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1 ABORDAGENS TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA GEOGRAFIA: UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS DOS GRUPOS DE PESQUISA EM GEOGRAFIA AGRÁRIA Janaína Francisca de Souza Pesquisadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho - UNESP [email protected] Resumo O presente trabalho traz uma discussão sobre as abordagens teórico-metodológicas da Geografia tendo com enfoque as temáticas elegidas pelos grupos de pesquisa em Geografia Agrária. Os grupos de pesquisa são concebidos como espaços de pesquisa e extensão responsáveis pela construção de pensamentos, por selecionar temáticas de estudo e compartilhar paradigmas. Através da análise da produção intelectual dos integrantes de 8 grupos de pesquisa em Geografia Agrária do Estado de São Paulo, foi possível identificar as principais temáticas que compõem desse ramo do conhecimento. Sob a ótica dos grupos de pesquisa, a análise revelou a complexa trama que envolve este ramo disciplinar. Eles expressam a unidade, diversidade e diferencialidade que o conhecimento geográfico abriga, considerados sujeitos da produção, construção e difusão do conhecimento e que se alinham a distintos paradigmas. Palavras-Chave: Grupos de pesquisa. Paradigmas. Geografia Agrária. Temáticas. Apresentação O presente trabalho faz uma discussão sobre as abordagens teórico-metodológicas da Geografia tendo como enfoque as temáticas elegidas pelos grupos de pesquisa em Geografia Agrária. Para tanto, além desta e das considerações finais, o seguinte trabalho divide-se em duas secções: a primeira, que apresenta os grupos de pesquisa como expressão da unidade, diversidade e diferencialidade da Geografia Agrária e uma segunda, em que são apresentadas as temáticas compartilhadas pelos grupos de pesquisa em Geografia Agrária do Estado de São Paulo. Grupos de pesquisa como expressão da unidade, diversidade e diferencialidade da Geografia Agrária Além de constituir-se como um campo de estudos que analisa a dinâmica dos sujeitos que constroem a realidade, cujo espaço é a categoria de estudo por excelência, a Geografia vive um contínuo processo de debate entre positivistas, neopositivistas, historicistas, marxistas e fenomenológicos, correntes que interpretam, com enfoques distintos, o espaço geográfico. Todavia, o debate sobre questões de cunho teórico-

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ABORDAGENS TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA GEOGRAFIA: UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS DOS GRUPOS DE PESQUISA EM GEOGRAFIA

AGRÁRIA

Janaína Francisca de Souza Pesquisadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA

Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho - UNESP [email protected]

Resumo

O presente trabalho traz uma discussão sobre as abordagens teórico-metodológicas da Geografia tendo com enfoque as temáticas elegidas pelos grupos de pesquisa em Geografia Agrária. Os grupos de pesquisa são concebidos como espaços de pesquisa e extensão responsáveis pela construção de pensamentos, por selecionar temáticas de estudo e compartilhar paradigmas. Através da análise da produção intelectual dos integrantes de 8 grupos de pesquisa em Geografia Agrária do Estado de São Paulo, foi possível identificar as principais temáticas que compõem desse ramo do conhecimento. Sob a ótica dos grupos de pesquisa, a análise revelou a complexa trama que envolve este ramo disciplinar. Eles expressam a unidade, diversidade e diferencialidade que o conhecimento geográfico abriga, considerados sujeitos da produção, construção e difusão do conhecimento e que se alinham a distintos paradigmas.

Palavras-Chave: Grupos de pesquisa. Paradigmas. Geografia Agrária. Temáticas.

Apresentação

O presente trabalho faz uma discussão sobre as abordagens teórico-metodológicas da

Geografia tendo como enfoque as temáticas elegidas pelos grupos de pesquisa em

Geografia Agrária. Para tanto, além desta e das considerações finais, o seguinte trabalho

divide-se em duas secções: a primeira, que apresenta os grupos de pesquisa como

expressão da unidade, diversidade e diferencialidade da Geografia Agrária e uma

segunda, em que são apresentadas as temáticas compartilhadas pelos grupos de pesquisa

em Geografia Agrária do Estado de São Paulo.

