade e justiça social, visando alcançar uma nova ordem societária.

Os assistentes sociais são desafiados neste tempo de divisas, de gente cortada em

suas possibilidades de trabalho e de obter meios de sobrevivência, ameaçada na

própria vida. Tempos de crise, em que cresce o desemprego, o sub-emprego, a luta

por meios para sobreviver no campo e na cidade. Tempos extremamente difíceis

para todos aqueles que vivem do trabalho: para a defesa do trabalho e para a

organização dos trabalhadores.<grifos da autora> (IAMAMOTO, 2006, p. 18).

Por meio do surgimento de novas demandas profissionais, o Serviço Social se

incorpora às equipes multiprofissionais com a finalidade de realizar ações em assentamentos

rurais, acampamentos, comunidades rurais, nas equipes técnicas de organizações não-

governamentais, cooperativas de prestação de serviços, assim como, nas instituições

governamentais como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a

Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), por exemplo, dentre outros

espaços.

As ações desenvolvidas por estes profissionais podem ocorrer junto aos programas e

projetos dirigidos ao homem que vive no campo, que visam garantir benefícios a estes e que

conferem um compromisso por parte do profissional com a classe trabalhadora, com as lutas

pela justiça social e pelos princípios de democratização popular no campo.

O agir profissional do assistente social nos assentamentos rurais, possibilita um

fortalecimento do saber popular que é delimitado por uma ação essencialmente

socioeducativa, no qual o fortalecimento da classe popular implica na adoção de novos meios

de construção e utilização do conhecimento, onde a população possa ter acesso não somente a

informações institucionais, mas também aos processos de construção dessas informações,

bem como aos de tomada de decisões, sendo, portanto, capaz de decidir, possuindo a

liberdade de escolha sobre seus caminhos e construindo estratégias de enfrentamento das

adversidades cotidianas, protagonizando sua própria história.

As suas atividades envolvem a cooperação, a solidariedade, a busca de direitos, a ação

conjunta, reinvindicações, o incentivo aos assentados a participar de fóruns de discussões,

participação em conselhos, que envolvem, portanto atividades de mobilização, orientação,

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formação, organização e elaboração, que afirmam a necessidade histórica de direcionamento

ao projeto ético-político da profissão e que se mostram como enfrentamento às disparidades

vigentes, produzidas pela presença do sistema capitalista, que é possível também por meio da

organização e da coletividade dos trabalhadores e moradores do campo, através de sua

participação social, de sua integração no controle social, avaliando, monitorando e propondo

melhorias aos programas, projetos e ações.

Dentre as tarefas mais frequentes realizadas pelos profissionais nos assentamentos

rurais, se destacam a formação e organização de grupos (de mulheres, trabalhadores, jovens,

idosos, etc.), o acompanhamento da população do campo (no caso dos assentados, por

exemplo) às assembleias mensais e reuniões das associações, o acompanhamento dos

trabalhos realizados pelos moradores do campo, assessoria na gestão e organização das

associações (elaborando atas e ofícios), a organização e fortalecimento das famílias, voltadas

ao associativismo e o cooperativismo, o planejamento, a elaboração de projetos, o apoio a

comercialização de produtos (de maneira a garantir a subsistência e fonte de renda dos

sujeitos), a participação em movimentos sociais e a articulação de parcerias.

A busca por parcerias e alianças com outros setores que visem o progresso e bem-estar

social, que tendem a um novo tipo de sociedade, é fundamental para recriar novas formas de

enfrentamento aos problemas da realidade habitual dos sujeitos envolvidos.

Como desafios enfrentados por estes profissionais aparecem a desmotivação por parte

de algumas pessoas, os resultados de suas ações que muitas vezes são obtidos em longo prazo,

o comodismo e falta de apoio a determinadas atividades, dificuldades quanto a finalização de

projetos e aquisição de recursos, dentre outros que possam existir e que são relativos a

realidade de cada assentamento.

Dentre os resultados do trabalho dos assistentes sociais no campo, percebemos a

organização dos grupos, a melhoria das famílias assentadas, a ampliação do acesso ao

conhecimento e dos seus direitos, a possível visibilidade do trabalho e produção

desenvolvidas em muitos assentamentos rurais.

CONCLUSÃO

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No decorrer do presente artigo foi possível se compreender uma, dentre muitas das

faces da Questão Social: a então chamada Questão Agrária. Esta se torna mais um espaço

onde o Serviço Social encontra relações de dependência e dominação, como de desigualdades,

onde de um lado, uma minoria possui grandes concentrações de terras e, do outro, muitos

lutam por moradia. Diante dessa situação se formam movimentos sociais como o Movimento

dos Sem Terra (MST) que realizam ocupações e constroem assentamentos na busca por terras

para quem não as possui. O Serviço Social, a partir de sua nova formação, se insere nessa

realidade tanto na luta contra a desigualdade social, como na participação nos próprios

assentamentos, acompanhando a população, orientando-a e realizando programas e projetos

que visem uma melhor participação e bem-estar social de todos através da garantia de seus

direitos.

REFERÊNCIAS

IAMAMOTO, M. V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação

profissional. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

MELO, E. [et al] Serviço Social e Questão Agrária, entre as marcas da exclusão, a

apreensão de demandas socioprofissionais e o caminhar de ações socioeducativas, sob a

perspectiva do desenvolvimento como liberdade: um estudo de caso no projeto de

assentamento porto velho. 2007. 102 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em

Serviço Social). Faculdade de Serviço Social de Presidente Prudente. São Paulo. 2007.

MOTA, Claudia. O trabalho do/a Assistente Social na Agricultura Familiar – desafios e

resultados. Mossoró. 2013. 22 slides. Color.

SILVA, Nelmires Ferreira da. Serviço Social e Questão Social: as particularidades de uma

profissão no enfrentamento a questão agrária brasileira. Universidade Federal do Pernambuco,

UFBE. 2010.

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A QUESTÃO AGRÁRIA NA ATUALIDADE BRASILEIRA: desafios e possibilidades

para o fazer profissional do/a assistente social

Thaís da Silva Aguiar7

Laíz Cristina de Oliveira8

Gilcélia Batista de Gois9

RESUMO O presente artigo trará como tema central a Questão Agrária em nosso país, na primeira parte

apresentaremos um breve resgate histórico da Questão Agrária e as formas de organização da

estrutura econômica em diferentes contextos brasileiros, visto que o problema da Questão Agrária

em nosso país não é novo, é algo histórico, na qual surgiu desde a época da colonização e até hoje

permanece sem mudança. No segundo momento abordaremos a inserção e atuação do/a assistente

social frente a esse problema, bem como se dá o trabalho do Assistente Social para fortalecer esta

causa.

Palavras-chave: Reforma Agrária. Questão Agrária. Assistente social.

1 INTRODUÇÃO

Mesmo após tantas lutas em defesa da Reforma Agrária brasileira, a mesma ainda

não alcançou mudanças significativas no cenário do país, sendo realizada como medidas

pontuais frente a conflitos. Evidenciado a problemática da Questao Agrária no Brasil ainda

não há amplas discussões a respeito, ficando esta restrita a academia e aos movimentos

sociais em defesa da causa.

Sendo assim, as discussões acerca da Questão Agrária ainda não conseguiram

impactar a sociedade como um todo. No entanto, os movimentos sociais de trabalhadores

sem terra ou com pouca terra exercem um papel de extrema relevância no que diz respeito à

publicização da problemática.

7 Aluna de graduação da Faculdade de Serviço Social da UERN. E-mail: [email protected] Fone: (84)

9662-5015. 8 Aluna de graduação da Faculdade de Serviço Social da UERN. E-mail: [email protected] Fone: (84)

9983-7756. 9 Professora Adjunta II da Faculdade de Serviço Social da UERN. Doutora em Ciências Sociais e estuda a

temática como questão central desde o Mestrado. E-mail: [email protected] Fone: (84) 9927-8339.

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

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Assim, apesar de ainda não haver efetivamente a Reforma Agrária no Brasil, pelo

fato de o governo não tratar a questão com a atenção devida, o sistema vem se

modernizando e aos pouco se ampliando, resultado de lutas travadas durante muitos anos e

até os dias atuais.

Nesse sentido, faremos um breve resumo da problemática da Questão Agrária

brasileira, vinculando-a ao fazer profissional do/a assistente social, como sujeito capaz de

impulsionar e fortalecer os movimentos sociais a favor da Reforma Agrária, por meio de um

trabalho desenvolvido com o compromisso de lutar por uma sociedade mais justa e

igualitária.

2 A questão agrária do Brasil: breve caracterização

O debate sobre a política da Reforma Agrária no Brasil não é algo novo, em vários

contextos históricos houve reivindicações por parte da população na busca dessa reforma,

como também houve tentativa por parte do Estado em mudar a estrutura de nossas terras.

Com efeito, a Questão Agrária em nosso país não é um problema novo, o mesmo é advindo

da grande desigualdade social que assola o país e o acesso as terras é uma das expressões

dessa desigualdade, na qual tem suas origens desde a época da divisão das terras na

colonização do país e até hoje não houve uma reforma política capaz de mudar a estrutura

agrária da nação.

Desde a colonização portuguesa, passando pela Lei de Terras de 1850 e por todo o

processo de industrialização vivenciado no século XX e ainda em curso, a questão

agrária permaneceu quase que inalterada, a despeito de avanços decorrentes das

crescentes contradições sociais e econômicas e da correlata violência verificadas

no campo. A Europa Ocidental e países como os Estados Unidos (Homestead Act

de 1862), China (o Grande Salto para Frente, de 1959) e URSS (a partir da

Revolução de 1917) em algum momento, e de diferentes formas, promoveram o

maciço acesso da população à terra, e mesmo vizinhos latino-americanos, como a

Argentina, forjaram sociedades mais abertas no que se refere à propriedade da

terra (vide as políticas de colonização do território implementadas no século XIX)

do que a brasileira (NAKATANI, FALEIROS, VARGAS 2012, p. 214).

O Brasil é um dos países onde existem as maiores desigualdades sociais do mundo,

sendo assim, a estrutura agrária de nosso país não fica fora dessa estatística, sendo o Brasil

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um dos países com maiores índices de terras não produtivas que ficam sobre o poder de uma

pequena parcela da nossa sociedade.

No contexto histórico da colonização em nosso país a estrutura agrária era

predominantemente latifundiária canavieira e dos engenhos de cana de açúcar no nordeste

brasileiro que garantiam a economia naquela época e o regime de trabalhista prevalecia o

trabalho escravo. Com a coercitiva apropriação do território Brasileiro pelos portugueses e

logo após outros diversos países que impuseram suas leis, costumes e cultura ao povo que

aqui habitava. Tudo que era produzido ou extraído era enviado à metrópole européia que era

denominada como agricultura plantation, que consistia na produção de um único produto em

grandes áreas e utilizando mão-de-obra escrava. Com relação à propriedade da terra a Coroa

optou pela concessão de uso, onde era feito a divisão dessas terras para colonizadores e estes

por sua vez eram incentivados a fazer investimentos aqui mesmo no Brasil.

Um fato importante que contribuiu para a mudança no regime de trabalho na época da

colonização do país foi à grande pressão que a coroa Inglesa fez contra os portugueses para

transformar a mão-de-obra escrava para assalariada, em razão da possível abolição da

escravatura e consequentemente foi criada a lei nº601/1850 da Constituição brasileira de

1824, chamada lei das terras que visando modificar a concessão de terra em propriedade

privada. Com essa lei qualquer cidadão brasileiro poderia ser proprietário das terras, sendo

necessária sua compra a ser pago a coroa, fato que evitava os ex-trabalhadores escravizados

ser proprietários da terra, pois não tinha como pagar por ela e forçava-os a continuar

trabalhando para os fazendeiros com condições de vida e trabalho insuportáveis o que gerou

várias mobilizações sociais nesse período.

É válido frisar que a real intenção da criação da lei supra era estabelecer um mercado

das terras brasileiras, na qual as terras que não pertencesse a nenhum dono, pertenceria ao

Estado na condição de terra devolutas, todavia, não houve praticamente nem uma mudança na

estrutura de nossas terras, haja vista todos os proprietários de terras naquela época eram da

elite nacional e posteriormente a essa lei é que ficou mais difícil acesso por parte da maioria

da população e ex-escravos que representava a grande parcela da população em nosso país,

bem como não houve mudança na correlação de forças políticas no seio do império.

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Na verdade, o objetivo dessa legislação era bloquear o acesso à terra por parte da

população supostamente livre (dado o esgotamento da escravidão), antecipando o

que poderia ser uma ameaça ao poder de parcela da elite nacional, qual seja, a

quebra do monopólio da terra. Nestes termos, e ainda com Florestan Fernandes,

bloqueia-se a constituição de uma ordem social competitiva e bloqueia-se

violentamente o processo de mobilidade social, como que congelando o tempo

histórico e político, e, nesse bojo, a questão agrária. (NAKATANI, FALEIROS,

VARGAS 2012, p. 219).

O principal produto da economia do nosso país naquele contexto era o café, sendo a

estrutura agrária baseada na agricultura agro-exportadora, sendo justamente nessa época que

houve a grande migração tanto de trabalhadores europeus, como brasileiros para trabalhar nas

grandes fazendas de café localizada no sul do país e trabalhavam sob um novo um novo

regime de trabalho chamado colonato, nas quais os camponeses recebiam a lavoura de café,

moradia e terras para o cultivo de subsistência e criação de pequenos animais e recebiam

como forma de pagamento o próprio café.

Um fato importante que desencadeou várias mudanças na forma da estrutura agrária

em nosso país foi à promulgação da lei de 1888, a lei Áurea da Constituição brasileira de

1824 que, pois fim à escravidão no Brasil, com isso, levou milhares de ex-escravos buscarem

sua sobrevivência nas grandes cidades.

Com a crise no modelo agroexportador que resulta na queda da monarquia e o

estabelecimento da República, aos poucos o país vai se industrializando com sua dependência

econômica dos países centrais, onde a economia do país ficou subordinada a política da

agricultura a industrial, Apesar da industrialização no país, a mesma é totalmente vinculada à

agricultura e é nesse período também que milhares de camponeses vão busca novos empregos

como operários das fabricas.

Na contemporaneidade a estrutura agrária em nosso país não mudou

significativamente, no que pesem as várias mudanças e inovação tecnológicas que ocorreram

no cenário da agricultura brasileira, bem como vários partidos que governaram a nação e não

resolveram tal problema, sendo assim, o que se tem é uma política agrária praticamente

inalterada de origem colonata.

No mais, o que prevalece são os grandes latifúndios improdutivos concentrados nas

mãos da elite de nosso país e a grande modernização da agricultura capitalista propicia para

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que os camponeses fiquem totalmente subordinados a lógica do capital industrial. Diante

disso, a reforma agrária em nosso país só acontecerá quando verdadeiras reformas políticas e

avanços na política agrária realmente se efetivarem.

Todavia, essa reforma na estrutura de nossas terras não será apoiada pela oligarquia

fundiária, nem pelo setor da agricultura patronal, como também por alguns segmentos da

classe política e empresarial brasileira, os motivos são diversos: por princípio e medo, seja por

defender seus privilégios e conseqüentemente se sentirem prejudicados, ou mesmo por

preconceito contra os que serão beneficiados,

Por fim, o meio pelo qual os que buscam a reforma agrária em nosso país atingirem

seus objetivos, é traçarem e se organizarem em movimentos sociais que visem e lutem pela

democratização de um sistema agrário justo e igualitário para toda a sociedade, bem como

uma reforma que beneficie toda a população, desde os pequenos produtores de subsistência

até as grandes propriedades, e não somente os proprietários do grande capital se beneficiar.

3 A inserção e atuação do/a assistente social frente à Questão Agrária

O Brasil é um país onde há grandes desigualdades sociais, sendo estas refletidas

diretamente no acesso da população a direitos como educação, saúde, habitação, transporte,

entre outros necessários para uma vida com dignidade.

Sendo assim, a Reforma Agrária no Brasil se faz necessária para que milhares de

famílias que não possuem um pedaço de terra para morar e plantar conquistem por meio desta

a garantia do direito a uma moradia digna e de qualidade, e mais que isso um local para que

possa trabalhar e cultivar alimentos para sua própria subsistência e para comercialização.

Assim, como preconiza a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º ao afirmar

que: ―São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição‖.

Desse modo, a política de Reforma Agrária é uma das maneiras de garantir a uma

grande parte da população direitos ainda almejados por esses sujeitos, dando-lhes condições

de emancipação mesmo após longos anos de lutas.

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Netto e Sant‘Ana, afirmam que ―a questão agrária é uma das expressões da questão

social, pois reflete as contradições postas pelo capitalismo no meio rural, e no Brasil com

particularidades extremamente perversas‖ (citado por NUNES, 2011, p. 16).

Sendo assim, o assistente social enquanto profissional direcionado a buscar a garantia

de direitos sociais, principalmente da população mais vulnerável, deve cada vez mais se

inserir nesses espaços de lutas, com o intuito de fortalecer o movimento e a organização

política dos sujeitos envolvidos.

Como afirma Souza:

[...] os movimento sociais representam uma nova ordem política, na construção de

sua organização em vista à solução de suas necessidades sociais e o Serviço Social,

em sintonia com o projeto ético-político, tendo como um dos princípios a construção

de uma nova ordem social tem o dever de apoiar tais movimentos (citado por

NUNES, 2011, p. 17).

Percebe-se assim que o/a assistente social está intimamente relacionado à luta pela

política de Reforma Agrária no Brasil, pelo compromisso ético de sua profissão e por ser a

Questão Agrária uma das expressões da Questão Social, elemento fundamental de sua

atuação.

Atualmente, é notório que a Questão Agrária tem se ampliado como espaço de

pesquisa e intervenção do Serviço Social, sendo este requisitado por instituições e

organizações que atuam no meio rural.

Para isso, é necessário que haja uma maior aproximação desses profissionais à

temática da Questão Agrária, sendo de extrema importância que a problemática seja trabalha

desde a academia, pois é este o momento de estudo e aproximação de temas ainda não

considerados como foco de intervenção do/a profissional de Serviço Social.

Pois, historicamente a formação do/a assistente social está voltada para pensar e agir

nos problemas urbanos, formulando políticas públicas para esses espaços, deixando a

discussão do campo em segundo plano, sendo que estes espaços se constituem um riquíssimo

campo de atuação necessitando a cada dia maior intervenção por parte do Serviço Social,

devido o acirramento da problemática da Questão Agrária no Brasil.

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Como bem assinala Nunes, ao explicitar que há várias fases no processo de

organização e luta dos movimentos sociais as quais podem ser fortemente potencializadas

pela atuação do/a assistente social. Que são:

a) Fase de acampamento: No período de acampamento, as famílias vivem

precariamente nas margens de rodovias e estradas, morando de baixo de barracos de

lonas, em uma completa condição subumana, não são reconhecidos oficialmente

pelo Governo, sendo que de vez enquanto o INCRA10

encaminha uma cesta básica

para as famílias [...].

b) Fase de pré-assentamento: Neste período as famílias já conseguiram a

posse da área, no entanto ainda não é liberado nenhum recurso por parte do governo

para a estruturação do assentamento, as famílias continuam ainda morando em

barracos, no entanto em condições um pouco melhor pois já tem a terra para

produzir [...].

c) Fase de assentamento: As famílias já estão produzindo, já receberam

seus créditos moradia, fomento, já tem energia elétrica, o assentamento já tem um

mínimo de estrutura [...] (NUNES, 2011, p. 25-26).

No entanto, deve-se atentar que após tantas lutas pala garantia da terra, essa conquista

não cessa o processo da luta, pois os então assentados terão que buscar os direitos ao acesso à

educação, saúde, transporte, entre outros necessários para a qualidade de vida de uma

população.

Sendo assim, a atuação do/a assistente social é essencial para a formulação, execução

e operacionalização de políticas públicas que atendam a essa população, podendo ser estas no

âmbito municipal, estadual e federal (NUNES, 2011).

Frente ao exposto, são evidenciadas as possibilidades de atuação do Serviço Social

frente à Questão Agrária no Brasil, no entanto ainda há desafios a serem enfrentados pela

categoria profissional. Entre os quais podemos citar a pouca visibilidade do/a assistente social

no meio rural, mesmo havendo a grande necessidade e a importância da intervenção social em

áreas rurais, a descredibilidade dada pela população ao profissional, pelo fato de que os

resultados esperados em sua maioria só são alcançados a médio e longo prazo o que causa

desmotivação na população, outro desafio é a pouca elaboração acadêmica que subsidie a

atuação do/ assistente social no meio rural.

10

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

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Assim, cabe a nós enquanto discentes e futuros/as assistentes sociais nos

aproximarmos de temáticas como essa, abrindo nosso leque de conhecimento para que

estejamos preparadas teoricamente e metodologicamente para atuar junto as demandas postas

no cotidiano do fazer profissional.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na atual conjuntura que estamos inseridos, onde se tem o capitalismo se expandindo

por todas as esferas sociais na sua busca incessante por lucratividade, o problema da Questão

Agrária é uma das áreas que é atingida diretamente com essa invasão. Com efeito, a Questão

Agrária em nosso país não é colocada como uma das pautas defendida pelo Estado, nem tão

pouco pela classe dominante, uma vez que a reforma política da estrutura agrária em nossas

terras afetaria diretamente seus interesses.

Como já foi citado já se passaram vários governos na administração do nosso país e

nada é feito para resolver essa problemática, salientado também, que é pouca a parcela da

sociedade que é comprometida na luta pela causa.

Diante do exposto, o que devemos destacar que é de suma importância a atuação do

Assistente Social nessa causa, uma vez que o mesmo enquanto profissional tem sua ação

pautada na defesa e garantia de direitos dos indivíduos e no fortalecimento dos movimentos

sociais na busca pelas reivindicações.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 de outubro

de 1988.

NAKATANI, Paulo; FALEIROS, Naques Rogério; VARVAS, Neide César. Histórico e os

limites da Reforma Agrária na contemporaneidade brasileira. In: Serviço Social e

Sociedade. São Paulo, n 110, p. 213-240.

NUNES, Pedro Ferreira. O Serviço Social e a luta por reforma agrária no Estado de

Goiás. 2011. Nº 71. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Serviço Social) – Centro

de Ciências Empresariais e Sociais Aplicadas, Universidade Norte do Paraná, Goiânia, 2011.

Disponível em: http://www.slideshare.net/PedroTocantins/tcc-pedro. Acesso em: 05 set 2013.

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AGROECOLOGIA E PRODUÇÃO: O CASO DOS FEIRANTES

AGROECOLÓGICOS DA FEIRA DE JUAZEIRO DO NORTE-CE

Leonardo Lopes Rufino11

Maria Inês Escobar Costa Casimiro12

RESUMO

A produção de base ecológica tem se caracterizado, como um modo de produção que valoriza as

tradições culturais, os conhecimentos dos(das) agricultores(as) transmitidos geração em geração, e a

preservação ambiental. O objetivo deste trabalho foi verificar o significado que o termo Agroecologia

tem para as famílias de agricultores (as), que comercializam sua produção na feira agroecológica de

Juazeiro do Norte, e refletir sobre os aspectos sociais e econômicos que estão envolvidos nesta

conceituação. Para isto o calculo da renda da produção agroecológica aparece como objetivo

específico, como também, a tipologia dos sistemas de produção das famílias, afim de, aprofundar

nossa análise nos aspectos socioeconômicos definidores da visão de mundo e sociedade destes

trabalhadores (as). Como ferramenta metodológica foi utilizada um questionário com perguntas

abertas sobre agroecologia, com a finalidade de uma breve análise de discurso dos feirantes. Também

foram observados na pesquisa fatores como, tecnologia, crédito, e rendas extras. Sendo identificados

em Juazeiro do Norte cinco sistemas de produção agroecológico. Na análise do discurso dos (as)

agricultores (as) conjuntamente com a análise das rendas pode-se verificar que as famílias apresentam

forte diferenciação social que contribui decisivamente para o desenho de diversos sistemas e

subsistemas de produção.

Palavras-chave: feira agroecológica; agricultores (as); sistemas de produção.

ABSTRACT

The ecologically-based production has been characterized as a mode of production that values cultural

traditions, knowledge of (the) farmers (as) passed generation to generation, and environmental

preservation. The aim of this study was to determine the meaning that the term has for Agroecology

farm families (as), who sell their production in agroecological fair in Juazeiro do Norte, and reflect on

the social and economic aspects that are involved in this conceptualization. For this calculation the

income of agroecological production appears as a specific objective, as well as the typology of

production systems of families, in order to deepen our analysis on the socioeconomic aspects of

defining worldview and society of these workers (as). As a methodological tool used was a

questionnaire with open questions about agroecology, for the purpose of a brief discourse analysis of

the fairground. Were also observed in the research factors such as technology, credit, and extra

incomes. Being identified in Juazeiro five agroecological systems. In discourse analysis (the) farmers

11

Mestrando em Economia Rural, Universidade Federal do Ceará, [email protected],

(88)99793083 12

Professora da UFC Campus Cariri, E-mail: [email protected], fone: (85) 96527624

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(as) together with the analysis of rents can verify that families have strong social differentiation that

contributes significantly to the design of various systems and subsystems production.

Keywords: Thursday agroecological; farmers (as); production systems.

Introdução

A disputa paradigmática acerca de modelos de produção não é novidade no debate

acadêmico, mas a partir da emergência de um novo conceito que materializa em si, uma

pluralidade de sujeitos e ideologias, nasce uma inquietação a respeito do termo agroecologia.

Seria um novo paradigma de produção e pesquisa, ou talvez uma nova forma de organização

da produção, ligada à classe camponesa? A configuração destas ideias ganha espaço no Brasil

e no mundo, mas o que significa ser agricultor agroecológico no cariri cearense? E qual a real

valor da produção para essas famílias camponesas.

Estas indagações irão permear este trabalho que reconhece o uso contemporâneo do

termo agroecologia, que data dos anos 70. Mas salienta da mesma forma que Hecht (1999)13

,

que a ciência e a prática da agricultura são tão antigas quanto às origens da própria

agricultura. À medida que os pesquisadores descobrem os itinerários das agriculturas

indígenas e as formas agronômicas mais antigas, se faz saber que muitos sistemas

desenvolvidos localmente incorporam mecanismos de adaptação das variedades cultivadas ao

meio ambiente natural. Isto como proteção a possíveis ―pragas‖ e à competição entre espécies.

Estes mecanismos utilizam insumos renováveis existentes nas localidades, nos grupos

ecológicos, estruturando os próprios sistemas.

A produção de base ecológica tem se caracterizado, marcadamente, como um modo de

produção que valoriza as tradições culturais, os conhecimentos dos agricultores e agricultoras,

que são passados de geração em geração, como a reprodução da fertilidade dos solos através

de insumos locais (esterco, folhagens) e uso de defensivos naturais.

Kuhn (2011) adverte que o progresso da ciência não se dá somente pelo acúmulo de

novos conhecimentos, e sim pelas revoluções do pensamento científico provocadas,

especialmente nos períodos de crise, por fatores externos a ciência. Assim, a academia através

13

Capítulo 1 La evolución del pensamiento agroecológico Susanna B. Hecht livro Agroecología: Bases

científicas para una agricultura sustentable.

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de um verdadeiro choque epistemológico é forçada a desconstruir conteúdos disciplinares e ao

mesmo tempo rever seus compromissos e suas práticas.

Foram entrevistados (as) produtores (as) que comercializam em feiras conhecidas

como agroecológicas, com intuito de selecionar os (as) agricultores (as) que já teriam

superado a barreira da produção de subsistência, apresentando assim, condições de

comercializarem sua produção em feiras.

O objetivo deste trabalho é verificar o conceito de Agroecologia presente no

imaginário das famílias de agricultores (as), que comercializam sua produção na feira

agroecológica de Juazeiro do Norte, e refletir sobre os aspectos sociais e econômicos que

estão envolvidos nesta conceituação. Calcular a renda da produção agroecológica aparece

como objetivo específico.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Concepções Agroecológicas

Os danos causados a natureza e ao homem pelo modelo de desenvolvimento adotado

pelas sociedades tem levado ao surgimento de novos estilos de agricultura que se caracterizam

em oposição ao modelo convencional de produção estruturado nas premissas da Revolução

Verde do pós Segunda Guerra Mundial. De acordo com Müller, Lovato e Mussoi (2008) esses

estilos são denominados alternativos ou ‗agricultura sustentável‘, dos quais se destacam: a

agricultura de baixos inputs externos, a orgânica, a biodinâmica, a agroecológica, entre outras

denominações.

Sendo a agroecologia um desses estilos alternativos de agricultura abordada por

Caporal e Costabeber (2004) que menciona o seu surgimento como um novo enfoque

científico, capaz de dar suporte a uma transição a estilos de agriculturas sustentáveis e,

portanto, contribuir para o desenvolvimento de processos de desenvolvimento rural

sustentável. No livro Agroecologia os desafios da transição agroecológica Schmitt (2009) faz

uma abordagem sobre as origens da agroecologia no Brasil.

No Brasil, a agroecologia passou a se afirmar como uma referência conceitual e

metodológica, sobretudo partir do início da década de 1990. A incorporação dessa

abordagem por uma parcela significativa das organizações da sociedade civil,

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ligadas à chamada agricultura alternativa que foi precedida historicamente por uma

rica trajetória de crítica e contestação aos impactos sociais e ambientais gerados pela

modernização conservadora da agricultura brasileira Schumitt (2009, pag.55).

Hoje a ciência dispõe de recursos tecnológicos disponíveis direcionados a agricultura

convencional ou tida moderna. Entretanto esses avanços tecnológicos não chegaram às outras

formas de agricultura, como a agroecológica, como pode ser observado no livro A Historia

das Agriculturas no Mundo14

, o autor faz um relato sobre a agricultura moderna e sua relação

com as outras formas de agricultura.

Apesar dos milhões gastos em sua promoção, a agricultura ―moderna‖, que triunfou

nos países desenvolvidos utilizando muito capitais e pouca mão de obra, penetraram

apenas em pequenos setores limitados dos países em desenvolvimento. A grande

maioria dos agricultores desses países é muito pobre para adquirir maquinário

pesado e grandes quantidades de insumos. A agricultura moderna está, portanto,

muito longe de ter conquistado o mundo. As outras formas de agricultura continuam

predominantes e ocupam a maioria da população ativa dos países em

desenvolvimento. (Mazoyer, Marcel 2010, p.42)

De acordo com Londres (2011) sobre os sistemas agroecológicos de produção eles são

adaptados a realidade da agricultura familiar e reforçam a proposta de um outro modelo de

desenvolvimento para o campo, que prevê a repartição das terras e a produção

descentralizada, que possa empregar muita mão de obra, dinamizar economias e abastecer

mercados locais com alimentos saudáveis. Superando assim o falso dilema entre a

necessidade crescente de produção de alimentos e o imperativo contemporâneo da

preservação ambiental, cabendo ao agricultor familiar ser o principal sujeito na construção

desta ponte (MEIRELLES, 2006). Pois é o (a) agricultor (a) o sujeito ação nesse contexto de

produção crescente e preservação permanente, cabendo nesse modelo sistemas agrícolas como

o agroecológico para fins de preservação ambiental com produção agrícola.

Já Mello (2007, p. 55) ―sugere a necessidade de que sejam ultrapassados os velhos

conceitos de agricultura de baixa renda, pequena produção e agricultura de subsistência, os

14

A presente edição brasileira é fruto da cooperação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, por intermédio

do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) e se trata de uma tradução do livro (Histoire

des agricultures du monde) de Marcel Mazoyer, Laurence Roudart (2010, p.50)

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quais não têm ajudado a resolver o processo de integração dos agricultores ao mercado

competitivo‖.

A agroecologia fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de

ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam

culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis (ALTIERI, 2004).

Para sistemas agroecológicos Balestro e Sauer (2009), classificam em três aspectos

essenciais para o desenvolvimento rural sustentável: primeiro consome menos energia e

permite um aproveitamento mais racional dos recursos presentes na propriedade, segundo a

paisagem se constitui em um ativo econômico e cultural com a existência de grandes

incentivos para a sua preservação e terceiro é a distribuição de renda.

Além desses três aspectos sociais de desenvolvimento sustentável citado

anteriormente, existe uma procura por produtos alimentícios tidos mais ―saudáveis‖

(agroecológicos) como tendência em ascensão por parte da população preocupada com uma

melhor qualidade de vida, evitando assim o consumo de alimentos produzidos com

agrotóxicos que se enquadra como um dos fatores de risco ao câncer. Essas preocupações de

como os alimentos estão sendo produzidos tende a aumentar, em decorrência da elevação do

consumo de agrotóxicos no Brasil, entre 2001 e 2008 sendo que a venda de venenos agrícolas

no país saltou de pouco mais de US$ 2 bilhões para mais US$ 7 bilhões, quando alcançamos a

triste posição de maior consumidor mundial de venenos (LONDRES, 2011)

Percebe-se assim a complexidade das questões que circundam o debate

agroecológico: tecnologia, mercado, a própria epistemologia da palavra agroecologia, os

limites da ciência clássica, mediação junto aos agricultores e muito mais. No entanto este

breve levantamento já nos auxilia na análise do discurso das famílias entrevistadas no âmbito

das feiras agroecológicas.

2.2 Feiras Agroecológicas

Trata-se de uma definição conceitual para um espaço de comercialização no estilo

―convencional‖ com a venda em um espaço coletivo, o seu diferencial é a venda de produtos

com valores incorporados de boa qualidade, livres de agrotóxicos, produzidos em uma

política de preservação da natureza, com valorização da agricultura familiar camponesa.

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Para o INSTITUTO SABIÁ (2011) as feiras livres do Nordeste brasileiro são espaços

importantes de comercialização da produção da agricultura familiar agroecológica. Elas são,

também, uma boa opção para uma conversa entre consumidores (as) e agricultores (as) para

falar sobre o modo de produzir. Esse contato entre produtores/as e consumidores/as propicia

um ambiente de amizade, diálogo e o estabelecimento da confiança entre quem produz e

quem consome.

A feira agroecológica é um espaço democrático e popular de comercialização da

produção da agricultura familiar e deve ser usado para gerar renda e garantir uma proposta

alternativa de alimentação saudável para a população em geral. O Centro de Desenvolvimento

Agroecológico Sabiá localizado em Recife - PE nomeia as feiras agroecológicas como Espaço

Agroecológico, foi feito a partir de vários momentos de discussão com todos os participantes

da experiência. Esse nome está registrado e tem o seguinte significado:

Espaço tem o sentido de um local de encontros e de comercialização da

produção agroecológica construído com a participação de todos.

Agroecológico visa englobar os modelos de agricultura sustentável.

As feiras agroecológicas são mercados diferenciados, que seguem um padrão

instituído pelos atores/as sociais envolvido. Só aqueles agricultores/as que foram tocados

pelos enfoques agroecológicos e que seguem explicitamente as regras estabelecidas pelos

grupos podem entrar e desfrutar desse território das feiras (FREIRE e FRANÇA, 2011 apud

MARIANO NETO, 2006).

Segundo Moura, et al (2010) em seu artigo Produtos Orgânicos em Juazeiro do Norte,

CE: Perfil de consumo em dois postos varejistas, produzido para o II Congresso Cearense de

Agroecologia, em uma comparativa feita entre a comercialização convencional de produtos

hortícolas no Pirajá (Juazeiro do Norte –CE) e uma feira de produtos agroecológico na mesma

cidade, observou que:

O desconhecimento acerca dos produtos orgânicos foi maior na feira do Pirajá do

que na feira própria para esse tipo de produto; assim como também era esperado um

gasto maior por parte dos consumidores nesta feira. O nível de escolaridade

verificado dos consumidores na feira de orgânicos foi maior do que na feira do

Pirajá. Os preços foram considerados bons, porém, não deveriam ser 10% mais

caros do que os produtos não-orgânicos. Caso os produtos orgânicos fossem

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ofertados em domicílios, as pessoas comprariam mesmo um pouco mais caros.

(MOURA, et al, 2010).

Observa-se uma tendência de aceitação dos produtos orgânicos (agroecológicos) por

parte dos consumidores (as) com o aumento do grau de escolaridade poder aquisitivo de

compra, essa tendência esta associada a questões como: preocupação com a saúde, meio

ambiente e sociedade. Entretanto, tem-se observado uma convergência a rejeição a produção

agroecológica quando esta vem conduzida de preços mais elevados em relação á produção

convencional.

Tem-se uma tendência no Nordeste da organização e comercialização da produção

agroecológica em ―espaços especializados‖, tidos de feiras agroecológicas, ou canais curtos

de comercialização, produzidos no mesmo município sede da feira ou municípios

circunvizinhos, possibilita um produto mais fresco (com um período menor de colheita),

estruturados por meio de Organizações Não Governamentais e entidades públicas.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa iniciou-se com o estabelecimento de definições conceituais dos principais

termos e variáveis do estudo – escolha do referencial teórico, delimitação do contexto

estudado, pesquisa na feira agroecológica de Juazeiro do Norte, pesquisa em entidades de

extensão rural, pesquisa ―in loco‖ através de visitas aos locais da feira e alguns sítios dos (as)

produtores (as) e agrupamento dos dados obtidos na entrevista para elaboração do trabalho

final. Utilizou-se como ferramenta metodológica um questionário com perguntas abertas

sobre agroecologia, com a finalidade de uma breve análise de discurso dos (das) feirantes. No

mesmo questionário encontram-se questões que caracterizam e classificam os sistemas de

produção. Para esta caracterização ou tipologia utilizou-se o roteiro do Guia Metodológico

Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários (INCRA/FAO 2011). A seguir as fases da

metodologia de maneira mais detalhada:

Durante esta fase foram aplicados questionários na Feira agroecológica de Juazeiro do

Norte, para o grupo entrevistado composto por agricultores (as) familiares autodenominados

orgânicos dos municípios de Juazeiro do Norte (Sítio Gaviãozinho com uma família, Sítio

Jurema com três famílias e Vila Santo Antônio com uma família) e Caririaçu (sendo duas

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Produção Consumo

VA = PB – CI – D

famílias do sítio carneiro, quatro do Sítio Barra das Lages), que comercializam suas

produções na feira agroecológica de Juazeiro do Norte abrangendo 100% dos feirantes;

Seguiu-se para a fase da avaliação econômica dos sistemas de produção das famílias

entrevistadas, esta avaliação pode ser feita segundo dois pontos de vista, o do (da) produtor

(a) que se preocupa com a renda agrícola e o da sociedade, que se interessa pela quantidade de

riquezas novas geradas pelo sistema a partir de um modo de produção mais sustentável.

Nesse caso o presente trabalho seguiu as duas vertentes com uma abordagem que

considera a visão do (da) agricultor (a) e suas preocupações com a renda agrícola e com a

sociedade, representado pelo meio acadêmico que vem através desse estudo observar como

ocorrem as relações de comercialização e geração de renda nesses sistemas específicos.

Cálculo do Valor Agregado da Produção

Para o cálculo do valor agregado da produção – VA foi necessário ser calculado

outros parâmetros da produção, como: o consumo intermediário – CI (que são os bens

inteiramente transformadores no processo: nesse caso, adubos, rações, sementes,

medicamentos para os animais, entre outros), tem-se também que consideram a depreciação

do capital fixo – D que são ―danos‖, pequenos desgastes nos bens (tratores, enxada, pá, carro-

de-mão...) ocasionado pelo uso e o cálculo do Produto bruto – PB que corresponde ao valor

total do que é produzido, para a venda e consumo da família, podendo ser produtos das

cultivares, dos pomares, das hortas, das criações e do extrativismo, lenha, e derivados da

produção animal e vegetal etc.

Com tais unidades denominadas anteriormente, chega-se a seguinte fórmula para

calcular o valor agregado – VA, em que o VA do sistema de produção é igual ao valor do

que se produziu menos o valor do que se consumiu:

(1)

Onde: VA Valor Agregado da Produção;

PB Produto Bruto;

CI Consumo Intermediário;

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D Depreciação.

O valor agregado gerado é partido entre os vários agentes que intervêm no processo de

produção, seja porque possuem uma parte do capital invertido, seja porque assumem parte dos

riscos, seja porque trabalham diretamente, (LIMA, et al, 1995).

Cálculo da Renda Agrícola

A renda agrícola corresponde à parte do valor agregado que ficam na propriedade após

serem retiradas as contribuições referentes à renumeração dos fatores de produção utilizados

no processo produtivo, como arrendamento de terra (RT), juros (J), subsídios (SUB),

impostos (I) e salários (S).

RA = VA – S – I – J – R (2)

RA = PB – CI – D + Sub – S – I – J – RT (3)

Onde: S são os salários;

I são os impostos;

J são os juros;

RT é a renda da terra (arrendamentos) e;

Sub são os subsídios.

Assim a Renda Agrícola, de acordo com LIMA, et al (1995), representa a parte do

valor agregado que fica com o produtor e sua família para remunerar e aumentar o seu capital

pessoal. O que não for utilizado pela família poderá ser investido na unidade de produção

(compram de terras, aquisição de novos equipamentos, etc.).

Cálculo da Renda Total

O intuito de caracterizar de forma mais aprofundada os tipos de produtores

agroecológicos, as relações entre eles e a composição da renda total (RTotal) elaboramos a

seguinte equação dos sistemas de produção agroecológicos:

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RTotal= RNA+ RPS + RAA (4)

Onde: RNA renda não agrícola, (aposentadoria, comércio)

RPS renda de programas sociais, (bolsa família15

,Seguro Safra16

)

RAA renda agrícola agroecológica mais ou renda do artesanato (RArt)

Resultados e discussão

Uma das etapas da Metodologia Análise Diagnóstico dos Sistemas Agrários é a

caracterização dos sistemas produtivos, que tem como objetivo analisar cada um dos

principais sistemas de produção, explicar a sua origem e a sua racionalidade. Analisar um

sistema de produção na escala dos estabelecimentos agrícolas não se resume somente ao

estudo de cada um de seus elementos constitutivos, mas consiste, sobretudo, em examinar

com cuidado as interações e as interferências que se estabelecem entre eles. Deve-se, também,

avaliar as práticas agrícolas e econômicas de cada grupo de agricultores (GARCIA FILHO,

1999). Para tanto, destaca-se cinco tipo de tipologias identificadas durante a pesquisa.

Tipo 1

O Tipo 1 é composto por uma família com duas forças de trabalho517

disponíveis para

o manejo do sistema. A produção agrícola consiste no cultivo de hortaliças, plantas

medicinais e frutíferas, e o de criação possuem caprinos e aves.

15 Política pública de distribuição de renda, Programa atende mais de 13 milhões de famílias em todo território

nacional de acordo com o perfil e tipos de benefícios: o básico, a variável vinculado ao adolescente (BVJ), o

variável gestante (BVG) e o variável nutriz (BVN). Os valores dos benefícios pagos pelo PBF variam de R$ 32 a

R$ 306, considerando a renda mensal da família por pessoa, do número de crianças e adolescentes de até 17 anos

e do número de gestantes e nutrizes componentes da família. Disponível em ˂

http://www.mds.gov.br/bolsafamilia ˃. 16

Garantia-Safra (GS) é uma ação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)

voltada para os agricultores e as agricultoras familiares localizados na região Nordeste do país, na área norte do

Estado de Minas Gerais, Vale do Mucuri, Vale do Jequitinhonha e na área norte do Estado do Espírito Santo ―

área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), majoritariamente Semiárida

que sofrem perda de safra por motivo de seca ou excesso de chuvas. Os agricultores familiares selecionados

cadastrados receberam 640,00 no ano passado divididos em 5 parcelas como seguro pela perda de parte da

produção agrícola. 5 Força de trabalho corresponde a um adulto (homem ou mulher)

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Com relação á análise econômica do sistema de produção do tipo 1, totalizou R$

24.460,00 de produto bruto. Desse total, o sistema de cultura contribui com R$ 20.460,00 e o

sistema de criação contribui com R$ 4.000,00.

