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Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Processo: 2043/06.1TBLRA.C1 Nº Convencional: JTRC Relator: DR. ARLINDO OLIVEIRA Descritores: COMPRA E VENDA PERMUTA RESOLUÇÃO ABUSO DE DIREITO Data do Acordão: 07-07-2009 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recurso: LEIRIA - 4º J C Texto Integral: S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 334.º, 874.º, 879.º E 939.º DO CC Sumário: 1. No âmbito da venda/cedência de coisa defeituosa, as normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabelecem encargos sobre eles, nomeadamente ao escambo ou troca. 2. A resolução do contrato de compra e venda é possível quando a reparação, a substituição ou a redução do preço não sejam suficientes para acautelar os interesses do comprador. 3. A inexistência de demonstração de actuação dolosa por parte da ré vendedora nada contende com o invocado direito à resolução por parte do autor comprador, pois que, tal facto apenas afasta a aplicação do regime do erro. 4. Verificando-se nos autos que o autor se limita a exercer o direito de resolução do contrato que a lei lhe confere, é manifesto que não actuou em abuso do direito. Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Autor: A... , residente na Rua de ..., ..., X...... : B... com sede em ..., ....., Y.... O autor alega que comprou à ré – que se dedica à venda de veículos novos e usados – um automóvel para seu uso doméstico, especificamente um Nissan com motor a gasóleo e matrícula de Janeiro de 2003, dando à troca o veículo que então possuía. Foi atendido pelo sócio gerente da ré, tendo este afirmado, além de outras coisas, que o veículo contava apenas com 49.242 1 de 23 Página Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbrae 14-07-2009 http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c824bfe64e655809...

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Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Processo: 2043/06.1TBLRA.C1 Nº Convencional: JTRCRelator: DR. ARLINDO OLIVEIRADescritores: COMPRA E VENDA

PERMUTA RESOLUÇÃO ABUSO DE DIREITO

Data do Acordão: 07-07-2009Votação: UNANIMIDADETribunal Recurso: LEIRIA - 4º J CTexto Integral: SMeio Processual: APELAÇÃODecisão: CONFIRMADALegislação Nacional: ARTIGOS 334.º, 874.º, 879.º E 939.º DO CCSumário: 1. No âmbito da venda/cedência de coisa defeituosa, as normas da

compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabelecem encargos sobre eles, nomeadamente ao escambo ou troca.

2. A resolução do contrato de compra e venda é possível quando a reparação, a substituição ou a redução do preço não sejam suficientes para acautelar os interesses do comprador.

3. A inexistência de demonstração de actuação dolosa por parte da ré vendedora nada contende com o invocado direito à resolução por parte do autor comprador, pois que, tal facto apenas afasta a aplicação do regime do erro.

4. Verificando-se nos autos que o autor se limita a exercer o direito de resolução do contrato que a lei lhe confere, é manifesto que não actuou em abuso do direito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Autor:

A..., residente na Rua de ..., ..., X......

Ré:

B... com sede em ..., ....., Y....

O autor alega que comprou à ré – que se dedica à venda de veículos novos e usados – um automóvel para seu uso doméstico, especificamente um Nissan com motor a gasóleo e matrícula de Janeiro de 2003, dando à troca o veículo que então possuía. Foi atendido pelo sócio gerente da ré, tendo este afirmado, além de outras coisas, que o veículo contava apenas com 49.242

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quilómetros.

Para si era essencial na compra do veículo o número de lugares (cinco), o motor a gasóleo, o bom estado de conservação e a pouca quilometragem.

Concretizado o negócio, reparou logo no dia seguinte que o veículo apresentava dois problemas, no velocímetro e no rádio-leitor de CD. Mais tarde veio a saber que o veículo contava com cerca de cem mil quilómetros, ou seja, o dobro dos quilómetros indicados no taquímetro; se soubesse disso, nunca teria comprado tal veículo.

Apesar de lhe ter sido comunicado este facto, a ré – através do seu legal representante – foi respondendo que ia ver o que se podia fazer, sem propor qualquer solução e, a partir da data de vencimento do último cheque entregue para pagamento, quebrou unilateralmente todas as negociações.

O autor afirma que foi claramente enganado pela ré e que nunca desejou um veículo com aquela quilometragem; pretende ver o contrato resolvido, dispondo-se a entregar o veículo contra a entrega do preço que deu, acrescido de juros. Caso assim se não entenda, deve operar-se a redução do preço do veículo, para o que se terá em conta a quilometragem real do mesmo e a existência dos dois defeitos que assinalou.