Grupos de pesquisa como expressão da unidade, diversidade e diferencialidade da Geografia Agrária Além de constituir-se como um campo de estudos que analisa a dinâmica dos sujeitos

que constroem a realidade, cujo espaço é a categoria de estudo por excelência, a

Geografia vive um contínuo processo de debate entre positivistas, neopositivistas,

historicistas, marxistas e fenomenológicos, correntes que interpretam, com enfoques

distintos, o espaço geográfico. Todavia, o debate sobre questões de cunho teórico-

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metodológico, em comparação com outras, ainda carece de maiores reflexões e

considerações. Diniz (1987), na década de 1980, já apontava para essa lacuna, de modo

que faltam informações mais precisas sobre pesquisas, eventos, trabalhos e teses, sem as

quais não se pode reconstruir, de forma prudente, a trajetória da Geografia brasileira.

Oliveira (1995) também apontou sobre a importância do estudo sobre a atualidade do

pensamento geográfico, considerando as rápidas mudanças que ocorreram nos últimos

anos.

A Geografia Agrária brasileira se desenvolve seguindo uma trajetória de

transformações, em que as influências de outras ciências e as mudanças paradigmáticas

determinam os temas de estudo e as formas de estudá-los (FERREIRA, 2002). É preciso

que essas transformações sejam devidamente compreendidas e, para isso, adentrar o

pensamento geográfico brasileiro constitui-se como tarefa elementar. Com diferentes

ênfases e concepções, inúmeros foram os estudiosos que constataram as transformações

sócioespaciais e teórico-metodológicas pelas quais passaram o conhecimento científico

e a própria Geografia. No que tange a Geografia Agrária, a situação é semelhante. Esses

estudios preocuparam-se em conhecer melhor as temáticas desenvolvidas nas pesquisas,

apontar as perspectivas teórico-metodológicas, elaborar periodizações e discutir o objeto

de estudo da Geografia Agrária. Estes pensadores demonstraram a necessidade de

aprofundar a compreensão da Geografia Agrária para discutir e analisar suas

transformações, tendências e influências.

Entre os trabalhos mais significativos de estudos sobre o pensamento geográfico em

agrária, destaca-se O Mundo Rural e Geografia: Geografia Agrária no Brasil 1930-

1990, da professora Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira e o artigo A Geografia

Agrária e as transformações territoriais recentes no campo brasileiro, do professor

Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Esses dois trabalhos, de modos diferentes, são

contribuições importantes para compreender a formação do pensamento geográfico em

Geografia Agrária, considerando a raridade desse tipo de estudo.

Neste início do século XXI, dois trabalhos se dedicaram a discutir as abordagens

teórico-metodológicas da Geografia Agrária. Ferreira et al. (2009), ao analisar as teses e

dissertações em Geografia Agrária defendidas no Programa de Pós-Graduação em

Geografia da Unesp de Rio Claro (PPGRC) de 1970 a 2007, partiu do pressuposto do

pluralismo metodológico que envolveu esse ramo, no qual intensificou-se o diálogo

com outras áreas do saber. Ao analisar a produção da Geografia Agrária de 1939-2009,

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Alves (2010) vai em direção semelhante e diz que, apesar de momentos de rupturas

paradigmáticas, a heterogeneidade de enfoques e abordagens é a característica principal

deste período, sendo em 1990 o período em que a coexistência de abordagens é

nitidamente perceptível e marcante.

De fato, a produção intelectual da Geografia Agrária brasileira continua sendo pautada

pela diversidade. Contudo, além da diversidade, outras duas dimensões devem ser

consideradas: a unidade e a diferencialidade. Por unidade estamos nos referindo à

especificidade e singularidade da forma de organização do pensamento, cuja ação é

orientada e direcionada para uma interpretação particular da realidade. A diversidade,

como exposto, implica no conjunto das distintas formas de pensar, isto é, do conjunto

das unidades. A diferencialidade faz parte da diversidade, e se dá quando duas ou mais

unidades do pensamento são justapostas e explicitadas suas diferenças.

Estas três dimensões constituem-se importantes, pois revelam as “Geografias”

realizadas não só a nível nacional, como também mundial. Reconhecê-las é condição

sine qua non para a compreensão das questões teórico-metodológicas da Geografia, uma

vez que desvendar este campo investigativo é, também, questionar o papel dos estudos

geográficos frente à sociedade.

