5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 1/61
A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidadeRevista Cientifica 2006 Página 1 de 5»
Carla Fornari Colpani Acadêmica de Direito – UNIPLAC – Universidade doPlanalto Catarinense em Lages/SC.
KATIA COMO A MONORAFIA DEFENDE A DIMINUIÇÃO DA MAIORIDADEPENAL,E TAMBEM A IMPUNIDADE QUE ACONTECE, NA SEGURANÇAPUBLICA COMO POR EXEMPLO AUMENTO DA VIOLENCIA E ETC...ENTÃO SÓ RETIRAR DESTE TEXTO OS PONTOS QUE MOSTRA TALIMPUNIDADE, E O DESCONTENTO COM ISTO
Inobstante a mídia forneça dados inverídicos para a sociedade sobre o
adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na
verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de
acordo inclusive com a normativa internacional.
"Num momento em que se abre uma polêmica nacional, referente
à redução da imputabilidade penal, inclusive com inúmeros projetos de lei
em tramitação; num momento ainda em que a insegurança da sociedade,
cada vez mais assustada com o aumento da criminalidade e da violência,
gera discussões calorosas, acirradas e radicais sobre as soluções para o
problema, há que se ter, antes de decisões possivelmente paliativas e
equivocadas, uma visão mais ampla e profunda das características do
adolescente infrator e do ato por ele cometido" (VIEIRA, 1999, p. 16).
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva compreender a responsabilização
penal do adolescente infrator, que ocorre através das medidas sócio-
educativas, e a sensação da ilusão de impunidade.
O principal objetivo é entender que, inobstante a mídia forneça
dados inverídicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com
a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na verdade existe um
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 2/61
amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo
inclusive com a normativa internacional.
Diante disso, é inevitável e essencial a exploração do tema para
dirimir a ilusão de impunidade, o que só será alcançado através de uma
aplicação eficaz das medidas sócio-educativas, para a recuperação dos
adolescentesinfratores e a conseqüente preservação da segurança
pública.
A pesquisa produzida tem como finalidade primordial contribuir
para a desconstrução do mito da impunidade, através do conhecimento
da responsabilização penal do adolescente infrator.
Na composição e estruturação do tema, empregou-se umametodologia baseada na pesquisa bibliográfica interdisciplinar, de forma
a garantir a logicidade da pesquisa, que se divide em três capítulos.
O primeiro capítulo, Histórico e Fundamentos da Legislação
voltada à Criança e ao Adolescente, consiste em considerações sobre a
evolução das normas e das instituições voltadas para a proteção e
responsabilização penal da criança e do adolescente, bem como a
normativa internacional e os princípios orientadores.Textos relacionados
"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada:modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976
A repressão criminal como reprodução da violência Aspectos medico-legais do estupro: perícia A valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se
como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável O art. 28 da Lei de Drogas no Projeto de Lei nº 111/2010. Pena de
detenção ou tratamentoO segundo capítulo, A Responsabilização Penal do Adolescente
Infrator, aborda o perfil do adolescente em conflito com a lei e as medidas
sócio-educativas, quais sejam, advertência, reparação do dano, prestação
de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e
internação, que são analisadas individualmente.
No terceiro capítulo, A Ilusão de
Impunidade, traça-se um paralelo
entre os mitos existentes sobre a responsabilização penal do adolescente
infrator, com o objetivo de demonstrar que existe uma ilusãode impunidade.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 3/61
Aborda-se inclusive, perspectivas e propostas para a
implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nas considerações finais, são sintetizadas algumas questões
específicas sobre a pesquisa.
1. HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA LEGISLAÇÃO VOLTADA À
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
Os interesses da criança e do adolescente sempre existiram, mas
nem sempre tiveram dimensão suficiente para fomentar o
reconhecimento de que suas relações pudessem interessar ao Direito,como explica Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 11):
Seus interesses confundiam-se com os interesses dos adultos,
como se fossem elementos de uma simbiose onde os benefícios da união
estariam contemplados pela proteção jurídica destinada aos últimos.
Figuravam, em regra, como meros objetos da intervenção do mundo
adulto, sendo exemplificativa a utilização da velha expressão pátrio poder ,
indicativa de uma gênese onde o Direito tinha como preocupaçãodisciplinar exclusivamente as prerrogativas dos pais em relação aos
filhos, suas crias.
Obviamente não existia a diferenciação que se conhece hoje, de
criança e adolescente [1], sendo inicialmente feita uma distinção que
atualmente conhecemos como sendo de direito civil,
entre menorespúberes e impúberes, até chegar-se aos conceitos
específicos, como o de inimputabilidade penal [2], por exemplo.
Isso se explica porque, como é sabido, nas primeiras civilizações,
as mulheres, crianças e estrangeiros não eram considerados cidadãos,
como informa John Boswell (apud MENDEZ, 1997, p. 11):
O resto da população permanecia, por toda a vida, numa situação
jurídica equiparável à ‘ínfância’, no sentido de que tais relações
permaneciam sob o controle de algum outro. Um pai, um senhor, um
patrão, um marido, etc. Surge a tentação de deduzir, deste vínculo
lingüístico, que as crianças ocuparam a posição de escravos, mas é maisprovável que a conexão verbal seja ligada ao fato de que os próprios
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 4/61
papéis sociais (escravo, servo, gleba, etc.) eram equivalentes ao papel
social da ‘criança’, quanto a poder e condição jurídica, seja qual fosse a
idade da pessoa.
Assim, a compreensão dos institutos jurídicos voltados para as
crianças e os adolescentes, depende de um conhecimento, em linhas
gerais, da evolução histórica desse ramo do Direito.
1.1.Precedentes Históricos
Desde a Antigüidade [3], tanto no Ocidente quanto no Oriente, os
filhos não eram considerados sujeitos de direito, durante a menoridade,
mas sim servos da autoridade paterna, como relata José de Farias
Tavares (2001, p. 46):
O regime era comum a diversos povos, oriundo das civilizações
primitivas. O poder do patriarcado romano tinha o mesmo absolutismo
no mundium do Direito germânico. O pai tinha o terrível jus vitae
necissobre a pessoa do seu filho não emancipado, podendo aliená-lo, e
nos tempos mais recuados, até matá-lo. O filho "pertencia"
ao pater, palavra esta que, segundo alguns romanistas, significava muito
mais poder que paternidade propriamente dita, no sentido atual de
relação parental e afetuosa da família.
Em Esparta, a criança era objeto de Direito estatal, para ser
aproveitada como futura formação dos contingentes guerreiros, com a
seleção precoce dos fisicamente mais aptos, e os infantes portadores de
deficiência, com malformações congênitas ou doentes, eram jogados nos
despenhadeiros.
O Código de Hamurabi [4] previa a pena de morte para o homem
que roubasse o filho menor de outro, demonstrando uma proteção
distinta, com base na idade.
No Direito Romano [5], os juristas distinguiam os menores púberes
dos impúberes, e era feita uma avaliação física para saber se o jovem era
púbere. Por outro lado, o povo judeu [6] amenizava a severidade das penas
quando os autores eram menores impúberes ou órfãos.
O Direito Medieval, de acordo com José de Farias Tavares (2001,
p. 48), atenuou a severidade de tratamento das pessoas de idade maistenra, em razão da influência do estoicismo e posteriormente do
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 5/61
cristianismo. Já o Direito canônico manteve o princípio reverencial, que
tinha profunda repercussão na educação doméstica cristã.
No Período Feudal, relata Maria Auxiliadora Minahim
(apud SARAIVA, 2003, p. 14), que em países como a Itália e a Inglaterra,
era utilizado o método da ‘prova da maçã de Lubecca’, que consistia em
oferecer uma maçã e uma moeda à criança, sendo que se escolhida a
moeda, considerava-se comprovada a malícia, sendo inclusive aplicada
pena de morte a crianças de 10 e 11 anos.
Assim, só com o desenrolar da História, a evolução da cidadania e
o aperfeiçoamento das legislações, foram sendo criadas regras
específicas para a proteção da infância e da adolescência.
Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 14) enumera que,
do ponto de vista do Direito, em termos de responsabilização penal, é
possível dividir a história do Direito Juvenil em três etapas: a) de caráter
penal indiferenciado; b) de caráter tutelar e c) de caráter penal juvenil.
A primeira etapa, marcada pelo caráter indiferenciado, vai do
século XIX até a primeira década do século XX, e caracterizou-se por
considerar as crianças e os adolescentes da mesma forma que osadultos, na medida em que eram recolhidos no mesmo espaço.
Já o segundo momento, originado nos Estados Unidos, tem início
a partir do Século XX, fase em que a norma passa a ter um caráter tutelar.
A terceira etapa, a partir de 1959, inaugura um processo de
responsabilidade juvenil, caracterizada por conceitos como separação,
participação e responsabilidade.
1.2 Normativa Internacional
O estudo da normativa internacional [7] possui grande importância
porque a legislação brasileira é influenciada, em seu ordenamento
jurídico, pelas normas internacionais [8].
João Batista Costa Saraiva (2003, p. 31) aduz que o primeiro
Tribunal de Menores foi criado em Ilinois, EUA, em 1899, sendo que a
partir da experiência americana, outros países aderiram à criação de
Tribunais de Menores, instituindo seus próprios juízos especiais:Inglaterra em 1905, Alemanha em 1908, Argentina em 1921, Japão em
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 6/61
1922, Brasil em 1923, Espanha em 1924, México em 1927 e o Chile em
1928.
De acordo com Munir Cury (2002, p. 12), a constatação
internacional de que as crianças e adolescentes necessitavam de uma
legislação especial foi prevista inicialmente em 1924, através da
Declaração de Genebra, que determinava a necessidade de proporcionar
à criança uma proteção especial.
Os autores complementam que em 1948, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos das Nações Unidas estabeleceu o direito a
cuidados e assistência especiais. Seguindo a mesma orientação, a
Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José daCosta Rica), em 1960, declarou em seu art. 19:
Toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua
condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do
Estado.
A Declaração dos Direitos da Criança, celebrada em 1959,
considerando os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas,
definiu os direitos universais das crianças, reconhecendo que a infância
tem direito a cuidados e assistências especiais. O art. 12 [9], da
Convenção, refere-se ao direito da criança manifestar a sua opinião e
expressá-la livremente.
Já o art. 40, caput, reconhece que mesmo no caso de violação às
leis penais, a criança e o adolescente merecem um tratamento
diferenciado, de modo a promover seu sentido de dignidade e valor,
objetivando-se a reintegração na sociedade:Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança, a quem
se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare
culpada de ter infringido as leis penais, de ser tratada de modo a
promover a estimular seu sentido de dignidade e valor, e fortalecerão o
respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e
a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho
construtivo da sociedade.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 7/61
As Regras de Beijing, recomendadas no 7º Congresso das Nações
Unidas sobre prevenção de delito e tratamento do delinqüente, realizado
em Milão no período de 26.08 a 06.09.85, e adotada pela Assembléia Geral
em 29.11.85, estabelecem como orientação fundamental a necessidade de
promover o bem estar da criança e do adolescente, bem como de sua
família, prevendo que a Justiça da Infância e da Juventude será
concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento de
cada país, prevendo a Regra 7:
Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as
etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser
informado das acusações, o direito de não responder, o direito àassistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à
confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação
ante uma autoridade superior.
Deve-se às essas regras a moderna inclinação no sentido de
restringir a delinqüência juvenil às infrações do Direito Penal, sem incluir
assim fatos penalmente indiferentes.
Em 1980, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança foi
aprovada pela Assembléia das Nações Unidas, com natureza coercitiva,
exigindo dos Estados deveres e obrigações. De acordo com Josiane Rose
Petry Veronese (1997, p. 23): "Se fizéssemos um paralelo entre a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e o
Estatuto da Criança e do Adolescente poderíamos constatar a grande
afinidade entre os dois normativos". Fazendo um comparativo entre a
Convenção Internacional e a Declaração Universal dos Direitos daCriança, a autora (1997, p. 12) esclarece ainda que:
Nesse sentido, chama atenção o fato de que a Convenção
Internacional, diferentemente da Declaração Universal dos Direitos da
Criança, não se configura numa simples carta de intenções, uma vez que
tem natureza coercitiva e exige do Estado Parte que a subscreveu e
ratificou um determinado agir, consistindo, portanto, num documento que
expressa de forma clara, sem subterfúgios, a responsabilidade de todoscom o futuro.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 8/61
Em 14 de dezembro de 1990 a Assembléia Geral das Nações
Unidas publicou as Regras Mínimas para os Jovens Privados de
Liberdade, reconhecendo a vulnerabilidade dos adolescentes,
preconizando a necessidade de atenção e proteção especiais para que
sejam garantidos os direitos de cada adolescente, dispondo na Regra 2:
Os adolescentes só devem ser privados de liberdade de acordo
com os princípios e processos estabelecidos nestas Regras e nas Regras
Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e
da Juventude (Regras de Beijing). A privação de liberdade de um
adolescente deve ser uma medida de último recurso e pelo período
mínimo necessário e deve ser limitada a casos excepcionais. A duração
da sanção deve ser determinada por uma autoridade judicial, sem excluir a possibilidade de uma libertação antecipada.
Ainda em 1990, foram aprovadas as Diretrizes das Nações Unidas
para Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad,
reconhecendo que é necessário estabelecer critérios e estratégias
nacionais, regionais e inter-regionais para prevenir a delinqüência juvenil,
prevendo no art. 1º:
A prevenção da delinqüência juvenil é parte essencial da
prevenção do delito na sociedade. Dedicados a atividades lícitas e
socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida
com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não
criminais.
Já no plano interno, a legislação brasileira é considerada a
primeira, dentre as legislações dos países latino-americanos, queincorporou em seu texto tanto as regras de proteção e de garantia dos
direitos do adolescente infrator como as de proteção da criança vítima de
abandono ou outra violência.
Percebe-se que, a normativa internacional sobre o tema possui
vastos e específicos dispositivos voltados para a proteção da infância e
juventude, demonstrando a importância e seriedade que o assunto
envolve no âmbito internacional, e servindo de inspiração para olegislador brasileiro.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 9/61
1.3 Legislação Nacional e a Responsabilização Penal da Criança e doAdolescente
De acordo com Sônia Margarida (2002, p. 34), em palestra
realizada na IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente [10], o Brasil demorou cinco séculos para construir leis de
atenção à infância e à adolescência, atravessando os séculos XVI, XVII,
XVIII e XIX sem editar nenhuma disposição legal sobre o tema,
ponderando que:
Sabemos que este não é um dado sem significados. Isto diz muito
sobre as concepções de infância e de adolescência que têm sido
historicamente dominantes em nosso país, sobre as políticas que têm
sido elaboradas e sobre as que não têm sido desenvolvidas e
implementadas. Refletir sobre o atendimento prestado à infância e
adolescência significa pensar a própria história da infância e
adolescência brasileira.
