A REESCRITA TEXTUAL DO ALUNO COMO INSTRUMENTO DE · noturno de aulas, o educando está muito...

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A REESCRITA TEXTUAL DO ALUNO COMO INSTRUMENTO DE 

APRENDIZAGEM

Prof.ª Iris Mirian Miranda do Vale1

Prof.ª Dra. Beatriz Avila Vasconcelos2

Resumo

Este   artigo   tem   o   objetivo   de   apresentar   o   desenvolvimento   de   um   Projeto   de reescrita textual e quais encaminhamentos foram necessários para subsidiar o aluno em sua reescrita textual com questões de leitura. Tais questões são imprescindíveis à construção de textos produzidos pelos mesmos. Esse subsídio é necessário para aprimorar a prática de reescrita textual, sendo que esta tem por objetivo auxiliar o educando na percepção dos recursos linguísticos indispensáveis à escrita/reescrita de   diferentes   gêneros   discursivos.   O   trabalho   de   reescrita   de   textos   exige conhecimentos que visam entender os mecanismos que compõem não somente a estrutura, propriedades ou características do texto argumentativo, mas também suas condições de produção.  Para   tanto,   foram abordadas questões que contribuíram com a análise   linguística desses  textos,  como por  exemplo:  coesão e coerência, elementos composicionais e epilinguística. Todo esse processo envolveu leituras e debates de textos orais  e escritos (verbais e não verbais) que suscitaram atividades e encaminhamentos que visaram possibilitar ao aluno escrever e reescrever com competência linguística textos como: carta do leitor e artigo de opinião. 

Palavras­chave:   leitura;   escrita;   reescrita   textual;   textos   de   opinião; competência linguística.

1 Introdução

1 Pós­Graduação: Especialização em Formação de Professores do Ensino Fundamental, Instituto Brasileiro de Pós­Graduação e Extensão; Especialização em Língua Portuguesa e Literatura,  Instituto Brasileiro de Pós­Graduação   e   Extensão;   Graduação:   Letras   –   Português,   Pontifícia   Universidade   Católica   do   Paraná. Professora do Ensino Fundamental  Regular e Educação de Jovens e Adultos no Colégio Estadual Maria Montessori.

2 Doutorado: Letras Clássicas: Universidade Humboldt de Berlim; Mestrado: Letras Clássicas, Universidade de São Paulo; Graduação: Letras – Português, Universidade Federal de Goiás. Docente da UNESPAR/Campus FAFIPAR.

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O Projeto de reescrita foi desenvolvido com quinze alunos da Educação de 

Jovens e Adultos do Ensino Médio, do Colégio Estadual Maria Montessori,  bairro 

Tingui, Curitiba, Paraná, cujos encontros semanais tinham a duração de uma hora e 

quarenta minutos, no período de agosto  a outubro de 2011.  

O aluno da Educação de Jovens e Adultos (EJA) possui um perfil diferenciado 

dos alunos do ensino regular, pois ficou afastado da sala de aula por muito tempo, 

possui uma carga horária de trabalho diurno, seja em empresas seja no lar, que o 

impossibilita de fazer seus estudos durante o dia. Por conta disso, nesse período 

noturno   de   aulas,   o   educando   está     muito   cansado,   necessitando,   portanto   de 

práticas pedagógicas que o estimulem e o façam permanecer nos estudos. Por outro 

lado, devido a todo seu histórico, principalmente os idosos e adultos, possuem uma 

experiência de vida e uma vontade de aprender que acabam por dirimir quaisquer 

outras dificuldades que possam surgir no processo de ensino e aprendizagem. Com 

relação a essa especificidade dos alunos da EJA, Vera Masagão Ribeiro ressalta 

que

O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiências, conhecimentos acumulados e  reflexões sobre o mundo externo,  sobre si mesmo e sobre as outras pessoas (RIBEIRO, 2001, p. 18).

Diante desse perfil, esse aluno apresenta um grau de dificuldade relevante 

para o aprendizado da língua materna, porém um grande comprometimento com o 

aprendizado, demonstrando muita disposição em superar tais dificuldades. 

Pensando nesse quadro, o projeto de reescrita textual desenvolvido na escola 

procurou subsidiar o aluno com questões de leitura, interpretação de textos verbais e 

não verbais, orais e escritos; bem como com práticas de escrita e reescrita textual na 

perspectiva   interacionista   do   ensino   de   língua   materna.   Tais   questões   foram 

imprescindíveis à  construção de textos produzidos pelos alunos, que procuravam 

aprimorar sua prática de reescrita textual. 

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Todas as atividades desenvolvidas durante o processo tiveram como objetivo 

auxiliar   o   aluno   na   percepção   dos   recursos   linguísticos   indispensáveis   à 

escrita/reescrita   de   diferentes   gêneros3,   com   especial   atenção   à   leitura, 

interpretação, escrita e reescrita de textos argumentativos.

O   trabalho   exigiu   dos   alunos   conhecimentos   que   visavam   entender   os 

mecanismos   que   compunham   não   somente   a   estrutura,   propriedades   ou 

características   dos   textos   argumentativos,   mas   também   suas   condições   de 

produção. Retomando um conceito   importante,  argumentar,  do ponto de vista de 

Teresa Cristina Wachowicz “é  a busca da adesão de um auditório/ouvinte a uma 

tese,   cujas   vozes   e   juízos   fazem­se   pressupostos,   através   de   três   etapas:   a 

observação de fatos, a construção de inferências sobre eles, e a construção de uma 

nova tese (2010, p. 92). 

Foi   necessário   abordar   questões  que  possibilitassem  a  análise   linguística 

desses textos, como por exemplo: coesão e coerência, elementos composicionais 

específicos  dos   textos  de  opinião  e  epilinguística.  As  noções  de   leitura,  escrita, 

produção e reescrita  foram desenvolvidos a partir  de textos de opinião da esfera 

jornalística.  