Nesse sistema de produção são utilizados os seguintes insumos: sementes, cal, sulfato

de cobre, esterco e gastos com eletricidade no uso da irrigação e a manutenção do poço. No

que diz respeito à produção animal, são utilizados vacinas, medicamentos, milho (Zea mays) e

ração. O consumo intermediário totalizou R$ 6.936,00. Sendo que o sistema de cultura com

custo de R$ 4.044,00 e o sistema de criação com R$ 2.892,00.

A depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou R$ 117,40.

Sendo os fatores depreciados cultura permanente, instalações, máquinas e equipamentos.

A Tabela 1 apresenta o valor agregado total do sistema de produção do tipo 1. O valor

agregado totalizou R$ 17.006,60. O sistema de cultivo contribuiu com 82,27% enquanto o

sistema de criação com R$ 17,36%.

Tabela 1 - Análise do valor Agregado Tipo 1, Juazeiro do Norte -CE, 2012

SUBSÍDIOS

(R$)

DEPRECIAÇÃ

O (R$)

CONS.

INTERMEDIARIO

(R$)

PRODUTO

BRUTO (R$)

VALOR

AGREGADO (R$)

0,00 117,40 6.936,00 24.060,00 17.006,60

Fonte: Dados da pesquisa.

Não apresentando subsídios governamentais para financiar a produção, tão pouco

seguro safra caso venha a ter perdas por estiagem, os gastos com depreciação são pequenos e

o consumo intermediário foi alto, mas propiciou um produto bruto considerável, restando um

valor agregado de 17.006,60.

Podemos observar, conforme o gráfico 1 que o Tipo 1 não apresenta renda vinda de

programas sociais ou de atividades não agrícolas, a renda total desse sistema se estrutura na

produção agrícola com um rendimento anual de R$ 17.006,60, que corresponde a R$ 1.417,21

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mensais, ou R$ 708,60 por forca de trabalho mês, bem acima dos R$: 622,0018

de salário

mínimo vigente em 2012 ano da pesquisa.

Gráfico 1 – Distribuição da renda Tipo 1, Juazeiro do Norte - CE, 2012.

Fonte: dados da pesquisa.

Esse sistema de produção apresenta características simbólicas dos sistemas

agroecológicos: como o não uso do fogo na limpa do solo, preservação de áreas dentro da

propriedade, e não utilizam os produtos químicos (defensivos agrícolas) possuem

conhecimento de métodos naturais de controle das pragas como caldas antifúngicas,

entretanto seus gastos em consumo intermediário apresentam-se alto podendo ser um fator

identificador de uma política de substituição de insumos químicos (agrotóxicos, adubos

químicos, etc.) por orgânicos (esterco, compostos para caldas antifúngicas, etc.), podendo esse

sistema de produção se caracterizar em uma transição agroecológica que chegara ao fim

quando os sistemas de criação animal passar a suprir a fertilidade do sistema de cultivo e

novas técnicas de defensivos naturais com vegetação local forem usados para reduzir esses

gastos com insumos externos.

Tipo 2

6http://www.trt3.jus.br/informe/calculos/minimo.htm DECRETO Nº 7.655, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2011.

Regulamenta a Lei no 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo e a sua

política de valorização de longo prazo. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2011/Decreto/D7655.htm

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O Tipo 2 é composto por três família, e possui três forças de trabalho disponíveis para

o manejo dos sistemas. A produção agrícola (consiste no sistema de cultivo de hortaliças,

plantas, medicinais, frutíferas e condimentares) e no sistema de criação (aves, porcos).

Com relação à parte econômica do sistema de produção do tipo 2, o produto bruto

totalizou R$ 16.127,16. Desse total, o sistema de cultura contribui com R$ 15.327,16 e o

sistema de criação contribui com R$ 800,00.

No Processo produtivo do sistema de produção são utilizados os seguintes insumos:

sementes, calcário, sulfato de cobre, esterco e gastos com eletricidade no uso da irrigação e

bombeamento da água do açude. No que descreve a produção animal, são utilizados: vacinas,

medicamentos e milho. O consumo intermediário totalizou uma média de R$ 1.545,33. Sendo

que o sistema de cultura com consumo de R$ 1.245,33 e o sistema de criação com R$ 300,00.

A depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou uma média de

R$ 47,37. Sendo que os fatores depreciados foram cultura permanente, e equipamentos.

A Tabela 2 apresenta o valor agregado total do sistema de produção Tipo 2. de R$

16.127,16. Sendo que 95% desse valor é a contribuição do sistema de cultivo e 5% é a

contribuição do sistema de criação o fato da contribuição do sistema de criação ser inferior a

contribuição do sistema de produção 1 analisado anteriormente, provavelmente esta associado

a maior valorização a produção vegetal, por essa se constituir em uma produção de mais fácil

comercialização no sistema de feiras, enquanto os animais se tornam um fator de produção

direcionado mais ao autoconsumo.

Tabela 2 - Análise do valor Agregado Tipo 2, Juazeiro do Norte – CE, 2012.

SUBSÍDIOS

(R$)

DEPRECIAÇÃO

(R$)

CONSUMO

INTERMEDIARIO

(R$)

PRODUTO

BRUTO

(R$)

VALOR

AGREGADO

(R$)

0,00 47,37 1.545,33 17.556,16 15.963,46

Fonte: Dados da pesquisa.

Esse sistema de produção não apresenta subsídios, o fator depreciação foi quase um

terço do sistema anterior, indicando um menor uso de equipamentos que venham a ser

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depreciados, o seu consumo intermediário correspondeu a R$ 1.545,33, sendo bem inferior ao

Tipo 1 e apresentando um valor agregado de R$15.963,46, inferior ao tipo 1 em R$ 1.043,14,

mas considerado bom por não apresentar maiores gastos intermediário.

Observa-se conforme o gráfico 2, que o Tipo 2 apresentou renda proveniente de

programas sociais correspondendo a R$ 1.248,00 por família, já com relação a atividades não

agrícolas não apresenta renda, a renda agrícola corresponde a R$ 15.963,46. Por fim a renda

total desse sistema se estrutura na produção agrícola e programas sociais com um rendimento

anual de R$ 17.211,46 por família.

Gráfico 2 – Distribuição da renda Tipo 2, Juazeiro do Norte – CE, 2012

Fonte: Dados da pesquisa.

Este grupo já possuía experiência de feiras convencionais, onde o comprador era um

intermediário do consumidor final. Neste momento, capacitados pela EMATERCE

adquiriram técnicas de manejo de sistemas agroecológicos, otimizando o sistema e

substituindo inseticidas sintéticos, por defensivos naturais. Também apresenta alguns

indicadores de melhoria na saúde com pode ser visto em depoimento:

“..._muitos benefícios á saúde, alimentação, lucro financeiro”, dificuldades,

limitações para produzir (mão-de-obra, transporte), cultivo protegido que ainda não

conseguir, distâncias para levar a produção ao local da feira e estradas ruim” (agricultora

20 anos);

Tipo 3

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O tipo 3 é composto por uma família com duas força de trabalho disponíveis para o

manejo do sistema. A produção rural consiste no sistema de cultivo de hortaliças, milho (Zea

mays), feijão (Phaseolus vulgaris) e frutíferas.

No que diz respeito a analise econômica do sistema de produção do tipo 3 do Grupo

A, o produto bruto totalizou R$ 3.665,48, sendo apenas o sistema de cultivo o responsável por

esse valor. Pois nesse sistema não apresenta de criação de animais.

Sendo utilizado como insumos, basicamente, sementes, cal virgem, sulfato de cobre,

esterco e gastos com eletricidade no uso da irrigação e a manutenção do poço. O consumo

intermediário do sistema de cultura totalizou R$ 130,00.

Os gastos com a depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou R$

38,44. Constituindo os fatores depreciados, equipamentos de uso manual.

A Tabela 5 apresenta o valor agregado total do sistema de produção do tipo 3. O valor

agregado totalizou R$ 3.487,03. O sistema de cultivo contribuiu com 100% desse valor, pois

não apresenta produção animal nesse sistema.

Tabela 5 - Análise do valor Agregado Tipo 3, Juazeiro do Norte – CE, 2012

SUBSÍDIOS

(R$)

DEPRECIAÇÃO

(R$)

CONSUMO

INTERMEDIARIO (R$)

PRODUTO

BRUTO (R$)

VALOR

AGREGADO

(R$)

640,00 38,44 130,00 3.655,47 3.487,03

Fonte: Dados da pesquisa.

Observa-se que esse sistema apresenta subsídio distribuído pelo Ministério do

Desenvolvimento Agrário, seguro safra, ao contrário dos anteriores que não contão com esse

tipo de política pública, a depreciação do capital fixo foi pequena e aceitável se for levado em

consideração o pouco tempo de atuação desse grupo no campo, pois vieram da zona urbana

sendo integrado aos poucos no grupo de feirantes agroecológicos.

O consumo intermediário foi pequeno e poderia ter sido maior por se tratar de um

grupo principiante nos preceitos agroecológicos, consumindo mais insumos orgânicos para

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elevar a produção. Entretanto esse grupo não apresenta capital financeiro para adotar a

política de substituição de insumos tão presente nos sistemas em transição agroecológica.

É observado conforme o Gráfico 3, que o Tipo 3 apresenta renda também proveniente

de programas sociais bolsa familiar no valor anual de R$ 1.152,00 mais 640,00 do seguro

safra, totalizando 1.792,00, a renda agrícola apresentou um rendimento anual de R$ 3.487,03

a renda total desse sistema se estrutura em programas sociais de distribuição de renda e da

renda agrícola totalizando, 5.239,03. Não apresentando produção animal nem para o

autoconsumo familiar.

Gráfico 3 – Distribuição da renda Tipo 3 (Juazeiro do Norte, 2012)

Fonte: Dados da pesquisa (2012).

Nesta família observamos que o conceito de agricultura agroecológica está ligado a

oportunidade de sobrevivência no campo com mais dignidade que na cidade. Também

possuem conhecimento de técnicas agroecológicas de manejo do sistema. Essa família tem

pouquíssimo tempo no desenvolvimento desta atividade, animada com o apoio técnico segue

vencendo as dificuldades nas péssimas estradas, no abastecimento de água, enfim desafios de

infraestrutura que sofrem a maioria dos agricultores familiares do Nordeste. Como pode ser

notado em trechos da entrevista:

―_Me considero porque hoje a gente planta, cria, porque antes nem plantava nem

criava não tinha a chance, não tinha assistência técnica que hoje incentivou tocar para frente

á produção, só ai é que saímos do aluguel na cidade, pois morávamos fora da terra para

trabalhar_” (agricultor 31 anos).

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Tipo 4

O tipo 4 é composto por quatro famílias com três forças de trabalho disponíveis para o

manejo de cada sistema. A produção familiar consiste no sistema de cultura: de hortaliças,

fruticultura, plantas condimentares e plantas medicinais; não apresenta sistema de criação de

animais.

O sistema de produção do tipo 4, o produto bruto totalizou R$ 11.121,86. Sendo esse

valor todo constituído do sistema de cultura, pois não apresenta sistema de criação.

Como insumos são essencialmente empregados: sementes, cal virgem, sulfato de

cobre, esterco e gastos com eletricidade no uso da irrigação e a manutenção do açude. A

média do consumo intermediário totalizou R$ 1.400,50.

A depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou uma média de

R$ 24,20. Sendo os fatores depreciados equipamentos.

A Tabela 4 apresenta o valor agregado total do sistema de produção do tipo 4. O valor

agregado totalizou R$ 9.697,16. O sistema de cultivo contribuiu com 100% nesse percentual,

pois não apresenta sistema de produção animal, essa característica acontece pelo fato da área

ser utilizada somente para produção vegetal não sendo produzidos animais nem para o

consumo familiar.

Tabela 4 - Análise do valor Agregado Tipo 4, Juazeiro do Norte – CE, 2012.

SUBSÍDIOS

(R$)

DEPRECIAÇÃO

(R$)

CONSUMO

INTERMEDIARIO

(R$)

PRODUTO

BRUTO (R$)

VALOR

AGREGADO (R$)

0,00 24,20 1.400,50 11.121,86 9.697,16

Fonte: Dados da pesquisa.

Conforme a Tabela 6 esse sistema de produção não apresenta renumeração advinda de

programas sociais (seguro safra), a depreciação do capital fixo foi pequena relação ao tipo 3,

com um valor agregado de R$ 9.697,16 apresentando uma renda mensal de origem agrícola

em torno de R$ 808,09 por família.

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Conforme, pode se observar no gráfico 4, o Tipo 4 do Grupo A, apresenta renda vinda

de programas sociais no valor anual de R$ 1.782,00 por família, a renda agrícola apresenta

uma receita anual de R$ 9.697,16, a renda total desse sistema estrutura-se em programas

sociais de distribuição de renda e da renda agrícola, totalizando, R$ 11.479,46.

Gráfico 4 – Distribuição da renda Tipo 4, Juazeiro do Norte, 2012.

Fonte: Dados da pesquisa.

Estas famílias se consideram produtores (as) agroecológicos por não utilizarem

insumos da agricultura convencional. No processo de transição estão situados na etapa de

substituição dos insumos por técnicas alternativas aprendidas com o sistema público de

extensão rural – EMATERCE. Mas podemos perceber algumas falas que nos indicam o início

de uma consciência do serviço ambiental que a produção agroecológica presta para a

sociedade.“... _Sim porque produz sem veneno, não usa veneno para nada.” (agricultora 20

anos).

“... _porque de primeiro não tinha conhecimento e trabalhávamos como as outras

pessoas que usava veneno, então adquirimos conhecimento com o pessoal da Ematerce e

recebemos a proposta de trabalhar com orgânicos sem uso de veneno. No começo foi difícil,

porque tem os produtos que são usados para combater as doenças, que levaram um tempo

para aprender a usar”. (agricultora 29 anos)

Tipo 5

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O Tipo 5 é composto por duas famílias e possui três força de trabalho disponíveis para

cada sistema. A produção familiar consiste no sistema de cultivo: hortaliças, medicinais e

frutíferas; e no sistema de criação têm-se aves e caprinos.

Na análise econômica do sistema de produção do tipo 5, verifica-se que o produto

bruto totalizou R$ 18.598,83. Desse total, o sistema de cultura contribui com R$ 16.348,83 e

o sistema de criação contribui com R$ 2.250,00.

Sendo utilizado como insumos, basicamente: sementes, esterco e gastos com

transporte até a feira (frete). No que diz respeito á produção animal, são utilizados: vacinas,

medicamentos e milho. O consumo intermediário totalizou R$ 1.666,00. Sendo que o sistema

de cultura consumiu R$ 850,00 e o sistema de criação R$ 816,00.

A depreciação anual do capital fixo do sistema de produção totalizou R$ 48,01.

Ficando depreciados os seguintes fatores: cultura permanente e equipamentos.

A Tabela 5 apresenta o valor agregado total do sistema de produção do tipo 5. O valor

agregado totalizou R$ 16.942,84. O sistema de cultivo contribuiu com 81,74%, enquanto o

sistema de criação com R$ 18,25% no valor agregado. Esse percentual elevado do sistema de

cultivo é em decorrência da comercialização semanal da produção nas feiras, ou contrario da

produção animal que se constitui em uma produção de autoconsumo, com exceção da

comercialização do gado.

Tabela 5 - Análise do valor Agregado Tipo 5, Juazeiro do Norte – CE, 2012.

SUBSÍDIOS

(R$)

DEPRECIAÇÃO

(R$)

CONSUMO

INTERMEDIARIO

(R$)

PRODUTO

BRUTO

(R$)

VALOR

AGREGADO

(R$)

0,00 48,01 1.666,00 18.598,83 16.884,82

Fonte: Dados da pesquisa.

Observa-se que o tipo 5 não apresenta subsídios para sua produção, a depreciação do

capital fixo é correspondente a duas vezes o tipo 4, com relação ao consumo intermediário

esse grupo apresenta uma despesa superior ao Grupo 4 em R$ 265,50 apresentando um

produto bruto total superior em R$ 7.476,97 do Grupo 4, tal valor pode esta associado a maior

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depreciação do capital fixo e um consumo intermediário mais elevado propiciando uma maior

produção.

Observa-se, conforme o gráfico 5, que o Tipo 5 apresenta renda proveniente de

programas sociais correspondendo a R$ 840,00 por família, já com relação as atividades não

agrícolas esta apresenta renda em torno de R$ 8.040,00, a renda agrícola corresponde a R$

16.884,82. Por fim a renda total desse sistema se estrutura na produção agrícola, e programas

sociais, renda não agrícola, com um rendimento anual total de R$ 25.764,82 por família.

Gráfico 5 – Distribuição de renda Tipo 5, Juazeiro do Norte, 2012.

Fonte: Dados da pesquisa.

Este grupo identifica no seu imaginário os benefícios econômicos desta forma de

produção, confunde agricultura orgânica com a produção agroecológica. Sentem-se

agricultores agroecológicos por terem assimilado as técnicas difundidas pela EMATERCE.

CONCLUSÃO

Este estudo revela a face ainda tecnicista da Extensão Rural expressa na descrição das

ações dos técnicos e da relação construída entre agricultores e técnicos. Mesmo assim as

famílias que recebem um ―treinamento‖ baseado em técnicas agroecológicas atingem uma

renda agrícola bem superior aos que declararam não ter apoio técnico. Este estudo também

revelou, embora sem profundidade que a produção agroecológica ora na composição de outras

rendas, ora como principal renda familiar tem um grande potencial na retirada dos

trabalhadores de condições precárias de trabalho para uma qualidade de vida e trabalho

melhores ou mesmo trazer um nível de renda capaz de suprir confortavelmente a vida das

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famílias. Esta situação extrapola ainda mais os níveis superiores quando se faz a valoração de

elementos como, por exemplo, a alimentação livre de venenos.

É fundamental salientarmos que falar sobre as mesmas coisas não significa,

necessariamente, ter a mesma visão de mundo ou a mesma intenção. Conceitos como

participação, sustentabilidade, agroecologia, desenvolvimento e equidade, por exemplo, às

vezes são utilizados para expressar intenções sérias, em outras expressam apenas modismo,

adesão a pacotes tecnológicos ou teóricos. As famílias embora utilizem alguns conceitos

comuns em sua fala, e aparentemente tenham características semelhantes fazendo parte de um

mesmo grupo de agricultores familiares agroecológicos do Cariri apresentam forte

diferenciação social que contribui decisivamente para o desenho de diversos sistemas e

subsistemas de produção. A metodologia nos conduziu a 5 tipologias diferentes de sistemas

de produção e os elementos que foram capazes de desenhar as tipologias são decisivos para

futuras análises e até mesmo para políticas públicas que almejem ser exitosas por

considerarem as especificidades locais.

Percebemos a necessidade de outros passos metodológicos para a análise da influência

da renda sobre o conceito de agroecologia dos agricultores. Mas percebeu-se uma enorme

carência de diálogo com outros sujeitos, também construtores deste novo paradigma: as

universidades, institutos, centros de pesquisa e muitos outros.

Não cabe aqui avaliarmos a feira, pois a metodologia nos propiciou enxergar além, nos

levou a diferentes sistemas de produção, onde terra, trabalho e capital são decisivos. Cultura,

ecossistema, educação e políticas públicas desenham o espaço da produção, que se manifesta

sob a tutela de uma economia camponesa. Esta economia camponesa agroecológica necessita

ser estudada e entendida a fim de se verificar como as atividades econômicas afetam o

ambiente, a família, a comunidade, as relações de trabalho, assim como a maneira como elas

determinam o uso dos recursos naturais, alterando as relações ecológicas e culturais pré-

existentes. Em outras palavras não se pode ignorar que o campesinato tem sua própria

economia, que se expressa na sobrevivência dos povos do campo, em sua resistência e

replicabilidade, nas trocas, na criação de alternativas e no combate à desintegração, já tão

amplamente anunciada. E que, para além da maximização dos lucros, deve-se considerar a

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sustentabilidade da família, da cultura, do ambiente e os impactos ambientais provocados pela

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ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: O CASO DO CAFÉ ECOLÓGICO NO

TERRITÓRIO RURAL DE BATURITÉ NO ESTADO DO CEARÁ

José Newton Pires Reis19

Raquel Neris Teixeira20

Resumo: Este trabalho objetivou mapear os arranjos produtivos locais nos territórios rurais no Estado

do Ceará. Para contemplar este escopo, foram usados os indicadores Quociente Locacional, Índice de

Potencialidade e Índice de Hirschman-Herfindahl modificado, com dados da Pesquisa de Produção

Agrícola e Pecuária Municipal do IBGE. Dos 17 APLs identificados, o presente estudo se preocupa,

especificamente, em caracterizar e propor medidas de apoio para o APL de café no Território de

Baturité. Tal escolha justifica-se pela importância cultural, econômica, ambiental e social da cultura

do café produzido dentro um sistema agroecológico nos limites da Área de Proteção Ambiental do

Território. Em uma ponta, os resultados demonstram que o setor tem atuado na forma cooperada, com

integração vertical para frente por meio de beneficiamento com certificação e marca própria, na

comercialização adota uma estratégia que abrange o mercado local e o nacional, mas sem perder de

vista as vendas na rede de comércio justo Fair Trade com selo internacional. Em outra ponta, a

realidade é de avanço da degradação ambiental e de desânimo por parte de muitos produtores que não

veem o retorno esperado da sua produção.

Palavras-chave: Arranjos Produtivos, Café, Ceará.

1. INTRODUÇÃO

Até recentemente, a maioria das políticas públicas trabalhava o desenvolvimento

regional como crescimento do centro para a periferia (CHANG, 2004). De fato, exposta a

consideráveis avaliações, essa prática vive uma transição que entende o desenvolvimento

como um processo ―visceral‖, participativo e dependente da iniciativa local.

Este reexame reflete certa dose de desilusão com os resultados que não produziram um

crescimento auto-sustentado. No Estado do Ceará, por exemplo, MANSO (2011) revela que

pelo critério estabelecido pelo Banco Mundial para definir a extrema pobreza, 1.502.924

cearenses ganham até U$ 1 por dia. Em nível nacional, são 9,24% dos 16,3 milhões de

brasileiros na extrema pobreza. Com isso, atualmente, o Ceará é o terceiro estado do país com

19 Professor da Universidade Federal do Ceará, TELEFONE: 85- 86824588, E-MAIL: [email protected] 20

Graduanda em Agronomia pela Universidade Federal do Ceará, TELEFONE: 85-96939494, E-MAIL:

[email protected]

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1597

maior contingente de pessoas miseráveis, atrás apenas da Bahia (14,80%) e do Maranhão

(10,40%). Isso significa 17,8% da população cearense vivendo em situação de miséria.

Face ao reconhecimento da limitação desses resultados, a questão colocada pelo

governo estadual foi como combinar ações que ao mesmo tempo estimulassem o crescimento

da renda e diminuíssem a desigualdade. Assim, as iniciativas para atração de indústrias via

concessão de benefícios fiscais tiveram continuidade, mas foi inevitável a revisão das suas

políticas públicas com novo foco no desenvolvimento econômico local.

Ao mesmo tempo, sob o auspício de vários ministérios, o governo federal coordena

um conjunto de programas que adota a abordagem territorial, considerando as dimensões

econômica, sócio cultural, político institucional e ambiental como referência para estratégias

de desenvolvimento.

Atualmente, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do

Desenvolvimento Agrário - MDA apóia 165 territórios rurais no Brasil que compreendem

2.509 municípios, abrangendo 45% da área nacional.

Nesse sentido, o objetivo geral desse artigo é de identificar os arranjos produtivos

locais nos territórios rurais no Estado do Ceará. O passo seguinte elege um território para

estudo de caso. Essa etapa visa, especificamente, caracterizar e propor medidas de apoio ao

arranjo produtivo selecionado.

2. METODOLOGIA

2.1. Fonte de dados

Os dados referentes à elaboração dos indicadores de filtragem dos potenciais APLs em

estudo foram coletados no Cidades@ cuja tabulação é realizada pelo IBGE– Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatísticas, e constitui uma base de informações desagregadas, em

termos setoriais e, em termos espaciais, até o nível de municípios sobre, entre outros, valor da

produção, produtividade, plantel pecuário e número de estabelecimentos por atividades

econômicas. O período de análise contempla valores médios para os anos 2000 a 2009.

Tendo em vista a metodologia aqui proposta, a principal vantagem do Cidades@ é

justamente a elevada desagregação setorial e geográfica dos dados. Isto torna possível, sem

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necessidade de recurso a tabulações especiais, obter e processar diretamente os dados

desagregados, em termos setoriais e, em termos espaciais, até o nível de municípios.

Para o estudo de caso, ou seja, caracterização do APL selecionado, foi realizado um

levantamento exaustivo de informações de origem secundária a partir de pesquisa junto a

instituições, tais como Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA-CE), Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA), Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

(IPECE), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), bem como

Departamento de Estradas e Rodagens do Ceará (DER), Instituto Agropolos do Ceará,

Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), dentre outros.

Informações adicionais e complementares foram coletadas em visitas realizadas pelo

autor ao Território de Baturité nos meses de julho e dezembro de 2010, bem como a partir de

entrevistas concedidas pelos Srs. Marcos Arruda – presidente da Cooperativa Mista dos

Cafeicultores Ecológicos do Maciço de Baturité e Francisco Xavier – pesquisador da

Embrapa Agroindústria Tropical, importantes lideranças do setor.

2.2. Identificação dos arranjos produtivos locais nos territórios

O foco da análise na economia territorializada em dado local tem raízes desde os

economistas clássicos (FUJITA et al., 2002). Todavia, o interesse sobre a economia em

espaços geográficos vem se intensificando nos últimos anos. Nesse movimento, o espaço

territorial deixou de ser visto apenas como um suporte para localização de fatores produtivos,

assumindo papel ativo na formação de mecanismos de retorno crescente que explicam o

desenvolvimento.

De acordo com Santana (2005) O território funciona como um espaço que favorece o

desencadeamento de um conjunto de relações intencionais e não-intencionais, tangíveis e

intangíveis, comercializáveis e não- comercializáveis, que movem o processo de

aprendizagem e de construção de competências – que se incorporam e evoluem de forma

acumulativa, de modo a resultar em eficiências coletivas. Quando essas forças interagem e

passam a dar forma e coesão a um conjunto de agentes diferentes, porém com grau de

complementaridade no todo ou em alguns elos das cadeias produtivas, têm-se aí o conceito de

sistemas produtivos.

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Os ―sistemas produtivos locais são aqueles ambientes produtivos em que

interdependência, articulação e vínculos consistentes resultam em interação, cooperação e

aprendizagem, com potencial de gerar o incremento da capacidade inovativa endógena, da

competitividade e do desenvolvimento‖. (BRITTO; ALBAGLI, 2003). Entretanto, a realidade

brasileira, especialmente do Nordeste, está distante desse ―tipo ideal‖ de aglomeração

produtiva, tendo em vista, a informalidade das atividades econômicas e o caráter incipiente e

frágil das relações de cooperação entre os agentes. Neste caso, as aglomerações produtivas

tem um status de arranjo produtivo local.

O nível de análise produtiva dessa pesquisa assume a dimensão dos arranjos

produtivos locais e a dimensão territorial assume o espaço dos Territórios Rural Sustentável,

promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para o Estado do Ceará (Tabela 1).

Estes territórios têm escala intermediária entre o local e o regional, uma institucionalidade

com forte participação social, articulação municipal com o estado, e uma temática que

extrapola a atividade rural.

Tabela 1: Territórios Rurais homologados pelo MDA – Estado do Ceará.

Territórios No de municípios

1. Baturité 13

2. Cariri 27

3. Inhamuns Crateús 20

4. Sertão Central 12

5. Sertões de Canindé 6

6. Sobral 17

7. Vales do Curu e Aracatiaçu 18

TOTAL 133

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA (2010).

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2.3. Método de Análise

Essa pesquisa propõe um método de análise baseado em CROCCO et al. (2003) que

lança mão de indicadores que funcionam como filtros para identificar os potenciais APLs.

O primeiro filtro utiliza o Quociente Locacional (QL) para determinar se o território

em particular possui especialização em um setor. A partir da razão entre a ―economia‖ em

estudo no numerador e uma ―economia de referência‖ no denominador, o QL procura

comparar duas estruturas econômicas setoriais–espaciais. A fórmula de cálculo é a seguinte:

(1)

Onde:

QLij = Quociente Locacional do setor i no território j;

= Valor da Produção do setor i no território j;

= ∑

= Valor da Produção de todos os setores no território j;

= ∑

= Valor da Produção do setor i no Ceará;

= ∑ ∑

= Valor da Produção de todos os setores no Ceará.

i = 1,2,3,...45 – Setores Produtivos; e

j = 1,2,3,...,7 – Territórios Rurais.

Considera-se que exista especialização do setor i no território j, caso seu QL seja

superior a 4. Segundo CROCCO et al. (2003), apesar do QL ser um indicador extremamente

útil na identificação da especialização produtiva da região, ele deve ser utilizado com cautela,

pois a interpretação de seu resultado deve levar em conta as características da economia que

está sendo considerada como referência. É de se esperar que economias com elevado grau de

disparidade regional apresente um grande número de setores com QL acima de um, sem que

isto signifique a existência de especialização produtiva, mas sim de diferenciação produtiva.

Assim, seria prudente que o valor de corte a ser assumido pelo QL deveria ser

significativamente acima de 1. De acordo com o autor, alguns estudos para a economia

americana, que possui uma distribuição espacial de sua indústria bem mais homogênea que a

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abrasileira, consideram especialização industrial naquela região que apresentar um QL acima

de 4.

Por limitação de informações, será considerado o ―número de animais‖ em

substituição ao ―valor da produção‖, para o caso de bovinos, suínos, ovinos e caprinos.

Uma vez que o par setor-território passe por este filtro, ele é considerado um potencial

candidato a um APL e será avaliado em termos de sua relevância estadual. Assim sendo, usa-

se, como segundo critério, o Indicador de Potencialidade que é utilizado para captar a

importância relativa do par setor-território no valor da produção total do setor no Estado:

(2)

Onde:

IPij = Indicador de Potencialidade do setor i no território j.

O par setor-território deve possuir pelo menos 1% do valor da produção estadual

daquele setor. Aqueles potenciais candidatos a APLs que possuírem QL>4 e participação

relativa maior que 1%, deverão, então, ser filtrados pelo último critério, que procura captar o

real significado do peso do setor na estrutura produtiva territorial. Tal índice foi denominado

Hirschman-Herfindahl modificado (HHm). Ele é definido da seguinte forma:

(

) (

) (3)

Onde:

HHmij = Índice de Hirschman-Herfindahl modificado do setor i no território j.

Este indicador possibilita comparar o peso do setor i do território j no setor i do estado

com o peso da estrutura produtiva do território j na estrutura do estado. O par setor-território

deve possuir HHm > 0, ou seja, a contribuição do setor daquele território para o setor no

estado deve ser maior que a contribuição da estrutura produtiva do território para a estrutura

produtiva do estado.

Vale reiterar que a utilização desses critérios é um passo prévio, e não substitui a

realização dos estudos de casos, já que diversas especificidades da organização produtiva

local, bem como suas características históricas, institucionais, sociais e culturais somente

poderão ser identificadas com a realização de pesquisa de campo.

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2.4. Caracterização dos arranjos produtivos locais nos territórios

Essa etapa visa apurar informações sobre acontecimentos em curso, com posições de

diferentes fontes secundárias e de campo. O estudo contempla um conjunto de pontos de

investigação considerados estratégicos para explicar trajetórias exitosas nessas aglomerações

(IEDI, 2002):

História, condições iniciais e evolução;

Especialização produtiva: número, área e pessoal envolvido nos estabelecimentos

agropecuários, produção e produtividade;

Infra-estrutura: localização, armazenagem, portos, aeroportos, ferrovias, rodovias,

número de caminhões e tratores;

Organização institucional: qualificação, escolas, cursos de graduação e pós-

graduação, cooperativas e associações do setor, fontes de financiamento.

A partir do estudo de caso selecionado pela metodologia quantitativa aqui proposta e que

sigam o roteiro de pontos acima sugerido, é possível caracterizar o arranjo produtivo local de

forma a indicar ações de apoio mais promissoras para resolver problemas específicos e

estimular o crescimento da produção, o aumento do emprego, o desenvolvimento tecnológico

e outros objetivos relevantes em cada caso.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme mostra a Tabela 2, a aplicação dos critérios descritos possibilitou a

identificação de 17 APLs relevantes para o Estado do Ceará. Como se pode notar, o território

que mais se destaca com sete APLs é o Cariri: sisal, fumo, amendoim, fava, uva, alho e

mamona. Também é possível identificar quatro APLs no Território de Baturité (urucum, café,

alho e sorgo), além de dois nos Sertões Central (girassol e algodão herbáceo) e de Canindé

(algodão arbóreo e mamona). Por fim, são bastante fortes os indícios de especialização

produtiva de mamão no Território de Sobral e de coco no Território dos Vales do Curu e

Aracatiaçu. O Território de Inhamuns Crateús se destaca em algodão arbóreo, milho e

mamona, mas não alcance índice 4 em nenhum dos quocientes locacionais.

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A opção deste estudo por focalizar o arranjo produtivo do café no território de Baturité

explica-se pela tradição da cultura na região, pelo esforço atual que instituições como

Embrapa Agroindústria Tropical, Cooperativas de Produtores, Universidade Federal do Ceará,

Agroindústrias do setor etc. tem feito quanto à organização dessa cadeia produtiva, pela

preocupação na manutenção do equilíbrio da biodiversidade no Maciço, bem como pela

importância econômica e social do setor para o Território. Em segundo lugar, dentre os

Território do MDA para o Estado do Ceará, o de Baturité é o mais próximo da capital, o que

simplifica os requisitos para a caracterização do arranjo.

3.1. O caso do café no Território de Baturité

a) Raízes históricas e evolução

O café foi introduzido no Território de Baturité em 1822. O cultivo ao sol proliferou

paulatinamente, motivando pioneiros e adquirindo vulto depois de 1845, com a migração para

a Serra de parte da população sertaneja expulsa pela seca. Essa ―ilha‖ de Mata Atlântica no

maciço central do Ceará transformou-se numa tradicional região produtora de café no século

XIX, e chegou a deter 2% da produção brasileira. Há relatos, da época, de que o café de

Baturité era um dos mais apreciados nas cafeterias francesas (ROMERO; ROMERO, 1997).

A partir dos sítios de café consolidaram-se as povoações que deram lugar ao conjunto das

atuais cidades do Território. Desta feita o Território do Maciço de Baturité teve sua

configuração iniciada, e tal como hoje é percebida, forma uma verdadeira rede urbana

distribuída em 13 municípios, conforme apresentados na Tabela 3.

Contudo, a expansão dos cafezais nesse sistema de cultivo trouxe consigo malefícios

ambientais que provocaram crises para a cultura na região (SAES, et al., 2002). Entretanto, o

grande golpe veio em meados dos anos 1960, quando a maior parte do parque cafeeiro

cearense foi destruída, em decorrência do Programa de Erradicação de Cafezais estabelecido

pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC) para reduzir a produção nacional. Nos anos 1970, o

governo adotou o Programa de Renovação e Revigoramento de Cafezais, que promoveu o

replantio de 6.156.700 novos pés de café entre os anos 1971 e 1977 no Ceará. O acesso aos

créditos, entretanto, estava condicionado à utilização da tecnologia proposta pelo IBC, com

ênfase na monocultura plantada a pleno sol e adubação química. Os produtores que se

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seduziram pelos recursos subsidiados do governo não lograram êxito, pois no verão as chuvas

provocavam erosão e na época da estiagem o cafeeiro não suportava o sol forte por um longo

período.

A adoção desse sistema de cultivo, sem considerar as especificidades climáticas da

região serrana provocou não só o fracasso do programa como também a decadência da cultura

do café na Região. Recentemente, a preocupação com o meio ambiente e a necessidade de

evitar o processo intenso de degradação da Serra, pela forte especulação imobiliária e

disseminação de práticas de agricultura convencional na plantação de hortaliças e frutas,

resultaram num movimento por sua preservação que culminou na criação em 1990 da Área de

Proteção Ambiental da Serra de Baturité pela agência estadual do meio ambiente – SEMACE

que em parceria com a Fundação CEPEMA, uma ONG preocupada com a produção de

conhecimento em práticas agroecológicas e desenvolvimento sustentável, trouxeram grandes

mudanças para o Território.

Mais de 100 produtores se organizaram na APEMB (Associação dos Produtores

Ecologistas do Maciço do Baturité), que chegou a exportar café orgânico certificado para a

Europa. Esse fato é importante, pois essa iniciativa conseguiu abalar a forma predominante de

comercialização, baseada na desqualificação do produto e conseqüente rebaixamento dos

preços. Essas novas formas de governança impediram que o café arábica ecológico fosse

comprado pelos intermediários da região ao preço de conillon, permitindo que os produtores

ganhassem um ágio na produção vendida.

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Tabela 2: Quociente Locacional (QL), Indicador de Potencialidade (IP) e Índice de Hirschman-Herfindahl modificado (IHHm) mais elevados em

setores dos territórios rurais no Estado do Ceará.

Territórios

Setor Baturité Cariri Inhamuns Scentral Scanindé Sobral Vcuru

QL

IP

(%)

IHH

QL

IP

(%)

IHH QL

QL

IP

(%)

IHH

QL

IP

(%)

IHH

QL

IP

(%)

IHH

QL

IP

(%)

IHH

Alho 6,4 2,5 0,02 5,8 2,3 0,01

Alg herbáceo

5,7 2,7 0,02

Amendoim

7,4 3,0 0,02

Fava

6,9 2,8 0,02

Fumo

8,5 3,4 0,03

Girassol

11,7 5,5 0,05

Mamona

5,0 2,0 0,01 2,21

9,1 1,5 0,05

Mandioca

Milho

2,34

Sorgo 4,4 1,7 0,01

Alg arbóreo

2,58

14,8 9,1 0,08

Café 11,8 4,7 0,04

Coco

4,9 2,7 0,02

Mamão

4,0 1,0 0,008

Sisal

9,1 3,7 0,03

Urucum 13,9 5,5 0,05

Uva

6,1 2,4 0,02

Fonte: Cálculos do autor.

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Tabela 3: Território de Baturité-CE, população e alfabetização, 2010.

TOTAL URBANA RURAL

Pessoas de 5 anos ou

mais de idade, alfabetizadas

Acarape 15338 7982 7356 11147

Aracoiaba 25391 13737 11654 16778

Aratuba 11529 3769 7760 8196

Barreira 19573 8127 11446 13388

Baturité 33321 24437 8884 23922

Capistrano 17062 6212 10850 11364

Guaramiranga 4164 2495 1669 3247

Itapiúna 18626 8819 9807 12013

Mulungu 11485 4198 7287 8224

Ocara 24007 7605 16402 16085

Pacoti 11607 4745 6862 8690

Palmácia 12005 4957 7048 8640

Redenção 26415 15134 11281 18587

Total Território 230523 112217 118306 160281

Total Ceará 8452381 6346557 2105824 6342530

Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010.

A produção conjunta do conhecimento, gerado in loco em pequenas unidades

experimentais e disseminado por agentes de agricultura ecológica, foi fundamental para gerar

tecnologias apropriadas e facilitar sua adoção. As mudanças na organização dos produtores e

na qualidade do produto também foram reflexos dessa proposta.

Essa estratégia tenta unir dois enfoques que até então tinham estado em conflito - a

preservação dos recursos naturais e o desenvolvimento local de práticas agrícolas com

enfoque agroecológico - com o objetivo de garantir a sustentabilidade do meio ambiente e dos

produtores rurais. É importante destacar que tudo se fez possível ao se considerar o

conhecimento informal, não escrito nem institucionalizado. Essa forma de conhecimento

apresenta forte especificidade local, decorrente da proximidade dos municípios e de

identidades cultural, social e empresarial. Isto facilita seu transbordamento (spill-over) nos

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estabelecimentos, tornando-se, portanto, elemento de vantagem competitiva para o APL do

café no Território.

b) Especialização produtiva

A cafeicultura no Maciço de Baturité é um dos poucos casos no Brasil em sistema

agroflorestal tradicional e orgânico, o que favorece a busca pela Indicação Geográfica

(garantia da origem de um produto ou de suas qualidades e características regionais que pode

ser apresentada como Indicação de Procedência ou Denominação de Origem).

Nesse sistema, o café é cultivado sob a sombra de árvores da Mata Atlântica, isso

contribui para melhoria da qualidade do grão e evita a ocupação e a exploração desorganizada

dos recursos naturais. Outras vantagens do cultivo agroecológico são a manutenção da

biodiversidade, a proteção do solo e a promoção do equilíbrio biológico natural da região.

Em 2003, A Cooperativa Mista dos Cafeicultores Ecológicos do Maciço de Baturité –

COMCAFÉ - lançou no mercado o ―CAFÉ ECOLÓGICO‖. O plantio é parte integrante de

um consórcio de cultivos que engloba bananeira, mamoeiro, goiabeira, jaqueira, acerola,

abacateiro, feijão e mandioca, formando um diversificado e produtivo sistema agroflorestal de

alta sustentabilidade. Já são 100 hectares cultivados nesse sistema. A idéia da Cooperativa,

segundo seu presidente, Sr. Marcos Arruda, é trabalhar na qualidade desse café agregando

valor ao produto. Apesar de deficiências quanto ao controle de qualidade ao longo da cadeia

produtiva, o produto já chegou a receber certificação da empresa sueca KRAV especializada

em produtos ecológicos. Agora a Cooperativa quer diversificar os sistemas de

comercialização abrangendo desde a inserção na rede de comércio justo com selo

internacional Fair Trade até vendas diretas no comércio local, passando por esquemas

intermediários que levam a marca ―Café da Floresta‖ para o mercado nacional. Apesar de

custos mais elevados, essa estratégia de distribuição permite o domínio de ativos comerciais

relacionados à posse de marcas que têm papel fundamental para a competitividade dos

produtores locais.

Outro exemplo positivo de confiança e de atuação conjunta entre os produtores foi a

implantação de uma mini-fábrica de torrefação de café no município de Mulungu com

capacidade de processar e empacotar 20 toneladas por mês. Isso pode ser evidência do papel

de liderança da Cooperativa como coordenadora das ações relacionadas com as atividades do

APL. Por outro lado, essas ações podem ter seus efeitos ampliados na organização de centrais

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de compras de matérias primas, programas de exportação, participação de produtores em

feiras, organização de eventos, treinamentos ou contratação de profissionais.

A abrangência da estrutura produtiva, em certa medida, pode ser verificada por meio

das Tabelas 4 e 5. A Tabela 4 indica o número de empresas atuantes no Território, bem como

o número, a área e o pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários.

Tabela 4: Território de Baturité-CE: número de empresas atuantes (2009), número, a

área e o pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários (2006).

Municípios

Número de

Empresas atuantes(1)

Estabelecimentos Agropecuários (2)

Número Área (ha) Pessoal ocupado

Acarape 138 539 4422 1639

Aracoiaba 370 1873 31844 5426

Aratuba 130 1805 9143 4961

Barreira 230 2173 25747 7144

Baturité 656 1850 25341 5526

Capistrano 161 2253 11315 5940

Guaramiranga 90 225 3349 530

Itapiúna 227 2092 36792 6755

Mulungu 120 1314 7286 3359

Ocara 314 2015 48745 6972

Pacoti 159 867 6170 2343

Palmácia 91 1030 4378 3216

Redenção 285 1630 13864 4579

Total Território 2971 (2,0%) 19666 (5,1%) 228396 (2,8%) 58390 (5,0%)

Total Ceará 145051 381014 7922214 1145985

Fonte: (1) IBGE - Cadastro Central de Empresas 2009. (2) IBGE - Censo Agropecuário 2006.

