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(;FÜÂ0Î1S0) PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO Numeração Única: 0011227-85.2006.4.01.3500 APELAÇÃO CÍVEL N. 2006.35.00.011250-2/GO RELATÓRIO A Exmª Srª Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora): Trata-se de apelação interposta por João Delfino de Abreu contra sentença proferida nestes autos de ação de procedimento ordinária ajuizada contra a União, o Estado de Goiás e a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento da qualidade de vítima do acidente, com deferimento da pensão especial; de garantia de atendimento médico-hospitalar, odontológico e psicológico, com fornecimento dos medicamentos necessários ao autor, e; condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, bem como pensão a ser fixada em dois salários mínimos, tudo em razão do acidente radiológico com o Césio 137, ocorrido em Goiânia/GO no ano de 1987, em relação ao qual afirma ter tido relação de proximidade e firmar nexo de causalidade, em razão do parentesco consangüíneo com Maria Gabriela, casada com Devair e tio de Leide das Neves, com os quais não residia, mas a quem foi prestar assistência, tão logo soube dos problemas da irmã. . Pugna, preliminarmente, pela análise do agravo retido de fls. 379/396, onde formula impugnação ao indeferimento do pedido de produção de prova oral e ao requerimento de produção de nova prova pericial. Afirma ser necessária a permanência da União e do Estado de Goiás. Alega que se afigura correto o entendimento do juízo sobre a plena aplicação ao caso da teoria da redução do módulo de prova, pois não é possível cientificamente comprovar de forma material a existência de correlação causal entre doenças apresentadas e pessoas que tenham mantido contado com o césio há mais de 20 anos, o que todavia não o impediu de acolher os laudos produzidos pela Fundação SULEIDE, que a seu juízo são imprestáveis ao caso, pois os critérios da fundação foram estabelecidos segundo o parâmetro da lei para atender aos contaminados classificados como pertencentes aos grupos 1 e 2, nos quais ele não se enquadra, o que todavia não pode excluir a reparação, já que os estudos internacionais (D<:Z@) - Nº Lote: 2012104216 - 2_2 - APELAÇÃO CÍVEL N. 2006.35.00.011250-2/GO - TR188804

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO

Numeração Única: 0011227-85.2006.4.01.3500APELAÇÃO CÍVEL N. 2006.35.00.011250-2/GO

RELATÓRIO

A Exmª Srª Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora):

Trata-se de apelação interposta por João Delfino de Abreu contra sentença proferida nestes autos de ação de procedimento ordinária ajuizada contra a União, o Estado de Goiás e a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento da qualidade de vítima do acidente, com deferimento da pensão especial; de garantia de atendimento médico-hospitalar, odontológico e psicológico, com fornecimento dos medicamentos necessários ao autor, e; condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, bem como pensão a ser fixada em dois salários mínimos, tudo em razão do acidente radiológico com o Césio 137, ocorrido em Goiânia/GO no ano de 1987, em relação ao qual afirma ter tido relação de proximidade e firmar nexo de causalidade, em razão do parentesco consangüíneo com Maria Gabriela, casada com Devair e tio de Leide das Neves, com os quais não residia, mas a quem foi prestar assistência, tão logo soube dos problemas da irmã. .

Pugna, preliminarmente, pela análise do agravo retido de fls. 379/396, onde formula impugnação ao indeferimento do pedido de produção de prova oral e ao requerimento de produção de nova prova pericial.

Afirma ser necessária a permanência da União e do Estado de Goiás.

Alega que se afigura correto o entendimento do juízo sobre a plena aplicação ao caso da teoria da redução do módulo de prova, pois não é possível cientificamente comprovar de forma material a existência de correlação causal entre doenças apresentadas e pessoas que tenham mantido contado com o césio há mais de 20 anos, o que todavia não o impediu de acolher os laudos produzidos pela Fundação SULEIDE, que a seu juízo são imprestáveis ao caso, pois os critérios da fundação foram estabelecidos segundo o parâmetro da lei para atender aos contaminados classificados como pertencentes aos grupos 1 e 2, nos quais ele não se enquadra, o que todavia não pode excluir a reparação, já que os estudos internacionais existentes dividem em 4 os grupos atingidos pelos efeitos de acidentes da espécie.

Assevera que os critérios utilizados para amparar os atingidos iniciais e diretos pelo acidente, não podem ser os mesmos utilizados para as vítimas futuras, que são atingidos e padecem dos efeitos indiretos da radiação ionizante, situação que não pode ser ignorada, nem servir de justificativa para afastar a responsabilidade pelo ressarcimento devido.

Aduz que o fato do laudo pericial ser produzido pela SULEIDE ofende o princípio da impessoalidade, haja vista, tal superintendência fazer parte da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Goiás, restando caracterizada a parcialidade dos membros da comissão.

Sustenta que “o entendimento acerca do art. 3º da Lei nº 9.425/96 é o de que a comprovação de que a pessoa é vítima do Césio 137 deve ser feita por tal junta médica apenas em âmbito administrativo e não em âmbito judicial, o que implica em obstar o livre acesso ao Judiciário e ofensa aos princípios do devido processo legal em seu aspecto material, por negar a existência do contraditório ao laudo oficial produzido...”.

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Alerta para o que dispõe o art. 138 do Código de Processo Civil: “Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição: (...) III – ao perito.”

Por fim, afirma que o caso deve ser analisado segundo o princípio da precaução, considerando o bem jurídico maior, o direito à saúde e à vida, conforme previsão constitucional.

Requer a condenação das rés à indenização cabível para o caso, bem como, ao atendimento médico-hospitalar, odontológico, e psicológico aos apelantes pela SULEIDE ou ao pagamento do tratamento na rede hospitalar particular, caso constatada a ausência de profissionais e recursos técnicos necessários àquela instituição.

Alternativamente, que seja reformada a sentença de forma a anular todo o procedimento posterior à juntada do laudo pericial fornecido pela SULEIDE, determinando a abertura de novo prazo para produção de provas, observando-se a inversão do ônus probatório, cabendo ao pólo passivo a prova da inexistência de nexo causal, com a designação de perito independente e isento nomeado pelo Juízo.

Reitera o pedido referente aos benefícios da assistência judiciária gratuita e pugna pela manifestação expressa dos seguintes dispositivos constitucionais: art. 1º, inc. III, art. 5º, caput e inciso LV, art. 6º, caput, art. 21, inc. XVIII, inc. VI, ou seja, ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da ampla defesa, do direito à saúde, ao trabalho e à vida, bem como ao art. 37, caput, e § 4º, quanto aos princípios administrativos da eficiência e da impessoalidade. Quanto aos dispositivos legais, consideram-se prequestionados os arts. 3º e 5º da Lei 9.425/96, bem como o art. 292 do CPC.

Contrarrazões do Estado de Goiás às fls. 482/486, da União às fls. 488/498 e da CNEM às fls. 502/522.

Parecer do Ministério Público Federal às fls. 528/533, opinando pelo provimento do agravo retido e pela prejudicialidade da apelação.