Como o objetivo desse trabalho é expor o processo necessário desde a leitura 

até a reescrita textual, optou­se pelo relato do que foi observável, não sendo aqui 

inseridos os textos produzidos pelos alunos, uma vez que o grupo decidiu não ceder 

os direitos das produções suscitadas pelo desenvolvimento do Projeto.

2 Apresentação da proposta de trabalho aos alunos

Considerando o grupo diversificado de alunos – jovens, adultos e idosos – 

3 Os gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados”, que nos permitem organizar as relações sociais. Na esfera familiar, dos gêneros primários, as pessoas sabem o formato de um bilhete – com o nome de quem vai   ler,   a   mensagem,   e   o   nome   de   quem   escreveu   –   […].   Na   esfera   da   vida   acadêmica,   dos   gêneros secundários,   por   outro   lado,   há   também   uma   previsibilidade   de   formatos   textuais   que   garantam   a comunicação, a burocracia e também a avaliação: a monografia, a prova, a dissertação, o artigo, o ensaio, a tese, o ofício etc (WACHOWICZ, 2010, p.51).

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que  participou   do   projeto   de   reescrita   textual,   fez­se   necessário,   nos   encontros 

iniciais,   instigá­los e demonstrar  a   importância de  todo o processo até  chegar  à 

reescrita textual, bem como do caráter interativo da produção de texto. Diante disso, 

houve uma atividade inicial da leitura de duas tiras produzidas pela docente com a 

seguinte proposta de atividade:

  

(Figura 1 – Texto 1)

(Figura 2 – Texto 2)

Observe as tiras acima, os personagens precisam utilizar argumentos que convençam   o   interlocutor.   Então,   exercite   seu   poder   de   argumentação. Escolha uma das opções (Texto 1 ou 2) e escreva em poucas linhas o que diria para convencer o policial ou o professor do que você  quer que eles acreditem.Após o término do seu texto, você deverá trocá­lo com um colega da classe, que lerá sua produção e avaliará se a mesma poderá convencer o policial a cancelar a multa, ou o professor a aceitar o trabalho outro dia. Ou seja, seu colega irá avaliar seu poder de argumentação.Como você também irá analisar a escrita do outro, vamos combinar alguns critérios  que    deverão ser     observados na  produção  e  na  avaliação  da 

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argumentação do outro:1. Por representar a fala, a linguagem pode ser coloquial.    2. Verifique se as desculpas não são absurdas, muito fora da realidade.3. Observe se o produtor do texto levou em conta o interlocutor (o policial ou o   professor),   dessa   forma  deverá   usar   argumentos   que   façam parte   do universo deste.Após o término do texto, leia a argumentação do colega e redija abaixo do texto   dele   sua   contra­argumentação,   ou   seja,   concorde   ou   discorde   da defesa dele, justificando seu posicionamento (VALE, 2011, p. 4).

 

Durante esta atividade, foi perceptível o quanto o grupo se identificou com os 

relatos em que se admitia  o  desconforto  diante da possibilidade de produzir  um 

texto, porém, nenhum aluno se recusou a fazer a atividade completa, inclusive lendo 

em  voz   alta   suas   argumentações  e   as   contra­argumentações4  dos   colegas.   Tal 

encaminhamento  mostrou­se bastante produtivo e possibilitou  à  docente  detectar 

quais eram as principais dificuldades do grupo, bem como, avaliar o nível de escrita 

dos   mesmos.   Mesmo   as   diferenças   etárias   sendo   significativas,   não   houve 

dificuldades nesse sentido, uma vez que

com   relação   à   inserção   em   situações   de   aprendizagem,   essas peculiaridades da etapa de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele traga consigo diferentes habilidades e dificuldades (em comparação à   criança)   e,   provavelmente,   maior   capacidade   de   reflexão   sobre   o conhecimento e sobre seus próprios processos de aprendizagem (RIBEIRO, 2001, p 18).  

Outrossim,   essa   maior   capacidade   de   reflexão   foi   um   diferencial   nos 

momentos de socialização de leitura e interpretação dos textos lidos, pois muitas das 

experiências   de   vida   dos   adultos   participantes   enriqueceram   sobremaneira   tais 

interações, possibilitando aos mais  jovens   ampliarem seu universo por meio dos 

relatos dos mais velhos. Assim sendo, as discussões corroboraram o discurso da 

docente   acerca   da   importância   da   leitura   efetiva   de   diferentes   textos   para   a 

construção do conhecimento e posterior produção escrita, uma vez que em suas 

4 A   noção   de   contra­argumentação   designa   uma   forma   de   refutação   proposicional,   aplicável   ao   modelo argumento­conclusão.   Brandt   e   Apothéloz   distinguem   “quatro   modelos   de   contra­argumentação”:   (1)   o argumento é  negado;  (2)  sua relevância é  contestada;   (3) a completude da argumentação é  colocada em dúvida; (4) sua orientação argumentativa (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, p. 128­129, 2008).

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contribuições, a faixa que admitiu ler frequentemente jornais ou revistas era a dos 

mais velhos. A respeito disso, é importante entender

a concepção de  leitura como uma atividade baseada na  interação autor­texto­leitor. Se, por um lado, nesse processo, necessário se faz considerar a materialidade linguística do texto, elemento sobre o qual e a partir do qual se constitui a interação, por outro lado, é preciso também levar em conta os conhecimentos do leitor, condição fundamental para o estabelecimento da interação […] (KOCH & ELIAS, 2006, p. 19).

Pensando nessa condição fundamental, as aulas foram elaboradas levando 

em   consideração   o   conhecimento   de   mundo5,   vasto   neste   grupo   de   alunos. 

