A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO (UEMA) NA PERSPECTIVA DA CULTURA, DO … · 2015-09-03 · A...
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A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO (UEMA) NA
PERSPECTIVA DA CULTURA, DO PATRIMÔNIO E DA MEMÓRIA.1
Roldão Ribeiro Barbosa2
RESUMO
Intentou-se neste artigo expor as definições de cultura, patrimônio e memória
produzidos ao longo da história por diferentes autores, na perspectiva de
compreender a Universidade Estadual do Maranhão enquanto um patrimônio
cultural, cujos bens tangíveis, intangíveis e naturais necessitam ser preservados
para o bem de sua continuidade na história. Foram expostos algumas ilustrações
que poderão servir para a evocação da memória e, consequentemente, para a
construção de uma identidade uemiana.
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio cultural. Lugares de memória. UEMA.
ABSTRACT
Brought up in this article exposing the definitions of culture, heritage and
memory produced along history by different authors, in perspective
understand the Maranhão State University as a cultural heritage, whose
property tangible, intangible and natural need to be preserved for the well of
continuity in history. Some graphics which could serve to evocation from
memory and consequently to construct the identity uemiana were exposed.
KEYWORDS: Cultural heritage. Memory locations. UEMA.
1 INTRODUÇÃO
Intenta-se neste artigo, na perspectiva historiográfica, compreender o
significado dos conceitos de cultura, patrimônio cultural e lugares de memória; e
identificar os prédios, os materiais, os documentos, os monumentos da UEMA como
cultura, patrimônio e lugares de memória.
1 Artigo produzido como exigência da disciplina Cultura, Patrimônio e Lugares de Memória, ministrada pelos professores doutores Eloisa Capovilla da Luz Ramos, Jairo Rogge & Paulo Moreira no Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), turma especial de doutorado interinstitucional da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), 2014-2017. 2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da UNISINOS/UEMA, professor da UEMA no Centro de Estudos Superiores de Caxias, 2014.
A UEMA é, enquanto instituição universitária, um dos maiores bens do povo
maranhense, mantidos pelo Estado do Maranhão. No princípio eram escolas
superiores isoladas3 que passaram a constituir uma federação de escolas a partir de
19724, que ensejaram a institucionalização da Universidade Estadual do Maranhão
(UEMA) a partir de 30 de dezembro de 1981.5 A UEMA, enquanto agência produtora
e disseminadora de cultura se constitui em patrimônio cultural do povo maranhense
e, por sua trajetória histórica, em lugar de memória dos inúmeros sujeitos que por lá
passaram em processo de formação.
2 CULTURA, PATRIMÔNIO CULTURAL E LUGARES DE MEMÓRIA
Os conceitos cultura, patrimônio cultural e lugares de memória se interligam
na perspectiva historiográfica: a cultura é um produto da ação humana que se
constitui num patrimônio, o qual se constitui em lugar de memória de um grupo
social. Mas, para efeito desse estudo, inicialmente há necessidade de se definir
cada um desses conceitos principais, para que se possa interrogar a realidade na
relação com os respectivos.
Cultura, quanto à sua gênese, é uma palavra que evoluiu desde a Idade
Média, vinda do latim cultura “que significa o cuidado dispensado ao campo ou ao
gado” (CUCHE, 1999, p. 19) no século XIII, designando parte ou estado da terra ou
coisa cultivada. No início de século XVI passou a designar uma ação ou fato de
cultivar a terra e “no meio desse século XVI há o sentido figurado e ‘cultura’ passou
a designar então a cultura de uma faculdade” (Idem, p. 19), mas era pouco
conhecido até meado do século XVII, impondo-se no século XVIII, pois “fala-se da
‘cultura das artes’, da ‘cultura das letras’, da ‘cultura das ciências’ (Idem p. 20).
