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Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999 S197

ARTIGO DE REVISÃO

S197

0021-7557/99/75-Supl.2/S197Jornal de PediatriaCopyright © 1999 by Sociedade Brasileira de Pediatria

1. Neurologista Infantil do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas daFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Doutor emNeurologia pela FMUSP.

2. Médica Assistente da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos epós- graduanda da Disciplina de Pediatria Clínica do Departamento dePediatria da Universidade Federal de São Paulo - EPM.

ResumoObjetivo: Os autores realizaram uma revisão atualizada sobre

o diagnóstico e o tratamento das convulsões agudas e do estado demal epiléptico.

Métodos: Revisão bibliográfica utilizando o banco de dadosMedline, abrangendo os estudos publicados nos últimos dez anos.

Resultados: As convulsões agudas e o estado de mal epilépticoafetam crianças de todas as faixas etárias. As convulsões agudaspodem ser a primeira manifestação de um quadro epiléptico oupodem estar associadas a um evento agudo, com repercussãoneurológica. O estado de mal epiléptico representa um insultocerebral grave determinado por uma série de etiologias. Os setoresde urgência, neurologia e as unidades de cuidados intensivospediátricos deveriam elaborar planos de ação para o estabelecimen-to de critérios diagnósticos precisos e abordagem terapêutica. Umbom plano terapêutico para essas situações clínicas deve incluirmedidas de suporte na emergência e uso racional das drogas,visando a cessar as convulsões o mais rapidamente possível,reduzindo por sua vez a morbi-mortalidade.

Conclusão: A melhor compreensão da fisiopatologia por partedos clínicos, bem como a elaboração de planos racionais de açãopermitiram melhorar o prognóstico das crianças atendidas portado-ras dessas emergências médicas em nosso meio.

J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.2): S197-S206: convulsões,estado epilético, epilepsia, anticonvulsivantes.

AbstractObjective: The authors make an up-to-date review about

diagnosis and treatment of the acute seizures and status epilepticus.Methods: Bibliographic review of Medline database including

articles published in the last ten years.Results: Acute seizures and status epilepticus affect children of

all the age groups. Acute seizures can either represent the firstmanifestation of an epileptic condition or be an acute symptomaticevent. Status epilepticus represents a serious cerebral insult deter-mined by various causes. The emergency, neurology and pediatricintensive care units should elaborate clinical policy for the estab-lishment of precise diagnostic criteria and therapeutic approach. Agood clinical approach should include immediate life support,monitoring and rational drug administration to end up the seizureand reduce morbidity and mortality risks.

Conclusion: The better understanding of the pathophysiologyas well as the elaboration of a rational clinical policy improved theoutcome in these medical emergencies.

J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.2): S197-S206: seizures, statusepilepticus, epilepsy, anticonvulsant.

Abordagem da crise convulsiva agudae estado de mal epiléptico em crianças

Management of acute seizure episodes and status epilepticus in children

Erasmo Barbante Casella1, Cristina M.F. Mângia2

IntroduçãoCrises convulsivas representam a manifestação neuro-

lógica mais freqüente nos departamentos de emergência,correspondendo a cerca de 1-5% dos atendimentos, exclu-indo-se o trauma1. Aproximadamente 80% das crisesagudas em crianças cessam antes do atendimento hospita-

lar, não necessitando qualquer tratamento com anticonvul-sivantes no serviço de emergência. Por outro lado, grandeparte dos episódios que apresentam duração maior que 5minutos persistirão por mais de 20-30 minutos, podendoimplicar em riscos de lesão não só do sistema nervosocentral central (SNC) como também sistêmicas2,3.

Portanto, devemos abordar as crises mais prolongadasatravés de protocolos pré-estabelecidos, com o objetivo deinterrompê-las o mais rápido possível, além de determinaro diagnóstico etiológico, cujo tratamento é tão importantequanto o da própria crise. Este texto visa a destacar osaspectos emergenciais das convulsões agudas, incluindo-se o estado de mal epiléptico (EME).

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S198 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999

DefiniçõesInicialmente iremos uniformizar alguns conceitos que

são comumente utilizados de forma errônea, tornandomais fácil a compreensão deste texto.

Epilepsia - condição crônica, caracterizada pela pre-sença de crises epilépticas recorrentes, na ausência deeventos externos desencadeantes.

Crises epilépticas - esta designação se aplica ao eventoneurofisiológico, representando uma descarga elétricaanormal, excessiva e síncrona, de um grupamento neuro-nal, ocorrendo de modo espontâneo ou secundário aeventos exógenos, como febre, distúrbios hidroeletrolíti-cos ou mesmo um quadro encefalítico.

Convulsões - assim são definidas as crises epilépticascom manifestações motoras. As crises epilépticas asso-ciadas a alterações localizadas em áreas posteriores docérebro, com sintomas visuais, auditivos ou exclusiva-mente sensitivos, assim como as ausências, em que não sevisualizam atividades motoras, são denominadas �crisesnão convulsivas�.

Estado de Mal Epiléptico (EME) - definido como maisque 30 minutos de atividade convulsiva contínua ou duasou mais crises epilépticas seqüenciais sem total recupera-ção do nível de consciência entre as crises4-6. Atualmente,alguns autores têm proposto períodos de tempo menorescomo critério de diagnóstico para EME, baseados no fatode que a maioria das crises que cedem espontaneamente ofazem nos primeiros 5-10 minutos do seu início2,3.