Primeiramente, optou­se por apresentar um vídeo clipe com a letra da música Não 

Olhe Pra Trás, do grupo Capital Inicial, como elemento motivador das discussões, 

pois na letra da música foram identificados elementos argumentativos, que convidam 

o ouvinte a questionar seu posicionamento diante da vida. O que mais chamou a 

atenção   dos   alunos   nesta   atividade,   foi   o   fato   de   se   poder   trabalhar 

argumentatividade   numa   música,   ainda   mais,   do   estilo   pop   rock   nacional.    

Posteriormente,  as  temáticas giraram em  torno do uso abusivo de álcool 

pelos jovens, com documentários, reportagens,  notícias, cartas do leitor e editoriais. 

Estes gêneros foram amplamente lidos, debatidos, efetuadas análises textuais, com 

enfoque nos elementos composicionais dos textos de opinião da esfera jornalística. 

Portanto, procurou­se trabalhar com uma diversidade de gêneros para que 

os alunos pudessem ter a percepção dos conteúdos temáticos, estilo e elementos 

composicionais dos textos lidos, interpretados, escritos e reescritos. Para Wachovicz, 

conteúdo temático é mais do que o conteúdo informacional ou referencial do texto;  é   uma   restruturação das  verdades do  mundo  ordinário  no  mundo discursivo. Nesse sentido, há que se distinguirem dois mundos que estão em interação no texto: o mundo ordinário e o mundo discursivo. Se o mundo ordinário   contém  indivíduos  e   suas   relações  independentes  do  discurso, essas representações estão no nível semântico; de outra parte, se  o mundo 

5 Refere­se   a   conhecimentos   gerais   sobre   o   mundo   –   uma   espécie   de  thesaurus  mental   –   bem   como   a conhecimentos   alusivos   a   vivências   pessoais   e   eventos   espácio   temporalmente   situados,   permitindo   a produção de sentidos (KOCH & ELIAS, 2006, p. 42).

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discursivo   toma esses   indivíduos e  suas  relações e   imprime­lhes   juízos, avaliações e/ou pontos de vista, como justifica o pressuposto dialógico da linguagem, essas representações estão no nível discursivo (WACHOWICZ p. 41, 2010).

Esse conjunto de conhecimentos possibilita ao produtor de texto entender a 

escrita para além de um conjunto de palavras que precisam estar organizadas e 

ortograficamente   corretas.   Afinal,   quem   escreve   está   inserido   num   determinado 

contexto social, tem algo a dizer a alguém e possui intenções específicas. Além do 

que, precisa pensar nesse interlocutor e perceber que este também está   inserido 

num contexto social e será o receptor do seu texto. Na verdade, tais entendimentos 

visam esclarecer que o papel do professor corretor e apontador de “erros” não tem 

lugar numa escola que entende o ensino de língua materna como interação.

3 O desenvolvimento da leitura e escrita

Ultrapassados os limites iniciais de desconforto e timidez após os debates, ao 

longo   dos   encontros   foram   sendo   pontuados   os   elementos   necessários   para   a 

produção de textos de opinião a partir de temas polêmicos, inicialmente focados na 

questão do  uso abusivo de álcool pelos jovens. Considerando que os alunos trazem 

uma bagagem de conhecimentos, foi necessário esclarecer que o texto escrito não 

surge   do   nada,   para   que   se   possa   produzir   textos   de   diferentes   gêneros   é 

imprescindível   a leitura e a interação, pois essa permite acionar mecanismos que 

contribuirão para a construção de sentidos do texto  lido. Para Koch & Elias, quando 

se lê um texto diversos conhecimentos são ativados

lugar   social,   vivências,   relações   com   o   outro,   valores   da   comunidade, conhecimentos   textuais.   […]   A   leitura   e   a   produção   de   sentido   são atividades orientadas por nossa bagagem sociocognitiva: conhecimentos da língua e das coisas do mundo (KOCH & ELIAS, 2006, p. 21).  

A partir desse entendimento, passou­se a analisar as marcas linguísticas dos 

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textos de opinião,  uma vez que o produtor  deste gênero de  texto  lança mão de 

diversos recursos para convencer o leitor de seu posicionamento  acerca da temática 

abordada, utilizando­se de uma rica argumentação. Por exemplo, a construção das 

frases, determinadas escolhas lexicais, pontuação, discurso citado, entre outros.

É   importante   esclarecer   que   foram   desenvolvidos   com   o   grupo   alguns 

conceitos do que vem a ser argumentação e da sua importância na construção de 

textos de opinião, bem como as estratégias de construção dos argumentos. Dessa 

forma, partiu­se do princípio que argumentação é a elaboração de ideias com vistas 

a expressar um ponto de vista e tem por objetivo fazer com que o seu interlocutor 

partilhe dessas ideias (CHARADEAU, 2008, p. 520).  Devido   aos   inúmeros 

momentos de interação suscitados pelas leituras, audições e assistências dos textos 

verbais e não verbais, foi facilmente verificável que 

a   elaboração   do   texto   argumentativo   está   […]   muito   vinculada   à possibilidade   de   o   aluno   trabalhar   as   relações   intertextuais   e interdiscursivas,   operando,   portanto,   num   contexto   escolar   que   favoreça uma visão multidisciplinar.  Afinal,   trata­se do  trabalho com a modalidade textual em que a discussão do conceito, a exposição das ideias, a defesa de um ponto de vista devem passar por um conhecimento das provas,  pelo domínio   do   argumento,   ainda   que   essas   razões   sejam   mais   ou   menos verdadeiras.   É   a   condição   para   “conquistar   o   leitor”   (CITELLI,   2009,   p. 156­157).

Por   conseguinte,   tais   procedimentos   possibilitaram   a   construção   de 

conhecimentos que visaram entender os mecanismos que compõem os textos de 

opinião da esfera jornalística, salientando que os textos utilizados não eram muito 

extensos ou eram recortes, para que a análise dos mesmos pudesse ser feita de 

forma detalhada e específica.

