A RELEVÂNCIA DOS VALORES SOCIAIS NO ......1. O banco que acredita que investir em educação ajuda...
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A RELEVÂNCIA DOS VALORES SOCIAIS NO PROCESSO
PERSUASIVO
Ednéia de Cássia Antonio dos Santos Profª Drª Esther Gomes de Oliveira (Orientadora)
RESUMO
Não há discurso sem uma determinada intencionalidade e no que diz respeito à esfera publicitária, tal quesito é imprescindível. Assim, o
profissional dessa área deve ter plena consciência dos recursos que usa e de que forma os usa. Partindo desse pressuposto, numa propaganda,
poderão ser utilizadas como procedimentos argumentativos, questões relacionadas aos valores éticos, morais e sociais a fim de convencer o
cliente/consumidor de que a empresa está atenta às questões presentes naquela determinada época e preocupada, acima de tudo, com o bem
estar dos consumidores e da sociedade. Neste sentido, o sujeito, os papéis ocupados por ele e as vozes que permeiam o momento da
enunciação devem ser entendidas como primordiais nessa relação, uma vez que as ideologias vigentes no período em que a propaganda foi
veiculada podem influenciar na escolha lexical, gramatical, visual e
argumentativa do anúncio, pois o sujeito está envolvido naquele momento histórico e, portanto sofre a influência desses aspectos direta ou
indiretamente. Analisaremos, em uma propaganda do Banco Itaú, presente no cenário nacional desde 1943, como tais aspectos se
manifestam e como interferem no processo de persuasão. Abordaremos também os recursos argumentativos utilizados e seu poder de
convencimento.
Palavras-chave: valores sociais, sujeito, argumentação.
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Introdução
A linguagem publicitária, altamente apelativa, é utilizada pelas
empresas com o intuito de divulgar, vender produtos e até mesmo ideias.
Nela, o consumidor é convidado a fazer parte de um jogo que o envolve,
de forma inconsciente, por meio de palavras sedutoras com alto poder
persuasivo a fim de sentir necessidade de adquirir o que está sendo
oferecido. Tal papel vemos definido em Carvalho (1996, p.12):
O que cabe à mensagem publicitária, na
verdade, é tornar familiar o produto que está sendo vendido, ou seja, aumentar sua
banalidade, e ao mesmo tempo valorizá-lo com uma certa dose de “diferenciação”, a fim
de destacá-lo da vala comum.
O discurso da propaganda visa levar o cliente à persuasão e, para
tanto, faz uso dos recursos discursivos, gramaticais, visuais e até mesmo
dos valores sociais presentes na época da criação do anúncio. Conforme
Carvalho (1996, p.12), “publicidade é discurso, linguagem, e, portanto
manipula símbolos para fazer a mediação entre objetos e pessoas,
utilizando-se mais da linguagem do mercado que a dos objetos”.
Numa propaganda, valores éticos, morais e sociais também
servem para convencer o cliente/consumidor de que o produto ou a
empresa é idônea e está preocupada, acima de tudo, com o bem estar da
sociedade e com a ética.
Ao utilizar aquilo que é visto como “correto” ou demonstrar
interesse por questões que preocupam as pessoas em geral, como por
exemplo, fatores sociais, ambientais, culturais e outros que fazem parte
do dia a dia, a empresa mostra-se mais “humana” e com isso tem grandes
chances de aproximar-se do consumidor sem que ele crie grande
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resistência, afinal uma empresa que, aparentemente, pensa como o
cidadão criará serviços, taxas e prestará um atendimento que, ao invés de
prejudicar o cliente, irá ajudá-lo.
1. O sujeito, seus discursos e suas influências
Quando tratamos com o público, o consumidor ou o cliente de
maneira geral é de extrema importância considerar o sujeito em sua
totalidade, ou seja, seus os medos, sonhos e anseios. Ao abordarmos os
valores sociais e o discurso, é relevante analisar, não apenas o que é dito
em dado momento, mas sim, em todas as relações que esse dito
estabelece com o que já foi dito antes e, até mesmo, com o não-dito,
levando em consideração, também, a posição social e histórica dos
sujeitos e os desenvolvimentos discursivos aos quais se filiam os
discursos.