Conclui defendendo que a presente acção deve ser julgada procedente por provada e a ré condenada na resolução do contrato de compra e venda, condenando-se a ré à devolução da quantia entregue pelo autor a título de preço do veículo em causa – ou seja, em € 17.250,00 – acrescida de juros de mora contados desde 23 de Dezembro de 2005 e até ao integral cumprimento (desde já se obrigando o autor a devolver o veículo à ré), devendo ainda ser condenada no pagamento ao autor da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais.

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Caso assim se não entenda e “em alternativa”, deverá a ré ser condenada a reduzir o preço do veículo para a quantia de € 16.739,00 – o que perfaz uma devolução ao autor da quantia de € 511,00 – e a proceder à reparação do leitor de CD, substituição do quadrante do velocímetro e conta quilómetros (taquímetro), bem como à substituição dos quatro amortecedores do veículo; condenada ainda no pagamento da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais sofridos pelo autor, bem como nos juros de mora sobre as quantias descritas, contadas desde a carta de 28 de Dezembro de 2005 até ao integral pagamento.

Ainda “em alternativa” ao pedido anterior, deverá a ré ser condenada a reduzir o preço do veículo para a quantia de € 16.739,00 – o que perfaz uma devolução ao autor da quantia de € 511,00 – e a pagar ao autor a quantia de € 2.183,93 – correspondente ao custo da reparação do rádio-leitor de CD, do quadrante do velocímetro e conta quilómetros e ainda dos quatro amortecedores e respectiva mão-de-obra; condenada ainda no pagamento da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais sofridos pelo autor, bem como nos juros de mora sobre as quantias descritas, contadas desde a carta de 28 de Dezembro de 2005 até ao integral pagamento

Contestando a acção, a ré confirma a venda ao autor do veículo Nissan, refutando no entanto os factos que por ele são relatados quanto às circunstâncias em que se realizou o negócio.

Afirma que, no exercício da sua actividade, adquiriu o veículo para revenda e sujeitou-o a uma revisão geral; nega categoricamente ter alterado os quilómetros que apresentava.

Refuta o preço afirmado pelo autor, alegando que o valor atribuído ao Nissan foi de € 16.000,00 – para cujo pagamento o autor, além do seu veículo (avaliado em € 4.750,00), entregou dois cheques com datas de emissão distintas, nos montantes de € 1.250,00 e de € 10.000,00.

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Por altura da data em que este cheque deveria ser depositado, o autor dirigiu-se às instalações da ré, comunicando a impossibilidade de pagar na data aprazada, afirmando a existência de desentendimento com a respectiva entidade patronal, inviabilizando a intenção que tinha ao adquirir a viatura (de utilizar a mesma ao serviço da sua entidade patronal, debitando esta o valor dos quilómetros efectuados, assim conseguindo aumentar o valor dos seus rendimentos mensais) e pretendendo que a ré ficasse com o cheque em “carteira”, aguardando o seu pagamento conforme as possibilidades do autor – o que aquela não aceitou; só então o veículo, cujo estado era perfeitamente satisfatório, passou a ter todos os defeitos do mundo.

Alega que o contrato já não pode ser resolvido, em primeiro lugar porque a ré não possui o veículo que o autor entregou e, em segundo lugar, porque não se vislumbra qualquer desconformidade, a qual nem sequer foi indicada.

Conclui defendendo que deve julgar-se a acção improcedente, com a consequente absolvição do pedido.

O autor veio responder à contestação, reafirmando que o preço do Nissan foi de € 17.250,00 e que o valor de retoma do seu veículo foi fixado em € 6.000,00. Refutou a intenção alegada pela ré relativamente à aquisição da viatura (afirmando que a respectiva entidade patronal sempre lhe atribuiu um veículo, sem que alguma vez se tenha verificado a utilização de veículo próprio do funcionário com a cobrança de quilómetros), bem como a alegada existência de dificuldades relativamente ao pagamento do cheque.

Conclui afirmando a improcedência das excepções invocadas pela ré e reitera os termos da petição inicial.

Com dispensa da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionou-se a matéria de

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facto relevante para a decisão da causa, fixando-se a matéria provada e a controvertida, de que reclamou o autor, quanto à base instrutória, o que foi indeferido, cf. despacho de fl.s 120 e 121, já transitado.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, com gravação dos depoimentos prestados.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 283 a 294 v.º, na qual se decidiu o seguinte:

“1.1 Declaro resolvido o contrato de compra e venda do veículo com a matrícula 00-00-UN, outorgado entre autor e ré e, em consequência, condeno a ré a restituir ao autor a quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), correspondente ao preço do veículo e contra a restituição do mesmo pelo autor.

1.2 Condeno a ré a pagar ao autor os juros de mora calculados sobre o aludido montante, à taxa legal

sucessivamente em vigor, actualmente de 4% ao ano, desde 27 de Dezembro de 2005 e até integral pagamento.

