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Anais do II Simpósio Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina , 18 e 19 de agosto de 2011. GT1 Gênero e Políticas Públicas Coordenadora Elaine Ferreira Galvão. A Violência no Contexto do Adolescente Autor de Ato Infracional e Sua Análise Sob a Perspectiva de Gênero Flávia Laura Soares * Teone Maria Rios de Souza Rodrigues Assunção ** RESUMO: O presente trabalho aborda a temática da violência entendida aqui enquanto um fenômeno social praticado por adolescentes em conflito com a lei que cumpriram medida socioeducativa de internação no município de Paranavaí, no período de julho de 2009 a julho de 2010. Frente aos ideais do ter como aporte seguro à felicidade e a auto-afirmação pessoal como social pretende-se discutir o envolvimento do adolescente que, ao ver-se diretamente ligado aos padrões capitalistas de consumo e responsabilidade individual, acaba por engendrar o mundo da criminalidade, a partir da perspectiva imposta pela sociedade capitalista na atualidade.Os dados coletados foram cedidos pela Vara da Infância e Juventude e da Família 42ª Seção Judiciária do município de Paranavaí ao Projeto de Pesquisa, que se encontra em andamento, o Mapeamento da Criminalidade e das Condições Objetivas de Trabalho para Adolescentes da Região da AMUNPAR Região Noroeste do Paraná. Projeto vinculado à Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná. Será dado enfoque à prática do ato infracional sob a perspectiva de genêro enquanto problemática de nossa sociedade contemporânea. Discorrerá sobre o levantamento do perfil dos adolescentes privados de liberdade quanto ao número e sexo, idade, tipo de infração cometida, número de reincidência na prática do ato infracional. PALAVRAS-CHAVE: violência e ato infracional, sociedade do consumo, perfil dos adolescentes na perspectiva de genêro. * Acadêmica do curso de Serviço Social da Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí - FAFIPA. Bolsista do Projeto de Pesquisa Mapeamento da Criminalidade e das Condições Objetivas de Trabalho Para Adolescentes dos Municípios da AMUNPAR - Região Noroeste do Paraná”. E-mail: [email protected]. ** Orientadora desse trabalho. Docente do Departamento de Serviço Social da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí. Coordenadora do Projeto de Pesquisa “Mapeamento da Criminalidade e das Condições Objetivas de Trabalho Para Adolescentes dos Municípios da AMUNPAR - Região Noroeste do Paraná”. E-mail: [email protected].

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Anais do II Simpósio Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina , 18 e 19 de agosto de 2011.

GT1 – Gênero e Políticas Públicas – Coordenadora Elaine Ferreira Galvão.

A Violência no Contexto do Adolescente Autor de Ato Infracional e Sua Análise Sob a

Perspectiva de Gênero

Flávia Laura Soares*

Teone Maria Rios de Souza Rodrigues Assunção**

RESUMO: O presente trabalho aborda a temática da violência entendida aqui enquanto um fenômeno

social praticado por adolescentes em conflito com a lei que cumpriram medida socioeducativa

de internação no município de Paranavaí, no período de julho de 2009 a julho de 2010. Frente

aos ideais do ter como aporte seguro à felicidade e a auto-afirmação pessoal como social

pretende-se discutir o envolvimento do adolescente que, ao ver-se diretamente ligado aos

padrões capitalistas de consumo e responsabilidade individual, acaba por engendrar o mundo

da criminalidade, a partir da perspectiva imposta pela sociedade capitalista na atualidade.Os

dados coletados foram cedidos pela Vara da Infância e Juventude e da Família 42ª Seção

Judiciária do município de Paranavaí ao Projeto de Pesquisa, que se encontra em andamento,

o Mapeamento da Criminalidade e das Condições Objetivas de Trabalho para Adolescentes

da Região da AMUNPAR – Região Noroeste do Paraná. Projeto vinculado à Fundação

Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná. Será dado

enfoque à prática do ato infracional sob a perspectiva de genêro enquanto problemática de

nossa sociedade contemporânea. Discorrerá sobre o levantamento do perfil dos adolescentes

privados de liberdade quanto ao número e sexo, idade, tipo de infração cometida, número de

reincidência na prática do ato infracional.

PALAVRAS-CHAVE: violência e ato infracional, sociedade do consumo, perfil dos

adolescentes na perspectiva de genêro.