A autora prossegue, dissertando sobre o tema, explicando que as
primeiras medidas educativas ou de política pública para a infância
brasileira foram a criação das ‘Casas de Roda’ [11], fundada na Bahia em
1726, a ‘Casa dos Enjeitados’, no Rio de Janeiro em 1738, e a ‘Casa dos
Expostos’, no Recife em 1789, destinadas a abrigar crianças e
adolescentes.
No período colonial [12], as crianças filhas de índios e escravos não
possuíam nenhum tipo de proteção legal e não podiam dispor nem sequer
de um documento de identidade, o que demonstra que não tinham
nenhum direito assegurado legalmente.
No Brasil colônia, os espaços sociais eram absolutamente
distintos e imóveis. Assim, havia duas infâncias e adolescências e duasformas sociais de construção dessa fase da vida humana: a infância e
adolescência dos filhos brancos portugueses e a infância e adolescência
dos índios (MARGARIDA, 2001, p. 35).
Até 1830, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 23) explica que
vigoravam as Ordenações Filipinas, e a imputabilidade penal iniciava-se
aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe
redução da pena. A título de comparação com a o que estava
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 10/61
acontecendo no cenário mundial no mesmo momento, o autor destaca
que:
Na Inglaterra se construía o embrião do Direito da Infância. Era
editada a primeira normativa de combate ao trabalho infantil, conhecida
como Carta dos Aprendizes, de 1802, ato que limitava a jornada de
trabalho à criança trabalhadora ao máximo de doze horas diárias e proibia
o trabalho noturno.
O autor prossegue explicando que em 1830, o primeiro Código
Penal brasileiro fixou a idade de imputabilidade plena em 14 anos,
prevendo um sistema biopsicológico para a punição de crianças entre 07
e 14 anos.
Já em 1890, o Código Republicano previa em seu art. 27, § 1º, que
irresponsável penalmente seria o menor com idade até 09 anos. Assim, o
maior de 09 anos e menor de 14 anos submeter-se-ia a avaliação do
Magistrado.
De outro lado, Paula Gomide (2002, p. 20) considera que a história
da política social brasileira voltada para as crianças e adolescentes pode
ser dividida em três fases.
A primeira fase caracteriza-se pela criação de programas de
assistência ao menor a cargo da assistência médica, cujas principais
medidas utilizadas eram de caráter profilático. Essa preocupação
culminou com a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à
Infância do Rio de Janeiro, em 1889.
Já na segunda fase, os termos ‘criança’ e ‘menor’ começam a ser
diferenciados, sendo criadas instituições correcionais. É nessa etapa que
surge o primeiro Código de Menores [13], criado através do Decreto-Lei nº
17.947/27-A, no dia 12 de outubro de 1927, conhecido como o ‘Código de
Mello Matos’.
Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 26) relata que o Código de
Mello Mattos sintetizou, de maneira ampla e aperfeiçoada, leis e decretos
que se propunham a aprovar um mecanismo legal que desse atenção
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 11/61
especial à criança e ao adolescente. A autora comenta ainda que o
Código substituiu concepções obsoletas, passando a assumir a
assistência ao menor de idade, sob a perspectiva educacional.
Paula Gomide (2002, p. 15) lembra que em 1930, os escritores
Jorge Amado e Anton Makarenko ofereceram às comunidades científica e
literária internacionais duas obras fundamentais para o entendimento das
questões referentes às crianças e adolescentes marginalizados, nos
seguintes termos:
MAKARENKO, consagrado educador russo, em 1933, publicou
Poemas Pedagógicos, onde narrou sua extraordinária experiência ao
dirigir uma instituição correcional para crianças e jovens considerados
antisociais. Em Capitães da Areia, publicado em 1937, Jorge Amado
retratou, com a precisão peculiar do romancista sensível que é, a
realidade em que viviam os meninos abandonados da cidade de Salvador.
A terceira fase é marcada pela criação do Serviço de Assistência
ao Menor (SAM), em 1941, e depois da Fundação Nacional do Bem Estar
do Menor (FUNABEM) [14], em 1964, através da Lei nº 4.513/64, entidade
que deveria amparar, através de políticas básicas de prevenção e
centradas em atividades fora dos internatos e também através da medida
sócio-terapêutica, que compreendia as ações dirigidas
aosinfratores internados [15].
A inspiração para os discursos e para as novas legislações que
serão produzidas neste momento vem da legislação americana que, em
nome da proteção da criança e da sociedade, concedeu aos juizes o
poder de intervir nas famílias, particularmente nas famílias pobres e noschamados lares desfeitos, quando se julgava que, por sua influência, as
crianças poderiam ser encaminhadas para o crime (ABONG, 2001, p. 37).
Nessa época, como lembra Josiane Rose Petry Veronese (1998, p.
153), o Estado brasileiro não permitia a participação popular e armava-se
de mecanismos que lhe garantiam reprimir as formas de resistência
popular, como por exemplo, a centralização do poder. A própria
FUNABEM é um exemplo dessa centralização, pois a instituição foi
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 12/61
delegada para ser administrada pela Política Nacional do Bem-Estar do
Menor (PNBEM). A autora complementa que:
A PNBEM, como as outras políticas sociais definidas neste
período do regime militar, revestiu-se com um manto extremamente
reformista e modernizador, passando a colocar em relevo uma perfeição
técnico-burocrática e metodológica. Dava-se ao problema do então
"menor" soluções pragmáticas e imediatistas, que se propunham
escamotear sua verdadeira natureza (VERONESE, 1998, p. 153-154).
O SAM tinha objetivos de natureza assistencial, enfatizando a
importância de estudos e pesquisas, bem como o atendimento
psicopedagógico, no entanto, não conseguiu contribuir suas finalidades,
como explica Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 32): "No entanto, o
SAM não conseguiu cumprir suas finalidades, sobretudo devido à sua
estrutura emperrada, sem autonomia e sem flexibilidade e a métodos
inadequados de atendimento, que geraram revoltas naqueles que
deveriam ser amparados e orientados".
Sobre a FUNABEM, a autora relata (VERONESE, 1999, p. 35) que
serviu como instrumento de controle da sociedade civil, mas demonstrou
que não estava sendo eficiente, ante o crescimento do número de
crianças marginalizadas, além da incapacidade [16] de proporcionar a
reeducação.
No entanto, e infelizmente, apesar dos princípios ditos tuteladores
que fundamentavam a doutrina da "situação irregular", as instituições
que deveriam acolher e educar esta criança ou adolescente, no mais das
vezes não cumpriam este papel. Isso porque a metodologia aplicada, aoinvés de socializá-lo, o massificava, o despersonalizava, e deste modo, ao
contrário de criar estruturas sólidas, nos planos psicológico, biológico e
social, afastava este chamado menor em situação irregular ,
definitivamente, da vida comunitária (VERONESE, 1997, p. 96).
A Constituição Federal de 1934, abordou o tema de forma
genérica, referindo-se à maternidade e à infância, sendo que em todas as
constituições que se seguiram foram sendo acrescentadas previsões
expressas de um tratamento diferenciado para a criança e o adolescente,como explica José de Farias Tavares (1999, p. 13):
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 13/61
A nível constitucional a preocupação do legislador brasileiro foi
consignada pela primeira vez na Constituição de 1934, art. 121, § 1º, d , e §
3º, arts. 139 e 150, parágrafo único, se bem que de forma genérica
referindo-se à maternidade e à infância. Na Carta autocrática de 1937:
arts. 16, XXVII, 127, 129 a 132 e 137, K, Constituição democrática de 1946:
arts. 157, IX, 164, 168, I a III. A Lex Magna de 1967: arts. 158, X, 167, § 4º,
168, § 3º, II e 170, que, com a Emenda 1/69, foram remunerados para,
respectivamente: arts. 165, X, 175, § 4º, 176, § 3º, II e 178.
O Código Penal de 1940 (Decreto-Lei nº 2.848, de dezembro de
1940), que está em vigor até hoje, estabeleceu a imputabilidade penal aos
18 anos de idade, em seu art. 27 [17].
Durante o regime militar, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 50)lembra que o Código Penal Militar – Decreto-Lei nº 1.001, de 21.10.1969,
fixou a imputabilidade penal, frente a crimes militares em 16, dispositivo
que só veio a ser totalmente revogado pela Constituição Federal de 1988.
Em 1979, na comemoração do Ano Internacional da Criança, foi
publicada a Lei nº 6.697/79, instituindo o segundo Código de Menores,
fundamentado na Doutrina da Situação Irregular [18].
Através da Lei nº 7.209, de 11.07.1984, foi dada nova redação àParte Geral do Código Penal, mantendo a imputabilidade penal aos 18
anos [19], observando assim um critério objetivo.
O governo de transição democrática editou o Decreto-Lei nº 2.318,
de 30 de dezembro de 1986, que dispunha sobre a iniciação ao trabalho
do menor assistido e instituía o "Programa do Bom Menino", depois, foi
publicado o Decreto nº 94.337 de 1987, que regulamentou o programa. Em
1987, através da Lei nº 7.644, houve a regulamentação da atividade da
‘mãe social’ [20].
Analisando a evolução histórica da legislação nacional
dispensada ao Direito da Criança e do Adolescente percebe-se que muito
embora tenham sido criadas normas específicas, estas não alcançaram
todos os objetivos propostos, pois as entidades de internação
apresentavam graves problemas, os quais persistem até hoje, como a
promiscuidade e a ausência de profissionais especializados, deixando-se
assim de garantir a proteção integral ao adolescente.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 14/61
Toda essa previsão legal, embora meritória mas utópica, não teve
correspondência na prática, já que não encontrou campo propício ao seu
desenvolvimento. É preciso, de uma vez por todas, que as nossas
autoridades se conscientizem de que os problemas sociais, econômicos e
mesmo políticos não se resolvem com a feitura de leis, que nunca
chegam a ser aplicadas, ou por serem inexeqüíveis ou porque são
elaboradas com o único propósito de se dar ao povo a impressão de que
alguma coisa está sendo feita (NOGUEIRA, 1996, p. 6).
Ou seja, ao dar prioridade para políticas excludentes, repressivas
e assistencialistas, o país perdeu a oportunidade de colocar em prática
políticas públicas capazes de promover a cidadania, como indica JosianeRose Petry Veronese (1998, p. 161):
Observou-se, outrossim, que a questão da criança e do
adolescente não deixou de ser, ao longo da história, contemplada em leis.
Todavia, raramente estas foram obedecidas, o que reforça a idéia de que
o ordenamento jurídico, por si só, não resolve os problemas sociais.
Urgem, portanto, medidas públicas adequadas à demanda. Faz-se
necessária a implantação de políticas que garantam acesso a umaeducação popular, ao trabalho e ao salário justo, como, também, é
imprescindível o engajamento de toda a sociedade, sobretudo daqueles
segmentos que detêm o capital e, dessa forma, têm condições de engajar-
se em campanhas e projetos alternativos que visem à criança e ao
adolescente, fazendo-os trilhar pelo caminho da consolidação da
cidadania.
Já a Constituição de 1988 foi mais abrangente, dispondo sobre aaprendizagem, trabalho e profissionalização, capacidade eleitoral ativa,
assistência social, seguridade e educação, programa de rádio e televisão,
proteção como múnus público, prerrogativas democráticas processuais,
incentivo à guarda, prevenção contra entorpecentes, defesa contra abuso
sexual, estímulo à adoção e a isonomia filial. [21]
Assim, pela primeira vez na história da legislação brasileira, a
criança e o adolescente são tratados como prioridade absoluta, sendo
dever da família, da sociedade e do Estado protegê-los.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 15/61
Em 1993, através da Lei nº 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS) e da Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), surge a inspiração para a implantação dos Conselhos de
Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares e dos
Conselhos Setoriais de políticas públicas.
Inspirando-se na legislação internacional, bem como em toda a
abrangência da Constituição Federal, com o advento do ‘Brasil Novo’, a
Lei nº 8.069/90 criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
revogando o Código de Menores, rompendo com a doutrina da situação
irregular, estabelecendo como diretriz a doutrina da proteção integral.
Ressalta-se que o ECA, além de prever a proteção integral, elevouo adolescente a categoria de responsável pelos atos considerados
infracionais que cometer, através da aplicação das medidas sócio-
educativas, revolucionando assim o entendimento até então existente, e
servindo de alento para a sociedade vitimada pela falta de segurança.
1.4 Princípios Orientadores
O ECA é regido por uma série de princípios, que servem para
orientar o intérprete, sendo os principais, conforme o entendimento dePaulo Lúcio Nogueira (1996, p. 15), os seguintes: Prevenção Geral,
Prevenção Especial, Atendimento Integral, Garantia Prioritária, Proteção
Estatal, Prevalência dos Interesses, Indisponibilidade, da Escolarização
Fundamental e Profissionalização, Reeducação e Reintegração,
Sigilosidade, Respeitabilidade, Gratuidade, Contraditório e Compromisso.
O Princípio da Prevenção Geral está previsto no art. 54, incisos I e
VII[22]
, e art. 70[23]
, segundo os quais, respectivamente, é dever do Estadoassegurar à criança e ao adolescente ensino fundamental obrigatório e
gratuito, e é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação
desses direitos.
Pelo Princípio da Prevenção Especial, expresso no art. 74 [24], o
Poder Público, através dos órgãos competentes, regulará as diversões e
espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas
etárias a que não se recomendem, locais e os horários em que sua
apresentação de mostre inadequada.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 16/61
O Princípio da Garantia Prioritária, consignado no art. 4, alíneas a,
b, c e d [25], estabelece que a criança e o adolescente devem receber
prioridade no atendimento dos serviços públicos e na formulação e
execução das políticas sociais.
O Princípio da Proteção Estatal, evidenciado no art. 101 [26],
significa que programas de desenvolvimento serão estabelecidos visando
a formação biopsíquica, social, familiar e comunitária.