2. Absolvo a ré do pedido relativamente ao remanescente que era reclamado pelo autor a título principal e julgo prejudicada a apreciação dos restantes pedidos, formulados a título subsidiário.

3. Custas a cargo de autor e ré, na proporção 1/5 a

cargo do primeiro e de 4/5 a cargo da segunda.

*

Notifique e registe.”.

Inconformada com tal decisão, interpôs recurso a ré, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 323), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

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A) As respostas aos quesitos 14.º e 15.º devem ser alteradas para não provado.

B) Não está demonstrado que o veículo tivesse cerca de 100.000 kms.

C) O contrato em causa nos presentes autos não é de compra e venda mas de permuta.

D) A existir divergência na quilometragem do veículo, a ré nada teve a ver com tal facto.

E) Mas ainda que existisse tal divergência, essa diferença não afectaria a utilidade do veículo.

F) Só aparentemente o autor peticionou a resolução do contrato.

G) O que o autor verdadeiramente pretende com a acção, é que a ré lhe recompre o veículo pelo preço de 17.500,00 €.

H) Não existe direito a resolver um contrato quanto se exige mais que aquilo que se entregou.

I) Ainda que se decida haver lugar à resolução, enquanto o valor a entregar pela ré não se tornar certo e líquido, não é possível a sua condenação em juros de mora.

J) Apenas é possível a resolução do contrato quando a reparação ou a redução do preço não sejam suficientes para acautelar os interesses do autor.

K) A resolução do contrato nos termos pretendidos pelo autor constituiria um abuso do direito.

L) Por não existir qualquer culpa da ré e a falta de liquidez da obrigação se dever exclusivamente ao autor, que pretendia receber mais do que aquilo que havia entregue, deve este ser condenado a indemnizar a ré, no valor correspondente ao desgaste e desvalorização do veículo, até à sua entrega.

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M) Foram violados os artigos 4.º, n.º 5 do DL 67/2003, 334.º, 802.º, n.º 2 e 805.º, n.º 3, do Código Civil.

Termina, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue improcedente a presente acção ou, caso assim se não entenda, seja apenas atendido o pedido subsidiário do autor relativo à redução do preço.

Contra-alegou o autor, sustentando, em resumo, que é de manter a sentença recorrida, nos seus precisos termos, designadamente que é de manter a matéria de facto dada como provada; que se trata de um contrato de compra e venda e que os vícios patenteados pelo veículo motivam a resolução do contrato.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A) Se as respostas aos quesitos 14.º e 15.º devem ser alteradas para “Não provado”;

B) Se o contrato em causa nos autos não é de compra e venda mas de permuta;

C) Se o autor tem direito a resolver o contrato;

D) Se a resolução do contrato nos termos pretendidos pelo autor constitui abuso do direito;

E) Se não é possível a condenação da ré no pagamento de juros de mora, enquanto o valor a entregar por esta, não se tornar certo e líquido e porque esta não praticou qualquer acto ilícito e;

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F) Se o autor deve ser condenado a indemnizar a ré, no valor correspondente ao desgaste e desvalorização do veículo, até à sua entrega.

Foram os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:

1. A ré tem como objecto social a venda de automóveis novos e usados, actividade que já exerce regularmente há mais de dez anos, encontrando-se sedeada no local acima descrito (..., ....., Y) e contando com duas filiais sitas em X..... e na ... – alínea A) da especificação.

2. Por sua vez, o autor é trabalhador por conta de outrem, exercendo a profissão de vendedor – alínea B) da especificação.

3. No dia 6 de Novembro de 2005, o autor deslocou-se acompanhado da sua esposa às instalações da ré sitas na ....., com o objectivo de comprar um automóvel para o seu uso doméstico/uso da família – alínea C) da especificação.

4. No “stand” da ré, o autor deparou-se com o veículo Nissan, modelo Almera QX, ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-UN, de Janeiro de 2003, com motor a gasóleo e 2.184 c.c. de cilindrada – alínea D) da especificação.

5. O autor gostou do veículo referido em D) e acabou por comprá-lo no dia 10 de Novembro de 2005 – alínea E) da especificação.

6. O veículo foi entregue ao autor também no dia 10 de Novembro de 2005, tendo a ré emitido nesse dia o texto do acordo denominado de “contrato de compra e venda”, a declaração de venda e a declaração de circulação – alínea F) da especificação.

7. Até à presente data a ré ainda não entregou ao autor os documentos que titulam a propriedade do veículo (vulgo, livrete e título de registo de propriedade) –

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alínea G) da especificação.

