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    Revista Brasileira de Ensino de Fsica, v. 28, n. 1, p. 23 - 33, (2006)www.sbfisica.org.br

    Transicoes de fase sem termodinamica(Phase transitions without thermodynamics)

    Adriana G. Dickman1, Ronald Dickman2 e Fabrcio Almeida Barbosa1

    1Departamento de Fsica e Qumica, Pontif cia Universidade Catolica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil2Departamento de Fsica, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

    Recebido em 22/8/2005; Aceito em 2/12/2005

    As aplicacoes de transicoes de fase vao muito alem do contexto da termodinamica de equilbrio, de ondesurgiu. Nos revisamos um dos principais exemplos de uma transicao de fase em um sistema sem termodinamica,o processo de contato (PC), com enfase no metodo de campo medio. Apresentamos um estudo de campo medioaplicado a um modelo para a transmissao da malaria em uma populacao. Discutimos tambem as novas aborda-gens da distribuicao quase-estacionaria e o processo de contato conservativo.Palavras-chave: transicoes de fase, processo de contato, aproximacao de campo medio, malaria.

    Phase transitions find application well beyond the context of equilibrium thermodynamics, where they arose.We review one of the prime examples of a phase transition in a system lacking thermodynamics, the contactprocess (PC), emphasizing mean-field theory methods. We also present mean-field results for a model of trans-mission of malaria in a population, and discuss the new approaches of quasi-stationary distributions, and theconserved contact process.Keywords: phase transitions, contact process, mean-field approximation, malaria.

    1. Introducao

    No nosso dia a dia nos deparamos com quest oes que

    pensamos serem raramente abordadas por modeloscientficos. Sera que ja foi investigado o porque de sermuito mais comum ficar gripado no inverno do que noverao? Sera que fatores como maior agrupamento depessoas dentro de casa, escritorio com janelas fechadasseriam relevantes para esta questao? Sera que existe al-gum modelo matematico que possa ajudar a esclarecerfatos como estes?

    O espalhamento de doencas epidemicas e um dosproblemas mais importantes da ciencia medica. O nu-mero de pessoas contaminadas pela AIDS aumenta acada dia, e muitas outras doencas como a malariae a influenza ainda fazem um numero substancial devtimas. Em epidemiologia estudo cientfico da ocor-rencia, transmissao e controle da doenca, modelosmatematicos sao importantes para quantificar padroesde espalhamento da doenca e compreender o processode transmissao.

    Neste trabalho procuramos entender um pouco maissobre o processo de espalhamento de uma epidemia,empregando ferramentas de fsica teorica. Esta dis-cussao mostra que as ideias de mecanica estatstica temaplicacao muito alem do contexto termodinamico, onde

    nasceu. Para tal utilizamos o processo de contato, in-troduzido por Harris [1, 2] como um modelo simplespara epidemias e um modelo para a transmissao da

    malaria.

    Modelos como estes sao importantes na area defsica estatstica, que procura entender os fenomenosrelacionados com sistemas de muitas entidades in-teragentes. Nas decadas passadas, teorias gerais detransicoes de fases e de fenomenos crticos foram desen-volvidas, unificando a compreensao de transicoes gas-lquido, transicoes magneticas, cristais lquidos e ou-tros sistemas [3, 4, 5]. Esta grande atividade no es-tudo de transicoes de fases em sistemas termodinamicosde equilbrio, foi acompanhada por desenvolvimentosparalelos em sistemas fora do equilbrio, e ate em sis-

    temassemtermodinamica (para os quais os conceitos deenergia e trabalho nao se aplicam). O exemplo proemi-nente da ultima categoria e a percolacao, o modelo maissimples de uma transicao de fase geometrica[6, 7, 8].

    A ideia de transicoes de fases foi umas das maisfrutferas a ser exportada da fsica para outras areas;esta sendo utilizada na teoria de populacoes biologicas,em inteligencia artificial e em teoria da computacao.(Tambem em areas mais familiares para os fsicos:processos relativos ao funcionamento do laser, proces-

    1E-mail: [email protected]. 2E-mail: [email protected].

    Copyright by the Sociedade Brasileira de F sica. Printed in Brazil.

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    sos nucleares, e em hidrodinamica.) Portanto, seriautil haver uma definicao de transicao de faseque naofosse baseada na termodinamica. Para a presente dis-cussao, uma definicao adequada, nao muito formal, se-ria: uma transicao de fase e uma mudanca abrupta,singular, das propriedades macroscopicas de um sis-tema de muitas unidades, como funcao dos parametros

    de controle. Cabe nesta descricao as transicoes fami-liares (a propriedade macroscopica pode ser, por exem-plo, a magnetizacao de um bloco de ferro, enquanto osparametros de controle sao a temperatura e o campomagnetico externo), e tambem os exemplos de sistemasfora do equilbrio como os citados acima (percolacao,epidemias).

    Neste artigo pretendemos apresentar ao leitor umatransicao de fase sem termodinamica, ilustrando algunsdos metodos utilizados para estuda-la: teoria de campomedio e analise de probabilidades. Usamos como exem-plos o processo de contato e um modelo matematico

    para a malaria. No processo de contato a interacao en-tre os indivduos e direta, enquanto que no modelo paraa malaria ha a presenca de um vetor na transmissao dadoenca.

