A Propriedade Em Hegel

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Page 1: A Propriedade Em Hegel

INCURSÕES ACERCA DO CONCEITO HEGELIANO DE

PROPRIEDADE COMPARADO A LOCKE E MARX

Sara Danny Lira dos Santos1

[email protected]

RESUMO: As incursões deste artigo centram-se em discutir o tema da propriedade em Hegel,

apresentando ainda que de maneira introdutória os seus principais pressupostos. O objetivo desse

trabalho é também discutir as relações entre esse tema da filosofia do direito de Hegel com a visão de

autores como Marx e Locke. O primeiro tratará a propriedade como o avesso da liberdade e o segundo

apresentará algumas semelhanças com Hegel, afirmando o direito de propriedade como forma de

liberdade. Dessa maneira, a discussão se dará em torno das ligações entre propriedade, liberdade e

trabalho, considerando que são conceitos intimamente relacionados. Assim, esse tema será analisado

dessa maneira tendo em vista que continua sendo de grande relevância na atualidade, constituindo-se

como uma pauta para discussões e reflexões.

Palavras-chave: Hegel, Propriedade, Liberdade, Trabalho.

ABSTRACT: The incursions of this article focus on discussing the issue of property in Hegel and

presenting his presuppositions on introductory character. The objective of this work is also the

relationships between this theme of Hegel's Philosophy of Right and the view of authors such as Marx

and Locke. The first will deal with the property as the opposite of freedom and the second will present

some similarities with Hegel, affirming the right of property as a form of freedom. Thus, the discussion

will take place around the connections between property, freedom and work, considering they are closely

related concepts. As stated, this topic will be analyzed considering that it remains highly relevant today,

constituting itself as an agenda for discussion and reflection.

Keywords: Hegel, Property, Freedom, Work.

1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Sergipe.

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1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo abordar a visão hegeliana acerca da

propriedade, a qual em sua filosofia encontra-se intrinsecamente ligada às ideias de

liberdade e trabalho. Nesse sentido, discutiremos acerca dos pontos de aproximação e

contraposição entre Locke e a ideia de propriedade hegeliana, bem como

apresentaremos de forma introdutória a crítica dirigida por Marx a essa categoria da

filosofia de Georg W. F. Hegel.

Para tanto, realiza-se num primeiro momento a apresentação da concepção

de Hegel acerca da propriedade, situada no contexto de sua obra Princípios da Filosofia

do Direito, tendo em vista a necessidade de apresentar tal objeto para uma compreensão

clara da análise que se pretende fazer neste estudo. Em seguida, trataremos acerca da

visão de Locke, dando ênfase aos pontos de semelhança – já que vários pontos de

argumentação de Locke ligados à propriedade pelo trabalho forneceram base para as

reflexões de Hegel – bem como traremos os pontos de divergência entre os dois autores.

Por fim, apresentaremos as divergentes visões de Hegel e Marx acerca da

propriedade e da liberdade, uma vez que o primeiro preocupa-se em buscar na

propriedade privada a efetivação e expressão da liberdade. Já Marx esforça-se em

demonstrar a propriedade como antagônica à ideia de liberdade, olhando-a no interior

da anatomia da sociedade capitalista e seu modo de produção.

Para a classificação desta pesquisa utilizaremos duas metodologias de

classificação: quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins, tal pesquisa é

exploratória e descritiva. Exploratória, porque objetiva explorar o desenvolvimento do

tema destacado, focando na concepção hegeliana, como também demonstrar as relações

de semelhança e de antítese entre a concepção de Hegel e a de outros importantes

autores, tendo em vista o impacto desse tema na seara filosófica. Descritiva, porque visa

descrever as principais ideias defendidas ao longo da obra do autor e dos demais autores

citados. Quanto aos meios trata-se de uma pesquisa bibliográfica e telematizada,

conforme descrito abaixo:

• Bibliográfica: porque para a fundamentação teórica do trabalho foi realizada

uma investigação com uso de material acessível ao público em geral, tais como: livros,

teses, dissertações e artigos;

• Telematizada: porque foram feitas consultas via internet e intranet para a busca

de dados e enriquecimento da pesquisa.

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2. O sentido da Propriedade em Hegel

A propriedade é abordada na obra Princípios da Filosofia do Direito de

Hegel como parte do direito abstrato, integrando, pois a ideia de possibilidade, de um

direito que não necessita de ser perseguido para existir. Para Hegel, a propriedade é a

personificação efetiva da liberdade do indivíduo, em que a vontade livre encontra

espaço para dispor e depositar-se sobre as coisas. Assim, a propriedade se constitui

como uma exteriorização da liberdade, já que “deve a pessoa dar-se um domínio

exterior para a sua liberdade a fim de existir como idéia” (HEGEL, 2003, p. 44, § 41 ).