Seguindo a mesma orientação, os Princípios da Escolarização
Fundamental e Profissionalização, encontrados nos arts. 120, § 1º e 124,
inciso XI [27], tornam obrigatórias a escolarização e a profissionalização.
Já o Princípio da Prevalência dos Interesses do Menor, criado
através do art. 6[28]
, orienta que na interpretação da lei, serão levados emconsideração os fins sociais a que o Estatuto se dirige, as exigências do
bem comum, os direitos e deveres indisponíveis e coletivos, e condição
peculiar do adolescente infrator de pessoa em desenvolvimento.
O Princípio da Indisponibilidade dos Direitos do Menor e da
Sigilosidade, previsto no art. 27 [29], reconhece que o estado de filiação é
direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, observado o segredo
de justiça.
O Princípio da Reeducação e Reintegração, observado no art. 119,incisos I a IV [30], estabelece a necessidade da reeducação e reintegração
do adolescente infrator, através das medidas sócio-educativas e medidas
de proteção, promovendo socialmente a sua família, fornecendo-lhes
orientação e inserindo-os em programa oficial ou comunitário de auxílio e
assistência, bem como supervisionando a freqüência e o aproveitamento
escolar;
Pelo Princípio da Respeitabilidade e do Compromisso,
estabelecidos nos arts. 18, 124, inciso V e art. 178 [31], depreende-se que é
dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-
os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante,
vexatório ou constrangedor, de acordo com os arts. 18, 124, inciso V e art.
178 [32], sendo que todos que assumirem a guarda ou tutela devem
responder bem e fielmente pelo desempenho do seu cargo.
O Princípio do Contraditório [33], previsto inicialmente no art. 5º, LV,
da Constituição Federal, garante aos adolescentes infratores ampla
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 17/61
defesa e igualdade de tratamento no processo de apuração de ato
infracional, como dispõem os arts. 171 a 190 do Estatuto.
A Constituição Federal acolheu o princípio do contraditório como
um dos direitos indisponíveis do indivíduo, que, desde os primórdios, não
pode ser condenado sem antes ser ouvido. Aliás, Sêneca já ensinava que
é iníquo o julgador que sentencia sem ouvir o acusado (VALENTE, 2002,
p. 61).
Além disso, João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 16) considera
fundamental explicar que o ECA estrutura-se a partir de três sistemas de
garantia: o Sistema Primário, o Sistema Secundário e o Sistema Terciário.
O Sistema Primário versa sobre as políticas públicas de
atendimento a crianças e adolescentes, previstas nos arts. 4º e 87. O
Sistema Secundário aborda as medidas de proteção dirigidas a crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal ou social, previstas nos arts.
98 e 101, e, por fim, o Sistema Terciário trata da responsabilização penal
do adolescente infrator, através das medidas sócio-educativas, previstas
no art. 112, que são aplicadas aos adolescentes que cometem atos
infracionais. O autor (2003, p. 24) complementa que:
Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas),
prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária
(medidas sócio-educativas), opera de forma harmônica, com acionamento
gradual de cada um deles. Quando a criança ou o adolescente escapar ao
sistema primário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo
grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o
adolescente em conflito com alei, atribuindo-se a ele a prática de algumato infracional, o terceiro sistema de prevenção, operador das medidas
socioeducativas, será acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado
genericamente de sistema de Justiça (Polícia/ Ministério Público/
Defensoria/ Judiciário/ Órgãos Executores das Medidas Socioeducativas).
Do exposto, depreende-se que o ECA fundamenta-se em
princípios jurídicos herdados de outras normas, como é o caso do
Princípio do Contraditório, assegurado inicialmente na ConstituiçãoFederal, bem como em fundamentos previstos em legislações
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 18/61
internacionais, e que foram previstos de forma expressa em seus artigos,
tais como o Princípio da Prevenção Geral e da Proteção Estatal, expresso
no art. 4º, segundo o qual:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e a convivência familiar e comunitária.
Além desses princípios previstos na Constituição Federal e no
ECA, não podem ser esquecidas, conforme adverte Aloysio Nunes
Ferreira (2002, p. 22), em palestra na IV Conferência Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente, das diretrizes que surgiram com o passar
do tempo, através da efetivação de medidas de proteção, como é o caso
do Princípio da Descentralização das Ações, que significa o dever da
participação da sociedade, por meio das suas entidades representativas,
na proteção e reeducação dos adolescentes.
1.5 Doutrina da Situação Irregular e Doutrina da Proteção Integral
No mundo jurídico, para Emílio Garcia Mendez (1997, p. 12),
doutrina é o conjunto da produção teórica elaborada por todos aqueles
ligados, de uma ou de outra forma, ao tema, sob a ótica do saber, da
decisão ou execução. O autor entende ainda que:
Normalmente, em todas as áreas do direito dos adultos a
produção teórica encontra-se homogeneamente distribuída entre os
diferentes segmentos do sistema, o que, estimulando-se a pluralidade
dos pontos de vista, assegura eficazes contrapesos intelectuais na
interpretação das normas jurídicas.
A Doutrina da Proteção Integral substituiu a Doutrina da Situação
Irregular, fundamento do revogado Código de Menores, sendo que para a
compreensão da importância da doutrina atual faz-se necessário
discorrer, brevemente, sobre a doutrina que vigorava anteriormente.
A Doutrina da Situação Irregular definia o estado de ‘patologiasocial’, que quando constatado, indicava que o ‘menor’ deveria ser
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 19/61
alcançado pela norma. O revogado Código de Menores, em seu art. 2º
estabelecia que se considerava em situação irregular o menor: com
desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária [34].
Os fundamentos jurídicos dessa doutrina remontam ao Congresso
Internacional de Menores, realizado em Paris, no período de 29 de junho a
1º de julho de 1911, momento em que se consagrou, de acordo com
Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 33), o binômio
carência/delinqüência.
Assim, o Código de Menores não garantia uma proteção
verdadeira para as crianças e adolescentes, pois se apoiava na falsa idéia
de que todos teriam as mesmas oportunidades sócio-econômicas, comose o caminho do crime fosse uma opção, garantindo proteção apenas nas
situações determinadas, conhecidas como ‘situações irregulares’
Sobre o mesmo assunto, Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 13)
explica que:
O Código revogado não passava de um Código Penal do "Menor",
disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de
verdadeiras sanções, ou seja, penas, disfarçadas em medidas deproteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre a
assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família;
tratava da situação irregular da criança e do jovem, que na realidade,
eram seres privados de seus direitos.
A Doutrina da Proteção Integral tem como antecedente direto a
Declaração dos Direitos da Criança (1959), condensando-se em quatro
documentos internacionais fundamentais: a Convenção Internacional dosDireitos da Criança, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), as Regras Mínimas
das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes
das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Diretrizes de
Riad).
No Brasil, por sua vez, foi inicialmente prevista na Constituição
Federal, no art. 227, que prevê:
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 20/61
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Ou seja, de acordo com esta doutrina, todos os direitos da criança
e do adolescente devem ser reconhecidos, sendo que estes direitos são
especiais e específicos, no dizer de João Batista Costa Saraiva (2002 a, p.
15), principalmente pela condição que ostentam de pessoas em
desenvolvimento. O autor complementa que:
A Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição
Federal, que a consagra em seu art. 277, tendo sido acolhida pelo plenário
do Congresso Constituinte pela extraordinária votação de 435 votos
contra 8 [...] Na aplicação da Doutrina da Proteção Integral no Brasil, o
que se constata é que o País, o Estado e a Sociedade é que se encontram
em situação irregular.
Desta forma, consoante José de Farias Tavares (2002, p. 07),
enquanto o Código de Menorespreocupava-se tão somente com
os menores em situação irregular, o ECA inovou [35] ao abranger toda
criança e adolescente em qualquer situação jurídica, rompendo
definitivamente com a doutrina da situação irregular, assegurando que
cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno
desenvolvimento, mesmo que cometa um ato considerado ilícito.
Com essa nova orientação, aboliu-se o termo estigmatizante‘menor’, que passou a ser tratado como ‘criança’ ou ‘adolescente
infrator’, como sintetiza Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 15).
Na concepção técnico jurídica, "menor" designa aquela pessoa
que não atingiu ainda a maioridade, ou seja, 18 anos. A ele não se atribui
a imputabilidade penal, nos termos do art. 104 do ECA c/c art. 27 do CP.
Se isso não bastasse, a palavra "menor", com o sentido dado pelo antigo
Código de Menores, era sinônimo de carente, abandonado, delinqüente,infrator, egresso da FEBEM, trombadinha, pivete. A expressão "menor"
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 21/61
reunia todos esses rótulos e os colocava sob o estigma da "situação
irregular".
Ou seja, a partir da entrada em vigor do ECA foram estabelecidas
as diretrizes para uma política pública que reconhece a condição especial
de pessoa em desenvolvimento, que as crianças e os adolescentes
merecem, tanto que, em seu art. 1º, prevê:
Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao
adolescente.
No entanto, é importante ressaltar que apesar do amplo sistema
de garantias previsto nessa lei, nem todos os seus objetivos foram
imediatamente alcançados, porque a sua efetivação depende de diversos
fatores, tais como a existência de medidas públicas e a diminuição da
criminalidade e da miséria, como lembra Cláudio Augusto Vieira da Silva
(2001, p. 13), ao apresentar a IV Conferência Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente:
Nestes anos todos de implantação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, os índices de violência aumentaram significativamente,
assim como o empobrecimento da população. Na mesma medida,
crianças e adolescentes em um maior número estão sujeitos a violações
de múltiplas formas e o seu envolvimento em ações de conflito coma lei
numa relação direta tem aumentado.
Destarte, o ECA é uma legislação de acordo com todas as
diretrizes internacionais sobre os direitos das crianças e dos
adolescentes, e se não representa a solução para todos os problemas que
a infância e a adolescência brasileira encontram, certamente indica o
caminho, através da Doutrina da Proteção Integral.
2. A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ADOLESCENTE INFRATOR
O conceito de inimputabilidade penal do adolescente faz-se
imprescindível na compreensão do ECA, porque embora não sejam aplicadas
as sanções previstas no Código Penal, o adolescente em conflito com a lei é
responsabilizado, de maneira pedagógica e retributiva, através das medidas
sócio-educativas.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 22/61
Apesar disso, a inimputabilidade não significa que ao adolescente
serão aplicadas medidas mais brandas do que aos maiores de 18 anos, uma
vez que há medidas sócio-educativas que têm a mesma correspondência das
penas alternativas, previstas no Código Penal, como a prestação de serviços
comunitários, por exemplo.Sobre a responsabilidade penal do adolescente,
Emílio Garcia Mendez apud João Batista Costa Saraiva (2003, p. 74-75) ensina
que:
A construção jurídica da responsabilidade penal dos adolescentes no
ECA (de modo que foram eventualmente sancionados somente os atos típicos,
antijurídicos e culpáveis e não os atos ‘anti-sociais’ definidos casuisticamente
pelo Juiz de Menores), inspirada nos princípios do Direito Penal Mínimo
constitui uma conquista e um avanço extraordinário normativamenteconsagrados no ECA.
Para sofrer a ação estatal, a conduta deve ser reprovável, ou seja,
além de típica, deve ser antijurídica. Desta forma, não haverá culpabilidade
quando houver erro inevitável sobre a ilicitude do fato, erro inevitável a respeito
do fato que configuraria uma descriminante, obediência à ordem, não
manifestamente ilegal, de superior hierárquico e ainda a inexigibilidade de
conduta diversa na coação moral irresistível. [36]
Além das medidas sócio-educativas, podem ser aplicadas outras
medidas específicas, como explica Josiane Rose Petry Veronese (1997, p.
100), como o encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade; orientação e acompanhamento temporários; matrícula e
freqüência obrigatórias em escola pública de ensino fundamental, inclusão em
programas oficiais ou comunitários de auxílio à família e ao adolescente e
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.
Textos relacionados
"Criminal compliance" sob a ótica do estudo do risco "Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade
delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976 A repressão criminal como reprodução da violência Aspectos medico-legais do estupro: perícia A valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se
como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável
O ECA construiu um novo modelo de responsabilização penal do
adolescente, através de sanções aptas a interferir, limitar e até suprimir
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 23/61
temporariamente a liberdade, possuindo além do caráter sócio-educativo, uma
essência retributiva.
2.1 O Perfil do Adolescente Infrator
A adolescência, do ponto de vista da Psicologia [37], é uma fase que
além das modificações do corpo humano, é caracterizada pela definição de
identidades, através de mudanças na fixação do caráter e da afirmação da
personalidade do indivíduo, como explica Miguel Moacir Alves Lima (2002, p.
373):
Além disso, a adolescência é uma fase evolutiva de grandes utopias
que, no geral, tendem a tornar mais problemática a relação do adolescente
com o ambiente social, porquanto sua pauta de valores e sua visão crítica darealidade, ora intuitiva ou reflexiva, acabam destoando da chamada ordem
instituída.
O ECA, com fundamento da Doutrina da Proteção Integral, bem como
Nos critérios médicos e psicológicos, considera o adolescente como pessoa em
desenvolvimento, prevendo que assim deve ser compreendida a pessoa que
possui entre 12 e 18 de idade [38].
Quando o adolescente comete uma conduta tipificada como delituosano Código Penal ou em leis especiais, passa a ser chamado de ‘adolescente
infrator’, e não de ‘menor’, como as legislações anteriores previam, bem como
ainda diversos meios de comunicação insistem em se referir, com manchetes
do tipo ‘menor assalta criança’, como esclarece João Batista Costa Saraiva
(2002 b, p. 88):
Pela nova ordem estabelecida, não se admitem manchetes de jornal do
tipo menor assalta criança, de manifesto cunho discriminatório, ondea criança era o filho bem-nascido, e o menor , o infrator. Esta espécie de
manifestação, comum no Brasil, ainda hoje, ainda presente na linguagem dos
próprios Tribunais, se constitui em legítimo produto de uma cultura excludente
– norteador do anterior sistema – que distinguia crianças e adolescentes de
menores; que fazia uma divisão entre aqueles em situação regular dos demais
em situação irregular.