Mas, “Progressivamente, ‘cultura’ se liberta de seus complementos e acaba por ser empregada só, para designar a formação’, a
3 Escola de Administração Pública do Maranhão, criada através da Lei estadual N. 2.728 de 22.12.1966; Escola
de Engenharia do Maranhão, criada através da Lei estadual N. 2.740 de 08.06.1967; Faculdade de Formação de Professores de Ensino Médio de Caxias, criada através da Lei estadual N. 2.821 de 23.02.1968; Escola de Agronomia do Maranhão, criada através da Lei estadual N. 3.003 de 03.11.1969. 4 Federação das Escolas Superiores do Maranhão (FESM), instituída nos termos da Lei número 5.260 de 22 de
agosto de 1972. 5 A Universidade Estadual do Maranhão foi criada por força da Lei 4.400/81, que transformou a FESM em
UEMA.
‘educação’ do espírito’. Depois, em um movimento inverso ao observado anteriormente, passa-se de ‘cultura’ como ação (ação de construir) a ‘cultura’ como estado (estado do espírito cultivado pela instrução, estado do indivíduo ‘que tem cultura’). Este uso é consagrado, no fim do século, pelo Dicionário da Academia (edição de 1798) que estigmatiza ‘um espírito natural e sem cultura’, sublinhando com esta expressão a oposição conceitual entre ‘natureza’ e ’cultura’”. (Idem p. 20).
Para o Iluminismo a idéia de cultura era um traço que distinguia a espécie
humana, compreendida como “a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela
humanidade, considerada como totalidade, ao longo de sua história” (Idem p. 21).
A palavra cultura está próxima da palavra civilização, sendo que aquela
evoca progressos individuais e esta evoca progressos coletivos, utilizando-se ambos
os termos no singular. Mas o conceito civilização, que na origem designava o
afinamento dos costumes, passou a significar “o progresso que arranca a
humanidade da ignorância e da irracionalidade”, sendo então definida como “o
processo de melhoria das instituições, da legislação, da educação”. (Idem p. 22).
A invenção do conceito científico de cultura, cuja definição etnológica passa
por uma concepção universalista tributária do Iluminismo, é creditada a Edward
Burnett Tylor (1832-1917)6, para quem:
Cultura e civilização, tomadas em seu sentido etnológico mais vasto, são um conjunto completo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade (Apud CUCHE, 1999, p. 35. Grifo do autor).
Para Tylor, cultura e civilização são termos equivalentes, porém sua
preferência é pelo termo cultura, pois o termo civilização aponta para a vida urbana,
na cidade como espaço de aquisição cultural, quando sua concepção científica
abrange todos os tipos de sociedade em seus múltiplos aspectos, pois todos os
humanos são seres de cultura.
Mas foi Franz Boas (1858-1942)7 “o primeiro antropólogo a fazer pesquisas
in situ para observação direta e prolongada das culturas primitivas” (CUCHE, 1999, p.
6 “Devido a sua obra e suas preocupações metodológicas, Edward Tylor é considerado, com justiça, o fundador da antropologia britânica. É aliás a ele que se deve o reconhecimento desta ciência como disciplina universitária: ele se tornaria em 1883, na Universidade de Oxford, o primeiro titular de uma cátedra de antropologia na grã Bretanha” ( CUCHE, 1999, p. 39).
39), sendo, por isso, reconhecido como inventor da etnografia, ficando “na história da
antropologia como fundador do método indutivo e intensivo de campo. Boas
concebia a etnologia como uma ciência de observação direta: segundo ele, no
estudo de uma cultura particular, tudo deve ser anotado, até mesmo o detalhe do
detalhe” (CUCHE, 1999, p. 43).
Boas construiu uma concepção antropológica particularista de cultura ou
“relativismo cultural”, pois estudava as culturas e não a Cultura, o que dava a
entender que cada cultura é única, específica.
Cada cultura é dotada de um ‘estilo’ particular que se exprime através da língua, das crenças, dos costumes, também da arte, mas não apenas desta maneira. Este estilo, este ‘espírito’ próprio a cada cultura influi sobre o comportamento dos indivíduos. Boas pensava que a tarefa do etnólogo era também elucidar o vínculo que liga o indivíduo às sua cultura (CUCHE, 1999, p. 45).