    O processo de contato e um sistema de partculasinteragentes que pode ser interpretado como um mo-delo para descrever o espalhamento de uma infeccao.Neste contexto, cada stio de uma rede d-dimensionalrepresenta um indivduo que pode estar infectado ousaudavel. O sistema evolui segundo uma dinamica es-tocastica, que consiste dos eventos elementares de in-feccao e recuperacao. (Uma definicao mais precisa domodelo se encontra na proxima secao.) A infeccao seespalha atraves do contato direto entre indivduos in-fectados e saudaveis. O espalhamento da infeccao de-pende de um parametro de infeccao que chamaremosde . Indivduos infectados se recuperam com umataxa unitaria e sao suscetveis a re-infeccao. Comoum indivduo deve ter pelo menos um vizinho doentepara tornar-se infectado, o estado no qual todos os in-divduos sao saudaveis eabsorvente: o sistema nao podeescapar desta configuracao! Neste contexto, o estadoabsorvente representa o fim da epidemia.

    A persistencia da epidemia e controlada peloparametro de infeccao. Se e muito pequeno, a ex-

    tincao da infeccao em tempos longos e certa; por outrolado, grandes valores de asseguram que a infeccaopode espalhar indefinidamente. A fronteira entre per-sistencia e extincao e marcada por um ponto crtico, oqual e denotado por c. O parametro crtico c separaos dois estados estacionarios que o sistema pode atingirem tempos longos: um estado livre de doencas (absor-vente), e um estado ativoonde a epidemia sobrevive.c marca uma transicao de fase contnua entre um es-tado absorvente e um estado ativo.

    O restante deste artigo e organizado do seguintemodo, na secao 2 apresentamos os modelos basicos;

    na secao 3 discutimos a aproximacao de campo medio

    para o processo de contato; na secao 4 discutimos a dis-tribuicao do estado quase-estacionario para o processode contato; na secao 5 abordamos o processo de con-tato conservativo e finalmente, na secao 6 apresentamoso modelo para a transmissao da malaria e uma analiseutilizando as tecnicas de campo medio.

    2. Modelos basicos

    2.1. Processo de contato

    Nesta secao definimos as regras do processo de con-

    tato (PC), seguida de uma breve discussao da sua

    relacao com a percolacao direcionada. Esta relacao en-

    tre os dois modelos e importante, p ois a percolacao dire-

    cionada define uma classe de universalidade, sendo um

    modelo bastante estudado e com inumeras aplicacoes.

    Modelos que pertencem a mesma classe de universali-

    dade compartilham o mesmo comportamento singular

    nas vizinhancas do ponto crtico, em particular, os va-lores dos chamados expoentes crticos [3, 4, 5].

    No PC, cada stioi de uma rede hiper-cubica repre-

    senta um indivduo que pode estar em um dos dois es-

    tados, saudavel ou infectado, denotado por i = 0

    ou 1, respectivamente. O estado i de cada in-

    divduo pode ser alterado de acordo com as seguintes re-

    gras: indivduos infectados podem tornar-se saudaveis

    (i = 1 i= 0), a uma taxa unitaria, independen-

    temente de seus vizinhos; indivduos saudaveis podem

    ser infectados a uma taxa n/2d, onden e o numero de

    vizinhos infectados e d a dimensao do sistema. Assim,n/2d e a fracao dos 2d vizinhos que estao atualmente

    infectados.

    A Fig. 1 mostra as possveis mudancas de con-

    figuracao em uma rede unidimensional (d = 1) com

    condicoes periodicas de contorno, ou seja, o ultimo

    stio da direita e vizinho do primeiro stio da esquerda,

    e vice-versa. No diagrama o crculo cheio () repre-

    senta um indivduo infectado, e o crculo vazio () re-

    presenta um indivduo saudavel. Iniciando com uma

    configuracao do tipo ( ), onde os tres indivduos

    estao infectados, e possvel obter um dos tres estados

    seguintes: ( ), ( ), ou ( ). Em cada um destesestados um dos indivduos inicialmente infectado se re-

    cuperou. Seguindo a linha do estado ( ) podemos

    obter: ( ) ou ( ) com a recuperacao de um dos

    indivduos infectados, ou ( ) com a reinfeccao do

    unico indivduo saudavel. E finalmente, a partir do es-

    tado ( ) podemos voltar aos estados ( ) ou ( )

    com a reinfeccao de um dos indivduos saudaveis, ou

    chegar ao estado (), do qual o sistema nao pode mais

    sair. Este estado e chamado de estado absorvente. E

    importante salientar que um indivduo saudavel so sera

    infectado se ele possuir vizinhos infectados.

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    Figura 1 - Espaco de configuracoes para o PC em um anel de tresstios. As linhas designam as p ossveis transicoes, com as taxasindicadas (a taxa associada com uma linha solida e 1.)

    Para distinguir as duas fases, introduzimos, como

    e costume na fsica estatstica, um parametro de or-dem. No PC o parametro de ordem e a densidadeestacionaria de indivduos infectados, que se anula noestado absorvente, o qual e caracterizado pela ausenciade indivduos infectados. Quando aumenta alem dec o sistema sofre uma transicao de fase contnua doestado absorvente para um estado estacionario ativo.

    Figura 2 - Comportamento do parametro de ordem para oprocesso de contato em funcao de . c e o valor crtico doparametro de controle, que separa as duas fases do sistema.

    Na transicao de fase do PC o parametro de ordem() cresce continuamente a partir de zero a medida queo parametro de infeccao aumenta alem do valor c,como mostrado na Fig. 2. Perto do ponto crtico, oparametro de ordem vai para zero segundo uma lei depotencia caracterizada por:

    ( c)

    ,

    onde e o expoente crtico associado ao parametro deordem. A independencia dos expoentes crticos comos detalhes da maioria dos sistemas e conhecida comouniversalidade. Modelos com o mesmo conjunto de ex-poentes crticos formam uma classe de universalidade.Em geral, uma classe de universalidade e determinadapor caractersticas globais tais como dimensionalidade

    do espaco, dimensao do parametro de ordem, sime-tria e alcance das interacoes [9]. Modelos que possuemuma transicao contnua para um unico estado absor-vente geralmente pertencem a mesma classe de uni-versalidade do modelo de percolacao direcionada (PD)[10, 11, 12, 13].