Não obstante, a Liberdade para Hegel não é um simples imperativo ao

qual todos devem curvar-se em obediência, apartado da sua vontade, mas é a base de

toda ação humana, enquanto ser livre e racional. Nesse sentido, tendo a propriedade

como externalização da liberdade, uma vez que do ponto de vista de Hegel é uma “[...]

liberdade que na propriedade tem sua primeira existência, o seu fim essencial para si”

(Idem Ibidem, p. 47), e essa propriedade da mesma forma, “é o direito de apropriação

que o homem tem sobre todas as coisas” (Idem Ibidem, p. 47, § 44 ), sendo considerado

o individuo dotado de uma vontade em si e para si, e por meio dela se apossando de

modo absoluto de todas as coisas.

Duas formas do direito abstrato precisam ser destrinchadas para que, de

fato, possam ser esclarecidas as noções hegelianas acerca da propriedade: a posse e o

contrato. A primeira categoria refere-se ao ato de apropriar-se, podendo inclusive o

homem, por se tratar de um ser natural, tomar posse de si mesmo a partir da consciência

de si como ser livre. A segunda refere-se ao meio através do qual a propriedade se

estabelece. O contrato trata-se de uma união de vontades que são diversas e instituídas

por entes jurídicos, tratando-se, pois, de uma personificação da liberdade e da

identidade dos indivíduos. O contrato, assim, na definição de Hegel:

“Esta relação é, pois, a mediação de uma vontade que permanece idêntica

através da distinção absoluta de proprietários diferentes e implica que cada

qual, por vontade própria ou pela de um outro, deixe de ser, continue a ser ou

venha a ser proprietário.[...]” (Idem Ibidem, p. 71, § 74)

Portanto, em oposição à posse, no contrato, a apropriação não é um ato

solitário, mas representado pela união de vontade livres e particulares. Assim,

caracteriza-se afirmação mútua de sua natureza comum como vontade livre, que se

consolida através da cessão e da apropriação.

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O contrato então, por não suprimir o caráter próprio das vontades

envolvidas, os quais representam o processo de alienação da propriedade de uma em

benefício da outra. Entretanto, não se pode dizer que há alienação da própria vontade,

pois esta é livre. Assim, Hegel tece algumas discussões acerca da alienação da

propriedade, estabelecendo, entre outras questões, a determinação que gera alienação da

propriedade advém da vontade.

Para Hegel, a alienação está diretamente ligada à união que existe entre o

conceito de pessoa e a sua determinação pela vontade, como o autor expressa:

“Posso eu desfazer-me da minha propriedade (porquanto ela só é minha na

medida em que nisso tenho minha na medida em que nisso tenho a minha

vontade), ou abandoná-la como se não tivesse dono (derelinquo), ou

transmiti-la à vontade de outrem – mas só posso fazer isso na medida em que

a coisa é, por natureza, exterior.” (Idem Ibidem, p. 63, § 65)

Dessa, forma, a alienação é a possibilidade de ceder e dispor do objeto que

se tem como propriedade, entretanto, é necessário que haja uma exterioridade em

relação à coisa. Nesse contexto, Hegel afirma que não se pode alienar-se a si mesmo,

nem a determinados direitos, pois ocorrendo isso, poderíamos caracterizar como uma

alienação de personalidade, conforme descreve o autor quando afirma que “exemplos de

alienação de personalidade são a escravatura, a propriedade corporal, a incapacidade de

ser proprietário ou de dispor livremente de sua propriedade” (Idem Ibidem, p. 64, § 66).

Entretanto, é preciso ressaltar que o homem, quando levada em

consideração sua natureza passível de ser exteriorizada e tornada “coisa”, pode alienar

aspectos seus de propriedade. Exemplos disso são as habilidades das quais o homem

dispõe e aquilo que o mesmo produz a partir das suas capacidades físicas e intelectuais.

Assim o homem pode, através do contrato, negociar até mesmo suas faculdades e

habilidades.

Levando em conta a argumentação hegeliana acerca da alienação, é possível

relacionar com as relações econômicas de produção, especialmente aquelas que se

desenvolvem no âmbito da modernidade, que se caracterizam pelo trabalho assalariado.