Ademais, pelo fato das atividades não focarem somente teoria, mas também 

muita   prática   de   leitura   e   discussões   acerca   dos   textos   selecionados,   foi­se 

cristalizando a percepção de que quanto mais leitura de mundo se tem, maiores são 

as   condições   de   se   produzir   textos   com   clareza,   coesão   e   coerência.   A   esse 

respeito, Koch &  Elias esclarecem que

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a coesão não é condição necessária nem suficiente de coerência:  as marcas   de   coesão   encontram­se   no   texto   (“tecem   o   tecido   do   texto”), enquanto a coerência não se encontra  no  texto, mas constrói­se a partir dele, em cada situação comunicativa, com base em uma série de fatores de ordem semântica, cognitiva, pragmática e interacional. […] nem sempre a coesão se estabelece de forma unívoca entre os elementos presentes na superfície textual, fato esse que exige do leitor, em muitos casos, o recurso ao contexto  para a  produção da coerência  do  texto   (KOCH & ELIAS,  p. 186­189).

Como estratégia para comprovar as questões de coesão e coerência citadas 

acima, foi selecionado um texto para que os alunos lessem, o qual estava escrito 

com clareza,  coesão e  todos os elementos necessários a seu entendimento.  No 

entanto, por ser de um campo do conhecimento fora do âmbito dos alunos, não foi 

possível lhe atribuir sentido e muitos alunos alegaram não ter coerência, isso porque 

exigia   dos   leitores   conhecimentos   do   contexto6,   bem   como   conhecimentos 

enciclopédicos   dos   quais   os   alunos   não   dispunham,   impossibilitando   assim,   a 

construção de sentido para o fragmento de texto abaixo:

Os requisitos de qualidade e composição química para cachaça no Brasil, fixados pela Instrução Normativa número 13 de 29/06/2005 são: somatório de componentes secundários “não álcool” (acidez volátil em ácido acético), aldeídos   (em   acetaldeído),   ésteres   totais   (em   acetato   de   eltila),   álcoois superiores (soma do álcool n­propílico, isobutílico, e isoamílico) e furfural + hidroximetilfurfural não inferior a 200 mg.100 mL­1 de álcool anidro e não superior  a  650  mg.100  mL­1  de  álcool  anidro.  Observando  os  seguintes limites   máximos:   150   mg.100   mL­1   de   álcool   anidro   para   acidez   volátil (expressa em ácido acético), 200 mg.100 mL­1 de álcool anidro de ésteres (expressos   em   acetato   de   etila),   30   mg.100   mL­1   de   álcool   anidro   de aldeídos  totais  (expressos em aldeído acético),  5 mg.100 mL­1 de álcool anidro de furfural + hidroximetilfurfural e 360 mg de álcoois superiores por 100   mL   de   álcool   anidro   (expressos  pela   soma  dos  álcoois  n­propílíco, isobutílico e isoamílico), além de uma quantidade não superior a 20,0 mg de metanol  por  100  mL de  álcool   anidro   [...]   (BOGUSZ JUNIOR,  KETZER, GUBERT, ANDRADES & GOBO, 2006).

  Após   o   término   da   leitura   e   debate   acerca   do   texto   acima,   poôde­se 

comprovar,   juntamente com o grupo de alunos,  a   importância de se conhecer  o 

6 O contexto identifica­se ao conjunto das representações que os interlocutores têm do contexto, representações que   podem   ser   ou   não   partilhadas   pelos   participantes   do   processo   comunicativo   (CHARAUDEAU   & MAINGUENEAU, p. 129, 2008).

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contexto   de   produção   e   de   leitura7,   bem   como,   ampliar   os   conhecimentos 

enciclopédicos   na   construção   de   sentidos   de   textos,   sejam   eles   de   quaisquer 

gêneros.

Decorrido todo esse processo de conhecimento/reconhecimento de textos de 

opinião, contexto de produção e de leitura, coesão e coerência, conhecimento de 

mundo   e   conhecimento   enciclopédico,   a   próxima   etapa   do   Projeto   era 

instrumentalizar os participantes com   os conhecimentos linguísticos necessários à 

próxima   etapa   que   era   a   produção   de   seus   próprios   textos   argumentativos. 

Conhecimentos linguísticos, segundo Koch & e Elias são

o[s]   conhecimento[s]   gramatica[is]   e   lexica[is].   Baseados   nesse   tipo   de conhecimento, podemos compreender: a organização do material linguístico na superfície textual; o uso dos meios coesivos para efetuar a remissão ou sequenciação textual; a seleção lexical adequada ao tema ou aos modelos cognitivos ativados (KOCH & ELIAS, 2006, p. 40). 

Nesse momento do processo, foi importantíssimo iniciar, ou melhor, reforçar o 

trabalho com análise linguística, pois somente o estudo de conceitos gramaticais não 

instrumentaliza   o   produtor   de   texto   a   escrever,   adequando   sua   produção   ao 

interlocutor, ao contexto, à intencionalidade e ao gênero. Dessa feita, após a análise 

de textos de opinião da esfera jornalística, iniciou­se a proposta de produção de uma 

carta, posicionando­se diante da reportagem Jovens e álcool: uma mistura explosiva, 

veiculada     pela emissora de televisão Bandeirantes, no programa intitulado A liga, 

exibido no dia 29 de março de 2011. A primeira parte do programa foi repassada na 

TV Multimídia8, o mesmo, mostrava jovens em festas populares, em boates e até 

mesmo   nas   imediações   de   faculdades,   fazendo,   livremente,   uso   de   bebidas 

7 Depois de escrito, o texto tem uma existência independente do autor. Entre a produção do texto escrito e a sua leitura,   pode   passar   muito   tempo,   as  circunstâncias   da   escrita   (contexto   de   produção)  podem   ser absolutamente  diferentes   das  circunstâncias  da   leitura   (   contexto   de   uso),   fato   esse  que   interfere   na produção de sentido […] (KOCH & ELIAS, p. 32, 2006).