Pautado na unidade, diversidade e diferencialidade, pode-se afirmar que as questões

teórico-metodológicas que envolvem os estudos geográficos se configuram como

elementos eminentemente estratégicos e vinculados a interesses, sujeitos e classes

sociais (LACOSTE, 1988). Esses estudos se convertem em força política e ideológica e,

por isso, possuem papel central, colocando conhecimento e poder como instâncias

fundamentalmente necessárias para uma interpretação crítica que toda a forma de

produção do conhecimento abrange (FOCAULT, 2009). A universidade constitui-se em

um espaço de luta, e a Geografia cabe incorporar essa conflitualidade independente da

posição assumida (GERMANI apud RAMOS FILHO, 2005). Ainda de acordo com

GERMANI apud RAMOS FILHO (2005):

Não é mais uma questão de você contar população, ver se é urbana, ver se é rural, ver o quê produz, como produz, localização, condições climáticas, usar imagens de satélite, GPS... Mas você tem um conflito explicitado que vai parecer mesmo que não se queira mostrar... O próprio pesquisador passa a se sentir, obrigatoriamente, parte dessa realidade, ele deve não só interpretar, mas ele deve tomar posições que tem a ver com posições de classe desse pesquisador (GERMANI apud RAMOS FILHO, 2005, p. 62).

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Na atualidade, essa condição é deliberada explicitamente ou implicitamente por

geógrafos e geógrafas que, amparados por seus respectivos projetos de pesquisa e

extensão, relatórios científicos, monografias, dissertações e teses alinham-se,

impreterivelmente, a concepções políticas e ideológicas de mundo.

No campo do saber e do labor científico, dois grandes estudiosos auxiliam nesse debate

político e ideológico: Thomas S. Kuhn e Ludwik Fleck. De certa maneira, ambos

partiram do rompimento e da superação de abordagens positivistas, em que o

pressuposto da neutralidade científica foi desmitificado ao incluir um viés histórico,

psicológico e, sobretudo, social de compartilhamento de paradigmas e estilos de

pensamento. Para a Geografia, o fator do compartilhamento é importante para a

compreensão de determinadas concepções elegidas e faz dela um saber comprometido

politicamente e ideologicamente. Kuhn (2007) tratou o desenvolvimento da prática

científica com base nos paradigmas, ao passo que Fleck (1979) apoiou-se nos estilos de

pensamento. Juntos, esses dois conceitos contribuem para a interpretação do

conhecimento geográfico e das suas questões teórico-metodológicas, porém, são

concepções que nasceram ancoradas em preocupações que se diferem bastante daquelas

propostas para a Geografia, e por isso suscitam tanto contribuições como limites que

devem ser exaltados.

Além de identificar teorias, métodos, conceitos, períodos, temáticas e/ou contextos em

que os estudos geográficos foram elaborados, é preciso recorrer a outros aportes que

atualizem o pensamento geográfico. É necessário entendê-los como estudos que se

inserem numa lógica ampla e complexa, compartilhados por estudiosos filiados a

grupos de pesquisa. No que diz respeito aos grupos de pesquisa, os consideramos

como expressões da diversidade existente na Geografia, sujeitos de produção,

construção e difusão do conhecimento e que se alinham a diversas “Geografias”,

aderindo distintas concepções políticas e ideológicas que estão presentes nos

paradigmas de estudo.

A diversidade de abordagens geográficas não pode ser compreendida sem a análise dos

papéis que os grupos de pesquisa desempenham, na medida em que, intencionalmente,

organizam, selecionam e compartilham temáticas específicas para uma interpretação

geográfica. Luckesi faz algumas considerações sobre a importância da atividade

coletiva que os centros universitários realizam e assinala:

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Conhecer o mundo, a realidade, torna-se fascinante quando os “sujeitos” põem em comum suas potencialidades e capacidades para dominar a realidade. Isto é decorrência da qualidade social inerente a nós homens: deixar que as “consciências” se comuniquem na experiência de viver, de dominar o mundo. [...] Isto o fazemos quando, intencionalmente, nos reunimos para refletir, discutir, estudar uma situação, um desafio, uma questão, um problema, ou enfrentar juntos uma luta, uma conquista (LUCKESI, 1987).