IncidênciaA freqüência de crises epilépticas é maior na faixa

etária pediátrica, associada a um menor limiar do cérebroimaturo para o desencadeamento desses episódios. Aomenos uma crise epiléptica ocorre em 6% das crianças.Cerca de 3-4% da população caucasiana apresenta crisesdesencadeadas por febre e 1% diagnóstico de epilepsia1.Um estudo prospectivo recente2 revelou a incidênciaestimada do EME entre 100.000 �150.000 casos por anonos EUA, ou seja, 2 - 2,5 vezes maior que o estimadopreviamente7,8. Lacroix e colaboradores, avaliando ospacientes internados em unidades de cuidados intensivospediátricos (UCI), durante o período de dez anos, obser-vou que o EME representou 1,6% de todas as admissões,sendo 51% dos casos em crianças com menos de 2 anos deidade, com taxa de mortalidade de 6%8,9.

EtiologiaCrises epilépticas podem estar relacionadas a altera-

ções de ordem orgânica ou funcional do parênquimacerebral, e o tipo de terapêutica empregada deverá variardependendo da presença ou não de uma etiologia subjacen-te. Para efetuar a escolha do tratamento mais apropriado,é útil classificar as crises epilépticas, de acordo com aetiologia, em sintomáticas agudas, sintomáticas remotas,

encefalopatias progressivas ou idiopáticas, além da con-vulsão febril, entidade particularmente freqüente em paci-entes menores de cinco anos de idade8.

As crises sintomáticas agudas são resultantes de umprocesso agudo que afeta o SN, e a não identificaçãoimediata da patologia de base pode provocar danos maio-res que a própria crise. Em muitos dos pacientes comcrises sintomáticas agudas o risco de recorrência de crisesé baixo corrigindo-se o distúrbio, como por exemplo napresença de alguns distúrbios metabólicos prontamenteidentificados. Nesses casos, a identificação da etiologiapode poupar o paciente de uma terapêutica anticonvulsi-vante desnecessária.

Crises sintomáticas remotas decorrem de lesões ante-riores do SN, correspondendo a seqüelas de traumatismocranioencefálico, infecções ou eventos hipóxico-isquêmi-cos. Nesse grupo incluem-se crianças com diagnósticoprévio de epilepsia.

Os pacientes com crises idiopáticas são aqueles em quenão é possível a identificação de uma etiologia plausível,e aqui se incluem os pacientes com história familiar deepilepsia com provável herança genética, como a epilepsiarolândica e as epilepsias primariamente generalizadas.

Febril: a elevação da temperatura está envolvida nagênese dessas convulsões, não se identificando nenhumoutro fator adicional, não havendo história de convulsõesna ausência de febre. Nesse grupo também podem existircrianças com alterações neurológicas prévias e que apre-sentam convulsões desencadeadas por febre.

Encefalopatia progressiva: as convulsões ocorremnum contexto onde há uma doença neurológica progressi-va. Incluem-se nessa categoria as doenças neurodegenera-tivas, neoplasias e as síndromes neurocutâneas.

Em crianças abaixo de 2 anos, com crises epilépticasprolongadas, predominam as crises desencadeadas pelafebre ou as sintomáticas agudas, devendo ser efetuadasempre em crianças pequenas, com maior ênfase, umapesquisa etiológica. As crises criptogenéticas e sintomáti-cas remotas predominam nas crianças maiores. A Tabela1 sintetiza as principais etiologias relacionadas à criseepiléptica aguda e ao estado de mal epiléptico.

Nas UCI as crises epilépticas agudas e o EME podemestar associados ainda a outras etiologias menos comunscomo lupus eritematoso sistêmico com comprometimentocerebral, infecção por herpes vírus, tireotoxicose, crisehipertensiva, suspensão abrupta de agentes analgésicos esedativos, distúrbios metabólicos, toxicidade e abstinên-cia de determinadas medicações habitualmente usadas emUCI1,10,11.

Erros inatos do metabolismo (EIM) têm sido cada vezmais identificados laboratorialmente, e muitas vezes asso-ciam-se a convulsões de difícil controle em pacientes semetiologia definida. As crises epilépticas nestas situaçõescostumam ter início precoce, e o pediatra deve sempreestar alerta para a possibilidade de seu diagnóstico, já quealguns desses erros inatos são passíveis de tratamento

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específico que, se introduzido precocemente, pode evitara instalação de seqüelas. Exemplos claros dessas situaçõesseriam, entre outros, a leucinose, a deficiência da biotini-dase, a dependência da piridoxina, a deficiência da prote-ína transportadora da glicose (doença de DeVivo), afenilcetonúria e a Doença de Menkes12. Inúmeros outrosEIM podem cursar com crises epilépticas de difícil contro-le, como a deficiência da sulfito oxidase, a hiperglicinemianão cetótica, algumas organoacidopatias, dentre outros,abordados com mais detalhes em outros estudos1.

É importante salientar que o diagnóstico dessas pato-logias permite ainda uma orientação genética adequada e,além disso, principalmente diante dos EIM sem terapêu-tica efetiva, uma maior compreensão por parte dos fami-liares sobre as dificuldades no controle das crises, o queevita maiores desgastes emocionais e a busca de terapiaspouco ortodoxas, dispendiosas e sem qualquer base cien-tífica12.