    2.2. Percolacao direcionada

    O problema de percolacao vem sendo amplamente estu-

    dado desde que foi introduzido por Broadbent e Ham-mersley em 1957 [6, 7, 8] para tentar solucionar o en-tupimento de mascaras de gas. Percolacao de ligacaosimples e definida sobre uma rede, onde cada stio estaligado ao stio vizinho se a ligacao entre os dois es-tiver presente. Cada ligacao esta presente com umaprobabilidadep, independentemente das outras. Sep epequena, entao esperamos apenas regioes conexas bempequenas (a mascara nao serve para respirar). Acimade uma probabilidade crtica pc, a rede percola, ou seja,existe um agrupamento de stios infinito conectandobordas opostas da rede. A presenca de tal agrupa-mento pode representar a possibilidade da agua per-

    colar atraves de uma rocha porosa, ou uma condutivi-dade nao-nula numa rede diluda de resistores. Apesardo fato de os conceitos de energia e trabalho nao se apli-carem, o modelo de percolacao apresenta uma transicaode fase em pc. Esta transicao foi estudada intensiva-mente utilizando ferramentas desenvolvidas no estudode transicoes ferromagneticas.

    Percolacao direcionada (PD) [6] pode ser definidacomo um problema de percolacao de ligacao comum,no qual as ligacoes sao distribudas aleatoriamente so-bre a rede com concentracao p, com a introducao deuma direcao preferencial para o problema, por exem-

    plo, uma rede diluda de diodos (o diodo conduz cor-rente apenas em uma direcao). Para realizar o processo,deve-se girar a rede quadrada usual de 45, tal que cadastio tenha dois vizinhos mais proximos na linha acima,e dois na linha abaixo. Cada stio esta ou molhadoou seco(imaginamos que a linha superior esteja liga-da a um reservatorio de agua que vai percolar a rede seexistir um caminho de ligacoes). Cada elo na rede estapresente, independentemente, com uma probabilidadep; a agua so pode escoar de cima para baixo. E comumchamar os stios molhados de partculas e os outrosde stios vazios. A Fig. 3 mostra as regras de transicao

    para a percolacao de ligacao direcionada.

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    0 p 2 -p p2

    Figura 3 - Diagrama mostrando as regras para a percolacaode ligacao direcionada com probabilidade de ligacao p na redequadrada. indica que o stio esta ligado a origem; e indicaque o stio nao tem ligacao com a origem.

    Na Fig. 4 esta representada uma configuracao tpicade percolacao de ligacao direcionada. A primeira linharepresenta o estado inicial, o qual e conectado porligacoes diagonais as partculas da linha abaixo. Cadauma destas ligacoes orientadas esta presente com umaprobabilidadep independente das outras ligacoes. Umstio desta rede esta conectado a origem se e somente seele esta conectado ao stio da camada anterior que estapor sua vez conectado a origem. Ha uma concentracaocrticapc abaixo da qual a probabilidade de formar umagrupamento de percolacao infinito e zero. Proximo

    depc o sistema possui os comprimentos caractersticos e ||, perpendicular e paralelo a direcao principal,respectivamente, que divergem como:

    (pc p) ,

    || (pc p)|| ,

    onde e || sao os expoentes crticos relacionados. e || representam as dimensoes tpicas dos agrupa-mentos para p < pc. Ambas, percolacao isotropica epercolacao direcionada exibem um ponto crtico. Em-bora nao possuam uma interpretacao termodinamica,propriedades de escala associadas com correlacoes de

    longo alcance surgem, como em fenomenos crticosde equilbrio. A diferenca de simetria entre os casosisotropico e dirigido faz com que os expoentes crticossejam distintos.

    Figura 4 - Evolucao temporal tpica a partir de uma partculaunica na percolacao direcionada dinamica. Partculas sao repre-sentadas por, e stios da rede por , e as ligacoes por flechas. Oagrupamento e tpico daqueles observados para grandes valoresda probabilidade de espalhamento p (figura retirada da tese dedoutoramento de I. Jensen, Computer Simulations and Analyt-ical Studies of Nonequilibrium Phase Transitions in Interacting

    Particle Systems with Absorbing States, Denmark, 1992).

    Uma interpretacao interessante e obtida se conside-rarmos a direcao preferencial como o tempo; as ou-tras dimensoes podem representar uma rede espacial.Esta interpretacao permite mapear a PD na teoria decampo de Reggeon (RFT) [14], uma teoria de fsica departculas de alta energia, que modela a secao de choquede espalhamento de partculas altamente energeticas.

    Uma analise do RFT mostra que ele apresenta umatransicao de fase na mesma classe de universalidadeque a PD. A transicao do PC tambem pertence a estaclasse de universalidade. Na verdade, o processo decontato d-dimensional corresponde a percolacao dire-cionada em (d + 1) dimensoes. Isto pode ser visto con-siderando um analogo discreto no tempo do PC no qualtodos os stios sao atualizados simultaneamente. Umagrande variedade de modelos de catalise tambem en-volve transicoes de fase com as mesmas caractersticas[12, 15].