O adolescente infrator é inimputável perante as cominações previstas
no Código Penal, ou seja, não recebe as mesmas sanções que as pessoas quepossuem mais do que 18 anos de idade, vez que a inimputabilidade penal está
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 24/61
prevista no art. 227 [39] da Constituição Federal, que fixa em 18 anos a idade de
responsabilidade penal e no art. 27 [40]do Código Penal, critério de política
criminal que varia entre os países [41]:
A propósito de idade de responsabilidade penal, onde seguidamente os
Estados Unidos da América são invocados como paradigmas, cumpre destacar
que em Estados como Califórnia, Arkansas e Wyoming a idade de
imputabilidade penal está fixada em 21 anos. Já países como índia, Paraguai e
Egito estabelecem a idade de imputabilidade penal em 15 anos (SARAIVA b,
2002, p. 54).
Apesar de ser inimputável, o adolescente infrator é responsabilizado
pelos seus atos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, através das
medidas sócio-educativas.
Em pesquisa realizada no estado de Santa Catarina, Henriqueta Scharf
Vieira [42] constatou que entre os adolescentes infratores, o maior índice de atos
infracionais é praticado por adolescentes do sexo masculino, com idade entre
16 e 17 anos:
Constatou-se que, do total de adolescentes entrevistados, 181 eram do
sexo masculino (92,34%) e apenas 15 do sexo feminino (7,66%). No tocante à
idade, verificou-se que a maioria dos adolescentes estava na faixa de 16 e 17anos de idade [...] O número de adolescentes que cometem ato infracional
aumenta gradativamente de acordo com o progresso na idade cronológica, de
forma bastante clara (VIEIRA, 1999, p. 23).
Aliás, essa é a situação do resto do país, como depreende-se do
resultado da pesquisa de Mário Volpi [43]:
Quanto ao gênero dos adolescentes privados de liberdade, 3.987 –
94,8% - pertencem ao sexo masculino, enquanto 320 – apenas 5,2%, portanto – pertencem ao sexo feminino [...] A permanência mais prolongada das
meninas no lar tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pela sua
maior frequência à escola, pela menor presença das mesmas nas ruas e pelo
seu menor envolvimento em ato infracional (VOLPI, 1999, p. 57-58).
Apesar disso, de acordo com Simone Gonçalves de Assis e Patrícia
Constantino (2002, p. 20), nos Estados Unidos a taxa de crimes cometidos por
adolescentes do sexo feminino vem aumentando:
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 25/61
Dados do Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention para
1996 informam que o percentual de prisões de jovens tem se tornado maior
que o dos adultos e que a taxa de crimes violentos cometidos por jovens do
sexo feminino vem crescendo mais do que a do sexo masculino (125% e 67%,
respectivamente), entre 1985 e 1994. Mesmo assim, o patamar masculino
continua muito acima do feminino.
Desta forma, a adolescência está estabelecida objetivamente com
início aos 12 anos e término aos 18 anos, sendo que a maior parte dos atos
infracionais é cometida por adolescentes infratores do sexo masculino, na faixa
etária entre 16 e 17 anos de idade.
2.1.1 Adolescente infrator portador de doença ou deficiência mentalQuando um adolescente infrator, portador de doença ou deficiência
mental, comete uma conduta tipificada na lei penal, de acordo com o art. 112, §
3º [44], do ECA, receberá atendimento individual e especializado, em local
adequado às suas condições.
Ou seja, assim como no Código Penal, que prevê em seu art. 26 que é
isento de pena o agente que possui doença mental ou desenvolvimento penal
incompleto, o ECA também estabeleceu um critério diferenciado para o
atendimento dos jovens que, se fossem adultos, seriam considerados
inimputáveis.
Essa é uma questão de grande importância, porque o adolescente
portador de doença mental não pode ficar internado com os demais, em razão
dos cuidados e atenção diferenciados que deve receber, afinal, como definiu
Douglas Tavolaro (2002, p. 17), "conhecer as peculiaridades da insanidade
enclausurada é tomar contato com uma realidade irreal que muitos preferem
ignorar. Estão ali pacientes que convivem com regras próprias num mundo que
se misturam medo, paixão e cólera".
João Batista Costa Saraiva (2003, p. 80) aduz que não é possível que
se permaneça a tratar igualmente os desiguais, supondo que um adolescente
portador de sofrimento psíquico, incapaz de discernir e neste caso sem
responsabilidade juvenil, submeta-se a uma medida sócio-educativa. O autor
sugere que deve ser aplicada uma medida de proteção, como por exemplo a
internação em hospital psiquiátrico.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 26/61
Desta forma, são necessárias medidas que priorizem unidades
especiais de atendimento, voltadas para o adolescente com deficiência mental,
a fim de assegurar a sua recuperação de forma eficaz e preservar a
recuperação dos outros adolescentes infratores.
2.2 Ato Infracional
O ato infracional é uma ação praticada por um adolescente,
correspondente às ações definidas como crime cometidas pelos adultos, e está
definido no art. 103 [45], do ECA. Para Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 15):
No direito penal, o delito constitui uma ação típica, antijurídica, culpável
e punível. Já o adolescente infrator, embora inegavelmente causador de
problemas sociais graves, deve ser considerado como pessoa em
desenvolvimento, analisando-se aspectos como sua saúde física e emocional,
conflitos inerentes à idade cronológica, aspectos estruturais da personalidade e
situação sócio-econômica e familiar.
No entanto, é preciso ter em mente, como lembra José Jacob Valente
(2002, p. 66), que "a cada crime ou contravenção praticado por adolescente
não corresponde uma medida específica, ficando, como vimos, a critério do
julgador escolher aquela mais adequada à hipótese em concreto".
Sobre os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais
em Santa Catarina, de acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 48), vão
desde a influência dos amigos, o uso de drogas, a evasão escolar, até a
pobreza.
Verifica-se que a influência de amigos, o uso de drogas e a pobreza
são as razões principais para a prática delituosa e se equilibram em termos
numéricos [...] As respostas demonstram a fragilidade do adolescente à
influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional com o uso de
drogas.No Brasil, além das causas mencionadas, outra grande causa da
delinqüência juvenil é a falta de instrução e a evasão escolar, uma vez que sem
estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar atos
infracionais. De acordo com Mário Volpi (1999, p. 56-57):
A grande maioria dos adolescentes pesquisados – 96,6% - não
concluiu o ensino fundamental. A porcentagem de analfabetos é de 15,4%. O
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 27/61
número de adolescentes que concluíram o 2º grau, conseqüentemente, torna-
se praticamente nulo – 7 num total de 4.245 (cujas informações foram obtidas),
o que representa a ínfima parcela de 0,1% [...] dos 4.245 adolescentes, sujeitos
desta pesquisa, 2.498 – 61,2%, portanto – não freqüentavam a escola por
ocasião da prática do ato infracional.
É o que aconteceu com o personagem ‘Busca-pé", do livro Cidade de
Deus (LINS, 1997, p. 14), que entre a oportunidade de estudar, e os atrativos
da rua, acabou sendo influenciado pela segunda opção, assim como a grande
maioria dos adolescentes:
Busca-pé mecanicamente verificou a hora, constatou que estava
atrasado para a aula de datilografia, mas que se foda (sic), já tinha perdido um
montão de aulas, mais uma não iria alterar nada. Não estava mesmo com saco
para ficar batendo à máquina por uma hora e não iria também ao colégio [...] A
vermelhidão precedera um corpo humano morto. O cinza daquele dia
intensificou-se de maneira apreensiva. Vermelhidão esparramando-se na
correnteza, mais um cadáver.
Depreende-se assim que os motivos que levam o adolescente a
cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos, sociais e
culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o uso de
drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicas devem
atuar com maior urgência.
2.2.1 Procedimento de apuração de ato infracional
Quando um adolescente comete um ato infracional, a polícia militar é
acionada e a vítima deve registrar uma ocorrência, noticiando o fato para a
autoridade policial, sendo instaurado pela polícia civil um procedimento, com asprovas colhidas, que é então remetido para o Fórum.
Depois, o representante do Ministério Público (Promotor de Justiça)
notifica o adolescente para comparecer, acompanhado do seu responsável, na
promotoria de Justiça, para a Audiência de Apresentação.
Nesta ocasião, o Promotor de Justiça conversa com o adolescente, e
dependendo das provas colhidas, gravidade da infração e de ser caso ou nãode reiteração da prática de ato infracional, pode tomar as seguintes
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 28/61
providências: arquivamento, aplicação de alguma das medidas sócio-
educativas e pela remissão, ou representação.
A remissão [46] não se constitui em perdão, pois sem prejuízo de
aplicação da medida sócio-educativa, busca a supressão do processo judicial.
Faz-se admissível na fase pré-processual, antes do oferecimento da
Representação, quando será concedida pelo Ministério Público e terá como
efeito a exclusão do processo de conhecimento, ou então, na fase judicial, pelo
Juiz, ocasionando a exclusão ou suspensão do processo.
Tem seu parâmetro no art. 107, inciso V [47], do Código Penal, que trata
do perdão do ofendido e do perdão judicial, considerados causas extintivas da
punibilidade.É interessante notar que pode ser aplicada mesmo havendo somente
indícios de autoria e materialidade, sem que existam provas concretas da
prática do ato infracional, como explica Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 108):
Para a concessão da remissão não é necessário o reconhecimento ou
a comprovação da responsabilidade do infrator, ou seja, que existam provas
suficientes da autoria e da materialidade do ato infracional. Se existirem
apenas indícios do ilícito, o perdão poderá ser aplicado, de modo que orepresentante do Ministério Público não dará prosseguimento ao caso,
deixando de coletar provas e requisitar diligências complementares.
Vale lembrar que, de acordo com o art. 127 [48], do ECA, a remissão não
implica o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece
para efeito de antecedentes criminais.
Diferentemente das especificações previstas no Código Penal, todos os
atos infracionais cometidos por adolescentes infratores processam-se por açãopública incondicionada.
Caso o representante do Ministério Público entenda que a remissão
não alcançará seus objetivos, oferecerá a Representação, narrando a conduta
cometida pelo adolescente infrator, dando início ao processo de apuração de
ato infracional na fase judicial, sobre o crivo do contraditório e da ampla defesa,
que culminará com a aplicação de alguma das medidas sócio-educativas.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 29/61
Após o oferecimento da Representação, é marcada uma audiência de
apresentação, sendo que o juiz, após ouvir o representante do Ministério
Público, pode aplicar a remissão ou dar prosseguimento ao feito, e o
adolescente deve produzir sua defesa, através de testemunhas e demais
provas, contando inclusive com a defesa técnica de um advogado.
Obviamente, o procedimento da apuração do ato infracional, para
alcançar todos os resultados, depende de uma ação efetiva entre os membros
envolvidos, bem como de celeridade [49], a fim de que a medida sócio-educativa
seja aplicada logo após a prática do delito.
Após a sentença final, contra as decisões extintivas do processo, com
julgamento de mérito ou não, decisões homologatórias de remissão comextinção do processo, e decisões interlocutórias, cabem os recursos previstos
no Código de Processo Civil, como depreende-se do art. 198 [50], com as
alterações da lei especial.
Desta forma, conclui-se que o ECA estabeleceu o procedimento a ser
adotado na apuração de ato infracional, adotando normas do direito processual
penal, e na fase recursal, normas do direito processual civil.
2.3 medidas sócio-educativas
O ECA, de acordo com João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 28), em
face de sua organização e medidas, pode ser dividido em duas vertentes:
medidas de proteção e as medidas sócio-educativas.
As medidas de proteção, elencadas no art. 101 [51], do ECA destinam-se
às crianças e adolescentes, sempre que seus direitos reconhecidos forem
ameaçados ou violados, bem como, no caso de uma criança praticar uma
infração, a ela será aplicada alguma dessas medidas.
É o que aconteceria com o personagem ‘Dadinho’, da obra ‘Cidade de
Deus’, caso fosse surpreendido pela autoridade policial (Delegado de Polícia),
vez que com 06 anos de idade, só poderia receber a aplicação de uma medida
de proteção, através do Conselho Tutelar:
Dadinho gostava de levar as armas até perto do local a ser assaltado e
entregá-las aos bandidos. Entretanto a sua mentalidade de menino de seis
anos de idade não discernia o que estava fazendo. Sabia que era errado, mas
ter sempre um trocado no bolso para as guloseimas, as figurinhas dos álbuns
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 30/61
dos times de futebol, as pipas, as linhas, as bolas de gudes e o pião valia a
pena (LINS, 1997, p. 184).
Já as medidas sócio-educativas, previstas no art. 112 [52], do ECA,
aplicam-se tão somente aos adolescentes autores de ato infracional, ou seja,
através delas ocorre a responsabilização penal do adolescente infrator, que
passa a ser sujeito responsável pelo seus atos, como aduz João Batista Costa
Saraiva (2002 a, p. 45):
Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente
instituiu no país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal
Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico
em sua concepção e conteúdo, mas evidentemente retributivo em sua forma,articulado sob o fundamento do garantismo penal de todos os princípios
norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos
princípios do Direito Penal Mínimo
De acordo com Olympio Sotto Maior (2002, p. 362), trata-se de um rol
taxativo, sendo portanto vedada a imposição de medidas diversas das
enunciadas.
Então, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que,
no contexto da proteção integral, receba ele medidas sócio-educativas
(portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de
desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva
integração social (CURY, 2002, p. 364).
As medidas sócio-educativas devem ser aplicadas de acordo com as
características da infração, circunstâncias familiares e a disponibilidade de
programas específicos para o atendimento do adolescente infrator, garantindo-
se a reeducação e a ressocialização, bem como, tendo-se por base o Princípio
da Imediatidade, ou seja, logo após a prática do ato infracional, conforme
adverte Mário Volpi (1999, p. 42):
A aplicação de medidas socioeducativas não pode acontecer isolada
do contexto social, político e econômico em que está envolvido o adolescente.
Antes de tudo é preciso que o Estado organize políticas públicas infanto- juvenis. Somente com os direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde,
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 31/61
à educação, à cultura, esporte e lazer, e demais direitos universalizados, será
possível diminuir significativamente a prática de atos infracionais cometidos por
adolescentes.
Conforme os arts. 111 [53] e 113 [54], do ECA, somente deverão ser
aplicadas após o exercício do direito de defesa, levando-se em conta as
necessidades pedagógicas, priorizando-se aquelas medidas que visem o
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Assim, a responsabilização penal do adolescente infrator efetiva-se
através da aplicação das medidas sócio-educativas, que passarão a ser
explicadas, individualmente, a seguir.
2.3.1 Advertência
A Advertência é a medida sócio-educativa considerada mais branda,
pois consiste em uma admoestação verbal, feita pelo Promotor de Justiça ou
pelo Juiz e está definida no art. 115 [55], do ECA.