8 A TV Multimídia,   também conhecida como TV Pendrive,   tem uma estrutura muito parecida com a TV comum, salvo alguns aspectos especiais,  criados sob encomenda da Secretaria Estadual de Educação do Paraná. É um televisor de 29 polegadas, de cor laranja com dispositivos capazes de ler arquivos de áudio, vídeo, imagens, além de entrada para conexões USB, leitor de cartões de memória,  DVD, interface com notebooks, além de saídas para caixa de som e projetor multimídia (JACKIW & DIAS, 2009).

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alcoólicas. Também, trouxe depoimentos de pais que, em algumas vezes, apoiavam 

o consumo de bebidas pelos filhos, rindo e achando a situação corriqueira.

Ao término das produções,  foi   feita,  coletivamente,  a análise  linguística de 

alguns dos textos, elencando questões como: qual a ideia defendida pelo autor, que 

argumentos   foram   utilizados   para   corroborar   seu   posicionamento,   se   existiam 

trechos   descritivos,   marcas   de   estilo,   expressões   denotando   senso   comum, 

elementos coesivos etc.  Durante  tal  verificação,  foram destacadas pelos próprios 

alunos algumas repetições desnecessárias, bem como o uso de argumentos que 

não possibilitariam a  adesão do leitor à opinião expressa pelo autor do texto. 

Partindo  dessa  análise   dos   textos,   foi   possível   verificar   quais   as   maiores 

dificuldades dos alunos em elaborar seus textos de opinião, dessa forma, norteando 

os próximos encaminhamentos da docente,  que optou por  trazer  uma notícia de 

jornal dentro da mesma temática

publicado em 01/08/2011 às 09h19: atualizado em: 01/08/2011 às 13h11Governo de SP quer fiscalização mais rigorosa contra venda de bebidas para menoresPela legislação atual, dono de bar não é responsabilizado caso um adulto compre a  bebidaAssim como fez com o cigarro, o governo de São Paulo quer fechar o cerco contra o consumo de álcool por adolescentes no Estado. Nesta segunda­feira (1º), o governador Geraldo Alckmin (PSDB) envia para a Assembleia Legislativa um projeto de  lei  que tem como objetivo principal reduzir o consumo de álcool por menores. A proposta é   tornar a  fiscalização dos bares ainda mais  rigorosa, responsabilizando o proprietário caso algum menor consuma bebida alcoólica   no   local.   Pela   legislação   atual,   o   proprietário   não   pode comercializar a bebida, mas não é responsabilizado caso um adulto compre e a entregue para um adolescente. O projeto prevê aplicação de   multas   de   até   R$   87,2   mil   ou   a   interdição   ­   em   caso   de reincidência ­ do estabelecimento que vender ou permitir o consumo de bebidas alcoólicas por menores de idade. […] (Disponível   em   <http://noticias.r7.com/sao­paulo/noticias/governo­de­sp­quer­fiscalizacao­mais­rigorosa­contra­venda­de­bebidas­para­menores­20110801.html>).

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O texto acima foi trabalhado na íntegra, primeiramente situando o contexto de 

produção, o suporte no qual  foi  veiculada a notícia, sua estrutura, as partes que 

compõem a notícia, diferenciação de notícia e reportagem. 

Dessa feita, foram   abordadas questões como os elementos coesivos e sua 

função9 que possibilitaram o encadeamento das ideias – mas, até, que – utilizados 

de maneira a  fazer a costura do  texto. Também mostrou­se a necessidade de o 

leitor ter conhecimento da lei antifumo para entender o porquê da notícia já iniciar 

com “Assim como  fez...”,  subentendo que o esse  leitor  possui  um conhecimento 

prévio. 

Além do que, foram levantadas as expressões lexicais utilizadas para reforçar 

os malefícios que o excesso de bebida pode  trazer  ao organismo,  por  exemplo: 

intoxicação, cirrose alcoólica, problemas cardíacos e câncer.  Aqui, era  importante 

salientar  que as escolhas  lexicais  do autor  d,  em maior  ou menor  grau o  leitor, 

dependendo   da   forma   como   são   selecionadas   e   utilizadas.   A   respeito   dessa 

interação entre escritor e leitor, Koch & Elias afirmam que 

a escrita é vista como produção textual, cuja realização exige do produtor a ativação    de  conhecimentos  e  a  mobilização de  várias  estratégias.   Isso significa   dizer   que   o   produtor,   de   forma   não   linear,   “pensa”  no   que  vai escrever   e   em   seu   leitor,   depois   escreve,   lê   o   que   escreveu,   revê   ou reescreve o que julga necessário, em um movimento constante   e on­line guiado pelo  princípio   interacional.   […] a escrita não é  compreendida em relação   apenas   à   apropriação   das   regras   da   língua,   nem  tampouco   ao pensamento   e   intenções   do   escritor,   mas   sim,   em   relação   à   interação escritor­leitor, levando em conta , é verdade, as intenções daquele que faz uso da língua para atingir o seu intento sem, contudo, ignorar que o leitor com seus   conhecimentos  é   parte   constitutiva  desse  processo   (KOCH  & ELIAS, p. 34, 2010). 