    3. Campo medio para o processo decontato

    Como uma primeira aproximacao na tentativa de en-tender o comportamento geral do modelo, utilizamostecnicas de campo medio aproximacao de clusters.Esta e uma tecnica bem estabelecida em fsica es-tatstica, tendo sido aplicada em modelos de spin, etambem percolacao direcionada e reacoes de catalise.De modo geral, o metodo consiste em tratar como inde-pendentes, eventos associados com stios afastados poruma certa distancia. Assim, na aproximacao de stios

    (a mais simples possvel), cada stio e tratado comose fosse independente dos outros. Na aproximacao depares, stios separados por duas ou mais constantes derede sao considerados como independentes, e assim pordiante. Sob a hipotese de independencia, a probabili-dade conjuntaP(1,...,N) pode ser fatorizada, simpli-ficando a analise radicalmente. Os metodos de campomedio aplicados a energia livre sao muito familiares damecanica estatstica de equilbrio [5, 16]; no contexto denao-equilbrio trabalhamos com a dinamica (equacaomestra) sendo a distribuicao estacionaria de proba-bilidade desconhecida. Os resultados obtidos atravesdesta analise, em geral, dao uma boa descricao quali-

    tativa do modelo, mas sao quantitativamente pobres.Ainda assim, a aplicacao do metodo se justifica porser a tecnica mais simples para a abordagem de mode-los matematicos e seus resultados servem de guia paraoutras investigacoes. Nesta secao nos mostramos comoaplicar este metodo e obter informacoes sobre o com-portamento do PC no nvel de stios.

    Nos consideramos o PC como definido na secao an-terior em uma dimensao. i = 1 representara o estadodo stio itendo um indivduo infectado, ei= 0 quandoo indivduo estiver saudavel. A probabilidade de que ostio i esteja infectado no tempo t e representado por

    P(i = 1; t) (analogamente, 1 representa a

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    probabilidade de que o stio i nao esteja infectado). NaTabela 1 estao as taxas de mudanca para cada eventodo PC unidimensional.

    Tabela 1 - Taxas de mudanca para o processo de contato uni-dimensional no nvel de aproximacao de stios. representa umindivduo infectado e representa um indivduo saudavel.

    processo taxa N 2(1 ) 1

    2(1 )2 1

    2(1 )2 1

    -1

    No primeiro evento ocorre a infeccao do indivduolocalizado no stio central a uma taxa ; tratando cadastio independentemente e assumindo homogeneidadeespacial, podemos escrever a probabilidade para encon-trar o agrupamento nesta configuracao como 2(1 ).Cada contribuicao para a equacao de evolucao e dadapelo produto da taxa de mudanca e da mudanca nonumero de partculas, N. Assim, considerando os

    quatro eventos possveis mostrados na Tabela 1, aequacao de evolucao para e dada por, apos algumaalgebra,

    d

    dt =( 1) 2. (1)

    O regime estacionario e caracterizado por d/dt = 0,nao havendo mudancas macroscopicas no sistema. Para 1 a unica solucao estacionaria e o vacuo, = 0.Para >1 nos encontramos tambem uma solucao esta-cionaria ativa, = 1 1. Pode-se mostrar que para > c = 1 o estado ativo e estavel e o vacuo instavel.c marca o ponto crtico, no qual a densidade esta-

    cionaria muda continuamente, porem de uma maneirasingular.

    A Eq. (1) e a propria equacao de Malthus-Verhulst[17], que descreve a evolucao temporal do tamanho deuma populacao que se reproduz mas cujo crescimentoe limitado por fatores ambientais (recursos finitos). Efacilmente integrada, dando:

    (t) = 0

    0+ (0)et, (2)

    onde = 1 e 0 0 e o tamanho inicial da popu-lacao. Evidentemente, (t) se aproxima do valor esta-

    cionario (1 1, se >1, e 0 no caso contrario) paratempos t ||1. No ponto crtico, =0, a populacaodecai algebricamente:

    (t) = 0

    1 + 0t. (3)

    Voltando a solucao estacionaria, observamos que e o parametro de ordem para esta transicao, assumindoum valor nao-nulo somente para > c. Perto do pontocrtico o parametro de ordem geralmente segue a lei depotencia,

    (> 0), (4)

    onde c. Portanto, na aproximacao decampo medio do PC encontramos = 1, uma vez que = + O(2) para > 0. Visto como um sistemadinamico, podemos afirmar que a Eq. (1) exibe uma bi-furcacao transcrtica em = 1 [18], ou seja, nesse pontoha uma troca de estabilidade no sistema. Isso ilustrauma correspondencia mais geral, entre uma transicao de

    fase (em um sistema de muitas unidades interagentes) euma bifurcacao na descricao dinamica de campo medio.

    Esta analise simples de campo medio preve umdiagrama de fase qualitativamente correto, enquantofornece valores muito ruins para o ponto crtico e osexpoentes. Por exemplo, c 3, 29 e 0, 277 emd = 1. Isto e uma consequencia direta de se des-prezar correlacoes entre os stios; de fato eles sao al-tamente correlacionados. E importante observar queos expoentes de campo medio sao incorretos para di-mensoes espaciais d < dc. dce a dimensao crtica, acimada qual os expoentes crticos sao do tipo campo medio;

    dc = 4 para o PC [10, 11, 16]. Cada sistema possui umadimensionalidade particular, conhecida como dimensaocrtica, acima da qual a teoria de campo medio fornecea descricao correta das propriedades crticas [16].