É o relatório.

DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA

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VOTO

A Exmª Srª Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora):

PRELIMINARES

1 - AGRAVO RETIDO

O Juízo é o destinatário da prova e a ele cumpre avaliar a necessidade de realização da mesma ou de sua repetição.

No caso, o apelante/agravante requer a modificação do entendimento do juízo a quo que indeferiu seu pedido de nova produção de prova pericial por discordar do entendimento lançado pela junta médica oficial da Fundação Leide das Neves, que fora designada para a realização dos exames.

O Superior Tribunal de Justiça mantém o entendimento dos Tribunais que deferem pensionamentos fundados no posicionamento técnico dos médicos e outros profissionais da Fundação Leide das Neves, justamente em razão da lei de sua instituição ter a finalidade de reconhecer o direito dos atingidos a tais benefícios, não proclamando ou vislumbrando qualquer ilegitimidade em tal conduta.

Nesse sentido, confira-se, dentre outros:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 21.290 - GO (2011/0081937-6)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN

AGRAVANTE : ESTADO DE GOIÁS

PROCURADOR : ALINY NUNES TERRA E OUTRO(S)

AGRAVADO : ROBERTO FERNANDES SARDEIRO

ADVOGADO : ROSIMAR PINHEIRA DOS SANTOS E OUTRO(S)

DECISÃO

Trata-se de Agravo de decisão que inadmitiu Recurso Especial (art. 105, III, "a", da CF/88) interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. VÍTIMA DE CONTAMINAÇÃO. CÉSIO 137. PENSÃO ESPECIAL VITALÍCIA. LEI ESTADUAL Nº 14.226/02. PORTADOR DE DOENÇA CRÔNICA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. Restando evidenciado nos autos que o impetrante trabalhou no policiamento dos rejeitos radioativos com o Césio 137, localizado em Abadia-Go, servindo à disposição do Batalhão Ambiental, no período de 13/04/93 até 04/08/2003, além de ser portador de doença crônica, conforme fls.25 e 43, emerge seu direito líquido e certo de perceber a pensão especial assegurada pela Lei Estadual nº 14.226/2002.

Segurança parcialmente concedida (fls. 171-172).

Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fl. 196).

No Recurso Especial o agravante afirma que houve violação dos arts. 267, VI, 295, III, 329, 333, I, e 535, II, do CPC; e dos arts. 6º, caput e § 5º, e 10 da Lei 12.016/2009. Sustenta, em suma, que "o autor, ora recorrido, não

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logrou demonstrar o nexo causal entre a doença de que é portador e o trabalho exercido" (fl. 207, grifo no original).

Contraminuta às fls. 256-265.

É o relatório.

Decido.

Os autos foram recebidos neste Gabinete em 30.8.2011.

A irresignação não merece prosperar.

Inicialmente, constato que não se configura a ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.

Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram.

Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido: REsp 927.216/RS, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 13/8/2007; e REsp 855.073/SC, Primeira Turma, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 28/6/2007.

Verifica-se ainda que o Tribunal de origem não emitiu juízo de valor sobre o art. 295, III, do CPC; e os arts. 6º, caput e § 5º, e 10 da Lei 12.016/2009.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável o conhecimento do Recurso Especial quando os artigos tidos por violados não foram apreciados pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de Embargos de Declaração, haja vista a ausência do requisito do prequestionamento. Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. FUNDAMENTO SUFICIENTE INATACADO. SÚMULA 283/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. (...)

(...) 4. A falta de prequestionamento da questão federal, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial (Súmula 211 do STJ).

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp 872.706/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.02.2007, DJ 22.02.2007 p. 169)

Na hipótese em tela, o Tribunal a quo consignou:

No tocante ao mérito da controvérsia, entendo que razão assiste ao impetrante, por restar comprovado nos autos que em virtude do serviço prestado foi acometido de doença crônica, conforme avaliação médica feita pela Comissão de Avaliação da Superintendência Leide das Neves Ferreira (SULEIDE), órgão criado para acompanhar as vítimas do Césio 137, fls. 43.

É certo ainda, que o impetrante trabalhou no policiamento dos rejeitos radioativos com o Césio 137, localizado em Abadia-Go, servindo à disposição do Batalhão Ambiental, no período de 13/04/93 até 04/08/2003, fls.25, sendo evidenciada a existência de seu direito líquido e certo de perceber a pensão especial assegurada em Lei Estadual.

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Nesse sentido, o artigo 2º da Lei Estadual nº 14.226/2002, que reajusta os valores das pensões especiais que especifica, dispõe sobre a sua concessão às pessoas irradiadas ou contaminadas que trabalharam na descontaminação da área acidentada com o Césio 137, na vigilância do Depósito Provisório em Abadia de Goiás e no atendimento de saúde às vítimas diretas do acidente e dá outras providências.

Desse modo, qualquer conclusão em sentido contrário, objetivando afastar a decisão proferida no acórdão recorrido, demandaria necessariamente análise de Direito local (Lei Estadual 14.226/2002) e reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, o que se revela inviável em Recurso Especial, consoante o disposto nas Súmulas 280/STF e 7/STJ.

Por tudo isso, com fulcro no art. 544, § 4º, II, "a", do Código de Processo Civil, nego provimento ao Agravo.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília (DF), 06 de setembro de 2011. MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator (Ministro HERMAN BENJAMIN, 14/09/2011)

Não há sentido em apenas conferir legitimidade para a manifestação da Fundação quando ela seja favorável aos postulantes, pretendendo que em casos contrários, convoquem-se peritos que sejam estranhos a seus quadros, onerando desnecessariamente os cofres públicos para a realização das perícias, sem que se demonstre qualquer suspeição na atuação dos profissionais.

Assim, não há razão para deferir nova perícia a ser realizada por outros profissionais, apenas em razão dos médicos que compuseram a junta médica serem funcionários públicos.

Sobre o destino da prova e a competência para avaliar a necessidade de sua realização, assim já se manifestou o STJ:

Ação de indenização. Doença profissional gerando incapacidade para o trabalho. LER ou DORT. Cerceamento de defesa. Nexo causal. Juros moratórios. Danos morais. Precedentes da Corte.

1. Não há falar em cerceamento de defesa diante do indeferimento de nova prova pericial, considerada idônea a perícia realizada. O tema da qualificação do profissional não foi tratado no acórdão, e, ainda, a circunstância da associação com patologia psiquiátrica não malfere o cerne da incapacidade gerada pela LER – Lesão por Esforço Repetitivo.

2. O nexo causal foi devidamente identificado pelo Tribunal de origem, com base no laudo pericial objetivamente posto, com identificação de doença incurável em decorrência do trabalho exercido, impossível de reexame diante da Súmula nº 7 da Corte.

3. Os juros moratórios devem seguir o padrão legal de 6% ao ano.

4. A jurisprudência da Corte já assentou que não há falar em prova do dano moral, mas, apenas, do fato que lhe deu causa.