* Acadêmica do curso de Serviço Social da Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí -

FAFIPA. Bolsista do Projeto de Pesquisa “Mapeamento da Criminalidade e das Condições Objetivas de

Trabalho Para Adolescentes dos Municípios da AMUNPAR - Região Noroeste do Paraná”. E-mail:

[email protected]. **

Orientadora desse trabalho. Docente do Departamento de Serviço Social da Faculdade Estadual de Educação,

Ciências e Letras de Paranavaí. Coordenadora do Projeto de Pesquisa “Mapeamento da Criminalidade e das

Condições Objetivas de Trabalho Para Adolescentes dos Municípios da AMUNPAR - Região Noroeste do

Paraná”. E-mail: [email protected].

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1. Introdução

Esse artigo constitui-se resultado de uma pesquisa de Iniciação Cientifica –

PIBIC, da Fundação de Apoio à FAFIPA, vinculada ao Núcleo de Pesquisa de Ciências

Humanas e Sociais do Curso de Serviço Social da Faculdade Estadual de Educação, Ciências

e Letras de Paranavaí – FAFIPA.

No ano de 2009 iniciaram-se as atividades do Projeto de Pesquisa com o

objetivo de mapear a criminalidade e as condições objetivas de trabalho dos adolescentes em

cumprimento de medida socioeducativa de internação, realizada por meio de pesquisa

documental junto aos órgãos responsáveis pela apreensão na região da AMUNPAR, Noroeste

Paranaense, no período de julho de 2009 a julho de 2010.

Em um primeiro momento buscou-se a capacitação teórica dos profissionais

e estagiários em torno da temática “adolescente em conflito com a lei”.

Os dados concernentes a esta pesquisa referem-se a informações obtidas

sobre o município de Paranavaí pela Vara da Infância e Juventude e da Família 42ª Seção

Judiciária do município de Paranavaí ao Projeto de Pesquisa.

Discorrerá sobre o perfil dos adolescentes autores de ato infracional que

receberam a medida socioeducativa de internação e versará sobre a prática do ato infracional a

partir do olhar sob a perspectiva de gênero embasada na sociedade capitalista atual.

Ao se propor discutir a violência em nossa sociedade seja no contexto de

realidades urbanas como em localidades tidas de menor grau populacional implica situá-la a

partir da identificação dos jovens com este fenômeno em que, no âmbito das políticas públicas

para a juventude, diagnósticos apontam para a tendência dessas ações circularem

principalmente, entre os que se encontram em conflito com a lei, como intervém SPOSITO

(2003). Situação que reforça a prática desta vertente dentre a população jovem,

especificamente sob o segmento masculino.

A prática da violência no contexto social mundial apresenta na atualidade

características de uma sociedade excludente e desigual que na era do capitalismo globalizado

tem se mostrado incapaz de incluir as classes sociais menos favorecidas do ponto de vista

econômico em condições de acesso aos bens e riqueza produzidos socialmente.

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No Brasil, crianças e adolescentes estão expostos a estes fatores, e, como

não poderia deixar de acontecer o fenômeno da violência atinge também a esta população,

fazendo-os ora por vítimas ora por protagonistas de tal violência.

A vida do adolescente encontra-se diretamente ligada aos padrões

capitalistas, aos ideais do ter como aporte seguro à felicidade e a auto-afirmação. Ávidos por

uma resposta a esta inquietação que lhes chega a todo o momento como o apelo midiático e

do prazer condicionado pelo possuir, estes podem encontrar como saída a prática da violência,

fazendo-se por agredidos ou agressores neste processo.

Tal cenário apresenta-se de grande fragilidade onde o adolescente se

desenvolve mediante as oportunidades que lhe são oferecidas. No desequilíbrio fomentado

pelas necessidades materiais e as oportunidades oferecidas pelo Estado, sociedade e mercado

ampliam-se as situações de vulnerabilidade social (ABRAMOWAY, 2002), e, exige-se dos

jovens e seus familiares, respostas para as quais nem sempre tem condições de encontrar.

Portanto procurar desvendar a realidade social em que vive o adolescente

envolvido com ato infracional, pressupõe dar subsídio para a interferência nas políticas

públicas e implementação de ações que busquem privilegiar a prevenção bem como atestar a

garantia de direitos, que deve ser desenvolvida antes do envolvimento do adolescente com a

prática da criminalidade.