De um total de 19.666 estabelecimentos agropecuários apresentados na tabela anterior,

a Tabela 5 mostra que 334 possuem plantações de café com mais de 50 pés em produção, o

que representa 41,6% quantidade produzida e 76,6% do valor da produção no Estado do

Ceará, destacando a importante participação do Território no mercado estadual. Atualmente,

conforme o Sr. Francisco Xavier, pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, a produção

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de café no Maciço de Baturité é cerca de 15 mil sacas por ano, aproximadamente 1.000

toneladas.

Tabela 5: Estabelecimentos, quantidade produzida, valor da produção e produtividade

do café no Território de Baturité-CE, 2006.

Estabelecimento

com mais de

50 pés

Qtde produzida

(ton)

Valor da

produção

(mil reais)

Produtividade

(kg/ha)

Acarape 0,0 0,0 0,0 0,0

Aracoiaba 0,0 0,0 0,0 0,0

Aratuba 50,0 59,0 118,0 436,1

Barreira 0,0 0,0 0,0 0,0

Baturité 50,0 23,0 64,0 526,9

Capistrano 3,0 0,0 0,0 485,0

Guaramiranga 86,0 220,0 4840,0 446,4

Itapiúna 0,0 0,0 0,0 520,0

Mulungu 101,0 90,0 222,0 434,2

Ocara 0,0 0,0 0,0 0,0

Pacoti 43,0 48,0 44,0 431,1

Palmácia 1,0 0,0 0,0 500,0

Redenção 0,0 0,0 0,0 431,3

Total Território 334,0 (26,8%) 440,0 (41,6%) 5288,0 (76,6%) -

Total Ceará 1244,0 1056,0 6899,0 433,7

Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 2006.

c) Localização e problemas de logística e infraestrutura

O Estado do Ceará possui dois aeroportos administrados pela INFRAERO, o

Aeroporto Internacional Pinto Martins em Fortaleza, e o Regional do Cariri no Juazeiro do

Norte. Os portos e terminais de uso privativo são o Porto do Mucuripe em Fortaleza e do

Pecém na Região Metropolitana. No Território de Baturité também não existe nenhum

armazém cadastrado na Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB.

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1610

Os municípios do Território de Baturité distam em média de 100 km, ao sul da Cidade

de Fortaleza, e o acesso entre os municípios além da BR-222 é feito também pelas CE-168,

CE-71, CE- 085, CE-368, CE-362, CE-354, e CE-178.

A mobilidade de acesso entre a maioria destes municípios é possível, unicamente,

através do transporte rodoviário. As principais vias encontram-se em bom estado de

conservação e sinalização. As estradas vicinais podem ser classificadas como carroçáveis e

algumas passagens molhadas. O acesso facilitado e a proximidade com Região Metropolitana

de Fortaleza são vantagens comparativas que favorecem o desenvolvimento do Território.

O transporte ferroviário de passageiros no Maciço de Baturité foi desativado há mais

de vinte anos e o de carga, atualmente, é subutilizado, não beneficiando os municípios da

Região. No que se refere à frota existente, o Território dispõe de 430 tratores e 1134

caminhões, conforme a Tabela 6. Verifica-se que pelas próprias características do sistema

produtivo do café ecológico, que a mecanização é praticamente nula nos principais

municípios produtores que são Guaramiranga, Mulungu e Aratuba.

Tabela 6: Frota de tratores e caminhões no Território de Baturité-CE.

Municípios

No de

estabelecimentos

agropecuários com

tratores(1)

No tratores

existentes nos

estabelecimentos

agropecuários(1)

Caminhões(2)

Total de

veículos(2)

Acarape 11 20 85 1499

Aracoiaba 40 72 92 3011

Aratuba 3 3 52 1418

Barreira 39 64 84 3069

Baturité 27 46 183 5206

Capistrano 18 31 56 1886

Guaramiranga 2 0 30 849

Itapiúna 16 25 59 1926

Mulungu 1 0 57 1100

Ocara 73 138 111 3331

Pacoti 6 9 94 1545

Palmácia 1 0 37 955

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1611

Redenção 11 22 194 3654

Total Território 248 430 1134 29449

Total Ceará 4447 7623 49946 1711998

Fonte: (1) IBGE - Censo Agropecuário 2006; (2) Departamento Nacional de Trânsito -DENATRAN -

2010.

d) Organização institucional

O papel das instituições de apoio e prestação de serviços aos produtores ainda é pouco

expressivo no APL do café no Território de Baturité. Essa é uma área em que há muito espaço

para políticas públicas que estimulem a criação e o funcionamento de tais instituições.

A Tabela 7 traça um retrato da estrutura educacional nos municípios da Região. Esses

números indicam um atendimento precário e refletem a falta de prioridade dada a educação

nos municípios do Território. Apesar disso, para a grande maioria dos municípios, o Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica no ano de 2009, possuía um valor em torno de 3,4,

aproximando-se da média do Estado do Ceará que foi de 4,4.

Tabela 7: Território de Baturité-Ce – Número de Escolas, 2009.

Município

Número de Escolas

Ensino

Fundamental(1)

Ensino

Médio(1)

Com laboratório de informática(2)

Rural Urbana

Acarape 12 1 1 0

Aracoiaba 39 2 2 0

Aratuba 9 1 1 4

Barreira 22 2 0 0

Baturité 39 3 5 0

Capistrano 13 1 1 0

Guaramiranga 9 1 1 0

Itapiúna 17 1 1 0

Mulungu 15 1 1 0

Ocara 22 1 1 1

Pacoti 12 1 1 0

Palmácia 16 1 1 0

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Redenção 31 5 2 0

Total Território 256 21 18 5

Total Ceará 7947 822 - -

Fonte: (1) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP - Censo Educacional 2009. (2) IBGE –

Censo Agropecuário 2006.

Outro dado importante é a diferença entre o número de escolas do Ensino

Fundamental e do Ensino Médio. Isso mostra uma descontinuidade de nível, o que revela que

se faz necessária a elaboração de projetos de motivação e incentivo à continuação da

formação no Ensino Médio.

Quanto ao ensino superior, os números ressaltam a necessidade de ampliação da

formação de profissionais voltados para o campo, bem como, iniciativas devem ser tomadas

para criação de um curso de gestão com capacitação gerencial e administrativa, pois na

maioria dos casos, predominam estabelecimentos de agricultores familiares nos quais a

administração de custos e métodos gerenciais são bastante precários.

Em alguns municípios há uma significativa atuação de instituições públicas e privadas,

como Sindicatos, EMATERCE, Agentes Financeiros, Instituto Agropólos, Cooperativa

Prestadora de Serviços – COPASAT, composta por técnicos de ATER, trabalhando

fortemente na organização das cadeias produtivas junto aos agricultores familiares. Ainda

acontecem eventos anuais como a Feira de Negócios de Baturité - FENEBE e o Fórum

Regional de Agroecologia, organizados com apoio do SEBRAE. No entanto, não se verificam

experiências expressivas de ações relevantes nos governos locais capazes de gerar

externalidades positivas consistentes aos produtores, dando aos mesmos condições de

alcançar níveis superiores de competitividade.

Com o advento do PRONAF houve um considerável incremento na dinâmica de

acesso ao crédito rural (Tabela 8). Entretanto, dada a burocracia existente, a exemplo do

PRONAF Jovem, mulher e agroflorestal ainda há no Território uma demanda latente neste

sentido. Por outro lado, é necessário desenvolver uma estratégia de forma a amenizar o índice

de inadimplência dos beneficiários que tem sido preocupante.

Tabela 8: Território Baturité-CE – Agências bancárias, número de contratos e montante

do crédito rural do PRONAF, 2009.

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1613

Município No de agências e postos bancários Contratos Montante (R$1,00)

Acarape 3 24 36766,00

Aracoiaba 3 401 726943,88

Aratuba 3 262 426285,96

Barreira 2 102 261524,58

Baturité 5 228 556692,36

Capistrano 2 440 835962,72

Guaramiranga 3 75 156025,71

Itapiúna 2 327 700301,43

Mulungu 2 364 639472,00

Ocara 2 650 1179643,14

Pacoti 2 140 200000,00

Palmácia 2 160 262000,00

Redenção 2 485 1208801,34

Total 33

3658 7190419,12

Fonte: Plano Territorial de Desenvolvimento Rural e Sustentável (PTDRS), 2010.

De modo geral, mesmo com a melhoria de acesso ao crédito, o Território não tem

conseguido avanços significativos na dinâmica produtiva. A tabela 8 ainda oferece condição

de visualização onde o maior volume de crédito ofertado foi para o município de Ocara. O

município de Guaramiranga com mais de 90% da produção de café no Território detém

apenas 2,1% dos empréstimos. Esses índices se por um lado refletem uma melhor organização

da APL do café em repúdio aos agentes financeiros face a dificuldades no acesso, nas taxas de

juros, exigências de garantias e prazos de carência, por outro lado mostram o baixo índice de

investimentos o que dificulta inovações e desenvolvimentos, induzindo desânimo em boa

parte dos produtores que não veem o retorno esperado da sua produção. Esses baixos índices

de investimentos podem ser corroborados com a Tabela 9 que mostra os resultados das

despesas orçamentárias empenhadas pelo Ministério da Fazenda para o ano de 2009 nos

municípios da Região.

Tabela 9: Despesas orçamentárias empenhadas (R$) – 2009.

Investimentos Obras e FPM

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1614

instalações

Acarape 317261,2 112559,5 7610492,5

Aracoiaba 1017539,0 633174,2 10654689,5

Aratuba 1115388,0 694786,6 6088394,0

Barreira 614366,4 319949,6 9133975,4

Baturité 762447,7 280107,6 12176863,6

Capistrano 1441121,2 1157639,3 7610492,5

Guaramiranga 637880,7 304421,5 4566295,5

Itapiúna 1179069,2 1021147,9 9132591,0

Mulungu 1009085,9 557702,0 6096094,7

Ocara 2450885,8 2030411,3 10654648,9

Pacoti 943900,0 851027,8 6088394,0

Palmácia 359338,7 56349,9 6087266,0

Redenção 1592389,0 1104712,8 10654689,5

Total Território 13440672,7 9123989,9 106554887,0

Total Ceará 943354332,3 760147735,4 2583552177,0

Fontes: Ministério da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional, Registros Administrativos 2009.

4. CONCLUSÕES

Apesar de centenária, a produção de café no Território Rural de Baturité se deu de

uma forma descontinuada, em que novas tentativas sucediam velhas derrocadas. Mesmo

contando com esse histórico, a tradição resistiu ao tempo, de tal forma que, recentemente, boa

parte do setor tem gestado um paradigma diferente ainda que em bases irrisórias quando se

tem o Brasil como referência, mas como atividade de destaque quando se considera o Estado

do Ceará.

De uma maneira empreendedora quanto à união das partes na forma de cooperativa,

uma lógica de comercialização que envolve um apelo ecológico face aos aspectos produtivos

com preocupação ambiental e social cujo contexto é foco de interesse de um consumidor que

alcança o público internacional, uma integração para frente por meio do beneficiamento com

certificação e marcas próprias, o APL de café na Região pode consolidar-se como um arranjo

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1615

de considerável importância para o desenvolvimento sustentável do Território, funcionando

como ―amortecedor‖ das pressões sobre a degradação dos recursos naturais.

Apesar de incipientes, importantes apoios têm rompido paulatinamente o comodismo

inercial dos atores, e o setor parece sinalizar a intenção de tomar seu destino ―nas próprias

mãos‖. A percepção de iniciativas sinergéticas formais e informais começa a criar

capacidades coletivas que tendem a impulsionar mudanças quantitativas e qualitativas na

cadeia produtiva.

Constatou-se a necessidade de inúmeras ações que vão desde pesquisas que

dimensionem os mercados até a intenção de pagamento pelos consumidores por um produto

Premium. Sistematização de informações sobre a legislação ambiental e recursos hídricos,

passando por assessorias quanto a licenciamentos e planos de manejos, até uma política de

financiamento ao crédito diferenciado em bases produtivas sustentáveis.

Quanto à intervenção pública, a principal política consiste em fornecer ambiência à

formação profissional em diversos níveis e a disseminação de conhecimentos científicos

agronômicos e ecológicos para a cultura sombreada e administrativos para gestão de

empresas.

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1618

CAMINHOS DA CONVERGÊNCIA DA RENDA RURAL NO BRASIL – UMA

APLICAÇÃO DO PROCESSO MARCOVIANO DE PRIMEIRA ORDEM

Isabela da Silva Valois21

Resumo: O setor agropecuário brasileiro tem apresentado no período de pós estabilização do Plano

Real (1996-2009) uma dinâmica econômica satisfatória, em que o nível de produto agropecuário

iniciou uma trajetória ascendente e praticamente ininterrupta de crescimento. Tal performance sugere

que as economias estaduais estejam passando por um processo de catching up, em que no longo prazo

existiria uma tendência das economias mais pobres alcançarem o mesmo nível de crescimento

econômico das economias mais ricas, configurando um processo de convergência no steady state.

Nesse sentido, o processo markoviano de primeira ordem busca confirmar a hipótese de existência de

convergência da renda agropecuária per capita entre os estados do Brasil. Os resultados, no entanto,

apontaram a ocorrência de movimentos de retrocesso das economias para níveis de renda per capita

agropecuária inferiores, indicando que as economias em análise apresentaram uma tendência de

empobrecimento, apesar do crescimento econômico global do setor ao longo do período. Dentre os

fatores que levariam tais economias a trilharem uma trajetória de empobrecimento, pode-se citar a

ênfase das políticas públicas às culturas de exportação, não contempladas por todas as unidades

federativas do país, o que resultaria no fortalecimento das economias estaduais já desenvolvidas, em

detrimento das que se encontram em desenvolvimento; além dos movimentos migratórios da mão-de-

obra agropecuária para os centros produtores agrícolas mais desenvolvidos, causando o ―Efeito Rainha

Vermelha”, em que o crescimento do PIB agropecuário não se traduziria em crescimento das rendas

per capita no campo.

Palavras chave: Convergência de renda agropecuária, Processo Markoviano, unidades federativas

brasileiras.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com Jones (2000), o estudo do crescimento econômico floresce nos anos

1960, tendo até os anos 1970 o modelo neoclássico de Solow (1956) como o principal

fundamento teórico para o crescimento econômico. Para Stülp e Fochezatto (2004), o modelo

de Solow prevê que diante da presença de retornos decrescentes para os fatores produtivos,

regiões menos desenvolvidas ao promoverem uso menos intenso de tais fatores, tenderiam a

crescer em velocidade maior que as regiões mais desenvolvidas, em que a utilização dos

fatores produtivos é realizada de forma mais intensiva, de modo a alcançarem a convergência

de renda per capita no longo prazo.

21

(Graduada em Economia), Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88) 3521-1397, e-mail:

[email protected]

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1619

Os trabalhos internacionais de Togo (2001), Ponzio (2004), Rodriguez e Velàzquez

(2009), Naschold (2009), e Rattso e Stokke (2011) mostram que o Processo de Markov de

Primeira Ordem tanto supera as circunscrições dos testes convencionais como beta e sigma

convergência, quanto permite capturar o movimento das rendas na direção de seu estado

estacionário, bem como possibilita a mensuração do tempo necessário para que as economias

em análise alcancem o equilíbrio de longo prazo.

Os estudos nacionais de Laurini, Andrade e Pereira (2005), Stülp e Fochezatto (2004),

Fochezatto e Stülp (2008), e Salvato e Matias (2010) buscaram contemplar o processo

Markoviano em seus trabalhos. Contudo, estudos nacionais (e mesmo internacionais) com

base nesta metodologia, ainda são poucos, e o campo rural é particularmente pouco abordado,

podendo-se mencionar, em nível internacional, o exame da convergência de renda entre os

setores agrícola, industrial e de serviços de transporte da economia turca, realizado por Temel,

Tansel e Gungor (2005), para o período de 1975-1990; e no Brasil, o estudo de Pessoa et al

(2009) que analisa a convergência do PIB agropecuário per capita dos Estados brasileiros

entre 1995 e 2005; e o trabalho de Santos (2010), que investiga a convergência da renda

agropecuária entre os municípios do Estado de Goiás para os anos de 1996 e 2006.

O presente estudo espera contribuir para a eliminação de lacunas existentes acerca de

estudos de convergência da renda no campo rural, buscando, através do processo estacionário

de primeira ordem de Markov, identificar se os movimentos de renda per capita agropecuária

nos Estados do Brasil tendem à equalização e convergência no longo prazo; ou se o

crescimento econômico rural se processa de maneira concentrada, acentuando ainda mais as

disparidades inter estaduais já existentes.

2. MOVIMENTOS DINÂMICOS DA ECONOMIA AGROPECUÁRIA

BRASILEIRA (1996-2009)

Os resultados da estabilização econômica promovida pela eficácia da implementação

do Plano Real passaram a ser mais fortemente sentidos pelo setor rural a partir de 1996,

quando apesar da obstrução de créditos de custeio para produtores em situação de

inadimplência terem constituído um fator restritivo do nível de produção agrícola, assim como

a queda de preços agrícolas, o setor agropecuário conseguiu registrar, expansão de 3,1%,

alavancada pela ampliação do consumo de proteínas (em decorrência da recuperação do poder

de compra possibilitado pela estabilização econômica, bem como pela elevação dos ganhos

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1620

reais) e crescimento das exportações de aves e carne suína, que permitiu que a produção

animal se elevasse em 7,8%.

No âmbito da política agrícola, o setor foi beneficiado pela implementação do

zoneamento agrícola que buscou compatibilizar as características das áreas produtivas com as

culturas mais adequadas, introduzindo ainda o uso de tecnologias redutoras de custos e

amplificadoras da produtividade. Medidas adicionais como a criação do Programa Nacional

de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) direcionada à capacitação do pequeno

produtor rural e à modernização das pequenas unidades produtivas, também mostraram-se

importantes para o incremento do produto, assim como as diretrizes traçadas para a safra

1995/96, em consonância com a conjuntura de estabilização econômica e abertura comercial.

Em 1997, de acordo com o Boletim do Banco Central (1997) a implementação do

programa de securitização que regularizou as dívidas agrícolas permitindo a reabertura dos

canais de crédito de custeio para os produtores, somado à recuperação dos preços agrícolas no

mercado interno, estabilizados pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM),

estimularam a ampliação das lavouras. Contudo, em decorrência da retração nos resultados da

produção animal em 2,5%, a expansão do setor agropecuário em 1997 situou-se em torno de

1,2% apenas.

Em relação à política agrícola do período, destaca-se a manutenção de benefícios do

Pronaf, assim como a criação de instrumentos de comercialização menos onerosos que os

Empréstimos do Governo Federal com Opção de Venda (EGF/COV)22

, como o contrato de

opção de venda e o Prêmio de Escoamento do Produto (PEP)23

que garantiam a venda da

produção ao governo a um preço mínimo; além da criação do Empréstimo do Governo

Federal (EGF) para a agroindústria com o objetivo de acelerar o processo de comercialização

dos produtos agrícolas.

Em 1998, em decorrência da crise asiática que resultou em tendência de queda dos

preços das commodities, a produção do setor agropecuário registrou expansão bastante

moderada – 0,4% apenas. A produção agrícola do período sofreu retração de 0,2% das

lavouras e de 7,3% da extração vegetal, em conseqüência das adversidades climática

provocadas pelo fenômeno El Niño (BOLETIM DO BANCO CENTRAL, 1998, p. 30).

22

Alterados em decorrência das restrições financeiras do Tesouro Nacional, inviabilizando a concessão de

empréstimos vinculados ao empréstimo de comercialização antes do período de plantio. 23

Regularizado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento através da Portaria n0 667 de 6.12.96.

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1621

Em 1999, o arrefecimento das más condições climáticas e a expansão das exportações

agropecuárias permitiram que o setor agropecuário assinalasse crescimento de 9,5%,

representando o melhor desempenho setorial na composição do PIB do período, com

participação de 11,3% da produção agrícola e 7,4% da pecuária (BOTETIM DO BANCO

CENTRAL,1999). Nesse contexto, os instrumentos já existentes de condução da política

sofreram apenas certo grau de aprimoramento das regras para fomento das safras de

1998/1999, tais como a ampliação da alocação de recursos destinados ao crédito rural e

investimento em 37% em relação ao período passado, e a redução da taxa de juros de 9,5%

para 8,75% ao ano; redução da taxa de juros das operações de custeio do Pronaf de 6,5% para

5,75%, e ainda, a criação do crédito rotativo dentro do Programa de Geração de Emprego e

Renda (Proger).

A persistente tendência de crescimento da produção animal (7,4%) deu-se em virtude

da ampliação das exportações de carne bovina (81,5%) direcionadas principalmente ao

mercado consumidor africano e oriental médio; crescimento das exportações de frango (26%)

em decorrência do reaquecimento das economias asiática e européia; embora a exportação de

carne suína tenha sofrido decréscimo de 1,9%.

Em 2000, a expansão do setor agropecuário foi bem mais modesta, em conseqüência

do baixo crescimento do produto agrícola (2,8%) e pecuário (3,3%) em relação aos valores

apresentados no ano anterior; embora as diretrizes do Plano Agrícola para a safra de

1999/2000 tenham ampliado em R$ 3 bilhões o montante direcionado aos empréstimos de

custeio com manutenção da taxa de juros em 8,75% a.a., e redução das taxas de juros das

operações de crédito do Pronaf de 5,75% a. a. para um limite mínimo de 2% a.a. e máximo de

4% a. a. A retração da produção agrícola em 2000 deu-se principalmente em virtude dos

períodos de estiagem e/ou geadas que prejudicaram o crescimento das lavouras dos

importantes centros produtores como as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste (BOLETIM DO

BANCO CENTRAL, 2000).

De acordo com as análises do Banco Central, parte do desempenho do setor

agropecuário em 2001 (quando a produção registra crescimento de 18,4%), resulta dos ajustes

realizados nas políticas do Plano Agrícola24

direcionadas ao atendimento uniforme a todas as

culturas, tais como a elevação do financiamento rural, dos recursos para investimento e dos

créditos de custeio em 19,1%, 59,5% e 15,5%, respectivamente; das políticas verticais

24

Publicado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

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1622

inovativas tais como o Programa Nacional de Recuperação de Pastagens Degradadas,

Programa de Desenvolvimento à Apicultura, Programa de Apoio à Fruticultura e Programa de

Desenvolvimento à Ovinocaprinocultura, direcionadas aos setores específicos de regiões

consideradas estratégicas para a agropecuária brasileira; sendo também, resultado da

eficiência das diretrizes da política agrícola de longo prazo, implementadas pelo Governo

Federal desde 1995 e 1996, dentre as quais se destacam: Programa de Incentivo ao Uso de

Corretivos de Solo (Prosolo); Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e

Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota); Programa de Incentivo à

Mecanização, Resfriamento e Transporte Granelizado da Produção de Leite (Proleite);

Agência Especial de Financiamento Industrial-Agrícola (Finame Agrícola)25

; Contratos de

Opções; Prêmios de Escoamento da Produção (PEP); Preços de Liberação de Estoques

Públicos (PLE).

Em 2002, o total da produção de grãos sofreu rebatimentos negativos de -1,4% em

relação à safra anterior, em decorrência dos períodos de estiagem nas áreas de plantio

concentradas em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (BOLETIM DO

BANCO CENTRAL, 2002). O decrescimento da safra de milho refletiu negativamente no

custo de produção de carne suína e de frango. Mesmo assim, estimulada pelo crescimento da

demanda externa, o segmento de carne suína registrou ampliação de 18,4% seguida da

produção de frango (9%) e de carne bovina (7,7%); que apresentaram crescimento das

exportações em 81,3%, 28,2% e 16,4%, respectivamente.

Nesse período, os programas específicos da política agrícola tais como o Moderfrota,

Propasto, Prosolo e Proleite, além da Cacauicultura foram beneficiados pela ampliação dos

recursos do BNDES em 22,5% em relação ao ano anterior. A ampliação dos recursos da

Caderneta de Poupança Rural26

foram expandidos para a agroindústria, beneficiamento e

comércio de produtos e insumos agropecuários. O Plano de Safra 2002/2003 do Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também disponibilizou um montante de R$

21,7 bilhões a serem distribuídos entre custeio e comercialização da produção agrícola,

Fundos Constitucionais, Finame-Agrícola e Fundo de Defesa da Economia Cafeeira

(Funcafé). Observa-se no entanto que o Pronaf não foi contemplado por benefícios financeiros

25

Financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) 26

De acordo com o Boletim do Banco Central (2002), até 2001 os recursos da Caderneta de Poupança Rural

beneficiavam apenas os produtores rurais e cooperativas agropecuárias.

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1623

no período. Tais medidas contribuíram para o bom desempenho do PIB27

agropecuário

nacional, que registrou variação positiva de 13,81%.

Em 2003, o crescimento do PIB agropecuário em 28,92% refletiu tanto a ampliação

em 25,8% dos recursos destinados à comercialização e custeio da produção agrícola, liberados

pelo Plano Agrícola e Pecuário 2003/2004 do Mapa, quanto os valores adicionais

disponibilizados pelo BNDES (R$5,8 bilhões) para os Fundos Constitucionais28

, Proger Rural

e Pronaf. No desempenho do setor agrícola, assinala-se o crescimento da produção de grãos

em 26,8%, alavancado pela ampliação da produção de soja (22,6%), que sofreu influência

positiva da elevação dos preços internacionais em decorrência do crescimento da demanda

chinesa e da quebra da safra norte americana; milho (34,7%) favorecido pela elevação das

cotações internacionais e ampliação da demanda do setor produtivo de carnes; trigo (102%)

favorecido pelas adequadas condições climáticas somada à utilização de grãos geneticamente

modificados com o objetivo de ampliar a produtividade da cultura; e feijão (8,5%). Já as

culturas de arroz e café sofreram contração de 2,6% e 21% respectivamente; a primeira em

decorrência do excesso de chuvas e a segunda em resposta às baixas cotações internacionais

devido a contínua ampliação da oferta nos últimos anos. Já a pecuária, estimulada pela

conquista de novos mercados consumidores no exterior, registrou expansão de 6% no

segmento de carnes bovina, seguida da produção de aves que cresceu em 3,7%, e de carne

suína (1,7%); com elevação das exportações em 20,1%, 44,1% e 2% das carnes de frango,

bovina e suína.

Em 2004, nem mesmo a ampliação em 45,5% do montante de recursos previstos pelo

Plano Agrícola e Pecuário 2004/2005, somado à elevação de 30% dos recursos direcionados

ao Pronaf, além da manutenção dos demais instrumentos da política agrícola foram suficiente

para evitar o significativo recuo do PIB agrícola que apresentou crescimento de 6,05% contra

28,92% do ano anterior. Tal desempenho deu-se, principalmente, em conseqüência das

adversidades climáticas que atingiram as principais áreas produtoras do país e à elevação dos

preços do petróleo e dos insumos derivados como os fertilizantes, impactaram negativamente

nos custos de produção das culturas.

Em 2005, a gravidade das irregularidades climáticas atingiu todas as culturas,

provocando recuo do PIB em agropecuário em - 8,71%. A estiagem assolou as safras das

27

Os valores de PIB agropecuário são a preços básicos e fornecidos pelo IBGE e disponibilizados pelo IPEA. 28

Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

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principais culturas, provocando retração do volume total de grãos produzidos em -5,7%. Nem

mesmo a expansão da produção de carnes bovinas (7,4%), suína (15,4%) e de frango (11,9%)

estimulada pelo crescimento das exportações em 17,4%, 13,91% e 23% respectivamente, foi

suficiente para evitar o decréscimo do PIB agropecuário do período. Mesmo assim, destaca-se

que os recursos do BNDES em 2005 foram estendidos em 5,2%, assim como o os recursos do

Plano Agrícola e Pecuário 2005/2006 que ampliaram-se em 12,4% e, como medida de

estímulo, os preços mínimos de alguns produtos agrícolas foram elevados.

Em 2006, a sojicultura novamente sofreu com a instabilidade climática em que se

registraram perdas tanto pelo excesso de chuvas, quando pela estiagem, além dos prejuízos

decorrentes do surgimento e proliferação de doenças relacionadas aos fungos, de modo que o

crescimento da produção da cultura de grãos situou-se em apenas 2,1%.

O setor pecuário continuou sua expansão apresentando crescimento da produção de

carne bovina (8,1%), suína (6,6%) e aves (3,4%); embora apenas a carne bovina tenha

registrado crescimento das exportações (12,9%), dado que as carnes suína e de frango

registraram recuo das vendas externa em -16,4% e -6,4% respectivamente. Apesar de tudo,

juntos, os setores agrícola e pecuário conseguiram recuperar a performance negativa do PIB

agropecuário do país, apresentando ainda crescimento de 6,09%, conforme os dados do IBGE

fornecidos pelo IPEA. No campo da política agrícola, verificou-se a ampliação dos recursos

previstos pelo Plano Agrícola e Pecuário 2006/2007 em 12% e a manutenção da política de

preços mínimos das culturas mais importantes; além da ampliação das linhas de crédito de

alguns programas financiados pelo BNDES como o Moderfrota e o Finame Agrícola.

Em 2007 a estabilidade climática contribuiu para que as culturas de grãos apresentasse

melhor desempenho na quantidade produzida (expansão de 13,6%), impactando

positivamente no valor do PIB agropecuário nacional, que apresentou ampliação de 14,07%

(IBGE). Na pecuária, a produção de aves apresentou crescimento de 10,1%, seguida da carne

suína (6%). Já a produção de carne bovina apresentou menor expansão (1,8%). Quanto as

exportações do setor, registrou-se que houve expansão do volume vendido em 4,9%, 16,3% e

14% das carnes bovina, aves e suína, respectivamente.

No âmbito da política agrícola, houve expansão de 16% dos recursos previstos pelo

Plano Agrícola e Pecuário 2007/2008 destinados ao custeio, comercialização e investimento

na safra do período; foram realizadas ampliações no limite de financiamento do crédito rural

para culturas estratégicas para o abastecimento interno e para a produção animal; além da

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redução da taxa de juros nos Programas sob responsabilidade do BNDES (exceto o

Moderfrota).

Em 2008, a nova expansão do PIB agropecuário nacional em 19,31% deu-se em

função principalmente da regularidade climática que resultou em elevação da produção de

grãos em 9,6%. No setor pecuário a produção de carnes suína e de aves apresentaram

crescimento de 6,2% e 13,2%, enquanto a carne bovina registrou retração em -6,1%, em

resposta ao ambiente internacional instável em decorrência da crise no mercado subprime dos

EUA, que afetou as exportações tanto de carne bovina (-20,5%), quanto da carne suína (-

15,3%). As exportações de carne de frango no entanto conseguiram apresentar performance

favorável em que o crescimento situou-se em 8,7%.

Na política agrícola registrou-se como principais medidas adotadas, nova expansão

dos recursos disponibilizados pelo Plano Agrícola e Pecuário 2008/2009 em 12%; e elevação

de 0,8% dos recursos destinados aos programas financiados pelo BNDES que ainda absorveu

a criação de mais um programa – Programa de Estímulo à Produção Agropecuária Sustentável

(Produsa), sendo este orientado para a recuperação de áreas degradadas para que pudessem

ser utilizada para a produção.

Já em 2009, o aprofundamento da crise internacional, somada aos problemas

climáticos, refletiram em recuo do PIB agropecuário nacional em relação ao ano anterior, ao

apresentar elevação de apenas 3,03%. Nesse contexto, a produção total de grãos contraiu-se

em 8,3%, com retração das safras de soja (-4,81%), algodão (-25,9%), trigo (-16%) e café (-

12,8%). Dentre as principais culturas, apenas o feijão e o arroz foram capazes de apresentar

algum crescimento 0,5% e 4,2% respectivamente. Na pecuária os segmentos de carne bovina,

suína e registraram crescimento de 0,3% e 10,9%, respectivamente, embora a produção de

aves tenha caído em -2,7%, seguindo a tendência declinante das exportações em que

assinalou-se redução das venda de carnes de ave (-0,1%) e bovina (-9,5%), apesar da

performance da carne suína ter se mostrado favorável, registrando aumento de 13,2%.

3. METODOLOGIA

Para o estudo de crescimento econômico do setor agropecuário brasileiro no período

de 1996 a 2009, utilizou-se a metodologia do processo de Markov de primeira ordem, com o

principal objetivo de identificar se os movimentos de convergência/divergência da renda per

capita no meio rural brasileiro.

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Inicialmente, os dados do PIB agropecuário estadual29

para os anos de 1996 e 2009

obtidos junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, foram divididos pelos

dados estaduais referentes ao número de vínculos empregatícios formais no setor rural em

31/12, obtidos no anuário do Registro Anual de Informações Sociais – RAIS do Ministério do

Trabalho e Emprego – MTE, a fim de se obter as séries de PIB per capita para os anos de

1996 e 2009. Em seguida, os valores de ambas as distribuições foram normalizadas pelo valor

do PIB agropecuário do Brasil (que após o processo, passa a corresponder a uma unidade),

para que se chegasse ao PIB per capita médio para cada unidade federativa. Na seqüência,

construiu-se as classes de PIB agropecuário per capita e, a partir da identificação das unidades

federativas que migraram de uma classe em 1996 para outra em 2009, é que se tornou

possível construir a matriz de probabilidade de transição do Processo Dinâmico de Markov,

em que na discretização da variável tempo, a dinâmica será dada por um sistema de equações

a diferenças, cuja solução resultará em informações acerca da trajetória do crescimento

econômico no longo prazo, e de sua respectiva condução no sentido de convergência ou de

divergência da renda per capita agropecuária, bem como a velocidade em que ocorre tal

processo.

O tratamento dos dados, bem como os cálculos necessários para a construção da

matriz markoviana e parte da solução do sistema de equação de diferenças foram feitos no

software Excel. No procedimento markoviano, também se fez uso de uma calculadora30

de

autovalores e autovetores disponibilizada pelo Departamento de Matemática da University of

British Columbia de Vancouver, Canadá.

4. ANÁLISE MARKOVIANA DA CONVERGÊNCIA DE RENDA

AGROPECUÁRIA NO BRASIL

A classificação dos estados de acordo com tais níveis de PIB agropecuário per capita

pode ser vista na tabela 1 (ver anexos), a qual mostra a alocação dos estados no início e no

final do período selecionado para análise. Com base nessa classificação supracitada, foi

possível modelar a evolução da distribuição da renda relativa das unidades federativas a partir

do cálculo das probabilidades de transição de uma classe de renda para outra, por meio do

29

Valores adicionados a preços básicos. 30

Disponível em: http://www.math.ubc.ca/~israel/applet/mcalc/matcal.html.

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estimador de máxima verossimilhança para a probabilidade de transição sugerida por Geweke

et al (1986). Com tais probabilidades, construiu-se a matriz de transição de Markov:

Tabela 2 – Matriz de Transição de Markov do PIB per capita agropecuário para as

unidades federativas do Brasil no período de 1996-2009.

Classes 1 2 3 4 5

1 (2) 0,0000 0,5000 0,5000 0,0000 0,0000

2 (7) 0,2857 0,4285 0,1428 0,1428 0,0000

3 (5) 0,0000 0,6000 0,4000 0,0000 0,0000

4 (2) 0,0000 1,0000 0,0000 0,0000 0,0000

5 (11) 0,0000 0,2727 0,0000 0,3636 0,3636

Nota: os valores citados nos parênteses indicam o número de unidades federativas alocadas em cada

classe no início do período (1996).

Fonte: Elaboração própria.

A diagonal da matriz mostra a probabilidade dos estados permanecerem em 2009 na

mesma classe em que se encontravam em 1996.

A primeira linha da matriz de transição estimada informa os movimentos migratórios

das economias que se encontravam na classe 1 (abaixo de 50%) para as demais classes de PIB

per capita agropecuário. Assim, o primeiro elemento mostrou que não há probabilidade das

unidades federativas que se encontram na classe 1 (abaixo de 50%) de PIB per capita

agropecuário em 1996, nela permanecer em 2009, apesar de ambos os estados terem reduzido

sua participação na composição do PIB agropecuário do Brasil. Na seqüência, verifica-se que

o Distrito Federal melhorou sua performance, apresentando 50% de probabilidade de ter

migrado para a classe 2 (com renda entre 50% e 100% do valor médio do país que é igual a 1

ou 100%), enquanto Alagoas igualmente apresentou 50% de chance de ter avançado para um

nível de renda ainda mais elevado (classe 3) em 2009.

A segunda linha da matriz mostra a evolução/involução das economias que se

encontravam na classe 2 (entre 50% e menos de 100%) em 1996 para as demais classes em

2009. Assim, verifica-se que Rio de Janeiro e São Paulo apresentaram 28,57% de chance de

terem regredido o seu nível de renda per capita agropecuária para a classe 1 em 2009,

corroborando com a expressiva retração da participação do produto agropecuário desses

estados no PIB agropecuário do Brasil, com o Rio de Janeiro apresentando queda de 4,79%

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para 0,92%, e São Paulo apresentando retração de 67,63% para 9,07%. Enquanto os Estados

de Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Norte apresentaram 42,85% de probabilidade

de terem permanecido na classe 2 ao longo do período, apesar de terem reduzido sua

participação no PIB agropecuário do Brasil (tabela 3, ver anexos). Já Mato Grosso avançou da

classe 2 para a 3 em 2009 com 14,28% de probabilidade, assim como o Acre que apresentou

melhor performance, com 14,28% de probabilidade de ter se deslocado da classe 2 para a

classe 4, que representa a segunda maior faixa de PIB per capita agropecuário (entre 100% e

menos de 200% em relação à média estadual). Tal resultado vai de encontro com a ampliação

da participação do produto agrícola desses estados no PIB agropecuário nacional, como

mostra a tabela 3, que mostra o crescimento do Acre de 0,41% para 0,72% e do Mato Grosso

de 7,82% para 9,01%.

Na terceira linha, que indica a trajetória das economias que se encontravam na classe 3

(entre 100% e menos de 150%) para as demais classes ao longo do período, mostra que não

houve probabilidade de nenhuma unidade federativa ter regredido para a classe 1 de PIB per

capita agropecuário em 2009. Contudo, os estados do Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e

Sergipe revelaram 60% de probabilidade de terem retrocedido da classe 3 para a classe 2 em

2009, dado que reduziram a participação do setor agropecuário do PIB agropecuário do país;

enquanto Goiás e Tocantins apresentaram um percentual de 40% de chance de terem

permanecido na classe 3 em que se encontravam no início do período, apesar do setor

agropecuário de Goiás ter contraído a participação no PIB agropecuário nacional em sete

pontos percentuais, enquanto Tocantins apresenta apenas leve decréscimo de 0,31 pontos

percentuais em sua participação.

Na quarta linha, todos os estados que se encontravam na classe 4 de PIB per capita

agropecuário em 1996 (Bahia e Paraná) apresentaram 100% de probabilidade de terem

regredido para o segundo menor estrato de PIB (entre 50% e 100% do valor médio dos

estados).

Por fim, a quinta linha que revela a dinâmica das economias que se encontravam na

classe 5 ( a partir de 200%) de PIB per capita agropecuário em 1996 na direção das demais

classes, mostrou que o Pará e a Paraíba foram os estados que mais retrocederam em nível de

renda agropecuária per capita média, tendo apresentado 27,27% de probabilidade de

migração da classe 5 para a classe 2 em 2009, como revela a tabela 3 (ver anexos) em que o

setor agropecuário do Pará apresenta queda de participação no PIB agropecuário nacional de

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21,44% pra 2,37% e a Paraíba, de 6,9% para 0,91%; enquanto Amapá, Piauí, Rio Grande do

Sul e Santa Catarina apresentaram 36,36% de probabilidade de terem recuado da classe 5 para

a classe 4 ao longo do período analisado, em resposta à queda da participação do setor

agropecuário desses estados na composição do PIB agropecuário do Brasil (tabela 3, ver

anexos). Já o Amazonas, Maranhão, Rondônia e Roraima apresentaram probabilidade de

36,36% de terem permanecido na classe mais elevada de renda per capita agropecuária

durante todo o período de análise, apesar de apenas o estado de Roraima ter conseguido

apresentar elevação (ainda que sensível) da participação do produto agropecuário no PIB

agropecuário nacional.

A queda da participação do setor agropecuário estadual na composição do PIB

agropecuário nacional vai de encontro à dinâmica de transição das economias agropecuárias

estaduais rumo aos estratos de PIB per capita agropecuário inferiores.

A partir da obtenção da matriz de transição de Markov, procedeu-se a construção do

sistema de equações de diferenças correspondente ao modelo Markoviano, em que Yt+1

representa a distribuição de renda per capita agropecuária no tempo t+1, M corresponde a

matriz de transição de Markov, e Yt representa a distribuição da renda agropecuária per capita

no tempo t :

Yt=1 = M. Yt

A solução do sistema de equações de diferenças exigiu o cálculo do polinômio

característico, suas respectivas raízes (também chamadas de autovalores) e os autovetores

associados a cada autovalor. Nesse sentido, as raízes características encontradas foram: r1 = 1;

r2= -0,2752; r3= 0,0, r4=0,103807 e r5 = 0,363636 .

As distribuições de probabilidades que mostram o percentual de alocação de estados em

cada estrato do PIB no início do período (1996) foram obtidas a partir da razão entre o

número de unidades federativas de cada classe de PIB per capita agropecuária em 1996 e o

total de unidades de observação (27) e apresentam os seguintes valores:

[ ]

[ ]

[ ]

O valores das constantes c1...ck foram obtidos a partir da solução geral e das

probabilidades do início do período, considerando a raiz polinomial unitária, que de acordo

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com os princípios gerais sobre o processo Markoviano, será sempre um autovalor da matriz de

Markov (SIMON; BLUME, 2004): c1 = -0,445148; c2 = 0,390049; c3 = 0,385709; c4 =

0,114770; c5 = 0,036819.

Com base nos valores das constantes, na solução geral do sistema de equações a

diferenças, na distribuição de probabilidades para o período inicial, e nas raízes polinomiais

características, foi possível encontrar a solução particular do sistema, dada por:

[ ]

[ ]

[ ( )

( )

( )

( )

( ) ]

A solução de equilíbrio de longo prazo que mostra o percentual de alocação de estados

em cada estrato do PIB no steady state foi dada pela expressão anterior, em que se considerou

t = 14, fazendo referência ao total de períodos selecionados para estudo (1996 a 2009):

[ ]

[ ]

[ ]

Através do valor absoluto do maior autovalor ou raiz característica (r2=0,363636), foi

possível encontrar a velocidade necessária para que a economia percorresse uma distância

média (correspondente à metade do caminho) entre a situação inicial e o estado estacionário,

chegou-se ao valor dm = 0,685198 que, segundo Stülp e Fochezatto (2004), ao ser

multiplicado pela quantidade de anos selecionados para o estudo (14 anos) resulta em um

valor que indica o tempo necessário para alcançar a metade do caminho da trajetória de

equilíbrio de longo prazo, ou seja, 10 anos. Nesse sentido, a tabela 4 apresenta as posições

relativas das unidades federativas em relação ao PIB per capita agropecuário ao longo do

tempo, ou seja, mostra que a trajetória de equilíbrio de longo prazo pode ser verificada a partir

da solução particular do sistema de equação a diferenças, em que as raízes polinomiais ou

autovalores foram elevados a t = 0, 1, 2...,n, até que se obtivesse uma coluna de resultados

correspondentes à posição de steady state:

Tabela 4 – Trajetória das economias estaduais rumo ao equilíbrio de longo prazo

(análise para o período de 1996 a 2009)

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Inicial steady state

0 1 2 3 4 5 6 7

1) Abaixo de 50% 7,41 22,22 19,95 19,97 19,90 19,91 19,91 19,91

2) Entre 50% e menos de 100% 25,93 16,93 20,59 19,71 19,96 19,89 19,91 19,91

3) Entre 100% e menos de 150% 18,52 22,96 19,34 20,09 19,86 19,92 19,90 19,91

4) Entre 150% e menos de 200% 7,41 25,93 16,93 20,59 19,71 19,96 19,89 19,91

5) A partir de 200% 40,74 24,58 22,98 20,13 20,18 19,95 19,94 19,91

Períodos (intervalos de 14 anos)

Classes de PIB per capita agropecuário (valores em percentual %)

Fonte: Cálculo da autora.