5. Recurso especial conhecido e provido, em parte. (REsp 595.355/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2004, DJ 11/04/2005, p. 290)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.

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FRAUDE NO MEDIDOR. INDEFERIMENTO DE PROVA ORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO E DA PERSUASÃO RACIONAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A análise quanto à necessidade ou não da produção de prova oral é uma faculdade do magistrado, em observância aos princípios do livre convencimento motivado e da persuasão racional adotados na sistemática do Código de Processo Civil.

2. Assentado na instância ordinária, a partir de elementos constantes nos autos do processo, a premissa fático-probatória de que houve fraude na medição do consumo de energia elétrica, é inviável a discussão sobre cerceamento de defesa e possibilidade de julgamento antecipado da lide, conforme o enunciado da Súmula 7/STJ.

3. Agravo Regimental de CLAUDINO SCHIRMER desprovido. (AgRg no AREsp 44.379/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 02/08/2012)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ATO ADMINISTRATIVO QUE EXCLUI CANDIDATO APROVADO. ALEGAÇÃO DE INAPTIDÃO PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. ALEGAÇÃO DE LAUDO PERICIAL CONTRADITÓRIO. INDEFERIMENTO DE PROVA ORAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADA. PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA. SÚMULA 07/STJ.

1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. O poder instrutório do juiz, a teor do que dispõe o art. 130 do Código de Processo Civil, permite-lhe o indeferimento de provas que julgar inúteis.

3.A aferição acerca da necessidade ou não de realização de perícia, impõe o reexame do conjunto fático exposto nos autos, o que é defeso ao Superior Tribunal de Justiça, face do óbice erigido pela Súmula 07/STJ, porquanto não pode atuar como Tribunal de Apelação reiterada ou Terceira Instância revisora. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: AG 683627/SP, desta relatoria, DJ 29.03.2006, RESP 670.852/PR, desta relatoria, DJ de 03.03.2005 e RESP 445.340/RS, Relator Ministro José Delgado, DJ de 17.02.2003.

4. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 879.369/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 02/04/2008)

Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.

2 – LEGITIMIDADE DA UNIÃO E DO ESTADO DE GOIÁS

Acerca da legitimidade da União e do Estado de Goiás, colaciono o entendimento colhido à unanimidade pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp nº 1.180888/GO, que sobre a questão, assim se pronunciou:

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3. Nexo de causalidade e legitimidade passiva da União

A irresignação da União, no sentido de ver reconhecida sua ilegitimidade para responder pelo acidente radiológico, não merece acolhimento.

Rui Stoco destaca um capítulo inteiro apenas para elucidar as peculiaridades da atividade nuclear na teoria geral da responsabilidade. Além de mencionar expressamente o acidente radiológico de Goiânia⁄GO como exemplo típico de responsabilidade do Estado na modalidade objetiva, isto é, sem perquirir a culpa, pontua:

As atividades nucleares ocupam posição singular no contexto da teoria da responsabilidade, recebendo regulamentação jurídica especial (...), caracterizada por certos princípios e por normas que destoam do direito comum, em razão de sua natureza e das infinitas proporções do perigo que em si encerram (...).

A partir dessa necessidade e do convívio com essas questões, desenvolveu-se um novo ramo da ciência jurídica, que se denominou de Direito Atômico ou Direito Nuclear.

(...) As atividades nucleares importam em perigos tão grandes e conseqüências danosas tão imprevisíveis que as convenções e as legislações abandonaram por completo, na definição da responsabilidade, o dogma da culpa e, numa demonstração da correlação existente entre responsabilidade objetiva e perigo, abraçaram esse sistema, com uma expressão ainda mais rígida, não admitindo sequer a excludente de força maior (...). (Rui Stoco, Tratado de Responsabilidade Civil, 7ª ed. rev., atualiz e ampl., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 452 e ss.).

O Direito Nuclear tem como foco principal as atividades de fiscalização obrigatória pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). A presença da CNEN em situações de risco à saúde pública não é novidade no Brasil.

Pouco menos de 1 ano antes do acidente em Goiânia, a humanidade testemunhou em 26.4.1986 a tragédia de Chernobyl, cidade ucraniana onde uma usina nuclear teve um de seus reatores explodidos, ironicamente, durante um teste de segurança que visava manter a produção de energia atômica – mesmo em caso de acidente. A contaminação do solo e o dano ambiental foram tão graves, que até hoje suas deletérias conseqüências se fazem sentir.

Apesar dessa tragédia, o governo brasileiro, em época de crise no mercado interno, aventurou-se a importar carne bovina, produzida em Chernobyl, o que resultou em leading case do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da relatoria do então Desembargador Teori Albino Zavascki, hoje Ministro desta Corte Superior, cuja ementa vale ser reproduzida:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO CONSUMIDOR. IMPORTAÇÃO DE CARNE DA EUROPA APÓS O ACIDENTE NA USINA NUCLEAR DE CHERNOBYL. TRANSAÇÃO VISANDO A REEXPORTAÇÃO DO PRODUTO. DÚVIDA, SUSTENTADA POR CORRENTE CIENTIFICA, A RESPEITO DOS NÍVEIS DE RADIAÇÃO FIXADOS OFICIALMENTE COMO NÃO PREJUDICIAIS À SAÚDE HUMANA.

1. É indisponível, ao Ministério Público Federal, como autor da ação civil pública (Lei nº 7347, de 24.07.85), o direito material objeto do litígio. A saúde pública, direito de todos e dever do Estado (Constituição Federal, art. 196), é bem indisponível, protegido por lei

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mesmo contra a vontade de seu titular (CPC, arts. 320-II, 351 e 333, § único, inc. I). Intransacionabilidade, ademais, decorrente do art. 1035 do Código Civil.

2. Pendente a controvérsia que formou a lide e não dissipada a incerteza quanto à nocividade ou não do produto, a permissão de seu consumo no exterior afrontaria o princípio constitucional de respeito aos direitos humanos (art. 4º, II), bem como os compromissos do Brasil perante a Comunidade das Nações.

3. Transação não homologada. Decisão unânime.

4. Competência da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN para expedir normas sobre segurança e proteção relativa a materiais nucleares outorgada pela Lei nº 6189, de 16.12.74. Resolução CNEN nº 07, de 11.09.86, fixando em 600Bq⁄kg a margem de radiação admissível em carne destinada ao consumo humano. Níveis idênticos aos fixados pelas autoridades dos países da Comunidade Econômica Européia. Resolução nº 12, de 19.07.88, estabelecendo como de nível zero, para efeitos sanitários, radiação inferior a 60Bq⁄kg. Legitimidade das normas que não pode, do ponto de vista jurídico, ser contestada com base em corrente científica dissidente.

5. Ausência de prova de qualquer contaminação radioativa em relação à maior parte do produto. Radiação detectada, na parte restante, em níveis aproximados de 1Bq⁄kg, que tornam o produto apto ao consumo humano, segundo os padrões oficiais estabelecidos pela CNEN e pela Comunidade Econômica Européia.