De acordo com Mário Volpi (1999, p. 23), a advertência constitui uma
medida admoestatória, informativa, formativa e imediata, devendo ser
observado o princípio do contraditório na sua aplicação, como explica Paulo
Lúcio Nogueira (1996, p. 170):
A advertência poderia dispensar perfeitamente o procedimento
contraditório, pois trata-se de admoestação verbal, que deveria ser imposta de
plano em face do boletim de ocorrência ou relatório policial. E sua imposição
estender-se-ia aos pais ou responsáveis, o que tornaria a medida mais
abrangente e eficaz, sendo apenas reduzida a termo. No entanto, dado o
formalismo do processo legal, que pressupõe contraditório e amplitude de
defesa, assim como apego às formalidades, também a advertência comomedida sócio-educativa não pode prescindir do processo legal, como, aliás,
têm reconhecido os tribunais.
Ou seja, a advertência consiste em censurar verbalmente o
adolescente, na presença de seus pais ou responsáveis, explicando a
ilegalidade da conduta praticada, bem como as conseqüências da reiteração da
prática de infrações.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 32/61
Dirige-se a adolescentes que não registrem antecedentes de atos
infracionais, e para os que praticaram atos de pouca gravidade, sendo possível
aplicá-la tanto na fase extrajudicial, quando da concessão da remissão pelo
representante do Ministério Público, homologado pelo juiz, assim como na fase
judicial, quando é aplicada pela autoridade judicial, no curso da apuração do
ato infracional ou após a sentença final.
À evidência, muito será exigido do juiz e do promotor de justiça, que
deverão avaliar com muito critério os casos apresentados, não ultrapassando
os limites do rigor nem, tampouco, sendo por demais tolerantes, sempre tendo
em vista as circunstâncias e conseqüências do fato, o contexto social, da
personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no atoinfracional (LIBERATI, 2002, p. 89).
De acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 55), em Santa
Catarina a advertência é a medida sócio-educativa aplicada em 26,64% dos
casos, o que demonstra uma preocupação crescente na aplicação de medidas
em que não há a privação da liberdade.
É importante, para que sejam obtidos resultados efetivos, que a
advertência seja aplicada ao adolescente infrator logo em seguida à primeira
prática do ato infracional, e que não seja repetida diversas vezes, pois pode
acabar incutindo na mentalidade do adolescente que seus atos não são
responsabilizados de forma concreta, o que não é verdade.
2.3.2 Obrigação de reparar o dano
A obrigação de reparar o dano caracteriza-se por ser coercitiva e
educativa, levando o adolescente a reconhecer o erro e repará-lo, estando
prevista no art. 116 [56], do ECA, que estabelece três hipóteses de reparação:
devolução da coisa, ressarcimento do prejuízo e a compensação do prejuízo
por qualquer meio.
Deve ser aplicada em procedimento contraditório, como adverte Wilson
Donizeti Liberati (2002, p. 89), assegurando-se ao adolescente a ampla defesa,
igualdade processual, presunção de inocência e a assistência técnica de
advogado.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 33/61
Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 180) explica que cabe à vítima entrar
com o respectivo pedido de reparação, ou executar a sentença penal
condenatória, para obter o ressarcimento do dano sofrido. No entanto, o autor
questiona a constitucionalidade da obrigação de reparar o dano, nos seguintes
termos:
A medida de obrigação de reparar o dano, salvo melhor juízo, parece-
nos de duvidosa constitucionalidade, pois não pode o Juiz de Menores impô-la
como medida obrigatória, mas apenas tentar a composição do dano como
previa o Código de Menores revogado (art. 103), já que nem mesmo ao adulto
condenado criminalmente pode ser imposta pelo juiz a obrigação de reparar o
dano causado, nem mesmo como condição do sursis, embora a não-reparaçãodo dano causado pelo condenado constitua causa obrigatória de revogação
desse benefício.
Apesar desse dissenso doutrinário, urge considerar que se trata de
uma medida com grande caráter pedagógico, pois ensina ao adolescente o
respeito por tudo que pertence às outras pessoas, proporcionando o
desenvolvimento, como explica Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 90), "do
senso por responsabilidade daquilo que não é seu".
Em Santa Catarina, é aplicada em 1,10% dos casos, conformecomprovou Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 59):
A medida sócio-educativa de obrigação de reparar o dano, embora
simples, de fácil aplicação e bastante pedagógica, não foi muito usada nas
Comarcas pesquisadas [...] Tal fato reflete, talvez, um certo esquecimento por
parte de Promotores de Justiça e Juízes da Infância e Juventude dos
benefícios desta, ressalvada, é claro, a possibilidade do adolescente em
compensar o prejuízo causado.
Assim, depreende-se que a obrigação de reparar o dano é uma das
medidas que mais possui caráter pedagógico, porque através de uma
imposição, faz com que o adolescente reconheça a ilicitude dos seus atos, bem
como garante à vítima a reparação do dano sofrido e o reconhecimento de que
o adolescente é responsabilizado por seus atos.
Contudo, a efetividade da reparação do dano, através do ressarcimentodo prejuízo, esbarra na impossibilidade do cumprimento, ante as condições
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 34/61
financeiras do adolescente infrator e da sua família, o que pode ser agravado
quando se tratam de irmãos que cometem o mesmo ato.
2.3.3 Prestação de serviços à comunidade
A Prestação de Serviços à Comunidade [57] que constitui, na esfera
penal, pena restritiva de direitos, está prevista no art. 117 do ECA, propondo a
ressocialização do adolescente infrator através de um conjunto de ações, como
alternativa à internação.
Deve ser aplicada de acordo com a gravidade e os efeitos do ato
infracional cometido, a fim de mostrar ao adolescente os prejuízos causados
pelos seus atos, sendo necessária a colaboração da comunidade, na
fiscalização do cumprimento da medida.
O ideal seria que o serviço fosse prestado de acordo com o ato
infracional praticado. Assim, o pichador de paredes ficaria obrigado a limpá-las;
o causador de algum dano a repará-lo [...] Mas, para que esse tipo de punição
surtisse efeito, seria indispensável a colaboração da comunidade na sua
aplicação, pois a simples imposição, sem a correspondente fiscalização do seu
cumprimento, torna-se uma medida inócua sem qualquer resultado
(NOGUEIRA, 1996, p. 182-183).
É importante considerar que as tarefas não podem prejudicar o horário
escolar, tendo como tempo de execução máximo um semestre, devendo ser
atribuídas conforme a aptidão do adolescente.
A medida favorece o desenvolvimento do sentimento de solidariedade,
pela oportunidade de conviver com desfavorecidos, desvalidos, doentes
mentais e excluídos sociais, através da realização de tarefas de interesse
coletivo.
Foi a medida mais aplicada aos adolescentes infratores em Santa
Catarina, entre os anos de 1995 a 1998, possibilitando assim aos adolescentes
a reeducação sem a privação da liberdade:
A medida de prestação de serviços à comunidade foi a mais aplicada
entre todas as medidas sócio-educativas (39,23%), sendo que Florianópolis,
Itajaí, Blumenau, Chapecó e Lages apresentam números significativos. Tal
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 35/61
fato, como dito anteriormente, mostra a preocupação crescente em adequar-se
a medida às condições do adolescente, preferindo-se aquela que o mantém no
próprio meio e que lhe possibilite reflexão sobre si próprio e sua conduta, no
contexto social (VIEIRA, 1999, p. 59-60).
Desta forma, a prestação de serviços à comunidade garante ao
adolescente infrator a possibilidade de ressocializar-se perante o ambiente em
que vive, mostrando-se útil, através da realização de tarefas não remuneradas.
2.3.4 Liberdade assistida
A Liberdade Assistida consiste em acompanhar e orientar o
adolescente, objetivando a integração familiar e comunitária, através do apoio
de assistentes sociais e técnicos especializados, e está prevista nos arts.
118 [58] e 119[59], do ECA.
Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade
de acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e família).
Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado,
garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano,
manutenção de vínculos familiares, freqüência à escola, e inserção no mercado
de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos (VOLPI, 2002, p. 24).
O programa de liberdade assistida exige uma equipe de orientadores
sociais, que são designados pelo juiz, sendo que "deverão os técnicos ou as
entidades desempenhar sua missão através de estudo de caso, de métodos de
abordagem, organização técnica da aplicação da medida e designação de
agente capaz" (LIBERATI, 2002, p. 93).
A duração da medida é limitada a seis meses, de acordo com o
parágrafo 2º, do art. 118, do ECA, e pode ser prorrogada, revogada ou
substituída por outra medida. É interessante notar, através dos incisos do art.
119, que essa medida cuida também de preservar os laços familiares, a
escolaridade e a profissionalização.
Deve ser aplicada nos casos de reincidência ou prática habitual de atos
infracionais, enquanto o adolescente demonstrar que necessita de
acompanhamento e orientação, vez que o ECA não prevê prazo máximo para ocumprimento da medida.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 36/61
Em Santa Catarina, a liberdade assistida vem sendo aplicada em
25,87% dos casos (VIEIRA, 1999, p. 60), o que denota a existência de
programas específicos, bem como o reconhecimento do benefício pedagógico
da medida.
Para Olympio Sotto Mayor (2002, p. 364), a liberdade assistida é a
medida que se mostra com as melhores condições de êxito, nos seguintes
termos:
Nesta ótica, não temos dúvida em afirmar que, do elenco das medidas
sócio-educativas, que se mostra com as melhores condições de êxito é a
da liberdade-assistida, porquanto se desenvolve direcionada a interferir na
realidade familiar e social do adolescente, tencionando resgatar, mediante
apoio técnico, as suas potencialidades. O acompanhamento, como a inserção
no sistema educacional e do mercado de trabalho, certamente importarão o
estabelecimento de projeto de vida capaz de produzir ruptura com a prática de
delitos, reforçados que restarão os vínculos entre o adolescente, seu grupo de
convivência e a comunidade.
A liberdade assistida é assim uma medida aplicada aos adolescentes
que cometem atos infracionais considerados de maior gravidade, mas queainda não comportam a privação total da liberdade, significando assim a
possibilidade de o adolescente infrator reconhecer a responsabilidade de seus
atos e repensar a sua conduta, vez que vai contar com o apoio psicológico e de
assistentes sociais, durante o processo do cumprimento da medida.
2.3.5 Semiliberdade
A medida sócio-educativa de semiliberdade está prevista no art. 120 [60],
do ECA, sendo coercitiva, vez que afasta o adolescente do convívio familiar eda comunidade, sem contudo restringir totalmente o direito de ir e vir, pois se
destina aos adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia e à
noite recolhem-se em uma entidade específica.
De acordo com Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 95), existem duas
formas de semiliberdade, sendo a primeira a determinada pela autoridade
judiciária desde o início, após a prática do ato infracional, através do devido
processo legal, e a segunda, ocorre quando o adolescente internado é
beneficiado com a mudança de regime, de internamento para a semiliberdade.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 37/61
A medida consiste na permanência do adolescente infrator em algum
estabelecimento próprio, determinado pelo Juiz, com a possibilidade de
atividades externas, sendo obrigatórias a escolarização e a profissionalização.
No Brasil, a aplicação desse regime esbarra na falta de unidades
específicas para abrigar os adolescentes só durante a noite, e aplicar medidas
pedagógicas durante o dia, como constatou Mário Volpi (2002, p. 26):
A falta de unidade nos critérios, por parte do judiciário na aplicação de
semiliberdade, bem como a falta de avaliações das atuais propostas, têm
impedido a potencialização dessa abordagem. Por isso propõe-se que os
programas de semiliberdade sejam divididos em duas abordagens: uma
destinada a adolescentes em transição da internação para a liberdade e/ou
regressão da medida; e a outra aplicada como primeira medida sócio-educativa
(VOLPI, 2002, p. 26).
Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 61) chegou à
mesma conclusão, no sentido de que a inaplicabilidade da medida deve-se à
inexistência de programas específicos:
Sendo uma medida de transição para o meio aberto ou determinada
desde o início, é incontestável sua necessidade em muitos casos. Contudo, é
fácil deduzir que a sua não-utilização na grande maioria das Comarcas
catarinenses ocorre devido à absoluta inexistência de um programa a ampará-
la, fato constatado no Inquérito Civil Público nº 01/95, instaurado pelo
Procurador-Geral de Justiça, para apurar as Políticas Públicas na área da
Infância e Juventude.
Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 186) relata que em São Paulo também
não existem estabelecimentos que permitam o cumprimento da semiliberdade:
Também é de reconhecer que não existem estabelecimentos no Estado
de São Paulo que comportem o regime de semiliberdade para os adolescentes,
os quais deveriam passar o dia trabalhando externamente e só se recolher à
noite ao estabelecimento.
Ou seja, a medida sócio-educativa de semiliberdade, apesar do
evidente caráter pedagógico a que se propõe, em permitir que o adolescente
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 38/61
trabalhe e estude durante o dia, não vem recebendo aplicabilidade na prática,
pela ausência de programas específicos.
2.3.6 Internação
A medida sócio-educativa de Internação consiste na privação daliberdade do adolescente infrator, e está prevista no art. 121 [61], do ECA, sujeita
aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento [62] do adolescente.
O tempo da internação poderá ser de no mínimo 6 meses e não pode
exceder o prazo de três anos, sendo que o adolescente deve ser liberado
quando completar 18 anos de idade [63].
Deve ser proposta pelo representante do Ministério Público e aplicada
pelo Juiz somente nos casos mais graves, que se fizer realmente necessária,
como depreende-se do art. 122 [64], do ECA, ou seja, nos casos de ato
infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, por
reiteração no cometimento, por descumprimento reiterado e injustificável da
medida anteriormente imposta, sendo um rol taxativo e exaustivo.
É a mais severa das medidas sócio-educativas estabelecidas no
Estatuto. Priva o adolescente de sua liberdade física - direito de ir e vir – à
vontade [...] O adolescente poderá trabalhar e estudar fora do estabelecimentoonde é recolhido, se não oferecer perigo à segurança pública ou à sua própria
incolumidade, segundo avaliação criteriosa da equipe interprofissional que
assessora a Justiça da Infância e da Juventude (TAVARES, 1999, p. 118).
Deve ser aplicada somente quando se fizer realmente necessária, pois
como lembra Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 99), provoca nos adolescentes
insegurança, agressividade e frustração, e além disso, afasta-se dos objetivos
pedagógicos das outras medidas.