Mais que um agrupamento de pesquisadores que se unem para o estudo de determinadas

temáticas de interesse comum, os grupos de pesquisa selecionam paradigmas para a

condução de suas reflexões. Entende-se que o estudo dos temas que influenciam os

grupos possibilita compreender como pesquisadores e estudos alinham-se à posturas

ideológicas e políticas, instituições e organizações sociais, se aproximando do que

Berdoulay denominou de círculos de afinidades (BERDOULAY, 1981).

O saber geográfico sempre abarcou a organização coletiva do pensamento, como mostra

Sousa Neto (2001) ao discutir o papel desempenhado pela Sociedade de Geografia do

Rio de Janeiro – SGRJ – nos séculos XIX e XX. Estas sociedades, compostas por

comerciantes, militares, engenheiros e cientistas, se conectaram a ações de ordem

colonialista e imperialista e, consequentemente, justificaram histórias, escolhas políticas

e projetos nacionais. Ainda, o estudo sobre o papel destas sociedades, sobretudo em

países entendidos como periféricos, mostra a relação direta com as questões científicas

que deveriam encaminhar os estudos geográficos na época e que, posteriormente,

constituíram os sistemas universitários, as redes de pesquisa, as publicações e os

eventos (SOUSA NETO, 2001).

Hoje, outros tipos de “sociedades universitárias” apresentam-se para inúmeras áreas do

conhecimento. Marcado sob o crivo do processo de reestruturação produtiva e apoiado

pelo Estado, uma outra concepção de grupo de pesquisa oficializou a organização social

e coletiva que historicamente conformou a História da Geografia no Brasil.

No Brasil, uma das principais características que compõe a atividade científica da

atualidade, consiste na formação de grupos de pesquisa e redes acadêmicas.

(MOROSINI; FRANCO, 2001). Nesse contexto, consideramos importante, nesta

pesquisa, estudar a produção intelectual dos membros dos grupos de pesquisa em

Geografia Agrária. Grande parte da produção do pensamento geográfico realizada nas

universidades brasileiras, estimulada pelos centros de pós-graduação, com apoio das

agências de fomento, se baseia hoje nestes espaços de pesquisa ainda não investigados.

Orientados por interesses em comum, os grupos de pesquisas tomam frente do processo

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de construção do conhecimento e representam uma das mais ricas fontes para o estudo

do pensamento geográfico em nosso país.

Considera-se que a produção do conhecimento em grupos de pesquisa possibilita a

realização de investigações mais amplas e complexas, uma vez que envolve

pesquisadores dos mais distintos níveis acadêmicos - professores, alunos (graduação e

pós-graduação), funcionários e técnicos. A articulação entre os pesquisadores e a

manutenção do diálogo torna-se condição importante para a construção do

conhecimento (MARAFON, 2008).

Ainda, os grupos de pesquisa viabilizam o compartilhamento do conhecimento e

qualifica a atividade científica nas suas mais diversas dimensões (VALENTIM, 2007).

Ao integrar seus membros, eles produzem em seu interior um processo sinergético, pois

agregam pesquisadores por meio de linha(s) de pesquisa(s) que representam “[...] temas

aglutinadores de estudos científicos que se fundamentam em tradição investigativa, de

onde se originam projetos cujos resultados guardam afinidades entre si.” (CNPq, 2008).

A partir de linhas genéricas e abrangentes, os projetos de pesquisa são concebidos,

favorecendo, assim, a reflexão e o questionamento em torno de um determinado

objeto(s).

Valentim (2007) chama atenção para a visão global que os grupos de pesquisa

constroem em torno do fenômeno(s) estudado(s), já que cada membro, independente do

seu nível acadêmico, colabora de forma particular e criativa no processo de construção

do conhecimento. Assim, docentes, discentes, técnicos e funcionários são sujeitos

ativos, pois participam desse processo e são capazes de desenvolver habilidades:

Para o docente/pesquisador este compartilhamento proporciona um eterno repensar do objeto de pesquisa, bem como provoca a atualização contínua dos seus conteúdos programáticos ministrados em sala de aula. Da mesma forma, para o profissional (egresso ou não) este compartilhamento proporciona a reflexão sobre o fazer na realidade vivenciada. Para o aluno este compartilhamento é vital, pois é por meio dele que o aluno aprende a questionar e a refletir, dando-lhe maturidade para o desenvolvimento da pesquisa científica. Além disso, a formação do aluno que tem contato com grupos de pesquisa, consequentemente, com um projeto de pesquisa é mais bem qualificada, preparando-o para atuar como profissional mais consciente, mais crítico ou preparando-o para seguir a formação no nível stricto sensu (VALENTIM, 2007, p. 7).