No início do período (1996), observava-se que 7,41% dos estados estavam alocados na

faixa de PIB per capita agropecuário inferior a 50% da média estadual; 25,93% inseriam-se

na classe entre 50% e menos de 100%; 18,52% incluíam-se entre 100% e menos de 150%;

7,41% situavam-se entre 150% e menos de 200%; e a maior parte das unidades federativas

(40,74%) estava concentrada na melhor faixa de renda agropecuária per capita: a partir de

200% da média do país. Esta situação apontava para a formação de clubes de convergência na

segunda menor faixa de remuneração (entre 50% e menos de 100%) e na maior faixa de

remuneração (a partir de 200%), tendo este último uma concentração maior de estados

inseridos, indicando uma situação econômica favorável em termos de remuneração per capita

para tais estados.

Contudo, o processo markoviano utilizado como ferramenta de identificação de

convergência da renda per capita agropecuária mostrou que a hipótese inicial de que a

dinâmica econômica do setor agropecuário apresentado pelos estados do Brasil entre 1996 e

2009 seria resultado de um processo de catching up, em que no longo prazo as economias

tenderiam a convergir para as maiores faixas de remuneração, foi refutada, dado que o os

resultados encontrados mostraram que no longo prazo o equilíbrio se daria com a divergência

de crescimento entre os estados, os quais estariam distribuídos de forma equitativa entre os

estratos de PIB per capita construídos para a análise.

Tal resultado indica que houve um retrocesso das economias estaduais que no início do

período comportavam melhor renda per capita agropecuária, para níveis de renda mais baixo,

em que as economias já se aproximariam do equilíbrio de longo prazo no primeiro período

que engloba os 10 anos necessários para que metade da trajetória rumo ao longo prazo seja

alcançado. Assim, se, e somente se, as condições econômicas vigentes no período selecionado

para análise se sustentassem até que o steady state fosse finalmente atingido, isto ocorreria em

um prazo de 98 anos (ou seja, sete períodos de catorze anos).

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1632

Uma possível explicação para esse movimento regressivo das economias do setor

agropecuário seria o fato das políticas públicas voltadas para o setor darem maior ênfase aos

estados produtores de produtos específicos ou de commodities voltadas para a exportação.

Esta situação excluiria dos benefícios governamentais as demais economias não orientadas

para o ramo exportador, gerando empobrecimento, ao promover desenvolvimento das

unidades federativas mais ricas, acentuando as disparidades inter regionais preexistentes, de

modo que o crescimento econômico do setor seria resultado do bom desempenho das

economias já desenvolvidas. Outra causa para o fenômeno poderia ser atribuída aos

movimentos migratórios populacionais para regiões que apresentassem melhor desempenho

econômico agropecuário, elevando o número de vínculos formais de emprego no setor, sem

no entanto melhorar a qualidade da mão-de-obra, implicando em redução da renda per capita

em tais estados, ou manutenção do mesmo nível de PIB per capita agropecuário, apesar do

crescimento do produto setorial. Esse fato retrata o que Pessoa (2011), fazendo alusão ao livro

―Alice através do espelho‖ de Lewis Carroll, chamou de ―Efeito Rainha Vermelha‖ em que,

na medida em que o PIB agropecuário das economias se ampliam, em decorrência do

crescimento do nível de emprego rural, apenas permanecem no mesmo lugar, não tendo

algumas economias, alcançado a expansão de suas rendas per capita agropecuárias ao longo

do tempo – o que reflete a necessidade de políticas de emprego rural regionais e locais que

busquem minimizar ou mesmo extinguir movimentos migratórios dessa natureza, além de

políticas voltadas para a qualificação do trabalhar agropecuário.

Contudo, os resultados desta pesquisa, ao sugerirem que as economias em análise

apresentam uma tendência ao empobrecimento, que conseqüentemente trariam reflexos

negativos sobre a condição social do homem do campo, abrem espaço para novos estudos que

busquem investigar as causas de tal empobrecimento, a fim de poder fornecer um diagnóstico

capaz de auxiliar de forma pontual as políticas públicas agropecuárias, as quais devem sofrer

alterações em seu âmbito e direcionamento para que a tendência de crescimento econômico

dispare do setor agropecuário possa ser não apenas minimizada, mas revertida.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados, ao refutar hipótese de convergência, revelaram que as

economias estaduais tendiam a apresentar movimentos retrocedentes para níveis de renda per

capita agropecuária cada vez menores, indicando a ocorrência de um processo de divergência,

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1633

em que os níveis de renda per capita agropecuária mais elevados tenderiam a englobar menos

unidades federativas no steady state, o qual sendo mantidas as condições econômicas vigentes

do período selecionado para a pesquisa, seria alcançado em um prazo de 98 anos, quando as

economias estariam equitativamente distribuídas nos estratos de PIB per capita agropecuário

elaborados para a análise do período de 1996 a 2009, revelando uma tendência ao

empobrecimento, apesar da trajetória ascendente crescimento do PIB apresentado pelo setor

durante o período de análise.

Nesse sentido, fatores como a orientação das políticas públicas para as culturas de

exportação não contempladas por todas as unidades federativas do país, além dos movimentos

migratórios da mão-de-obra agropecuária para os centros produtores agrícolas mais

desenvolvidos, poderiam ser citados como possíveis causas responsáveis pela tendência

regressiva das rendas per capita no meio rural brasileiro. A primeira, por revigorar as

economias que apresentaram melhor desempenho agropecuário; a segunda, por fazer com que

o crescimento do PIB não se traduza em crescimento das rendas per capita agropecuária,

refletindo no empobrecimento do meio rural.

Contudo, os resultados deste estudo que teve o objetivo de identificar a existência de

convergência/divergência da renda per capita agropecuária das unidades federativas do

Brasil, são incapazes de identificar as causas que de fato levam as economias à trilharem uma

trajetória de divergência, implicando na necessidade de novos estudos que busquem

identificá-las, a fim de contribuir para a elaboração de políticas públicas melhor planejadas,

que busquem de maneira mais eficiente a homogeneização da distribuição de renda no campo.

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1636

ANEXOS

Tabela 1 – Classificação das unidades federativas do Brasil segundo os níveis de PIB

agropecuário per capita (1996-2009)

Fonte: Elaboração própria.

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Tabela 3 – Participação dos Estados no PIB Agropecuário do Brasil (1996-2009) –

valores em percentual

Estados 1996 2009

Acre 0,41 0,72

Alagoas 2,46 0,88

Amazonas 1,34 1,32

Amapá 0,75 0,14

Bahia 24,36 5,76

Ceará 9,04 1,82

Distrito Federal 0,65 0,33

Espírito Santo 8,07 2,25

Goiás 13,51 6,51

Maranhão 10,24 3,67

Minas Gerais 42,37 13,95

Mato Grosso do Sul 14,04 2,98

Mato Grosso 7,82 9,01

Pará 21,44 2,37

Paraíba 6,91 0,91

Pernambuco 13,60 1,99

Piauí 3,11 1,06

Paraná 37,24 7,87

Rio de Janeiro 4,79 0,92

Rio Grande do Norte 2,47 0,80

Rondônia 3,04 2,61

Roraima 0,12 0,18

Rio Grande do Sul 51,88 11,44

Santa Catarina 23,53 5,68

Sergipe 2,75 0,64

São Paulo 67,62 9,07

Tocantins 1,38 1,69 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA.

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1638

DA QUESTÃO AGRÁRIA À CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE QUILOMBOLA

NAS COMUNIDADES RURAIS: UMA APROXIMAÇÃO DA RESISTÊNCIA NEGRA

CAMPESINA

Miguel Ângelo Silva de Melo31

Manuella Alessandra Aleixo Costa32

Isaac de Oliveira Magalhães e Silva33

Resumo: O objetivo deste artigo é instigar o debate sobre a Questão Agrária no Brasil, utilizando,

como marco teórico de análise, alguns pressupostos conceituais oriundos da Sociologia Rural e da

Agricultura. Frisa-se que o presente não objetiva esgotar a temática, apenas fomentar uma nova leitura

crítico-teórica que nos permita reavaliar ―velhos e novos‖ paradigmas sobre o contexto Agrário

brasileiro. O presente trabalho é, portanto, resultado de pesquisa que envolveu uma revisão

bibliográfica sobre o tema da Questão Agrária e os Movimentos Negros de Contestação e de

Autoafirmação Rural. Presenciamos nesta revisão bibliográfica, a contribuição de diferentes ciências –

sociais, humanas, aplicadas, exatas, biológicas e jurídicas -, que nas últimas décadas do século XX,

vêm travando e demarcando as fronteiras e as linhas de batalha que legitimaram e mistificavam os

juízos e argumentações sobre os termos identidade negra e campesinato. Destacam-se aqui conceitos

tais como: campesinato, pequena produção, produção de subsistência e/ou agricultura familiar,

comunidades quilombolas e comunidades rurais negras. O que elas têm em comum? Responde-se a

política pública e agrária de exclusão e de perseguição racial que marca a história dos movimentos

rurais e negros brasileiros. Palavras-chave: Movimentos campesinos, escravismo rural e resistência negra.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O cenário da pesquisa se deu, por um lado, a partir da leitura transversal e

interdisciplinar de teses de doutorado, dissertações de mestrado, livros e artigos sobre o tema.

A leitura de clássicos da Sociologia Rural e da Agricultura, sobretudo marxistas e não

marxistas, permitiu perceber que estes autores vêm travando (diante da heterogeneidade dos

31

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia/ UFPE. Mestre em Criminologia e Sociologia do

Crime pela Universidade de Hamburgo/ Alemanha; Mestre em Ciências da Educação e Antropologia Jurídica

pela Universidade de Hamburgo/ Alemanha; Coordenador -Pesquisador do LIEV (Laboratório Interdisciplinar

de Estudos da Violência), Professor de Antropologia Jurídica, Sociologia do Direito e Direito Internacional

Público do Curso de Direito; Filosofia - Ética e Questões Étnico-Raciais do curso de Administração a Faculdade

Leão Sampaio. E-mail: [email protected]. 32

Mestre em Administração pela Universidade Tecnológica Intercontinental do Paraguay/ UTIC. Coordenadora

do Curso de Administração da Faculdade Leão Sampaio. Professora das disciplinas Gestão da Qualidade;

Evolução do Pensamento Administrativo. E-mail: [email protected]. 33

Aluno do 7. Semestre do Curso de Direito/ FAP. Aluno pesquisador do LIEV (Laboratório Interdisciplinar de

Estudos da Violência). E-mail: [email protected].

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1639

conceitos sobre o ‗ser camponês‘, a condição e os modos de produção camponeses) e

demarcando ―as fronteiras e as linhas de batalha‖ que legitimaram e mistificavam os juízos e

argumentações sobre o termo à tradição sociológica europeia (SHANIN, 1980, p. 45).

Consequentemente, encontramos estudos clássicos sobre o campesinato brasileiro, realizados

a partir da década de sessenta e setenta do século XX que não apenas discutiam a condição

camponesa, mas também, os modelos desenvolvidos, sobretudo, pela escola europeia, que

polarizavam a questão, ao colocar o camponês entre os extremos do proletariado e da

burguesia.

Estes significativos estudos nacionais promoveram discussões e novas interpretações

sobre o campesinato, quando entendiam que a realidade camponesa no Brasil não deveria

mais ser tratada enquanto uma ―categoria esquecida, espúria, em processo de diferenciação

social, em direção a uma das classes polares do capitalismo‖, nem também como ―sinônimo

de atraso, de fragilidade política e de dependência‖ (WELCH/ MAGOLI/ CAVALCANTI/

WANDERLEY, 2009, p. 23), mas deveriam antes de tudo, buscar compreender a condição e a

situação dos camponeses, principalmente nas últimas décadas do período escravista, a saber:

regencial e imperial.

Por outro lado, buscamos embasamento epistemológico, nos estudos de cultura afro-

brasileira ou estudos pós-coloniais. Foram realizadas leituras na Sociologia e Antropologia da

Cultura, como também, em artigos advindos na História Social. Assim, se tornou possível à

recuperação de fatos históricos que puderam auxiliar na compreensão da condição camponesa

as comunidades rurais negras, como defendem alguns, ou comunidades tradicionais

quilombolas, como afirmam outros estudos, conforme vermos ao longo desta revisão

bibliográfica.

A proposta do presente artigo não pretende esgotar a análise de todos os trabalhos

sobre o tema enquanto objeto de estudo da Sociologia Rural e da Antropologia Social, até por

que, pesquisas mais especializadas e aprofundadas, como dissertações de mestrado e teses de

doutorado, é quem de fato intentam lograr tal êxito. De modo que o objetivo deste artigo visa

apenas conhecer e registrar algumas formas de resistência negra de comunidades quilombolas

já observadas por outros estudos, e revistar como a temática vem sendo abordada pela

Sociologia Rural (consequentemente, diante das naturais fronteiras disciplinares

epistemológicas, por outras ciências sociais, tais como a Antropologia e História), para que

erros do passado não recaíam no presente, como recomenda Silva (2003, p. 232) ―Estudar o

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1640

passado pode nos ajudar a observar o quanto diferentes práticas e manifestações culturais e

políticas contribuíram para a organização dos negros no presente‖. Assim, deseja-se aqui,

cumprir o papel acadêmico-empírico de compreender as dinâmicas sociais e a construção de

categorias conceituais sobre o campesinato e a resistência de comunidades periféricas, sob o

ponto de vista interdisciplinar.

2. UMA BREVE ANÁSLISE DOS MOVIMENTOS CAMPESINOS NO BRASIL

Ao se analisar a construção do processo evolutivo dos movimentos sociais campesinos

no Brasil fica claro que as formas de vida social em que os atores sociais que protagonizam a

cena principal não advêm do grupo dominante luso-europeu. Também, contata-se que estes

não são exaltados pela historiografia tradicional brasileira como mereceriam, sendo este o

objeto da presente revisão bibliográfica buscar compreender não apenas os mecanismos de

resistência negra no campo, como também, a possibilidade de configurar enquanto legítima a

condição camponesa à população quilombola.

Motta/ Zarth (2006, p. 17) ao organizarem o livro ―Formas de resistência camponesa:

Visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história‖ buscaram apresentar os

resultados de pesquisas produzidas em diferentes universidades brasileiras, sitiadas nas

distintas regiões do país com o intuito de sustentarem suas hipóteses e encontrarem evidências

sobre a relação entre as rebeliões rurais contra a exploração de grandes latifundiários. Ao

passo que as evidencias encontradas mostram por um lado, ausência de visibilidade à história

das ações de resistência camponesas que dificilmente eram documentadas, e por isso, não

deixavam marcas visíveis, impedindo assim, uma identificação de suas lutas; e por outro lado,

quando estas eram documentadas, representavam a não observância às normas sociais de

controle implementadas pelo Estado.

Os documentos existentes mostram uma dimensão de conflitos ilegais onde os

camponeses e rebeldes aparecem como ―inimigos do Estado‖ ou contrários ―ordem social‖,

ordens e normas estas estabelecidas pelos grandes latifundiários, enquanto legítimos

representantes do Estado que tentavam a partir destas experiências, demonstrar a passividade

do povo brasileiro. Ferro (1983 apud. MOTTA/ ZARTH 2006, p. 18) apimenta este debate,

quando acrescenta que a ―história é escrita de acordo com os interesses dos diversos grupos

que compõem a sociedade ao longo do tempo e que em geral prevalece a visão dos grupos

dominantes‖. Utilizando esta argumentação cabe aqui salientar que a abordagem ‗oficial‘ da

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1641

Historia Rural nacional foi escrita de forma tendenciosa a partir do momento que referendava

não apenas esconder os conflitos no campo, como também, estigmatizar e dissimular os atores

sociais envolvidos em tais processos, ‗mascarando mocinhos e escrachando bandidos‘. De

modo que se percebe que os grupos rebeldes escravizados de afrodescendentes e ameríndios

foram na grande maioria das vezes, deturpados pelos relatos e documentos oficiais sobre o

processo de ocupação e de luta pela terra. Neste sendo Scott (2002, p. 13) e Cunha Jr (2012, p.

161) ressaltam que não se deve subtrair a este complexo processo sobre as estruturas rurais no

período escravista, que uma das alternativas de resistência encontradas por muitas

comunidades rurais (cansadas de enfrentamentos), teria sido justamente a fuga e o

esconderijo. Assim, com o passar do tempo estas se transformaram em comunidades rurais de

agricultura e de subsistência familiares, hoje chamadas de comunidades negras rurais,

comunidades quilombolas e/ou comunidades rurais de afrodescendentes.

Rios (1979, p. 86) ao tentar definir a sociologia rural, destaca a necessidade de se

entender não apenas os ―fenômenos e os processos sociais na vida rural através dos tempos‖,

ou seja, as características da vida no campo e do campo, as práticas e conhecimentos sobre a

agricultura, como também, o tipo de povoamento, a natureza dos títulos de propriedade, o

sistema de demarcação da terra, os sistemas agrícolas, e toda série de traços sociais e culturais

ligados à propriedade da gleba e ao trabalho agrícola e aos quais se atribui o adjetivo agrário.

Desta forma o autor intensifica sua argumentação sobre este ramo da sociologia,

dizendo que a sociologia da vida rural seria

uma ciência ou um campo científico ligado à sociologia geral. Isto porque pretende

aplicar ao estudo de seus problemas ou mesmo métodos, (..,) técnicas de pesquisa

científica específicos da sociologia que visam o estudo sistematizado das relações

entre os homens, pelo fato de verem em coletividade ou grupos, e as mudanças

que daí decorem no seu comportamento. (IBID., p. 87)34

.

Repensar paradigmas e conceitos a partir das abordagens difundidas foi o propósito

deste capítulo, tarefa nada fácil, principalmente, quando se desejou inserir no debate um

objeto de estudo tido por muitos teóricos enquanto ―periférico‖, principalmente quando se

observa os debates acadêmicos travados em torno do reconhecimento ou não do campesinato

durante o período escravista no Brasil, nas pesquisas que alicerçam o atual estágio de

desenvolvimento da Sociologia Rural e da Agricultura (WELCH/ MAGOLI/ CAVALCANTI/

34

Negrito do autor.

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1642

WANDERLEY, 2009, p. 25). Neste sentido, Wanderley (apud BRUMER/ SANTOS, 2006,

p.56), ao sintetizar as linhas temáticas em torno da agricultura familiar no Brasil, enfatizou os

seguintes eixos de investigação, a saber:

1. O debate sobre a existência ou não do campesinato no Brasil, incluindo tanto os

estudos que procuraram analisar o lugar do campesinato no interior da sociedade

colonial e do sistema escravocrata como as análises sobre as formas tradicionais de

produção e reprodução do campesinato brasileiro; 2. As perspectivas da agricultura

familiar diante do processo de transformação modernizante do setor agrícola e as

mudanças por ele provocadas na agricultura camponesa tradicional, as quais

ocuparam grande parte das análises em sociologia rural, principalmente na década

de 70; 3. O significado das fronteiras, isto é, a analise do processo de incorporação

de novas terras À agricultura nacional, resultando na ampliação do processo de

incorporação de novas terras À agricultura nacional, resultando na ampliação de

atividades rurais (...); 4. Movimentos sociais dos grupos ou categorias rurais35.

Com certeza não se intenta aqui reconstruir os fatos históricos que ensejaram na

formação de movimentos sociais dos grupos ou categorias rurais, mas compreender a

importância das lutas de resistência negra e a construção do conceito quilombola enquanto

categoria social que por um lado, buscar o reconhecimento da condição camponesa que

ensejaria em uma conquista de espaços rurais, posse e propriedade de suas terras para a

execução de sua agricultura familiar em uma economia de subsistência; e por outro lado,

intenta discutir as tendências contemporâneas da Nova Sociologia Rural sobre o processo de

―revisitar o campo‖, diante da necessidade de ―tentar definir fenômenos ou situações antes

não considerados para análise; rever facetas diferentes de fatos já estudados; indicar novos

problemas para investigação; apontar tendências e mais, especialmente, delinear

características... para melhor conhecer o campo.‖ (CAVALCANTI, 1993, p. 61).

Principalmente no que diz respeito à agricultura de subsistência de comunidades rurais que

desenvolvem atividades de baixa renda e de pequena produção em suas agriculturas, quase

que exclusivamente, familiares ou comunais, como é o caso das comunidades negras rurais de

quilombolas no Brasil.

3. ESCRAVISMO RURAL, RESISTÊNCIA NEGRA E LEGISLAÇÃO NO

SÉCULO XIX

35

Negrito do autor.

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1643

Moura (1993, p. 67) destaca que o escravismo negro apresentava-se no Brasil com

peculiaridades próprias, em tempos diferentes, obedecendo a ciclos e as necessidades

regionais de cada Província, a saber: em Pernambuco, Alagoas e Paraíba verificava-se a

utilização do trabalho escravo nas plantações cana de açúcar (Engenhos) e de algodão; na

Bahia as atividades eram direcionadas as plantações de cana de açúcar, do fumo e do cacau;

em Minas Gerais o trabalho do negro era utilizado na extração de minerais; no Rio de Janeiro

e Guanabara as atividades ocupavam se das plantações de cana de açúcar e de café; no

Espírito Santo destacava-se o trabalho escravo na produção da farinha de mandioca; já São

Paulo o trabalho era utilizado nas plantações de café (CHIAVENATO, 1980, p. 39 – 43).

Dentro desta linha de raciocínio, Cunha Júnior remete se a Caio Prado quando criticava o

desenvolvimento da histórica econômica do Brasil ao entender que ―a população africana e

afrodescendente não tinham importância na história brasileira, a não ser braçal‖ (2012, p.

160), onde qualquer possibilidade de se reconhecer as qualidades do negro e de suas

contribuições no processo produtivo eram marginalizadas pelos teóricos escravocratas que

difundiam concepções afirmativas da inferioridade racial advindas de suas peculiaridades

históricas (CONRAD, 1975, p. 191).

Cunha Júnior ao tecer considerações sobre a história africana e afrodescendente e o

tratamento destas pela historia social brasileira referenda não foi dada uma ―satisfatória

notoriedade à especificidade dos africanos e dos afrodescendentes‖, como também, o autor

verifica que não foi possível ―retirar do eixo das lutas de classe uma formulação que

explicasse a particularidade da história e da cultura desenvolvidas pelos povos africanos e

por seus descendestes.‖(2005, p. 249- 250). Soma-se a isto o fato de que sendo o escravo a

base da economia pré-capitalista no Brasil - colonial e imperial -, onde a essência do trabalho

capitalista se delineou somente a posteriori pela relação de exploração implementada nos

latifúndios aos descendentes de escravizados nas diferentes regiões brasileiras, a historiografia

nacional teria uma enorme dívida pela forma com que retratou os conhecimentos (técnicos e

tecnológicos) dos africanos e afrodescendentes principalmente no que se refere às atividades

produtivas no país durante o período escravista e as estratégias de resistência negra rural,

principalmente durante o período que antecede o fim do tráfico negreiro em 1850.

Durante o século XIX – seja no período pré-regencial, regencial ou pós-regencial -

variados conflitos advindos de insurreições e resistência negra se alastravam pelo Brasil, um

exemplo clássico é descrito por Assunção (2006, pp. 171- 195) ao tratar da Balaiada e

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1644

Resistência Camponesa no Maranhão (1838 – 1841)36

. O autor ao analisar a formação do

campesinato no Maranhão aponta para o fato de que as comunidades rurais rebeldes37

além de

terem objetivos bem definidos ―viviam em unidades familiares de produção, tinham uma

cultura específica decorrente do modo de vida em pequenas comunidades rurais e estavam

sujeitos à dominação externa‖ (ibid., p. 173), também detinham conhecimento de técnicas

agrícolas que implementavam com o sistema de mutirão em suas atividades agrícolas.

Em Scott (2002, p. 10) fica evidente que grande parte da produção (registros

históricos, arquivos materiais e processuais) sobre a temática das rebeliões, revoluções ou

insurreições camponesas só obtiveram visibilidade nos momentos em que estes representaram

ameaça ao poder vigente local e a ordem social imposta pelas classes dominantes. Pois, do

contrário, o autor acrescenta que, os camponeses insurgentes aparecem nestes registros ―não

como atores históricos”, mas simples coadjuvantes anônimos. Assunção citando Serra (1946,

p. 133) e Corrêa (1946, p. 35) ressalta que estes movimentos representaram, antes de tudo,

―uma guerra camponesa de resistência contra o recrutamento arbitrário e os abusos de uma

elite que se considerava branca e superior‖. (ibid., p. 171). Em adição a isto, o fator maior

que os unia, se baseava na (in) subordinação aos donos da terra e detentores do poder, a saber:

exploração e maus-tratos da sociedade escravista, péssimas condições de trabalho e de vida,

separação de parentes em caso de venda, não cumprimento de direitos adquiridos como

cultivo e uso da própria terra para a subsistência (discriminação pelas elites escravistas pelo

fato de que estas comunidades não acompanhavam a ideia do modelo de uso da terra agrícola,

a partir do momento que não produziam excedentes para serem comercializados por suas

atividades, como também, desprezavam atividades econômicas de aglomeração, e finalmente,

a diversificação produtiva era somente para o sustento da comunidade), por isso eram

constantemente discriminados como vadios, sem ocupação e que não exerciam atividades

reguladas pelo mercado. Nesse sentido Abranches acrescenta:

36

Inúmeros movimentos de resistência africana e afrodescendentes contra o regime escravista brasileiro –

Balaiada/ MA (1831), Cabanada/PE-AL (1832), Carrancas/ MG (1833), Malés/ BA (1835), Cabanagem/ Pará

(1835), Manuel Congo/ RJ (1838) – eclodiram na zona rural pelo país inteiro no século XIX. Embora não

tenham conseguido atrair muito interesse ou notoriedade, sendo descritos pela historiografia oficial (que era em

grande parte encarregada pela repressão aos rebeldes) como movimentos de ―bandidos, anarquistas ou facínoras‖

(OTÁVIO, 1942, p. 18 apud. ASSUNÇÃO, 2006, p. 171). 37

Retratados pelos documentos oficiais dos militares encarregados de exercerem a repressão enquanto vaqueiros,

caboclos e escravos negros eram representados por índios das aldeias missionárias, escravos africanos e

afrodescentes das fazendas rurais e migrantes do serão nordestino, sobretudo cearenses que imigraram do Ceará

durante a seca de 1824.

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1645

Não são menos insuportáveis os serviços de todos os mais estabelecimentos ou

engenhos, por cuja razão não será fácil conseguir-se a prática da agricultura em geral

com europeus livres, nem com essa multidão de vadios, que inundam os sertões do

Brasil. (...) Ao mesmo tempo, a vasta prodigência da natureza, na variedade de

frutos silvestres, caças e peixes, lhes oferece um superabundante sustento aos seus

comuns desejos, e os convida a viverem em perpétua ociosidade, apenas cultivando

alguns legumes ou mandioca, que é pão próprio do país, trabalhando escassamente

três ou quatro dias em cada mês, recebem da liberal fecundidade da terra, mais de

trezentos por um em retribuição de seu trabalho. (...) Edificam com a maior

facilidade uma casa ou tugúrio, não precisando para essa obra outro instrumento

mais que uma foice, ou traçado, para cortar paus, pindobas e cipó (...). Vivem em

agregados de mulheres dissolutas ou cunhãs, com as quais se engolfam na mais

torpe e libidinosa sensualidade.(1822, p. 41 apud. ASSUNÇÃO, ibid., 176)

Gómez (2001 apud. KAGEYAMA, 2008, p. 19) identifica características desta visão

sobre a ruralidade que vem a corroborar com a citação acima, quando ele ressalta que a

perspectiva tradicional atribui à ruralidade três características que representariam e

justificariam o atraso em relação ao urbano-civilizado, onde estes são representados por

espaços de baixa de densidade populacional, ocupação com atividades agrícolas e atraso de

vida em aspectos materiais e culturais. Essa argumentação sobre o desprezo em relação à vida

material e cultural das populações rurais apresentada por Goméz (op. citatum) fica evidente

em Assunção ao estudar a eclosão e os motivos que ensejaram nos movimentos de resistência

da população rural brasileira durante o século XIX – A Balaiada no Maranhão de 1831 -, a

qual era formada principalmente por caboclos, vaqueiros, indígenas, negros libertos,

alforriados e fugitivos (que viviam em quilombos). Em adição a isto, acrescenta-se que o

trabalho desenvolvido por estas populações campesinas não era visto como desejável ou

satisfatória. Enquanto camponeses que dispunham suas forças de trabalho para satisfação de

suas necessidades e reprodução da vida em família pela produção de uma agricultura familiar

de subsistência que não obedecia ao viés econômico provedor do progresso eram

discriminados como vadios pelas elites e pelo Estado,

Porque coleta, caça e pesca não eram consideradas trabalho na ideologia

dominante, influenciada pelas teorias fisiocráticas e mercantilistas, que

privilegiavam o cultivo da terra ou o comércio como atividades úteis e

produtivas. As atividades dos caboclos não traziam nenhum benefício ao

Estado. (2006, p. 176).

Fato é que estes eventos históricos de levantes camponeses durante o regime

escravista, além de terem vivenciado massacres, repressões e desmoralizações impostas pelas

derrotas durante o processo de luta de classes, têm sido sistematicamente distorcidos pela

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1646

historia oficial centralizada pelas classes dominantes do Estado. No dizer de Scott (ibid., 11)

―os eventos que chamam a atenção são aqueles que o Estado e as classes dominantes

concordam em destacar em seus arquivos‖. Constata-se ainda que a participação de ―grupos

minoritários‖ das classes dominadas somente obteve destaque, sendo então documentada,

quando estes participaram do processo da tomada de poder ao lado da classe dominante,

enquanto atores que cooperaram com o sucesso de tal empreitada. Essa situação de controle

pelo Estado recebeu uma maior motivação a partir da ―parcial antecipação‖ da abolição do

tráfico de escravos em 7 de novembro de 1831, pela promulgação da Lei Diogo Feijó que se

propunha a acabar com o tráfico no continente africano38

, sendo abolida definitivamente

apenas com o advento da Lei n.º 581, de 4 de setembro de 1850, mais conhecida como Lei

Eusébio de Queiroz que estabelecia entre outras providências, medidas para a repressão do

tráfico de africanos no Império. Todavia ambas as leis elevaram a necessidade interna de

mão-de-obra livre e escrava durante o governo regencial. Somem-se a isto as leis de locação

de serviços de 13 de setembro de 1830 e de 11 de outubro de 1837, as quais vieram a

regulamentar as relações de trabalho entre empregadores e empregados.

Além disso, existia a normatização da legislação extra constitucional que através do

Código Criminal do Império de 1830, estabelecia pena de oito a vinte e quatro dias de prisão e

trabalho forçado para os vadios, a saber: art. 295 do CPI - ―Não tomar qualquer pessoa uma

ocupação honesta e útil de que possa subsistir depois de advertida pelo Juiz de Paz, não

tendo renda suficiente‖39

. Já em caso de reincidência criminal, a pena foi aumentada de seis

meses a um ano de trabalhos forçados, além de medidas punitivas40

. Vale ressaltar que a

condenação se tornava possível a partir de uma única advertência sobre ações de vadiagem41

.

38

Neste sentido o art. 1º. daop. citatumLei versava que ―todos os escravos que entrarem no território ou nos

portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres‖. BRASIL. Lei Imperial de 7 de novembro de 1831. Secretaria de

Estado dos Negócios da Justiça,Rio de Janeiro, Livro 1º de Leis, fl. 98, 15/11/1831. Disponível em:

<http://www.2camara.gov.br/legislação/publicaçõesdoimperio/coleção3.html>. Acesso em: 15/10/2012 as

19h46. 39

O Código Criminal de 1830 foi sancionado poucos meses antes da abdicação de D. Pedro I, em 16 de

dezembro de 1830. Vigorou de 1831 até 1891, sendo posteriormente substituído pelo Código Penal dos Estados

Unidos do Brasil (Decretos ns. 847, de 11 de outubro de 1890, e 1.127, de 6 de dezembro de 1890). 40

Nesse sentido o artigo 14 do Código Criminal do Império de 1830 estabelecia que será o crime justificável, e

não terá punição dele: ―[...] § 6º Quando o mal consistir em castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os

senhores a seus escravos, e os mestres a seus discípulos; ou desses castigos resultar, uma vez que a qualidade

dele não seja contrária às leis em vigor‖. 41

Já o Art. 60 do Código Criminal versava que: ―Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a

capital, ou de galés, será condenado na de açoutes, e depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se

obrigará a trazê-lo com um ferro, pelo tempo, e maneira que o juiz designar. O numero de açoutes será fixado

na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta‖ (BRASIL. Código Criminaldo Império.

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1647

Diante do aumento de casos de insurreição que se alastravam não mais apenas no

espaço rural, mas também, no espaço urbano a partir das incidências de descontentamento

regionais42

, se tornava necessário o recrutamento da população para as linhas de frente da

segurança imperial, pois, tanto o Estado quanto os latifundiários estavam insatisfeitos com o

ócio dos homens livres no espaço rural, visto estes não pagavam impostos, restando como

única alternativa recrutá-los no Exército ou na Marinha para assim defenderem os interesses

do Estado na manutenção da ordem social (CHIAVENATO, 1980, p. 197). Todavia antes de

qualquer coisa era necessário capturá-los, como enfatiza Assunção (2006, p. 182) que a:

Guerra do Paraguai, Guerra dos Bem-te-vi, Guerra de Balaio. O povo ganhava os

mato para não ir, a tropa vinha para pegar, passava dois, três, quatro dias, aí

aparecia de novo... De noite, fora de hora, vinham pegar bóia aqui com as mulheres:

‗cuide que a tropa onde andava por aqui‘. Meu avô era um dos que correram muito,

ah! Meu avô pegava muita carreira. Chegou a tropa: ‗Agora tu vai mesmo‘ Ele deu

um pulo no jirau com a granadeira; eles ficaram tudo em cima: Pega! Pega! Aí ele

pulou fora, para dentro do rio e mergulhou, saiu do outro lado do rio e escapuliu. Os

soldado de farda não caíam n‘água e muitos escapuliram pelo rio. (Avelino

Gonçalves, 84 anos quando entrevistado em 1982, povoado Pedreira, Município de

Mata Roma apud. Assunção, 2006, p. 182).

Neste contexto, percebemos que a segurança e o aumento do contingente do Exército e

da Marinha se tornavam pontos importantes que caracterizando assim, um abuso de poder

cada vez mais arbitrário e coercitivo, principalmente no espaço rural43

. Sob esta visão

destacava-se a implantação de políticas contra o aumento dos casos de levantes e insurreições

liberais e republicanas pelo Brasil; a luta pelo acesso e exploração da terra (acentuada pelo

domínio dos mecanismos e meios de acesso a terra, principalmente com a promulgação da

resolução 76 de 17 de julho de 1822 que extinguiu o regime de sesmarias no Brasil, e

posteriormente, pôs termo a instituição da Lei das Terras em 1850, a qual ratificou

formalmente as posses de terras do antigo regime, instituindo a compra legal como única

possibilidade ao acesso e ao domínio da propriedade, extinguindo de vez, as antigas de cartas

Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://www.2camara.gov.br/legislação/publicaçõesdoimperio/coleção3.html>.

Acesso em: 15/10/2012 as 19h46. 42

Neste sentido destacam-se entre outras: Revolução Liberal (1821)/ BA- PA; Independência da Bahia (1821);

Confederação do Equador (1823)/NE; Federação do Guanais (1832)/ BA; Revolução Farroupilha(1835)/ RGS;

Sabinada(1837)/ BA; Revoltas Liberais(1842)/ SP-MG; Revolta dos Lisos (1844)/ AL; Levante dos

Marimbondos (1852)/ PE. 43

Chiavenato citando Caxias demonstra a necessidade da política de segurança neste período de se formar tropas

armadas para se fazer guerra: ―(...) V. Majestade, sobrepondo-se ainda ao direito constitucional, havia aplainado

todas as garantias que este fornecia ao povo brasileiro e havia ORDENADO A APREENSÃO CAPCIOSA E

COERCITIVA DE HOMENS, agarrando por esse meio, a pais de família, a anciões, a toda classe de

trabalhadores e artistas, e até crianças, para encarcera-los e manda-los a nossos exércitos (...).‖(1980, p. 198)

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1648

de doações); a questão do ócio e da não produção direcionada para o mercado nas

comunidades campesinas rurais; focos de resistência negra que ensejaram na formulação de

quilombos entre outros problemas mais.

4. COMPREENDENDO CONCEITOS E PARADIGMAS A PARTIR DOS

ESTUDOS CULTURAIS E PÓS-COLONIAIS

Corbisier (1959, 49) corroborando com a linha de pensamento difundida pelo ISEB, e

impulsionado pelo pensamento crítico de Sartre, refletia não apenas sobre a cultura no Brasil,

como também, buscava compreender e analisar as abordagens advindas do período colonial,

quando retomou ao conceito de cultura impulsionado pelo espírito da época isebiano que

ensejava, a seu ver, em uma tomada de consciência nacional. Consciência esta que foi

lentamente amadurecendo não apenas sócio politicamente, como também juridicamente,

principalmente no que diz respeito aos direitos territoriais específicos para comunidades rurais

negras - comunidades rurais quilombolas e/ ou comunidades de descendentes de escravos – no

âmbito do art. 68 da Constituição Federal da República de 1988, como forma de justiça

restaurativa e ações afirmativas as atrocidades cometidas durante a situação colonial do

escravismo criminoso no Brasil. Conforme ressalta Balandier (1951, p. 05) ao elaborar o

conceito de situação colonial apontou a necessidade de se compreender o colonialismo

enquanto fenômeno social em sua totalidade, que a seu ver, envolveria vários nuances,

restando ao sociólogo o papel de entender os aspectos do domínio colonialista através de suas

manifestações sobre o homem colonizado (ibid., p. 15).

De acordo com Telles (2003, p. 24) ao estudar as teorias nacionais e internacionais

produzidas no século XX sobre as relações raciais, edificadas nos séculos anteriores a

república, e a influência destas nas Ciências Sociais brasileiras, constata a predisposição

teórica para duas abordagens, onde a primeira representada por Gilberto Freyre entende que

as relações raciais no Brasil se deram de maneira harmônica e pouco conflituosas; e a

segunda, de veia crítica e contestadora, tendo a frente Florestan Fernandes, enfatizava que o

contexto da industrialização ensejou no alastramento de relações raciais, e consequentemente,

intensificava o problema da questão racial deveria ser destacado pela ‗nova perspectiva

sociológica‘, para que assim se tornasse possível compreender a ―lógica interna do sistema

racial brasileiro‖ (TELLES, 2003, p. 27). Assim, na opinião do autor existiriam três grandes

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1649

sistemas que uma vez correlacionados entre si, representariam a ‗classificação racial‘ à

brasileira, a saber:

(1) os censos do IBGE que distinguem três categorias, brancos, pardos e pretos,

além de amarelos e indígenas); (2) o discurso popular que utiliza uma nomenclatura

ampla, inclusive o termo bastante ambíguo‗―moreno‖ e (3) o sistema do movimento

negro que distingue apenas duas categorias, reunindo pardos e pretos como

―negros‖. O governo brasileiro parece ter optado por esta última (Telles,2003). Mais

recentemente, a expressão afrodescendente está sendo incorporada a esta

etnosemântica (Kabengelê Munanga, comunicação pessoal). Neste trabalho, usamos

as expressões ―branco, pardo e preto‖, especialmente quando utilizamos dados dos

censos, e a palavra ―negro‖ para o conjunto mais amplo, envolvendo pretos e

pardos. Também utilizamos o vocábulo ―afrodescendente‖ para se referir a todas as

pessoas com ancestrais africanos, independente da cor da pele.

Neste sentido, Ortiz (2006, p. 13) enfatiza que a implausibilidade das teorias

explicativas e interpretações teóricas edificadas em fins do século XIX e inícios do século XX

– de Silvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues - que alcançaram o status de

Ciências, enfatizam a questão de o quanto problemático é tratar da identidade nacional.

É obvio apontar que os conceitos ―Negro e Preto‖ são termos construídos pela

intelligentsia eurocêntrica e mercantilista dos países colonizadores, ou seja, generalizações

valorativas e depreciativas que objetivavam legitimar a escravidão no continente africano, e

posteriormente americano, o que na opinião de alguns críticos, demonstrava a ―incapacidade

crítica de nossos intelectuais‖ (SKIDMORE, 1976, p. 13 apud. ARCANJO, 2008, p. 33) que

se calaram durante décadas, salvo algumas exceções, ao silencio e a invisibilidade dos

problemas relacionados ao escravismo criminoso que se iniciou no espaço rural e urbano

brasileiro.

Dessa feita, tais teorias racistas colocavam o negro em um polo enquanto povo

―bárbaro, primitivo e pagão‖; e no outro surgia o discurso que legitimava o branco como povo

―civilizado, culto e cristão‖. Decerto, é necessário destacar que os conceitos em voga

sofreram modificações ao longo do tempo, acompanhando assim, o desenvolvimento sócio-

político que construiu a trajetória da humanidade. Conforme expõe Cunha Jr (2012, p. 162),

Os conceitos científicos são produzidos para facilitar a interpretação de

problemas enfrentados pela sociedade (...). Os conceitos são inferências dos

valores e credos dos produtores da ciência; (...) Os conceitos têm a

especialidade e temporalidade das culturas em geral e das culturas científicas

em particular. (...) os conceitos científicos são parte das lutas sociais e estão

inseridos em fase da valide de um determinado paradigma científico. A

dinâmica social e os processos de transformações existentes nestas

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1650

substituições de paradigmas científicos impõem a revisão, atualização e

modificação dos conceitos e formas de pensar de um grupo de cientistas.

Com o aumento da produção dos estudos culturais e pós-coloniais internacionais e a

eventual descentralização acadêmica por estudiosos nacionais (principalmente por estudos

empíricos de dissertações de mestrado e teses de doutorado) que se intensificaram

gradativamente nas últimas décadas do século XX, se verifica que novos paradigmas foram

sendo traçados, atores sociais antes anônimos foram assumindo o papel de não mais meros

expectadores ou coadjuvantes, mais autores de suas próprias realidades. Desta forma partiu-se

para a estratégia acadêmica de enfrentamento não apenas nas lutas dos movimentos sociais

negros sobre as e esferas de poder, mas também, na produção e construção do saber, como

referenda Cunha Jr (ibid. p. 162):

As pesquisas no âmbito das relações raciais que eram consideradas universais e

eurocêntricas estão passando por uma esfera de especificidade de base africana, ou

de referências de hibridismos culturais sob a ótica da interculturalidade. (...) De

pesquisadores quase unicamente eurodescendestes para pesquisadores

afrodescendentes em número cada vez maior em termos quantitativos e qualitativos.