Essa é uma concepção particularista de cultura de Boas, pois cada cultura
constrói um modo próprio de ser homem, por isso deve ser respeitada, estimada e
protegida.
Na França, no início da pesquisa, no século XIX e início do século XX, foi
constatada a ausência do conceito científico de cultura em favor do conceito de
civilização, haja vista que sociólogos e etnólogos estavam impregnados do
universalismo iluminista abstrato, obliterando a idéia de uma pluralidade cultural nas
sociedades humanas. Mas Emile Durkheim é que ocupará o posto de fundador na
antropologia francesa, ao intentar a compreensão do social em todas as suas
dimensões e aspectos, inclusive na dimensão cultural. E a sua teoria da
“consciência coletiva” é uma forma de teoria cultural.
Para ele, existe em todas as sociedades uma “consciência coletiva”, feita das representações coletivas, dos ideais, dos valores e dos sentimentos comuns a todos os seus indivíduos. Esta consciência coletiva precede o indivíduo, impõe-se a ele, é exterior e
7 “... oriundo de uma família judia alemã de espírito liberal. Sensível à questão do racismo, ele mesmo fora vítima do anti-semitismo de alguns de seus colegas de universidade. Estudou em diversas universidades da Alemanha, primeiramente cursando física, depois matemática e finalmente geografia (física e humana). Esta última disciplina o levou à antropologia. Em 1883-1884, ele participou de uma expedição entre aos (sic) Esquimós da terra de Baffin. Ele partiu como geógrafo, com preocupações de geógrafo (estudar o efeito do meio físico sobre a sociedade esquimó) e percebeu que a organização social era determinada mais pela cultura do que pelo ambiente físico. Retornou à Alemanha decidido a se consagrar, a partir de então, principalmente à antropologia” ( CUCHE, 1999, p. 40).
transcendente a ele: há descontinuidade entre a consciência coletiva e a consciência individual, e a primeira é “superior” à segunda, por ser mais complexa e indeterminada. É a consciência coletiva que realiza a unidade e a coesão de uma sociedade (CUCHE, 1999, p. 57).
Embora constatada a ausência do conceito de cultura na antropologia de
Durkheim, seus estudos fazem referência aos fenômenos culturais.
A antropologia cultural americana não teve muitos adeptos na França, haja
vista que Claude Lévi-Strauss retoma o tema da totalidade cultural, e definiu cultura
assim:
Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social, e assim ainda, as relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros. (Apud CUCHE, 1999, p. 95).
A palavra cultura vem da raiz latina colere, que significa cultivar, habitar,
adorar, proteger. Esta, na perspectiva do marxismo, denota uma ação ativa do
sujeito sobre a natureza, mas também sugere dialeticamente a ação da natureza
sobre o sujeito. Portanto, “o termo sugere uma dialética entre o artificial e o natural,
entre o que fazemos ao mundo e o que o mundo nos faz” (EAGLETON, 2005, p. 11),
ou seja, ao mesmo tempo em que a natureza produz cultura, a cultura reproduz e
transforma a natureza, na mediação com o trabalho humano.
Se a cultura transfigura a natureza, esse é um projeto para o qual a natureza coloca limites rigorosos. A própria palavra “cultura” compreende uma tensão entre fazer e ser feito, racionalidade e espontaneidade, que censura o intelecto desencarnado do iluminismo tanto quanto desafia o reducionismo cultural de grande parte do pensamento contemporâneo. (EAGLETON, 2005, p. 14). Há um outro sentido em que a palavra “cultura” está voltada para duas direções opostas, pois ela pode também sugerir uma divisão dentro de nós mesmos, entre aquela parte de nós que se cultiva e refina, e aquilo dentro de nós, seja lá o que for, que constitui a matéria-prima para esse refinamento. (EAGLETON, 2005, p. 15).