8. No dia 23 de Dezembro de 2005, o autor enviou à ré, por correio registado com aviso de recepção (assinado pela ré a 27 de Dezembro de 2005) a carta que consta de fls. 45, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual, para além do mais, refere ter descoberto que o veículo provinha de uma rent-a-car e não de um particular, que na última revisão que o veículo tinha efectuado na Nissan já contava com 99.167 (noventa e nove mil cento e sessenta e sete) quilómetros, e não com os 49.242 (quarenta e nove mil duzentos e quarenta e dois) quilómetros com que mais tarde a ré o veio a vender ao autor, referindo também o anormal desgaste nos materiais (volante e alavanca de mudanças), e ainda o facto de o leitor de CD não funcionar e que era essencial para si o facto de, no momento da compra, o veículo ter uma fraca quilometragem, e que tinha dado conta disso no momento da compra ao representante da ré, acrescentando que se soubesse que o veículo Nissan contava com 100.000 quilómetros nunca o teria comprado, que se tinha enganado e que pretendia, no prazo de 8 (oito) dias, a resolução do contrato com a devolução mútua do que cada parte havia prestado – alínea H) da especificação.

9. No dia 29 de Dezembro de 2005, o autor enviou à ré, por correio registado com aviso de recepção (assinado pela ré a 30 de Dezembro de 2005) a carta que consta de fls. 50, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, onde, para além do mais, diz o seguinte: “Serve a presente para comunicar a V. Ex.ª que não aceito o valor constante de 16.000,01 na V/ factura número 186 de 14 de Dezembro de 2005, referente à venda da viatura Nissan Almera, matrícula 00-00-UN (cuja cópia segue em anexo), dado que o valor do negócio por nós acordado é de 17.250 Euros” – alínea I) da especificação.

10. Quando da situação descrita em C), o autor

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pretendia também “dar à troca” o veículo que então possuía, que correspondia a um Mitsubishi Lancer, o qual contava já com 7 (sete) anos e acima de tudo com uma quilometragem de 76.000 (setenta e seis mil) quilómetros, que o autor considerava já excessiva, pretendendo trocar por um veículo mais recente e com uma menor quilometragem – resposta ao quesito 1.º.

11. Nas instalações da ré, o autor foi atendido pelo sócio gerente Sr. B..... que lhe referiu que o veículo mencionado em D) provinha de um particular, que se encontrava em perfeito estado de conservação e que contava apenas com 49.242 (quarenta e nove mil duzentos e quarenta e dois) quilómetros – respostas aos quesitos 2.º e 3.º.

12. Para o autor era essencial, na compra do veículo, o número de lugares (cinco), o motor a gasóleo, o bom estado de conservação e a pouca quilometragem – resposta ao quesito 5.º.

13. Logo no dia seguinte, o autor reparou que o rádio leitor de CD não funcionava – resposta ao quesito 8.º.

14. Tendo o autor reparado ainda que o volante se encontrava bastante desgastado nos locais com maior contacto com as mãos do condutor, o que também acontecia com o comando da caixa de velocidades – respostas aos quesitos 9.º e 10.º.

15. Reparou ainda o autor que o veículo não lhe inspirava segurança na condução, tendo um comportamento bamboleante, sentindo-o pouco “agarrado” à estrada – resposta ao quesito 11.º.

16. Contactado o representante da ré, Sr. B....., foi pelo mesmo garantido que o veículo tinha as características que constavam do contrato, nomeadamente quer em quilometragem, quer na sua proveniência, tranquilizando ainda o autor, garantindo que estava tudo bem com o veículo – resposta ao quesito 12.º.

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17. Por contacto com a Conservatória do Registo Automóvel, o autor constatou que o anterior proprietário não era um particular, mas sim a sociedade “C... ”, com sede na Rua..., n.º 40,... – resposta ao quesito 13.º.

18. Contactados os serviços técnicos da Nissan, estes informaram o autor, no dia 24 de Novembro de 2005, de que o veículo em causa tinha sido assistido nas oficinas da marca, sendo as seguintes as últimas revisões:

– a 27 de Dezembro de 2004, apresentava 79.391 (setenta e nove mil trezentos e noventa e um) quilómetros no taquímetro;

– a 29 de Março de 2005, apresentava 81.546 (oitenta e um mil quinhentos e quarenta e seis) quilómetros no taquímetro;

– a 2 de Maio de 2005, apresentava 90.767 (noventa mil setecentos e sessenta e sete) quilómetros no taquímetro;

– a 2 de Junho de 2005, data da última revisão registada nos serviços técnicos na Nissan, apresentava 99.167 (noventa a nove mil cento e sessenta e sete) quilómetros no taquímetro – resposta ao quesito 14.º.

19. Na data da última revisão nos serviços técnicos da Nissan, o veículo em causa contava com, pelo menos, o dobro dos quilómetros relativamente aos que constavam do taquímetro no momento da compra, bem como no contrato de compra e venda – resposta ao quesito 15.º.