2. Desenvolvimento

2.1. Discussão da criminalidade na perspectiva de gênero

Para situar a identificação das relações de gênero aqui discutida e a forma

como esta é compreendida na atualidade requer que se busque uma compreensão deste

fenômeno na sociedade contemporânea.

O Instituto Patrícia Galvão (2004, p.27) ao relatar sobre gênero, destaca que

esse:

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Pode ser entendido como uma construção sociocultural do masculino e do feminino,

a socialização da masculinidade e da feminilidade dominantes. Em termos práticos,

são os papéis ensinados às meninas e mulheres e aos meninos e homens. Esses

papéis não são biológicos, mas resultados da socialização. São construções sociais,

as chamadas „características masculinas‟: agressividade, iniciativa, comando,

fortaleza, bem como as chamadas „características femininas‟ contrapostas:

passividade, não-iniciativa, obediência, fraqueza. Quando falamos em „relações de

gênero‟ estamos falando de relações entre esses papéis e características. O conceito é

também uma categoria de análise das relações entre mulheres e homens. A

expressão violência de gênero compreende violências baseadas em estereótipos e

preconceitos. Apesar de predominantemente contra as mulheres, ela também atinge os homens.

Os papéis e relações de gênero assumidos afirmam-se por construções

sócio-culturais onde homens e mulheres são chamados a identificarem-se com certos

comportamentos e atitudes como que reveladoras de suas personalidades perante posturas

assimiladas segundo características próprias das sociedades, para além de diferenças

biológicas entre os sexos.

São as características que variam através da história e se referem aos papéis

psicológicos e culturais que a sociedade atribui a cada um do que considera “masculino” ou

“feminino”.

Faria & Nobre (1997, p.9-10) argumentam que as pessoas nascem, são

criadas e educadas segundo a imposição do que a sociedade estabelece como papéis

específicos a serem assumidos pelo homem e pela mulher. A educação diferenciada recebida

pelas crianças por parte dos adultos denota o que deve ser encarado como sendo menina e

menino. As brincadeiras giram em torno de atividades correspondentes a aventura, à liberdade

e à independência para os meninos como brincadeira de bola e caminhãozinho e, para as

meninas são reservadas atividades que promovam a preparação para o mundo doméstico e

para o cuidado, como as brincadeiras de boneca e fogãozinho, sendo reforçadas formas

distintas de vestir e de comportar-se, “em que os papéis dos personagens homens e mulheres

são sempre muito diferentes”.

Assim, as atribuições desempenhadas pelo homem e pela mulher no meio

social vão se desenvolver pautados pela lógica dessa construção sócio-cultural estabelecida

pelas relações de gênero. Em que cabe à mulher muito comumente assumir um papel de

submissão, dependência quando se faz psicologicamente afetiva e dependente do sexo

masculino, devendo-se voltar à esfera da vida privada e à educação dos filhos. Ao homem

cabe neste sentido desenvolver-se para o mundo dos negócios, destacando-se pela afirmação,

sucesso, agressividade, competitividade e independência tanto pessoal como afetiva. Ambas

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as relações são pautadas pela divisão sexual do trabalho. Faria & Nobre (1997, p.12-13)

apontam serem:

As relações de gênero sustentadas e estruturadas por uma rígida divisão sexual do

trabalho. O papel masculino idealizado é responsável pela subsistência econômica

da família e a isso corresponde designar o trabalho de homem na produção. A

atribuição do trabalho doméstico designa as mulheres para o trabalho na reprodução:

ter filhos criá-los, cuidar da sobrevivência de todos no cotidiano. No caso das

mulheres, a tentativa é sempre de considerar o trabalho realizado fora da casa como

uma extensão do seu papel de mãe.

Para este autor as mulheres acabam por se dedicarem mais a atividades tidas

por femininas, como o serviço no âmbito doméstico, professoras (principalmente do Ensino

Fundamental), assistentes sociais. Como os homens são considerados os provedores do

sustento da família, o trabalho profissional das mulheres é tido, na maioria das culturas, como

complementar às suas “responsabilidades” domésticas. Quando os salários femininos,

geralmente, são menores dos que os masculinos, já que o que elas “ganhariam” é tido como

“suplementar”, complementar à sua função primordial.