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O debate paradigmático manifesta a unidade, diversidade e diferencialidade da

Geografia, e entendê-los constitui-se como tarefa necessária para que o pensamento

geográfico possa ser devidamente delineado e atualizado.

Como expressão da unidade, diversidade e diversidade da Geografia, os grupos de

pesquisa apresentam complexidade significativa no que diz respeito aos caminhos

teóricos, epistemológicos e metodológicos que, envoltos a intencionalidades e

ideologias, conformam unidade ao pensamento, isto é, dão vida aos paradigmas. A

questão é saber, com foco nos grupos de pesquisa, como a Geografia Agrária vem sendo

impactada pelos diferentes paradigmas, mapeando e analisando a sua produção. Para

além da sua institucionalização, concebemos os grupos de pesquisa como espaços de

socialização acadêmica, orientados por determinadas temáticas e paradigmas de estudo.

Isso não significa afirmar que os grupos de pesquisa estão “condenados” a determinadas

concepções paradigmáticas, porém, é necessário que o pressuposto da neutralidade

científica, postulada pela escola positivista, seja superado, de modo que passemos a

identificar o compartilhamento de paradigmas como mecanismos dos grupos de

pesquisa para o desenvolvimento de seus estudos.

Admitir essa condição nos permite reconhecer as tendências temáticas, conhecer as

influências intra/interdisciplinar, bem como os paradigmas que hoje influenciam os

estudos geográficos. Deste modo, o presente trabalho inicia o mapeamento da produção

intelectual da Geografia Agrária sob a ótica dos grupos de pesquisa. A seguir,

procuramos analisar a atualidade da produção teórico-metodológica a partir das

temáticas de estudo de cada grupo.

As temáticas de estudo dos grupos de pesquisa em Geografia Agrária

A partir do levantamento da produção científica dos pesquisadores nas edições do

Simpósio Internacional de Geografia Agrária (SINGA) dos anos de 2003, 2005, 2007 e

2009 e das edições de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 do Encontro Nacional dos Grupos

de Pesquisa em Geografia Agrária (ENGRUP), 8 grupos de pesquisa em Geografia

Agrária do Estado de São Paulo compõem o universo da análise: Agricultura e

Urbanização, Geografias da Modernidade e o Agrária (USP); Logística, agricultura e

uso do território brasileiro (Unicamp); Centro de Estudos de Geografia do Trabalho

(CEGeT), Núcleo de Estudos Agrários (NEA), Grupo de Estudos Dinâmica Regional e

Agropecuária (GEDRA) e o Núcleo de Estudos, e o Grupo de Estudos, Pesquisas e

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Projetos de Reforma Agrária (NERA) - Unesp. Estes grupos correspondem a 100% dos

grupos que se dedicam à este ramo da Geografia. Em uma breve análise desse temário,

observamos como as transformações recentes determinaram as mudanças de temas de

pesquisa, mantendo alguns, criando novos e fazendo desaparecer outros.

O grupo Agricultura e Urbanização (USP) possui como temática principal o estudo da

relação campo/cidade e agricultura/urbanização. O grupo também envolve pesquisas

específicas sobre estudos agrários ou urbanos, com destaque para as pesquisas entre

geografia e literatura, atuando como perspectivas complementares da temática

principal do grupo. O trabalho escravo, a questão de gênero e os agrocombustíveis,

também fazem parte do temário trabalhado pelo grupo.

As temáticas associadas às comunidades tradicionais brasileiras, com ênfase para as

comunidades quilombolas, caiçaras e indígenas, estão atreladas a discussões que

envolvem: a revalorização dos saberes e da identidade desses povos, com destaque para

os seus dilemas e perspectivas; os processos de luta e resistência, a fotografia e a

história oral como instrumentos de salvaguarda da memória e fortalecimento da

identidade e os fenômenos migratórios – organograma 1.