Classificação

A classificação das crises epilépticas, idealizada pelaLiga Internacional contra a Epilepsia, está baseada emcritérios clínicos e eletroencefalográficos (Tabela 2)13,14.

O tipo de crise epiléptica reflete a presença da descargaepiléptica no córtex cerebral, estando relacionado ao seuinício e disseminação. As crises generalizadas represen-tam a presença de atividade epiléptica simultânea nos dois

hemisférios cerebrais, havendo obrigatoriamente a perdada consciência. Quando o evento epiléptico se inicia emum hemisfério cerebral, a crise é denominada parcial. Ascrises parciais podem ser denominadas ainda de simplesou complexas, dependendo da consciência estar preserva-da ou alterada, respectivamente. Existem diferenças sig-nificativas no tipo de tratamento medicamentoso, assimcomo na abordagem diagnóstica e no prognóstico para asdiferentes crises epilépticas. Por isso, é fundamental umacaracterização adequada do evento1.

Qualquer tipo de crise epiléptica pode evoluir paraEME, que assim pode ser classificado da mesma maneira.Os EME convulsivos são mais freqüentes na criança eapresentam maior potencial de gravidade no sentido decomplicações sistêmicas e do SNC. Maytal e colaborado-res (1989), avaliando 193 crianças com EME, observarama presença de crises convulsivas primariamente generali-zadas ou de início focal e generalização secundária em

Neonatos 1 a 2 meses > 2 meses

Insulto agudo

Hipóxia/isquemia Infecção SNC Infecção SNCInfecção Hematoma subdural Hemorragia SNC

Hemorragia SNC Anóxia

Metabólico/genético

Hipoglicemia Hipoglicemia HipoglicemiaHipernatremia Hipernatremia HipernatremiaHiponatremia Hiponatremia HiponatremiaHipocalcemia Hipocalcemia HipocalcemiaHiperbilirru- Acidemia Distúrbios

binemia orgânica lissosomaisAcidemia Orgânica Defeitos ciclo Idiopática

da uréiaDefeitos ciclo da uréia FenilcetonúriaDeficiência Piridoxina

Acidose láctica Esclerose tuberosa

Outros

Abstinência de Malformação Convulsão febrilnarcóticos do SNC

Toxicidade a cocaína Intoxicação

Tabela 1 � Principais etiologias relacionadas a crises epilépti-cas agudas e ao EME

I. Crises parciaisA. Crises parciais simples 1. Com sinais motores

2. Com sintomas somato-sensoriais

3. Com sintomas ou sinaisautonômicos

4. Com sintomas psiquícos

B. Crises parciais 1. Início parcial simplescomplexas seguido de alteração

da consciênciaa. com automatismosb. sem automatismos

2. Com alteração inicialda consciênciaa. com nenhuma outra

característicab. com característica de

crises parciais simplesc. com automatismos

C. Crises parciais evoluindo 1. Parciais simples evoluin-para crises generalizadas do para generalizadas

2. Parciais complexas evo-luindo para generalizadas

3. Parciais simples evoluin-do para parciais comple-xas e posteriormente paracrises generalizadas

II. Crises generalizadasA. Crises de ausência 1. Ausência verdadeira

2. Ausência atípicaB. Crises mioclônicasC. Crises clônicasE. Crises tônico-clônicasF. Crises atônicas

III. Crises não classificadas

Tabela 2 � Classificação internacional das crises epilépticas

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93% dos casos15. As formas de status epilepticus nãoconvulsivos, como a ausência ou as crises parciais comple-xas correspondem a cerca de 5% dos casos de EME nafaixa etária pediátrica, de acordo com os diferentes estu-dos3,5,15.

FisiopatologiaOs conhecimentos da fisiopatologia são fundamentais

na abordagem das crises mais prolongadas e principal-mente no EME, devido à possibilidade de complicaçõesneurológicas e sistêmicas, decorrentes da atividade epi-léptica prolongada (Tabela 3)10.

Durante as crises mais prolongadas, existe a possibi-lidade de ocorrer alterações no fluxo sangüíneo cerebraldecorrentes do próprio fenômeno epiléptico ou até mesmodas drogas utilizadas na terapêutica, o que, associado àdespolarização e gasto excessivo de ATP, pode facilitar alesão neuronal1,5,10,16. Os efeitos sistêmicos das crisesprolongadas são inicialmente combatidos pelas tentativasdo próprio corpo em manter uma homeostasia3. Do pontode vista temporal, podemos dividir as crises em uma faseinicial (20-30 minutos), na qual o organismo tenta supriressas necessidades metabólicas elevadas, e um períodoposterior, de desequilíbrio fisiológico, intercalados pelochamado período de transição1,17-19. A lesão neuronaldecorrente da atividade epiléptica mantida é dependente,portanto, das alterações sistêmicas do organismo, associ-adas ao próprio hipermetabolismo celular. Nos primeiros20 a 30 minutos de atividade epiléptica, os mecanismoscompensatórios se desenvolvem, com elevação da pressãoarterial sistêmica e pulmonar, causando um aumento de