Ganha realce na atualidade a violência praticada na perspectiva de gênero

como uma das facetas da criminalidade social praticada pelo sexo masculino que atinge

comumente mulheres, crianças, adolescentes e outros grupos sociais minoritários,

desencadeando múltiplas formas de violência. A sociedade, cujo aparelho ideológico de

reprodução especificadamente a mídia vão exercer papel crucial ao determinar

comportamentos agressivos pelos homens como fonte de poder, de dominação e virilidade e

papéis dóceis e submissos à mulher, enquanto sexo frágil e dependente, impotente perante a

supremacia masculina.

No âmbito da juventude, notadamente do sexo masculino, ainda que esteja

em período de desenvolvimento e afirmação de valores e de reconhecimento há reprodução da

identificação com a violência. Quando são reforçadas postura de cobrança excessiva por parte

dos amigos, família, escola em demonstrar força, virilidade agressividade como constituintes

do ser homem muitas das vezes para sua aceitação nos grupos, o que desencadeia atitudes

violentas, ao que pressupõe prejuízo ao seu desenvolvimento e afirmação enquanto ser em

construção de sua identidade pessoal como social.

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2.2. A prática do ato infracional e a medida socioeducativa de internação

No mundo globalizado† os adolescentes e jovens são extremamente afetados

seja pela situação de sofrerem violências ou por violentarem outrem. Tal agressão ganha

visibilidade da sociedade na medida em que os meios de comunicação em massa

constantemente aplicam a associação da juventude pobre urbana à violência. Conforme atesta

Coimbra (2001, p.03) ”a mídia organiza os diversos fluxos de acontecimento pela via do

espetáculo, das formas dramáticas e sensacionalistas, produzindo as identidades, as simpatias,

os prós e os contras”.

A sociedade contemporânea centrada no consumo enquanto possibilidade de

satisfação do prazer e felicidade imediata dá-se pela ótica da responsabilidade individual, por

meio da sedução do mercado e seus prazeres de forma que se tem aí a ampliação do espaço

para a criminalidade como assegura BAUMAM, (1998, p 55), em que “a sedução do mercado

é, simultaneamente a grande igualadora e a grande divisora”.

Há por parte da sociedade em sua reprodução atual a tendência à

naturalização da violência. Ao ver nela manifesta a criminalidade, não a percebe como fruto

desta própria sociedade que não apresenta condições de tornar a todos partícipes da riqueza

social que produz.

Aliado a isto se sobressai as novas exigências da competitividade e

concorrência numa sociedade em que não há mais lugar para todos nos espaços competitivos

do mercado de trabalho, uma vez em que a sociedade investe no reforço dos ditames do

Neoliberalismo vigente, momento em que se abre um campo fértil e propício às intenções

aliadas às necessidades criminosas e à violência.

Apresenta-se, igualmente, a sedução do mercado aliada à incapacidade de

uma resposta baseada no consumo, ao tornar oportuno que se tenha aí a ampliação do espaço

para a criminalidade entre os adolescentes que se pretende aplicar a análise. Como assegura

Galeano (1999, p.19/20), ao relacionar a adolescência e as relações da sociedade com a

exclusão social: “a sociedade de consumo os insulta oferecendo o que nega (...) e sacraliza a

ordem ao mesmo tempo em que gera a desordem”.

† Chesnais (1996, p. 335) prefere usar a terminologia de mundialização do capital à de globalização. Para o

autor, globalização tem a idade do capitalismo, e nessas metamorfoses das relações capital/trabalho ocorreram

mudanças significativas na forma e na gestão dos meios de gerenciamento da força de trabalho. Nessa fase

continua-se a extrair os excedentes e a propriedade continua privada, não mudando o modo de produção

capitalista.

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Deste modo insere-se a medida socioeducativa restritiva de liberdade, a

internação uma vez que esta enseja, para além de seu cunho punitivo, um caráter pedagógico

de acesso aos direitos vinculados à proteção e à cidadania. Faz-se justificável enquanto

possibilidade educadora e deve encerrar uma metodologia emancipadora àquele que o

praticou.