    4. Estado quase-estacionario

    Quando simulado em uma rede finita, o processo decontato evolui para, afinal, o estado absorvente. Issoocorre porque, se o numero de configuracoes e finito,a taxa para entrar no estado absorvente e maior quezero, enquanto a taxa para sair e, por definicao, nula.Entretanto, simulacoes computacionais (sempre de sis-temas finitos!) sao utilizadas para estudar o estadoestacionario do modelo. Como e possvel conseguir isto,se o estado estacionario e sempre absorvente, uma redevazia? Na verdade, para redes razoavelmente grandes e > c, o sistema pode permanecer ativo por um temposuficientemente longo para que as propriedades (dadoque o sistema ainda nao tenha atingido o estado absor-vente) atinjam valores que independem do tempo. Saoestas propriedadesquase-estacionariasque obtemos emsimulacoes. O estado quase-estacionario converge parao verdadeiro estacionario no limite L , onde L e a

    dimensao linear da rede.Para uma revisao da teoria e aplicacao de dis-

    tribuicoes quase-estarionarias veja as referencias [19,20]. Aqui nos ilustramos a ideia com uma conta exatapara o PC num anel de tres stios, a partir da equacaomestra [21]. O espaco de configuracoes e as transicoesneste sistema minusculo foram representados na Fig. 1(observe que a configuracao ( ) nao tem nenhumatransicao saindo dela, o que a define como absorvente).Apesar de ter oito configuracoes, a simetria entre as tresconfiguracoes com apenas uma partcula (e, novamente,entre as tres configuracoes com duas partculas), im-

    plica que sao necessarias apenas quatro variaveis para

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    escrever a equacao mestra do processo:

    P D0dt

    = 3p1,

    P D1dt

    = (1+ )p1+ 2p2,

    P D2

    dt = (2+ )p2+ p1+p3,

    P D3dt

    = 3p3+ 3p2. (5)

    Aqui,p1 e a probabilidade de ter qualquer uma das tresconfiguracoes com uma partcula, analogamente parap2com duas partculas, tal que a normalizacao das proba-bilidades se escreve: p0 + 3p1 + 3p2 +p3= 1. E facil verque a probabilidade e conservada pelas equacoes, e quea unica solucao estacionaria e p0 = 1. Para encontrara distribuicao quase-estacionaria (QE), definimos, parai >0,

    pi,s(t)

    pi(t)

    1 p0(t) ,

    que representa a probabilidade do sistema estar no es-tado i, dado que o processo tenha sobrevivido ate otempo t. Para tempos longos as pi,s convergem para adistribuicao quase-estacionaria. Na Fig. 5 mostramosa densidade , e a razao m = 2/

    2 no estadoquase-estacionario, em funcao de , obtidas por inte-gracao numerica das equacoes. A densidade cresce con-tinuamente, enquantom (a flutuacao relativa da densi-dade), exibe um maximo. (Observe que para = 0 ou , a distribuicao QE esta concentrada ou em 1ou em 3, e nao ha flutuacoes.) E de se esperar que, au-

    mentando o numero de stios, a dependencia de com se aproxime da curva mostrada na Fig. 5, enquantoo maximo de mfica cada vez mais agudo.

    Figura 5 - Densidade e razao m no estado quase-estacionario doPC em um anel de tres stios.

    5. Processo de contato conservado

    Em mecanica estatstica de equilbrio, podemos estu-dar o mesmo sistema usando varios ensembles [5]. Oque distingue um ensemble do outro sao os vnculos.No ensemble microcanonico, por exemplo, a energiado sistema e estritamente fixa, enquanto no ensemble

    canonico a temperatura e fixa, e a energia flutua. Sabe-mos que, no limite de tamanho infinito, os varios en-sembles fornecem previsoes equivalentes para as pro-priedades macroscopicas. Sera que podemos definir en-sembles distintos fora do equilbrio, por exemplo, parao processo de contato?

    Uma resposta afirmativa, preliminar, vem do tra-balho recente de Tome e de Oliveira [22], no qual foiinvestigado o Processo de Contato Conservado (PCC).Neste modelo, N(< Ld) pessoas infectadas sao colo-cadas em uma rede comLd stios, que pode ser finita ouinfinita. (Como sempre, cada stio pode ter no maximo

    uma pessoa.) Cada pessoa saudavel pode se tornar in-fectada com uma taxa n/2d , sendo n o numero devizinhos infectados. Mas agora, quando uma pessoatorna-se infectada, nao e por transmissao da infeccao,mas sim pela transferencia de uma pessoa infectadapara tal stio, escolhida aleatoriamente, entre todas asN pessoas infectadas. Assim, o numero N de pessoasinfectadas e estritamente conservado.

    Para ver a conexao com o processo de contato usual,observe que e possvel, por uma simples re-escala daunidade de tempo, dividir todas as taxas de transicaono PC por , tal que um stio vazio torna-se ocupadocom uma taxan/2d, enquanto o processo reverso ocorrecom uma taxa de 1/. Assim, a taxa do processo no PC e a mesma que no PCC. Para encon-trar o valor efetivo de no PCC, basta encontrar ataxa do processo no PC. Evidentemente a taxatotal de tais transicoes e N/2d, onde o numeradorrepresenta o numero total de pares vizinhos tipo .A taxa para um stio ocupado tornar-se vazio e entaoN/(2dN) n/2d, dando, no estado estacionario,

    1

    ef=

    n

    2d . (6)

    Fica claro agora que no PCC o parametro de ordem, = N/Ld, tem valor fixo, enquanto o parametro decontrole flutua (observe que e necessaria uma redeinfinita para estudar o regime subcrtico, mas isso naocausa dificuldades nas simulacoes, uma vez que N efinito.) Verifica-se em simulacoes que o valor crticoc, e o expoente crtico , sao iguais nos dois ensem-bles [22]. Logo depois, uma demonstracao formal daequivalencia foi feita [23]. O PCC tambem foi usadopara localizar o valor crtico com uma precisao ineditaem dimensoesd = 1 - 5 [24].