6. Embargos Infringentes providos. Votos vencidos. (EIAC 90.04.09456-3, Turmas Reunidas, Rel. Juiz Teori Albino Zavascki, DJ de 5.12.1990).

Um ano depois da tragédia ucraniana, o Brasil, após tentar importar carne bovina contaminada, tem sua estréia garantida de vez no rol de catástrofes nucleares mundiais com o incidente de Goiânia⁄GO. A repercussão, de âmbito internacional, foi tamanha que a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) produziu um estudo exclusivo do acidente brasileiro, documentando-o como o leading case da aplicação da Convenção Internacional sobre Assistência em Caso de Acidente Nuclear ou Emergência Radiológica, adotada sob inspiração do terrível incidente ucraniano.

Assim, no trabalho intitulado The Radiological Accident in Goiânia, a Agência das Nações Unidas sintetizou a raiz do problema ocorrido em 1985 na seguinte passagem:

Relativamente à potencialidade de ocorrência de acidentes dessa espécie, há de ser feita uma uma observação fundamental, no sentido de que nada pode diminuir a responsabilidade da pessoa a quem compete a segurança de uma fonte radioativa. Fontes radioativas que são removidas do local definido no processo de notificação, registro e licenciamento podem representar um grande perigo. Meios para evitar tais brechas de segurança devem, portanto, ser assegurados pela pessoa responsável por uma fonte de radioatividade, incluindo procedimentos de verificação e ajustes de segurança apropriados. Embora a regulamentação normativa do sistema administrativo e técnico sirva para verificar a efetividade do sistema de profissional e de gestão, deve-se enfatizar que o controle

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legal e regulamentar não pode e não deve diminuir a responsabilidade dos gestores.

Para facilitar a obediência de tais deveres por parte do responsável pela fonte de radiação, os meios adequados para cumprimento das exigências legais devem ser específicos, claros e exeqüíveis para dotar as obrigações regulamentares de efetivo cumprimento. Em particular, boa comunicação é necessária entre todos os envolvidos com a implementação e execução dos regramentos de proteção radiológica (International Atomic Energy Agency – IAEA, The Radiological Accident in Goiânia, Viena, 1988, pp. 5-6, tradução livre, grifei).

Na hipótese dos autos, faltou exatamente boa comunicação entre os envolvidos com a implementação e execução dos regramentos de proteção radiológica!

Interessante notar que uma das conclusões da Agência, com base no estudo, foi no sentido de que se reforçassem as medidas protetivas no setor radiológico, pois a maior parte dos acidentes dessa natureza ocorreram fora da indústria de produção de elementos nucleares (idem, p. 88). Ou seja, a principal autoridade intergovernamental não faz qualquer distinção de tratamento da responsabilidade estatal quando se trata de acidente radiológico ou nuclear: o problema está ligado em ultima ratio à saúde pública e ao meio ambiente.

Com tais premissas pode-se facilmente averiguar o nexo de causalidade entre a omissão da União, tanto pela ausência de pronta resposta da CNEN ao destino a ser dado ao equipamento após o desligamento do Instituto de Radiologia, como por intermédio do Ministério da Saúde, que não desenvolveu plano de programas de vigilância sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia.

Nesse sentido, confira-se a seguinte passagem do acórdão recorrido, da lavra do eminente Juiz Federal convocado David Wilson de Abreu Pardo:

(...) a legitimidade da União, para figurar no pólo passivo do presente feito, encontra-se perfeitamente delineada, à luz da legislação que então regia a matéria.

(...) a Lei 6.229⁄1975 atribuiu responsabilidades à União, Estados e Municípios pelo desenvolvimento das diversas atividades necessárias à promoção, proteção e recuperação da saúde, cujo agrupamento constituía o Sistema Nacional de Saúde. No âmbito da União, entre vários outros órgãos, o Ministério da Saúde ficou incumbido das atividades relacionadas com o controle e fiscalização sanitária e epidemiológica dos serviços de saúde e da população em geral (art. 1º, inc. I).

Regulamentando a referida norma legal, foi editado o Decreto 81.384⁄1978, cujo art. 8º tem a seguinte redação:

O Ministério da Saúde tendo em vista o disposto na Lei 6.229, de 17 de julho de 1975, em articulação com outros órgãos especializados e as Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, desenvolverá programas objetivando a vigilância Sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia, objetivando assegurar condições satisfatórias à proteção da saúde dos usuários e operadores (grifei).

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Considerando que, no caso em análise, a cápsula de Césio 137, da qual emanou a radiação que contaminou milhares de pessoas na Cidade de Goiânia⁄GO, foi extraída de um aparelho⁄equipamento desativado (e abandonado) de radioterapia, considero ser manifesta a legitimidade da União para figurar no pólo passivo da presente ação.

E se pode ser certo que com a edição da Lei 9.425⁄96, que concedeu pensão especial às vítimas do acidente radiológico ocorrido na Cidade de Goiânia⁄GO, em 1987, a União não admitiu a sua responsabilidade no evento danoso, como sustenta em seu recurso de apelação, não se pode negar que a referida norma legal acaba por reconhecer a legitimidade passiva ad causam do Ente central para ações dessa natureza, ao prever expressamente, em seu art. 4º, a possibilidade de sua condenação ao pagamento de indenização por responsabilidade civil.

Entendo que esses argumentos bastam para afirmar a legitimidade passiva da União. (grifos nossos, fls. 1.777-1.778)

A omissão da União, na vigilância da destinação dos aparelhos de radioterapia, ficou estampada de forma mais contundente no seguinte trecho:

(...) a responsabilidade da União decorre da circunstância de não ter observado a sua obrigação de desenvolver programas destinados à vigilância sanitária dos equipamentos de radioterapia, como determina o art. 8º, do Decreto 81.384⁄1978, proporcionando a retirada da cápsula de Césio 137 de um desses aparelhos, o que somente tornou-se possível porque o equipamento, pela inércia da União, ficou quase dois anos abandonado na antiga sede do IGR. Essa omissão, portanto, contribuiu decisivamente para o trágico acidente radiológico de Goiânia⁄GO, que contaminou milhares de pessoas.

(...) Ora, o art. 1º, I, “j”, da Lei n. 6.229⁄75, dispunha caber particularmente ao Ministério da Saúde “manter fiscalização sanitária sobre as condições de exercício das profissões e ocupações técnicas e auxiliares relacionadas diretamente com a saúde” (...).

(...) não somente o Estado de Goiás deve ser considerado responsável pelo lamentável episódio, mas o Poder Público em geral, organizado que estava, como Sistema Nacional de Saúde, na forma da Lei n. 6.229⁄75, pois a competência para manter a fiscalização sanitária se distribuía entre os entes da Federação, particularmente entre a União e os Estados federados. Na falta de regras legais mais claras e precisas em contrário, ambos os entes estavam obrigados a evitar o incidente, pois, no fundo, as regras legais claramente estabeleciam essa obrigação também à União, por meio do Ministério da Saúde, não somente de maneira programática.