   Certamente,   essa   produção   escrita   é   influenciada,   no   caso   do   meio 

jornalístico, pelo público leitor, pois cada jornal – escrito ou falado, na televisão ou 

internet  –   traz  em seu  conteúdo  o   reflexo  de   ideologias  movidas  por   interesses 

sociais,   econômicos,   políticos,   religiosos,   entre   outros   e   cada   leitor   procura   a 9 A de criar, estabelecer e sinalizar os laços que deixam os vários segmentos do texto ligados, articulados, 

encadeados. Reconhecer, então, que um texto está  coeso é  reconhecer que suas partes – como disse,  das palavras aos parágrafos – não estão soltas, fragmentadas, mas estão ligadas, unidas entre si (ANTUNES, p. 47, 2008).

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informação que condiz com sua formação ideológica, política, religiosa, moral etc. 

Todas   essas   reflexões   foram   desenvolvidas   no   decorrer   da   leitura,   audição   e 

assistência da mesma notícia em veículos de informação diferenciados. Era de suma 

importância fazer com que os alunos tivessem esse posicionamento crítico ao ler, 

ouvir ou assistir quaisquer noticiários, pois isso os instrumentalizaria a produzir seus 

próprios textos com mais crítica e com argumentos mais relevantes.

Então, após o exaustivo trabalho de leitura de diversos textos como notícia, 

reportagem, editorial e carta do leitor, percebeu­se que os alunos estavam prontos e 

estimulados  a  produzir   seus  próprios   textos,  a  proposta  era  de  escreverem  um 

editorial. 

Nas aulas,   foram  lidos diferentes editoriais  e desenvolvidas atividades de 

leitura   e   interpretação,   pois,   para   se   trabalhar   com   gêneros   discursivos,   faz­se 

necessário  apresentar  o gênero em questão ao aluno para que o mesmo  tenha 

referências do texto a ser produzido. É importante salientar que tal procedimento não 

diz respeito a uso de modelos, mas trata­se antes de estabelecer  critérios para se 

trabalhar com gêneros discursivos, faz­se necessário apresentá­lo ao aluno para que 

o mesmo tenha referências do texto a ser produzido. É importante salientar que tal 

procedimentos não diz respeito a uso de modelos, mas sim de um ponto de partida 

para que a produção discente possa se basear em algum referencial,  como dito 

anteriormente.

Esclarecido tais pontos, os alunos tiveram que escolher quais seriam seus 

posicionamentos ideológicos, políticos, religiosos, enfim, quais questões deixariam 

transparecer por meio de sua argumentação. A temática era a mesma desenvolvida 

ao longo de todo o Projeto: O uso abusivo de álcool pelos jovens. 

Nesse   momento   do   Projeto   foi   imprescindível   o   laço   de   confiança   e 

comprometimento   criado   entre   professora   e   alunos,   uma   vez   que,   conforme 

esclarecido  anteriormente,  o  estudante  da  EJA possui  particularidades e  alguns, 

muitos anos distantes da escola, viram­se espantados com os caminhos tomados 

para   a   produção   textual,   na   qual   a   interação   era   o   carro   chefe   em   todos   os 

encontros.   Percebeu­se   que   alguns,   mesmo   estando   na   escola   já   há   alguns 

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períodos,   tinham uma certa  dificuldade de abandonar  a  antiga  prática  de  copiar 

textos,   responder  perguntas,   fazer  uma  redação  partindo  de  nada  mais  que  um 

título. 

Além disso, foi necessário definir com a ajuda do grupo a principal diferença 

entre notícia e editorial10, uma vez que anteriormente já se havia trabalhado com as 

características da notícia. Então, pelas comparações, os próprios alunos concluíram 

que  o  editorial   tem um caráter  persuasivo,  no  qual  está   expressa  a  opinião  de 

determinado grupo, no caso, de jornais e revistas. Como descrito por Leffa

é necessário que sejam desenvolvidas em sala de aula atividade em que os alunos possam interagir entre si e aprender uns com os outros. […] [eles] têm a oportunidade de se desenvolverem de forma mais produtiva do que sob condições em que os processos de ensino e aprendizagem ocorrem centrados na figura do professor. Trabalhando juntos e colaborando uns com os   outros,   os   aprendizes   podem   trocar   não   apenas   informações,   mas também estratégias de aprendizagem (LEFFA, p. 125, 2006).

Por conta disso, as  leituras e análises dos editoriais  foram efetuadas em 

duplas, para finalmente, serem feitas as análises das características desse tipo de 

texto. Apesar das valiosas contribuições do grupo, foi necessária a intervenção da 

docente   para   articular   e   organizar   a   construção   dos   conceitos   necessários   ao 

desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem.

Então, o próximo passo era efetivamente colocar as ideias no papel e aqui 

foi de grande relevância a constante intervenção da professora, que a todo momento 

orientava   e   incentivava   a   escrita,   argumentando   que   escrita   é   trabalho.   Nesse 

sentido, Irandé Antunes afirma que

A atividade da escrita é, então, uma atividade interativa de expressão, (ex­, “para   fora”),   de   manifestação   verbal   das   ideias,   informações,   intenções, crenças ou dos sentimentos que queremos partilhar com alguém, para, de algum modo, interagir com ele.  Ter o que dizer é, portanto, uma condição prévia   para   o   êxito   da   atividade   de   escrever.   Não   há   conhecimento linguístico (lexical ou gramatical) que supra a deficiência do “não ter o que dizer”. As palavras são apenas a mediação, ou o material com que se faz a 

10 O editorial é um gênero que reflete de forma mais nítida a situação de produção, ou seja, o posicionamento articulado ao jogo de interesses econômicos, sociais e políticos (NASCIMENTO, p. 96, 2009).

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ponte entre quem fala e quem escuta, entre quem escreve e quem lê. Como mediação, elas se limitam a possibilitar a expressão do que é  sabido, do que é pensado, do que é sentido. Se faltam as ideias, se falta a informação, vão faltar as palavras (ANTUNES, p. 45, 2003).