Portanto, natureza e cultura são duas palavras inter-relacionadas, pois
cultura coopera para que a natureza transcenda a si mesma e esta natureza
cultivada, transformada libera a humanidade na e para a civilização8, na perspectiva
de um desenvolvimento total e harmonioso da personalidade, com a mediação da
sociedade. Há uma diversidade de formas de cultura, uma vez que também a
natureza é diversa.
Patrimônio, segundo Aurélio, é uma palavra que vem do latim patrimoniu, a
qual é um substantivo masculino que significa:
1. Herança paterna. 2. Bens de família. 3. Dote dos ordinandos. 4. Fig. Riqueza: patrimônio moral, cultural, intelectual. 5. Dir. Complexo de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa ou empresa e seja suscetível de apreciação econômica. C. Cont. A parte jurídica e material da azienda (FERREIRA, [1993], p. 1282).
Essas acepções apresentadas em dicionários sofreram alterações ao longo
dos séculos XIX e XX, em todas as línguas, indicando a mudança de concepção de
patrimônio histórico para patrimônio cultural (Cf. LEMOS, 2010, 7; SILVA & SILVA,
2006, p. 324), já significando “bem, ou conjunto de bens culturais ou naturais, de
valor reconhecido para determinada localidade, região, país, ou para a humanidade,
e que, ao se tornar(em) protegido(s), como, por exemplo, pelo tombamento, deve(m)
ser preservado(s) para o usufruto de todos os cidadãos” (TURAZZI, 2009, p. 30).
A palavra latina patrimonium significava, entre os antigos romanos, tudo o que pertencia ao pai, pater ou pater famílias, pai de família – inclusive a mulher, os filhos e os escr4avos, os animais e os bens móveis e imóveis. A maioria da população, entre os romanos, não era proprietária, logo não possuía patrimonium. O conceito de patrimônio surgiu, portanto, no âmbito privado e no do direito de propriedade, estando intimamente ligado à visão de mundo e aos interesses aristocráticos da elite patriarcal romana. (CASTRO, 2008, p. 11).
O conceito moderno de patrimônio, superando essa associação à privado,
mas associado a um estado nacional, foi desenvolvido na França, no período de
1914 a 1945, período em que “o patrimônio era entendido, acima de tudo, como um
bem material concreto: monumentos, edifícios e objetos considerados como dotados
8 Cultura e civilização são tomadas como sinônimo, muito embora seja a civilização relacionada à vida urbana e a cultura à vida em geral.
de um significativo valor simbólico para a identidade de uma nação”. (CASTRO,
2008, p. 13).
Segundo Carlos A. C. Lemos (2010, p.8-11), o professor francês Hugues de
Varine-Boham, divide o patrimônio cultural em três categorias de elementos:
elementos naturais, como os rios, as matas, as praias; elementos do saber, as
técnicas e artes, que o homem utiliza para sobreviver, como saber cozinhar,
desenhar, transformar, dançar, esculpir; e, bens culturais que surgem a partir dos
outros dois grupos anteriores (do meio ambiente e do saber fazer) que são coisas,
objetos, artefatos e construções. Esses bens culturais podem ser móveis (setoriais e
possíveis de serem colecionados como fotografias, selos, lendas, músicas, festas
populares) e imóveis (edificações como igrejas, residências, fortes, prédios, ruas,
cidades).
Daí se infere que o conceito patrimônio cultural abrange, além da produção
material humana, a produção emocional e intelectual,
Ou seja, tudo o que permite ao homem conhecer a si mesmo e ao mundo que o rodeia pode ser chamado de bem cultural. (...) Existem, na verdade, quatro categorias de bens patrimoniais: os bens naturais, os bens materiais, os bens intelectuais (que são o conjunto do conhecimento humano) e os bens emocionais, em que são inseridas as manifestações folclóricas, religiosas e artísticas de cada povo. (SILVA & SILVA, 2006, p. 325).