Pela legislação então em vigor, pode-se concluir que a responsabilidade é do Estado brasileiro, não tendo sido por outra razão que o Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, ordenou a apuração da responsabilidade criminal, sob o argumento de estar sendo questionada a competência do Brasil em manter programa nuclear independente, por causa do acidente, colocando em risco a sua política de busca do desenvolvimento científico em matéria nuclear (grifos nossos, fls. 1.785-1.787).

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Somando-se às conclusões do Tribunal a quo, tenho que a falha do Estado, que seguramente contribuiu para todo esse desencadear de acontecimentos trágicos, tem início no momento em que a CNEN recebeu a informação do Instituto de Radiologia sobre a desativação do prédio.

Veja-se trecho do inquérito da Superintendência da Polícia Federal em Goiás, reproduzindo depoimento de José de Júlio Rosental, Diretor do Departamento de Instalações e Materiais Nucleares da CNEN, à época, atestando a falha de comunicação que embasa, aqui, o nexo de causalidade:

Merece ainda, menção nas declarações do Dr. ROSENTAL, (...) ao ser perguntado por que o Departamento de Instalações e Materiais Nucleares não procedeu à fiscalização no local onde funcionava o Instituto Goiano de Radioterapia (...) quando este comunicou sua mudança para a nova sede (...), levando apenas a bomba de cobalto (...), deixando no antigo local a bomba de Césio-137?

Respondeu que não foi efetuada a fiscalização na antiga sede do Instituto, pelo fato de que se tratava apenas de uma pretensão do Instituto Goiano de Radioterapia de efetuar a mudança (...);

Que nas correspondências posteriores encaminhadas pelo Departamento de Instalações e Materiais Nucleares ao Instituto Goiano de Radioterapia, foi expressamente mencionado que a autorização para operação da bomba de cobalto ficaria na dependência de informação de conclusão das obras para a realização da inspeção no local pela CNEN;

Ainda, o Instituto nunca comunicou à CNEN, a conclusão das obras, para que a fiscalização pudesse ser efetuada, esclarecendo, também, que como o Instituto não comunicou a conclusão da obra, deixando de ser feita a inspeção respectiva, concluindo-se que aquele Instituto removeu, instalou e colocou em operação a bomba de cobalto irregularmente.

Perguntado igualmente por que não fiscalizou o Instituto Goiano de Radioterapia, quando este não respondeu ao ofício (...) da Comissão Nacional de Energia Nuclear (...) já que o prazo estipulado para reposta esgotou-se (...)?

Respondeu que vencido o prazo dado ao Instituto Goiano de Radioterapia, o Departamento de Instalações e Materiais Nucleares faria uma comunicação da irregularidade à Secretaria de Saúde do Estado, para que essa tomasse as providências de sua competência (fls. 240-241).

Ou seja: a CNEN, sabendo da possível irregularidade na mudança dos aparelhos radioterapêuticos do Instituto, não obstante vencido o prazo que se deu para sanar a irregularidade, nada fez, mesmo tendo o dever legal para tal desiderato. Relembre-se das palavras empregadas pelo seu preposto: o Departamento faria uma comunicação à Secretaria Estadual de Saúde, o que nunca ocorreu. Esse é um dos principais fundamentos da responsabilidade civil da União.

Pelo exposto, acolho a preliminar de legitimidade ativa da União e do Estado de Goiás para a lide, o que todavia, não inviabiliza o prosseguimento do exame da apelação.

3 – CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

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Em razão do reconhecimento da legitimidade passiva da União e do Estado de Goiás em litisconsórcio com a CNEN, não há falar-se em impossibilidade de cumulação de pedidos como lançado na sentença.

Acolho, neste particular, a irresignação lançada na preliminar.

CONCLUSÃO DAS PRELIMINARES

Em razão das preliminares acolhidas, em tese, deveria ser dado provimento à apelação, com a anulação da sentença, para que o processo retomasse seu curso para receber nova sentença com o exame dos pedidos à luz da presença das partes que se determinou legitimadas em face do acolhimento das preliminares.

Acolho as preliminares de legitimidade passiva da União e de possibilidade de cumulação de pedidos deduzida, razão pela qual anulo a sentença impugnada.

Em que pese a anulação referida, observo que o processo já está devidamente instruído e apto a receber julgamento, sendo a matéria a ser examinada apenas de direito, razão pela qual, passo a examinar o pedido com fundamento no § 3º do artigo 515 do CPC.

MÉRITO

A ação foi ajuizada com o objetivo de declarar a parte autora vítima do acidente radioativo com o Césio 137, ocorrido na cidade de Goiânia/GO em 1987 para qualquer fim de direito, inclusive para receber pensão especial do Estado de Goiás, com base na Lei 10.977/89 e da União, com base na Lei 9.425/96, condenando, além da União e do Estado de Goiás, de forma solidária, a CNEN ao pagamento de indenização a título de danos moral e material, bem como despesas com tratamentos médicos, odontológicos e psicológicos.

Os pedidos foram julgados improcedentes e o processo declarado extinto com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I do Código de Processo Civil.

Vejamos, a princípio, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito do assunto:

ADMINISTRATIVO. DIREITO NUCLEAR. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ACIDENTE RADIOATIVO EM GOIÂNIA. CÉSIO 137. ABANDONO DO APARELHO DE RADIOTERAPIA. DEVER DE FISCALIZAÇÃO E VIGILÂNCIA SANITÁRIO-AMBIENTAL DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO E DOS ESTADOS. LEGITIMIDADE PASSIVA.

1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social.

2. O art. 8º do Decreto 81.394/1975, que regulamenta a Lei 6.229/1975, atribuiu ao Ministério da Saúde competência para desenvolver programas de vigilância sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia.

3. Cabe à União desenvolver programas de inspeção sanitária dos equipamentos de radioterapia, o que teria possibilitado a retirada, de maneira segura, da cápsula de Césio 137, que ocasionou a tragédia ocorrida em Goiânia em 1987.

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4. Em matéria de atividade nuclear e radioativa, a fiscalização sanitário-ambiental é concorrente entre a União e os Estados, acarretando responsabilização solidária, na hipótese de falha de seu exercício.

5. Não fosse pela ausência de comunicação do Departamento de Instalações e Materiais Nucleares (que integra a estrutura da Comissão Nacional de Energia Nucelar - CNEN, órgão federal) à Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, o grave acidente que vitimou tantas pessoas inocentes e pobres não teria ocorrido. Constatação do Tribunal de origem que não pode ser reapreciada no STJ, sob pena de violação da Súmula 7.

6. Aplica-se a responsabilidade civil objetiva e solidária aos acidentes nucleares e radiológicos, que se equiparam para fins de vigilância sanitário-ambiental.

7. A controvérsia foi solucionada estritamente à luz de violação do Direito Federal, a saber, pela exegese dos arts. 1º, I, "j", da Lei 6.229/1975; 8º do Decreto 81.384/1978; e 4º da Lei 9.425/96.