Ao analisar a argumentação acima de Cunha Jr., fica evidente que as divergências e

polêmicas interpretativas sobre o período escravista, surgem a partir do momento em que

novos estudos mudaram a forma de olhar o escravismo, buscando não mais reproduzir os

conceitos eurocêntricos, mais compreender os conceitos e paradigmas historicamente

construídos, reformulando assim, os pressupostos ideológicos, as dinâmicas de inferiorização

e seus consagrados estereótipos, as posições políticas e os hibridismos culturais estabelecidos

entre as posturas de escravistas e limitações dos escravos – negros, pretos ou

afrodescendentes - até a abolição oficial em finais do século XIX. Essa posição contra a

reprodução de tais paradigmas ficou expressa no Relatório da II Reunião Nacional das

Comunidades Negras Rurais Quilombolas de 1996:

Ao longo de sua trajetória neste país, a população negra foi vítima de uma elite

racista que buscou ser detentora de sua liberdade e tornou-se proprietária das terras

daqueles que nelas afetivamente moram e trabalham: negros, índios e excluídos em

geral. (...). Neste processo, centenas de povos indígenas e quilombolas foram

dizimados a ferro e fogo. (..), os quilombos existiram em todo país, tendo construído

um marco de resistência da população negra contra a opressão (apud. DUQUE,

2011, p. 4)

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1651

Telles (2003) intensifica o debate quando aborda os hibridismos culturais

estabelecidos e as posturas teóricas vigentes ao afirmar ser, em sua opinião, necessário a

compreensão de como os discursos raciais embasavam o escravismo brasileiro, e por que os

instrumentos de resistência escrava não conseguiram lograr resultados, como por exemplo, o

despertar tardio de uma identidade que caracterizasse o espaço territorial quilombola.

5. RELAÇÕES ENTRE TERRITORIO, TERRITORIALIDADE E IDENTIDADE

NA CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO QUILOMBOLA

A Fundação Palmares criada em 2004 é uma instituição pública – vinculada ao Estado

através do Ministério da Cultura - responsável pela promoção e preservação da cultura afro-

brasileira (valorização das manifestações de matriz africana e implementação de políticas

públicas) com intuito de dar maior visibilidade e estimulo na participação da população negra

no processo de desenvolvimento nacional, preservação do patrimônio material e imaterial

afro-brasileiro44

e certificação das comunidades quilombolas. Dentro desta perspectiva vale

ressaltar que uma de suas funções está em formalizar o processo de certificação das

comunidades negras quilombolas, a saber:

Quilombolas são descendentes de africanos escravizados que mantêm tradições

culturais, de subsistência e religiosas ao longo dos séculos. E uma das funções da

Fundação Cultural Palmares é formalizar a existência destas comunidades,

assessorá-las juridicamente e desenvolver projetos, programas e políticas públicas de

acesso à cidadania. Mais de 1.500 comunidades espalhadas pelo território nacional

são certificadas pela Palmares.45

Ao se buscar uma aproximação sobre o significado do termo Quilombo, verifica-se

que este tem origem no passado escravista, ou seja, nas comunidades de escravos, negros,

pardos, índios que não conformistas ao sistema promoveram dissidências, revoltas,

insurreições, ou seja, era uma forma de resistência cultural e política organizada em uma

persistente luta por liberdade e dignidade que se iniciava pela fuga e se complementava pela

tentativa de reprodução do modo de vida africano. Estes homem e mulheres ao se

organizarem em quilombos demonstravam a não aceitabilidade a mão-de-obra coadjuvante e

44

Nesse sentido ver a apresentação institucional da Fundação Cultural Palamres. Disponível em:

http://www.palmares.gov.br/quem-e-quem/. Acesso: 19/10/2012, às 14h08. 45

Nesse sentido ver http://www.palmares.gov.br/quilombola/.

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1652

amorfa enquanto escravos, retratada pela historiografia oficial brasileira até o século XIX e

inícios do século XX.

Assim, verifica-se que o termo sofreu no século XX algumas transformações, por um

lado, a partir das abordagens de teóricos como Abdias Nascimento (1980, p. 255) - ao

valorizar e difundir ideias sobre o Quilombismo (projeto de organização social e política que

busca a valorização negra na edificação da identidade nacional) -, e por outro lado, em virtude

do trabalho da militância negra e acadêmica, advindas das leituras pós-coloniais, as quais

fizeram com que o termo ganhasse outra conotação, ou seja, uma nova roupagem.

De modo que se produziu assim, um novo conceito, com intuito de melhor

compreender os problemas enfrentados, produzindo-se assim, uma nova dinâmica social do

termo Quilombola - principalmente no século XXI - na sociedade. Para os defensores do

termo quilombola, este não se remete apenas a fuga de negros fugitivos do escravismo

criminoso pelo trabalho forçado ou como formas de convivência comunal alternativa à

sociedade escravocrata, ele indica uma identidade coletiva ou comunal de cunho cultural a

partir do enfoque da territorialidade e da permanência no mesmo espaço geográfico pelo uso

da terra (CUNHA JR, 2012, p. 163):

Assim, então, identidade e territorialidade são dois requisitos fundamentais

construídos para a definição de referência cultural e esta, por sua vez, para os

conceitos ampliados do que vem a ser os patrimônios culturais materiais e

imateriais.

Segundo Santos (2010, p. 34), ao tratar em sua tese de doutorado sobre o Ser

Quilombola em uma Comunidade Quilombola Hoje, deverá o pesquisador antes de tudo

entender como ocorre o processo de aquisição da identidade quilombola, pois, ―o

reconhecimento como comunidade quilombola passa, antes, pelo reconhecimento como

sujeito quilombola‖. Dialogando com esta perspectiva Silva (2011, p. 9) acrescenta que ―num

ambiente de constante negação como o nosso, a criação de uma identidade racial negra

positiva (...) será construída a partir de uma atitude relacional entre a pessoa e a

coletividade‖. Todavia para que o desenvolvimento de uma ‗identidade de pertença‘ ocorra é

necessário que antes se compreenda as causas que originam o processo de negação da

identidade individual que não é uma atitude meramente individual, mas antes de tudo, uma

reação que se apreende nas representações sociais oriundas das inter-relações entre diferentes

grupos sociais. Dentro desta perspectiva Silva (Ibid. p. 9) esclarece que o processo de negação

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1653

da identidade individual, é antes de tudo ―um processo constante de identificação do eu ao

redor do outro e do outro em relação ao eu‖ que se constata, a nosso ver, dentro de um

espaço social (território) definido e delimitado pelo próprio grupo ou comunidade. Schneider

(2009, p. 3) ao analisar a construção e a utilização do termo território pelas Ciências Sociais,

explica que

O conceito de território é ubíquo e amplo. Para os geógrafos trata-se de um dos

conceitos fundadores da disciplina, que se relaciona com outro de complexidade

ainda maior, que é o espaço. (..) Para os biólogos e ecólogos o conceito de território

serve como recurso heurístico para análise do habitat e das formas de uso dos

biomas e ecossistemas pelos animais. Os Antropólogos e etnólogos usam o conceito

de território pra descrever e delimitar o espaço em que transcorrem relações e

interações de determinados grupos sociais em geral demarcados por meio de

símbolos e representações. Já os economistas e planejadores apelaram para o

conceito de território para tentar entender em que medida a localização espacial de

determinado recurso ou atividade produtiva pode influenciar no seu custo e na

formação dos preços relativos dos produtos.

Schneider (ibid., p.3 – 4) também ressalta a importância de compreender o território

enquanto um espaço delimitado a partir das relações sociais e pelo processo de ocupação do

grupo social, que desenvolve consequentemente, estratégias de territorialidade. Conforme

aponta Storey (2001, p. 1), quando afirma que:

In general, territory reverse to a portion of geographical space, which is claimed or

occupied by a person, group of persons or an institution. Territory is thus an area of

bounded space. Territoriality is the process whereby this individuals, groups and

institutions lay claim to a territory46

.

Diante desta pressuposição teórica, levantada por Storey, é válido ressaltar que não se

intenta aqui caracterizar a materialidade do termo território a partir de sua etimologia, más a

observação a outro ponto que deve ser considerado, a saber, as ações realizadas pelos grupos

ou atores sociais que se organizaram e se estruturaram em um determinado território. Já Sack

(1986, apud. ARRUZO, 2012, p. 3) esclarece que ―A territorialidade é, para nós, as ações

desenvolvidas na tentativa de se formar um território e mantê-lo, ou seja, de exercer controle

sobre uma área para controlar pessoas e/ou recursos‖. No que concerne ao tema em questão,

verifica-se que o entendimento sobre a territorialidade, território e identidade é de

46

Tradução do autor - Em geral, o território reverte a uma porção do espaço geográfico, o que é reivindicado ou

ocupado por uma pessoa, grupo de pessoas ou uma instituição. Território é, assim, uma área de espaço limitado.

Territorialidade é o processo pelo qual esta indivíduos, grupos e instituições reivindicam o território ocupado.

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1654

fundamental importância, a partir do momento em que o Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome (MDS) - que preside desde 2007 a Comissão Nacional de

Desenvolvimento sustentável das Comunidades Tradicionais – quando instituiu por meio do

Decreto 6.040/2007 a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais (PCTs), definindo as Comunidades Rurais Negras de Quilombolas

– povos indígenas, as comunidades de terreiro, os extrativistas, os ribeirinhos, os caboclos, os

pescadores artesanais, os pomeranos entre outros – como Comunidades Tradicionais,

enfatizando que as Comunidades Quilombolas são:

Grupos étnicos, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória própria, dotados

de relações territoriais específicas e com ancestralidade negra relacionada com a

resistência à opressão histórica sofrida, conforme Decreto 4.887/2003. Essas

comunidades possuem direito de propriedade de suas terras consagrado desde a

constituição Federal de 1988 (Programa Brasil Quilombola)47

.

Este contexto indica a trajetória própria de auto-atribuição dotado de relações

territoriais específicas que se deram na conjuntura sócio-política iniciada pelo isolamento e

pela resistência enquanto estratégias de proteção e subsistência que marcaram a formação

social heterogênea por parte das explorações familiares agrícolas de camponeses advindos dos

diferentes grupos étnicos que caracterizam as Comunidades Tradicionais de Povos Rurais por

todo o país. Neste sentido, Lamarche (1993, p. 17 - 19) ao tratar da formação social das

explorações familiares ressalta que diferentes estratégias agrícolas de subsistência foram

desenvolvidas, não direcionadas apenas a reprodução enquanto unidade de produção para o

ganho, mas também, enquanto unidade de reprodução e de sobrevivência famíliar.

Como característica estas comunidades procuravam os locais longínquos em regiões

acidentadas, montanhosas, pantanosas e/ou áridas que dificultavam o acesso dos agressores

escravagistas, onde os atores escravizados desenvolviam uma economia familiar de

subsistência, como se verifica ainda hoje em algumas comunidades negras, como por exemplo

47

Nesse sentido ver o Programa Brasil Quilombola da Presidência da República - Secretaria Especial de

Políticas de Promoção da Igualdade Racial - Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais ―O

Programa Brasil Quilombola (SEPPIR) reúne um conjunto de ações governamentais para melhorar a qualidade

de vida e garantir o acesso das populações quilombolas aos serviços públicos essenciais. Suas prioridades são:

regularização fundiária, desenvolvimento econômico local, geração de renda, saúde, educação e estímulo à

participação e ao controle social das políticas públicas pelos quilombolas‖. Disponível em:

http://portalraizes.org/index.php?option=com_content&view=article&id=60:programa-brasil-

quilombola&catid=6:quilombos&Itemid=5. Acesso: 13/10/2012 às 21h.

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1655

na Comunidade Quilombola no Vale do Ribeira, a existência uma agricultura voltada também

ao mercado de alimentos, a saber: arroz, chá, banana (SANTOS/ TATTO, 2008, p. 08).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi pelo presente trabalho exposto, ficou explícito o caráter descritivo-

dialético que direcionou o nosso estudo. A partir do momento que realizamos uma

reconstrução histórica, que procurou abordar por um lado o tema da escravidão negra, e de

forma crítica, por outro lado, auxiliou na compreensão de que a resistência negra rural existiu,

como também, as formas de agricultura familiar de sobrevivência, que caracterizam a nosso

ver, o campesinato, durante o período de escravidão no Brasil. Procuramos analisar a

evolução dos movimentos campesinos no Brasil, a partir do momento em que o foco principal

foi direcionado aos movimentos de resistência negra rural no Nordeste brasileiro. Revendo as

concepções sobre os conceitos de resistência - de Scott e Cunha Jr. – se percebe que

alternativas tais como fuga, esconderijo foram utilizadas como forma de resistir a opressão do

regime escravista criminoso. Regime este que se fundamentava em leis e decretos que pouco a

pouco, num processo lento e gradual, foram sendo questionados e revogados ensejando na

abolição total da escravidão em 1888.

Os Estudos Pós-Coloniais serviram para a reconstrução de conceitos e paradigmas, e

permitiu que constatássemos como as teorias e abordagens raciais se proliferaram (em meados

do século XIX a inícios do século XX) nas Ciências Sociais. Assim, se tornou possível

entender como o ambiente acadêmico brasileiro negligenciou a figura do negro, as

comunidades rurais tradicionais negras e as comunidades quilombolas, fato este que só veio a

obter maior visibilidade nas últimas décadas do século XX. Os conceitos de território,

territorialidade e identidade serviram para compreensão das relações desenvolvidas sobre a

formação social heterogênea das explorações familiares agrícolas camponesas, a partir da

importância dada pelo entendimento sobre a preservação do patrimônio material e imaterial

afro-brasileiro e certificação das comunidades rurais negras de quilombolas pelo Ministério

do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Fundação Palmares.

Finalmente, gostaria de finalizar acrescentando que muito há o que ser analisado,

muito há o que ser compreendido, pois, este artigo não ambicionava responder a todos os

questionamentos que tínhamos antes de escrevê-lo, todavia não logramos no êxito, quando

verificamos que esta tarefa deveria ser especificamente aprofundada. Sob esta incerteza ficou

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1656

a dúvida, a qual poderá ser respondida em um trabalho de campo, observatórios,

participativos ou por histórias orais de vida, que não era o objetivo do presente artigo, que

consistia apenas em promover uma revisão bibliográfica em torno da condição camponesa de

comunidades rurais negras durante o período da escravidão.

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1661

DINÂMICA AGRÍCOLA DAS NOVAS ÁREAS PRODUTIVAS DO NORDESTE

INSERIDAS NO CIRCUITO NACIONAL DO AGRONEGÓCIO – ALGUMAS

BREVES CONSIDERAÇÕES

Isabela da Silva Valois48

RESUMO: No contexto da divisão territorial do trabalho agrícola no Brasil, verifica-se que as

mudanças recentemente observadas no setor deram-se de forma bastante pulverizada, beneficiando

áreas que passaram a constituir verdadeiros pontos isolados de desenvolvimento, em detrimento até

mesmo de seus espaços circunvizinhos. Nesta nova dinâmica de rápida renovação das forças

produtivas e do ―investimento agrícola em áreas e culturas selecionadas‖, o Nordeste vem se

destacando por apresentar novos arranjos territoriais produtivos agrícolas, em que se vê a dominação

das áreas úmidas e cerrados do Nordeste por empresas multinacionais que passam a comandar o eixo

de produção moderna da agricultura; incluindo no circuito agribusiness e acrescentando às áreas

selecionadas já existentes, as manchas verdes e irrigadas, pertencentes aos ―eixos nacionais de

integração e desenvolvimento‖ com um viés para o desenvolvimento local. Com base nos dados do

Balanço Social 1998-2001 de Pólos de Desenvolvimento Integrado do Banco do Nordeste, no trabalho

de Elias (2006); utilizando a análise SWORT que constitui uma ferramenta de diagnóstico estratégico

em que se contempla os pontos fortes (Stringths), pontos fracos (Weaknesses), as oportunidades

(Opportunities) e as ameaças (Threats) das organizações ou sistemas produtivos, sejam eles

agroindustriais ou não, considerando os aspectos internos e externos ao ambiente de análise, foi

possível verificar que a modernização da agricultura permitiu que o Nordeste voltasse ao circuito

produtivo agrícola nacional e internacional, espalhando benesses nas áreas contempladas por

investimentos pontuais, mas espalhando também desigualdades que tornam o Nordeste uma região

díspar agora em nível intrarregional.

Palavras chave: Agronegócio, Nordeste, SWORT.

1. INTRODUÇÃO

O principal objetivo deste trabalho é realizar um rápido retrospecto da trajetória agrícola

produtiva da Região Nordeste do Brasil, desde seu apogeu como área produtiva no período

açucareiro até seu declínio e ressurgimento estratégico nos circuitos de agronegócio nacional

e internacional através da formação de novos espaços agrícolas resultantes da dispersão

espacial da agricultura científica, bem como verificar a situação estratégica em que os

sistemas agroindustriais comportados tais áreas estão inseridos através de uma macroanálise a

partir da ferramenta SWORT.

48

Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88) 3521-1397 e e-mail:

[email protected]

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1662

2. ÁREAS E CULTURAS SELECIONADAS DO NORDESTE E SUA GÊNESE

Apesar da Região Nordeste do Brasil ter constituído importante expoente produtivo

nos tempos áureos do ciclo canavieiro, quando os primeiros pilares da formação econômica

do Brasil eram fundamentados; o surgimento da intensa concorrência para os produtos

tropicais, refletindo na depressão dos preços de exportação, associada ao elevado grau de

especificidade do investimento desta cultura, induzida por sua alta rentabilidade; iniciaram

um lento processo de decadência do setor a partir de meados do século XVII, até o início do

século XIX, em que se assistiu o atrofiamento e mesmo a involução tanto nas formas de

divisão do trabalho e especialização, quanto nas técnicas artesanais de produção; que,

segundo Furtado (2007), fizeram a economia nordestina retroceder ao nível de subsistência.

Neste interstício, outras formas de exploração econômica despontaram no país,

iniciando novos ciclos produtivos (não necessariamente agrícolas), tais como o ciclo extrativo

de minérios em Minas Gerais; um novo ciclo de prosperidade do açúcar, em função do

colapso da grande colônia açucareira francesa que era o Haiti em 1789, – o que trouxe

novamente o Nordeste ao cenário da produção agrária, mas esta, além de ter constituído uma

fase efêmera, não permitiu que a região retomasse a força econômica experimentada na época

do pioneirismo da cultura de cana-de-açúcar; o ciclo do algodão no século XIX sob a

orientação da demanda européia durante a Revolução Industrial, enquanto a guerra civil

interrompia o fluxo produtivo norte americano; e finalmente o ciclo do café que, na aurora do

século XX, em vista da Crise do Complexo Rural, desencadeada desde a transição do trabalho

escravo para o trabalho livre, logo após a proibição do trafico negreiro, acelera a

proletarização da mão-de-obra no campo, e a consolidação dos mercados internos; enquanto a

formação do Complexo Agroindustrial Cafeeiro, simultâneo ao Processo de Substituição de

Importação – PSI alavanca a industrialização do país, direcionando de vez os esforços

produtivos para a Região Sudeste, de modo que a Região Nordeste como área agrícola

produtora, ficou relegada ao esquecimento.

No período pós Segunda Guerra a partir de 1950, quando no cenário internacional o

Estado reforça sua atuação no desenvolvimento das economias nacionais através de subsídios

creditícios, ficais e de infra-estrutura, em consonância tanto com o compromisso fordista de

produção de alimentos barato, quanto com a política norte americana do New Deal – a qual

apregoava ―um carro em cada garagem e uma galinha em todas as panelas‖ – é iniciado um

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1663

processo de reestruturação produtiva da agropecuária denominado ―Revolução Verde‖

(ALBANO, 2005). Engendrado nos países desenvolvidos como os EUA, esse processo é

deflagrado para as demais nações, e como resultado, se verifica a racionalização e

massificação da industrialização na agricultura, sob a coordenação de empresas

multinacionais, produtoras principalmente de tratores e insumos para a agricultura. Essa nova

dimensão econômica produtiva redesenhou as bases tanto técnicas quanto econômicas e

sociais do setor agrícola brasileiro, afetando simultaneamente os espaços agrícolas – dado as

mudanças tecnológicas promovidas e implementadas com um viés poupador de mão-de-obra

– e os espaços urbanos – como reflexo da adoção de tais tecnologias, implicando em fluxos

populacionais no sentido campo-cidade, marginalização do trabalhador rural tradicional

pouco apto às demandas urbanas, e crescimento da pobreza.

Rezende (2005) destaca ainda que a exagerada mecanização da agricultura brasileira

observada a partir desse período, antes de ser resultado da absorção dos padrões

internacionais produtivos em pleno movimento de transformação, teve como principais

determinantes a política trabalhista nacional que, somada à política de crédito subsidiado,

promoveu uma distorção do custo privado da contratação da mão-de-obra vis-à-vis seu custo

social, na medida em que o custo privado do capital tornou-se inferior ao seu custo social.

Além disso, a política fundiária brasileira, cujo marco se observa com a elaboração do

Estatuto da Terra de 1964, contrariando seu próprio objetivo, termina por impossibilitar

parcerias, suprimindo também o mercado de aluguel de terras, tendo com maiores

consequências a limitação das possibilidades de crescimento da pequena agricultura no Brasil,

culminando com a expulsão dos trabalhadores tradicionais do campo e consequente inchaço

dos centros urbanos, incapazes de oferecer infraestrutura suficiente para absorver o crescente

fluxo de massas populacionais.

Assim, de acordo com Carvalho (2001), em meados desse mesmo período (anos 1950),

quando pressões e movimentos sociais eclodiam com força na Região Nordeste, o Governo

Federal criou o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN (1956), que

posteriormente resultou na criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –

SUDENE (1959), com o intuito de identificar os problemas da região, bem como buscar

oportunidades e mecanismos eficazes de superação que culminassem com o desenvolvimento

econômico e social da Região, em consonância com o viés cepalino de desenvolvimento

regional, que segundo Diniz Filho e Bessa (2006), tinha o enfoque centrado no binômio

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1664

intervenção estatal e indústria sem comprometer a autonomia dos estados nordestinos no

processo de integração nacional. Nesse sentido:

O GTDN continha uma abordagem histórica e foi um marco no enfrentamento do

problema regional no Brasil, ao mostrar, pela primeira vez, que os recursos naturais

não eram os únicos fatores sobre os quais as ações governamentais deveriam agir.

As suas propostas visaram, sobretudo, a reestruturação econômica e social da região

(CARVALHO, 2008, p. 28).

Entretanto, a intervenção sofrida pela SUDENE no pós Golpe Militar de 1964, retirou

sua autonomia e legitimidade redirecionando suas diretrizes, e transferiu recursos para outras

atividades econômicas do país, promovendo um verdadeiro esvaziamento da força

coordenadora da agência de desenvolvimento do Nordeste (CARVALHO, 2008). Deste

modo, as estratégias de desenvolvimento regional brasileiro, a partir dos anos 1970, tornaram-

se atreladas aos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) que tinham como forças

basilares o Plano de Integração Nacional (PIN) e o Programa de Redistribuição de Terras e de

Estímulo à Agropecuária do Norte-Nordeste (PROTERRA), tendo este último, o objetivo de

promover o deslocamento das populações excedentes principalmente nordestinas para novas

fronteiras agrícolas do Norte e Centro-Oeste; e passaram a representar uma transformação na

concepção do papel da agricultura no desenvolvimento do país em que, o problema agrário

referente à estrutura fundiária e a emergência da reforma agrária, como elementos táticos de

políticas de desenvolvimento são substituídos por uma estratégia de pólos de

desenvolvimento, com base no ideário de Perroux, em que se deixa de existir economias

regionais para surgirem economias nacionais regionalmente localizadas (VIEIRA, 2003).

Para François Perroux (1977) apud Carvalho (2008):

A economia capitalista tenderia a produzir pólos que constituiriam a partir da

localização de indústrias num determinado espaço econômico, as quais

desempenhariam uma força centrípeta na atração de novos investimentos. Esses

pólos estabeleceriam relações com outros espaços polarizados através da

estruturação de sistemas de transportes e comunicações, estruturando eixos de

desenvolvimento. Procurava-se, com os investimentos nas áreas delimitadas,

produzir efeitos irradiadores na economia regional.

Para Valois (2007), após o encerramento do auge do ―Milagre Econômico‖ (1967-

1973), em que o arrefecimento da atividade econômica refletia os choques no cenário

internacional (I Choque do Petróleo), a economia brasileira inaugurou o II Plano Nacional de

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1665

Desenvolvimento em 1974, com prioridade para os setores atrofiados, tais como bens de

capitais, energéticos e insumos básicos, e a realização de ―obras faraônicas‖ como a

construção de Angra I e II, as hidrelétricas de Itaipu, Sobradinho, e a rodovia

Transamazônica. Mas Carvalho (2001) verifica que apesar de objetivar a complementaridade

da matriz industrial com o intuito de reduzir a dependência externa, o II PND procurou

também integrar o Nordeste à base produtiva nacional, aproveitando os tipos de produtos

específicos que a região pudesse oferecer. Nesse sentido, o Plano trazia novos elementos à

estratégia de intervenção do Nordeste em que:

(...) na perspectiva agrícola, foram criados os Programas Especiais, voltados para o

desenvolvimento rural integrado de áreas selecionas, cujo objetivo maior era a

transformação da agropecuária nordestina nos moldes de uma modernização

conservadora; e, na perspectiva industrial, seria estimulada a instalação de

Complexos Industriais na região, cuja idéia ganhara força no Brasil na segunda

metade dos anos 60 (CARVALHO, 2008, p. 31).

Assim, as áreas periféricas do Nordeste contempladas por esses Programas Especiais,

receberam recursos do PROTERRA através do Programa Especial de Apoio ao

Desenvolvimento da Região Semiárida do Nordeste (Programa Sertanejo) e do Programa de

Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE), sendo este último, a gênese da dinâmica

de investimentos agrícolas em áreas consideradas estratégicas, inaugurado pelo Complexo

Agroindustrial do Médio São Francisco (Petrolina/Juazeiro) e o Pólo de Fruticultura Irrigada

do Vale do Açu (Rio Grande do Norte), os quais, contrariando as concepções do GTDN,

privilegiaram as grandes empresas beneficiadas por incentivos fiscais que culminaram na

criação do Sistema de Fundo Industrial do Nordeste – FINOR, permitindo, segundo Vieira

(2003) que se lograsse expressivos níveis de produtividade e de tecnologia, sem, no entanto,

apresentar os efeitos propagadores esperados para o restante da economia regional, assistindo-

se mais uma vez a reprodução econômica nos mesmos moldes já estruturados no Sudeste,

aprofundando desigualdades já existentes no Nordeste e recriando novas desigualdades em

que se constata o agravo da concentração de renda e forte exclusão social.

Esse movimento econômico produtivo direcionado aos grandes, mesmo quando

pensado para os pequenos, corrobora com o pensamento de Wanderley (1995) apud Balsan

(2006, p. 126), e nisso se percebe uma força secular e gestacional que impele a formação

produtiva de modo excludente:

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1666

No Brasil, a história agrícola está ligada à história do processo de colonização no

qual a dominação social, a política e a economia da grande propriedade foram

privilegiadas. Assim, a grande propriedade impôs-se como modelo socialmente

reconhecido e recebeu estímulos expressos na política agrícola que procurou

modernizar e assegurar sua reprodução, podendo-se concluir que a agricultura

familiar sempre ocupou um lugar secundário e subalterno na sociedade brasileira.

E, no que concerne a região nordeste, a reinvenção dos espaços agrícolas não se excetua da

contexto concentrador de recursos e de resultados, restringindo o crescimento a áreas de certa

forma, considerada restritas, seja pela pontualidade ou especificidade do investimento, seja

por imposição de condições geomorfológicas e climáticas.

3. DINÂMICA DA (RE)PRODUÇÃO NOS NOVOS ESPAÇOS AGRÍCOLAS DO

NORDESTE

No contexto da divisão territorial do trabalho agrícola no Brasil como resultados das

recentes mudanças observadas no setor, verifica-se o quão se deram de forma pulverizada

estas transformações, beneficiando áreas que passaram a constituir verdadeiros pontos

isolados de desenvolvimento, em detrimento até mesmo de seus espaços circunvizinhos.

Nesta nova dinâmica de rápida renovação das forças produtivas e do ―investimento agrícola

em áreas e culturas selecionadas‖, o Nordeste vem se destacando por apresentar novos

arranjos territoriais produtivos agrícolas alinhados com o que Elias (2005) chamou de

―circuito superior do agronegócio brasileiro‖, comandado por empresas agrícolas e

agroindustriais tanto nacionais quanto multinacionais.

Essas novas áreas de (re)produção agrícola modernizadas no Nordeste, em que,

segundo Santos (1994; 1996), se identifica a substituição do meio natural e mesmo do meio

técnico pelo meio técnico-científico-informacional fundamentada na globalização da

produção e do consumo; se observa uma dinâmica continuamente atrelada à dinâmica do

mercado externo, dado o viés exportador produtivo adotado. Nisto se verifica o caráter

excludente da difusão da agricultura científica e do próprio agronegócio em que as

disparidades sócio econômicas territoriais já existentes, se acentuam, ganhando novos

contornos que remarcam os antigos, deixando sobressalentes antigas questões acerca da

estrutura fundiária concentradora, oriunda do próprio modelo histórico de formação

econômico agroexportador do Brasil; e fazendo surgir novas indagações acerca da

proletarização das relações trabalhistas do campo e da dinâmica do mercado de terras. Deste

modo, de acordo com Elias (2006; p. 28):

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1667

(...) a reestruturação da agropecuária brasileira, isto é, a intensificação do

capitalismo no campo, com todas as possibilidades advindas da revolução

tecnologia, processou-se de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva.

Diante disto, manteve intocáveis algumas estruturas sociais, territoriais e políticas

incompatíveis com os fundamentos do verdadeiro significado do conceito de

desenvolvimento. Isto significa que privilegiou determinados segmentos sociais,

econômicos e os espaços mais rapidamente suscetíveis de uma reestruturação

sustentada pelas inovações científico-técnicas e pela globalização da produção e do

consumo.

As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, constituíram as primeiras Regiões

Concentradas, ou seja, espaços agrícolas atingidos de forma sustentada pelo aparato

tecnológico-científico-informacional nas últimas quatro décadas. A composição destes

arranjos territoriais produtivos, dominados por empresas nacionais e multinacionais,

hegemônicas da agropecuária mundial, fizeram destas áreas um modelo de crescimento

concentrado que atualmente se observa na Região Nordeste, nos territórios produtivos que

Santos (1986b; 1993; 1996) chamou de ―pontos luminosos‖. Tais áreas, inicialmente

polarizadas no ramo da fruticultura tropical pelos municípios de Petrolina (PE) e Limoeiro do

Norte (CE); e no ramo da soja por Balsas (MA), Uruçuí(PI), Barreiras (BA) e Luís Eduardo

Magalhães (BA)

Ainda nos anos 1980, a difusão da agricultura científica se tornou presente no

submédio do rio São Francisco trecho polarizado pelos municípios de Petrolina (PE) e

Juazeiro (BA) na cultura de frutas voltadas especialmente para a exportação. Os municípios

polarizados Barreiras na Bahia também se destacam pelo pioneirismo da produção intensiva

de soja neste mesmo período; assim com a fruticultura no baixo curso do rio Açu em Rio

Grande do Norte, o baixo curso do rio Jaguaribe no Ceará (ELIAS, 2005b).

Com o advento da globalização em que se assiste a abertura comercial e financeira do

país, a maciça entrada de investimentos estrangeiros no Brasil e a orientação neoliberal da

política explicam a arquitetura do processo de reestruturação da produção em todo território

nacional, em que se vê a dominação das áreas úmidas e cerrados do Nordeste por empresas

multinacionais que passam a comandar o eixo de produção moderna da agricultura; incluindo

no circuito agribusiness e às áreas selecionadas já existentes, as manchas verdes e irrigadas,

pertencentes aos ―eixos nacionais de integração e desenvolvimento‖ com um viés para o

desenvolvimento local, segundo as prioridades do governo FHC e em consonância com os seu

programas Brasil em Ação (2006) e Avança Brasil. Estas novas áreas selecionadas de acordo

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1668

com suas características estratégicas em termos climáticos, topográficos, logísticos, infra-

estrutura potencial e mão-de-obra, a partir de 1998 passaram a contar com a coordenação do

Banco do Nordeste na articulação da iniciativa privada, pública e local, e dentro do conceito

de ―Empreendimento Integrado‖ passaram a ser chamadas de Pólos de Desenvolvimento

Integrado.

Esses novos arranjos territoriais produtivos, gestacionados ainda no arcabouço das

idéias de Perroux, sem, no entanto se fazer menção à ele, contam onze áreas ou pólos de

desenvolvimento integrado dentro do Nordeste, a saber: Sul do Maranhão49

, Uruçuí-

Gurgéia50

, Baixo Jaguaribe51

, Cariri Cearense52

, Açú-Mossoró53

, Alto Piranhas54

, Petrolina55

,

Bacia leiteira de Alagoas56

, Sul de Sergipe57

, Juazeiro58

(BA), e Oeste Baiano59

.

Com base nos dados do Balanço Social 1998-2001 de Pólos de Desenvolvimento

Integrado do Banco do Nordeste, no trabalho de Elias (2006); utilizando a análise SWORT

que constitui uma ferramenta de diagnóstico estratégico em que se contempla os pontos

fortes (Stringths), pontos fracos (Weaknesses), as oportunidades (Opportunities) e as ameaças

(Threats) das organizações ou sistemas produtivos, sejam eles agroindustriais ou não,

considerando os aspectos internos e externos ao ambiente de análise, é possível analisar o

49

Pólo Sul do Maranhão integra os municípios de Alto Parnaíba, Balsas, Tasso Fragoso, Riachão, Feira Nova do

Maranhão, Nova Colinas, Fortaleza dos Nogueiras, São Raimundo das Mangabeiras, Sambaíba, e Loreto. 50

Pólo de Uruçuí-Gurguéia integra os municípios piauienses de Antônio Almeida, Sebastião Leal, Bertolínea,

Uruçuí, Ribeiro Gonçalves, Eliseu Martins, Colônia do Gurgéia, Palmeira do Piauí, Baixa Grande do Ribeiro,

Santa Filomena, Currais, Cristino Casto, Santa Luz, Bom Jesus, Monte Alegre do Piauí, Redenção do Gurgéia,

Gilbués, Barreias do Piauí, São Gonçalo do Gurgéia, Corrente, e Cristalândia do Piauí. 51

Pólo do Baixo Jaguaribe integra os municípios cearenses de Icapúí, Aracati, Itaiçaba, Jaguaruana, Quixeré,

Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte, São João do Jaguaribe, Palhano, Russas, e Morada Nova. 52

Pólo Cariri Cearense integra os municípios de Mauriti, Milagres, Abaiara, Brejo Santo, Porteiras, Jardim,

Barbalha, Missão Velha, Juazeiro do Norte, Crato, e Santana do Cariri. 53

Pólo Açu-Mossoró integra os municípios rio grandenses de Itajá, Ipanguaçu, Afonso Bezerra, Alto do

Rodrigues, Pendências, Carnaubais, Serra do Mel, Açu, Upanema, Mossoró, e Baraúna. 54

Pólo Alto Piranhas integra os municípios paraibanos de Condado, São Bentinho, Cajazeirinhas, Pombal, São

Domingos de Pombal, Aparecida, São Francisco, Sousa, Marizópolis, São João do Rio do Peixe, Cajazeiras, e

Vieirópolis. 55

Pólo de Petrolina integra os municípios pernambucanos de Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria da Boa

Vista, e Orocó. 56

Pólo Bacia Leiteira de Alagoas integra os municípios de São José da Tapera, Monteirópolis, Jacaré dos

Homens, Olho D‘água das Flores, Santana do Ipanema, Olivença, Dois Riachos, Cacimbinhas, Minador do

Negrão, Estrela de Alagoas, Belo Monte, Igaci, Major Isidoro, Jaramataia, Batalha, Palmeira dos Índios, e Pão

de Açúcar. 57

Pólo Sul de Sergipe integra os municípios sergipanos de Lagarto, Itaporanga d‘Ajuda, Salgado, Boquim,

Riachão do Dantas, Pedrinhas, Arauá, Estância, Santa Luzia do Itanhi, Indiaroba, Umbaúba, Itabaianinha, Tomar

do Geru, Cristianápolis; e os municípios baianos de Jandaíra, Rio Real, e Itapicuru. 58

Pólo de Juazeiro integra os municípios baianos de Juazeiro, Casanova, Sobradinho, e Curaçá. 59

Pólo Oeste Baiano integra os municípios de Riachão das Neves, Barreiras, Luís Eduardo Magalhães,

São Desidério, Santa Maria da Vitória, e Correntina.

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1669

conjunto de cadeias produtivas inseridas nas novas regiões agrícolas dinamizadas do

Nordeste, embora em uma visão apenas macro que mereça ainda ser minunciosamente

detalhada tanto por região quanto por cadeias inseridas em cada uma delas, uma vez que,

segundo Williamson (1996), ―...a ação analítica reside nos detalhes.‖

O quadro que segue resume os resultados da metodologia adotada:

Tipo de

Análise

Pólos

Principais

Cadeias

produtivas

Pontos Fortes

(Strenghts)

Pontos Fracos

(Wekenesses)

Oportunidades

(Opportunities)

Ameaças

(Threats)

Análise

Extern

a

Açú

Mossoró

-

fruticultura

irrigada - Distribuição

externa

garantida por

empresas

multinacionais

atuantes;

- Introdução de

pacote

tecnológico que

exige

importação de

mão-de-obra

especializada.

- Crescente

demanda

externa por

frutas tropicais;

- Variação de

preços

externos;

- Possibilidade

de alteração

em barreiras

sanitárias que

afetam a

introdução do

produto no

mercado

externo;

Alto

Piranhas

- produção

de coco. ( * )

-

Impraticabilidad

e da exportação

da água de coco

in natura.

- Crescente

demanda

externa de coco

desidratado.

- Concorrência

internacional

das Filipinas e

embargos da

OMC.

Bacia

Leiteira

de

Alagoas

- produção

de leite in

natura ( * )

60 ( * ) ( * ) ( * )

Baixo

Jaguaribe

-

fruticultura

;

- produção

de grãos

(arroz,

feijão,

milho etc.)

- Distribuição

externa

garantida por

empresas

multinacionais

atuantes na

fruticultura;

- Preferência por

mão-de-obra

especializada

importada.

- Crescente

demanda

externa por

frutas tropicais;

- Variação de

preços

externos;

- Possibilidade

de alteração

em barreiras

sanitárias que

afetam a

introdução do

produto no

mercado

externo;

Cariri

Cearense

-

fruticultura

( * )

( * )

( * )

( * )

60

( * ) os dados obtidos por meio do Balanço Social 1998-2001 de Polos de Desenvolvimento Integrado do

Banco co Nordeste são insuficiente para realizar análise externa neste aspecto, ou o pólo ainda não possui

inserção internacional de seus produtos.

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1670

irrigada.

Juazeiro

(BA)

-

fruticultura

irrigada. - Distribuição

externa

garantida;

- Centralização

dos canais de

distribuição

externa por

grandes

multinacionais;

- Crescente

demanda

externa por

frutas tropicais;

- Variação de

preços

externos;

Oeste

Baiano

- produção

de grãos de

sequeiro,

com

destaque

para a soja.

- Distribuição

externa

garantida;

- Oligopolização

da produção de

grãos de

sequeiro;

- Demanda

externa

consolidada;

- Variação de

preços

externos;

Petrolina

-

fruticultura

irrigada. - Distribuição

externa

garantida;

- Centralização

dos canais de

distribuição

externa por

grandes

multinacionais;

- Crescente

demanda

externa por

frutas tropicais;

- Crescente

oferta da

manga ameaça

o preço de

venda externa;

Sul de

Sergipe

- citrus de

sequeiro;

( * )

( * )

( * )

- dumping;

Sul do

Maranhã

o

- produção

de grãos de

sequeiro,

com

destaque

para a soja.

- Distribuição

externa

garantida;

- Oligopolização

da produção de

grãos de

sequeiro;

- Demanda

externa

consolidada;

- Variação de

preços

externos;

Uruçuí-

Gurguéia

- produção

de grãos de

sequeiro,

com

destaque

para a soja.

- Distribuição

externa

garantida;

- Oligopolização

da produção de

grãos de

sequeiro;

- Demanda

externa

consolidada;

- Variação de

preços

externos;

Tipo de

Análise

Pólos

Principais

Cadeias

produtivas

Pontos Fortes

(Strenghts)

Pontos Fracos

(Wekenesses)

Oportunidades

(Opportunities)

Ameaças

(Threats)

Açú

Mossoró

-

fruticultura

irrigada

- Aumento do

nível de

emprego

formal

agrícola;

- Concentração

de mercado para

multinacionais;

- Concentração

fundiária;

- Pouca

interação local;

-

Descumpriment

o parcial da

legislação

ambiental e

(**)61i

(**)

61

(**) os dados obtidos por meio do Balanço Social 1998-2001 de Polos de Desenvolvimento Integrado do

Banco co Nordeste são insuficientes para análise interna neste aspecto.

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1671

Análise

Interna

trabalhista;

- Quase total

verticalização da

produção;

- Desprezo ao

mercado interno;

Alto

Piranhas

- produção

de coco.

- Demanda

interna

consolidada

(**)

- inserção da

água de coco

envasada.

- concorrência

interna da

produção de

coco no

Espírito Santo.

Bacia

Leiteira

de

Alagoas

- produção

de leite in

natura

- cultivo local

da palma

forrageira

utilizado como

alimento

completivo da

dieta bovina.

-ascendência

genética

bovina

holandesa de

alta linhagem.

- ausência de

planta de

indústria

processadora de

laticínios com

marca regional

forte.

- canais de

distribuição de

leite in natura

resfriado para

indústria de

laticínios com

marca nacional

consolidada.

(**)

Baixo

Jaguaribe

-

fruticultura

;

- produção

de grãos

(arroz,

feijão,

milho etc.)

- Aumento do

nível de

emprego

formal

agrícola;

- Concentração

de mercado para

multinacionais;

- Concentração

fundiária;

- Pouca

interação local;

-

Descumpriment

o parcial da

legislação

ambiental e

trabalhista;

- Quase total

verticalização da

produção;

- Desprezo ao

mercado interno;

- Construção de

perímetros

irrigados em

fase de

processamento;

- Desprezo ao

mercado

interno;

Cariri

-

fruticultura

- Aumento do

nível de

emprego

(**)

- canais de

abastecimento

para grandes

(**)

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1672

Cearense irrigada. formal

agrícola;

redes de

supermercado

que começam a

se instalar na

região.

Juazeiro

(BA)

-

fruticultura

irrigada.

- Aumento do

nível de

emprego

formal

agrícola;

-

produtividade

precoce das

culturas;

- alta

produtividade.

(**)

- eqüidistância

das principais

capitais do

Nordeste,

receptoras de

tais produtos.

- Controle de

qualidade

acerca do uso

de agrotóxicos;

Oeste

Baiano

- produção

de grãos de

sequeiro,

com

destaque

para a soja.

- Apreço ao

mercado

interno de

grãos de

sequeiro e

óleos vegetais;

- Perda de

autonomia dos

médios e

grandes

produtores

nacionais em

relação ao preço

de mercado;

- Mercado

interno;

- Compra e

moagem de

grãos garantida

por

multinacionais

dominantes do

setor neste elo

produtivo;

- Garantia de

matéria-prima

para a produção

por parte das

multinacionais

instaladas;

- Fornecimento

de crédito pela

agroindústria

processadora

multinacional;

- Geração de

verticalidades e

horizontalidades

;

-

Impossibilidad

e de

participação de

pequenos

produtores

devido ao

elevado nível

de capital

inicial

necessário;

Petrolina

-

fruticultura

irrigada.