até 900% do fluxo sanguíneo cerebral1,5,17,18,20. Essaelevação da pressão arterial sistêmica deve-se à liberaçãode catecolaminas circulantes e à própria contratura mus-cular generalizada. Nesta fase, o consumo cerebral deoxigênio pode estar aumentado em até 300%, quandocomparado às condições do metabolismo basal1,5. Desen-volve-se ainda hipertermia, acidose metabólica devido àglicólise anaeróbica, e acidose respiratória devido à obs-trução de vias aéreas superiores por secreções e umainadequada expansão pulmonar gerada pela contraçãomuscular generalizada17-19. Após o período de transição(em torno de 30 minutos), os mecanismos compensatóriosentram em falência, ocorrendo hipotensão arterial, piorada ventilação e da oxigenação sangüínea, levando à outrascomplicações encontradas no EME. A Tabela 3 mostra oseventos fisiopatológicos relacionados ao EME.

Arritmia cardíaca pode ocorrer pela hiperatividadeautonômica, acidose e hipercalemia, podendo ser acentu-ada pelas medicações utilizadas. Alterações respiratóriasestão relacionadas à contração muscular durante a fasetônica da convulsão, associada a um aumento da secreçãoem vias aéreas e a uma constrição brônquica desencadeadapela descarga autonômica exagerada1,5,20. Pode ocorrerainda edema pulmonar de caráter neurogênico, associadoà elevação da circulação pulmonar durante a fase ictal,com extravasamento de fluido transcapilar. Alteraçõesrenais são resultantes da combinação da rabdomiólise commioglobinúria e hipotensão com diminuição da perfusãorenal5,21.

No início do EME ocorre hiperglicemia, devido àliberação de catecolaminas e glucagon, porém posterior-

< 30 minutos > 30 minutos Horas(Fase 1) (Fase 2) (Refratariedade)

Alterações sistêmicasPressão arterial Aumenta Diminui HipotensãoPaO2 Diminui Diminui HipoxemiaPaCO2 Aumenta Variável Hipercapnia/HICFluído pulmonar Aumenta Aumenta Edema pulmonarAtividade autonômica Aumenta Aumenta ArritmiasTemperatura Aumenta 1ºC Aumenta 2ºC Febre

MetabólicoPh Diminui Variável AcidoseLactato Aumenta Aumenta Acidose láticaGlicose Aumenta Normal HipoglicemiaPotássio Aumenta ou normal Aumenta HipercalemiaCreatinofosfoquinase-CPK Normal Aumenta Insuficiência renal

Sistema Nervoso CentralFluxo sangüíneo cerebral Aumenta 900% Aumenta 200% Edema cerebralHemorragiaConsumo cerebral de O2 Aumenta 300% Aumenta 300% Isquemia cerebralEstado metabólico cerebral Compensado Descompensado Isquemia

Tabela 3 � Alterações sistêmicas, metabólicas e do sistema nervoso central e suas conseqüênciasdurante crises epilépticas prolongadas (Adaptado de Tasker, 1998)

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mente, por liberação de insulina e consumo excessivo deglicose, pode haver hipoglicemia1,5,29. A atividade mus-cular excessiva, além das complicações renais, podedeterminar o aparecimento de hipertermia. Esta, associa-da à leucocitose e leve pleocitose, que comumente acon-tecem no EME mais prolongado, podem determinar con-fusão diagnóstica com quadros infecciosos1,5. Devido aalterações da barreira hemato-liquórica, é possível ocor-rer hiperproteinorraquia e também uma elevação de até 20células/mm3 no LCR, em pacientes com crises convulsi-vas prolongadas, sem infecção do SNC, porém salienta-seque normalmente não se observa hipoglicorraquia nessescasos1,5.

A necrose laminar e o dano neuronal após crisesprolongadas estão associados diretamente à maior duraçãoda atividade epiléptica e são semelhantes ao que ocorre emoutros insultos cerebrais como aqueles associados à asfixiaou durante a hipoglicemia prolongada. Nos últimos anostem-se salientado o papel dos neurotransmissores nosmecanismos de lesão neuronal nestas situações1,16.

O principal neurotransmissor excitatório envolvidotem sido demonstrado já há vários anos ser o glutamato,através do fenômeno denominado de �excitotoxicidade�.Após a despolarização neuronal, ocorre nas sinapses aliberação desse neurotransmissor, que atua em váriosreceptores específicos na membrana neuronal pós-sináp-tica1.

Os principais receptores envolvidos no mecanismo daexcitotoxicidade neuronal são o AMPA e o NMDA (N-Metil-D-Aspartato). A ativação do primeiro determinauma entrada no neurônio pós-sináptico de íons sódio,facilitando a despolarização neuronal. Esta facilita aentrada íons cálcio no neurônio pós-sináptico, através decanais específicos, e também pela atuação do glutamato noreceptor NMDA. Quantidades elevadas deste íon, nointracelular, suplantando os mecanismos normais de reti-rada (principalmente às custas de ATP) resultam naativação de uma série de enzimas intracelulares, como asfosfolipases, endonucleases e proteases, e da óxido-nítricosintetase3. Essas enzimas, durante uma atividade epilép-tica prolongada, como no EME, determinam, em últimaanálise, o desaclopamento da fosforilação oxidativa, umalesão direta do esqueleto celular, além da formação deradicais livres, que aceleram esse processo3. O neurôniolesado libera mais glutamato para o extracelular, facilitan-do a lesão dos neurônios vizinhos1.