8. Recurso Especial não provido.

(REsp 1180888/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/06/2010, DJe 28/02/2012)

Em várias ações nesta Justiça Federal reconheceu-se parcela substancial de responsabilidade estatal pelo ocorrido - especialmente pelo não cumprimento do dever de fiscalização da Secretaria de Saúde do estado federado - do que decorreram diversos pronunciamentos judiciais determinando obrigações de cunho indenizatório a todos que tiveram prejuízos à boa saúde em virtude do acidente.

Ainda que superado o entendimento da legitimidade passiva da União, convém relembrar o julgamento da Apelação Cível nº 2001.01.00.014371-2/GO pela Quinta Turma desta Corte, em que se discutiram vários aspectos envolvidos na questão:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ACIDENTE RADIOLÓGICO EM GOIÂNIA COM BOMBA DE CÉSIO 137. DANO AMBIENTAL E PESSOAL. PRESCRIÇÃO. PODER DE POLÍCIA, FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. VIGILÂNCIA SANITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DE CLÍNICA MÉDICA. RESPONSABILIDADE DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE. ABANDONO DE MATERIAL RADIOATIVO POR PROPRIETÁRIO DA CLÍNICA. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE FAZER (PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO HOSPITALAR ÀS VÍTIMAS), OBRIGAÇÃO DE DAR (PAGAMENTO AO FUNDO DE DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS).1. Embora o acidente com os radioisótopos de utilização médica tenham sido expressamente excluídos da disciplina da Lei 6.453/77, que dispõe sobre a responsabilidade civil sobre danos nucleares, o dano ambiental por ser de ordem pública é indisponível e insuscetível de prescrição enquanto seus efeitos nefastos continuam a produzir lesão.2. A configuração do dano ambiental causado pelo maior acidente radiológico do mundo com a destruição da bomba de césio 137,na cidade de Goiânia, no ano de 1987, é fato público e notório e também fartamente documentado nos autos.

3. O direito à reparação do dano (actio nata) não surge com o acidente, mas com a lesão por ele causada, isto é, com o conhecimento pela vítima

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da lesão sofrida. Se após o dano ambiental inicial decorrente do acidente radiológico com a bomba de césio 137, anos depois, o efeito do dano ambiental continua provocando lesão nas vítimas e fazendo novas vítimas, não há se falar em prescrição qüinqüenal contra a Fazenda Pública.4. A pessoa natural não se confunde com a pessoa jurídica. A responsabilidade pela reparação do dano é atribuível a quem explora a atividade que teria dado ensejo ao acidente. Se o dano é resultante de ato ilícito, todos os que concorrem para o resultado são responsáveis na reparação dos efeitos lesivos. 5. O acidente radiológico com o césio 137, em setembro de 1987 na cidade de Goiânia, insere-se no conceito legal de dano ambiental, eis que implicou em lançar na atmosfera e no solo substância química desencadeadora de processo de radiação que atingiu pessoas e animais.

6. O acidente radiológico gerou a contaminação de vários locais naquela cidade e ocasionou a coleta de quatorze toneladas de material radioativo. O desastre ambiental produziu dano no passado, está a produzi-los no presente e poderá continuar a produzi-los no futuro, pois diversas conseqüências físicas poderão atingir pessoas que tiveram contato com a radiação ou que a recebeu indiretamente pela ascensão à atmosfera de átomos que se desintegraram no ar.

7. O dano ambiental decorrente da exposição radiológica provocou danos físicos que causaram a morte de quatro pessoas e atingiu, direta ou indiretamente, outras centenas, das quais foram assim distribuídas: a) Grupo I - 57 pessoas envolvidas diretamente no acidente, com maior grau de contaminação interna e externa, com queimaduras na pele e radiodermites; Grupo II - 50 pessoas também contaminadas, porém sem queimaduras de pelo ou radiodermites e Grupo III - outras 514 pessoas acompanhadas anualmente com dosimetria baixa ou não detectada (familiares das vítimas dos Grupos I e II, profissionais que trabalharam no acidente e funcionários da Vigilância Sanitária Estadual).8. O césio não é substância nuclear e sim um radioisótopo e, em conseqüência, o acidente ocorrido em Goiânia não foi um acidente nuclear, mas radiológico em proporção gigantesca.

9. Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade de degradação ambiental (art. 3º, IV da Lei 6.938/81).

10. A identificação do nexo causal requer que se verifique em cada caso concreto quem ou o que é a causa imediata ou mediata do dano e que teve condições de impedi-lo para que o resultado não ocorresse.11. Tratando-se de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade é subjetiva, pelo que se exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três modalidades - negligência, imperícia e imprudência, não sendo necessário individualizá-la, dada que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.

12. A falta do serviço (faute du service) não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer o nexo de causalidade entre a omissão atribuída ao Poder Público e o dano causado.

13. Não é da competência da União manter a fiscalização das clínicas radiológicas, sendo parte ilegítima ad causam.

14. O Decreto nº 77.052, de 19.01.76, dispõe sobre a fiscalização sanitária e seu art. 1º estabelece que a verificação das condições de profissões e

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ocupações técnicas e auxiliares relacionadas diretamente com a saúde compete às Secretarias de Saúde dos Estados (adequação das condições do ambiente, o estado de funcionamento de equipamentos e aparelhos e meios de proteção capazes de evitar efeitos nocivos à saúde dos agentes, clientes, pacientes e dos circunstantes).

15. Compete à Secretaria de Saúde dos Estados a fiscalização de serviços que utilizem aparelhos e equipamentos geradores de raio X, substâncias radioativas ou radiações ionizantes.

16. Constitui infração sanitária a utilização de serviço que utilizem aparelhos de raio X e outras substâncias radioativas fora dos parâmetros legais (art. 10, inciso III, do Decreto 77.052/76). Constatada a infração sanitária praticado pelo Instituto Goiano de Radiologia (IGR), deveria a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás comunicar o fato à autoridade policial.17. Agiu com negligência a autoridade sanitária estadual que não fiscalizou o IGR nos termos do decreto regulamentar e da lei 6.437/77 (art. 10). O caso sub judice não diz respeito ao monopólio de comércio radioisótopos artificiais e substâncias radioativas, mas de uso indevido (abandono) de um aparelho radiológico em local de acesso a transuentes.18. É dever do Estado de Goiás prestar assistência médica especializada às vítimas da radiação do césio 137, vez que os problemas de saúde a elas acometidos são graves e sinistros exigindo atendimento especial.19. Se uma ou mais pessoas concorreram culposamente para que se produzisse o resultado, respondem solidariamente pelos danos. E responsabilidade solidária, significa que todos são responsáveis pela dívida, conforme se encontra expresso no parágrafo único do art. 896 do Código Civil. A sentença atenta ao fato ao dispor que "a imputação da responsabilidade aos figurantes do pólo passivo deu-se na forma solidária (CC art. 1518)".