Pêcheux (apud GREGOLIN 2003, p. 27) leva em consideração
que:
O sujeito não é considerado como um ser
individual, que produz discursos com liberdade: ele tem a ilusão de ser o dono de
seu discurso, mas é apenas um efeito do ajustamento ideológico. O discurso é
construído sobre (...) um pré-construído (um já-lá), que remete ao que todos sabem, aos
conteúdos já colocados para o sujeito universal, aos conteúdos estabelecidos para a
memória discursiva.
Partindo desse pressuposto, o discurso não é definido como
transmissor de informação, mas como efeito de sentido entre locutores,
num determinado contexto social e histórico. Os elementos fonológicos,
morfológicos e sintáticos da língua são as bases materiais do discurso,
pois “o discursivo pressupõe o lingüístico”.
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É relevante ressaltar que o discurso é uma das instâncias de
materialização da ideologia, e dessa forma, expressa uma visão de
mundo. Todo sujeito fala de determinado lugar histórico, o que acaba
determinando essa ideologia. O dizer não nasce no sujeito da enunciação,
pois o enunciado se repete daí a noção de interdiscursividade. Foucault
(2005, p.15) diz: “Chamaremos discurso um conjunto de enunciados na
medida em que se apóia na mesma formação discursiva(...) ele é
constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos
definir um conjunto de condições de existência”.
O discurso é um efeito de sentido, como Orlandi (1999, p.15)
explica, “a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de
curso, de percurso, de correr por, de movimento”, ou seja, transita de
uma direção a outra mesclando-se em meio ao social e sofre influência de
diversas vozes, daí a premissa de que não existe um discurso novo e
único, pois todo discurso é fruto de outros.
A ideologia é permeada por vários discursos, pois, a partir das
diversas vozes ou opiniões com as quais o discurso tem contato
diariamente, o sujeito vai formando seus valores e suas crenças e assim
também difunde suas ideias formando uma rede que reproduz discursos
ao invés de criá-los.
2. Os valores sociais
A ideologia caracteriza-se por um conjunto de ideias. Apesar de
cada pessoa ter suas próprias crenças e valores, eles são frutos das
experiências vividas, do contexto e das influências que cada pessoa sofre
no meio social. Para Marcondes Filho (1997, p. 57), “...ideologia é uma
perspectiva que parte da pessoa, do grupo ao qual a pessoa participa, ou
de toda uma classe...”
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Como vivemos em sociedade, muitos dos nossos
comportamentos são pré-estabelecidos pelas experiências consideradas
corretas pelo meio social mesmo não concordando com algumas questões,
o ser humano acaba se adaptando ao comportamento da maioria, visto
que aqueles que destoam do “padrão” são, muitas vezes, vítimas de
julgamento ou até mesmo preconceito.
Nos tempos atuais, o mundo encontra-se numa dicotomia: trava
uma busca desenfreada pelo sucesso, desrespeita leis e pessoas com
naturalidade e não encontra mais tempo para nada, além de viver numa
constante insatisfação pessoal, profissional, entre outras que o
atormentam, Ao mesmo tempo em que luta pela tolerância, pela
preservação do meio ambiente e pela longevidade. Segundo Thompson
(1995, p. 117),
Alguns dos valores e crenças socialmente
partilhados constituem os elementos da
ideologia dominante que, por estar difundida na sociedade, garante a adesão das pessoas à
ordem.
Sendo assim, os valores sociais estão presentes na fala, nos
comportamentos, nas escolhas, nas palavras e em tudo que diz respeito
ao sujeito, que no caso é o consumidor em potencial. Nada e nenhuma
atitude é desprovida de um valor ou um pensamento ideológico. Neste
sentido, as propagandas também fazem uso desses aspectos para
construir suas mensagens. Para Marcondes (1948, p. 78), “Hoje, a
moderna indústria publicitária está mais voltada para a venda de ideias
(inclusive de preconceitos, estereótipos, valores) do que propriamente
mercadorias.”
Não há como negar a importância da criticidade quando lemos
um anúncio, pois o ele tenta de todas as maneiras convencer o
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consumidor de que sua mensagem é verdadeira, vantajosa e a que deve
ser seguida, sem precedentes,mas muitas vezes as ideias que
predominam no anúncio não condizem com o que entendemos como
correto ou ético.
No caso do banco Itaú, os valores trabalhados em suas peças
publicitárias são aqueles que não causam polêmica e são partilhados por
toda a sociedade. Isso garante maior vantagem em atingir e convencer o
cliente.