- Constituição

de perímetros

irrigados

públicos;

- Mercado

interno é

considerado;

-Relações de

parceria que

constituem

subordinação do

pequeno e médio

produtor ao

grande capital;

- Mercado

interno;

- Controle de

qualidade

acerca do uso

de agrotóxicos;

Sul de

Sergipe

- citrus de

sequeiro;

Maio produtor

de laranja do

Nordeste e

segundo maior

(**)

- Mercado

interno

consolidado

para a laranja in

(**)

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1673

do Brasil. natura e suco

concentrado.

Sul do

Maranhã

o

- produção

de grãos de

sequeiro,

com

destaque

para a soja.

- baixo custo

da terra e

disponibilidad

e de grandes

áreas de

exploração

agrícola.

- Perda de

autonomia dos

médios e

grandes

produtores

nacionais em

relação ao preço

de mercado;

- Mercado

interno;

- Compra e

moagem de

grãos garantida

por

multinacionais

dominantes do

setor neste elo

produtivo;

- Garantia de

matéria-prima

para a produção

por parte das

multinacionais

instaladas;

- Fornecimento

de crédito pela

agroindústria

processadora

multinacional;

- Geração de

verticalidades e

horizontalidades

;

-

Impossibilidad

e de

participação de

pequenos

produtores

devido ao

elevado nível

de capital

inicial

necessário;

Uruçuí-

Gurguéia

- produção

de grãos de

sequeiro,

com

destaque

para a soja.

- Apreço ao

mercado

interno de

grãos de

sequeiro e

óleos vegetais;

- Perda de

autonomia dos

médio e grandes

produtores

nacionais em

relação ao preço

de mercado;

- Mercado

interno;

- Compra e

moagem de

grãos garantida

por

multinacionais

dominantes do

setor neste elo

produtivo;

- Garantia de

matéria-prima

para a produção

por parte das

multinacionais

instaladas;

- Fornecimento

de crédito pela

agroindústria

processadora

multinacional;

- Geração de

verticalidades e

horizontalidades

;

-

Impossibilidad

e de

participação de

pequenos

produtores

devido ao

elevado nível

de capital

inicial

necessário;

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1674

Com esta análise é possível observar que, no geral, as novas regiões dinâmicas do

Nordeste que possuem as mesmas principais cadeias produtivas também se assemelham

quanto aos pontos fracos, fortes, ameaças e oportunidades, de modo que as estratégias a serem

tratadas para fortalecimento de tais cadeias também serão, a grosso modo, bastante parecidas.

No entanto cada uma das cadeias, assim como em cada uma das regiões analisadas existem

particularidades que as tornam mais competitivas uma em relação às outras, bem como mais

competitivas em relação ao mercado externo. Tais peculiaridades não foram, entretanto,

levadas em consideração neste estudo, que possui caráter generalista e busca fazer apenas

algumas considerações sobre os novos pontos agrícola produtivos do Nordeste, deixando

lacunas acerca de análises desagregadas tanto das cadeias quanto das regiões focadas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As cadeias produtivas das novas áreas dinâmicas do setor agrícola do Nordeste,

conforme a análise por meio da ferramenta SWORT, apresenta marcadamente como ponto

forte, a orientação para o setor externo, em que a condução da produção para esse fim

desprivilegia o uso da mão de obra interna, apesar de as oportunidades para as cadeias

produtivas estarem concentradas nos canais de distribuição induzidas pelo crescimento da

demanda externa. Quanto às vulnerabilidades das cadeias, identificadas como ameaças, estas

vão desde a instabilidade dos preços no mercado externo, às barreias sanitárias em

decorrência da falta de controle ou do controle insuficiente e inadequado no uso de

agrotóxicos; e ainda, a entrada de pequenos produtores nas cadeias, em decorrência dos

vultosos investimentos exigidos.

No entanto, vale destacar que a modernização da agricultura permitiu que o Nordeste

voltasse ao circuito produtivo agrícola nacional e internacional, espalhando benesses nas áreas

contempladas por investimentos pontuais, mas espalhando também desigualdades que tornam

o Nordeste uma região díspar agora em nível intra-regional.

Contudo, as considerações finais ficam ainda na superfície dos fatos, dado que as

novas áreas dinamizadas do Nordeste tiveram neste estudo, um tratamento analítico muito

pouco aprofundado, merecendo ainda uma retomada de forma mais detalhada tanto por região

quanto por cadeias produtivas comportadas em cada região.

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1675

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1677

MOVIMENTO DOS TRBALHADORES SEM TERRA (MST) E A QUESTÃO

ÁGRARIA

Thaís Pereira da Silva62

Gilcelia Batista de Góis63

Maciana De Freitas e Souza64

Maria do Socorro Gurgel Loiola65

Resumo: Este artigo é resultante de uma pesquisa com base na literatura que discute sobre o MST e a

Questão Agrária. Assim, partimos de uma discussão sobre os fundamentos da questão agraria,

centrando nas expressões particularizadas do espaço agrário brasileiro. Tem como objetivo apresentar

o debate teórico sobre a atuação do MST no Brasil e como se configura a questão agraria. Identifica

que, embora tenha se criado algumas politicas para o enfrentamento das refrações da questão agraria

esta se mantem vigente. A política agrária favorece o agronegócio em detrimento da agricultura

camponesa e o desenvolvimento dos assentamentos rurais fica comprometido bem como melhorias

para o campesinato. O protagonismo dos movimentos sociais do campo, principalmente do MST, vem

contribuindo para que politicas publicas sejam criadas. A temática da questão agrária e o processo de

organização dos trabalhadores rurais sem-terra, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem-Terra (MST) e tem como objetivos problematizar a questão agrária brasileira, considerando o

Neoliberalismo e suas consequências para os trabalhadores rurais;

Palavras chaves: Questão agrária, MST, politicas publicas.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como temática central a questão agraria no contexto

brasileiro. São apresentados elementos acerca da importância das bases de formação do

Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) como uma organização social e política em

torno da luta pelo direito a terra.

O artigo discute, que embora a reforma agrária seja o objetivo central do movimento, o

contexto político e econômico trouxeram a necessidade de criar ou expandir alianças políticas

e organizações internas voltadas para outros núcleos e setores do movimento, centralizados na

62 [email protected] – (084)87249970 – Autora, Universidade do Estado do Rio Grande Do Norte –

UERN 63

[email protected] – (084)99278339 – Coautora 64

[email protected] – (084)94612713 – Coautora 65

[email protected] – (084)88542220 – Coautora

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educação, cultura, e politização dos militantes. Entre os desafios da luta, são colocados em

pauta a necessidade das melhorias nas condições vida dos trabalhadores e o desenvolvimento

sustentável da terra.

Neste sentido, desde a criação do movimento como núcleo organizado, o MST tem

reafirmado sua agenda de luta política para o alcance da reforma agrária e um novo projeto de

desenvolvimento para o campo no Brasil. O MST é um movimento que construiu não

somente pela necessidade de sua formação como veículo de resistência e reivindicação, mas

também como um processo de luta descrito na história do trabalhador rural em nosso país.

HISTÓRICO

Segundo Stedile (2005), um dos fundadores do MST, ao falarmos em questão agrária,

podemos entendê-la em diversas formas. Na Literatura Politica, esta relacionada ao estudodos

problemas que a concentração da propriedade de terra traz ao desenvolvimento das forças

produtivas de uma determinada sociedade e a influencia do poder politico. Na Sociologia,

explicam-se as formas de como se desenvolvem as relações sociais, na organização da

produção agrícola. Na Geografia, fala-se de como a sociedade se apropria do maior bem

oferecido pela natureza, a terra, e como se ocorre a ocupação do território. Na História,

explica-se a evolução das lutas politicas e de classe para se obter domínio sobre a terra. A

historia da questão agraria brasileira é muito recente. Somente a partir da década de 60, é que

se tiveram debates a cerca do mesmo. Em 1964, se deu a Primeira Lei de Reforma Agrária no

Brasil. No governo de João Goulart. Lei que regularia os direitos e obrigações concernentes

aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agraria e promoção da Politica

Agrícola.

Com o crescimento industrial na década de 1940 e o processo de urbanização que se

intensificou no decorrer dos anos 60, fez com que a população rural se tornasse minoritária.

Em 1964 com o desenvolvimento do capitalismo se dirige ao campo, e com isso segundo

Almeida e Sánchez (1997, p. 77), ―colocou em relevo o novo proletário agrícola — o ―bóia-

fria‖ — reforçando as posições, no seio da esquerda...‖

Três frentes de lutas de classe se destacaram no âmbito brasileiro da década de 60. A

primeira era a luta de todo campesinato contra as varias modalidades da opressão e da

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espoliação66

imperialista. A segunda dizia respeito a luta do campesinato contra as

sobrevivências do pré-capitalismo e contra os latifundiários. E por fim, a terceira forma era

em relação a luta dos assalariados e semi assalariados rurais contra os patrões, grandes

empresários de terra. Vale ressaltar que essas três frentes de lutas não estão separadas uma das

outras, elas se relacionam entre si. Embora sejam muito diferentes entre si, elas são essenciais

para o processo da revolução agraria no Brasil.

Trabalhadores rurais sem terra sentiram a necessidade de uma maior organização para

uma melhor conquista de terra e de seus direitos. Fundaram então o Movimento dos sem

Terra – MST.

No encontro nacional feito em 1984, com participação de lideres dos sem terra de

diversos estados do país, discutiram e aprovaram os princípios do novo movimento. Tais

princípios serviriam para por ordem no movimento e não acabar perdendo o foco de luta. Seus

princípios eram: lutar pela reforma agrária já; queriam uma sociedade igualitária; manter a

autonomia politica do movimento; a terra ficar nas mãos de quem trabalha. Eram

considerados trabalhadores rurais sem terra: parceiros, posseiros, ocupantes, agregados, entre

outros.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem – Terra (MST) trouxe nos anos 80 para o

cenário da mídia a questão de reforma agrária que até então não era um tema discutido e

visível para a população. Com isso, as suas ações de protestos, e a capacidade de desenvolver

a luta pela reforma agrária ganham visibilidade na mídia, visando dessa forma à comunicação

com a sociedade como um todo, criando assim, sua existência social.

No ano de 1995, o Movimento dos trabalhadores sem Terra lançou a Proposta de

Reforma Agraria. Sua luta era por um novo poder agrícola que contemplasse a pequena e

media propriedade, os sem terra e assentados rurais. Os objetivos dessa reforma, segundo

Stedille, eram:

[...] garantir trabalho para todos os trabalhadores rurais sem terra; produzir

alimentação farta, barata e de qualidade para toda a população brasileira; garantir o

bem estar social e a melhoria das condições de vida de forma igualitária para todos

os brasileiros; buscar permanentemente a justiça social, a igualdade de direitos em

todos os aspectos: econômico, politico, social, cultural e espiritual; difundir a pratica

dos valores humanistas e socialistas nas relações entre as pessoas; contribuir para

criar condições objetivas de participação igualitária da mulher na sociedade;

preservar e recuperar recursos naturais; implementar a agroindústria e a indústria

66

Expropriação

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como o principal meio de se desenvolver o interior do país; e gerar emprego para

todos os queiram trabalhar na terra. (2005)

Implementando todos esses objetivos, a sociedade por inteiro lucraria com o sucesso,

pois todos precisam se conscientizar que a programa da reforma agraria não é só uma solução

para os problemas do meio rural, mas também do meio urbano. De uma maneira mais

simples: esse novo modelo de reforma agraria garante um ótimo desenvolvimento econômico,

politico e cultural para a população do campo, consequentemente, quem mora na cidade se

beneficia também, pelo simples fato de comprar os produtos do campo.

A luta Campesina pela Reforma Agrária contribuiu para reforçar a impressão de que a

questão agrária no Brasil deixara de ser politicamente relevante. A origem do MST está

intrinsecamente ligada à emergência do novo sindicalismo dos movimentos sociais urbanos,

bem como a origem do Partido dos Trabalhadores (PT). Dentro desse contexto, Almeida e

Sánchez (1997), elencam três importantes processos para se constatar essa afirmação:

Um deles foi à modernização capitalista de fortes traços conservadores que dominou

a agricultura brasileira nas décadas de 60 e 70 e aguçou os conflitos agrários,

principalmente nos estados de São Paulo e no Sul do país, onde surgiu o embrião do

movimento. Em segundo lugar, merece destaque a ação pastoral dos cristãos ligados

à Teologia da Libertação e sua convergência, na conjuntura brasileira, com o ideário

de setores da esquerda marxista. (...) O terceiro processo remonta ao conjunto de

experiências organizativas acumuladas pelos trabalhadores rurais nas décadas que

precederam o golpe de 64 e que não foram, ou foram incorporadas (total ou

parcialmente) pela organização sindical que emergiu depois. Embora tenham sido

derrotadas pela ditadura militar, as experiências das Ligas Camponesas, da União

dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultabss) são referências

freqüentemente destacadas pelos próprios dirigentes do MST.(1997)

De acordo com o MST ―a luta pela reforma agrária e pelo sonho da justiça social vai

além da conquista da terra. A luta dos Sem Terra é por um projeto popular para o Brasil,

baseado na dignidade, soberania e solidariedade entre todos e todas‖ (MST, 2005). Assim o

MST busca associar uma luta politica de mudança da própria gestão do país – por um projeto

popular para o Brasil.

Diante do exposto, o MST criou sua estratégia de luta, a ocupação de terras sendo esta

a sua principal característica. Vale ressaltar que o MST recorre a uma variedade de formas de

lutas. Desde a ocupação de órgãos públicos, fazendo greves de fome, passeatas nas grandes e

pequenas cidades, marchando ao longo das rodovias em ―caminhadas‖, propõem jornadas

nacionais a outras forças políticas (Navarro, 1997; Stédile, 1997).

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De acordo com documento produzido pelo MST, a sua primeira coordenação reuniu

representantes de cinco Estados da região do Centro – Sul do país bem como Rio Grande do

Sul (RS), Santa Catarina (SC), Paraná (PR), São Paulo (SP) e Mato Grosso do Sul (MS). Esta

coordenação foi criada em janeiro do ano de 1983. Porém, o MST foi fundado oficialmente

em 1984 num encontro nacional em Cascavel, estado do Paraná, contando com o apoio da ala

progressista da igreja, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, que ajudou a articular as

lideranças dos diversos movimentos.

O MST é formado por trabalhadores e trabalhadoras rurais em sua maioria arruinados,

mas também há trabalhadores(as) sem perspectivas, e também por servidores desiludidos.

Como o MST luta por Reforma Agrária, ou seja, por um pedaço de terra que lhe dê o sustento,

é natural que nos próprios assentamentos exista cooperativas para a produção, delas ligada a

Confederação das Reforma Agrária do Brasil (Croncrab), (VEJA, 1491 p. 35).

A proposta de cooperação formada pelo MST, regida pelo Sistema Cooperativista dos

Assentados (SCA) possui dois caráter: o econômico e o político que o diferencia das

cooperativas tradicionais. Como caráter econômico, ele deve ser gerido com eficiência para

permitir o sustento dos assentados, sem criar obstáculos para o trabalho politico. Como caráter

politico, se dá a atuação na organização política dos assentamentos, na conscientização e

politização da base, e assim na mobilização social bem como na articulação das lutas

econômicas e políticas e também na contribuição para o Setor da Frente de Massas.

O MST contribuiu muito para esclarecer a população sobre a questão de Reforma

Agraria no Brasil, pois através da sua luta e suas ações possibilitou que a população se

engajasse na luta, defendendo assim também a sua bandeira, entendendo a importância desse

movimento, a ideologia desse grupo e compreendendo suas ações. Isso é muito significante

uma vez, que os governos adotam politicas de confrontos direto com esses trabalhadores, para

conter suas ações.

O MST E A SUA RELAÇÃO COM OS DIVERSOS SETORES DA

SOCIEDADE

O governo brasileiro considera o MST um grupo que atua de forma política. Mas elas

ilustram também a tática do governo de desqualificar constantemente esse movimento e

dificultar as negociações.

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Deve-se prestar especial atenção aos grupos que estabelecem uma novidade no cenário

político nacional. Pode-se dizer que o MST constitui um ator político novo, mesmo que

nenhuma de suas ações ou características organizativas seja original. A novidade está na

articulação, feita a partir de táticas e elementos já conhecidos, e na habilidade política que o

movimento tem demonstrado, ao fazer aliados em vários segmentos da sociedade civil. Trata-

se de uma forma diferente de reivindicação social, ou, se preferirmos, de uma nova forma de

atuação política.

A partir de uma ampla pesquisa em material jornalístico, verifica-se que o MST

conquistou um espaço político importante no quadro público atual, e, contrariando toda uma

suposta tradição de passividade e anomia do povo brasileiro, consegue se organizar, ter força

política e desafiar os poderes constituídos. Uma análise detalhada do relacionamento entre o

MST e o governo, revelou que o movimento cresceu e se expandiu durante a presidência de

Fernando Henrique Cardoso, e não pode mais ser ignorado.

O MST e a luta pela terra

O MST surgiu da reunião de vários movimentos populares de luta pela terra, os quais

promoveram ocupações de terra em várias partes do mundo.

Naturalmente, o MST não é o primeiro movimento de luta pela terra. Na história do

Brasil há vários relatos de revoltas camponesas. Todos os movimentos anteriores, contudo,

permaneceram limitados à região em que surgiram.

Uma característica importante que destaca o MST de todos os movimentos anteriores

de luta pela terra: trata-se do primeiro movimento que identifica como seu principal

adversário o governo federal, e não os grandes proprietários de terras. Faz-se necessário

lembrar, também, que o MST não é o único movimento de luta pela reforma agrária. Existem

atualmente dezenas de outros movimentos, inspirados no MST ou dissidências dele.

O MST e o governo

Faz-se necessário ressaltar que, entre essas duas datas, dois acontecimentos

importantes obrigaram o governo a dedicar maior atenção ao MST: o massacre de Eldorado

dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, e a Marcha a Brasília, realizada de fevereiro a

abril de 1997. Com efeito, apesar de ter incluído a reforma agrária no plano de governo

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anunciado durante a campanha eleitoral (O Globo, 06/07/97), de ter afirmado que "a base da

política fundiária do meu governo é a reforma agrária" (Folha de S.Paulo, 24/03/95), e de ter

anunciado a intenção de dialogar com o MST em audiência, em 27 de julho de 1995, o

Presidente da República não percebeu imediatamente a gravidade do massacre de Eldorado

dos Carajás, em que 19 militantes do MST foram mortos pela polícia militar do Pará.

A postura do governo diante do MST mudou após o massacre de Eldorado dos

Carajás. Fernando Henrique Cardoso percebeu a necessidade de coordenar melhor as ações

para poder enfrentar o movimento. Essa mudança foi percebida pelos meios de comunicação:

"O governo resolveu adotar uma linha mais dura para enfrentar o MST. O objetivo é impedir

não apenas as invasões de sedes do Incra, como o MST vem fazendo nas grandes cidades,

mas também a ocupação de fazendas, ação preferencial dos sem-terra. A proposta aprovada na

reunião foi coordenar a repressão ao MST no Gabinete Militar da Presidência, em vez de

deixar a tarefa para os governadores de Estado. Toda vez que se verificar que as polícias

militares não estão dando conta dos conflitos, tropas do Exército serão chamadas."

Outra linha de conduta adotada pelo governo, para enfrentar a pressão exercida pelo

MST, é tentar descaracterizá-lo como movimento social, para enquadrá-lo como um

movimento criminoso, que realiza um conjunto de ações fora da lei. Como mostram esses

exemplos, as principais estratégias do governo para combater o MST não enfrentam

diretamente o movimento, mas buscam atingir a sua imagem e popularidade junto à opinião

pública.

Os encontros entre o Presidente da República e representantes do MST também são

importantes, pois é a partir deles que tanto o governo quanto o movimento se reconhecem

mutuamente como interlocutores políticos. A partir do momento em que estabelecem um

diálogo, por mais truncado que seja eles se reconhecem como adversários, mesmo em campos

opostos, e não como inimigos. Com efeito, para ambos seria um erro estratégico pretender

eliminar o outro, pois o MST precisa do governo, da mesma forma que o governo não pode

ignorar o MST. Os dirigentes do movimento têm plena consciência de que precisam da

mediação do governo para atingir os seus objetivos. Apenas o governo pode desapropriar

terras, conceder indenizações, garantir crédito aos assentados, estabelecer uma política agrária

e executá-la. Em outras palavras, o governo é o único ator que pode conciliar os interesses em

jogo e impedir que o conflito entre os proprietários de terra e os sem-terra se radicalize

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Uma análise dos enfrentamentos entre o MST e o governo mostra que a luta pela

reforma agrária dá origem a duas formas de pressão sobre o governo. A primeira forma é

aquela exercida por sem-terra acampados e só se desfaz quando o assentamento é

conquistado. Surge então o segundo tipo de pressão, aquele exercido pelos assentados para ter

acesso aos créditos de reforma agrária, e viabilizar a produção até que o assentamento adquira

autonomia suficiente para ser emancipado.

ESTRATÉGIAS DE LUTA

O movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, também conhecido como MST, é

fruto da articulação das lutas pela terra, que foram retomadas a partir do final da década de 70,

especialmente na região Centro-Sul do país e, aos poucos, expandiu-se pelo Brasil inteiro. O

MST tem como bandeira de luta a Reforma Agrária e a construção de uma sociedade mais

justa e emancipada.

O MST tem como principais estratégias de luta a questão da ocupação dos latifúndios

improdutivos como a principal forma de luta pela terra, e a mobilização em massa dos sem-

terra. O MST tem na luta pela terra seu eixo central e característico, mas as suas ações tem

como eixo questões relacionadas à produção, à educação, à saúde, à cultura, aos direitos

humanos e a uma vida mais digna no campo.

Através de suas ações o MST reconhece que para que a reforma Agrária aconteça de

fato para isso é importante que a sociedade possa reconhecer que para isso é importante a luta

não apenas dos trabalhadores e das trabalhadoras da terra,mais da sociedade como um todo.

O MST se configura como um movimento que possui em suas ações políticas a

ocupação de terra e a ação de praticas educativas voltadas para a formação dos militantes para

que estes possam atuar da melhor maneira em prol da reforma agrária e de seus direitos.

As ocupações de terra e prédios públicos são atos políticos que intencionam pressionar

o Poder Público a agir, isto é, realizar, em sentido estrito, a reforma agrária, bem como

garantir subsídios agrícolas. O trabalho do MST consiste na luta pelo acesso e permanência na

terra.A reforma agrária é essencial para diminuição das desigualdades sociais e as ocupações

de terra e as ocupações coletivas são os atos políticos que dão visibilidade ao Movimento,

sendo forte e contundente instrumento de pressão para consecução dos objetivos do

Movimento. O MST luta pela terra e pela reforma agrária, mas também por outras questões

inerentes à pessoa humana, como soberania alimentar, moradia, trabalho, enfim, cidadania e

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dignidade. Assim, a luta é realmente de todos. Internamente, tanto é dos trabalhadores(as)

rurais, dos indígenas e dos quilombolas, como também é dos trabalhadores(as) urbanos(as), e

extremamente englobado os diversos movimentos sociais que lutam contra a hegemonia da

submissão e dominação, que lutam por melhores condições de vida e de cidadania.

Entre suas estratégias inclui-se também a formulação de propostas de políticas sociais

e participação nas políticas públicas. Os movimentos sociais rurais têm utilizado

especialmente das marchas de seus participantes à Brasília como estratégia deste nível

organizativo, além de manifestações e protestos em várias regiões do país.

Como se dá a direção e forma de organização do MST

A direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST), que foi fundado

no início da década de 1980, esta alicerçado em três intuitos, sendo eles: lutar pela terra, pela

Reforma Agrária e por uma sociedade mais justa e fraterna. É válido salientar que, esse

movimento social não defende esses princípios apenas para a população camponesa, pois

acredita-se que esses objetivos só podem ser alcançados por meio da união da classe

trabalhadora em todas as instâncias, abarcando assim as expressões da questão social como:

desigualdade social e de renda, a discriminação de etnia e gênero, a concentração da

comunicação, a exploração do trabalhador urbano, etc. Então defende-se que juntos temos

mais força para lutar contra a ofensiva do capitalismo, que tem a exploração do homem pelo

homem, como meio de sobrevivência. Com isso, o MST, passou a preocupar-se com a

educação política dos seu integrantes bem como de seus filhos. Pois, as escolas regulares não

tinham uma leitura crítica da realidade social vigente no país combatido pelo movimento,

tendo uma forte tendência a criminalizar o MST.

Sendo assim, entendeu-se que só a partir da educação com a condição de formar

aliados por meio de uma discussão político social, instauradas nos diversos níveis de ensino,

seja ele básico eu superior que discuta claramente a questão agrária, é que a real condição de

opressão da classe trabalhadora pode ser modificada e com isso, fortalecer os movimentos

sociais de modo geral. (site oficial do MST, NOSSOS OBJETIVOS, publicado em 2003).

É válido salientar que o Movimento do Sem Terra (MST), detém uma dimensão

nacional, pois está presente em 24 estados nas quatro regiões do país, onde cerca de 350 mil

famílias, conquistaram a terra através da luta e organização dos trabalhadores rurais. Cujo, as

famílias assentadas e acampadas, organizam-se em uma estrutura participativa e democrática

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onde existem os núcleos que discutem a produção, a escola, as necessidades de cada área.

Destes núcleos, saem os coordenadores e coordenadoras do assentamento ou do

acampamento. A mesma estrutura se repete em nível regional, estadual e nacional. Um

aspecto importante é que as instâncias de decisão são orientadas para garantir a participação

das mulheres, sempre com dois coordenadores, um homem e uma mulher. E nas assembléias

de acampamentos e assentamentos, todos têm direito a voto: adultos, jovens, homens e

mulheres.

O maior espaço de decisões do MST é o Congresso que ocorre a cada 5 anos. É nesse

espaço que são definidas as linhas políticas do Movimento para o próximo período e avaliado

o período seguinte. Estas definições são abreviadas nas palavras de ordem de cada Congresso

e que se ampliam para o período seguinte. Lembrando que, a cada dois anos, o MST realiza

seu encontro nacional, onde são avaliadas e atualizadas as definições deliberadas no mesmo.

Além dos Congressos, Encontros e Coordenações, as famílias também se organizam por

setores para encaminharem tarefas peculiares. Setores como Produção, Saúde, Gênero,

Comunicação, Educação, Juventude, Finanças, Direitos Humanos, Relações Internacionais,

entre outros, são organizados desde o nível local até nacionalmente, de acordo com a

necessidade e a demanda de cada assentamento, acampamento ou estado. (site oficial do

MST).

PROJETO SOCIETÁRIO DO MST

A crise econômica do final da década de 1970, fez com o capitalismo buscasse novas

formas de sustentabilidade danasse início a um processo de reformas estruturais tanto no

campo econômico, da educação, social entre tantos outros, para que assim de alguma maneira

pudesse sair da crise profunda que afetou principalmente os países de economia central, mas

que afetou grande parte do mundo inclusive o Brasil.

Como sempre acontecem os detentores dos meios de produção sempre buscam refugio

nas correntes ideológicas que de alguma forma dão legitimidade e que oferecem as condições

sociais para salvaguardar sua posição social de classe hegemônica. Nesse período a corrente

teórica que preenchiam a esses pré-requisitos ela o Neoliberalismo.

O Neoliberalismo faz a defesa de um Estado mundo mínimo principalmente quando se

trata em suprir as necessidades sociais da população, deixando essa responsabilidade para as

organizações da sociedade civil (GURDEL, 2010. p. 7).

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Devido ao desenvolvimento da industrialização tardio, é que só nesse período que

efetivamente que começam a se organizar no Brasil uma nova fase do modo de produção

capitalista.

Essas transformações afetam não somente aos grandes centros urbanos mas se

propagam – ainda que num primeiro momento com menor foça devido inclusive uma

peculiaridade do desenvolvimento econômico-social-político se dar de forma centralizada e

desigual – também para o campo, afetando o modo de vida dessas populações já

―acostumadas‖ a serem esquecidas. Estavam colocados agora para esses trabalhadores

questões como a construção de Hidroeletricas, o plantio de enormes extensões de

monoculturas, o agronegócio, a modernização rural, o processo de redemocratização do Brasil

e etc. (SIMIONATTO; AZEVEDO; MENDES, 2012. P. 2).

A opção político-econômica do Estado brasileiro na manutenção dos grandes

latifundiários e em priorizar ao agronegócio em detrimento do pequeno agricultor e

agricultura familiar fez com que dos anos 1970 até os dias de hoje houvesse uma ponderável

movimentação das pessoas do campo para as cidades.

Em meio a todas essas transformações Fez surgi à necessidade dos trabalhadores rurais

se unirem em prol de reivindicarem melhores condições de vida e permanência no campo.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), surgi nesse contexto, ele

representada a capacidade dos trabalhadores de se unir, e, reivindicar transformações sociais

em uma estrutura fundiária há muito tempo consolidada no país, pois é o mesmo modelo de

estrutura implementado aqui durante a colonização. Modelo esse responsável em grande parte

pela desigualdade social.

O MST aglutina em torno de se várias categorias de trabalhadores desde pequenos

proprietários de terra, posseiros expulsos, boias-frias, meeiros, atendidos por barragens,

reassentados, trabalhadores dos centros urbanos expulsos de suas terras entre outros, estando

em presente em 24 estados, atingindo quase todo o território brasileiro.

O MST é hoje um dos principais movimentos sociais rural, sendo um dos que

concentra a maior quantidade de trabalhadores na América Latina, tendo grande relevância na

organização políticas desses trabalhadores.

Fundamentalmente o MST gira suas ações em torno de três grandes pautas

reivindicatórias: a primeira delas é a luta pelo acesso a terra, segunda seria a defesa que

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finalmente no Brasil seja realizada a reforma agraria e por último tem a luta para que sejam

feitas alterações sociais no país (SIMIONATTO; AZEVEDO; MENDES, 2012. p. 2).

Cabe ressaltar que estando o MST inserido na dinâmica societária e atento as

transformações das relações sociais vem pontuando outras questões além das que já foram

citadas acima.

No V Congresso Nacional do MST realizada em 2007 em Brasília, é reafirmado o

papel do MST na defesa dos direitos do povo e contra as desigualdades e injustiças sociais por

quem historicamente a ampla maioria da população vem passando. Sendo assim, é colocada a

importância de se articular com outros setores organizados da sociedade como uma maneira

de construir o projeto popular; se unir na defesa dos direitos já alcançados, lutar contra as

privatizações do patrimônio publico; acabar com os latifúndios principalmente aqueles dobre

a posse de estrangeiros ou bancos; fazer a defesa de nossas matas nativas que são destruídas

para expansão dos latifúndios; combater as transnacionais que controlam a produção de

semente, a produção e o comercio da produção agrícola; pelo fim do trabalho escravo no

campo punindo-se seus responsáveis; lutar contra a violência no campo bem como a

criminalização dos movimentos sociais, demarca-se o limite máximo do tamanho da terra;

defesa do meio ambiente; que o controle da produção dos biocombustíveis estejam nas mãos

dos camponeses; lutar pelo acesso da classe trabalhadora a educação gratuita e de qualidade;

para que cada comunidade tenha seus próprios meios de comunicação; Fortalecer os

movimentos sociais camponesas na Via Campesina Brasil e por fim contribuir para a

integração dos povos da América Latina através da defesa ALBA – Alternativa Bolivariana

dos Povos das Américas (CARTA DO 5º CONGRESSO NACIONAL DO MST, 2009).

Além dessas o MST puxa lutas que não estão ligadas diretamente ao campo tais como:

cultura, combate a violência sexista, democratização da comunicação, saúde pública,

desenvolvimento econômico para melhoria de toda a população, defesa da diversidade ética,

ampla participação população nas esferas de decisão política e a defesa da soberania nacional

e popular (SITE DO MST, 2013). Mas sem perder de vista o que é central na organização do

movimento que é a construção de um novo projeto de sociedade pautado no socialismo.

(SIMIONATTO; AZEVEDO; MENDES, 2012. p. 3).

O MST dá o exemplo de que somos capazes de nos organizar e enfrentar o grande

capital. No processo da luta de classes o MST se torna um importante espaço de disputa

ideológica. O movimento sempre tá buscando formas de dar visibilidade as suas

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1689

reivindicações para isso são traçadas as mais variadas táticas, optando em geral por ações

diretas como ocupações de terras e prédios públicos, acampamentos, marchas e passeatas,

interdições de estradas e vias, pressão política do governo e etc.

A partir de 2002 quando Lula é eleito como novo presidente da república, profundas

transformações ocorrem dentro da organização da classe trabalhadora, inclusive dentro do

próprio MST. A eleição de Lula representava para os movimentos sociais a esperança de

terem suas reivindicações atendidas. Ainda que o PT tenha que fazer várias alianças políticas

e acordo com a burguesia para se eleger, não podemos desconsiderar que essa eleição só foi

possível também devido a aceitação dos movimentos sociais e devi ao acumulo político que

esses já vinham construindo a várias décadas.

O Governo Lula representou um desafio para a manutenção da força reivindicatória

dos movimentos sociais, pois muitas lideranças dos movimentos passaram a fazer parte da

cúpula do governo. Mas mesmo diante dos desafios apresentados pela nova conjuntura social

O MST segue em frente com ações d luta e resistência contra o poder que nos oprime,

buscando sempre formas de organizar, mobilizar e conscientizar o povo.

CONCLUSÃO

Compreendemos que o MST se constitui como um movimento social em favor de

iniciativas de desapropriação e reforma agraria de modo a prover a distribuição igualitária das

terras. Nesse contexto percebemos o quanto o mesmo com todos os limites encontrados tem

atuado com ações e medidas consistentes com a finalidade de satisfazer as demandas coletivas

de modo a alcançar a justiça social.

Esse estudo também nos possibilitou um maior realismo ao lidar com a questão agraria

e possíveis políticas de enfrentamento da mesma, no sentido de verificar que existem muitos

desafios para a sua concretização, em virtude de uma extrema concentração de terras e de um

Estado neoliberal que não é capaz de prover os direitos sociais mantendo-se a ordem

capitalista. A política econômica e social realizada pelos atuais governos não tem contribuído

de forma totalizante, a questão agraria se agudiza e ganha imensas proporções com a

consolidação do agronegócio a nível nacional.

Portanto, reafirmamos que os graves problemas manifestados nas expressões da

questão agraria em nosso País só podem ser efetivamente enfrentados no processo de

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1690

organização, mobilização e luta dos movimentos sociais como o MST em prol de conquistas

democráticas e sociais tendo como horizonte a construção de uma nova ordem societária.

REFERENCIAS

Cartilha do MST: Lutas e conquistas, Secretaria Nacional do MST - Movimento dos

GURGEL, Telma. Feminismo e Luta de Classe: história, movimento e desafios teórico-

políticos do feminismo na contemporaneidade. In: Fazendo o Gênero 9. 23 a 26 de agosto de

2010.

http://scholar.google.com.br/scholar?hl=ptBR&q=projeto+societario+do+MST&btnG=&lr=ht

tp://www4.pucsp.br/neils/downloads/v5_artigo_lucio_felix.pdf

Disponivel em: http://www.mst.org.br/ Acessado em O9 de março de 2013.

SIMIONATTO, Ivete; AZEVEDO, de Daviane; MENDES Kaliandra.O MST na Conjuntura

do Governo Lula e as Tenções na Disputa por um Novo Projeto Societário. In: XX Seminario

Latino Americano de Escuela Trabajo Social. 2012. Disponível em:

http://200.16.30.67/~valeria/xxseminario/datos/1/1br_simionatto_stamp.pdf

STEDILE, João Pedro; A questão agrária no Brasil 1 – O debate tradicional: 1500 - 1960;

Expressão Popular, 2ª ed. São Paulo – 2011.

STEDILE, João Pedro; A questão agrária no Brasil 3 –Programas de reforma agrária: 1946 -

2003; Expressão Popular, 1ª ed. São Paulo – 2005.

Trabalhadores Rurais Sem Terra,janeiro de 2010, 2a edição São Paulo -SP

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PERFIL SOCIOECONÔMICO E PREFERÊNCIAS DO CONSUMIDOR DE LEITE

EM EXU-PE

Talinny Nogueira Lacerda67

Alanyelle Gonçalves de Alencar68

Wescley de Freitas Barbosa69

Eliane Pinheiro de Sousa70

RESUMO

Dada a importância desempenhada pelo leite na alimentação humana, este estudo busca analisar o

comportamento do consumidor de leite no município de Exu-PE. Especificamente, pretende-se

descrever o perfil socioeconômico do consumidor de leite no município de Exu-PE; apresentar a

escolha do consumidor quanto ao tipo de leite, identificando seus fatores determinantes; e comparar o

consumo de leite com as características socioeconômicas do consumidor. Para atender a esses

objetivos propostos, utilizou-se o método analítico da estatística descritiva por meio de tabelas e

gráficos. Os dados foram coletados diretamente com os consumidores de leite de Exu-PE. Os

resultados mostraram que a maior parte dos consumidores prefere o leite in natura e consome o leite

frequentemente. Entretanto, apesar de o município ser grande produtor de leite, seu consumo está

abaixo do recomendado pela FAO. Portanto, devem ser adotadas medidas para incentivar o consumo

de leite neste município.

Palavras-chave: consumo de leite, preferências, Exu.

1. INTRODUÇÃO

O leite é essencial na dieta alimentar humana, pois contém proteínas e minerais

fundamentais à promoção do crescimento e da manutenção da vida, como cálcio, vitamina D,

proteína, potássio, vitamina A, vitamina B12, fósforo, riboflavina, niacina, ente outros. Esse

alimento desempenha um papel primordial nas diferentes fases da vida humana, sendo que, na

67

Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Telefone: (88) 9716-

4285.

E-mail: [email protected] 68

Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Telefone: (87) 9667-7926

E-mail: [email protected] 69

Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e Bolsista de Iniciação

Cientifica PIBIC CNPq. Telefone: (88) 9977-9812. E-mail: [email protected]. 70

Doutora em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Professora adjunta do

Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA). Telefone: (85) 9680-2139.

E-mail: [email protected]

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infância, age na formação e no desenvolvimento do organismo; na adolescência, auxilia no

crescimento rápido através de boa composição muscular e óssea; e, na terceira idade, atua na

manutenção da integridade dos ossos. Além de sua importância nutricional, o leite é um dos

principais produtos do agronegócio brasileiro (MALLMANN et al., 2012).

Entretanto, apesar de sua relevância, verifica-se que, conforme Goldbarg (2007), o

consumo de leite no Brasil ainda encontra-se abaixo dos países desenvolvidos e aquém das

recomendações do Ministério da Saúde, que é de 146 litros/ano por criança até 10 anos de

idade; 256 litros/ano por jovens de 11 a 19 anos; e 219 litros/ano por adulto acima de 20 anos.

Ademais, dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2010) revelam redução na

participação relativa de leite e derivados no total de calorias pela aquisição alimentar

domiciliar de 6,0% para 5,8%, respectivamente, entre 2002-2003 e 2008-2009, sendo que a

participação relativa do leite caiu de 4,8% para 4,4% e de derivados teve um acréscimo de

1,2% para 1,4% durante esse período.

Em face dessas considerações, reveste-se de importância a realização de estudos que

busquem conhecer o perfil do consumidor de leite com o intuito de incentivar a expansão do

seu consumo. Para Goldbarg (2007), Isernhagen (2012) e Mallmann et al. (2012), o

conhecimento do perfil e das preferências dos consumidores assume grande importância, pois

permite que sejam traçadas ações que contribuam para o desenvolvimento da produção e do

consumo de leite no país, por meio de campanhas de marketing destinadas à comercialização,

melhor organização da cadeia produtiva e melhoria da qualidade.

Dada a sua relevância, essa questão tem sido amplamente abordada na literatura

recente em diversos recortes geográficos brasileiro, contemplando o comportamento do

consumidor de leite dos vários tipos (GOLDBARG, 2007; MAGDALENA et al., 2008;

FREIRE et al., 2009; NASCIMENTO, DÖRR, 2010; SOARES et al., 2010; AGUILAR et al.,

2012; ISERNHAGEN, 2012; MALLMANN et al., 2012).

Dentre esses estudos, somente o de Soares et al. (2010) foi aplicado à região Nordeste

brasileira, no estado do Rio Grande do Norte. Entretanto, conforme a Pesquisa de Orçamentos

Familiares (POF, 2010), a disponibilidade de leite na região Nordeste está bastante aquém da

média nacional, pois enquanto a participação relativa de leite no total de calorias pela

aquisição alimentar domiciliar era de 5,8% em termos médios nacionais em 2008-2009, sendo

o leite responsável por 4,3%, a participação na região Nordeste era de 4,6%, sendo 3,6%

atribuído ao leite.

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No estado de Pernambuco, onde se localiza o município de Exu, objeto de estudo deste

trabalho, a situação é ainda mais preocupante, visto que a participação relativa de leite no total

de calorias pela aquisição alimentar domiciliar era de apenas 3,4% (POF, 2010). Em

contrapartida, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013) indicam

que Pernambuco é o segundo maior produtor de leite da Região Nordeste, perdendo apenas

para Bahia e que o município pernambucano de Exu tem destaque no Estado como grande

produtor de leite.

Portanto, este estudo se propõe analisar o comportamento do consumidor de leite no

município de Exu-PE. Especificamente, pretende-se descrever o perfil socioeconômico do

consumidor de leite no município de Exu-PE; apresentar a escolha do consumidor quanto ao

tipo de leite, identificando seus fatores determinantes; e comparar o consumo de leite com as

características socioeconômicas do consumidor.

2. REVISÃO DE LITERATURA

O comportamento do consumidor de leite tem sido amplamente debatido na literatura

recente em diferentes localidades, conforme apresentado nessa seção.

Goldberg (2007) buscou traçar o perfil do consumidor de leite na cidade de Volta

Redonda, RJ. Este estudo buscou verificar as ocasiões de consumo; o tipo de leite consumido

e o motivo; a forma e a frequência de consumo do leite; as vantagens e desvantagens de beber

leite; a preferência por embalagem; o nível de informação sobre o leite; e os atributos

valorizados na compra desse produto. A pesquisa foi realizada em cinco supermercados da

cidade em outubro e novembro de 2006 com 105 consumidores. Para atender aos objetivos

propostos, utilizou-se o método analítico de estatística descritiva por meio de frequências e

percentagens das variáveis que fizeram parte do estudo. Os resultados indicaram que a

maioria bebe leite quase todos os dias, desconhece a diferença entre os tipos de leite, prefere a

embalagem do leite longa vida e considera o leite como importante para saúde, contribuindo

para uma alimentação balanceada. Desta forma, esse atributo deve ser fortalecido em

campanhas para estimular o consumo deste produto.

Magdalena et al. (2008) avaliaram o consumo de leite entre os idosos da cidade de

Campo Grande, MS, onde se buscou caracterizar os hábitos de consumo de leite para os

adultos com mais de 60 anos, além dos principais fatores que determinam a escolha do tipo de

leite no momento da compra. O método utilizado foi a estatística descritiva com a

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apresentação de tabelas, elaboradas a partir da aplicação de questionários com 100 idosos em

três centros de referências aos idosos existentes na cidade. O trabalho observou que a grande

maioria dos idosos entrevistados consome leite com frequência de no mínimo duas vezes por

dia, adquire o leite em supermercados e prefere o leite longa vida. A escolha do produto está

atrelada a confiabilidade aplicada à marca. Essas pessoas consomem o produto com indicação

particular a sua faixa etária. Assim sendo, é incentivado o aprimoramento de produtos

voltados para esse público.