20. No dia imediatamente seguinte, o autor e a sua esposa contactaram o representante da ré, tendo falado com o Sr. B....., colocando-o a par da situação (quilometragem e defeitos do veículo), manifestando profundo desagrado e o sentimento de ter sido enganado, frisando o facto de ter comprado o veículo por acreditar na sua fraca quilometragem constante do taquímetro – respostas aos quesitos 16.º, 17.º e 18.º.

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21. O autor exigiu ao representante da ré que o acordo celebrado fosse imediatamente dado sem efeito, restituindo ambas as partes o que tinham recebido, ao que o representante da ré foi respondendo que ia ver o que poderia fazer, sem no entanto propor qualquer solução – respostas aos quesitos 19.º e 20.º.

22. A partir do dia 2 de Dezembro, data do vencimento do último cheque pago pelo autor à ré, e tendo obtido a sua boa cobrança, a ré quebrou unilateralmente todas as negociações para a obtenção de uma solução para o negócio, não respondendo aos contactos do autor, não sendo mais possível o contacto com o seu representante, Sr. B....., a partir daí constantemente ausente – respostas aos quesitos 21.º e 22.º.

23. Até hoje o autor não teve qualquer resposta à carta mencionada em H), nem obteve por parte da ré qualquer contraproposta – resposta ao quesito 23.º.

24. A ré enviou entretanto ao autor a factura da compra do veículo, a qual consta de fls. 51 e aqui se dá por reproduzida, no valor de € 6.000,01 (seis mil euros e um cêntimo) – resposta ao quesito 24.º.

25. O veículo em causa, com cem mil quilómetros, encontra-se com a suspensão, ao nível dos amortecedores, com o correspondente desgaste – resposta ao quesito 25.º.

26. A reparação do taquímetro, do leitor de CD e a substituição dos quatro amortecedores, de acordo com orçamento do próprio representante da marca Nissan, ascende a € 2.183,93 (dois mil cento e oitenta e três euros e noventa e três cêntimos), que a ré se recusou a fazer – respostas aos quesitos 26.º e 27.º.

27. Um veículo com cem mil quilómetros apresenta desgaste nos seus materiais e órgãos mecânicos, com reflexos na crescente necessidade de substituição de peças, na respectiva segurança e fiabilidade, implicando uma desvalorização monetária – resposta ao quesito

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28.º.

28. Com cem mil quilómetros alguns órgãos mecânicos estão já no fim da sua duração, tais como os amortecedores – resposta ao quesito 29.º.

29. O autor nunca pretendeu um veículo com aquela quilometragem, sendo que se o soubesse nunca o teria comprado – resposta ao quesito 30.º.

30. O autor sentiu-se enganado, o que lhe despertou um grande sentimento de revolta e isto após ter confiado no representante da ré que sempre lhe assegurou as características pelas quais vendeu o veículo – respostas aos quesitos 31.º e 32.º.

31. O autor despendeu tempo em deslocações ao escritório do seu mandatário, às instalações da Nissan e terá de suportar o desfecho da presente acção para ver a solução do problema – resposta ao quesito 33.º.

32. A ré, no exercício da sua actividade (comércio de automóveis) adquiriu para revenda o veículo Nissan de matrícula 00-00-UN, que é objecto do presente litígio, a D... – resposta ao quesito 34.º.

33. Este veículo foi objecto de uma revisão geral, como todos os outros que a ré adquire para revenda – resposta ao quesito 35.º.

34. O conta-quilómetros que equipa a viatura mencionada em D) é digital – resposta ao quesito 36.º.

35. O autor só adquiriu o veículo mencionado em D) após três ou quatro visitas ao stand e após o ter experimentado – resposta ao quesito 37.º.

36. O negócio veio a concretizar-se entregando o autor um cheque de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) para o dia 11 de Novembro de 2005, um outro cheque de € 10.000,00 (dez mil euros) para o dia 2 de Dezembro de 2005 e ainda o seu veículo Mitsubishi como retoma, avaliado em € 4.750,00 (quatro mil

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setecentos e cinquenta euros) – resposta ao quesito 38.º.

37. A ré já não possui o veículo que o autor entregou – resposta ao quesito 47.º.

38. A C..., empresa que figura na declaração de venda, tem por actividade a prestação do serviço completo de aluguer operacional e gestão de frotas de veículos automóveis ligeiros sem condutor – resposta ao quesito 48.º.

39. O autor comunicou à ré a existência da avaria no CD e desgaste no volante e na alavanca de mudanças – resposta ao quesito 50.º.

40. É do punho do autor a assinatura correspondente ao seu nome constante do documento de fls. 74, onde, para além do mais, se diz: “Eu, A....., declaro que vendi a esta Firma a viatura de marca Mitsubishi c/ a matrícula 00-00-JV pelo valor de € 4750,00” – resposta ao quesito 51.º.