A compreensão desses fenômenos, além de deixarevidente a necessidade de não se permitir uma atividadeepiléptica prolongada, como no EME, o que aumentaria alesão neuronal, tem originado tentativas terapêuticas de seevitar a liberação de glutamato ou inibir a penetração deíons cálcio por outros mecanismos possíveis.

DiagnósticoO atendimento a uma criança em crise envolve discer-

nimento clínico e alguns procedimentos imediatos, quecontrolem a situação, promovam o bem- estar do paciente

e impeçam iatrogenias. Enquanto são efetuados os cuida-dos iniciais do paciente, devemos procurar, através deuma cuidadosa história do paciente e de observadoresresponder às questões sintetizadas na Tabela 4.

Exame neurológico

Nível de consciência Escala de Glasgow, orientação,memória, função cognitiva

Avaliação do troncoencefálico Reflexos pupilares

Tamanho, forma e resposta à luzReflexo oculovestibular eóculoencefálicoPadrão respiratório Cheyne-Stockes,

hiperventilação,apnêustica, atáxica

Respostas motorasmúsculo-esqueléticas Rigidez (decorti-

cação, flacidezdecerebração)Tônus muscular(espasticidade)Reflexos tendino-sos profundosBabinski

Sinais de localização Hemiparesia, ataxia Força muscularCoordenação

Rigidez de nuca (exceto no trauma)Fundo de olho

Tabela 4 � Anamnese e exame físico na avaliação da criançacom crise epiléptica aguda e EME

História (considerando alguns aspectos)A) História evolutiva

1) É mesmo uma epilepsia?2) Qual o tipo?3) Qual é a etiologia?4) Paciente tem diagnóstico prévio de epilepsia?5) Qual a freqüência das crises, mudança da freqüência ou do tipo

e sintomas associados?

B) Medicações1) Baixa aderência a medicação antiepiléptica2) Infecção recente3) Intoxicação exógena

C) História médicaAlergia, trauma craniano, cefaléia recente, febre, fraqueza dosmembros, movimentos anormais, neoplasia, cardiopatia, altera-ções neurológicas pré-existentes, distúrbios hidroeletrolíticos,intercorrências pré e pós-natais, risco para HIV

Exame Físico GeralA) Imediato

1) Sinais vitais (pressão arterial, freqüência cardíaca, movimen-tos respiratórios, temperatura)

B) Outros aspectos1) Cabeça: evidência de trauma, pupilas, fundo de olho, mem-

brana timpânica, trauma intraoral2) Coluna: meningismo, trauma cervical3) Cardiovascular: disrritmias, sopros4) Pulmões: murmúrio vesicular5) Pele e anexos: icterícia, cianose, palidez, evidências de

intoxicação exógena e coagulopatias, linfadenomegalia6) Extremidades: flacidez

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O médico não deve se restringir a aceitar como provaetiológica apenas algumas pistas aparentes. É necessáriauma história adequada, pesquisando-se intercorrências noperíodo da gestação, parto ou a presença de qualquerdoença sistêmica concomitante como, por exemplo, car-diopatias, coagulopatias ou distúrbios hidroeletrolíticos.Devemos insistentemente questionar antecedentes de usode drogas, traumas ou outras patologias anteriores.

Nos casos em que a criança apresenta diagnósticoprévio de epilepsia, é fundamental saber se as crisesestavam controladas ou se vinham recorrendo com fre-qüência. Deve- se determinar o nível sérico dos anticon-vulsivantes antes da introdução de doses de reforço ou daassociação de outras drogas, pensando na possibilidade derecorrência por níveis subterapêuticos, seja por esqueci-mento da medicação, seja por interação com outras dro-gas. Os dados do exame físico a serem investigadostambém estão incluídos, de modo sintético, na Tabela 4.

Diagnóstico Laboratorial

Os dados bioquímicos e do equilíbrio ácido-básicodeverão ser pesquisados em função da etiologia das crises.De modo geral, nas crianças maiores a dosagem de rotinade eletrólitos e glicemia são de pouco valor quando oexame neurologico está normal no período pós-ictal.

O exame de líquido cefalorraquidiano (LCR) geral-mente não é necessário em pacientes sem alteração neuro-lógica após a crise epiléptica. Meningites ou encefalitespodem cursar inicialmente com convulsões e febre, masapós os primeiros seis a 18 meses de vida, raramente, acrise epiléptica é manifestação isolada (além da febre) emum paciente com meningite bacteriana. Assim, nas crian-ças com mais de 18 meses de idade, que estejam neurolo-gicamente normais, sem depressão de consciência, toxe-mia ou sinais meníngeos, e que não tenham apresentadocrises epilépticas complicadas (focais, com mais de 15minutos de duração ou repetitivas em 24 horas), a indica-ção do exame de LCR pode ser postergada, devendo opaciente permanecer em observação por período de seis adoze horas. A literatura é controversa no sentido de seestabelecer uma regra absoluta para coleta de LCR empacientes abaixo de uma determinada faixa etária. Isso ébaseado no fato de que a presença de sinais meníngeos ouda rigidez de nuca não serem uma constante em lactentesjovens com meningite e também nos riscos de se atrasar odiagnóstico. Diversos autores recomendam a coleta doLCR em crianças que tenham apresentado um primeiroepisódio convulsivo na vigência de febre e que tenhammenos de 6 a 12 meses de idade, mesmo na ausência desinais meníngeos1,12. A indicação desse exame nos paci-entes acima dessa faixa etária e com menos de 18 mesesde idade deve estar baseada na experiência do médico, naalteração do estado geral e, principalmente, na presençade sinais meníngeos. Sempre que se optar pela não coletado LCR, o paciente deverá ser observado de modo atentonas primeiras seis a 12 horas, antes da alta hospitalar. A