Na verdade, por melhor que seja a entidade de atendimento, a
internação deve ser aplicada de forma excepcional, porque provoca no
adolescente os sentimentos de insegurança, agressividade e frustração,
acarreta exacerbado ônus financeiro e não responde às dimensões do
problema.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 39/61
O ideal é que a entidade de internação seja dotada de profissionais
especializados, com propostas pedagógicas, pautadas em critérios de
criminologia, para permitir a reeducação do adolescente infrator.
Até porque, a falta de entidades especializadas, com profissionais
preparados, já mostrou suas conseqüências, quais sejam, as rebeliões na
FEBEM, nas grandes cidades.
O adolescente infrator privado de liberdade possui direitos específicos,
delimitados no art. 124 [65], do ECA, como o de entrevistar-se pessoalmente
com o representante do Ministério Público, receber visitas, ter acesso aos
meios de comunicação social e permanecer internado na mesma localidade ou
naquela mais próxima ao domicílio de seus pais.
Ou seja, a contenção não é em si a medida sócio-educativa, é a
condição para que ela seja aplicada. De outro modo ainda: a restrição da
liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e
vir e não a outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão na
perspectiva cidadã (VOLPI, 1999, p. 28).
De acordo com o art. 122, inciso III [66], do ECA, existe a possibilidade
da aplicação da internação, em caso do descumprimento reiterado e
injustificado da medida anteriormente imposta. Como exemplo, pode ser
determinada a internação do adolescente que não cumpre todo o período da
prestação de serviços à comunidade, de forma reiterada.
Conforme Olympio de Sá Sotto Maior Neto (2001, p. 185) quando da
elaboração deste dispositivo, houve quem argumentasse a necessidade do
internamento por até três meses, para dar um "susto" no adolescente, sendo
que ele ponderou o seguinte:
Inconformado com tal naipe de raciocínio, respondi que só defendia
esse ponto de vista quem tinha certeza de que os próprios filhos jamais seriam
encaminhados para uma unidade de internação, onde o susto pelo qual se quer
que os filhos dos outros passem pudesse implicar a prática de violências
físicas, psicológicas e sexuais.
A internação objetiva assim, através da privação da liberdade doadolescente infrator, a ressocialização e a reeducação, demonstrando ao
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 40/61
adolescente que a limitação do exercício pleno do direito de ir e vir é a
conseqüência da prática de atos delituosos.
3. A ILUSÃO DE IMPUNIDADE
A delinqüência juvenil vem se mostrando um tema angustiante, porquea maioria das pessoas desconhece o amplo sistema de garantias do ECA e
acredita que o adolescente infrator, por ser inimputável, acaba não sendo
responsabilizado pelos seus atos, o que não é verdade, conforme se
demonstrou, vez que a responsabilização penal do adolescente se dá através
das medidas sócio-educativas, como sintetiza Josiane Rose Petry Veronese
(1997, p. 100):
O Estatuto da Criança e do Adolescente não incorporou em seusdispositivos o sentido da acusação. Apesar de não ocultar a necessidade de
responsabilização social do adolescente infrator, no entanto, esta não resulta
em pena. Ser-lhe-á aplicada uma medida sócio-educativa – art. 112 -, que
poderá ser a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de
serviços comunitários, a imposição da liberdade assistida, e a internação em
estabelecimento educacional, a qual será sempre breve e de caráter
excepcional – art. 227, parágrafo 3º, V da CF.
Na verdade, a opinião pública é baseada nas informações passadas
pela mídia [67], que com freqüência alerta para o aumento da violência, tentando
fazer crer que os adolescentes infratores são os responsáveis pelo aumento
desses índices, bem como que nada acontece para os adolescentes que
cometem ato infracional, formando uma visão preconceituosa e reacionária
contra o adolescente em confronto com a lei.
Como alerta Karina Sposato [68] (2001, p. 54), que realizou uma
pesquisa sobre a relação entre a criminalidade e a televisão, o grau deviolência com que a opinião pública vai atuar está relacionado com a
importância com que as pessoas atribuem a determinado acontecimento.
É preciso considerar também que, além da influência dos meios de
comunicação, a ilusão de impunidade foi herdada da Doutrina da Situação
Irregular, que ainda se faz presente no imaginário coletivo, como aduz João
Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 31):
Textos relacionados
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 41/61
"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidadedelitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976
A repressão criminal como reprodução da violência Aspectos medico-legais do estupro: perícia A valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se
como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável O art. 28 da Lei de Drogas no Projeto de Lei nº 111/2010. Pena de
detenção ou tratamento
A expressãocom menor não dá nada, de vezo discriminatório e
preconceituoso, ainda se faz presente no inconsciente coletivo, decorrente de
uma apreensão equivocada da legislação. Percepção distorcida, que se faz
produto da antiga doutrina da situação irregular, montada sobre a idéia
fundante de que o infrator necessitava de um certo tratamento, como se
portador de uma moléstia. Assim, os meios de comunicação veiculam diariamente informações
sem respaldo em dados concretos, tentando disseminar diversos mitos, que
podem ser classificados, de acordo com Mário Volpi (apud SARAIVA, 2002 b,
p. 33), em três categorias, quais sejam: mito do hiperdimensionamento do
problema, mito da periculosidade do adolescente, e o mito da impunidade, que
serão analisados individualmente, adiante.- 3.1 Mito do Hiperdimensionamento do Problema
O mito do hiperdimensionamento do problema resulta de umamanipulação de informações, por parte da mídia, que passa à opinião pública a
falsa idéia de que há cada vez mais adolescentes envolvidos com a
criminalidade.
Esse mito atinge a sociedade dentro da perspectiva do medo, através
de um conjunto de hipóteses segundo as quais efetivamente há um elevado
número de adolescentes cometendo delitos, elevando assim a insegurança.
No entanto, não há qualquer dado que autorize afirmar o crescimento
da delinqüência juvenil, como concluiu Mário Volpi (apud SARAIVA, 2002 b, p.
34), analisando informações extraídas do Censo Penitenciário Brasileiro, do
Ministério da Justiça, concluindo que para cada 88 presos adultos, existem
apenas 3 adolescentes internados:
Em 1994, havia 88 presos (adultos) para cada cem mil habitantes no
Brasil, enquanto a proporção para adolescentes privados de liberdade era de 3
para os mesmos cem mil habitantes. A proporção entre delitos por adultos e
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 42/61
delitos por adolescentes se manteve inalterada três anos depois, pelos dados
obtidos oficialmente em 1997.
No mesmo sentido é o entendimento de Cláudio Augusto Vieira da
Silva (2001, p. 14), que explica que dos crimes praticados no país, apenas 10%
são cometidos por adolescentes infratores, sendo que 90% são delitos contra o
patrimônio:
Sob o aspecto do enfrentamento aos absurdos índices de violência
com os quais somos obrigados a conviver, é sabida a ineficácia de tal iniciativa.
Dos delitos praticados no país, em torno de 10% são atribuídos a adolescentes
e, destes, cerca de 90% são delitos contra o patrimônio e não contra a vida.
De acordo com a pesquisa realizada por Karina Sposato (2001, p. 54)
analisando durante uma semana a programação dos canais abertos da
televisão brasileira, os telespectadores assistiram a 1211 cenas de crimes,
sendo que o furto apareceu 0,4%, apesar de ser o crime mais praticado no
Brasil, enquanto o tráfico de drogas, o seqüestro e o estupro foram super
representados, aparecendo dez vezes mais na televisão do que o número de
vezes em que eles ocorreram de fato. A conclusão foi que:
Então, a primeira constatação é que as emissoras optam pela
divulgação de determinados crimes em detrimento de outros, e, nos parece, a
preferência é pelos de mais clamor e apelo popular, como os crimes sexuais,
tráfico de drogas, seqüestro e crimes contra o patrimônio, cuja veiculação
exagerada acaba gerando uma sensação generalizada de insegurança, o que
a gente chama de síndrome do mundo perigoso. Em função desta síndrome,
todo mundo que assiste a tais programações da TV fica com medo de ser
assassinado, estuprado, ou seqüestrado.
Ou seja, embora os adolescentes também sejam responsáveis pelo
aumento da violência no Brasil, é preciso considerar que o índice dos atos
infracionais cometidos é baixo, como comprovaram as pesquisas realizadas,
não havendo assim fundamento para o mito do hiperdimensionamento do
problema.
3.2 Mito da Periculosidade do Adolescente Infrator
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 43/61
A outra idéia que se passa para a sociedade, através dos meios de
comunicação e da persistência da Doutrina da Situação Irregular, no imaginário
coletivo, é de que os atos infracionais praticados por adolescentes revestem-se
cada vez mais de intensa violência, incutindo assim o mito da periculosidade do
adolescente infrator.
É claro que há casos em que adolescentes infratores envolvem-se em
crimes bárbaros, porém, de acordo com as pesquisas realizadas, não há que
se falar em alta periculosidade com relação ao adolescente infrator, pois dos 20
milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,1% está envolvido na prática de
atos infracionais, como explica Joacir Della Giustina (2001, p. 36):
Segundo o último Censo, os adolescentes brasileiros são 20 milhões.
Deste total, 20 mil estão envolvidos com atos infracionais, isto é, 0,1% daquele
total. Destes 20 mil, cerca de 6 mil estão com a medida sócio-educativa da
internação, compreendendo-se assim que 14 mil não detêm a denominada
"alta periculosidade".
João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 35) partilha do mesmo
pensamento, alertando ainda que os delitos graves (homicídios, estupros e
latrocínios) constituem apenas 19% dos delitos praticados pelos adolescentes
infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos.
O ato infracional típico da adolescência em conflito com a lei é o furto.
Homicídios, latrocínios, estupros ocorrem, mas o percentual destes dados não
se fazem impressionantes, tanto que delito com violência praticado por
adolescente (felizmente) ainda dá manchete de jornal , ante a banalização da
violência (SARAIVA b, 2002, p. 37).
Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 45) chegou à
mesma conclusão, tendo sido o furto praticado em 51,33% dos casos
analisados.
Além disso, para agravar o mito da periculosidade do adolescente
infrator, os meios de comunicação divulgam dados inverídicos sobre os atos
infracionais cometidos, apenas relacionados ao momento da consumação,
privando o telespectador de informações sobre o prosseguimento do feito, ainstrução e a sentença, o que induz a sociedade a imaginar que está vivendo
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 44/61
em um caos, onde aparentemente os crimes não estão sendo julgados, nem
seus autores condenados, como comprovou Karina Sposato (2001, p. 55):
Contudo, a proporcionalidade dos crimes mostrada na TV não é a real.
A segunda constatação é que a cobertura dos telejornais dos canais de TV
aberta se concentra muito mais no momento do crime. A descoberta da autoria
é negligenciada, assim como toda a fase de instrução e julgamento dos
processos pela justiça, o que induz falsamente a sociedade pensar que nós
estamos vivendo um caos, pois muitos crimes aparentemente não estão sendo
desvendados e seus autores devidamente julgados e condenados. Assim, à
sensação de insegurança soma-se também a sensação de impunidade.
Conclui-se assim que a maioria dos atos infracionais cometidos pelos
adolescentes são os delitos contra o patrimônio, em especial o furto. Ou seja,
não se revestem de grave ameaça, ou violência, não havendo sentido no mito
da periculosidade do adolescente em conflito com a lei.
3.3 Mito da Impunidade
A ilusão de impunidade, além de ser ocasionada pela mídia, é uma das
principais heranças da Doutrina da Situação Irregular. Fundamenta-se na falsa
idéia que o adolescente infrator não é responsabilizado pelos seus atos,
provocando assim no sistema de atendimento aos adolescentes uma
presunção de inidoneidade, até porque, como ensina Emílio Garcia Mendez
(apud SARAIVA b, 2002, p. 43), é suficiente que "um problema seja definido
como um mal para passar a tornar-se mal".
No entanto, é preciso considerar que essa argumento está mal focado,
pois como restou demonstrado no capítulo anterior, o ECA prevê um amplo
sistema de medidas sócio-educativas que são aplicadas aos adolescentes,
quando praticam atos infracionais, compatíveis com sua condição de pessoa
em desenvolvimento e ao fato delituoso em que se envolveu, como aduz João
Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 48):
Ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente
instituiu no país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de
sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção, mas evidentemente
retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 45/61
de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de
cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo
A idéia da impunidade decorre de uma apreensão equivocada da Lei,
como prossegue o autor, fundamentalmente da ignorância e desconhecimento
de que o ECA é um instrumento de responsabilidade do Estado, da sociedade,
da família e do próprio adolescente, complementando que os meios de
comunicação, por não conhecerem a diferença entre impunidade e
inimputabilidade [69], induzem em erro a opinião pública, distorcendo os fatos.
VIEIRA (1999, p. 21) lembra que vigora na sociedade a idéia de que as
entidades de internação seriam ‘pré-escolas’ para o crime, e que a passagem
pela Justiça da Infância e da Juventude antecede a prisão quando oadolescente torna-se imputável penalmente. Contudo, essa idéia é falsa, como
comprovou em sua pesquisa, constatando que o índice de reincidência, após
alcançar a maioridade penal, é de 8,86%:
Verifica-se [...] que apenas 8,86% dos cidadãos recolhidos nas
penitenciárias e presídios catarinenses que prestaram as informações
solicitadas, tiveram passagem pela Justiça da Infância e Juventude, quando
adolescentes [...] Na verdade, o número de presos que tiveram passagem pelaJustiça da Infância e Juventude, enquanto adolescentes, é relativamente baixo,
contrariando o pensamento generalizado de que a delinqüência juvenil leva
obrigatoriamente ao crime (VIEIRA, 1999, p.21).
Ou seja, o resultado da pesquisa demonstra que as medidas sócio-
educativas possuem eficácia, pois estando apoiadas em caráter pedagógico,
afastam o adolescente infrator da prática de novos crimes.
Para aqueles que acreditam que as medidas sócio-educativas são
apenas paliativas, é importante considerar que, do ponto de vista das sanções
previstas no Código Penal, há medidas previstas no ECA com a mesma
correspondência, como a prestação de serviços à comunidade. Inclusive, a
Internação possui caráter aflitivo, vez que priva a liberdade do adolescente, ou
seja, não há fundamento na idéia de que nada acontece ao adolescente, ou
que a medida apenas abranda a situação.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 46/61
Na realidade, o ECA disponibiliza um aparato de caráter retributivo e
pedagógico, para o enfrentamento da delinqüência juvenil, apto a, como explica
João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 50), "trazer a resposta que a sociedade
almeja enquanto instrumento de segurança pública, bem como propondo
paralelamente, a construção de políticas básicas fundamentais de caráter
preventivo."