    Fazemos agora uma analise de campo medio para o

    PCC unidimensional. Na fase ativa, o tamanho L da

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    rede e finito, e o numero esperado de pares tipo e:

    N = 2NL N

    L , (7)

    onde supomosN 1 e, no esprito da aproximacao decampo medio, tratamos o estado de cada stio como in-dependente. (Assim, (L N)/Lrepresenta a probabili-dade de um determinado stio estar vazio.) Da Eq. (6),encontramos:

    1

    = 1 ,

    exatamente como na teoria de campo medio do PCoriginal. Observe que, para qualquer N (fixo), 1 = c, quando L . Nas simulacoes tambem aproxima do seu valor crtico, deixandoL e o parametro de ordem ir a zero. Esta situacaolembra a criticalidade auto-organizada [25, 26], em queum sistema com uma transicao de fase para um estadoabsorvente e forcado a permanecer no ponto crtico, na

    aparente ausencia de ajuste de parametros [27].

    6. Modelo para o espalhamento da

    malaria

    Estudamos a transmissao e espalhamento da malaria

    em uma populacao utilizando as tecnicas de campo

    medio. Para tal, definimos um modelo matematico

    que descreve os principais mecanismos de transmissao

    da doenca usando como base modelos previamente

    definidos.

    No incio do seculo XX, Ross [28] descobriu que oparasita que causa a malaria e transmitido ao ser hu-

    mano pela femea infectada do mosquito Anopheles. O

    ciclo de vida do parasita se alterna entre hospedeiros

    humanos e mosquitos, cujas formas evidenciam os dife-

    rentes estagios do processo. A seguir damos uma des-

    cricao qualitativa do processo, uma vez que detalhes

    quantitativos irao variar de uma especie para outra de

    parasitas, ou de populacoes humanas diferentes.

    A femea infectada e caracterizada por possuir

    glandulas salivares invadidas por formas esporozoitos

    do parasita. Os esporozoitos sao celulas que infectam

    novos hospedeiros e constituem a forma infectante parao homem. Uma vez dentro do hospedeiro, os esporo-

    zoitos migram para o fgado, onde se multiplicam as-

    sexuadamente. Ha entao uma liberacao de formas tro-

    fozoitos estagio ativo no ciclo de vida dos parasitas,

    na corrente sangunea. Esses, invadem e permanecem

    nos globulos vermelhos que ao se romperem liberam for-

    mas merozoitos celulas-filhas dos parasitas resultantes

    da reproducao assexuada, que invadem novos globulos

    vermelhos, repetindo o ciclo varias vezes. Em um dado

    momento, os gametocitos, que sao formas sexuadas do

    parasita, surgem de alguns dos merozoitos, assim, o

    sangue de uma pessoa infectada pode conter diferentes

    formas do parasita.

    As femeas do mosquito sao infectadas pelos ga-

    metocitos ao se alimentarem do sangue de um ser hu-

    mano infectado. Os gametocitos machos e femeas se

    acasalam no estomago do mosquito formando zigotos,

    que penetram as paredes estomacais e formam oocis-tos, que se rompem liberando um grande numero de

    esporozoitos. Alguns desses esporozoitos migram para

    as glandulas salivares do mosquito e o ciclo completo se

    repete.O ciclo de vida do parasita, dentro de hospedeiros

    sucessivos, e complexo, mas a dinamica do processo detransmissao pode ser esbocada de uma forma simples.Os seres humanos so podem adquirir malaria de mos-quitos infectados, e mosquitos so podem adquirir a in-feccao de seres humanos infectados. Em modelos maisabrangentes, pode-se levar em consideracao, por exem-plo, mais detalhes do ciclo do parasita, casos de superin-feccao, onde cada hospedeiro pode receber uma infeccaoadicional, e tambem o impacto da reacao imunologicana aquisicao de infeccao adicional [29, 30, 31].

    Em qualquer modelo que descreva a dinamica damalaria, deve-se introduzir a populacao humana I(tamanho N1) e a populacao de mosquito II (tamanhoN2). A dependencia recproca das populacoes humanae de mosquitos na propagacao da malaria se assemelhaa dois processos de contato entrelacados. Nos modelosmais simples as populacoes nao mudam de tamanho.Longevidade em I e muito maior do que em II, assime necessario interpretar a invariabilidade de N1 e N2

    diferentemente. Em I esta invariabilidade significa quenascimentos, mortes, imigracoes ou emigracoes sao depouca importancia na escala de tempo da epidemia,mas qualquer indivduo pode ser infectado, entao cu-rado, infectado novamente, e assim por diante. Em II,similarmente, nao ha imigracao ou emigracao, mas de-vido ao curto tempo de vida dos mosquitos, podemossupor uma populacao de tamanho fixo. Para mantero tamanho de uma populacao constante, simplesmenteassumimos que cada morte e compensada por um nasci-mento.

    Definimos o nosso modelo em uma rede quadrada

    onde cada stio representa um ser humano que pode es-tar infectado ou saudavel. Cada stio da rede tambempode estar ocupado por um mosquito saudavel ou in-fectado. A evolucao do modelo se da de acordo com asseguintes regras:

    Mosquitos difundem sobre a rede a uma taxa D ;

    Mosquitos saudaveis se tornam infectados a umataxa I ao ocuparem o mesmo stio que um serhumano infectado;

    Mosquitos infectados se recuperam a uma taxa

    R2;

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    30 Dickman et al.

    Seres humanos saudaveis se tornam infectados auma taxa I ao ocuparem o mesmo stio que ummosquito infectado;

    Seres humanos infectados se recuperam a umataxa R1.