Assim como cada povo possui sua cultura, da mesma forma cada povo tem
o seu patrimônio cultural, pois cada povo elege os elementos que possam auxiliá-lo
na criação da própria identidade, razão pela qual tais bens culturais são preservados
em diferentes sociedades.
Segundo Denys Cuche (1999, p. 176), as noções de cultura e identidade,
embora tenham grande ligação, não se confundem, pois a cultura pode existir sem a
consciência da identidade, embora as estratégias de identidade possam chegar a
modificar uma cultura, porém a cultura depende em grande parte de processos
inconscientes. Nessa perspectiva o autor assevera:
Mas a identidade social, não diz respeito unicamente aos indivíduos. Todo grupo é dotado de uma identidade que corresponde à sua definição social, definição que permite situá-lo no conjunto social. A identidade social é ao mesmo tempo inclusão e exclusão: ela
identifica o grupo (são membros do grupo os que são idênticos sob um ponto de vista). Nessa perspectiva, a identidade cultural aparece como uma modalidade de categorização da distinção nós/eles,
baseada na diferença cultural. (CUCHE, 1999, p. 177).
A partir desta noção se compreende a importância do conceito identidade na
relação com o conceito patrimônio, pois o patrimônio cultural poderá contribuir para
desenvolver e fortalecer a identidade de um grupo.
Lugares de memória, enquanto conceito relacionado a cultura e a
patrimônio, remete às noções de memória e de monumento, que é importante
explicitá-las uma após a outra, uma vez que guardam estreita relação.
Segundo o Aurélio, memória vem do latim memória. “S.f. 1. Faculdade de
reter as idéias, impressões e conhecimentos adquiridos anteriormente; Tem boa
memória. 2. Lembrança, reminiscência, recordação: A memória daqueles dias. 4.
Monumento comemorativo.” (FERREIRA, 1993). E a palavra monumento significa,
segundo este mesmo autor: “1. Obra ou construção que se destina a transmitir à
posteridade a memória de fato ou pessoa notável. 2. Edifício majestoso; sepulcro
suntuoso; mausoléu. 4. Qualquer obra notável. 5. Memória, recordação, lembrança.”
(FERREIRA, 1993). Observa-se que memória significa monumento e monumento
significa memória, daí esses dois termos poderem ser sintetizados como lugares de
memória, uma vez que um lugar de memória não necessariamente é um lugar
espacial.
Os conceitos de patrimônio, memória, história e identidade relacionam-se,
segundo François Hartog, ao afirmar:
Passando para o lado da memória, ele [o patrimônio] se torna memória da história e como tal símbolo de identidade. Memória, patrimônio, história, identidade, nação se encontram reunidos na evidência do estilo direto do legislador. Nesta acepção, o patrimônio define menos o que se possui, o que se tem e se circunscreve mais ao que somos, sem sabê-lo, ou mesmo sem ter podido saber. O patrimônio se apresenta então como um convite à anamnese coletiva. Ao “dever” da memória, com a sua recente tradução pública, o remorso, se teria acrescentado alguma coisa como a “ardente obrigação” do patrimônio, com suas exigências de conservação, de reabilitação e de comemoração. (HARTOG, 2006, 266).
Apesar de ter sido fundado no século XIX o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, credita-se a prática preservacionista à primeira metade do século XX,
quando houve a institucionalização de uma política de proteção patrimonial na
esfera do Estado,
notadamente a partir da criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais, de curta duração (1934-1937), e do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em atividade desde 1937 (TURAZZI, 2009, p. 32). A Constituição de 1934, em seu artigo 10, sem fazer referência à palavra patrimônio, estabelecia: “Compete concorrentemente à União e aos Estados (...) proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte”. Três anos mais tarde, o Decreto-Lei 25, de 30 de novembro de 1937, ao regulamentar a proteção aos bens culturais do país, especificava em seu capítulo I, “Do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, Artigo 1°, que “constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. (Idem, p. 33).