Nesse sentido, é possível contrapor o modo de produção escravista e servil com a forma

assalariada, como é descrito no parágrafo 67:

“Posso ceder a outrem aquilo que seja produto isolado das capacidades e

faculdades particulares da minha atividade corporal e mental ou do emprego

delas por um tempo limitado, pois esta limitação confere-lhe uma relação de

extrinsecidade com a minha totalidade e universalidade. Mas se eu alienasse

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todo meu tempo de trabalho e a totalidade da minha produção, daria a outrem

propriedade daquilo que tenho de substancial, de toda a minha atividade e

realidade, da minha personalidade” (Idem Ibidem, p. 65, § 67)

Assim, a noção de Hegel para diferenciar os dois modos de produção está

relacionada com a ideia de quanto tempo e uso se faz das capacidades das quais o

homem dispõe. Dessa maneira, o que alieno no assalariamento, por exemplo, não é o

total de mim mesmo, mas o uso, restrito no tempo e pelas condições do contrato, que

outra pessoa pode fazer das minhas habilidades, e só na medida em que seja isso seja

externalizado pela minha vontade. O autor ratifica todo o exposto, afirmando:

“São, portanto, inalienáveis e imprescritíveis, como os respectivos direitos,

os bens ou, antes as determinações substanciais que constituem a minha

própria pessoa e essência universal da minha consciência de mim, como

sejam a minha personalidade em geral, a liberdade universal do meu querer, a

minha moralidade objetiva, a minha religião”. (Idem Ibidem, p. 63, § 66)

Por fim, apreende-se, diante do que foi exposto, que na visão hegeliana, o

indivíduo pode alienar-se por um ato de vontade transformado em ato jurídico, mas

jamais pode ser alienado. Nesse sentido, o homem escolhe ceder livremente parte de

suas capacidades, forças e condição física, mas não abdica de sua liberdade. Na

verdade, a possibilidade de alienar-se é uma das garantias da liberdade completa e

absoluta, no sentido de que sou capaz de dispor livremente do meu próprio corpo. Dessa

forma, a ideia de alienação, concretizada através do objeto do contrato, é indissociável

da ideia de liberdade.

Dessa forma, para Hegel, a modernidade representa a concretização da ideia

de liberdade dos indivíduos, uma vez que o homem pode transacionar seus bens e dispor

de si da maneira que sua vontade livre determinar. Assim, todos os homens encontram-

se igualados num patamar de livres proprietários, o que rompe completamente com a

noção antiga de servidão, em que o homem é transformado em coisa, ele mesmo em sua

totalidade. Agora, pois, é possível transformar capacidades e faculdades em “coisas”,

para assim negociá-las.

Como veremos, Hegel apresenta alguns pontos de convergência com alguns

pressupostos de John Locke, bem como uma série de disparidades. Em seguida,

poderemos comparar a visão de Hegel acerca da ligação entre propriedade e liberdade,

contrapondo com a visão de Karl Marx, principal crítico da filosofia do direito

hegeliana.

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3. Similitudes e distinções entre Hegel e Locke

Primeiramente, é preciso abordar a questão central do contratualismo de

Locke e sua ideia de estado de natureza. Nesse sentido, Hegel rejeita a existência de um

estado de natureza anterior à organização dos homens em sociedade. Ele acredita que

todas as relações humanas se dão a partir das construções históricas, não podendo, pois,

haver um estado de natureza que desloque o homem fora da realidade histórica.

Como já foi visto, o conceito de liberdade é de crucial importância na

filosofia de Hegel. Nesse ponto, este autor discorda da ideia de Locke de ser possível

um estado de natureza onde existia igualdade e liberdade. Para Hegel é insustentável

conceber uma liberdade que existe numa condição irreflexiva do homem. Portanto, se

para Locke o direito natural está fundada numa lei que é conhecida pela razão inerente

ao homem, para Hegel essa razão não pode existir num contexto em que reina a

necessidade, impossibilitando uma convivência verdadeiramente natural.

Ainda argumentando acerca dos aspectos do contrato social, Hegel não

concorda que instituições como o direito e o próprio Estado são derivados de uma

natureza pré-política, pois o vinculo entre individuo e Estado não deve ser artificial. Isso

porque na concepção de Hegel, o Estado é uma instituição substancial que concilia a

liberdade particular com a liberdade universal, portanto, não pode ser gerado por meio

de um contrato, mas tão somente orientado pela consciência do dever ser do qual são

dotados os indivíduos.