    6.1. Campo medio simples

    Abordamos o modelo para a malaria utilizando a apro-ximacao de stios (campo medio) como foi explicado nasecao 3. Para implementar esta tecnica seguimos ospassos:

    De acordo com as regras e possveis arranjos depessoas e mosquitos na rede, constroi-se umatabela incluindo todas as taxas de todos os even-tos possveis;

    De posse destas taxas, escreve-se a equacao deevolucao do numero de pessoas infectadas, donumero de mosquitos infectados, e assim por di-ante;

    Deste conjunto de equacoes extrai-se os valoresestacionarios para as grandezas de interesse;

    Atraves da analise dos dados (graficos, instabili-dade) tem-se uma descricao qualitativa do com-portamento geral do modelo.

    Usaremos a notacao mostrada na Tabela 2 para re-presentar os possveis estados de um stio.

    Tabela 2 - Notacao para os estados dos stios no modelo da mala-ria em termos do estado do ser humano (H) e do mosquito (M).

    M \ H saudavel infectadosaudavel A Dinfectado B Eausente C F

    Na Tabela 3 representamos as possveis transicoesentre os estados de stios diferentes.

    Tabela 3 - Notacao para representar as transicoes possveis entre

    os diferentes estados dos s tios.

    De A B C D E FA X T3 T6 T8 0 0B T1 X T7 0 T11 0C T2 T4 X 0 0 T14D 0 0 0 X T12 T15E 0 T5 0 T9 X T16F 0 0 0 T10 T13 X

    Na Tabela 4, listamos as taxas de transi cao paracada evento possvel, de acordo com a Tabela 3.

    A partir destas taxas, podemos escrever as equacoesde evolucao para as probabilidades, adicionando os ter-

    mos que aumentam a probabilidade de um dado estado,

    e subtraindo os termos que diminuem a probabilidadedeste mesmo estado.

    Tabela 4 - Taxas de transicao para os eventos entre os diferentesestados dos stios.

    Eventos Taxas de transicaoAB T1 = DA[B+E]AC T2 = DA[C+F]

    BA T3 = B{D[A+D]+R2}BC T4 = DB[C+F]BE T5 = IBCA T6 = DC[D+A]CB T7 = DC[B+E]DA T8 = R1DDE T9 = D{D[B+E]+I}DF T10 = DD[C+F]EB T11 = R1EED T12 = E{D[A+D]+R2}EF T13 = DE[C+F]FC T14 = R1FFD T15 = DF[A+D]FE T16 = DF[B+E]

    dAdt

    = D{-A(F+E)+D(C+B)}+R2B+R1D

    dB

    dt = D{E(C+A)-B(F+D)}-(R2+I)B+R1E

    dC

    dt = D{-C(D+E)+F(A+B)}+R1F

    dD

    dt = D{-D(C+B)+A(F+E)}-(R1+I)D+R2E

    dE

    dt = D{-E(C+A)+B(F+D)}-(R1+R2)E+I(D+B)

    dF

    dt = D{-F(A+B)+C(D+E)}-R1F (8)

    Resolvendo estas equacoes no estado estacionario (ondeas derivadas das probabilidades sao iguais a zero), e uti-lizando:

    Prob[ser humano infectado] = D+E+F

    Prob[mosquito infectado] = B+E,

    (9)

    obtemos:

    = (D +R1)[DPmI

    2 R1R2(R1+ R2+ D + 2I)]

    DI[R1(R1+ D +I) + DIPm] , (10)

    para a densidade de pessoas infectadas, e

    = P r(= 1) = R1(R1+ D + I)

    (R1+ D)(R2+ I) , (11)

    para a densidade de mosquitos infectados, onde Pm =A+B+D+E e a probabilidade de se encontrar um mos-quito na rede. Na Fig. 6 mostramos os graficos obti-dos para R1 = 1, R2 = 2, Pm = 0, 6; (a)D = 0, 1; (b)D = 1 e (c) D = 100. Da Eq. 10, vemos que a sobre-vivencia da epidemia depende da condicao DPmI

    2 R1R2(R1+ R2+ D + 2I). Resolvendo paraI, encon-tramos que a sobrevivencia exige:

    I > Ic= R1R2

    DPm

    1 + 1 +

    DPm(R1+ R2)

    R1R2

    . (12)

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    Transicoes de fase sem termodinamica 31

    Figura 6 - Densidade de mosquitos (linha fina) e pessoas (linhacheia) infectados para os parametros R1 = 1,R2 = 2 e Pm= 0, 6vs. a taxa de infeccao I para as taxas de difusao (a) D = 0, 1;(b) D = 1, 0 e (c) D = 100.

    Como podemos observar no grafico, tanto a densi-dade de mosquitos infectados como a de seres humanosinfectados e maior do que zero a partir de Ic = 68, 2para uma taxa de difusao D = 0, 1; Ic = 8, 3 paraD = 1 e Ic = 1, 9 para D = 100. A densidade de pes-soas infectadas (representada em linha cheia no grafico)

    e descrita por uma curva com uma taxa de crescimento

    mais acentuada, que atinge a saturacao em um valorproximo de 0, 6 para D = 0, 1; 0, 75 para D = 1, 0 e 1, 0para D = 100. A densidade de mosquitos infectados(representada em linha fina no grafico) e descrita poruma curva com uma taxa de crescimento mais suave,atingindo a saturacao para I (taxa de infeccao) apro-ximadamente igual ao caso dos humanos. O valor de

    saturacao varia com a taxa de difusao tendendo para osvalores 1 para a densidade de pessoas infectadas, e 0, 6 = Pm para a densidade de mosquitos infecta-dos. Uma alta difusao de mosquitos pela rede, propiciaa infeccao dos seres humanos, fato que e confirmadopelo maior valor de saturacao.