Ao conceito memória se liga o conceito monumento, pois, por vezes, este é
tomado como sinônimo daquele e vice versa, o qual Jacques Le Goff define como
sinal do passado e tudo o que pode evocar o passado e perpetuar recordações, e
algo mais: “O monumento tem como características o ligar-se ao poder de
perpetuação voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à
memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são
testemunhos escritos”. (LE GOFF, 2003, p. 526).
Essa compreensão patenteia o monumento como um lugar de memória,
como lugares da memória coletiva tal como expressa Pierre Nora:
Lugares topográficos, como os arquivos, as bibliotecas e os museus; lugares monumentais como os cemitérios ou as arquiteturas; lugares simbólicos como as comemorações, as peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares funcionais como os manuais, as autobiografias ou as associações: estes memoriais têm sua história (grifo nosso). (Apud LE GOFF, 2003, p. 567)
Portanto, os lugares de memória são os lugares onde a memória se
materializa, se cristaliza por falta de meios de memória. “Os lugares de memória
são, antes de tudo, restos” (NORA, 1993, p. 12).
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. É por isso a defesa, pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. (NORA, 1993, p. 12).
Memória e história se diferenciam e se opõe, pois a memória é emoção e a
história é reflexão, quando a história inicia a memória termina9.
Tudo o que é chamado hoje de memória não é, portanto, memória, mas já história. Tudo o que é chamado de clarão de memória é a finalização de seu desaparecimento no fogo da história. A necessidade de memória é uma necessidade de história. (Idem, p. 14)
9 “Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória
é a vida, sempre carregada por vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o qual quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem, que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo. “... A memória é sempre suspeita para a história, cuja verdadeira missão é destruí-la e a repelir. A história é deslegitimação do passado vivido.” NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 8-28, dez. 1993.
[...] Hoje onde os historiadores se desprenderam do culto documental, toda a sociedade vive na religião conservadora e no produtivismo arquivístico. O que nós chamamos de memória é, de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar. A ‘memória de papel’ da qual falava Leibniz tornou-se uma instituição autônoma de museus, bibliotecas depósitos, centros de documentação, bancos de dados. [...] Nenhuma época foi tão valuntariamente produtora de arquivos como a nossa, não somente pelo volume que a sociedade moderna espontaneamente produz, não somente pelo volume que a sociedade moderna espontaneamente produz, não somente pelos meios técnicos de reprodução e de conservação de que dispõe, mas pela superstição e pelo respeito ao vestígio. À medida em que desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados a acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens, sinais visíveis do que foi, como se esse dossiê cada vez mais prolífero devesse se tornar prova em não se sabe que tribunal da história. (Idem, p. 15)
3 PRÉDIOS, MATERIAIS, DOCUMENTOS E MONUMENTOS NA UEMA
A Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) teve sua origem na Federação das Escolas superiores do Maranhão (FESM). A FESM criada pela Lei Estadual 3.260, de 22 de agosto de 1972, para coordenar e integrar os estabelecimentos isolados do sistema educacional superior do Maranhão. Constituída inicialmente de quatro unidades de ensino superior – Escola de Administração, Escola de Engenharia, Escola de Agronomia e Faculdade de Educação de Caxias, a FESM incorporou a Escola de Medicina Veterinária em 1975 e a Faculdade de Educação de Imperatriz em 1979. A FESM foi transformada em Universidade Estadual do Maranhão pela Lei 4.400 de 30 de dezembro de 1981. (PIRES, 1995, p. 22 ).
Ilustração 1 – Marco de fundação da Cidade Universitária Paulo VI em 1978.
.
Há um visível estado de
abandono do monumento à
fundação da UEMA.
O campus10 da UEMA em
São Luís - MA possui um conjunto
prédios, em sua maioria de um
só pavimento, distanciados
10 “Campus (campi, no plural) é a palavra latina que deu origem ao termo português campo. Geralmente é
sinónimo de "polo", e refere-se a um local onde uma instituição ou conjunto de instituições, de ensino ou de
investigação científica ou tecnológica, tem uma parte ou a totalidade dos seus serviços, nomeadamente salas
de aula e laboratórios. Quando se refere a um estabelecimento de ensino, campus pode ser sinónimo de
cidade universitária ou polo universitário, principalmente se as dimensões forem consideráveis”. Disponível
em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Campus. Acesso em: 25.02.2015.