O pensamento dominante sobre a criança e o adolescente possui principalmente

natureza jurídica. No entanto, a criança e o adolescente não devem ser vistos só

juridicamente, mas, acima de tudo, pedagogicamente; não no sentido penal e sim no

sentido educacional (VIEIRA, 1997,p.14).

Os princípios e as diretrizes da socioeducação perpassam a perspectiva da

humanização e do acesso à rede de serviços de bem-estar pessoal e social, com vistas a

preparar o adolescente autor de ato infracional ao convívio harmonioso na sociedade e à

oportunidade de se refazer perante esta.

Dá-se como oportunidade em que possa interferir positivamente neste

processo, a fim de resguardar as condições de desenvolvimento do adolescente de forma

saudável, fundamentada no princípio da proteção integral, preconizada pela Constituição

Federal em 1988 e dois anos após pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nela agregam-se o próprio adolescente, sua família e a comunidade de

entorno o que pressupõe planejamento, ação e avaliação das ações. Ao adolescente deve ser

deixado claro que esse processo não é aleatório à sua pessoa, mas decorre de uma ação “com

eles” e não “para eles”. O pressuposto de que se deva partir encerra que o objeto de punição

não é o adolescente, mas a infração que ele cometeu. Sua dignidade humana deve ser sempre

preservada propiciando o desenvolvimento de hábitos, atitudes e comportamentos e à

aquisição de novos e significativos valores para a formação da sua identidade pessoal e social.

A medida aqui exposta traz consigo três princípios, quais sejam a

excepcionalidade, em que deve ser aplicada somente como alternativa última; a brevidade que

deve ser em um menor tempo possível e o do respeito à condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento, que implica em reconhecer o indivíduo como sujeito em formação.

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3. Análise dos dados coletados no município de Paranavaí dos adolescentes em

cumprimento de medida socioeducativa de internação

A pesquisa realizada apresenta-se por documental em que os dados

utilizados para a discussão neste artigo referem-se ao período de julho de 2009 a julho de

2010 e foram coletados pela Vara da Infância e Juventude e da Família 42ª Seção Judiciária

do município de Paranavaí.

O período de abrangência desta pesquisa detectou em uma amostragem de

33 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação em que 99% eram

do sexo masculino e 01% eram do sexo feminino.

Figura 1

Adolescentes Privados de Liberdade Segundo Gênero

As questões que permeiam o mundo do envolvimento de adolescentes

relacionados à criminalidade conjugam-se pelas relações socioculturais estabelecidas

historicamente e no âmbito das relações de gênero estas se reproduzem em conformidade às

prerrogativas já analisadas neste estudo.

Como infere esta análise, aos homens, não raras vezes, são cobrados valores

e posturas ligados à virilidade, à responsabilidade pelo sustento da família e até mesmo

atitude de agressividade ligada à representação de masculinidade, reconhecimento pessoal e

identificação com o meio social em seu processo de socialização.

0

5

10

15

20

25

30

35

sexo

masculino

32

sexo

feminino 01

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Figura 2

Tipo de Infração Cometida

Os tipos de infrações conforme o Código Penal Brasileiro entendidos por

ilícitos configuram-se por crimes praticados contra o patrimônio – furto qualificado e roubo -;

infrações contra as pessoas – tentativa de homicídio e homicídio; infração de trafico ilícito de

drogas; extorsão - infração contra o patrimônio e a pessoa –.

O alto percentual atribuído aos atos ilícitos concentra-se na prática contra o

patrimônio, o que somam 67%.

De modo que a sociedade atual vê nela manifesta a criminalidade ao passo

que esta se torna produto da sociedade de consumidores, uma vez que, o adolescente, ao

buscar sua satisfação pessoal como social, vê frente à possibilidade de consumo, uma forma

de obtenção da conquista de valor, bem como lugar de reconhecimento social.

A tônica consumista enfatizada pela sociedade torna o adolescente ávido

pelo consumo e por ideais dominantes de satisfação de prazeres a serem obtidos facilmente.

O adolescente que possui o mesmo sentimento de consumo e vive em

situação de vulnerabilidade social ou de exclusão, pode ir buscar no crime a forma de

conseguir o bem desejado.