41. O autor sempre teve veículo atribuído pela sociedade para a qual trabalha, sendo que o veículo que actualmente lhe foi atribuído em Novembro de 2003, sendo um Citroën Jumpy – resposta ao quesito 52.º.

42. Todos os vendedores da entidade patronal do autor têm veículo atribuído pela mesma, não havendo actualmente, nem nunca tendo havido em todo o historial da empresa, qualquer situação da utilização de veículo próprio do funcionário com a cobrança de quilómetros – resposta ao quesito 53.º.

43. O autor sempre teve a sua conta suficientemente provisionada para proceder ao pagamento dos cheques entregues à ré – resposta ao quesito 54.º.

A) Se as respostas aos quesitos 14.º e 15.º devem ser alteradas para “Não provado”.

Alega a recorrente que as respostas que mereceram os quesitos 14.º e 15.º devem ser alteradas para “Não

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provado”, com o fundamento em que o Tribunal se baseou para os dar como provados nos documentos de fl.s 155 a 161, os quais constituem meros documentos particulares, cujo conteúdo e valor probatório impugnou, pelo que, por isso, não podem ser considerados como meio de prova.

Os quesitos em causa têm o seguinte teor:

“14.º

Contactados os serviços técnicos da Nissan, estes informaram o autor, no dia 24 de Novembro de 2005, de que o veículo em causa havia sido assistido nas oficinas da marca, sendo as seguintes as últimas revisões:

- a 27/12/2004, apresentava 79.391 kms no taquímetro;

- a 29/03/21005, apresentava 81.546 kms no taquímetro;

- a 02/05/2005, apresentava 90.767 kms no taquímetro;

- a 02/06/2005, data da última revisão registada nos serviços técnicos na Nissan, apresentava 99.167 kms no taquímetro.

15.º

Na data da última revisão nos serviços técnicos da Nissan, o veículo em causa contava com, pelo menos, o dobro dos quilómetros relativamente aos que constavam do taquímetro no momento da compra, bem como no contrato de compra e venda.”.

Conforme fl.s 269, foi-lhes dada a resposta de “Provado”.

Como resulta de fl.s 270 v.º a 274, tais respostas assentaram nos depoimentos das testemunhas E..., F..., G... e H... .

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Relativamente aos mencionados documentos consignou-se o seguinte (fl.s 274):

“… sendo confirmado pela segunda testemunha o teor dos documentos de fl.s 155 a 161, constituídos por folhas de ordens de reparação relativas à viatura Nissan a que se reportam os autos. Não se vê fundamento para questionar a credibilidade de tais documentos, pese embora o facto de o veículo estar registado em nome de C..., empresa que, de acordo com o teor do doc. de fl.s 75, tem por actividade a prestação de serviço completo de aluguer operacional e gestão de frotas de veículos automóveis ligeiros sem condutor (resposta ao quesito 48.º). Na verdade, não se vê fundamento que leve a suspeitar que os documentos em questão foram forjados e não correspondem a qualquer efectiva reparação levada a efeito pelo concessionário Nissan”.

Ora, assentando, como assentam, tais respostas, também, nos depoimentos testemunhais acima referidos e tendo os mesmos sido gravados, desde logo se impunha, nos termos do artigo 690.º - A, n.º 2, do CPC, sob pena de rejeição, que o recurso da matéria de facto obedecesse ao ali disposto, isto é, que indicasse os depoimentos em que se funda, nos moldes ali expressamente previstos.

No entanto e ainda que analisada tal questão apenas à luz dos referidos documentos, também o recurso não merece provimento.

Efectivamente, tais documentos constituem ordens de reparação relativas à viatura transaccionada e cujo conteúdo a ré impugnou, cf. seu requerimento de fl.s 164.

Trata-se, pois, de documentos particulares – cf. artigo 363.º, n.º 2 do CC, cuja força probatória se acha estabelecida no artigo 376.º do mesmo Código.

Dado que a ré os impugnou, os mesmos, por si só e

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desde logo, não podiam ser considerados bastantes para dar como assentes os factos neles relatados.

No entanto, em sede de julgamento, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 655.º do CPC, já os mesmos poderiam ser considerados bastantes para dar por demonstrados os factos vertidos nos quesitos em referência, para mais, como no caso em apreço, se conjugados com outros elementos de prova.

Os documentos em causa não fazem prova plena dos factos que atestam, por impugnados, mas o Tribunal a quo podia apreciá-los, em conjunto, com a demais prova produzida e, não obstante a sua impugnação, como amiúde acontece, dar por provados os factos nos mesmos referidos, nos termos em que acima se transcreveram.

Também nós não vemos razões para os considerar como inverídicos e, por isso, se mantêm as respostas que foram aos quesitos em análise.