20. Como conseqüência na natureza solidária das atribuições resultantes do ato ilícito é possível a atribuição ao Estado de Goiás prestar assistência médica às suas vítimas e: (a) fazer atendimento especial médico-hospitalar, técnico-científico, odontológico, psicológico às vítimas diretas e indiretas, reconhecidamente atingidas, até a 3ª geração, como estava sendo feita pela extinta Fundação Leide Neves; (b) fazer o transporte das vítimas em estado mais grave (do Grupo I) para realização dos exames, caso necessário, em ambulâncias; (c) prosseguir o acompanhamento médico da população de Abadia de Goiás - GO, vizinha ao depósito de rejeitos radioativos, bem como prestar eventual atendimento médico, em caso de contaminação; (d) efetivar sistema de notificação epidemiológica sobre câncer; (e) fazer o trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia; (f) manter na cidade de Goiânia centro de atendimento específico para as vítimas do césio 137, com médicos especializados como era feito pela extinta FUNLEIDE; (g) desenvolver um programa de saúde especial para crianças vítimas diretas ou indiretas da radiação.21. A competência da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, nos termos do art. 2º da Lei 6.189/74, vigente à época dos fatos, era fiscalizar o reconhecimento e o levantamento geológico de minerais nucleares; a pesquisa; a lavra e a industrialização de minérios nucleares; a produção e o comércio de materiais; a indústria de produção de materiais e equipamentos destinados ao desenvolvimento nuclear. A CNEN não

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possui atribuição legal de fiscalizar a utilização de aparelhos de radioisótopos artificiais ou de hospitais que utilizem substâncias radioativas.22. Segundo legislação vigente ao tempo do acidente com a bomba de césio 137, a competência da CNEN era circunscrita a expedir normas referentes ao tratamento e à eliminação de rejeitos radioativos (art. 2º da Lei 6.189/74). Os rejeitos radioativos precisam ser tratados antes de serem liberados para o meio ambiente, se for o caso. O acidente de Goiânia envolveu uma contaminação radioativa, isto é, a existência de material radioativo onde não deveria estar presente.

23. Compete à CNEN expedir regulamentos e normas de segurança e proteção relativos ao tratamento e a eliminação de rejeitos radioativos e não há demonstração de que a autarquia tenha feito o trabalho de esclarecimento necessário.

24. Não se houve a CNEN com a diligência necessária após o acidente no sentido de prevenir e esclarecer aos bombeiros que fizeram a limpeza do local que deveriam usar roupas apropriadas.

25. O IPASGO, mesmo não sendo o responsável pelo abandono da bomba de césio em seu imóvel, tinha o dever de zelar para que ele não desse causa a transtornos a saúde e segurança da vizinhança (art. 554 do CC). O art. 1.528 do CC também estabelece a responsabilidade do dano pelos danos decorrentes da ruína do imóvel. Ainda que não tenha sido o IPASGO quem demoliu o prédio, ao tornar-se seu proprietário e possuidor, deveria cuidar de repará-lo, pois o alojamento da substância radiológica assim o exigia.

26. Amaurillo Monteiro de Oliveira, ex-sócio do IGR, agiu com imprudência ao demolir parte do imóvel e nele deixar abandonada a bomba de césio 137 que foi objeto de subtração e depois destruída a marteladas, dando início ao desastre.

27. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida para declarar a legitimidade passiva ad causam dos médicos Carlos de Figueiredo Bezerril e Criseide Castro Dourado e condenar os réus ao pagamento individual de R$ 100.000,00 em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e para condenar o Estado de Goiás ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e as seguintes obrigações de fazer: (a) fazer atendimento especial médico-hospitalar, técnico-científico, odontológico, psicológico às vítimas diretas e indiretas, reconhecidamente atingidas, até a 3ª geração, como estava sendo feita pela extinta Fundação Leide Neves; (b) fazer o transporte das vítimas em estado mais grave (do Grupo I) para realização dos exames, caso necessário, em ambulâncias; (c) prosseguir o acompanhamento médico da população de Abadia de Goiás - GO, vizinha ao depósito de rejeitos radioativos, bem como prestar eventual atendimento médico, em caso de contaminação; (d) efetivar sistema de notificação epidemiológica sobre câncer; (e) fazer o trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia; (f) manter na cidade de Goiânia centro de atendimento específico para as vítimas do césio 137, com médicos especializados como era feito pela extinta FUNLEIDE; (g) desenvolver um programa de saúde especial para crianças vítimas diretas ou indiretas da radiação.28. Apelação da CNEN parcialmente provida para diminuir para R$ 100.000,00 a condenação ao pagamento ao Fundo de Defesa dos Direitos

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Difusos e isentá-la da obrigação de prestar assistência médico-hospitalar e epidemiológica da competência do Estado de Goiás.29. Apelação do médico Amaurillo Monteiro de Oliveira improvida. Mantida a sentença que o condenou ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

30. Apelação do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Goiás improvida. Mantida a sentença que condenou o IPASGO ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.31. Remessa oficial prejudicada. 

Sobre o tema, é conveniente colacionar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello1

sobre a responsabilidade da Administração Pública por danos causados por seus agentes:

“d) Responsabilidade objetiva do Estado2

Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.

34. Ampliando a proteção do administrado, a jurisprudência administrativa da França veio a admitir também hipóteses de responsabilidade estritamente objetiva, isto é, independentemente de qualquer falta ou culpa do serviço, a dizer, responsabilidade pelo risco administrativo ou, de todo modo, independentemente de comportamento censurável juridicamente.

Jean Rivero distingue casos de responsabilidade objetiva por risco, quais os de acidentes de trabalho sofridos por agentes da Administração e danos causados por coisas perigosas (como explosivos, linhas de transmissão de energia elétrica, armas utilizadas pela polícia etc.), dos casos de responsabilidade sem qualquer culpa ou deficiência do serviço, mas que não procedem do risco administrativo. Seriam, na verdade, danos por atividade lícita, em que também cabe responsabilidade objetiva do Estado. Consoante indica, configurariam tais situações as hipóteses de danos decorrentes de obras públicas não perigosas e que excedem os inconvenientes ordinários de vizinhança, bem como as medidas de ordem econômica ou social impostas a uma empresa em nome do interesse geral. De todas as hipóteses faz completa documentação jurisprudencial.

VI. Fundamentos da responsabilidade do Estado

35. Não há confundir as condições deflagradoras da responsabilidade do Estado supramencionada com os fundamentos da responsabilidade estatal.

Uma coisa é saber-se quais os requisitos necessários para colocar em causa a obrigação de reparar o dano e outra coisa é questionar sobre a justificativa da existência de tal responsabilização. Esta última corresponde ao fundamento de responsabilidade, a dizer, consiste na razão pela qual são estabelecidos os vários casos ensejadores da obrigação de reparar o dano. Ou, dizendo com maior rigor: consiste naquilo que supedita as distintas hipóteses de responsabilização.