Freire et al. (2009) realizaram estudo buscando analisar as preferências dos

consumidores de leite fluido, em uma comunidade universitária no Sul de Minas Gerais. Para

tal, optou pelo uso da estatística descritiva, organizada por intermédio de tabelas de

distribuições de freqüências e análise de correlação de Spearman, em que foram aplicados 986

questionários entre docentes, discentes e técnicos administrativos da Universidade. A grande

maioria dos entrevistados era do sexo masculino, sendo que, entre os docentes, a parcela mais

expressiva ocupou a faixa etária entre os 41 aos 60 anos, diferentemente dos alunos, em que a

faixa dominante estava entre os 20 e 41 anos. A análise do consumo indicou que a menor

parcela dos entrevistados não consumia leite, a maior parte adquire o leite em supermercado,

dando preferência ao leite longa vida integral, e indicando como fator preponderante a sua

escolha a qualidade do produto. Observou-se que o consumo de leite por parte desta

população está aquém do indicado pelo Ministério da Saúde. Portanto, necessita-se da

implementação de estratégias que venham a melhorar a percepção do consumidor quanto às

características básicas do produto.

Com o objetivo de analisar o consumo de leite e as preferências entre leite

pasteurizado e UHT na cidade de Santa Maria, RS, Nascimento e Dörr (2010) realizaram um

estudo contando como base teórica a Teoria do Consumidor. Para atender ao objetivo

proposto, aplicaram 250 questionários em dois supermercados da cidade, durante fevereiro de

2010. A análise se deu através do método da estatística descritiva, em que se observou a

presença de grande parcela dos entrevistados dando preferência ao leite tipo UHT, porém se o

valor superar a R$ 2,00, substituem pelo Leite Pasteurizado. Os consumidores atribuem

diversos fatores preponderantes a sua escolha, sendo o principal a qualidade, seguido pelo

preço, e ainda pelo sabor. No caso do leite tipo UHT, a opção principal estaria associada ao

preço. Observou-se ainda que os entrevistados não consomem a quantidade mínima de leite

indicada pela Organização Mundial da Saúde.

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Soares et al. (2010) analisaram o hábito do consumo de leite em três cidades do Rio

Grande do Norte (Natal, Mossoró e Apodi), em que se procurou verificar o nível de

informação da população estudada em relação ao tipo de leite consumido. Para este fim,

foram aplicados questionários com 553 entrevistados em dezembro de 2009. Através da

estatística descritiva, obteve os seguintes resultados: parcela majoritária possui o hábito de

consumir leite, e este ocorre diariamente, indicado pela concepção de ser o leite dotado de

proteínas e minerais essenciais ao desenvolvimento humano, grande parte opta pelo leite tipo

UHT, seguido pelo pasteurizado e pelo em pó, mas também houve indicação do consumo de

leite in natura. Neste caso, mesmo sendo recomendada a prática da fervura, chama-se atenção

aos perigos de contaminação existentes neste tipo leite, fazendo-se necessária a

conscientização dos consumidores.

Aguilar et al. (2012) buscaram identificar as preferências de consumo dos leites UHT

e pasteurizado tipo C na cidade de Janaúba, MG. Para isso, muniu-se da aplicação de

questionários no centro da cidade com 1.561 entrevistados. Utilizou-se do método analítico da

estatística descritiva e do teste do Qui-quadrado. Os resultados indicaram que a maior parcela

dos entrevistados possuía o hábito do consumo do leite, sendo que a opção mais frequente foi

o leite pasteurizado, devido ser obtido através de um programa do Governo Federal; um terço

dos entrevistados possuía o hábito de consumir leite informal e desconheciam as doenças

possivelmente transmitidas por esse tipo de leite; e os demais consomem o leite UHT, em pó

e outros tipos.

Para avaliar o comportamento do consumidor diante da compra do leite, analisando

suas opiniões e seu nível de conhecimento em relação aos diversos atributos do leite,

Isernhagen (2012) realizou pesquisa na cidade de Campo Grande, MS, em que se aplicou 228

questionários em supermercados. O método de análise utilizado foi a estatística descritiva. Os

resultados mostraram que a maior parte dos entrevistados toma leite diariamente e prefere o

leite longa vida, por acreditar que este possui um padrão de higiene mais elevado. Quanto ao

nível de informação sobre o leite, a maioria indicou um conhecimento mediano, tanto em

relação aos nutrientes, quanto seus efeitos para a saúde.

Mallmann et al. (2012) realizaram estudo sobre as preferências e o perfil dos

consumidores de leite na cidade de Palmeira da Missões, RS, buscando identificar o nível de

conhecimento sobre os diferentes atributos do leite. Para tal, foram aplicados 427

questionários, usando como método analítico a estatística descritiva. Os resultados revelaram

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que a maioria dos entrevistados consome leite, sendo que, dentre estes, a maior parcela toma-

o com café, e o iogurte foi indicado como o melhor substituto do leite. Os consumidores

tendem por optar pelo leite da embalagem longa vida, sendo do tipo integral, e preferem o que

apresentar maior indicação, ou representatividade de qualidade. Em relação à embalagem, os

consumidores pesquisados optam pela de um litro, indicando ainda o desejo por uma de

menor conteúdo. Ademais, verificou-se pequena elasticidade em relação à renda, e um pouco

de sensibilidade em relação ao aumento do preço.

A maior parte desses estudos se limitou ao uso das ferramentas analíticas de estatística

descritiva e não buscaram verificar a influência das variáveis socioeconômicas na preferência

pelo tipo de leite e demais atributos do consumo do leite. Este estudo além de contribuir neste

sentido também aborda uma cidade produtora de leite do Nordeste, que tem sido pouco

explorado na literatura.

3. REFERENCIAL TEÓRICO

O presente estudo se embasou na teoria microeconômica do consumidor, sob a qual se

faz possível avaliar o comportamento e a tomada de decisões do consumidor ante a aquisição

de um produto, bem como sua preferência até que obtenha o nível máximo de satisfação.

De acordo com Pindyck e Rubinfeld (2010), considerando a imensa variedade de bens

disponíveis no mercado, podem-se descrever as preferências do consumidor através da

indicação por parte do consumidor de sua cesta de mercado. Os autores identificam três

pressupostos básicos em relação à preferência do consumidor por uma determinada cesta de

mercado: integridade, onde o consumidor estaria indiferente entre uma cesta a outra, já que

ambas o trariam o mesmo nível de satisfação; transitividade, em que se o consumidor optou

por X em detrimento de Y, e Z em detrimento de Y, ele também optará por Z em relação a X;

O consumidor nunca estará completamente satisfeito, ou seja, se houver opção de uma maior

aquisição ele a adotará.

Para ilustrar as preferências do consumidor, utilizam-se as curvas de indiferença, onde

são representadas pelas combinações de cestas de mercado que possam fornecer o mesmo

nível de satisfação ao consumidor. Desta forma, o consumidor estará indiferente a qualquer

opção disposta ao longo da curva de indiferença. Ao se ampliar a visão e implementar mais de

uma curva na análise, compõe-se um mapa de indiferença, sendo que com várias curvas

apresentadas, o consumidor estará indiferente as cestas dispostas sobre a mesma curva, no

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entanto, ao se comparar as curvas, o consumidor adquirirá maior satisfação em uma cesta da

curva que o possibilitar maior aquisição de produtos (PINDYCK e RUBINFELD, 2010)

A curva de indiferença, também poderá ser utilizada para a demonstração da Taxa

Marginal de Substituição (TMS), que nada mais é, do que a quantidade de unidades de um

bem A que o consumidor está disposto a abrir mão para adquirir uma maior quantidade de

unidades do bem B. Em outros termos, a TMS mede ―o valor que um indivíduo atribui a uma

unidade extra de um bem em termos de outro‖ (PINDYCK E RUBINFELD, 2010).

Segundo Varian (2006), através das curvas de indiferença podem-se caracterizar os

bens de acordo com as preferências do consumidor, assim sendo, pode-se dizer que dois bens

são substitutos perfeitos quando o consumidor aceita substituir um bem pelo outro, e que essa

substituição manterá o nível de satisfação, ou pelo menos não ocorrerá um elevado grau de

dispersão em relação ao nível de satisfação. Outra classificação é a de complementares

perfeitos, que ocorre quando esses bens são consumidos sempre juntos em proporções fixas.

Desta forma, o aumento de um implicará no aumento seguido de outro.

Para Pindyck e Rubinfeld (2010), a restrição orçamentária do consumidor ocorre em

virtude de o consumidor possuir renda limitada. A linha de orçamento representa as diferentes

combinações de dois bens para as quais o total de dinheiro gasto seja igual à renda.

Existem modificações que podem influenciar a linha de orçamento, a primeira delas é

a modificação na renda, de modo que dada uma modificação no nível de renda, por exemplo,

um aumento na renda, possibilitará um aumento na aquisição de bens, igualmente se a renda

for reduzida, o consumidor terá que reduzir suas opções de aquisição de bens. Nesta

modificação, pressupõe-se que não houve mudança nos preços. Quando a modificação ocorre

no nível de preço de um dos produtos, e dado aumento no poder de compra, ele poderá

consumir uma maior quantidade de bens.

A escolha deve ser realizada considerando simultaneamente as preferências e o

orçamento, ou seja, os consumidores fazem suas escolhas visando maximizar sua satisfação,

tendo em vista suas preferências e seus recursos limitados. Para isso, a cesta maximizadora de

mercado deverá estar sobre a linha de orçamento e devera fornecer ao consumidor sua

combinação preferida.

Diante do que se expõe, procurar-se-á, a luz da teoria do consumidor analisar as

opções do consumidor de leite.

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4. METODOLOGIA

4.1. Área de estudo

O município de Exu tem como sua segunda fonte de renda a agropecuária, além de

localizar-se a 32 km de Bodocó, bacia leiteira do sertão do Araripe, PE. Assim sendo, o

consumo de leite é bastante elevado no município, fato que influenciou a escolha desta área

de estudo.

4.2. Natureza dos dados e amostragem

O presente trabalho utilizou dados primários, coletados com a aplicação de

questionários, entre os meses de novembro e dezembro de 2012, em bairros aleatórios da

cidade.

De acordo com Fonseca e Martins (1996), para se calcular o tamanho da amostra para

populações infinitas através da amostragem aleatória estratificada simples, utiliza-se a

fórmula a seguir:

d

qpn Z

2

2 .. , Onde: n = tamanho da amostra; Z = abscissa da normal padrão; p =

estimativa da proporção da característica pesquisada no universo; q = 1 – p; d = erro amostral.

Considerando-se um erro de estimação de 8% (d=0,08), a abscissa da normal padrão

Z=1,64, ao nível de confiança de 90% e p = q = 0,5 (na hipótese de se admitir o maior

tamanho da amostra, já que não se conhecem as proporções estudadas), obteve-se um

tamanho da amostra (n) igual a 105.

4.3. Método de análise

Para atender aos objetivos propostos, o método analítico utilizado foi a estatística

descritiva por meio da utilização de gráficos e tabelas.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1. Perfil socioeconômico do consumidor de leite

Conforme se observou pela pesquisa de campo, a maioria dos consumidores

investigados é do gênero feminino, aproximadamente 61%, podendo ser atribuído ao fato de

serem as mulheres que cuidam da compra dos gêneros alimentícios da família. Essa maior

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participação feminina dentre os consumidores de leite também foi observada no estudo de

Nascimento e Dörr (2010) com os consumidores de leite em Santa Maria, no Rio Grande do

Sul. Além dessa razão, ressaltam também que quando são abordados casais, a esposa é que

tende a responder o questionário.

No tocante à faixa etária, verifica-se pela Tabela 1 que mais da metade dos

consumidores entrevistados possui idade até 35 anos. Em contrapartida, os dados mostram

que apenas 5,8% têm mais de 65 anos, revelando uma pequena participação de idosos na

pesquisa. Entretanto, sabe-se que o leite assume papel essencial na alimentação,

principalmente para os idosos, já que o leite apresenta grande teor de cálcio.

De acordo com os dados apresentados na Tabela 2, constata-se que parcela majoritária

dos consumidores entrevistados recebe uma renda familiar de até dois salários mínimos,

sendo que 45,7% contam com até um salário mínimo para sobreviver. Por outro lado, somente

7,6% dos consumidores pesquisados auferem uma renda acima de quatro salários mínimos.

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Esses dados indicam que a renda familiar, em geral, pode ser insuficiente para se obter

alimentos que forneçam os nutrientes necessários para que o organismo exerça bem suas

funções, além de não possibilitar a aquisição de alimentos de maior qualidade. Desta forma,

um consumo alimentar abaixo do recomendado pode resultar em problemas de saúde. No caso

da deficiência de cálcio, obtido no leite, pode ser muito danosa especialmente para crianças e

idosos.

A situação é mais preocupante quando se verifica os dados descritos na Tabela 3 e

percebe-se que mais da metade dos consumidores entrevistados moram na residência com

pelo menos cinco componentes familiares, sendo que somente 32,4% não possuem crianças

em seus lares. Portanto, a renda per capita é muito baixa, comprometendo sobremaneira a

aquisição de alimentos.

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O nível de escolaridade dos consumidores analisados de leite pode ser visualizado na

Tabela 4. Verifica-se que o percentual de entrevistados que não obteve nem o ensino

fundamental completo compreende 33,3%, sendo que, dessa participação, 16,2% fizeram

somente a alfabetização. Esse baixo nível de escolaridade pode influenciar negativamente a

obtenção de uma dieta balanceada. Em contrapartida, apenas 3,8% dos consumidores

pesquisados chegaram a concluir o nível superior.

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1702

5.2. Preferências do consumidor de leite e a interação do consumo de leite com suas

características socioeconômicas

A grande maioria dos consumidores entrevistados opta pelo leite in natura, conforme

se observa pelo Gráfico 1a. Ao se investigar as razões desta preferência, verifica-se que,

mesmo tendo consciência que o leite in natura possui higienização precária, já que não há

uma fiscalização mais rigorosa, atribui a qualidade como determinante de sua escolha, visto

que não se confia na qualidade do leite longa vida (UHT) nem do leite pasteurizado devido

possuir elevado teor de conservantes. Para Nascimento e Dörr (2010), os consumidores

preferem o leite UHT devido à praticidade da embalagem.

De acordo com Harding (1999) citado por Molina et al. (2010), a sigla UHT refere-se

ao termo ultra-high temperature, pois consiste no método de esterilização do leite a altas

temperaturas, por alguns segundos, com o objetivo de eliminar os microrganismos presentes

no substrato. O leite pasteurizado, por sua vez, é submetido a um processo de pasteurização

sob temperaturas mais brandas, tendo, dessa forma, um prazo de validade consideravelmente

menor que o leite UHT.

A partir do Gráfico 1a, percebe-se também que 16% dos entrevistados preferem

consumir leite em pó, justificando sua escolha devido aos problemas de saúde.

O Gráfico 1b mostra que parcela majoritária (64%) dos entrevistados consome leite

entre 5 a 7 dias por semana, porém 13% consomem apenas 1 a 3 dias por semana, sendo

insuficiente. O consumo de leite dos demais se enquadra na faixa entre 3 a 5 dias por semana.

1a 1b

Gráfico 1 – Participação relativa dos consumidores de leite e derivados segundo o tipo de leite mais consumido

(a) e a frequência semanal (b), na cidade de Exu, PE. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Leite in natura

75%

Leite em pó

16%

Leite UHT 9%

Leite Pasteuri

zado 0%

1 a 3 dias 13%

3 a 5 dias 23%

5 a 7 dias 64%

Frequência Semanal - Consumo de Leite

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Os Gráficos 2 e 3 ilustram as preferências dos consumidores por tipo de leite mais

consumido por gênero (2a), faixa etária (2b), por renda (3a) e por nível de escolaridade (3b)

para verificar se essas variáveis socioeconômicas influenciam a preferência pelo tipo de leite

adquirido. Conforme se verifica, nos tipos de leite UHT e in natura há uma participação maior

do gênero masculino, enquanto o leite em pó é mais consumido pelas pessoas do gênero

feminino. Esse resultado concernente ao consumo do leite em pó ser mais frequente em

mulheres também é verificado no estudo de Magdalena et al. (2008).

No tocante à faixa etária, pode-se inferir que a maior participação relativa do leite

UHT se encontra presente nos consumidores mais jovens, enquanto as pessoas de terceira

idade não optam por esse tipo de leite. O leite em pó é mais consumido pelas pessoas com

mais de 65 anos, enquanto os consumidores entre 25 a 65 anos preferem o leite in natura.

2a 2b

Gráfico 2 – Participação relativa dos consumidores de leite e derivados segundo o tipo de leite mais consumido

por gênero (a) e por faixa etária (b), na cidade de Exu, PE.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Como se observa pelo Gráfico 3, o leite UHT é mais adquirido por pessoas com renda

média mensal familiar acima de 4 salários mínimos, enquanto o leite in natura é mais

demandado pelos consumidores com renda entre 2 a 4 salários mínimos. Em relação ao nível

de escolaridade, os dados ilustram que aqueles que possuem maior escolaridade preferem o

leite UHT e leite em pó do que o leite in natura.

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

UHT Leite em Pó Leite innatura

9,5 11,9

78,6

7,9

19,0

73,0

% Masculino % Feminino

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

UHT Leite emPó

Leite innatura

12,1

30,3

57,6

7,5 7,5

85,1

0,0

40,0

60,0

15 ├┤25 anos 25 ┤65 anos

> 65 anos

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1704

3a 3b

Gráfico 3 – Participação relativa dos consumidores de leite e derivados segundo o tipo de leite mais consumido

por renda em salários mínimos (a) e por nível de escolaridade (b), na cidade de Exu, PE. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Conforme se observou no Gráfico 1b, o leite é consumido frequentemente, visto que

64% dos entrevistados consomem leite entre 5 a 7 dias por semana. No entanto, com base na

Tabela 5, verifica-se que a quantidade ingerida é relativamente baixa. De acordo com a FAO

(Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), o consumo mínimo de

leite diário é 500 ml por pessoa. Assim, ao analisar os dados da Tabela 5 e considerando que a

média familiar encontra-se entre 4 a 6 membros, percebe-se que a quantidade consumida de

leite é extremamente inferior, pois como 74,3% dos entrevistados consomem entre 1 a 4 litros,

então, uma família constituída por 4 componentes consome, em média, 4 litros de leite. Sendo

assim, cada indivíduo consome 1 litro/semanal, estando muito abaixo do recomendado pelo

órgão mundial. Ademais, pode-se inferir que, para a amostra utilizada, apenas 7% atendem a

recomendação do Órgão Mundial.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

UHT Leiteem Pó

Leite innatura

0┤2 sm

2┤4 sm

> 4 sm 0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

0┤8 anos de estudo

8┤11 anos de estudo

11┤15 anos de estudo

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1705

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da pesquisa indicaram que a maior parte dos consumidores de leite

entrevistados pertence ao gênero feminino, possui idade até 35 anos, recebe uma renda

familiar de até dois salários mínimos, mora na residência com pelo menos cinco componentes

familiares e um terço não obteve nem o ensino fundamental completo.

Quanto ao tipo de leite preferido, parcela majoritária opta pelo leite in natura. O leite

pasteurizado não é utilizado nessa amostra de consumidores entrevistados. Ao associar os

tipos de leite mais consumidos com as características socioeconômicas desses entrevistados,

verifica-se que o leite em pó é mais consumido pelas pessoas do gênero feminino e por

pessoas de terceira idade. Por sua vez, o leite UHT é mais adquirido por pessoas com renda

média mensal familiar acima de 4 salários mínimos e por consumidores mais jovens.

Ademais, os consumidores que possuem maior escolaridade preferem o leite UHT e leite em

pó do que o leite in natura.

Os dados também mostraram que apesar de consumirem o leite frequentemente, seu

consumo está abaixo do consumo recomendado pela FAO. Portanto, é importante estimular as

pessoas a ampliar o consumo desse produto, dada a sua importância para a saúde.

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1707

QUESTÃO AGRÁRIA: SUA CONFIGURAÇÃO NO GOVERNO PT E A ATUAÇÃO

PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL

Gilcelia Batista de Góis71

Ana Lívia Fontes da Silva72

Gabriela Beatriz Dantas Soares73

Mara Rúbia da Silva Araújo74

RESUMO: O Brasil se é um país com alto índice de desigualdade social, em que a menor parte da

população é detentora da grande parcela da riqueza aqui existente. A questão agraria é fruto de uma

enorme concentração de terras que foi se formando ao longo do tempo. Dessa forma, o problema

agrário não é atual, mas sim histórico. Diante disso, faz-se necessário fazer uma analise de como se

deu a intensificação da concentração de latifúndios no Brasil, enfatizando sua ligação direta com as

práticas excludente desde o período colonial até os dias atuais, dando focalização na gestão do

governo do Partido dos Trabalhadores (PT). E ainda apresentar elementos que fazem da questão

agrária uma das formas de expressão da questão social, na qual se materializa como campo de

intervenção dos profissionais de Serviço Social.

Palavras-chave: questão agrária; questão social: desigualdade social

1 Introdução

O presente trabalho foi pensado a partir da importância da Questão Agrária no

contexto histórico brasileiro, bem como pela necessidade de analisar tal problemática partindo

da perspectiva do governo petista após a eleição de Luíz Inácio Lula da Silva. Inicialmente

abordaremos como se deu o desenvolvimento sobre da questão agrária no Brasil,

identificando ao longo dos períodos as principais características que esta assume, tendo em

vista os avanços que foram sendo efetivados ao longo dos tempos e como essa questão é

tratada na atualidade. No decorrer da abordagem nota-se que a questão agrária é tida como um

71

Doutora em Ciências Sociais. Professora de Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da Universidade do

Estado do Rio Grande do Norte. Coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa Sobre a Terceira Idade (NEPTI). 72

Graduanda em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pesquisadora no

Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a terceira idade (NEPTI). 73

Graduanda em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Integrante do

Núcleo de Estudo sobre a Criança e o Adolescente (NECRIA). 74

Graduanda em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pesquisadora no

Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a terceira idade (NEPTI). Integrante do Núcleo de Estudo sobre a Criança e o

Adolescente (NECRIA).

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1708

problema histórico, sendo dessa forma socialmente construída e que refletiu – e ainda reflete –

uma série de problemas sociais que se configuram para além do acesso a terra.

Em meio a esse contexto, outro fator que terá visibilidade no referido estudo consiste

no fato de compreender como a questão agrária é vista sob a governança do Partido dos

Trabalhadores – PT, levando em consideração que essa gestão deveria estar pautada em

diretrizes que viessem a contribuir com as melhorias da qualidade de vida da população

brasileira, neste caso específico, o estudo buscará entender não somente a problemática da

questão agrária, mas principalmente o que os governos petistas tem feito em prol de uma

reforma agrária que contemple os sujeitos destituídos de terra para viver e produzir, bem

como a pequena e média agricultura familiar já existente.

Decorrente disto, e compreendendo que a questão agrária é uma expressão da

questão social, se faz importante entender como se dá a atuação profissional do serviço social

em meio a esse contexto de vulnerabilidade. Para isto, algumas contribuições acerca de

aspectos como o projeto ético-político, movimentos sociais e atuação dos profissionais de

serviço social devem ser identificadas. Dessa forma, a abordagem finaliza-se identificando

fatores que vão para além do acesso a terra e que nos leva a refletir sobre as reais

necessidades e fragilidades postas a questão agrária na atualidade.

2 Contextualização histórica da Questão Agrária no Brasil.

Atualmente a questão agrária vive um cenário de desigualdades e lutas por melhorias

na distribuição de terras. O Brasil se destaca por ser um dos países que vivenciou grandes

formas de crescimento e desenvolvimento econômico e que mesmo com toda evolução ainda

apresenta graves problemas na questão da propriedade fundiária. Porém, é válido ressaltar que

esses impasses não são atuais, pois ao longo dos tempos vários foram os fatores que

condicionaram para que essa problemática se desenvolvesse no país. Assim, faz-se necessário

um recorte histórico de como se deu o surgimento da questão agrária no Brasil.

Nos primórdios, mas precisamente por volta de 50.000 a.C. a sociedade brasileira já

era povoada, existem estudos e sinais históricos que comprovam a presença de vida humana

nesses territórios. Diante disso, foram evidenciados que as populações que habitavam o país

viviam em agrupamentos sociais, onde a maioria dedicava-se a caça e a pesca que serviam

como meio de manutenção de subsistência.

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1709

Para efeito do estudo da questão agrária nesse período, sabe-se que esses povos

viviam no modo de produção do comunismo primitivo. Organizavam-se em

agrupamentos sociais de 100 a 500 famílias, unidos por algum laço de parentesco,

de unidade idiomática, étnica ou cultural. Não havia entre eles qualquer sentido ou

conceito de propriedade de bens da natureza (STEDILE, 2005, P.03).

Nada se existia de concepção de propriedade privada entre eles, pelo contrário, as

pessoas viviam em coletividade e tudo que existia naquelas terras era de posse dos grupos que

ali habitavam em que todos os meios de subsistência eram utilizados para atender as

necessidades gerais, não apenas individuais.

Com a invasão dos portugueses as terras brasileiras no ano de 1.500 o cenário

mudou, estes chegaram e se apropriaram das terras e riquezas aqui existentes. A população

indígena que ocupava o território ficou a mercê de práticas repressivas. Primeiramente, os

europeus submeteram os povos ao uso de suas leis e regras, tentando com isso monopolizar e

se apoderar da mão-de-obra, e foi a partir desse novo contexto que a sociedade brasileira

introduziu as primeiras práticas capitalistas de posse de terra.

A metrópole portuguesa tinha como objetivo principal de suas navegações encontrar

ouro em terras até então, não ―descobertas‖, porém como o Brasil não dispunha dessas

riquezas mudaram o foco de suas expedições. A partir da análise do território pode-se

constatar que a maior fortuna aqui existente se materializava na fertilidade das terras, então

foi introduzido um modelo de produção agrícola que iria servir como meio de exportação para

outros países, gerando para os portugueses uma fonte para obtenção de lucro. Podemos

perceber que esse modelo de produção permanece até os dias atuais, em que o Brasil ainda

continua sendo um país que produz seus alimentos muito mais para exportação do que mesmo

para o consumo interno.

Outra marca que vem do período colonial e que até os dias atuais ainda está presente

na questão agrária brasileira é o caráter cíclico e continuo que essas práticas assumem

(NAKATANI; FALEIROS & VARGAS, 2012). Ou seja, a exploração de terra no Brasil

sempre foi marcada pelo ordenamento de ciclos de produção, como por exemplo, ciclo

extrativista do pau-brasil, ciclo da cana-de-açucar, ciclo do café. Isso acarreta uma

superprodução de alguns produtos determinados, provocando uma significativa geração de

riquezas para os detentores de grandes latifúndios de terras.

É importante destacar que no período colonial ainda não existia a prática de compra e

venda de propriedades, as terras eram de posse exclusiva da Coroa.

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1710

A ―concessão de uso‖ era de direito hereditário, ou seja, os herdeiros do fazendeiro

capitalista poderiam continuar com a posse das terras e com a sua exploração. Mas

não lhes dava o direito de venderem as terras, ou mesmo de comprarem terras

vizinhas (STEDILE, 2005, p.4).

Na colônia as terras eram divididas em capitanias hereditárias e podiam ser

repassadas como forma de herança, todavia as mesmas ainda não eram consideradas

mercadorias, pois só podiam ser repassadas por intermédio da Coroa para as classes mais

nobres da sociedade. A finalidade dessa concessão de terra era fazer com que houvesse um

maior investimento na produção e consequentemente uma maior expansão da exportação dos

produtos. É possível constatar que as desigualdades começavam a surgir, pois havia a negação

da distribuição de terras para as pessoas que não tinham um elevado poder aquisitivo.

Os índios foram os primeiros sujeitos incorporados para trabalhar nesse meio de

produção, mas os escravos constituíram-se nos principais protagonistas dessa época, sendo

importados da África com o intuito trabalhar em lavouras e exercer uma função que não lhes

dava, se quer uma condição digna de sobrevivência. Por muito tempo o trabalho escravo

permaneceu, e foi só a partir do fim das capitanias hereditárias e das fortes repressões que os

ingleses faziam ao modelo de mão-de-obra utilizada no Brasil, que começaram a ser pensadas

leis que ―protegessem‖ esses sujeitos que até então eram tratados como mercadorias.

Porém, antes mesmo que fosse criado algum documento que garantisse o fim da

escravidão, foi-se pensado em estratégias que fizessem com que, uma vez libertos, os ex-

trabalhadores escravos não tivessem possibilidades de se transformar em camponeses. Com

isso, foi criada a Lei das Terras em 1850. Segundo Einsfeld (apud, MOREIRA, 2007)

A primeira legislação que regula efetivamente a posse de terras no Brasil foi

elaborada e ficou conhecida como Lei das terras. Ela regulava a propriedade privada

da terra, sendo que o interessado tinha que pagar a regularização a Coroa. Isso

permitiu que as pessoas ricas regularizassem suas propriedades junto ao cartório de

Terras.

A referida lei foi criada justamente para controlar a extensão das terras, ficando

quase impossível dos escravos mudarem o rumo das suas vidas e também do país. Mesmo

depois da promulgação da Lei Áurea de 1888 que garantia a ―liberdade‖ desses indivíduos,

eles ainda continuavam submissos a grande propriedade.

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1711

E, pela mesma lei de terras, eles foram impedidos de se apossarem de terrenos e,

assim, de construírem suas moradias: os melhores terrenos das cidades já eram

propriedade privada dos capitalistas, dos comerciantes etc. Esses trabalhadores

negros foram, então, a busca do resto, dos piores terrenos, nas regiões íngremes, nos

morros, ou nos manguezais, que não interessavam ao capitalista. Assim, tiveram

inicio as favelas. A lei de terras é também a ―mãe‖ das favelas nas cidades

brasileiras (STEDILE, 2005, p. 06).

A terra ganha um novo significado no país, ela agora passa a ser vista como

mercadoria e objeto de negócio. Dessa forma, quem apresentava um maior poder aquisitivo na

sociedade tinha condições concretas de se transformar em um grande latifundiário, já as

pessoas pobres estavam destinadas a viver em subordinação. Esse cenário é marcado pelas

expressões da questão social, mesmo que essas ainda não sejam reconhecidas, uma vez que,

as desigualdades começam a aparecer de forma bastante acentuada e os indivíduos mais

pobres estavam cada vez mais pré-destinados à subalternidade.

Em meio a esse contexto nasce o campesinato, que foi constituído por camponeses

pobres vindos da Europa e também de um grande contingente de pessoas mestiças, as quais

foram se formando ao longo da história do país. Essa população não era submetida ao

trabalho escravo, todavia não eram detentores de riquezas, então para manter a sobrevivência

começaram a se deslocar para terras do interior, sendo desenvolvido assim mais um modo de

ocupação de terras no Brasil, referindo-se atualmente à Região Nordeste.

Em meados dos anos de 1930 o país vive um cenário de crise, trazendo elementos que

condicionam para o fim da monarquia e a implantação de uma República. Várias foram às

estratégias usadas para que houvesse essa mudança, porém é importante destacar que somente

as classes dominantes participaram desse movimento, incluindo dessa forma apenas os seus

devidos interesses, deixando mais uma vez as classes subalternas longe das decisões e

inclusões do rumo da sociedade. Assim, aproximadamente no inicio do século XX os grandes

latifúndios perdem o controle do Estado e nasce a burguesia industrial.

O modelo econômico imposto no Brasil tem suas bases ligadas às práticas da

industrialização dependente da agricultura para exportação, e a agricultura fica intimamente

subordinada a esse novo padrão.

Surge então, um setor na indústria vinculado a agricultura, as indústrias produtoras

de insumos para a agricultura, como ferramentas, máquinas, adubos químicos,

venenos, etc. E outro, da chamada agroindústria, que foi a implantação da indústria

de beneficiamento de produtos agrícolas (STEDILE, 2005, p. 09).

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1712

Podemos perceber que o modelo poderia ter sofrido mudanças, mas ainda havia uma

grande interligação entre a classe dos latifundiários e da burguesia industrial, eles exerciam

uma associação que tinha como objetivo principal a troca de interesses para que pudessem se

desenvolver. Nota-se que a questão agrária sofreu vários impactos nesse período, não somente

do contexto em si, mas também dos sujeitos que a protagonizavam.

O crescente desenvolvimento nas cidades a partir da industrialização ocasionou o

êxodo rural, que se caracterizou como a saída do homem do campo para as cidades. Essa

população se deslocava das suas terras com o intuito de conseguir bons empregos na indústria.

Porém a realidade foi totalmente outra, pois esses camponeses exerceram o papel de mão-de-

obra barata, decorrente do grande número de pessoas que chegavam as cidades, formando um

grande exército industrial de reserva que ocasionava uma grande queda de salários.

Diante de todo esse contexto, é notável perceber que a questão da má distribuição de

latifúndios no Brasil não é recente. Ao longo da história muitos indivíduos sofreram com a

negação do direito a terra e foram protagonistas de uma sociedade totalmente excludente.

Apesar de todo desenvolvimento econômico que o país vivenciou, ainda não conseguiu

avançar no que diz respeito à concentração de terras, chegando a ser um dos países mais

desiguais do mundo. É pensando nessa realidade social que existem grandes lutas pela

implantação de uma reforma agrária como política estrutural para que se possam resolver os

problemas fundiários, bem como amenizar a pobreza existente no campo e na cidade.

3 A Questão Agrária e o Partido dos Trabalhadores (PT)

Apesar dos avanços das organizações de movimentos sociais na luta pela terra, e do

constante embate político desses movimentos com o Estado, a Reforma Agrária no Brasil

ainda não se efetivou. A concentração de terras traz consigo consequências devastadoras,

aumentando significativamente a desigualdade social e a miséria. Não obstante, a política

neoliberal adotada pelos governantes políticos, se torna fator essencial para o quadro em que

se encontra o país. O capitalismo, não apenas impede o desenvolvimento social, como

contribui com a crescente pauperização da população, intensificando cada vez mais a divisão

da sociedade em classes. Nesse sentido, a busca pelo lucro, se torna objetivo da maioria,

gerando exploração e pobreza daqueles que não possuem nada, além de sua força de trabalho.

A Reforma Agrária é vista atualmente como uma das alternativas para solucionar a

má distribuição das terras e diminuir as desigualdades sociais. Contudo, esse debate nos

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1713

âmbitos político, social e econômico, está longe de se concretizar, sendo adotadas pelos

governos vigentes, medidas que ora se tornam repressivas, ora são meramente assistencialistas

e compensatórias, visando essencialmente à conformação popular diante da realidade posta.

No Brasil, a Questão Agrária se tornou destaque na segunda metade da década de

1970 e 1980, principalmente devido ao declínio da Ditadura Militar iniciada no ano de 1964.

Esse período foi de grande importância para o contexto histórico brasileiro, não somente pela

queda da ditadura, mas pelo ressurgimento de movimentos sindicais e partidários, como

resposta ao absolutismo que predominava no país até aquele momento. Desse modo, a

questão da terra, que fora suprimida com o golpe militar, é retomada, principalmente com a

criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em um estágio de

reabertura da liberdade política. Nessa mesma conjuntura, foram criados o Partido dos

Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com objetivo de lutar pelos

direitos dos trabalhadores e pela conquista da democracia.

Em 1989, ocorreu no país à primeira eleição para Presidente da República após a

ditadura de 64, o PT teve como candidato a presidente o sindicalista Luíz Inácio Lula da Silva

e José Paulo Bisol como vice-presidente. Contudo, quem venceu as eleições foi Fernando

Collor de Mello, do então Partido da Reconstrução Nacional (PRN), tendo como vice-

presidente Itamar Franco. No ano de 1994, Lula enfrentou nas eleições presidenciais o

sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC), do Partido da Social Democracia Brasileira

(PSDB), sendo mais uma vez derrotado logo no primeiro turno. Já nas eleições de 1998, o

sindicalista foi novamente vencido por Fernando Henrique, também no primeiro turno.

Em seu primeiro mandato FHC, investiu na política de assentamentos rurais, no

entanto, acreditava que naquele momento o Brasil não possuía grandes latifúndios,

procurando assentar apenas as famílias que permaneciam em acampamentos (FERNANDES,

2003). Nesse sentido, tal política não saiu como o esperado, sendo que em 1998, ―em seu

segundo mandato, FHC mudou de estratégia e desenvolveu uma política agrária

extremamente repressora, criminalizando a luta pela terra e desenvolvendo uma política de

mercantilização da terra‖ (FERNANDES, 2003, p.02). Assim, o governo de Fernando

Henrique não apresentou de fato, um projeto que solucionasse a questão da terra no Brasil,

sendo a maioria dos assentamentos fruto das ocupações pelos movimentos de camponeses.

Com a criminalização dos movimentos sociais no segundo mandato de FHC, houve

uma intensificação desses movimentos. Segundo Sobreiro Filho,

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1714

Diante da falta de negociação com o governo FHC os movimentos, entre os anos de

1994 e 1995, passaram a intensificar o número de ocupações em 15,52% e famílias

em ocupações em 142,47% visando explicitar, acima de tudo, a necessidade da

realização da reforma agrária no país e a sua indignação perante aos acontecimentos

e a maneira conforme o governo vinha tratando do assunto (SOBREIRO FILHO,

2011, P. 16).

A falta de um debate concreto por parte do governo sobre a questão agrária revoltava

os ativistas dos movimentos sociais, principalmente devido ao agudo quadro em que a política

neoliberal de FHC submetia as políticas sociais, aumentando significativamente a pobreza e

as desigualdades sociais.

Em 2002, as eleições presidenciais trouxeram consigo a vitória de Luíz Inácio Lula da

Silva sobre o candidato do PSDB José Serra, com 61,27% de diferença. A conquista da

presidência do sindicalista despertava na população o sentimento de mudança política e social

no país. De fato, o Programa Agrário do PT de 1989, percebia a questão agrária como

essencial para uma sociedade mais justa e democrática, contudo, o programa sofreu mudanças

já em 2002, quando passa a defender a reforma agrária como necessária para o

desenvolvimento no campo e a consequente eliminação da pobreza, ou seja, buscando

principalmente a modernização tecnológica no meio rural.

O outro aspecto do programa contemplava as políticas compensatórias e

emergenciais que acabaram se tornando o ―carro chefe‖ do governo do PT, como a

bolsa família, por exemplo. No entanto, mesmo com as limitações, caso o segundo

programa agrário do governo Lula tivesse sido colocado em prática, talvez a reforma

agrária e a agricultura familiar se tornassem políticas fundamentais para a garantia

da soberania alimentar, erradicação da pobreza e geração de empregos, o que não se

verifica na realidade (ENGELMANN e GIL, 2012, p. 06).

Desse modo, com o intuito do desenvolvimento no campo, o governo petista

intensificou o agronegócio, sendo esta uma carapuça do latifúndio. Além disso, a não

criminalização dos movimentos sociais e a credibilidade de Lula em seu primeiro mandato,

fez com que diminuíssem as ocupações de terras pelo MST, divergindo do governo de FHC.

Outrossim,

Conforme dados divulgados pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário

(MDA)/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), entre os

dois mandatos de Lula (2003-2008), 519 famílias teriam sido assentadas. Enquanto

que, nos oito anos (1995-2002) do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC),

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1715

segundo o INCRA, foram assentadas 524.380 famílias. (GONÇALVES apud

ENGELMANN e GIL, 2012, p. 06).

Contudo, os dados do governo Lula contabilizados pelo INCRA abrange não apenas o

número de assentados, mas compreende outros dados, entre eles a inclusão de assentamentos

antigos. Assim, percebe-se uma tentativa do governo em tentar manipular os números de

famílias assentadas, concluindo que no governo de Fernando Henrique, mesmo com sua

aguda política neoliberal e a forte criminalização dos movimentos sociais, houve uma maior

criação de assentamentos rurais.

No governo de Dilma Rousseff, militante do PT, iniciado no ano de 2010, o contexto

político não mudou. O investimento no agronegócio, sob a perspectiva de desenvolvimento,

cada vez mais se acentua, gerando além da má distribuição de terras e da concentração de

renda, o desemprego, a poluição do meio ambiente e o prejuízo à saúde humana, devido o uso

indiscriminado de agrotóxicos. As medidas adotadas não visam o enfrentamento do

latifúndio, mas a aliança do governo com as multinacionais, que se alojam em grandes

propriedades, usufruem de suas riquezas e após sua saturação, abandonam a terra. Nesse

sentido, o investimento na agricultura familiar é reduzido, dando espaço ao agronegócio.

O capitalismo agrário se tornou marcante no governo petista, o ideário de

transformação que o partido transparecia na década de 1980, foi deixado de lado, sufocado

por um governo latifundiário e a serviço da burguesia. No entanto, o PT se configura como

partido de todas as classes sociais, principalmente por causa de seus programas

assistencialistas e compensatórios como o Bolsa Família, que apesar de não resolver o

problema da pobreza, garante a milhares de famílias um ganho fixo mensalmente.

4 A Problemática da terra sob a ótica da atuação do Serviço Social

O Serviço Social é uma categoria profissional que atua cotidianamente com as

expressões da questão social. As referidas expressões quando relacionadas à problemática da

Questão Agrária podem ser entendidas como as contradições existentes entre as grandes

concentrações de terra e as consequências decorrentes dessa situação, Iamamoto por sua vez,

afirma:

[...]a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades

sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a interdição

do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contrapondo à

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1716

apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho, das condições

necessárias a sua realização, assim como de seus frutos (IAMAMOTO, 2004:17).

Nesse sentido, compreende-se que a questão agrária ao fazer parte de um conjunto de

contradições decorrentes da propriedade privada da terra, expressa o que no entendimento da

autora acima referenciada se entende por questão social, que são as expressões das

desigualdades desenvolvidas pela sociedade do capital. ―A questão agrária trata, pois, da

desigual distribuição das terras, decorrente da alta concentração de grandes extensões dessas

nas mãos de poucos proprietários, em detrimento de todo um segmento da população que não

tem terra[...] (EINSFELD, 2009, p.36-37). Dessa forma, entende-se que, para que as pessoas

possam acessar espaços territoriais, se faz necessário que ocorra uma distribuição igualitária

das terras, e é frente essa questão que o Serviço Social deve dá suporte aos problemas

referentes a Questão Agrária.

A atuação dos assistentes sociais frente à problemática da terra, requer não somente

uma prática interventiva garantidora de direitos, mas também uma atuação conjunta com as

lutas organizativas do campo. ―Conforme o projeto ético-político que orienta a profissão, o

Assistente Social deve primar pela autonomia, pela emancipação e expansão dos indivíduos

sociais, defendendo e assegurando seus direitos civis, sociais e políticos [...]‖ (EINSFELD,

2009, p.15). Seguindo essa direção, entende-se que o Serviço Social deve impulsionar os

indivíduos a lutarem por sua emancipação em busca das necessidades sociais que os

legitimem enquanto seres sociais. Dessa forma, esse segmento profissional encontra nos

movimentos pertinentes a questão agrária um meio para apoiar e assegurar o direito a terra,

relacionado a isso, Souza enfatiza que:

[...]os movimentos sociais representam uma nova ordem política, na construção de

sua organização em vista à solução de suas necessidades sociais e o Serviço Social,

em sintonia com o projeto ético-político, tendo como um dos princípios a construção

de uma nova ordem social tem o dever de apoiar tais movimentos (2007:4).

Mediante o exposto, entende-se que o Projeto Ético Político ao visar à construção de

uma nova ordem societária, imprime nos movimentos sociais o pontapé em busca dessa nova

conjuntura política, uma vez que os movimentos atuam no contexto social frente ás

desigualdades impostas pelo atual modo de produção. Ou seja, organizam-se na busca por

melhores condições de vida, nesse caso específico, os movimentos sociais do campo estão

inseridos em um contexto de contradições que tem na luta pela terra seu principal objetivo.