    A regiao acima da curva de linha cheia representaestados do sistema onde as populacoes de mosquitos eseres humanos nao apresentam sinais de infeccao. Como aumento da taxa de difusao de mosquitos esta regiaodiminui e comparando os tres graficos podemos con-cluir que a medida que a difusao aumenta, esta regiaotorna-se menor. O valor crtico da taxa de infeccao Ictambem mostra uma dependencia com o parametroD ,tornando-se menor a medida que este aumenta. Estevalor crtico marca o ponto a partir do qual a infeccaosempre estara presente nas populacoes, portanto, paradifusoes maiores e natural que isto aconteca em taxasde infeccao menores. A difusao atua como um fator queajuda a aumentar a transmissao da malaria.

    E natural perguntar se existe alguma correlacao en-tre a presenca de um ser humano infectado e um mos-quito infectado no mesmo stio. Para quantificar o

    grau de correlacao calculamos a covariancia, ou seja,a probabilidade conjunta de ter ambos infectados nomesmo stio menos o produto das probabilidades dosdois eventos. Uma covariancia nula indica ausencia decorrelacoes. A teoria de campo medio fornece:

    Cov = E (D+ E+ F) (B+ E)

    = E

    = R1(I+ R2)(1 ) R

    21

    2

    I[D(1 ) + R1] . (13)

    Os graficos da Fig. 7 mostram a covariancia paradiferentes valores da taxa de difusao. De acordo com afigura, percebemos que ha uma correlacao positiva en-tre e , como e de se esperar, pois a presenca de umapessoa infectada aumenta a chance de um mosquitoestar infectado no mesmo stio e vice-versa. E inte-ressante observar que para uma taxa de difusao maior(D = 100), a covariancia e praticamente nula. Umataxa de difusao alta provoca uma mistura dos compo-nentes do sistema, diminuindo as correlacoes entre as

    populacoes.

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    32 Dickman et al.

    Figura 7 - Covariancia em funcao da taxa de infeccao (I) parataxas de difusao iguais aD = 0, 1; 1, 0; 100.

    Uma aproximacao mais simples do metodo, seriaconsiderar as probabilidades de haver um mosquito eum ser humano em um dado estado, ocupando o mesmostio, como independentes. Assim, Cov 0. NaTabela 4 as taxas seriam simplificadas, por exemplo,a taxaT1 ficaria:

    T1= DA[B+E] = D(1 )(1 )P2m, (14)

    ondePm e a probabilidade de haver mosquitos na rede.A mudanca nas outras taxas ocorre analogamente, e edeixada como exerccio ao leitor interessado. As densi-dades estacionarias para este caso sao:

    = PmI

    2 R1R2PmI(I+ R2)

    = PmI

    2 R1R2I(PmI+ R1)

    . (15)

    No ponto crtico os valores estacionarios da densidadede mosquitos e seres humanos infectados se anulam,sendo caracterizado por Ic =

    R1R2/Pm. Os resul-

    tados para esta aproximacao sao mostrados na Fig. 8,para os valores R1 = 1, R2 = 2 e Pm = 0, 6. Nestaaproximacao mais simples a difusao dos mosquitospassa a ser irrelevante para o espalhamento da doenca.

    Figura 8 - Densidade de mosquitos infectados (linha fina) e pes-soas (linha cheia) infectados para os parametros R1 = 1,R2 = 2e Pm = 0, 6 vs. a taxa de infeccao I para a aproximacao onde asprobabilidades sao tratadas como independentes.

    7. Conclusoes

    Apresentamos uma revisao didatica do processo de con-tato, o mais simples modelo que exibe uma transi caode fase para um estado absorvente, fenomeno intrin-sicamente longe do equilbrio. O comportamento sin-gular das propriedades macroscopicas como funcao do

    parametro , e as evidencias de escala na vizinhancado ponto crtico, mostram que um sistema sem uma in-terpretacao termodinamica e capaz de gerar uma ver-dadeira transicao de fase.

    Aplicamos a teoria de campo medio para o modelopara a transmissao da malaria e obtemos os diagramasde fases mostrando o comportamento do sistema paradiferentes valores da taxa de difusao. O calculo da co-variancia reforca a importancia das correlacoes entre oscomponentes do sistema, principalmente para taxas dedifusao baixas.

    Discutimos aqui dois metodos muito usados nestes

    estudos: a teoria de campo medio e a analise proba-bilista. Cabe mencionar outros metodos muito im-portantes, cuja discussao deve ficar para uma outraocasiao: simulacao Monte Carlo, expansao em serie [32]e grupo de renormalizacao [16, 33].

    Atualmente, existe uma grande procura das classesde universalidade de transicoes para um estado absor-vente [34], uma vez que tais transicoes sao associadasaos modelos de catalise, populacoes, criticalidade auto-organizada, e transicao para turbulencia. Dadas es-tas conexoes (e outras) com varias areas da fsica desistemas complexos fora do equilbrio, e de se esperarainda mais atividade em modelos como o processo decontato e modelos afins no futuro.

    8. Agradecimentos

    A.G. Dickman e F.A. Barbosa agradecem o apoio finan-ceiro ao projeto de pesquisa Estudo do espalhamentoda malaria em uma populacao atraves de um modelo

    matematico pelo Fundo Interno de Pesquisa da Pon-tifcia Universidade Catolica de Minas Gerais (FIP-PUCMINAS). R. Dickman agradece ao CNPq peloapoio financeiro.

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