Hegel é também contrário à existência de todos os direitos decorrentes do

suposto contrato social. No entender do filósofo, o direito à propriedade foi algo

efetivado ao longo da construção histórica dos indivíduos. No entanto, é importante

frisar que Hegel e Locke defendem o direito de apropriação do homem sobre tudo que

existe. Além disso, ambos possuem visões semelhantes acerca da escravidão, já que

Hegel assevera como inalienáveis os direitos substanciais da pessoa, aceitando somente

a alienação de uma parte de seu trabalho ou sua produção, como já foi visto.

Ainda tratando acerca da propriedade, na visão de Hegel e de Locke o

direito de propriedade e outros direitos abstratos devem ser garantidos e legitimados

pelas leis positivas. Portanto, os dois concordam que a sociedade civil surge com

objetivo de garantir a propriedade à pessoa. Entretanto, eles divergem no que diz

respeito ao fato de Hegel não aceitar a forma artificial do contrato sobre o qual essa

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garantia se funda, defendendo que ela se desenvolve com o dinamismo das relações

econômicas que se desenvolvem ao longo da história.

Hegel aborda o trabalho na sociedade civil atribuindo-lhe papel de grande

importância no sentido de que através dele, além de o indivíduo satisfazer suas

necessidades e carências, ainda é possível agregar valores à propriedade. Nesse

contexto, assim como Locke, ele entende que o trabalho é um modo de garantir o acesso

à propriedade privada. Por fim, os dois autores aproximam-se por ambos considerarem

que o trabalho induz a racionalidade à natureza, pois modifica a natureza através dele, a

fim de suprir suas necessidades e carências.

4. Marx: recusa da propriedade como forma de liberdade

Karl Marx pode ser considerado o maior crítico da filosofia do direito

hegeliana. Ainda em sua juventude, no ano de 1843, Marx escreve a Contribuição à

Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, na qual empenha-se em tecer uma análise,

ainda que não tanto aprofundada, acerca dos pressupostos de Hegel. Assim, a visão de

Marx acerca da propriedade é completamente díspar da visão hegeliana, uma vez que

ele se recusa a aceitar a ideia de uma emancipação de espírito advinda da propriedade.

Dessa maneira, para Marx não é possível conceber a propriedade privada

como forma de liberdade, uma vez que ela nasce em razão do trabalho alienado, já que a

produção de riqueza torna-se o contrário para o produtor dessa riqueza. Contrapondo

Hegel, ele afirma que a propriedade privada não deve ser vista sob o prisma de uma

simples exterioridade determinada pela vontade, mas sim, um elemento originado a

partir de uma relação econômica específica que se dá em um momento histórico

específico.

Marx também reconhece na produção o modo como os homens exercem

uma apropriação, por meio da atividade, exercendo uma reconfiguração dos elementos

sob os quais opera. Entretanto, o autor recusa-se a permanecer unicamente nessa

abstração conceitual, mas enxerga a produção sempre como ato social e histórico. Não

há como dissociar as condições de produção da sua realidade da produção da força de

trabalho. Na visão de Marx, fazer isso é um exercício vão e inócuo.

A propriedade privada concebida como forma eternizada, enquanto fruto da

modernidade, para Marx trata-se unicamente de uma forma histórica de produção

dotada de contradições que a impossibilitam de representar a efetiva liberdade dos

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indivíduos. Assim, a propriedade privada capitalista apresenta-se também como a não-

propriedade, uma vez a produção torna-se alienada das mãos do produtor.

Dentro da crítica marxista não poderia faltar a sua acepção particular a

respeito do capital. A necessidade do capital para a obtenção de propriedade é inerente à

forma de atividade produtiva do capitalismo. Assim, somente a falta de propriedade leva

ao trabalho e à venda da força de trabalho. A propriedade nesse sentido não pode ser

vista como liberdade, uma vez que não há liberdade nas motivações que levam o

homem ao universo da produção.

A expropriação do trabalho por meio do capital não pode ser visto como um

binômio de troca de equivalentes, como se poderia imaginar. Ao contrário, existe a

mais-valia, que é a personificação da expropriação realizada pelo capitalismo. Assim, a

forma da produção supostamente determinada como relação entre pessoas de igual de

direito de propriedade trata-se, em verdade, na concretização de uma desigualdade.

Nesse contexto, não é possível falar em uma relação de livres e iguais, mas uma

completa ruptura entre trabalho e propriedade.