36. A nosso ver, o fundamento se biparte.

1 Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 13ª edição, revista, ampliada e atualizada, São Paulo, Malheiros, 2001.2 Ob. cit., fls. 811/813

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a) No caso de comportamentos ilícitos comissivos ou omissivos, jurídicos ou materiais, o dever de reparar o dano é a contrapartida do princípio da legalidade. Porém, no caso de comportamentos ilícitos comissivos, o dever de reparar já é, além disso, imposto também pelo direito da igualdade.

b) No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados à situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito.”

Mesmo que não se questione a responsabilidade da autoridade sanitária estadual no caso do Césio 137, por conduta negligente, o reconhecimento da obrigação de indenizar depende da demonstração do nexo de causalidade entre o acidente e os alegados danos à saúde do demandante.

Os laudos periciais produzidos por junta médica oficial trazem a seguinte conclusão:

JOÃO DELFINO DE ABREU

1) A documentação apresentada permite concluir que o periciado foi contaminado ou irradiado com o césio-137? Foi aferida dose de exposição?

Não foi aferida a dose de exposição. É irmão de Maria Gabriela Ferreira que faleceu vítima do césio 137. Na época do acidente, residia em Porto Nacional – TO e veio a Goiânia visitar a irmã.

2) (...)

Não forneceu atestados médicos ou exames complementares.

3) (...)

Periciado queixa-se de perda da visão, fraqueza geral, dor nas pernas e úlcera gástrica. Já foi medicado com bicarbonato de sódio, albendazol, Centrum, ranitidina, hidróxido de alumínio e hioscina.

4) Existe nexo de causalidade da enfermidade com o acidente radioativo?

Não existe nexo de causalidade com o acidente radioativo.

5) (...) a) Não b) Não c) Não d) Não e)Não

PARECER FINAL:

Periciado é irmão de Maria Gabriela Ferreira que faleceu vítima do césio 137. Visitou a irmã, quando estava contaminada e não tinha conhecimento da situação. Não foi monitorado, para aferição da dose de exposição. Não apresenta enfermidades consideradas efeitos tardios, de exposição à substância radioativa.

O laudo vai assinado por 5 (cinco) médicos que integram a junta médica oficial.

O autor, por sua representante judicial formulou impugnação às conclusões da junta médica às fls. 329/332, sustentando, em síntese, que os membros da comissão seriam parciais, em razão de sua subordinação ao Estado de Goiás, o que macula sua isenção, o que o conduziu a impugnar as conclusões da comissão por suposta parcialidade, sem adentrar ao mérito da manifestação técnica.

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O Ministério Público Federal, instado a manifestar-se, requereu a determinação de juntada aos autos das comprovações de enfermidades que acometem o autor para possibilitar a visualização.

A providência foi cumprida às fls. 351/354.

Da leitura da documentação acostada, constata-se que as queixas do autor à junta médica são compatíveis com os exames apresentados, os quais permitem concluir sem necessidade de formação médica que não decorrem de contato com césio-137, pois as informações disponíveis a leigos já afastam tal nexo de causalidade, que suscitaria dúvida apta a ensejar a manifestação técnica pretendida.

No caso, o autor apresenta documentação que indica ser portador de duas doenças, quais sejam, pterígio nasal com vítreo, que é uma patologia ocular que tem relação com irradiação UV, muito comum nas população, especialmente, em nossas regiões norte e nordeste, próximas ao equador, onde o nível de insolação é extremamente elevado; podendo ainda ser decorrente de má distribuição do filme lacrimal, mas não possuindo qualquer relação com irradiação ou contato com substâncias radioativas do tipo que causou o acidente em Goiânia.

Para melhor esclarecer, transcrevo trecho do capítulo 7 do seguinte instrumento de ensino da USP, disponível na internet (http://oftalmologiausp.com.br/imagens/capitulos/Capitulo%207.pdf):

Pterígio

Crescimento fibrovascular subepitelial em formato triangular que avança sobre a córnea. Tem como fator causal principal a exposição solar crônica (irradiação UV). O pterígio muitas vezes está associado a quadro de irritação crônica, a distribuição irregular do filme lacrimal na superfície

corneana e a quadro intermitente de inflamação e de hiperemia.

O tratamento se faz com uso de lágrimas artificiais e, em alguns casos, esteróides fracos, por curto tempo. Conforme avança sobre a córnea, o pterígio pode induzir astigmatismo e, nos casos em que o eixo visual é comprometido, ou quando se deseja corrigir a parte estética, a abordagem cirúrgica é indicada.

Já em relação à gastrite e à úlcera, cumpre diferenciá-las. A gastrite, é uma inflamação do epitélio do estômago, que é o tecido que recobre o mesmo. A úlcera é uma erosão ou, em linguagem mais popular, algo assemelhado a uma afta que pode acometer o estômago ou o duodeno; será gástrica quando acometer o estômago e duodenal quando o órgão acometido for o duodeno.

O agente etiológico da gastrite pode ser a quimio ou a radioterapia, o que, em tese, em um exame preliminar, não afastaria a possiblidade de que o autor seja uma vítima do acidente com o césio-137 em Goiânia.

Contudo, a gastrite por radioterapia é bastante característica e via de regra é decorrência de dano provocado em razão de cicatrizes posteriores à realização de radioterapia, ou no caso dos irradiados, do contato com o elemento de contaminação.

É assim descrita pela literatura médica:

A gastrite por radioterapia provoca dor, náuseas e ardor devido à inflamação e, por vezes, ao desenvolvimento de úlceras no estômago. Estas podem perfurar a parede do estômago, pelo que o conteúdo deste se espalha pela cavidade abdominal e provoca uma peritonite (inflamação do revestimento abdominal) e uma dor muito intensa.

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Esta doença grave, caracterizada pela rigidez do abdômen, requer cirurgia imediata. Em alguns casos, depois da radioterapia, formam-se umas cicatrizes que estreitam a saída do estômago, provocando dor abdominal e vômitos. A radiação pode danificar o revestimento protetor do estômago, de tal forma que as bactérias podem invadir a sua parede e provocar uma forma de gastrite grave e extremamente dolorosa de aparecimento brusco.

Na gastrite granulomatosa, as características são as seguintes:

Gastrite Granulomatosa: mucosa é infiltrada por granulomas epitelióides associado a doença de Crohn, sarcoidoses, infecções, vasculites e reações a materiais estranhos.

Em regra, como fator etiológico, estão granulomas primários e secundários, há infecções como tuberculose, sífilis, histoplasmose, neoplasias, sarcoidose e doença de Crohn.

Os referidos fatores não estão relacionados de forma específica à exposição ao césio, evidentemente, não podendo ser excluídos de forma absoluta, mas não tendo o pretendido liame de causalidade que justificaria o acolhimento do pedido formulado.

Como visto, o laudo pericial do autor afirma categoricamente que não há nexo de causalidade entre o acidente e as moléstias que acometem o demandante.

Dessa forma, outra solução ao caso não subsiste senão a da improcedência do pedido, como está colocado na sentença impugnada.

Pelo exposto, nego provimento à apelação do autor.

É como voto.

DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA

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