Neste sentido, considerando que o período da adolescência é marcado pela

busca do reconhecimento pessoal e valorização enquanto sujeito, esses elementos constituem

o processo de construção de sua identidade social.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18Roubo 18

Furto

Qualificado 04

Tentativa de

Homicídio 03

Homicídio 04

Tráfico de

Drogas 03

Extorsão 01

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Figura 3

Idade dos Adolescentes Privados de Liberdade

0

5

10

15

20

25

17 a 25

16 a 04

15 a 02

14 a 02

Denota-se que entre os adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa de internação no período mencionado a predominância além do sexo

masculino, concentra-se na faixa etária entre os quatorze aos dezessete anos, com uma prática

elevada dentre os dezessete anos, aliadas ao alto índice de evasão e desistência escolar no

período.

Figura 4

Reincidentes

0

5

10

15

20

25

30

Na prática de

ato

infracional

28

Na medida

de

internação

05

Denota-se sobremaneira por esta pesquisa o alto número de reincidência na

prática de atos infracionais pelos adolescentes como se pode corroborar dos processos

judiciais.

O crescente aumento dos índices do envolvimento de adolescentes com a

criminalidade justifica-se frente ao acirramento da desigualdade social como da ausência de

políticas públicas que atendam às necessidades materiais e simbólicas dos adolescentes como

de suas famílias. O que pode condicionar, na ausência de condições objetivas de

desenvolvimento e emancipação, o espaço no qual se manifesta o crime em um espaço de

socialização.

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4. Considerações Finais

Ao mapear a criminalidade entre adolescentes no município de Paranavaí

sob o prisma das relações de gênero ficou evidente que este envolvimento encontra-se

relacionado às relações construídas historicamente incorporadas pelo meio social, em que a

maior ocorrência constatada se encontra no sexo masculino com 97% enquanto o sexo

feminino o percentual é de 0,03 %.

O cometimento como a reincidência na prática do ato infracional e,

portanto, da violência, vislumbra índices elevados a partir das construções baseadas em

relações de gênero e de comportamentos pré-ditados pela sociedade e pelos seus meios

propagadores de opinião enquanto valores concernentes à afirmação da masculinidade e do

reconhecimento perante esta sociedade. Valores ligados a uma cidadania atrelada a ideais

baseados no consumo e na superficialidade.

VOLPI (2002) traz à tona o desafio de se tentar “desconstruir um mito que

existe sobre a adolescência no país - o mito da adolescência problema” – quando apresenta

que tal fase da vida coloca-se “como uma grande oportunidade de aprendizagem, socialização

e desenvolvimento”. Somente por meio desta desconstrução como afirma o Estado bem como

“as políticas públicas podem começar a oferecer melhores oportunidades para os adolescentes

nesta fase específica da vida”.

As relações e identificações de gênero demonstram persistirem na sociedade

contemporânea padrões construídos que ditam comportamentos esperados de homens e

mulheres quando, são projetadas expectativas que tendem a moldar e modelar os

comportamentos e as atitudes baseadas em relações de superioridade e agressividade ao

homem e à mulher, pelo realce da submissão e pacificidade perante o sexo masculino.

A primazia da responsabilidade do Estado e da sociedade em garantir, em

caráter prioritário o pleno desenvolvimento dos adolescentes assume consistência com a

promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 e do Sistema Nacional de

Atendimento Sócio-Educativo em 2006, por uma adequação dos serviços pautado no

atendimento socioeducativo, que busca oportunizar aos adolescentes possibilidades de

assumirem um projeto de vida pessoal e social comprometido com os ideais de uma sociedade

que luta pela justiça social, como promover por meio das políticas sociais públicas o acesso

aos bens e serviços pela sociedade produzidos.

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O trabalho socioeducativo no âmbito das representações e identidades de

gênero deve contribuir com a percepção de novas perspectivas e visão de mundo, que permita

a reflexão de seu histórico de vida e da sua realidade social, cujas relações de gênero, frutos

de uma construção sociocultural, precisam sofrer uma desconstrução social a partir de

propostas que visem a relações mais igualitárias, pautadas no respeito e na diferenciação

criativa pela perspectiva da diversidade no conjunto das experiências vivenciadas pelo ser homem e

ser mulher na busca por um crescimento mais totalizante.

REFERÊNCIAS:

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GT1 – Gênero e Políticas Públicas – Coordenadora Elaine Ferreira Galvão.

ABRAMOVAY, M. et al. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América

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