RX simples de crânio Rastreamento de fraturas cranianasDesconexão de derivação ventricularCalcificaçõesPosicionamento clips intracranianos

Ultra-sonografia Principalmente em neonatosHemorragias: intra / periventricular eparenquimatosaHidrocefaliaEncefalopatia hipoxico-isquêmica (ma-nifestação hemorrágica e isquêmica)Infecção

Tomografia HemorragiasInfartosMalformaçõesPatologias do sistema ventricularLesões calcificadas

Ressonância Malformações do desenvolvimento (lis-sencefalia, paquigiria, heterotopias di-fusas, hemimegaloencefalia, macrogi-ria, displasia focal)Esclerose mesial temporalLesões destrutivas (porencefalia, ence-falomalácia)TumoresEsclerose tuberosaLesões vascularesProcessos inflamatóriosInfecçãoAlterações metabólicas com compro-metimento do SNC

SPECT (com contraste Lesões relacionadas a fluxo cerebralHMPAO) (hipo e hiperfluxo) não identificadas

pela ressonância

Tabela 5 - Neuroimagem nas crises epilépticas

presença de sinais de localização, em pacientes comconvulsões, deve alertar o médico para a possibilidade dapresença de lesão expansiva, e, neste caso, mesmo que opaciente apresente-se febril, devemos estar cientes dosriscos de uma eventual herniação cerebral pós-punção doLCR em pacientes com abscessos, neoplasias ou mesmoenfartes cerebrais extensos. Frente a dúvidas desse tipo,efetuamos inicialmente exame de tomografia computato-rizada cerebral (TC) para afastar essas possibilidades. Nocaso de haver dúvida da presença de uma infecção bacte-riana do SN, poderá ser efetuada coleta de hemocultura eintroduzida antibioticoterapia apropriada até a realizaçãoda TC. A Tabela 5 resume as indicações de neuroimagemem pacientes com crises epilépticas22.

A principal indicação do eletroencefalograma (EEG),no Pronto Socorro ou na UCI, é a suspeita da presença decrises epilépticas eletrográficas que possam estar ocorren-do sem manifestação clínica. Essa possibilidade deve serlembrada em pacientes com EME refratário, quando são

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utilizadas drogas de intenso poder sedativo como o tiopen-tal e, também, em situações em que não há uma recupera-ção satisfatória do nível de consciência após o controle daconvulsão com drogas como o fenobarbital ou a fenitoína.Ainda na fase aguda, o EEG pode ser importante nadetecção de alterações específicas como na suspeita deencefalite pelo herpes simplex1.

Diagnóstico diferencialNem todos os pacientes com perda de consciência ou

que apresentem tremores ou mesmo liberação de esfíncte-res, apresentam fenômenos epilépticos. Devemos procu-rar afastar a possibilidade de outros distúrbios paroxísticosde ordem não epiléptica, como síncopes, equivalentesenxaquecosos, hiperecplexia, etc1.

No caso de dúvida diagnóstica, freqüentemente émelhor aguardar um segundo episódio, orientando osfamiliares para as observações necessárias e para evitarriscos como por exemplo os perigos de submersão empiscinas ou na própria banheira. Um diagnóstico errôneode epilepsia não somente impede um eventual tratamentoadequado (quando a causa do distúrbio paroxístico não

epiléptico for tratável), mas além disso determina efeitosdanosos psico-sociais, com o diagnóstico de epilepsia.

TratamentoQuanto mais duradoura a crise que o paciente apresen-

ta, maior serão os riscos de seqüelas neurológicas ecomplicações sistêmicas e maior será a chance de a crisese tornar refratária. Dados recentes demonstraram quedeve-se iniciar com terapia agressiva antes que umacascata de disfunções neuroquímicas se instale. Váriosautores têm recomendado que esse tratamento deva seriniciado após cinco a dez minutos de atividade epilépticacontínua1,10,23.

O tratamento do paciente que está convulsionandodeve ser realizado através das medidas de suporte, tera-pêuticas e diagnósticas, que são conduzidas praticamentede modo simultâneo (Figura1)1,5. Como em qualquersituação de emergência, inicialmente, devem ser efetua-dos cuidados com vias aéreas, oxigenação e providenciadoum acesso venoso, que servirá para eventual coleta deexames laboratoriais, assim como para administração deanticonvulsivantes1,5,10,23.