Certamente essa noção possibilitou a todos os alunos entenderem que a 

razão de todo o processo com leitura, interpretação e discussão, era justamente a de 

alimentá­los de ideias e, por conseguinte, ajudá­los a “ter o que dizer”. Para orientá­

los, foram  repassados critérios específicos de produção de um editorial, bem como, 

esclarecido que os textos seriam lidos pelos colegas após o processo de reescrita, 

pois ao escrever um texto o aluno precisa ter claras as condições de produção do 

mesmo  (conforme quadro  abaixo)entenderem o  porquê  de   todo o  processo com 

leitura,   interpretação  e  discussão,  para   justamente,  alimentá­los  de   ideias  e  por 

conseguinte,   ajudá­los   a   “ter   o   que   dizer”.   Para   orientá­los,   foram     repassados 

critérios específicos de produção de um editorial,  bem como, esclarecido que os 

textos seriam lidos pelos colegas após o processo de reescrita, pois ao escrever  um 

texto o aluno precisa  ter  claras as condições de produção do mesmo  (conforme 

quadro abaixo):

Quadro 1: Critérios para produção do editorial

CRITÉRIOS PARA PRODUÇÃO DO EDITORIAL

1. Organizar o texto com clareza (início, meio e fim).

2. Situar o contexto histórico do texto.

3. Respeitar a temática escolhida e mantê­la ao longo do texto.

4. Utilizar argumentos que expressem sua opinião.

5. Escolher ideias persuasivas que convençam o leitor

6. Empregar elementos coesivos. 

Os alunos foram orientados a escrever conforme os critérios prescritos, cada 

item foi explicitado, com exemplos a partir dos textos já lidos anteriormente. A todo 

instante fez­se necessário estimulá­los a expressar suas ideiasde­se observar como 

os   alunos   se   envolveram   nesse   ato   de   escrita,   seguindo   as   orientações, 

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perguntando, questionando e dando corpo e conteúdo a seus textos.

Terminadas as produções, após leitura por parte da docente, de todos os 

textos,   os   mesmos   foram   devolvidos   aos   seus   autores   sem   nenhuma 

intervenção/“correção”, o que causou certo desconforto no grupo. Nesse momento, a 

docente apresentou os critérios de revisão, que  foram baseados nos critérios de 

produção, avisando que cada um procederia à “correção” de seu próprio texto, uma 

vez  que a  expectativa  deles  era  de  que  seus  textos  voltassem  “corrigidos”  pela 

professora.   Assim   sendo,   optou­se   por   uma   explicação   acerca   do   trabalho   que 

demanda a escrita, demonstrando ainda que a reescrita é tão ou mais importante 

que a primeira. Do mesmo modo, foi esclarecido que um dos objetivos do curso era 

que a   reescrita  pudesse  servir   como  instrumento  de  aprendizagem,  pois  era  de 

extrema importância que os próprios autores tivessem condições de analisar, avaliar 

e verificar o que precisava ser reformulado.

Nesse momento, a docente apresentou os critérios de revisão, que foram 

baseados   nos   critérios   de   produção,   avisando   que   cada   aluno   procederia   à 

“correção” de seu próprio texto.  Assim sendo, optou­se por uma explicação acerca 

do trabalho que demanda a escrita, mas que a reescrita é tão ou mais importante; 

também, que um dos objetivos do curso era que a reescrita pudesse servir como 

instrumento  de  aprendizagem,  pois  era  de  extrema  importância  que  os  próprios 

autores   tivessem   condições   de   analisar,   avaliar   e   verificar   o   que   precisava   ser 

reformulado.

Nesse momento, a docente apresentou os critérios de revisão, que foram 

baseados nos critérios de produção, avisando que cada um procederia à “correção” 

de seu próprio texto.

4  A reescrita

Para   que   reescrita   textual   seja   entendida   como   instrumento   de 

aprendizagem, é  necessário  que o  trabalho seja desenvolvido  juntamente com o 

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aluno,   caso  contrário,   será  mera  correção.  Do  ponto  de  vista  de  Maria  Luci  de 

Mesquita Prestes, a partir da reescrita

os   alunos   passam   a   se   preocupar   mais   com   seus   leitores,   já   que   as modificações que fazem em seus textos têm o objetivo de torná­los mais claros ou adequados à leitura que seus interlocutores farão. […] precisa ser incentivada em todo o processo de produção textual. Os alunos devem ser estimulados a serem mais atentos ao que escrevem, e o professor deve auxiliá­los,   respeitando   suas   estratégias   individuais   de   reescrituras (PRESTES, p. 10­11, 1999).

 

Respeitando as individualidades, as questões de ortografia foram abordadas 

separadamente e de forma pontual. Em seguida, foi solicitado que relessem seus 

textos, observando os critérios abaixo e destacando o que precisava ser alterado, 

acrescentado etc.

Quadro 2: Critérios para reescrita do editorial

CRITÉRIOS PARA REESCRITA DO EDITORIAL

Critérios Sim Não Parcialmente

1.   Organizou   o   texto com   clareza   (início, meio e fim)?

2.   Situou   o   contexto histórico do texto?

3.   Respeitou   a temática escolhida e a manteve   ao   longo   do texto?

4. Utilizou argumentos que   expressassem sua opinião?

5.   Escolheu   ideias persuasivas   que convenceram o leitor?

6.   Empregou elementos coesivos? 

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É importante ressaltar, mais uma vez, que nesse momento do levantamento 

do que precisava ser   revisto,  a assessoria  da professora  foi  crucial  para que os 

alunos   pudessem   dar   continuidade   à  análise   de   suas   produções,   muitos   deles 

inclusive,   demonstravam   muita   insegurança,   comprovando   que   esses 

encaminhamentos precisariam ser feitos mais de uma vez para que todos pudessem 

ter mais desenvoltura em outras oportunidades.