3. Análise do corpus
A ideologia presentes na época em que a propaganda foi
veiculada é responsável pela escolha lexical, visual e argumentativa do
anúncio, uma vez que o sujeito está envolvido naquele momento histórico
e tal fato precisa ser levado em consideração.
Nas peças publicitárias, perceberemos como questões ideológicas
são utilizadas pelo Banco Itaú como um forte recurso argumentativo para
persuadir o leitor. As propagandas em questão são atuais, mais
especificamente da edição 2137 da revista Veja de 4 de novembro de
2009. Hoje, alguns temas sociais estão sendo tratados com maior ênfase
pela mídia e pela sociedade em geral e por isso as propagandas também
fazem desses temas um de seus objetivos, pois essa é uma das maneiras
de aproximar-se do leitor/consumidor.
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3.1 Propaganda I
Texto reproduzido:
1. O banco comprometido com o desenvolvimento sustentável.
2. O Itaú é o único banco da América Latina presente há 10 anos consecutivos no
3. Índice Dow Jones de Sustentabilidade e eleito o banco mais sustentável
em 4. mercados emergentes pelo Finalcial Times e pelo International Finance
5. Corporation. É o banco feito para você e para as próximas gerações.
Na composição dessa propaganda, o nome do banco é formado
por flores na cor amarela amarelo representando o meio ambiente, e a cor
azul, ao fundo, representando o céu, ou até mesmo os rios. Toda essa
construção é reforçada pelos dizeres “O banco comprometido com o
desenvolvimento sustentável”.
O uso de alguns vocábulos destacam-se na peça publicitária
justamente pelo efeito que produzem. O primeiro caso a ser observado é
o adjetivo único (linha 2) e o advérbio mais (linha 3) que propagam a
ideia de um banco que se diferencia dos demais, como exclusivo na
preocupação ambiental, mesmo com a variedade de bancos existentes
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hoje. A última afirmativa É o banco feito para você e para as
próximas gerações (linha 5) vem reforçar a intenção da instituição em
convencer o leitor de que é o banco adequado para qualquer tipo de
cliente, pois não especifica seu público claramente, e irá preocupar-se
com o futuro do planeta.
Neste anúncio, temos a propagação da ideia de que o banco está
preocupado com o país, com seu desenvolvimento, mas, em nenhum
momento, se esquece de que o meio ambiente precisa ser preservado.
Além de toda essa consciência ambiental, oferece inúmeros serviços ao
seu cliente.
Na sociedade contemporânea, a preocupação com o planeta tem
sido alvo de diversas discussões. A consciência ambiental é um valor
partilhado por muitos e as empresas têm dado o devido valor a essa
questão, pois não querem ir contra algo considerado como correto por
muitos clientes em potencial. Segundo Villoro (1985, p,18)
La ideologia consiste en una forma de
ocultamiento en que los intereses y preferências propios de um grupo social se
disfrazan, al hacerse pasar por intereses y valores universales, y se vuelvan así
aceptables por todos.
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3.2 Propaganda II
Texto reproduzido:
1. O banco que acredita que investir em educação ajuda a crescer.
2. Através da Fundação Itaú Social, o Itaú contribui para a melhoria da
educação 3. em nosso país com projetos que atuam em 98% dos municípios
brasileiros. 4. É um banco feito para você e para o país crescer.
Neste exemplo, temos as letras clássicas da marca Itaú, agora
escritas com giz amarelo numa lousa cor azul, com os seguintes dizeres
“O banco que acredita que investir em educação ajuda o Brasil a crescer”,
mostrando a preocupação do banco com o crescimento do país que,
segundo os valores e crenças de nossa sociedade, poderá ocorrer por
meio de uma educação de qualidade.
Nessa peça publicitária, o banco visa mostrar ao leitor que pode
colaborar com o crescimento do Brasil e que, inclusive, se esforça pra
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isso, pois criou uma Fundação que chega a quase todo o território 98%
dos municípios brasileiros (linha 3) e que tem o intuito de contribuir
com um crescimento educacional de qualidade.
A sociedade ambiciona uma melhora nacional que envolva todos
os segmentos das quais ela depende. Uma mudança na base educacional,
a longo prazo, promoveria um país mais desenvolvido, menos corrupto,
com menos desigualdade social e com melhores condições sociais. Tais
anseios são antigos, partilhados por muitos e alvo de inúmeros discursos
políticos, porém ficam apenas nas promessas. István (1930, p.65) afirma:
Os interesses sociais que se desenvolvem ao
longo da história e se entrelaçam conflituosamente manifestam-se no plano da
consciência social, na grande diversidade de discursos ideológicos relativamente autônomos
(mas, é claro, de modo algum independentes), que exercem forte influência sobre os
processos materiais mais tangíveis do metabolismo social.