Pelo que, se mantém a matéria de facto que foi considerada como demonstrada em 1.ª instância, improcedendo, quanto a esta questão, o presente recurso.

B) Se o contrato em causa nos presentes autos não é de compra e venda mas de permuta.

Embora sem o justificar, a recorrente alega que estamos perante um contrato de permuta e não de compra e venda.

Na sentença recorrida, considerou-se como pacífico que as partes celebraram um contrato de compra e venda.

Antes de mais, diga-se que a questão da qualificação do contrato como de permuta, apenas surgiu em sede do presente recurso e como tal não releva, pois que está assente que os recursos não servem para apreciar

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questões novas, mas apenas como um remédio jurídico para concretas questões, de facto ou de direito, já objecto de anterior decisão.

Pelo que, por esta ordem de razões, esta questão em nada podia alterar a decisão recorrida.

No entanto, ainda assim, não deixaremos de dizer o seguinte:

São as próprias partes que, inequivocamente, qualificam o contrato que celebraram como sendo de compra e venda.

O doc. de fl.s 30, no qual as partes estabelecem as condições de aquisição da viatura tem a epígrafe de “Contrato de Compra e Venda”, em papel timbrado da própria ré, antecedendo-o, o doc. de fl.s 29, apelidado de “Declaração de Venda da Viatura”.

Neles se estabelecem o objecto da venda e as respectivas condições, pelo que é indubitável que estamos perante um contrato de compra e venda, tal como definido nos artigos 874.º e 879.º do CC.

De resto, ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se tratasse de um contrato de permuta, as consequências a este nível (venda/cedência de coisa defeituosa) seriam as mesmas, dado que, por força do que se acha estabelecido no artigo 939.º CC, as normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabelecem encargos sobre eles e entre os quais se inclui o escambo ou troca – neste sentido, P. de Lima e A. Varela, in Código Civil, Anotado, Vol. II, 2.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1981, a pág. 227.

Consequentemente, também, com base nesta questão, tem o presente recurso de improceder.

C) Se o autor tem direito a resolver o contrato.

Alega a recorrente que assim não é porque inexiste da

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sua parte qualquer actuação dolosa, que a diferença de quilometragem não afectaria a utilidade do veículo, porque o autor não pediu a resolução do contrato e porque este estava a pedir mais do que havia prestado, referindo-se, nesta parte, à divergência quanto ao valor da venda.

Compulsando o pedido efectuado pelo autor, verifica-se que este peticiona a resolução do contrato, pelo que não se percebe a alegação da recorrente de que tal pedido não foi formulado.

Por outro lado, é evidente que o estado de um veículo com 49.000 kms não é o mesmo de um mesmo veículo com 100.000 kms, tal como resulta, no que a este concreto veículo se refere, entre outros dos itens 27 e 28, dos factos provados, tendo sido assegurado ao autor que o veículo em causa tinha apenas 49.242 kms (item 11) e se o autor soubesse que o veículo tinha a quilometragem que efectivamente possuía nunca o teria comprado (cf. item 29).

No que concerne à inexistência da demonstração de actuação dolosa por parte da ré, tal como referido na sentença recorrida (pág. 292), isso nada contende com o invocado direito à resolução por parte do autor, pois que, como ali expressamente se refere, tal facto apenas afasta a aplicação do regime do erro, tal como previsto no artigo 253.º CC, para enquadrar a pretensão do autor no regime da resolução contratual, tal como consagrado no artigo 808.º, n.º 2 do CC e leis de defesa do consumidor.

A questão da resolução do contrato acha-se apreciada na sentença recorrida em termos que são de sufragar por inteiro (de fl.s 288 v.º a 294) e para os quais se remete, em conformidade com o disposto no artigo 713.º, n.º 5, CPC.

Para além do aí referido apenas se consigna mais o seguinte:

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A divergência entre o preço total do veículo (17.250 € para o autor e 16.000 € para a ré) não assume relevância suficiente para que a carta referida no item 8 dos factos provados deixe de ter eficácia a nível da resolução do contrato.

Efectivamente, dela se retira a ideia de que o autor pretendia a “devolução mútua do que cada parte havia prestado”.

Para mais, cf. resulta do item 21 dos factos provados, o autor insistiu em que fosse dado sem efeito o negócio, com a restituição de tudo o que havia sido prestado, ao que a ré não deu resposta e, a partir de certo momento, cessou os contactos com o autor – cf. itens 22 e 23.

Assim, resulta indubitável que o autor manifestou a intenção de resolver o contrato, com a restituição do prestado, sem que a ré anuísse ou apresentasse qualquer contraproposta, designadamente a aceitação da resolução pela quantia de 16.000 € e não já pelo de 17.250 €.