Organograma 1: Principais temáticas - Agricultura e Urbanização

Organização: Janaina Francisca de Souza Campos

O grupo Geografias da Modernidade (USP) baseia-se no interesse sobre a questão do

gênero na geografia e sobre a questão da modernidade tecnológica da cana-de-

açúcar. Neste sentido, as temáticas desenvolvidas pelo grupo dividem-se em três

grandes grupos: gênero, migração e trabalho/cana-de-açúcar, sendo esta última a

temática unificadora – organograma 2.

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Organograma 2: Principais temáticas – Geografias da Modernidade

Organização: Janaina Francisca de Souza Campos

O grupo Agrária (USP) possui um amplo leque de temáticas. São temáticas de estudos

que referem-se a luta pela terra e movimentos sociais, a relação campo-cidade e/ou

rural urbano, as comunidades tradicionais – faxinais, quilombolas e indígenas –, a

questão sobre a agroenergia, com destaque para os biocombustíveis, as práticas da

agricultura orgânica/agroecológica, a agricultura familiar/camponesa e trabalhos

que abordam questões teórico-metodológicas, discutindo, sobretudo, o estudo do

campesinato, do marxismo e da política para a teoria do campesinato e sobre a

etnoconservação – organograma 3.

Organograma 3: Principais temáticas – Agrária

Organização: Janaina Francisca de Souza Campos

O grupo Logística, agricultura e uso do território brasileiro (Unicamp), desenvolve

seus estudos centrados na análise das redes e fluxos e na análise regional. Com relação

as redes e fluxos, são analisados os efeitos da modernização e da exportação agrícola no

território brasileiro considerando a região competitiva e a logística para explicar a

organização do território. Já no que concerne a análise regional, busca-se a compreensão

do uso corporativo do território brasileiro pelas empresas processadoras de suco de

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laranja, relacionado-se, deste modo, a análise do circuito espacial produtivo –

organograma 4.

Organograma 4: Principais temáticas – Logística, agricultura e uso do território brasileiro

Organização: Janaina Francisca de Souza Campos

No Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT), além da temática trabalho,

temas como a luta pela terra e pela água, os conflitos que mediam esse espaço de

disputa, sindicatos e movimentos sociais - urbanos e rurais -, as práticas da

agricultura mecanizada e os impactos na organização da produção família e o

agronegócio e as relações de trabalho circundam e entram em contato com a temática

principal - trabalho. Outra temática que recentemente foi englobada refere-se ao estudo

das comunidades amazônicas e suas relações de trabalho e a análise do discurso

jornalístico – organograma 5. Organograma 5: Principais temáticas – CEGeT

Organização: Janaina Francisca de Souza Campos

No Núcleo de Estudos Agrários (NEA), localizado na Unesp-Rio Claro, os temas

centram-se na abordagem teórico-metodológica da Geografia Agrária, no turismo

rural e na pluriatividade, nos impactos da modernização da agricultura e no

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avanço do setor canavieiro, na agricultura familiar e na multifuncionalidade, na

questão da migração e na relação campo-cidade/rural-urbano e nas dinâmicas dos

pequenos municípios e sua relação com aspectos da ruralidade – organograma 6.

Organograma 6: Principais temáticas – NEA

Organização: Janaina Francisca de Souza Campos

No Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária (GEDRA), as temáticas da

renda agrícola e não-agrícola, associativismo e cooperativismo rural, organização e

a formação de núcleos urbanos, com destaque para as relações campo/cidade e/ou

rural/urbano, a questão do envelhecimento no meio rural, as cadeias produtivas, a

interação da agricultura com a indústria, as relações de independência, as formas

de viabilidade e a adoção de inovações tecnológicas e a questão das políticas

públicas, são os temas mais prestigiados pelo grupo.

O grupo também trabalha de uma forma mais esparsa com temáticas referentes a

assentamentos rurais, agronegócio e modernização do campo. Ainda, já foram estudadas

temáticas que tangenciam a questão da descentralização, com a organização de

conselhos municipais, bem como questões que enfatizam a discussão no estudo do

desenvolvimento regional e o capital social – organograma 7.

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Organograma 7: Principais temáticas – GEDRA

Organização: Janaina Francisca de Souza Campos

No Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA), a equipe está

organizada sob os seguintes temas: luta pela terra - ocupações, assentamentos rurais,

estrutura fundiária e movimentos sociais -, impactos socioterritoriais – assentamentos,

agricultura camponesa, agronegócio e desenvolvimento territorial – e territórios do

saber - educação do campo, ensino de geografia, representação documental da luta pela

terra, pensamento geográfico e o debate paradigmático – organograma 8.