Fonte: Autor, 2014.
entre si e sem nenhum traço arquitetônico em destaque, mas reunidos num mesmo
espaço geográfico, o qual foi oficialmente denominado Cidade Universitária Paulo
VI, em 1978, quando da visita do Presidente da República, Ernesto Geisel, às suas
obras. (Ilustração 1).
Portanto, a Cidade Universitária Paulo VI é uma construção recente que vem
sofrendo transformações ao longo dos anos, a cada gestão, haja vista que até 1993
só abrigava os cursos de Administração, Engenharia Mecânica, Agronomia e
Medicina Veterinária, mas que a partir de 1993 passou a abrigar cursos de
licenciatura em todas as áreas, mais os cursos de Arquitetura e Urbanismo (1993) e
de Direito (2008). Mas nesse espaço geográfico funcionava uma fazenda que servia
de campo de aplicação à Escola de Agronomia, e à Escola de Medicina Veterinária.
Ilustração 2 – Foto de satélite da Cidade Universitária Paulo VI da UEMA em São Luís-MA.
Fonte: Google Eart, 2015.
O pórtico de entrada do campus da UEMA até a década de 1980, passa a
ideia de um espaço fechado, de circulação controlado, enquanto o da década de
1990 passa a ideia de um espaço aberto, de livre circulação. Mas a substituição de
Ilustração 3 – Entrada da Cidade Universitária Paulo VI, a partir de 1998.
Ilustração 4 – Entrada da Cidade Universitária até final da década de 1980.
Fonte: Acervo do DCE do CESC/UEMA, 2010.
um pórtico por outro denota tentativa de provocação de esquecimento de um
passado que alguém que construiu o monumento julgou menos glorioso.
Tal como está visualizado na ilustração de 3, os prédios da Cidade
Universitária Paulo VI ficam distantes uns dos outros, tornando muito cansativa a
tentativa de resolver problemas burocráticos nas repartições da UEMA. Então, para
facilitar a locomoção de docentes e discentes no campus, até o início da década de
1980, havia um movimento permanente de “vai e vem” do “Bondinho da UEMA”,
transportando professores,
administrativos e alunos.
Fonte: Autor, 2014.
É tudo por um sonho azul que fora concreto, decrépito, comovido, Elétrico Trap, trep, trep, trap... vem de lá para cá num vai e vem Era um encanto, tremendo balanço esse Trem. Re re, ptché, trep, trap, ptché re re… O que era doce acabou E o encanto se finou E num canto ali ficou …e tudo a minha mente imaginou. O bondinho adormecido, sonha a pesadelos dos homens que o exterminaram à tintas para o descaso de mais 1 (um), mais 1000 (mil) já contados casos trapa, trep, trap,... Barulha a engrenagem, toda vida na UEMA amassando a verdade e o belo amassando o saber amassando o futuro, os projetos No Paulo VI, tudo mal, malacabado estirpado, aconchavado, desviado ... e nesses trilhos o bondinho ainda anda, corre e não se cansa.
Fonte: Google, 2015.
Trap, trep, trep, tché, trap,... Num vai e não vêm Só desvios de bens Tira daqui, tira dacolá Tem um bocaco, passa prá cá. ... e nesses trilhos o Trem continua e vai atrás, que tem muito mais, Trem Brasil, trem central, Trem capitalista, trem monopolista, Trem cargueiro de humanos! E tudo para pranto calado o bondinho está lá, jogado fora de si, fora de rota, está fora de todo o caos, fora de tudo! ... e os estudantes, tem sido mais 1,2 e mais vezes acomodados humilhados E trap, trep, trep, trap, ptché,... E a “UEMA” tem andado muito, muito MARCHA A RÉ.