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1717

Cabe aos Assistentes Sociais incorporarem a sua prática profissional aos anseios

postos pela Questão Agrária, segundo Nunes (2011, p.15):

O Serviço Social deve, portanto, cada vez mais ocupar espaços dentro das

organizações que organizam os trabalhadores em luta pela reforma agrária, lutando

para que as milhares de famílias que estão acampadas nas margens das rodovias

lutando por um pedaço de chão em uma situação precária possam ter minimamente

seus direitos enquanto cidadãos, que é de ter acesso a políticas públicas

fundamentais como saúde, educação, entre outras que possam ser atendidas

(NUNES, 2011, p.15).

Diante disso, percebe-se que, sendo o Serviço Social uma profissão orientada por um

Projeto Ético Político, se faz necessário impulsionar uma prática profissional que venha a

contribuir com a construção de uma nova ordem societária que prime pela emancipação dos

grupos mais vulneráveis. Dessa forma, ao incorporar e apoiar os espaços organizativos

ligados à questão da terra, os assistentes sociais estão não somente contribuindo na busca por

uma sociedade mais justa e igualitária, mas principalmente estão assegurando direitos àqueles

que ―estão em uma situação de exclusão extrema‖. (IDEM, 2011, p.18)

Existem diversos momentos no que concerne a abordagem da questão agrária, que

segundo análises de Nunes (2011) o Serviço Social deve estar envolvido. Entre estes, destaca-

se a luta pela reforma agrária na sua fase de acampamento, nessa situação as famílias ficam

acampadas em rodovias, sem nenhum reconhecimento social, como estratégia para pressionar

o governo a garantir minimamente seus direitos sociais legalmente existentes. Outro momento

corresponde à fase de pré-assentamento, aqui as famílias já tem as terras para produzir, o

governo meio que já ―concedeu‖ as terras, mas as famílias continuam desassistidas de

assistência, morando, por exemplo, em barracas de lonas e sem o mínimo acesso a políticas

públicas. O último momento compreende as famílias assentadas, essa situação quando

comparada as anteriores pode ser considerada de maior visibilidade, uma vez que as famílias

assentadas dispõem de créditos concedidos pelo governo para produzir, já possuem energia

elétrica, no entanto, o acesso às políticas públicas fundamentais ainda continua quase que

inexistente. Percebe-se a partir disso, que essa conjuntura expressa uma postura omissa por

parte do Estado, como se a partir do momento que as famílias tivessem as terras concedidas,

todos os outros direitos que não estavam sendo assegurados como educação, saúde, moradia,

lazer entre outros passassem agora a existir.

Corroborando com essa ideia, (RIBEIRO; RIBEIRO) afirma:

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1718

[...] Reforma Agrária acontece a partir da luta das multidões que sofrem

cotidianamente a questão agrária através da concentração de terra e riqueza presente

em nosso país. No entanto, ela continua acontecendo a cada instante pelas vidas que

habitam acampamentos, assentamentos, reservas indígenas escassas e os

sobreviventes quilombos. A Reforma Agrária é mexida pelos movimentos do viver

das famílias que mesmo com a posse da terra ainda lutam pela expansão de suas

vidas e de seus direitos. (2008, p.175)

A problemática da terra não incide apenas em dar apoio aos movimentos sociais para

que estes lutem por melhores condições de acesso a terra, mas consiste em entender que a

questão agrária não acaba quando as essas são concedidas, ou seja, a luta pela terra não se

restringe simplesmente a sua concessão. Diante disso, cabe ao Serviço Social estar inserido

em meio a essa conjuntura devendo apoiar os movimentos do campo, uma vez que, a questão

agrária é expressa para além da terra, ou seja, as outras expressões sociais não podem ser tidas

como um discurso pronto, uma vez que cada família em sua conjuntura particular necessita de

condições peculiares a sua situação para desenvolver-se. Dessa forma, sentiu-se a necessidade

do Serviço Social em atuar cotidianamente com esses sujeitos, como forma de identificar mais

verdadeiramente as necessidades dessa população.

O Assistente Social é um profissional que ainda detém 70% de sua prática no meio

urbano, por essa razão deve encontrar uma maneira de implantar seu fazer profissional, no

meio rural, (NUNES, 2011). Nessa direção, encontrou-se nas práticas de estágio em

assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST a situação mais pertinente

pra isso:

[...] as práticas de estágio em Serviço Social, junto aos assentamentos do MST,

foram conduzidas pela escuta sensível, pela alteridade, pela acolhida ao heterogêneo,

permitindo a expressão do conflito e do debate, buscando propor atividades a partir

das escolhas feitas pelas famílias e pelos grupos organizados. O exercício de tentar

romper com uma postura profissional detentora de um saber absoluto foi constante.

Este modo de construir a intervenção profissional exigiu um movimento de

aprender-ensinar-desaprender-aprender, ou seja, tenta abrir mão de estigmas,

assumir limitações, encarar desafios e propor alternativas capazes de vir a contribuir

com o processo autogestionário possível (RIBEIRO e RIBEIRO, 2008, p.180).

A partir disso, entende-se que não basta simplesmente ao Serviço Social entender e

apoiar os movimentos e grupos vulneráveis na busca por seus objetivos, faz-se necessário

primordialmente, entender a intervenção profissional como um processo de aprendizado,

tendo em vista que não é impondo a um grupo específico o que deve ou não ser feito, mas

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1719

identificar as fragilidades e potencialidades presentes na comunidade para então desenvolvê-

las na busca por seus objetivos. O fazer profissional do Assistente Social será incorporado à

comunidade a partir do momento que valoriza o conhecimento do outro, que encontra na

própria realidade a base para seu êxito.

Diante do exposto, é visível notar que os profissionais de serviço social devem estar

aptos para atuarem em meio às expressões da questão social, a questão agrária é aqui

entendida como uma dessas expressões, tendo em vista que é devido à contradição existente

na apropriação desigual das terras que essa se intensifica. Partindo desse pressuposto e

levando em consideração as abordagens feitas nesse estudo, se faz necessário entender que a

relação do Serviço Social com a questão agrária assume muito mais que um fazer estritamente

profissional, uma vez que encontra na problemática da terra, bem como nos movimentos

sociais do campo uma de espécie de aliados, tendo em vista que lutam por um modo de

sociabilidade onde a igualdade e a emancipação humana estejam presentes.

5 Considerações Finais

O acesso a terra se configura uma problemática da sociedade atual, grandes

latifundiários detém a maior parte das extensões territoriais brasileiras, aumentando cada vez

mais as desigualdades sociais. Nesse sentido, percebe-se que mesmo após a ditadura militar, a

reforma agrária não se efetivou, continuando sendo tratada em segundo plano, devido a isso,

nos últimos anos os movimentos sociais da terra, como o MST, vem intensificando suas

ações, como forma de garantir o direito a terra.

Outrossim, os governos da história brasileira, não apresentaram interesse em realizar

a Reforma Agrária, uma vez que essa ação vai em contrapartida com o interesse da classe

dominante. Com isso, a expectativa que o governo Lula gerou na população, era de, entre

outras coisas, solucionar a questão da terra no Brasil, já que a política neoliberal de FHC,

além de não ter conseguido dar a atenção necessária a essa problemática, criminalizava

profundamente os movimentos sociais. No entanto, o que se percebeu na gestão petista de

Lula, foi uma intensificação do agronegócio, deixando a Reforma Agrária de lado mais uma

vez. Com o governo da também petista Dilma Rousseff, o agronegócio foi ainda mais

valorizado, diminuindo a importância da agricultura familiar.

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Desse modo, o trabalho do Assistente Social se torna de grande relevância para a

conjuntura social vigente, dando apoio aos movimentos sociais da terra, bem como

assessorando as famílias já assentadas na garantia de seus direitos.

REFERÊNCIAS

EINSFELD, Jordana. A questão agrária e os movimentos sociais do campo- Um tema

para o Serviço Social. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2009.

ENGELMANN, Solange I; GIL, Aldo Duran. A questão agrária no Brasil: a política

agrária do governo Lula e a relação com o MST. Universidade Federal de Uberlândia,

2012.

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Disponível em: http://www2.fct.unesp.br/nera/publicacoes/LULA_RA.pdf. Acesso em: 06 de

setembro de 2013.

IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na contemporaneidade; trabalho e formação

profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

IAMAMOTO, Marilda Vilela. A questão social no Capitalismo. In Revista Temporalis. Ano

II. Nº 3, 2ª Ed, ABEPSS, 2004.

NUNES, Pedro Ferreira. O Serviço Social e a Política de Reforma agrária no Estado de

Goiás. Goiânia 2011. Disponível em: http://www.slideshare.net/PedroTocantins/tcc-pedro.

Acesso em: 05 de Setembro de 2013.

RIBEIRO, Angelica Soares; RIBEIRO, Cristine Jaques. O estágio em Serviço Social em

assentamentos de reforma agrária do MST. Universidade Católica de Pelotas, 2008.

SOUSA, Adinari Moreira. Os atingidos por barragens de Acauã no Estado da Paraíba e

sua inserção política no movimento de luta por direitos sociais. X Congresso Brasileiro de

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STEDILE, João Pedro (org.) A Questão Agrária no Brasil. O debate profissional 1500-

1960. São Paulo: Expressão popular, 2005.

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1721

SELEÇÃO E ESTOCAGEM DE SEMENTES DA PAIXÃO: UMA EXPERIÊNCIA

ALTERNATIVA DE RESISTÊNCIA AO CAPITAL NO CAMPO

Nascimento, Juliano Moreira do75

Silva, Elizabeth Alves da76

Resumo

Desde que aprendeu a dominar as técnicas de plantio e cultivo agrícola, o ser humano desenvolveu

formas de adaptação importantes para a produção de alimentos direcionados ao consumo familiar,

partindo das observações das mudanças que ocorriam na natureza. Durante milhares de anos,

pequenos agricultores de diversos lugares do mundo iniciaram e mantêm a tradição de plantar uma

diversidade de espécies alimentícias usadas como garantia de subsistência das comunidades locais.

Dentre essas experiências, podemos citar a de seleção e estocagem de sementes naturais (conhecidas

como sementes crioulas ou Sementes da Paixão). Este artigo expõe alguns resultados apresentados na

dissertação de mestrado (PPGG-UFPB) intitulada: Os bancos de sementes comunitários na construção

dos territórios de esperança: o caso do assentamento Três Irmãos/PB (concluída em 2011), o qual

objetivou um estudo da resistência camponesa ao processo de dominação do capital na agricultura,

através da recuperação da luta pela terra e a da construção do Banco de Sementes Comunitários no

Assentamento Três Irmãos, localizado próximo à cidade de Triunfo, na microrregião de Cajazeiras, na

Paraíba. Essa comunidade é composta por 74 famílias, distribuídas em 07 glebas: Três Irmãos, Saco,

Tabuleiro Grande, Croá, Carretão, Mulunguzinho e Vertente. A metodologia utilizada foi quanti-

qualitativa, para isso, fizemos a bibliográfica e documental, além de pesquisas de campo; o método foi

o materialismo histórico e dialético. Estudar, portanto, as Sementes da Paixão e os Bancos de

Sementes Comunitários, faz-nos perceber como os camponeses enfrentam os problemas deles, sejam

naturais, sociais, culturais ou econômicos.

Palavras-chave: Sementes da paixão. Campesinato. Capitalismo

Introdução

Historicamente, o campesinato no Brasil vem sendo marcado por lutas e resistência,

sejam elas contra as relações patronais, as limitações climáticas e/ou a total subordinação ao

capitalismo. Na busca pela reterritorialização e à procura por novas terras para morar e

produzir seus alimentos, de forma natural e saudável, os camponeses se juntam aos

movimentos sociais, sindicatos rurais, entre outras entidades para lutarem pelo que lhes são de

75

Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Cajazeiras – PB; Prof.

Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) pela Universidade Federal da

Paraíba (UFPB); [email protected] 76

Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; e-

mail: [email protected]

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direito. Pode-se observar em várias comunidades camponesas o trabalho de resgate às

tradições agrícolas que valorizam o trabalho familiar, o meio ambiente, a coletividade e a

preservação da biodiversidade.

A agricultura camponesa está inserida em um processo de resistência e luta pela terra,

seguindo um caminho inverso às discussões capitalistas (que pregam a modernização agrícola

associada aos insumos químicos e ao domínio e patenteamento da biodiversidade). A relação

do camponês com a agricultura é resultado de experiências a partir do contato com o meio

natural e de conhecimentos acumulados através dos tempos, repassado para os demais

membros da família, que se mantêm presentes em todo o processo de produção alimentar,

fortalecendo a aproximação entre estes e outros membros da comunidade local (Almeida

2003).

No sertão da Paraíba, os movimentos de luta pela terra tem ganhado destaque não só

pela conquista da terra, mas, pelo desenvolvimento de experiências locais que representam

um reforço à permanência do campesinato dentro do modelo capitalista dominante.

As sementes naturais ou crioulas são reconhecidas por um nome especial, o de

Sementes da Paixão. Dentre os 228 Bancos de Sementes Comunitários ou BSC espalhados

pelo estado (figura 01) destaca-se o do Assentamento Três Irmãos, localizado próximo à

cidade de Triunfo, na microrregião de Cajazeiras, na Paraíba (locus da pesquisa). Essa

comunidade é composta por 74 famílias, distribuídas em 07 glebas: Três Irmãos, Saco,

Tabuleiro Grande, Croá, Carretão, Mulunguzinho e Vertente.

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1723

Figura 01

Para a efetivação desse trabalho foi feito um levantamento bibliográfico - acerca dos

conceitos-chave utilizados na discussão – e documental, no intuito de compreender o contexto

histórico no qual o locus dessa pesquisa estava inserido; documentação fotográfica e em

vídeo; e pesquisas de campo: visitas ao Assentamento Três Irmãos, participação em eventos

da Rede Sementes da Comissão Pastoral da Terra/Sertão-PB e da Festa Estadual da Semente

da Paixão, na qual fizemos diversas entrevistas. Na intenção de encontrar um método que

melhor se aplicasse à discussão proposta, escolhemos o método materialismo histórico e

dialético e, para melhor interpretar esse método, escolhemos uma vertente qualitativa.

No percurso de nosso trabalho acompanhamos um pouco da dinâmica e da realidade

dos camponeses do Assentamento em questão, onde, através da convivência com estes,

conhecemos as suas histórias e como estas estavam atreladas à história do Banco de Sementes

1 – Mapa de distribuição dos Bancos de Sementes da Paixão no estado da Paraíba, ASA/PB, 2009.

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1724

Comunitário. Para estes, a estocagem de sementes representam uma garantia das necessidades

básicas como: sementes para o alimento e para o plantio no período de chuvas.

O campesinato e a luta pela terra

Desde que aprendeu a dominar as técnicas de plantio e cultivos agrícolas, o homem

observou as mudanças que ocorriam na natureza e, dessa leitura, desenvolveu formas de

adaptação importantes para a produção de alimentos direcionados ao consumo familiar. O

cuidado com o material orgânico, com a valorização e adaptação aos padrões e limites

impostos pela natureza foram importantes para o melhoramento na produção de alimentos.

Assim, as relações de proximidade com a terra foram estreitadas, fixando-os em uma

determinada fração do espaço.

Esse acontecimento marcou a história do ser humano, pois muitos abandonaram uma

vida de nomadismo e tornaram-se sedentários. Desse modo, durante milhares de anos,

pequenos agricultores de diversos lugares do mundo deram origem a uma tradição de plantar

uma gama de espécies alimentícias, usadas como garantia de subsistência das comunidades

locais. A agricultura é caracterizada pela manipulação natural de vegetais, valorizando o

atendimento das necessidades essenciais de uma população em crescimento.

A dedicação do camponês à agricultura é resultado do contato e conhecimento

acumulados através dos tempos e repassado para os demais membros da família que se

mantêm presentes em todo o processo de produção alimentar, gerando uma melhor

aproximação entre os familiares e outros membros da comunidade local.

De modo que, como afirmam Almeida e Freire (2003):

De olhos atentos ao seu mundo, comunidades de agricultores vêm observando seu

meio, a natureza, seus elementos e mecanismos; vêm assim inventando e

reinventando sua realidade e construindo um repertório de conhecimentos que

permite, como as sementes, germinar e frutificar espaços socioculturais, expressão

legitima de suas formas de atuar. As sementes, antes portadoras de mensagens

biológicas, carregam agora novos significados. Fazem germinar roçados, mas

também fazem crescer um conjunto de saberes, resultado de um intenso processo de

pesquisa, seleção e troca realizado pelos agricultores (p. 280).

A valorização do cultivo de alimentos está relacionada à cultura local, e, em muitos

casos foi-lhe atribuído um valor místico de acordo com as tradições assim, ―a diversidade

agrícola interage dinamicamente com a diversidade cultural‖ (RIBEIRO, 2003). A seleção e

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1725

estocagem de sementes que melhor se adaptam a determinadas regiões e que tinham melhor

qualidade foi importante para a diversificação na produção de alimentos.

Celebrar e preservar a cultura do plantio de sementes sempre foi motivo de alegria e

satisfação para os camponeses. Resgatar o trabalho de produção, conservação e estocagem das

sementes está intimamente ligado à preservação da cultura de uma determinada sociedade.

No Nordeste brasileiro, a prática e uso dessas técnicas de estocagem mantêm relações

com a fé popular, fortalecidas em um contexto de simbolismo, misticismo e afetividade. Essa

cultura valoriza a união e a proximidade entre os camponeses (coletivismo), que se juntam em

períodos de festas ou até mesmo nas conhecidas rodas de conversas, para discutirem e

trocarem experiências sobre suas formas de produção (NASCIMENTO, J.M., 2011).

Ressalta-se ainda a importância da fé do camponês e do imaginário popular que

valoriza fielmente a tradição de celebrar o dia dos santos que protegem a produção e a

colheita. A valorização do alimento e a tradição da estocagem de sementes são antigas,

podendo ser encontradas em passagens bíblicas, na mitologia grega, nos mitos e nas lendas

indígenas (CASOY, 2003). Antigamente, os fiéis guardavam sementes dentro das imagens

dos santos, acreditando que seriam abençoadas e que trariam uma produção farta.

Com isso, queremos reforçar a idéia de que, o agricultor, durante muito tempo foi o

responsável direto pela sua produção. Atuando desde a seleção de sementes até a colheita de

seus produtos, reforçando uma relação de harmonia com a terra e com os demais camponeses.

Karl Marx observa que:

os alimentos que excediam das produções podiam ser guardados, estocados e

reservados para suprir as necessidades da população em épocas de colheitas ruins. A

tradição pela conservação dos alimentos sempre teve importância para a formação

da sociedade humana em vários momentos da história. (MARX, 1975, p. 861)

Para o camponês, a cultura de seleção e produção de sementes tem como finalidade

assegurar a qualidade dos alimentos e garantir a subsistência de sua família. Todavia, com a

ascendente expansão capitalista no campo, que culminou com o processo de ―modernização

conservadora da agricultura‖ na década de 1970, os maiores beneficiados foram os grandes

latifundiários77

que, valorizados pelo agronegócio, automaticamente excluíram os pequenos

77

O senhor territorial descrito por Marx, em sua obra O Capital, é identificado no Brasil como o grande

latifundiário e o trabalhador livre está diversamente caracterizado como boia-fria, meeiros, sem-terra, posseiros,

etc. que ao serem retirados de suas terras retornam as mesmas não como dono da produção, mas como um

assalariado ou submisso ao dono da terra.

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1726

produtores de suas terras, no qual não tinham meios de se inserir no mercado competitivo

(SILVA, 2003, p. 59).

Em suas análises sobre o capitalismo, Marx diz que:

O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que

retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, o processo que

transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e

converte em assalariados os produtores diretos (...). O processo que produz o

assalariado e o capitalista tem suas raízes na sujeição do trabalhador. O

processo consistiu numa metamorfose da sujeição, na transformação da

exploração feudal em exploração capitalista (MARX, 1975, p. 830).

Alexander Chayanov (1966) em sua análise sobre os sistemas econômicos não-

capitalistas apresenta a teoria econômica da sociedade capitalista moderna como: um

complexo sistema de categorias econômicas inseparavelmente vinculadas entre si: preço,

capital, salários, juros, renda, determinam-se uns aos outros, e são funcionalmente

interdependentes (p. 136).

Nesse tipo de economia, a ausência de um destes elementos desarticularia toda

a estrutura, pois perderia o seu caráter específico e seu conteúdo conceitual. Chayanov (1966)

ainda observou que a unidade natural - que tem por finalidade satisfazer as necessidades da

família – tinha como característica principal uma produção alimentar de qualidade, voltada ao

consumo familiar, inexistindo a necessidade de obtenção de lucros que resistiu até o

surgimento de uma “economia de troca e monetária”. Ao atribuir o caráter de valor, a

produção qualitativa perde espaço para uma produção voltada para a quantidade e a categoria

preço adquire importância que, exemplificadas anteriormente, compõem o sistema econômico

capitalista.

Percebe-se então a importância da relação do camponês com a sua terra, seja ela vista

com fins de lucro ou como subsistência para a família. Para Marx, o processo de expansão

capitalista que intensifica o assalariamento dos camponeses resultaria no fim do campesinato.

Chayanov por sua vez, tentou mostrar em seus trabalhos que ―as leis do capitalismo‖ não

podem ser atribuídas a todas as formas de economia e que as leis de mercado (lucro) não são

encontradas quando a produção está voltada para o consumo familiar. Luxemburgo (1983),

por sua vez, observou que o capital não poderia resistir sem que houvesse uma parte da

sociedade não-capitalista que estivesse inserida diretamente na dinâmica do capitalismo, pois

estes seriam a classe consumidora de seus produtos, o que manteria o mercado.

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De acordo com Oliveira (1997, p.49), o foco principal do desenvolvimento do modo

capitalista de produção no campo brasileiro está ―na sujeição da renda da terra ao capital, pois

a partir daí, ele tem as condições necessárias para sujeitar também o trabalho que se dá na

terra‖. Assim, observamos que a retirada dos camponeses de suas terras, obriga-os a vender

seu bem mais importante, sua mão-de-obra.

O sistema capitalista, por mais devastador que seja, abre brechas para o surgimento de

outras formas de sobrevivência. Ao mesmo tempo em que exerce domínio, gera situações

onde o camponês recorre a outros meios para manter a subsistência familiar e econômica. De

acordo com Ariovaldo de Oliveira (1997):

Entender o desenvolvimento desigual do modo capitalista de produção na formação

social capitalista, significa entender que ele supõe sua reprodução ampliada, ou seja,

que ela só será possível se articulada com relações sociais não-capitalistas. (p.11)

Marx em seus estudos sobre o capitalismo, afirmou que a base sólida da agricultura

capitalista, se encontra na indústria moderna e na introdução de máquinas no campo e o

resultado dessa modernização leva a expropriação radical de uma imensa maioria dos

habitantes no campo (MARX, 1975: p. 866).

Decerto, ao separar o produtor camponês de suas terras, o capitalismo contribui para o

enfraquecimento das relações de identidade que este tem com o seu território, deste modo,

com o tempo perdem-se a conservação de seus valores sociais e culturais.

A produção agrícola no Brasil

É bem verdade que, desde o ―descobrimento do Brasil‖, a concentração de grandes

extensões de terra sempre foi defendida pelos governantes, mas, é no período colonial que a

terra é concebida como valor de mercado através da Lei de Terras de 185078

.

A respeito da agricultura brasileira, percebemos que, a década de 1960 marcou uma

mudança nas estruturas econômicas e produtivas, movimentada pela ditadura militar. Na

pauta das discussões do governo destacam-se os rumos do desenvolvimento econômico

78

No Brasil, a Lei de Terras (lei nº 601/1850) foi uma das primeiras leis brasileiras, após a independência do

Brasil, a dispor sobre normas do direito agrário brasileiro, tratando-se de uma legislação específica para a

questão fundiária. Esta lei estabelecia a compra como a única forma de acesso à terra e abolia, em definitivo, o

regime de sesmarias. A criação desta Lei transformou a situação na época porque as terras só poderiam ser

adquiridas através da compra nos leilões mediante pagamento à vista, e não mais através de posse, e quanto às

terras já ocupadas, estas podiam ser regularizadas como propriedade privada.

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brasileiro, que tinha como propósito retomar a corrida pela industrialização iniciada na

década de 30. Contudo, dessa vez, a política industrial não poderia acontecer caso não

houvesse profundas modificações no meio rural. Mudanças estas que tiveram o apoio do

Estado e dos que defendiam e apostavam que a modernização rural/industrial não necessitava

de uma reforma agrária, ou seja, a ―salvação do Brasil‖ não estava na divisão de terras e sim

na valorização e intensificação da concentração territorial em mãos de um número mínimo de

latifundiários. De acordo com Nogueira, (2005):

O país explodiu em termos capitalistas. Expandiu suas forças produtivas, estatizou-

se como nunca dantes, internacionalizou sua economia, dinamizou sua agricultura e

se industrializou. Movimentou-se freneticamente para todos os lados. Em vinte anos,

tornou-se outro: mais capitalista, mais moderno, mais deformado e injusto,

radicalizando uma tendência que vinha se acentuando desde a década de 50. (...) A

desigualdade social e a injustiça na distribuição da renda cresceram na mesma

proporção em que a economia capitalista se fortaleceu. (p.17-18)

A chegada da modernização no campo brasileiro tornou-se atração pela rapidez e

praticidade nas formas de cultivo desenvolvidas em países como os EUA. Existia uma

propaganda de disseminação de produtos agroindustriais nos países subdesenvolvidos,

guiados pelo ―exemplo de modernidade‖ dos Estados Unidos. Essas novas idéias eram

complementadas pela concepção de que o aumento da produção seria suficiente para atender a

necessidade alimentar dos brasileiros, acabando assim, com a fome e a desigualdade social

(SILVA, 2001). Entretanto, a própria história nos mostra que essa melhoria nunca aconteceu.

Segundo Graziano da Silva, a tecnificação das formas de produção no campo:

(...) coloca, necessariamente, os pequenos produtores na concorrência

intercapitalista, tanto no mercado de produtos como no de insumos. E a sua

capacidade de sobrevivência passa a ser determinada pela competição

intercapitalista nesses mercados. É uma ―corrida‖ cujo ritmo é dado pela

acumulação e, por mais que corram, são poucos os que conseguem ao menos

manterem-se no mesmo lugar, ou seja, sobreviver como pequenos produtores (2003,

p.59).

Nessa competição, os países que não se adequassem a essas mudanças eram vistos

como ―países atrasados‖. Isso facilitou a intensificação da monocultura, o uso de máquinas

pesadas, inseticidas e adubos químicos, a difusão das inovações biogenéticas na manipulação

das sementes, grande concentração territorial, trabalho assalariado e outras ―novidades‖ que

forçaram o agricultor a se adaptar às novas ―facilidades‖ no campo, deixando, assim, para trás

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(e até permitindo cair no esquecimento) a cultura de produção de alimentos naturais, nativos e

saudáveis (SILVA, 2003).

A terra com valor de mercado e a modernização da agricultura, geraram uma corrida

por uma maior concentração de terras associada à inserção e substituição gradual da

policultura pela monocultura intensiva, que transformou grandes extensões de terras em

produtoras de um tipo especifico de alimento ou de matéria-prima destinados à exportação e a

substituição gradual do pasto nativo pelo pasto plantado na esteira da expansão de uma

atividade pecuária intensiva e semi-intensiva. Segundo Silva:

O Estado brasileiro teve um papel decisivo na criação das condições políticas,

institucionais e econômicas para que a modernização se efetivasse de maneira rápida

e em grande escala. As exigências de consolidação e reprodução em larga escala do

modelo de ―industrialização da agricultura‖ comandaram uma drástica

reestruturação dos setores de produção de insumos e de transformação industrial, das

instituições e mecanismos de crédito, dos circuitos de comercialização e da estrutura

dos mercados (...) o Estado definiu um amplo e complexo conjunto de instrumentos

de intervenção – leis, regulamentos, programas, instituições – que passaram a

favorecer a expansão e a consolidação do modelo no terreno técnico - científico e a

regular as relações sociais e os conflitos resultantes das mudanças na organização

social e técnica da produção agrícola. (SILVA, 2001, p. 22)

A modernização no campo teve como carro-chefe as exportações agrícolas

estadunidenses, e chegou ao Brasil com o nome de Revolução Verde 79

. Suas técnicas de

produção, aliadas a produtos químicos, beneficiavam as grandes empresas de agronegócios

que se espalhavam pelo mundo e contribuiu para o aumento da desigualdade (MITTAL E

ROSSET, 2003, p.175). Algumas empresas de agrotóxicos, visando expandir seus negócios,

aliaram-se a uma visão de domínio sobre a produção de alimentos, comprando a maioria das

empresas que produziam sementes, criando as chamadas ―companhias de ciências da vida‖

que, através de técnicas de manipulação genética, procuraram, de forma maquiada, exercer

domínio sobre a produção e o consumo alimentar da população. Importantes empresas podem

ser destacadas como: Monsanto, Giga-Geigy, Hoecshst, Aventis, Novartis e Syngenta

Segundo Andrioli (2008) a Revolução Verde teve como base três elementos

interligados:

1) a mecanização, através da produção de tratores, colheitadeiras e

equipamentos; 2) a aplicação de adubo químico, pesticidas e medicamentos para a

criação de animais; 3) o progresso da biologia, através do desenvolvimento de

79

Entende-se por Revolução Verde à invenção e disseminação de novas sementes e práticas agrícolas (industrial,

química e mecanizada) que permitiram um vasto aumento na produção de alimentos em países menos

desenvolvidos durante as décadas de 60 e 70. (RIBEIRO, 2003)

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sementes híbridas e novas raças de animais com potencial produtivo superior (

p.103).

A manipulação genética das sementes ligada ao crescimento capitalista gerou um

domínio sobre o camponês, que viu seu alimento precioso sendo dominado por grandes

indústrias e cientistas que ―brincam de ser Deus‖, criando sementes modernas com alto poder

de produção que, no entanto, só germinam se estiverem associadas a insumos agrícolas

(herbicidas, adubos químicos, etc.), produzidas por tais empresas. (PINHEIRO, 2005).

Assim, o camponês tornou-se um escravo dessas empresas, pois além de pagar pelas

sementes, é obrigado a adquirir também os insumos tóxicos que, em sua maioria, são

vendidos em pacotes especiais, com preços ―acessíveis‖ que ―beneficiam‖ a produção de

alimentos (ALTIERI e NICHOLLS, 2003, p.164).

Nas concepções de Mittal e Rosset (2003), a relação desigual entre dominador e

dominado intensifica-se quando os problemas de saúde pública, causados pelo consumo de

alimentos geneticamente alterados e/ou produzidos com insumos tóxicos, causam doenças

como alergias, intoxicação alimentar, entre outros distúrbios que afetam grande parte da

população. Por outro lado, essa mesma população busca ―a cura‖ através de remédios, muitas

vezes, produzidos pela mesma empresa que ―criou‖ a semente e produziu o adubo/veneno,

fechando um ciclo de dominação alimentar. Algumas empresas como a Bayer e a Monsanto

podem ser lembradas nessa discussão.

A partir do momento em que os camponeses optam por usar em seus roçados as

sementes naturais e não as que são disponibilizadas pelo mercado, criam barreiras que

impedem a sua total absorção pelo modelo vigente de agricultura, principalmente o

agronegócio.

Os Bancos de Sementes Comunitários são experiências alternativas a essa agricultura

de mercado e vem ganhando destaque dentro dos Assentamentos, das entidades como a ASA-

PB (Articulação do Semiárido Paraibano) e a AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em

Agricultura Alternativa), e da CPT/Sertão (Comissão Pastoral da Terra/Sertão). Na Paraíba,

este trabalho em conjunto resultou em um grande evento e um importante espaço de discussão

mais ampla, as Festas Estaduais das Sementes da Paixão (FESP). No entanto não iremos nos

aprofundar neste encontro, mas, explicar o papel do BSC no Assentamento Três Irmãos.

O Banco de Sementes Comunitário do Assentamento Três Irmãos

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Conforme discutimos anteriormente, o capitalismo em sua contradição, ao mesmo

tempo em que expulsa o camponês de suas terras com a finalidade de torná-lo um assalariado,

também desperta nestes uma resistência a essas forças dominantes. A respeito da resistência

social camponesa, Carvalho (2003) explica que é necessário um processo prolongado de

resgate das identidades sociais, que exija uma:

redescoberta de seus saberes, habilidades e práticas de produzir, de se alimentar e de

cuidar da saúde, experiências essas de vida que ―rejeitaram‖ porque lhes disseram

que eram saberes e fazeres ultrapassados‖ (p.108) (grifo nosso).

Além de assegurar a subsistência da família - não só alimentar como também

econômica - a estocagem de sementes é importante para a recuperação e multiplicação dos

recursos genéticos locais, que garantem uma flexibilidade de opções através de um sistema de

policultura contrapondo-se à discussão capitalista que apóia a monocultura.

De acordo com Almeida (2001):

Tradicionalmente, o armazenamento de sementes do estoque familiar tem como

principio a baixa umidade e a vedação, sendo utilizados cabaças, latões de

querosene, garrafas e garrafões de vidro ou de plástico, baldes ou silos de zinco,

sempre vedados (p. 47).

A introdução da experiência de um banco de sementes comunitário nas comunidades

paraibanas trouxe consigo um discurso de conscientização sobre os impactos causados pelo

uso de insumos tóxicos nos roçados. A partir de então, muitos agricultores passaram a

produzir de forma natural e sustentável. Segundo os dados da Rede Sementes da Paraíba, o

estado possuía em 2006 o número de 476 silos, 228 BSC e contava com a participação de

6.561 famílias associadas, distribuídas em 61 municípios. Diante das estratégias

desenvolvidas por estes camponeses, destacam-se os bancos de sementes: comunitários

(BSC) e os familiares (BSF).

No BSC (figura 02), os estoques são disponibilizados tanto aos camponeses das

comunidades que possuam o banco, quanto para outras áreas como as de assentamento que

possam vir a necessitar de sementes para consumo ou plantio, obedecendo a uma regra de

devolução. O empréstimo de sementes, de acordo com a política do BSC, acontece da

seguinte forma: cada família recebe uma determinada quantia de sementes – de acordo com o

tamanho e as necessidades das famílias – e utilizam-nas no período de plantio ou para

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consumo próprio. No período de colheita devolve a quantia solicitada ao banco acrescida de

20% (o valor é estabelecido pela coordenação dos bancos). Esse método garante um estoque

sempre farto.

Figura 02

No caso dos BSF, algumas famílias camponesas optam por estocar as sementes de

forma caseira, em garrafas PET, contribuindo para a preservação do meio ambiente. Essa

reserva é utilizada em momentos de dificuldades econômicas, sendo vendidos diretamente no

mercado ou através de atravessadores. Um bom exemplo de Banco Familiar é o de Dona

Mariana, que guarda as suas sementes dentro de silos, em um quartinho e também em diversas

garrafas empilhadas nos vãos da casa, como podemos ver na figura 03:

Figura 03

É importante ressaltar que o alimento que excede da produção destes bancos de

sementes é vendido em feiras agroecológicas ou em feiras livres, localizadas nas cidades

circunvizinhas, contribuindo na complementação da renda familiar dos agricultores. A

2 - Banco de Sementes do Assentamento Três Irmãos, agosto de 2010. Foto: Juliano

Moreira do Nascimento

Figura 03: Modelo de um BSF na casa de Dona Mariana, agosto de 2010. Foto:

Juliano Moreira do Nascimento

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estocagem de sementes também garante uma segurança diante dos programas de distribuição

de sementes do governo, que em sua maioria chegam aos agricultores depois do período de

chuvas na região, além disso, enfraquece as relações de domínio pelos políticos que oferecem

sementes em troca de votos (Almeida, 2001).

Segundo Almeida (2001) os primeiros relatos desta experiência comunitária no Brasil,

aparecem na região Nordeste na década de 1970, graças ao trabalho da Igreja Católica junto

as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A primeira experiência de BSC registrada na

Paraíba surge no ano de 1992, no Assentamento Três Irmãos, logo após a conquista e posse

do direito de uso das terras, contando com o apoio da CPT/Sertão e de um projeto da Cáritas

Brasileira, que liberou recursos para a comunidade construir casas e poços, comprar carroças

e animais.

O BSC de Três Irmãos surgiu de uma ideia de um dos camponeses, o Sr Chico Salú.

Esta trazida de suas memórias e de suas vivências em busca de trabalho, é fruto de suas

experiências de vida, daí a sua alegria e uma certa nostalgia ao nos relatar que:

a história desse banco de sementes é quase um romance. Vem dum tempo que não

existia banco, nem notícia, que a gente nem conhecia. Em 1958, eu estava

trabalhando no Enhambú (Ceará). Eu trabalhava em açude, fazendo construção de

açudes com jumentos, o cabra com cem, cento e tantos jumentos, num açude

trabalhando era que nem formiga de roça. Eu trabalhei muito. Em 1958, eu passei o

ano todo trabalhando no Enhambú, Tauá, Parambú, Cariús, Catarina. E lá, chegou

um dia, eu andando mesmo atrás de uma ―empeleita‖, eu sai numa casa e tava uma

reunião, em 1958 o tempo era ruim também. Tavam numa reunião, assim, umas dez

pessoas. E eu passei um pedaço da tarde lá e fiquei observando. Ai peguei a

expecular deles: ―Aqui é um banquim de sementes que nós tem, esse foi seco‖.

Naquele tempo era nos litros Dom Bosco ―cheio de feijão e milho e arroz que é para

em 1959 nós tá prevenido. Nós temos esse banco de sementes e não podemos acabar

com ele não‖. E eu fiquei com aquilo na cabeça. Eu digo: ―E como é que vocês

fazem?‖ – e eles: ―Não, a gente leva e quando é no fim que colhe, traz, se levar 10

litros, traz 12‖. Isso em 1958, e nós fundamos o daqui em 1992.

Esse relato mostra que diferente do que afirma Almeida (2001), os primeiros

resquícios de um BSC foram observados já no final da década de 1950, como afirma o Sr

Chico Salú. As sementes que foram o pontapé do BSC foram compradas pelos próprios

camponeses nas cidades vizinhas como Cajazeiras/PB e Triunfo/PB, cerca de 2.250 quilos,

entre arroz, feijão e milho que foram estocados em 02 silos (também comprado com o recurso

da Cáritas).

A ideia de Sr Chico e o trabalho da comunidade deram origem a um espaço de trocas

não só de sementes, mas, de conhecimentos, tornando acessível aos camponeses algumas

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discussões que não faziam parte do seu dia-a-dia, ou seja, funciona como ―um espaço político

organizativo, mobilizador de processos coletivos de conservação da diversidade‖

(ALMEIDA, 2003).

Com o apoio e o acompanhamento da CPT/Sertão, os assentados passaram a discutir

em suas reuniões, alguns temas como agroecologia, os problemas causados a partir do uso de

insumos químicos na produção, e propostas para estimular a união e a solidariedade entre

eles. Essa união pode ser identificada nos vários mutirões ressaltados durante as entrevistas,

que eram momentos em que os camponeses se juntavam para dividir tarefas, como, a limpeza,

o plantio e a colheita na roça comunitária.

Além da garantia de sementes para alimentação e para o plantio, o BSC de Três

Irmãos representa a luta e a resistência destes camponeses aos problemas impostos pelas

relações de patronato, dependência de políticos ou de prefeituras, ainda comuns em algumas

regiões sertanejas. Essas condições são identificadas na fala de Vicente da Viúva quando

ressalta a importância do Banco de Sementes:

Um dos problemas que viu a necessidade maior naquela época dessa iniciativa de

um banco de sementes foi: uma que naquele tempo, o povo era muito agregado aos

políticos, prefeituras, a maioria confiava nas prefeituras e comia toda sementizinha

que tinha em casa, para esperar que quando chovesse no outro dia ia bater na porta

do prefeito. A gente aqui nunca gostemos disso e muita das vezes eu via mãe dizer

―rapaz, o feijão que tem é só o da casa‖ e muitas vezes pai dizia ―não, abre um

litro‖ e sem ter nenhuma expectativa assim de que quando chovesse fosse buscar

sementes a não ser nas prefeituras, e a gente continuava até essa época que foi

criado o banco de semente, vinha nesse mesmo rojão. E quando a gente criou esse

banco de sementes, acabou aquilo ali. A gente não lembra mais de prefeitura ou de

EMATER. Muitas vezes são eles que vem procurar a gente. (Entrevista em 19 de

agosto de 2009)

O BSC serve como uma alternativa à dependência dos camponeses aos políticos e às

prefeituras, libertando-os do assistencialismo ainda fortalecido na região semiárida do Sertão

Paraibano. O fato de não precisarem de ajuda externa quando se tratam de sementes para o

plantio e alimentação, os camponeses de Três Irmãos resistem à dominação imposta pelas

multinacionais ou pelo Programa de Distribuição de Sementes do governo. Assim, reduzem o

nível de dependência a esses Programas que distribuem as sementes nos períodos em que as

chuvas já tem passado, e os camponeses já tenham plantado ou já estejam próximos de colher

a sua produção.

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Além de sua importância como garantia de semente para alimentação e para o plantio,

o BSC de Três Irmãos representa um espaço de discussão política, cultural e ambiental, onde

as suas tradições são respeitadas e os limites naturais são contornados, mas sem que aja

agressão ao meio ambiente.

A história das sementes da paixão, muitas vezes, mistura-se a dos camponeses. Muitos

deles guardam seus insumos naturais, dando continuidade aos cuidados e à dedicação de seus

familiares por anos, contribuindo não só para a preservação da agrobiodiversidade local,

como também para a construção do conhecimento, da melhoria das experiências na produção

de alimentos naturais e na garantia da soberania alimentar.

As sementes da paixão representam a preservação da memória camponesa, pois é o

resultado de muitos testes e observações nos seus roçados, em um processo de seleção e

plantio das melhores sementes, garantindo, assim, a melhoria e a perpetuação da qualidade

desses insumos naturais.

Considerações finais

Observamos, de modo geral, que o enfraquecimento das relações entre o camponês, as

sementes e o seu território se deve basicamente à modernização no campo e a concentração

das terras nas mãos de uma minoria da sociedade. Tais fatores foram associados à

manipulação genética dos alimentos promovidos pela expansão do capital na agricultura junto

ao uso de insumos químicos que apenas beneficiam para a lucratividade das multinacionais.

Entretanto, as experiências de Bancos de Sementes da Paixão no Assentamento Três

Irmãos, nos mostra que, de forma organizada, eles garantem uma certa segurança quanto a

disponibilidade de sementes para plantar e se alimentarem. As sementes são escolhidas e as

melhores são guardadas em silos, garrafas plásticas ou de vidro (contribuindo para a

preservação do meio ambiente). Após a criação do banco de sementes nesta comunidade,

aprofundaram-se as discussões a respeito da segurança alimentar, da agroecologia e do

desenvolvimento sustentável, levando muitos dos camponeses a abandonar o uso de insumos

químicos, principalmente o veneno.

Quando analisamos em um contexto maior, percebemos que eles resistem ao modelo

agrícola capitalista, pois não dependem da distribuição de sementes do governo (que são

distribuídas após o período de plantio) e nem precisam comprar as sementes vendidas pelas

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empresas multinacionais. Ao passo que não necessitam de produtos externos (fertilizantes,

herbicidas, agrotóxicos), contribuem para o enfraquecimento das , vendas dessas empresas.

Possuir um banco de sementes é preservar a biodiversidade e a cultura da produção e

consumo de alimentos naturais, dando mais autonomia ao camponês nas escolhas do que

plantar e/ou comer.

Percebemos também que a união entre os camponeses e os movimentos sociais e

sindicatos rurais, faz com que experiências e discussões como essas sejam expandidas para

todo o Estado, chegando a todos que moram na cidade ou no campo. O Banco de Sementes

Comunitário de Três Irmãos, por se tratar de um dos primeiros focos de estocagem

comunitária de sementes na Paraíba, serviu e ainda serve como base para a criação de novos

bancos de sementes nos assentamentos do estado.

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