3.3 Propaganda III
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Texto reproduzido:
1. O banco que valoriza o que o Brasil tem de melhor
2. O Itaú investe e aproxima a cultura dos brasileiros ao patrocinar o
teatro, a literatura, 3. a dança, a música e as festas populares regionais. É o banco feito
para valorizar o que o Brasil tem de melhor.
No terceiro exemplo, as letras do banco são feitas com confete
de cor amarela e o fundo a com confete azul. A escolha do confete visa
representar o carnaval, uma das principais festas brasileiras, e,
principalmente, a alegria tão característica do povo brasileiro. Esta
intenção fica ainda mais evidente pela presença dos dizeres “O banco que
valoriza o que o Brasil tem de melhor”.
O publicitário, nessa parte da propaganda, destaca que, além de
seus produtos e serviços, o banco tem a preocupação de patrocinar
atividades ligadas às festas regionais e às atividades culturais em geral,
pois acredita que momentos de lazer e acesso à cultura são importantes
para todo cidadão. Portanto, sendo um banco com valores tão humanos,
investe também no bem-estar dos brasileiros.
A imagem do povo brasileiro, até mesmo internacionalmente, é a
de um povo alegre, feliz, carnavalesco, solidário e que supera as
dificuldades com otimismo. Tal imagem é levada em consideração, na
peça publicitária, a fim de chamar a atenção do leitor para a sensibilidade
do banco que não se esquece das questões ligadas ao comportamento do
brasileiro. De acordo com Thompson (1995, p.117)
Alguns dos valores e crenças socialmente partilhados constituem os elementos da
ideologia dominante que, por estar difundida na sociedade, garante a adesão das pessoas à
ordem social.
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4 Considerações finais
No âmbito do discurso da propaganda, sabemos que a intenção
do publicitário é persuadir o seu leitor a fim de que ele possa consumir o
produto ou o serviço ofertado. De acordo com Malanga (1987, p.56)
“O bom anúncio não é aquele bonito,mas o que tem originalidade e preenche a finalidade
a que se destina, e que contém uma mensagem capaz de despertar a atenção
desejada sobre determinado produto.”
Uma propaganda sempre estará vinculada a um determinado
momento histórico e traz consigo valores, crenças, medos e anseios
sociais que, por sua vez, trazem uma ideologia vigente. Com o objetivo de
atingir o maior número de pessoas, essas propagandas precisam inserir-
se em uma ideologia que abranja o maior número de adeptos possível a
fim de conseguir alcançar as metas financeiras desejadas.
Nas propagandas que analisamos, percebemos a ideologia com a
preocupação com o meio ambiente, com a educação, com o crescimento
do país e com a tranquilidade dos clientes como uma maneira de
persuadir o leitor, pois a imagem criada é a de um excelente banco
enquanto instituição financeira, além de trazer em si preocupações que
não são medidas em valores financeiros.
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REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Helena H. N. Introdução à análise do discurso. 8 ed.
Campinas: UNICAMP, 2001.
CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 1996.
FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do discurso: reflexões introdutórias. 2. ed. São Carlos: Claraluz, 2007.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. ed. 5°. São Paulo: Loyola,
2005.
GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise. Análise do Discurso: Lugar de Enfrentamentos Teóricos. In: FERNANDES, Cleudemar Alves; SANTOS,
João Bosco Cabral dos (Orgs). Teorias Lingüísticas: problemáticas contemporâneas. Uberlândia, EDUFU, 2003.
MALANGA, Eugênio. Publicidade, uma introdução. 4. ed. São
Paulo:Edima, 1987.
MARCONDES Filho, Ciro. Ideologia. 9. ed.São Paulo:Global,1997.
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia: Tradução Paulo César
Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
ORLANDI, Eni Pucinelli. Discurso e leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988
________, Eni Pucinelli. Análise de discurso: princípios e fundamentos.
3.ed., Campinas, SP: Pontes, 1999.
POSSENTI, Sírio. Os limites do discurso. 2 ed. São Paulo: Criar Edições, 2004.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna. Petrópolis.
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VILLORO, Luis. El concepto de ideologia y otros ensayos. México:
Fondo de cultura econômica, 1985.