Lustração 5 – O bondinho da UEMA em 1980
O BONDINHO DA UEMA Agostinho Neto, 1989
Do bonde nada mais resta. Os demais materiais, que poderiam se constituir
em peças do museu da UEMA, amontoam-se no prédio da prefeitura do campus.
Possivelmente essa placa se constitua num dos documentos mais antigos
alusivos à criação das escolas superiores isoladas, enquanto embriões da UEMA. E
dada a sua importância se constituem num documento histórico sobre os
fundamentos históricos da UEMA.
Ao longo dos anos os prédios da Cidade Universitária Paulo VI têm sofrido
modificações na perspectiva de uma maior funcionalidade. Mas chama a atenção a
quantidade de placas alusivas a reformas e inaugurações, como se cada prédio se
constituísse num monumento erigido com finalidade de perpetuar a memória pessoal
de quem detinha o poder naquele momento.
Em 2010, na gestão do reitor Prof. José Augusto Silva Oliveira, o CONSUN
(Conselho Universitário) baixou uma resolução determinando que todos os diretores
de curso, chefes de departamentos e coordenadores de centro enviassem todos os
Fonte: Solte a Voz, 1989. Acervo do DCE/CESC/UEMA, 2010.
Ilustração 6 – Placa comemorativa da criação e instalação da Escola de engenharia do Maranhão.
Fonte: Acervo do DCE do CESC/UEMA,
2010.
documentos antigos para a Biblioteca Central da UEMA, os quais seriam
catalogados e colocados à disposição para consulta pública. Porém, na tentativa de
obter documentos para proceder à pesquisa em vista da construção de “Uma
história do processo de constituição e consolidação da UEMA na perspectiva das
relações de poder (1972-1994)”, esses documentos não foram encontrados na
Biblioteca Central, mas no prédio do curso de História no “Reviver”, os quais ainda
não receberam tratamento arquivístico algum.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Universidade Estadual do Maranhão, hoje expandida em 23 campi no
território estadual é um patrimônio cultural, pois se constitui num “Conjunto
determinado de bens tangíveis, intangíveis e naturais envolvendo saberes e práticas
sociais, a que se atribui determinados valores e desejos de transmissão de um
tempo para outro tempo, ou de uma geração para outra geração”. (CHAGAS, 2013).
Exemplificando com a Cidade Universitária Paulo VI, podemos dizer: os
prédios e materiais que a compõem são os bens tangíveis; os saberes nela
produzidos e reproduzidos, bem como os valores e crenças veiculados constituem
os bens intangíveis; e o espaço geográfico, com seus bosques e campos
preservados, são os bens naturais.
Ainda está se construindo o patrimônio da UEMA. Ano a ano ela vai sendo
expandida e suas instalações vão se modificando. Documentos e mais documentos
são produzidos e envelhecidos. Mas verifica-se que a consciência de preservação
do seu patrimônio cultural ainda é muito incipiente, haja vista que ainda não houve
uma preocupação priorizar a profissionalização de um arquivo da UEMA, nem uma
preocupação por musealizar os materiais utilizados ao longo dos seus mais de 40
anos, a exemplo do bondinho.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Celso. Pesquisando em arquivos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
CHAGAS, Mário. Cultura, patrimônio e memória. Revista Museu, do clube de Idéias comunicação e Sistemas Ltda, Rio de Janeiro – RJ. Maio de 2013. Disponível em: http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=5986 Acesso em: 29/12/2014. CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução de Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC, 1999, p. 19. EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. 2. ed. São Paulo: EDUNESP, 2005. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. e 23ª reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,[1993], p. 1282). HARTOG, François. Tempo e patrimônio. Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 22, n. 36, p.261-273, jul/dez 2006. LE GOFF, Jacques. História e memória. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. 2. ed. ver. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2010. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 8-28, dez. 1993. PIRES, César Henrique Santos. Uma universidade para o Maranhão. São luís-MA, 1995. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2006. TURAZZI, Maria Inez. Iconografia e patrimônio. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2009.