Figura 1 - Suporte avançado de vida no paciente com crise epiléptica aguda

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Figura 2 � Abordagem terapêutica das crises epilépticas prolongadas

É sempre importante a lembrança da possibilidade dealguma patologia de base, como fator etiológico para ascrises epilépticas, cuja correção pode provocar o términodas convulsões, praticamente de imediato, tornando des-necessária a utilização dos anticonvulsivantes, como nocaso de alguns distúrbios eletrolíticos1,10. Por outro lado,muitas vezes os medicamentos antiepilépticos podem serineficazes, caso não seja efetuada a correção do problemasubjacente. Isso é particularmente válido para algumassituações como a encefalopatia hipertensiva, hipo ouhiperglicemia, alterações eletrolíticas importantes, entreoutras1,5.

O objetivo da terapêutica anticonvulsivante deve ser orápido término da crise epiléptica clínica e eletroencefalo-gráfica, através da administração, no momento adequado,das drogas mais apropriadas, em doses adequadas e demodo a se evitar eventuais complicações como apnéia,hipoventilação e outras anormalidades metabólicas1,5,24,25.

A seguir apresentamos o esquema terapêutico, relatan-

do as principais drogas utilizadas no tratamento da criseepiléptica prolongada (Figura 2).

Diazepam: o diazepam é a droga de escolha para otratamento inicial da uma crise epiléptica. Essa droga éeficaz no controle das crises em cerca de 75-90% doscasos1,5,10. A via intramuscular não deve ser utilizada,por apresentar absorção lenta, atingindo níveis séricosapenas após 60-90 minutos, sendo portanto ineficiente nocontrole das crises. Também não é recomendada a diluiçãodo diazepam, durante a administração endovenosa, porocorrer precipitação do medicamento e não existir contro-le da quantidade administrada. Essa droga, no períodoneonatal, pode predispor à encefalopatia bilirrubínica,uma vez que o seu veículo, o benzoato de sódio, deslocaa ligação bilirrubina-albumina, aumentando os níveis debilirrubina livre. Desse modo, o diazepam normalmentenão é utilizado em recém-nascidos, além do fato de, nesseperíodo, as crises serem geralmente auto-limitadas, ces-sando espontaneamente em poucos segundos1,5. Embora

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o diazepam seja utilizado para o controle das crises nascrianças maiores, ele não é eficaz para prevenir a recor-rência das mesmas. Essa medicação, apesar de apresentaruma penetração praticamente imediata no SN, por apre-sentar alta lipossolubilidade, é também rapidamente redis-tribuído para outros tecidos, causando a queda nos níveissérico e cerebral em cerca de 20 minutos, sendo necessáriaa utilização de outras drogas, de ação mais prolongada,quando existe a possibilidade de recorrência de crises1,5.

Fenitoína: a fenitoína determina o controle da ativida-de epiléptica anômala em 40-91% dos pacientes com crisesgeneralizadas, sendo que os menores índices de controlese referem aos casos de distúrbios tóxicos, metabólicos ouna anoxia1. A diluição da medicação, quando necessária,dever ser realizada com água destilada ou solução fisioló-gica a 0,9%, pois ocorre rápida precipitação quando éutilizada solução glicosada1,5. Erros na aplicação, como ouso intramuscular ou escapes para o subcutâneo, poderãoacarretar necroses extensas devido ao pH elevado dasolução1,5. A fenitoína é utilizada no tratamento das crisesnão controladas com o diazepam ou nas convulsõesrelacionadas às situações que necessitam da manutençãode uma droga anticonvulsivante com menor potencialdepressor do SN como, por exemplo, em meningites ounos traumatismos crânio-encefálicos. Nesses casos, após12 horas deve ser iniciada dose de manutenção de 5 a 7 mg/kg/dia, dividida em 2 infusões diárias. Um erro comumque temos presenciado nos serviços de emergência, con-siste na administração de dose de ataque plena (18-20 mg/kg), em pacientes que já vinham recebendo essa medica-ção1. Nesses casos existe o risco de intoxicação, mesmoem pacientes que tenham esquecido uma ou outra dose dadroga, sendo preferível a administração de uma outramedicação parenteral ou a utilização de doses menores defenitoína (por exemplo, 5 mg/kg), preferencialmente apóscoleta do nível sérico, para uma interpretação da situaçãoposteriormente1.

Já existe, em outros países, a fosfenitoína, que é umapró-droga, hidrosolúvel, que, por apresentar um pHneutro, pode ser administrada pelas vias endovenosa eintramuscular. Essa substância é rapidamente convertidaà fenitoína, pela fosfatase alcalina e, assim, apresenta umespectro de ação similar1.

Fenobarbital: essa droga é utilizada quando não houveo controle das crises com o diazepam ou a fenitoína. Emdeterminadas situações como o período neonatal, as crisespós-anoxia e a convulsão febril, tem se preferido autilização inicial do fenobarbital, em relação à fenitoí-na1,5. Na emergência, quando desejamos obter nívelsérico efetivo de modo rápido, devemos utilizar o fenobar-bital sódico, cujo sal é preparado em algumas farmácias demanipulação. Desse modo, teremos nível sérico efetivoem 10 a 20 minutos após o término da infusão. No períodoneonatal, quando não há o controle das crises com essasdoses, efetuamos acréscimos de 5 mg/kg até o término daatividade epiléptica ou até atingirmos um total de 40mg/kg.