5 Considerações finais

Com as atividades descritas acima foram concluídos os encontros, mas não 

o Projeto em si, já que seriam necessários ainda muitos momentos a mais para que 

os   alunos   estivessem   efetivamente   em   condições   de   reescrever   sozinhos   seus 

textos. Isso se deveu ao grupo no qual foi desenvolvido o trabalho, pois a EJA possui 

características que a diferenciam das demais modalidades de ensino. É importante 

aqui ressaltar, conforme Série de Estudos – Educação a Distância, que a escrita  

é uma forma legítima de autoria do discurso que, além de registrar a fala, apresenta   ideias,   conceitos   e   concepções   de   mundo   e   de   vida,   que traduzem as representações que os alunos fazem do seu cotidiano. Essas escritas devem ser  consideradas e respeitadas pelos professores.  Nesse sentido, é preciso observar cuidadosamente o que seus alunos escrevem. Alguns escrevem de forma convencional,  com “erros”; outros reproduzem uma escrita  escolar,   com palavras  e   frases  que  aparecem em cartilhas; outros   sabem   apenas   escrever   seu   nome;   existem,   ainda,   aqueles   que fazem   traços   semelhantes   a   “letras   agarradinhas”,   numa   tentativa   de reproduzir a escrita alfabética convencional (BRASIL, 1999, p. 30­31). 

Por   esses   motivos,   foi   um   longo   processo   fazer   com   que   os   alunos 

ganhassem confiança para escrever  e legitimar a autoria de seus textos, pautados 

por suas “concepções de mundo e de vida”. Não querendo dizer com isso que o 

Projeto não atingiu seus objetivos, muito pelo contrário, no decorrer do processo foi 

possível  observar os avanços dos alunos, que no  início  temiam se expressar na 

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oralidade e na escrita. Foram significantes as mudanças ocorridas, pois a todos era 

dada   a   oportunidade   de   se   expressar,   posicionando­se   diante   de   quaisquer 

discussões fomentadas pelos textos apresentados. Essa possibilidade só comprova 

a importância de se trabalhar leitura e produção textual de forma que a interação 

esteja   presente  em  todos   os  momentos,   pois   as   contribuições  de   um   indivíduo 

podem acrescentar muito à   leitura e escrita do outro. Tal fato foi percebido pelos 

próprios alunos ao longo dos encontros, uma vez que, a cada encontro, os mesmos 

foram paulatinamente perdendo as inibições, revelando­se e afirmando­se em suas 

interações orais, bem como nas produções escritas.

Sabe­se que as maiores dificuldades surgiram no momento em que cada um 

precisou analisar, avaliar e reescrever seu próprio texto, pois é difícil verificar suas 

próprias   inadequações,   já  que quem escreve  está  sempre   “muito  dentro  de  sua 

escrita”.   Nesse   momento,   foi   utilizada   a   estratégia   de   escrever   o   texto   em   um 

encontro  e   deixar   para   relê­lo,   reanalisá­lo   e   reescrevê­lo   no   próximo  encontro, 

assim, seria mais fácil ter um outro olhar para o mesmo. Tal estratégia mostrou­se 

bastante profícua, os alunos conseguiram ter um novo olhar sobre o texto, despidos 

do desconforto inicial e dispostos a verificar detalhadamente, a partir dos critérios 

propostos,   tudo  o  que  precisava   ser   readequado,   conforme  o  gênero  discursivo 

solicitado, a saber um editorial.

Finalmente, depois de um longo percurso, foi possível verificar que  a escrita 

é um processo no qual determinadas etapas não podem e não devem ser deixadas 

de lado, a saber: leitura de diferentes gêneros discursivos e de textos orais e escritos 

(verbais e não verbais), discussão e momentos de interação, estudo dos elementos 

composicionais desses  textos, produção escrita dos gêneros estudados,  reescrita 

dos textos produzidos. Foi facilmente verificável o quanto contribuiu para o trabalho o 

estabelecimento de critérios específicos para a escrita e reescrita dos textos.

O Projeto obteve grande aceitação entre os alunos, de modo que tanto a 

professora como os alunos pretendem retomá­lo e aplicá­lo no decorrer das aulas 

nos   próximos   anos.   Em   vista   disso,   a   docente,   inclusive,   já   utilizou   tais 

encaminhamentos   em   diferentes   modalidades   de   ensino   e   Anos   do   Ensino 

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Fundamental, utilizando ainda gêneros discursivos fora da esfera jornalística e da 

ordem   do   argumentar,   tais   como   poesia,   autobiografia,   crônicas   etc.   Espera­se 

assim, com a continuidade deste trabalho, dar uma real contribuição às estratégias 

de  ensino­aprendizagem da  modalidade  escrita   de  nossa   língua,   tarefa  esta  de 

absoluta centralidade no ensino de Língua Portuguesa e para a qual os professores 

precisam certamente ser melhor instrumentalizados, a fim de possibilitar um acesso 

realmente efetivo dos alunos ao mundo da escrita.  foi   tão bem aceito  que  tanto 

professora como alunos pretendem retomá­lo e aplicá­lo no decorrer das aulas nos 

próximos anos, inclusive a docente já utilizou tais encaminhamentos em diferentes 

modalidades   de   ensino   e   Anos   do   Ensino   Fundamental,   utilizando,   inclusive, 

gêneros discursivos fora da esfera jornalística e da ordem do argumentar.

Referências

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2008.

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a novos desafios Didático­Pedagógicos nas escolas da rede pública estadual 

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Sul   Brasileiro   de   Psicopedagogia   –   PUC­PR.   Disponível   em 

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A  liga  da  Band   ­  Jovens  e  álcool,  uma mistura  explosiva   ­  Parte  1,  exibida  dia 

29/3/2011 disponível  em <http://www.youtube.com/watch?v=5i8hTSB9gPk> Acesso 

em 17 jun. 2011.