A essência do trabalho assalariado está na pauperização do trabalhador, que

por conseguinte não pode ser chamado trabalhador livre, uma vez que não há liberdade

no universo da necessidade. Obviamente, a necessidade de meios de vida, estes

existindo também enquanto determinação do capital, mostram-se como instrumentos de

coação no sentido de impulsionar a venda da capacidade de produtiva tal como uma

mercadoria de troca. O mais interessante é notar que quanto mais aumenta a produção

de riqueza, mais a força produtiva do trabalhador é exaurida em condições que tendem

sempre a piorar.

Portanto, se na ideia hegeliana o direito propriedade aparece embasado no

próprio trabalho, uma vez que tanto aquele que compra quanto aquele que vende a força

de trabalho são livres possuidores de mercadorias e aptos a contratar em igualdade

jurídica, na ideia de Marx a situação olhada por outro prisma, abdicando-se das

abstrações, torna-se completamente diferente. Assim, a propriedade encontra-se ao lado

do capitalista e não há vontade livre por parte do trabalhador.

Conforme tudo que foi exposto, é possível afirmar que a ideia de Marx acerca

da propriedade configura-se como uma crítica ao que está posto nos parâmetros da

filosofia hegeliana. Isso porque a filosofia de Hegel pauta-se numa abstração conceitual

extremamente profunda e esquece de se adequar à realidade social histórica e ao modo

como os indivíduos constroem suas relações, especialmente as relações econômicas.

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5. Conclusão

Após as considerações acerca do tema exposto, é possível concluir a

importância da reflexão acerca do tema da propriedade, em especial considerando o

ponto de vista de autores de tão grande importância para essa seara. Nesse sentido

podemos inferir a atualidade desse tema uma vez que continuamos a viver no modo de

produção capitalista, e a questão da propriedade está sempre dentro da pauta de

discussões que se desenrolam em nossa sociedade.

Assim, primeiramente apresentamos aspectos relevantes dessa categoria do

direito abstrato da obra de Hegel, enfocando especialmente no trinômio propriedade-

liberdade-trabalho, uma vez que é quase impossível dissociar esses elementos. Pudemos

então observar que dentro da obra de Hegel, a propriedade é a legítima forma de

manifestação da liberdade, uma vez que a capacidade de apropriar-se é inerente ao

espírito livre. O trabalho nesse contexto é importante sob o friso de que também se

consolida enquanto liberdade, uma vez que é possível que os indivíduos contratem na

forma de compra e venda até mesmo parte de suas capacidades e faculdades.

Em seguida, abordamos acerca das relações de semelhança e de diferença

entre Locke e Hegel, no que concerne ao trinômio acima citado. Num primeiro

momento, foi demonstrado que Hegel não concorda com a ideia de estado de natureza

presente no pensamento de John Locke, bem como não admite a existência de um

contrato social celebrado entre indivíduos e Estado em algum momento anterior à

sociedade civil. Só então, comparamos as noções de propriedade e trabalho em ambos

os autores, destacando a existência de pontos de convergência e de pontos de

divergência.

Por fim, trabalhamos o trinômio propriedade-liberdade-trabalho na

concepção de Karl Marx, destacando as críticas que este autor tece em relação à

filosofia de Hegel. Tal como o visto, Marx não considera a propriedade como sinônimo

de liberdade, especialmente em se tratando da propriedade privada capitalista. Ele

sustenta a inexistência de uma vontade livre por parte daquele que vende a força

produtiva. Nesse sentido, essa inexistência de liberdade está no próprio cerne do modo

de produção capitalista, a qual pauperiza o trabalhador livre. O trabalhador, pois,

desprovido de propriedade, torna-se obrigado a transacionar sua força de trabalho e

sofrer a expropriação da mesma, numa relação desigual entre capital e trabalho. Assim,

a concepção marxista é bem mais voltada para uma análise da sociedade tal qual ela se

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apresenta, retirando-se de uma análise puramente abstrata da propriedade, tal como fez

Hegel.

6. Referências bibliográficas

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução por

Orlando Vitorino. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Tradução por Sérgio Bath. Brasília:

UNB, 1997.

LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. Tradução por E. Jacy Monteiro. São

Paulo: Abril cultural, 1973. Coleção “Os Pensadores”.

INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. Tradução por Blackwell Publishers, de Oxford,

Inglaterra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1997. Coleção “Dicionários de

Filósofos”.

SCHUTZ, Rosalvo. Propriedade Privada e Trabalho Alienado: desvendando

imbricações ocultas. Disponível em:

http://www.espacoacademico.com.br/087/87schutz.htm: Acesso em 12/09/2014 às

20:45.

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