Pelo que e assim sendo, tal como decidido em 1.ª instância, o autor tem direito à resolução do contrato de compra e venda que celebrou com a ré, mas apenas tem direito a receber a quantia de 16.000,00 €, já que foi esta a quantia pela qual foi transaccionado o veículo em questão.

Por outro lado, se é certo que nos termos do artigo 4.º, n.os 1 e 5 da Lei 67/2003 de 8/4, existe uma sequência lógica no que se refere ao exercício dos direitos nele conferidos, isto é, em primeiro lugar deve exigir-se a reparação da coisa, em 2.º a sua substituição, em 3.º a redução do preço e, por último, a resolução do contrato – neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 24/01/08, Processo 07B4302; de 13/12/07, Processo 07A4160 e de 15/03/05, Processo 04B4400, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj e João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, Almedina, Maio de 2003 a pág.s 81 a 86 e Pedro Romano Martinez, Direito das

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Obrigações (Parte Especial) Contratos, Almedina, Maio de 2000 a pág.s 130 e 131, menos certo não é que, no caso em apreço, se afigura como justa e adequada a sanção da resolução do contrato.

Como refere Calvão da Silva, ob. cit. a pág. 87 a escolha do consumidor deve ser subordinada aos ditames da boa fé, por forma a que não incorra no exercício ilegítimo do direito de opção que lhe é conferido.

Ora, in casu, a reparação é impossível, pois que não é viável “tirar” quilometragem ao veículo.

Também a sua substituição se torna impossível, dado que se trata de um carro em segunda mão, caso em que, como regra, se torna impossível substituir (cf. Calvão da Silva, ob. cit., a pág. 85).

Para mais, no caso em apreço, nada foi alegado no sentido da disponibilidade da ré em fornecer ao autor, nas mesmas condições, um veículo daquela marca e modelo, com a quilometragem assegurada.

Também a redução de preço não se mostra viável, dado que o autor queria adquirir uma viatura com menos quilómetros, tanto que deu à troca um com menos do que aquele que veio a adquirir e se soubesse qual a quilometragem real do veículo que comprou, não teria feito o negócio (cf. itens 10 e 29).

Assim sendo, por estas e pelas razões já referidas na sentença recorrida, assiste ao autor o direito a resolver o contrato, com a consequente restituição de tudo o que por causa dele havia sido prestado.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão improcede o presente recurso.

D) Se a resolução do contrato nos termos pretendidos pelo autor constitui abuso do direito.

Nos termos do disposto no artigo 334.º CC “É ilegítimo

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o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Ora, como resulta do que deixámos exposto, o autor limita-se a exercer o direito de resolução do contrato que a lei lhe confere.

Assim, é manifesto que não actuou em abuso do direito, improcedendo, quanto a esta questão o presente recurso.

E) Se não é possível a condenação da ré no pagamento de juros de mora, enquanto o valor a entregar por esta, não se tornar certo e líquido e porque esta não praticou qualquer acto ilícito.

Para tal aduz a recorrente que não actuou ilicitamente, o que se refere na sentença recorrida, na qual se reconhece que não actuou dolosamente.

No que toca a esta afirmação, já acima a comentámos, pelo que aqui se dão por reproduzidas as considerações acima tecidas.

Também não estamos perante qualquer quantia ilíquida, pelo que não se aplica o n.º 3 do artigo 805.º CC.

O que a ré defende é que não devia a totalidade da quantia pedida pelo autor. Logrou demonstrar que assim era, mas tal não acarreta a ilíquidez da dívida, mas tão só que paga menos do que o pretendido pelo autor.

A condenação da ré no pagamento de juros de mora fundamenta-se no disposto nos artigos 804.º a 806.º do Código Civil

Consequentemente, também, quanto a esta questão improcede o presente recurso.

F) Se o autor deve ser condenado a indemnizar a ré,

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no valor correspondente ao desgaste e desvalorização do veículo, até à sua entrega.

Alega a recorrente que não está obrigada a suportar os custos com a resolução tardia de um contrato, por culpa exclusiva do autor, que usufruiu do veículo, durante mais de dois anos.

Da legalidade e justeza da resolução do contrato já acima nos pronunciámos, pelo que nada mais há a acrescentar quanto a tal.

Quanto ao pedido indemnizatório ora mencionado, apenas cumpre referir que só agora a ré o formulou, não o tendo feito anteriormente.

Compulsando a contestação que ofereceu, verifica-se que a ré se limitou a impugnar os factos alegados pelo autor, sem que tenha formulado qualquer pedido reconvencional.

Assim sendo e sem curar do mérito ou demérito de tal pedido, por se tratar de questão não suscitada anteriormente, não nos cumpre dele conhecer, pois que, como acima já referido, os recursos não se destinam a conhecer de questões novas.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:

Julgar improcedente a apelação deduzida, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

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