Organograma 8: Principais temáticas – NERA

Organização: Janaina Francisca de Souza Campos

Diante desse cenário, fica claro que o compartilhamento de determinadas temáticas dão

unidade aos grupos de pesquisa, atribuindo-lhes singularidade a suas pesquisas. Além

de verificar a unidade, a identificação da diversidade e diferencialidade dos grupos e dos

seus respectivos rols temáticos também foi possível, o que subsidia o processo de

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análise paradigmática da Geografia Agrária. As temáticas de pesquisa adotadas

designam recortes verticais do problema que será abordado e, “uma vez definido, o

tema é utilizado como “chave” de identificação de seleção de áreas de conhecimento

disponível em ciências sociais e outras disciplinas relevantes.” (THIOLLENT, 1992, p.

51).

É cauteloso ressaltar que a intenção não é apresentar os grupos de pesquisa

como entidades acadêmicas homogêneas. No interior de um grupo de pesquisa é

possível perceber, para um mesmo fenômeno, diferentes ângulos, favorecendo o

surgimento de uma maturidade teórica a partir da complexidade que o fenômeno retrata,

afastando-se de um provável reducionismo (VALENTIM, 2007). Todavia, cremos que

seja importante atualizar o pensamento geográfico e contribuir epistemologicamente,

atentando para as pressuposições temáticas que são compartilhadas pelos pesquisadores

e que interagem entre si (GRINNEL, 1992). Por mais que existam questões específicas

que, obviamente, distinguem os pesquisadores filiados a um mesmo grupo, existe a

presença de temática(s) que é amplamente compartilhada pelos integrantes dos grupos.

À respeito, Grinnel acrescenta:

Cada pesquisador tem uma particular bagagem de conhecimentos que é única, mas há alguns aspectos da bagagem de conhecimentos que são compartilhados com outros pesquisadores. Esse conhecimento compartilhado inclui pressuposições sobre vários aspectos da ciência incluindo abordagens metodológicas, observações, hipóteses aceitas, e problemas importantes que estão a requerer pesquisas posteriores. Estas pressuposições e crenças compartilhadas são o estilo de pensamento predominante do grupo, e elas incluem uma definição do que significa fazer pesquisa (GRINNEL, 1992, p. 57 e 58).

Considerações finais

Os grupos de pesquisa são concebidos como espaços importantes de difusão do

conhecimento, nos quais são construídas pesquisas que trazem distintas interpretações

sobre o espaço geográfico, imbuídas de ideologias e de posturas políticas e cujo

potencial pode repercutir no modelo de desenvolvimento rural brasileiro, naturalizando

práticas e ações. A identificação das temáticas de estudo dos grupos de pesquisa deve

ser entendida como parte desse processo, ou seja, as temáticas são capazes de revelar a

unidade paradigmática e, com isso, o amplo espectro de unidades que conforma a

diversidade e a diferencialidade que a Geografia Agrária contempla.

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Notas ___________ 1 Este trabalho faz parte das discussões que vem sendo realizadas junto ao projeto de doutorado intitulado “A produção do conhecimento da Geografia Agrária: o papel dos grupos de pesquisa no Estado de São Paulo”, financiado pela FAPESP. 1 Dentre os autores que realizaram estudos a respeito do pensamento geográfico, destacamos: ANDRADE (1987), CORRÊA (1982), GOMES (1996), MONTEIRO (1978), MORAES (1981), MOREIRA (1986; 2000), MACHADO (2005), VALVERDE (2007), FERREIRA (2002), SILVEIRA (2006) e ALVES (2010). 1 O trabalho realizado por Darlene Aparecida Ferreira intitulado O Mundo rural e geografia: geografia agrária no Brasil de 1930-1990 resgata os estudiosos que se concentraram em discutir a Geografia Agrária. Os trabalhos elaborados por BRAY (1987), CERON, GERARDI (1979), GUSMÃO (1978), GALVÃO (1989), OLIVEIRA (1994;1995;1999), FERNANDES (1998), RODRIGUES (2007) e SUZUKI (2007) também fazem parte deste grupo de estudiosos.

Referências

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