3.3.1 Redução da idade penal
A violência urbana, com seus reflexos em todos os segmentos do país,
produzem um sem-número de proposições para o enfrentamento da questão.
Na esteira do mito da impunidade, a primeira solução encontrada para aqueles
que desconhecem o amplo sistema de garantias previstos no ECA é a reduçãoda idade penal.
João Batista Costa Saraiva (2003, p. 70) afirma que no debate,
posicionam-se em um extremo os partidários da Doutrina do Direito Penal
Máximo, e no outro extremo, os seguidores da idéia do Abolicionismo Penal.
O autor complementa que a Doutrina do Direito Penal Máximo,
baseada no movimento Lei e Ordem, propugna que com que mais rigor, mais
pena e mais cadeia, ou seja, com mais repressão em todos os níveis, haverá
mais segurança.
De outro lado, o Abolicionismo Penal sugere que o direito Penal faliu, e
que a questão da segurança é essencialmente social, preconizando a
necessidade de um direito tutelar.
De acordo com Dalmo de Abreu Dallari (2001, p. 24), desconhecendo o
que dispõe a legislação sobre o adolescente, de vez em quando um
parlamentar propõe a redução da inimputabilidade, de 18 anos para 16 anos.
O autor complementa que, pela importância do assunto e pelo grande
interesse da população, é necessário esclarecer alguns pontos fundamentais, a
partir dos aspectos jurídicos envolvidos, pois qualquer proposta de mudança da
legislação visando a redução da idade de responsabilidade penal deverá, antes
de tudo, estar de acordo com a Constituição Federal.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 47/61
Conforme o art. 60, § 4º [70], da Constituição Federal, não poderá ser
objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir
garantias individuais. Ou seja, qualquer proposta de alterar a legislação, e
aplicar as sanções previstas no Código Penal aos menores de 18 anos
representará o fim do tratamento diferenciado, sendo portanto inconstitucional.
De outro lado, de uma forma geral, os partidários da redução da idade
penal argumentam que o indivíduo maior de 16 anos, na sociedade atual, já é
perfeitamente capaz de entender o caráter ilícito da sua conduta, tanto que
inclusive possui direitos políticos, como o voto, por exemplo.
Contudo, é preciso ter em mente que a quantidade de informações a
que o adolescente tem acesso atualmente não significa que as informaçõessejam de qualidade, pois a constante exposição a cenas de violência não
conscientiza o adolescente a não ser violento, mas sim o contrário, ele acaba
repetindo o que vê pela televisão, não podendo assim ser considerado mais
responsável do que no passado.
Ademais, pensando nas conseqüências de uma eventual alteração da
legislação, urge considerar que os adolescentes seriam enviados para os
presídios, locais super-lotados, e que não garantem recuperação, nemressocialização, ao contrário das medidas sócio-educativas, como lembra
Cláudio Augusto Vieira da Silva (ABONG, 2001, p. 16):
Ainda cabe lembrar a histórica e aguda falência do nosso sistema
penal, que hoje em dia conta com um déficit significativo de vagas para os que
já lá se encontram, estima-se em 80.000, sem contar os inúmeros mandados
de prisão que estão sem execução, o que tornaria este sistema ainda mais
abarrotado de gente
Assim, a redução da idade penal, além de ser inconstitucional, é uma
solução injusta, pois vai afastar os adolescentes de todos os programas de
reeducação e ressocialização, acabando com a chance que eles possuem de
integrar-se na sociedade, e não na "vida do crime", o que com certeza os
presídios brasileiros não vão conseguir evitar.
3.4 Propostas para a Implementação do ECA
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 48/61
As medidas sócio-educativas, se forem adequadamente colocadas em
funcionamento, revelam-se eficazes diante dos atos infracionais praticados,
contudo, para a implementação, é preciso a operacionalização dos órgãos
relacionados, bem como a criação de todo um aparato, afinal, o ECA ensina o
que fazer, e não como fazer.
Tendo-se por base que o adolescente é considerado pela lei como
sujeito de direitos e em peculiar condição de desenvolvimento, bem como
cidadão capaz de ser responsabilizado pelos seus atos, urge considerar que as
medidas sócio-educativas dependem de uma aplicação correta, para alcançar
plena efetividade.
No caso da mediada sócio-educativa de internação, é preciso fugir da
lógica dos internatos do sistema anterior, bem como de diversas entidades de
internações, as quais persistem sendo orientadas em meios de correção com
violência.
O problema da delinqüência juvenil, embora grave, como alerta
Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 17) talvez possa ser enfrentado com poucos
recursos materiais, caso haja conhecimento adequado, reflexão e vontade
política. A autora conclui que: "De uma tomada plena de consciência sobre a
importância deste tema depende, em parte, o futuro de nossa democracia.
3.4.1 Educação
Antes de falar em reeducação, que é o objetivo principal das medidas
sócio-educativas, é preciso falar de educação, afinal, é impossível reeducar
adolescentes que nunca receberam educação, bem como é improvável obter
êxito em ressocializar adolescentes que sempre foram marginalizados.
De acordo com Maria Stela Santos Graziani (2002, p. 187), o fracasso
institucional escolar tem raízes históricas, citando como causas o acesso não
democratizado à escola, a falta de qualidade do ensino e a inadequação na
formação do educador.
A verdade é que vários anos de deterioração do ensino público
conduziram a grandes disparidades, entre as escolas públicas e as
particulares.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 49/61
Conforme os dados expressos nas Diretrizes Nacionais para a política
de atenção à infância e à adolescência (2001/2005, p. 24), cerca de 46,7% dos
alunos do ensino fundamental apresentam distorção idade-série. Na educação
infantil, apenas 33% da população de crianças de 4 a 6 anos recebem
atendimento na pré-escola e 5% de zero a 3 anos têm acesso a creches.
Que as crianças e adolescentes brasileiros precisam de educação, não
é novidade, mas a proposta para efetivação do ECA é um sistema educativo
capaz de instruir e prevenir a delinqüência juvenil, e no caso da prática do
crime, garantir que não voltará a delinqüir.
Dentre os direitos fundamentais consagrados à infância e juventude,
como lembra Olympio de Sá Sotto Maior Neto (2001, p. 58), avulta em
significado a educação, considerando-se que o sistema educacional, ao lado
da família, constitui-se em importante meio de socialização do ser humano.
De acordo com o art. 205 [71] da Constituição Federal, a educação
destina-se ao pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o
trabalho, e principalmente, o preparo para o exercício da cidadania.
Para a efetivação do ECA, são necessárias atividades direcionadas à
garantia da Educação Infantil, além de ingresso, permanência e sucesso no
Ensino Fundamental, bem como programas suplementares de material
didático-escolar, transporte e alimentação.
De acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 25), em Santa Catarina, dosadolescentes infratores entrevistados, 59,18% não estavam estudando quandoda prática do ato infracional, o que demonstra que a ausência de instrução éuma das causas da delinqüência juvenil. A autora complementa que:
Analisando as razões que fazem com que o adolescente abandone os
estudos, mantendo os índices de evasão escolar em patamares preocupantes,
precisamos refletir sobre a qualidade das escolas públicas, sobre as condições
que estas dispõem para proporcionar o conhecimento adequado e, ao mesmo
tempo, sobre os atrativos existentes para criar e conservar o necessário
interesse.
É preciso que os professores recebam uma formação especializada, e
saibam identificar os sinais de desvio de comportamento nas crianças e
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 50/61
adolescentes, e procedam a um encaminhamento, dando curso assim a uma
dinâmica de recuperação.
Na verdade, a escola precisa compensar a desestrutura familiar da
criança, criando uma espécie de proteção, que vai ser importante na redução
da violência, inclusive nos finais de semana.
No entanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
aprovada em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais publicados a partir
de 1996, a criação do Fundo de manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, e a ampliação do
Programa de Distribuição Gratuita de livros didáticos são exemplos de
iniciativas para a melhoria do ensino público.
Como estratégias para reverter o atual quadro, o Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) elenca, nas Diretrizes
Nacionais para a política de atenção à infância e à adolescência (2001/2005, p.
25) as seguintes metas: a necessidade da valorização do profissional da
educação, por meio da capacitação e da justa remuneração; promover a
integração escola-família-comunidade; estimular a implantação da escola de
tempo integral, e assegurar um aumento progressivo dos investimentos em
educação, atingindo 10% do PIB até 2009.
3.4.2 Mídia
De acordo com Karina Sposato (2001, p. 55), um levantamento da
UNESCO concluiu que no Brasil há 210 televisores para cada 1000 habitantes,
ou seja, a televisão alcança grande parte da população, em uma velocidade
espantosa, favorecendo assim a construção de um imaginário, nem sempre de
acordo com a realidade.
O art. 247 [72], do ECA, prevê que não é permitida a divulgação do nome
do adolescente que esteja envolvido em ato infracional, no entanto, através da
televisão é possível tomar conhecimento da cidade, da rua, dos nomes dos
pais, enfim, de todos os dados referentes aos adolescentes infratores, ou seja,
nas matérias divulgadas as emissoras não se preocupam com os efeitos que
essa divulgação pode trazer.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 51/61
Essa situação demonstra que os meios de comunicação tem a
obrigação de checar melhor as informações antes de publicá-las, e retificar as
informações anteriormente divulgadas.
A pesquisadora propõe que sejam criados novos mecanismos legais
restritivos para esse tipo de distorção, como também sejam utilizados os
mecanismos já disponíveis.
Até porque, conforme o art. 17 [73] da Convenção Internacional dos
Direitos da Criança, cada país signatário tem o compromisso de não só
encorajar programas educativos e que respeitem a situação de
desenvolvimento peculiar do adolescente e da criança, mas também de zelar
pela integridade e por esse desenvolvimento.
Por outro lado, já que os meios de comunicação são responsáveis pela
disseminação de diversos mitos, que ocasionam a ilusão de impunidade,
percebe-se a necessidade de utilizar esse espaço tão abrangente para instruir
de forma ética e cultural a sociedade sobre o assunto, como explica Marcos
Colares (ABONG, 2001, p. 169).
Através de parcerias com emissoras de rádio, televisão, jornais e
empresas de marketing , podem ser realizadas campanhas publicitárias, para
socializar o conhecimento sobre a responsabilidade penal do adolescente
infrator, bem como que a miséria não corresponde necessariamente à prática
de ato infracionais.3.4.3 Lei de execução das medidas sócio-educativas
Considerando que o ECA não prevê a execução das medidas sócio-
educativas, há necessidade de uma regulamentação, ou seja, de uma lei de
execução das medidas sócio-educativas, definindo procedimentos e
estabelecendo com clareza os limites de responsabilidade, para que as
medidas sócio-educativas sejam eficazes, como adverte João Batista Costa
Saraiva (2003, p. 87):
Do ponto de vista normativo, há necessidade que imediatamente seja
regulamentado por lei o processo de execução das medidas socioeducativas,
face o que se fez lacônico o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90). Desta lacuna legislativa tem resultado o avanço da
discricionariedade e do arbítrio na execução das medidas sócioeducativas.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 52/61
Inclusive, em junho de 2001 a Associação Brasileira de Magistrados e
Promotores da Infância e Juventude criou uma proposta de anteprojeto de lei,
objetivando dar forma procedimental à execução das medidas sócio-
educativas, que está no Anexo A desta monografia.
O anteprojeto possui oito títulos, desmembrados em capítulos. O Título
I (Disposições Gerais), estabelece o critério da municipalização das medidas, a
exigência da proposta pedagógica e a prevalência sobre o caráter
sancionatório, dispondo em seu art. 1º que:
A presente Lei destina-se a regular a aplicação das medidas
socioeducativas previstas no art. 112, da Lei 8.069/90, bem como disciplinar
sua execução, estabelecendo suas diretrizes.
O Título II (Da formação do título executivo) prevê a forma do início da
execução e os documentos que devem acompanhar a peça de
encaminhamento. O art. 12 prevê que:
A aplicação de medida socioeducativa não privativa de liberdade em
sede de remissão pressupõe a concordância expressa do adolescente, na
presença de defensor nomeado ou constituído, devendo no termo respectivo
constar a advertência de que o não cumprimento da medida ajustada poderá
importar em sua regressão, na forma do disposto no art. 122, inciso III e § 1º da
Lei n° 8.069/90.
O Título III (Das atribuições dos operadores do sistema), disciplina
sobre os órgãos e execução das medidas, estabelecendo-os no art. 18:
São órgãos da execução das medidas socioeducativas: I – o Juízo daExecução; II – O Ministério Público; III – A Defensoria Pública; IV – As
Entidades de Execução de Medidas em Meio Aberto; V – As Entidades de
Execução de Medidas Privativas de Liberdade.
O Título IV (Do processo de execução) propõe um plano individual para
a execução, com características personalíssimas para o seu adequado
cumprimento. De acordo com o art. 38:
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 53/61
A individualização da execução socioeducativa dependerá de um plano
individual para o cumprimento da respectiva medida, devendo os programas
socioeducativos conter, fundamentalmente, a proposta pedagógica que os
oriente.
O Título V (Das medidas sócio-educativas) trata sobre casa uma delas.
O Título VI estabelece as regras sobre os incidentes da execução, o Título VII
fica o recurso cabível para as decisões do Juiz da execução e por fim, o Título
VIII (Disposições Finais e Transitórias), conclui as regras básicas.
3.4.4 Perfil dos operadores
De acordo com João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 83), a partir da
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, estabeleceu-seum novo paradigma relativamente à questão da Infância e da Juventude,
compreendidos todos os operadores deste sistema e considerado o seu
conteúdo interdiciplinar.
É que como o procedimento da apuração de ato infracional é
diferenciado dos outros procedimentos, os operadores convergem, ou devem
convergir, em favor do adolescente infrator, como alerta Josiane Rose Petry
Veronese (1997, p. 101):
Todas as figuras que atuam no processo de apuração de ato infracional
praticado por adolescente, seja o juiz, o advogado, o promotor de justiça (este
último é o responsável pela representação), todos convergem ou devem
convergir em favor deste adolescente infrator, na busca da melhor medida a
ser aplicada, levando em consideração as circunstâncias em que ocorreu o ato
delituoso e as condições do agente (biológicas, psíquicas e sociais).