A manutenção do fenobarbital deve ser iniciada após 24horas do ataque, na dose de 3 a 5 mg/kg/dia. Em relaçãoa pacientes que já vinham recebendo o fenobarbital previ-amente, deve ser efetuada a mesma consideração realizadaem relação a fenitoína, no tocante a não utilização de dosesplenas1,5.

Midazolam: trata-se de um benzodiazepínico, classi-camente utilizado como hipnótico, que vem sendo cadavez mais preconizado no controle de crises epilépticas quese mostraram refratárias às medicações clássicas, utiliza-das por via parenteral26,27. Por apresentar um anel imida-zólico, que a torna hidrossolúvel, também pode seradministrada por via intramuscular, como opção empacientes sem acesso venoso1. A maiorias dos estudos querelatam o uso dessa medicação referem não ter sidonecessária a utilização de respiração assistida relacionadaà sua infusão, o que também tem sido a nossa experiência1.De qualquer modo, é imperiosa a necessidade de existiruma facilidade para a realização da entubação oro-traqueale assistência respiratória ao se optar por esse esquematerapêutico. Mais recentemente foi demonstrada tambéma eficácia dessa droga por administração intranasal esublingual, oferecendo uma boa alternativa para os paci-entes com crises prolongadas fora de ambiente hospitalarou em situações em que um acesso venoso não é possívelde imediato28,29.

Tiopental sódico: os pacientes que não apresentaramresposta às drogas utilizadas, que estejam mantendo umacrise epiléptica prolongada ou com crises intermitentessem retorno de consciência entre elas, devem ser transfe-ridos para a Unidade de Terapia Intensiva, submetidos àintubação e ventilação mecânica. Nesses casos, após essesprocedimentos, iniciamos o tiopental sódico, com dose deataque de 2 a 3 mg/kg/dose, seguido da infusão contínuainicial de 10 microgramas/kg/minuto. Essa dose deveráser elevada em curtos intervalos de tempo, até o controleclínico das crises. Sempre que possível, nesse momento,deverá ser realizado EEG, para haver a certeza do controletambém eletroencefalográfico da atividade epiléptica. Asdoses máximas do tiopental vão estar limitadas ao apare-cimento de efeitos colaterais, cardiovasculares, que nãopossam ser controlados com drogas vasoativas1,5. Nãorecomendamos a suspensão dos anticonvulsivantes, comoo fenobarbital ou fenitoína, durante a infusão do tiopental,inclusive sendo necessária a manutensão do controle donível sérico daquelas drogas. Vale lembrar que essebarbitúrico, de ação curta, será suspenso em curto inter-valo de tempo, sendo necessária a manutenção de umadroga anticonvulsivante.

É importante a lembrança de que algumas crisesepilépticas, que também podem evoluir para EME, comoas mioclônicas e as ausências, não são passíveis de seremtratadas com a fenitoína ou o fenobarbital. Nesses casos,além dos benzodiazepínicos, a droga preconizada é o ácidovalpróico, que ainda não existe em nosso meio por viaendovenosa1. Essa droga, na forma de xarope é bem

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absorvida por via retal, alcançando níveis séricos máxi-mos após 15-30 minutos. A dose inicial do valproato é de20 mg/kg, sendo que o xarope deve ser diluído 1:1 comágua1.

As causas mais comuns para as falhas terapêuticas sãodoses inadequadas, falhas na manutenção das condiçõesvitais, utilização de via incorreta para a administração dasdrogas, não utilização de medicações de ação prolongadae erros diagnósticos. A maior parte dos pacientes queapresentam crises refratárias às drogas utilizadas têmdistúrbios metabólicos ou lesões estruturais importantes.

Situações em que devemos iniciar a medicação anticon-vulsivante com dose de ataque

A utilização de anticonvulsivante por via parenteral,com dose inicial de ataque, objetivando atingir um nívelsérico adequado, não está restrita a pacientes em crisesprolongadas como, por exemplo, no estado de mal epilép-tico. Durante o atendimento no Serviço de Emergência,temos preconizado a utilização dessas doses em relação àfenitoína ou ao fenobarbital em pacientes que apresentampelo menos duas crises em 24 horas e também nas crisessintomáticas agudas, nas quais acreditamos haver umcomprometimento neurológico primário, como nos trau-matismos cranioencefálicos, nas infecções, nos processosvasculares ou anóxicos. As crises sintomáticas agudascom desencadeantes evidentes do tipo alterações metabó-licas geralmente não necessitam de tratamento anticonvul-sivante, a não ser em casos que possam ter havido lesõesestruturais. Salientamos que temos utilizado doses deataque de anticonvulsivantes nos pacientes com crisessintomáticas agudas, mesmo diante de uma única crise.

Conclusão

Os dados epidemiológicos atuais sugerem que a inci-dência do EME é muito maior do que se imagina e que háuma associação significativa com a presença de seqüelase óbitos. Diante desses fatos, é imperioso que o EME sejaidentificado e tratado o mais rapidamente possível, atravésde protocolos pré-estabelecidos. Os conhecimentos atuaisa respeito das alterações sistêmicas e das bases molecula-res da lesão neurológica permitem que tenhamos umaexpectativa quanto ao aparecimento de novas terapêuticas,que possam inclusive antagonizar os mecanismos deexcitotoxicidade, podendo reduzir a morbi-mortalidadedessa entidade.

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