É preciso que todos os operadores, desde o policial que surpreende o
adolescente cometendo o crime, até o monitor da entidade de internação,
comprometam-se com a Doutrina da Proteção Integral e com as normas
previstas no ECA.
Como alertou Cláudio Augusto Vieira da Costa (ABONG, 2001, p. 20),
isso envolve todo o sistema previsto no Estatuto, desde aquele que em
primeiro lugar entra em contado com o adolescente, passando pelo Sistema
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 54/61
Judiciário, pelo Ministério Público, pelas Unidades Executoras, assim como
todos os profissionais envolvidos.
Até porque, em uma entidade de internação, todos os funcionários têm
papel fundamental na efetivação da medida sócio-educativa, através das
atividades pedagógicas e terapêuticas, articulando as experiências pelo
contexto institucional.
Na pesquisa realizada no Rio de Janeiro pelas psicólogas Simone
Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino[74], constatou-se que metade das
jovens entrevistadas relatou ter sofrido agressão por parte dos policiais.
A adolescente ‘Úrsula’ relatou que:
Eles me arrastaram, pegaram um pedaço de pau daqueles grossos, aí
começaram a me bater, começaram a me arrastar, enrolaram o meu cabelo
assim, me arrastaram na lama. Enfiavam minha cabeça na poça d’água até eu
perder o fôlego. Falava: quando quiser falar, levanta a mão que eu tiro. Eu
levantava a mão, ele tirava a minha cabeça, eu pegava um ar, aí começava de
novo [...] Jogava minha cabeça na parede, pegava o fio, me enforcava [...]
Nossa, eu sofri muito, muita paulada nas costa (sic).
Assim, é essencial que a polícia seja capacitada para lidar com as
especificidades do universo adolescente, recebendo treinamento para enfrentar
com respeito, e ser punida quando praticar violência. Como lembram Simone
Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino (2001, p. 269), trata-se de uma
questão de treinamento e de capacitação, que pode ser prioridade para o
Ministério da Justiça e para a Secretaria de Segurança Pública.
Com relação aos profissionais que trabalham nas entidades de
internação, é preciso que sejam treinados para dar apoio aos adolescentes. De
acordo com Cláudio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 20), nas entidades de
internação são comuns funcionários terceirizados, duas ou três formas de
contratação, salários aviltantes, pouco investimento em formação ou
descontinuidade no contrato de trabalho, o que provoca uma rotatividade
desnecessária e o desperdício dos investimentos feitos na formação, situação
que precisa ser revertida.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 55/61
Por exemplo, a contratação de funcionários pode ocorrer por processo
de seleção pública, com critérios rigorosos, que avaliem a capacidade dos
funcionários de trabalharem na reeducação do adolescente.
Outro ponto interessante é a necessidade da defesa técnica por
advogado, no procedimento de apuração do ato infracional, uma vez que além
de ser um primado de ordem constitucional, conforme o art. 133 [75] da
Constituição Federal, não só em procedimento judicial, mas também na
audiência preliminar de apresentação, e muito embora o art. 186, § 2º, do ECA,
sugira a necessidade da nomeação de defensor somente em caso de infração
grave.
Ademais, é importante que o advogado seja uma pessoa preparadapara atuar nesta área específica, como diz Josiane Rose Petry Veronese
(1997, p. 101):
Indiscutivelmente, o profissional que atuar nesta área específica terá
que ser uma pessoa preparada, pois os processos de apuração de ato
infracional praticado pelo adolescente não podem ter o mesmo enfoque que é
dado pelo advogado que tem seu campo de atuação na esfera criminal. Cuide-
se, por exemplo, que o interrogatório não possui perguntas prontas: sãointerrogados, também, os pais ou responsável do infrator; na audiência o
defensor não pedirá aabsolvição se deu cliente, pois o que lhe será aplicado
são medidas sócio-educativas, lembrando-se que não há condenação.
Por fim, como adverte Mário Volpi (1999, p. 18), é necessária a
integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança
Pública e Assistência social, preferencialmente no mesmo local, para efeito de
agilização do atendimento e garantia dos direitos processuais ao adolescente a
quem se atribua autoria de ato infracional.
3.4.5 Acompanhamento de egressos
De acordo com o art. 94 [76], inciso XVIII, do ECA, as entidades que
desenvolvem programas de internação devem manter programas destinados
ao apoio e acompanhamento de egressos, o que significa que após cumprir o
prazo de internação e ser colocado em liberdade, o adolescente deve receber
um acompanhamento pela entidade, a fim de assegurar a ressocialização.
Através do acompanhamento dos adolescentes que cumpriram amedida sócio-educativa de internação, será promovido o processo do retorno à
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 56/61
sociedade, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento do ato
infracional e o reingresso no programa.
Até porque, a maneira como se procede o desligamento do jovem é
fundamental para que ele possa dar encaminhamento a sua vida, como adverte
Sônia Altoé (2002, p. 296):
Se isto não ocorrer, será fácil ver toda a tentativa de trabalho de
atendimento no internato ser pouco útil, e a chance de que este indivíduo repita
atos infracionais será enorme. Este serviço deve também levar em conta a
possibilidade de egressos voltarem e requisitarem algum tipo de apoio. Sempre
que possível, deve ser encorajada ao egresso a possibilidade de apoio e
acompanhamento que o programa puder oferecer para auxiliá-lo a enfrentar as
dificuldades com que provavelmente se defrontará ao sair do internato.
Como idéia, os projetos poderiam possibilitar a formação e inserção no
mercado de trabalho dos jovens egressos, fortalecendo assim a identidade e a
auto-estima dos mesmos, como prevê o Programa de Execução de Medidas
Sócio-Educativas de Internação e Semiliberdade do Rio Grande do Sul
(PEMSEIS) [77]:
É necessário, portanto, reforçar e ressignificar o objetivo de inserção
social dos adolescentes privados de liberdade [...] a inclusão em espaços da
comunidade, por sua vez, não visa somente à não-reincidência, mas à
conquista da cidadania, a qual contempla a crença no futuro, a autonomia e a
emancipação destes jovens (PEMSEIS, 2001, p. 162).
Na verdade, a efetividade dessa proposta depende de uma co-
responsabilização, por parte da família, da comunidade e dos órgãos de
atendimento, desde o período da internação até o desligamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta monografia, foi realizado um estudo sobre a
responsabilização penal do adolescente infrator, analisando cronologicamente
as disposições legais e institutos criados, bem como as medidas sócio-
educativas, e a ilusão de impunidade.
Com o desenrolar da História e o aperfeiçoamento das legislações,foram sendo elaboradas regras específicas para a proteção da infância e da
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 57/61
adolescência, sendo que desde as primeiras civilizações o homem demonstrou
sua preocupação em tratar de forma diferenciada a proteção e a
responsabilização das crianças e dos adolescentes.
Evidenciou-se que a política de atendimento aos direitos da criança e
adolescente, no que tange ao adolescente autor de ato infracional, deve acatar
os princípios da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, as
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Infância e da
Juventude e para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade.
De acordo com a Doutrina da Proteção Integral, prevista inicialmente
no art. 227, da Constituição Federal e servindo como fundamento para o ECA,
todos os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos, sendo
que estes direitos são especiais, principalmente pela condição que os
adolescentes infratores ostentam de pessoas em desenvolvimento.
Com base nas pesquisas e estatísticas realizadas sobre o assunto, por
vários dos autores consultados, concluiu-se que os motivos que levam o
adolescente a cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos,
sociais e culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o
uso de drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicasdevem atuar com maior urgência.
O ECA, além de prever a proteção integral, elevou o adolescente a
categoria de responsável pelos atos considerados infracionais que cometer,
através da aplicação das medidas sócio-educativas.
Textos relacionados
"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidadedelitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976
A repressão criminal como reprodução da violência Aspectos medico-legais do estupro: perícia A valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se
como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável O art. 28 da Lei de Drogas no Projeto de Lei nº 111/2010. Pena de
detenção ou tratamento
As medidas sócio-educativas comportam aspectos de natureza
coercitiva, uma vez que são punitivas, e também aspectos educativos, no
sentido da proteção integral, com oportunidade de acesso à formação e à
informação.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 58/61
Apesar disso, a inimputabilidade não significa que ao adolescente
serão aplicadas medidas mais brandas do que aos maiores de 18 anos, uma
vez que há medidas sócio-educativas que têm a mesma correspondência das
penas alternativas, previstas no Código Penal.
A advertência, que consiste em uma admoestação verbal, para que
obtenha êxito, deve ser aplicada ao adolescente infrator logo em seguida à
primeira prática do ato infracional, e que não seja repetida diversas vezes, pois
pode acabar incutindo na mentalidade do adolescente que seus atos não são
responsabilizados de forma concreta.
A obrigação de reparar o dano é uma medida com grande caráter
pedagógico, porque através de uma imposição, faz com que o adolescente
reconheça a ilicitude dos seus atos, bem como garante à vítima a reparação do
dano sofrido.
Já a prestação de serviços à comunidade garante ao adolescente
infrator a possibilidade de ressocializar-se perante o ambiente em que vive,
mostrando-se útil, através da realização de tarefas não remuneradas.
A liberdade assistida é aplicada aos adolescentes que cometem atos
infracionais considerados de maior gravidade, mas que ainda não comportam a
privação total da liberdade, possibilitando ao adolescente reconhecer a
responsabilidade de seus atos e repensar a sua conduta.
A semiliberdade, também de caráter pedagógico, não vem recebendo
aplicabilidade na prática, pela ausência de programas específicos, o que indica
a necessidade de criação de entidades específicas.
A internação, como medida privativa da liberdade, o que por si só já
inibe qualquer possibilidade de ressocialização, para que obtenha a efetividade
que o ECA determina, depende de projetos pedagógicos e de instituições
adequadamente preparadas para receber o adolescente.
O presente estudo mostrou também a importância de compreender que
existe uma ilusão de impunidade com relação a problemática da delinqüência
juvenil, e que a questão está mal focada, existindo três mitos, quais sejam, do
hiperdimensionamento do problema, da periculosidade do adolescente intrator
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 59/61
e da ilusão de impunidade, todos causados pela herança da Doutrina da
Situação Irregular, ainda presente no imaginário coletivo, bem como pelas
informações falsas passadas pela mídia.
Ou seja, embora os adolescentes também sejam responsáveis pelo
aumento da violência no Brasil, é preciso considerar que o índice dos atos
infracionais cometidos é baixo, como comprovaram as pesquisas realizadas,
não havendo assim fundamento para o mito do hiperdimensionamento do
problema.
Ademais, a maioria dos atos infracionais cometidos pelos adolescentes
são os delitos contra o patrimônio, em especial o furto. Ou seja, não se
revestem de grave ameaça, ou violência, não havendo sentido no mito da
periculosidade do adolescente em conflito com a lei.
Quanto à ilusão de impunidade, não merece prosperar, porque o ECA
prevê a responsabilização penal do adolescente em conflito com a lei, através
da aplicação das medidas sócio-educativas.
Com relação à proposta de redução da idade penal, demonstrou-se
que além de ser inconstitucional, é uma solução injusta, pois vai afastar os
adolescentes de todos os programas de reeducação e ressocialização,
acabando com a chance que eles possuem de integrar-se na sociedade, o que
com certeza os presídios brasileiros não vão conseguir evitar.
Acreditando que o ECA sempre pode ser aperfeiçoado, foram
elaboradas algumas propostas, sintetizadas a seguir.
Com relação à educação, sugere-se que o ensino seja capaz de ir alémdos seus principais objetivos, através de uma estrutura que garanta que a
delinqüência não seja a única chance de mudar de vida para todos os
adolescentes infratores.
Para tanto, é preciso a valorização do profissional da educação, por
meio da capacitação e da justa remuneração, a integração escola-família-
comunidade, o estímulo da implantação da escola de tempo integral, e
assegurar um aumento progressivo dos investimentos nesse setor.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 60/61
Outro grande desafio é a universalização dos programas e ações de
cultura, esporte e lazer na integração com as demais políticas, como direito que
deve ser assegurado no processo de desenvolvimento de todas as crianças e
adolescentes.
O mais importante é o desenvolvimento de projetos, com modelos
alternativos, primando pelo atendimento individualizado, através da
interdisciplinaridade, aproximando-se mais da estrutura da família.
Quanto à mídia, é preciso que sejam criados mecanismos que proíbam
a distorção dos fatos, que produz a invenção de mitos, que apavoram a
sociedade e servem para marginalizar os adolescente em conflito com a lei,
bem como tentar utilizar esse espaço tão abrangente para instruir a sociedade
sobre o assunto, através de campanhas publicitárias, por exemplo.
Considerando que a arbitrariedade é totalmente contrária a todos os
princípios do Direito, é necessária a criação de uma lei de execução, definindo
procedimentos e estabelecendo com clareza os limites da responsabilidade
penal do adolescente infrator, para que as medidas sócio-educativas sejam
eficazes.
Sobre a proposta da Lei de Execução, cumpre ressaltar que não possui
nenhum dispositivo referente ao tratamento diferenciado sobre a execução da
medida com relação ao adolescente portador de deficiência mental, o que é
necessário, ante a sua necessidade de um tratamento especial.
É necessária ainda a integração operacional dos órgãos do Judiciário,
Ministério Público, Segurança Pública e Assistência social, bem como o
aperfeiçoamento de todos os integrantes, desde o policial que surpreende o
adolescente praticando o ato infracional, até o monitor da entidade de
internação.
Ademais, com base no art. 94, inciso XVIII, do ECA, as entidades que
desenvolvem programas de internação devem manter programas destinados
ao apoio e acompanhamento de egressos, o que significa que após cumprir o
prazo de internação o adolescente deve receber um acompanhamento pela
entidade, a fim de assegurar a ressocialização.
5/14/2018 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade 61/61
Através do acompanhamento dos adolescentes que cumpriram a
medida sócio-educativa de internação, será promovido o processo do retorno à
sociedade, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento do ato
infracional e o reingresso.
Ressalta-se que houve a comprovação de todas as hipóteses vez que,
conforme restou demonstrado, existe uma ilusão de impunidade com relação à
responsabilização penal do adolescente infrator.
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
COLPANI, Carla Fornari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de
impunidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível
em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4600>. Acesso em: 13 abr. 2011.
Top Related