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65 DIABETES Actas Bioq. 2007, 8: 65-78 Actas Bioq. 2007, 8: 65-78 VII SEMINÁRIO Tema: DIABETES Subtemas: Insulina – estrutura, produção e secreção Metabolismo e acção da insulina • Diabetes – manifestações clínicas – complicações agudas – complicações tardias – terapêutica Intervenientes Docentes do Instituto de Bioquímica/FML: – Dr. Carlos Moreira (Assistente convidado) – Dra. Teresa Quintão (Assistente convidada) Docentes convidados Dr. Fernando Martos Gonçalves (Interno do Internato Complementar de Medicina Interna /HSM) – Dra. Maria I. Pires de Miranda (Especialista de Medicina Interna/HSM) – Dra. Luísa Sagreira (Assistente Hospitalar/HSM) • Aluno – Isabel Goulão (Aluna do 2.º ano, monitora voluntária do Instituto de Bioquímica/FML)

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DIABETESActas Bioq. 2007, 8: 65-78

Actas Bioq. 2007, 8: 65-78

VII SEMINÁRIO

Tema: DIABETES

Subtemas:

• Insulina – estrutura, produção e secreção• Metabolismo e acção da insulina• Diabetes

– manifestações clínicas– complicações agudas– complicações tardias– terapêutica

Intervenientes

• Docentes do Instituto de Bioquímica/FML:

– Dr. Carlos Moreira (Assistente convidado)– Dra. Teresa Quintão (Assistente convidada)

• Docentes convidados

– Dr. Fernando Martos Gonçalves (Interno do Internato Complementar de Medicina Interna /HSM)– Dra. Maria I. Pires de Miranda (Especialista de Medicina Interna/HSM)– Dra. Luísa Sagreira (Assistente Hospitalar/HSM)

• Aluno

– Isabel Goulão (Aluna do 2.º ano, monitora voluntária do Instituto de Bioquímica/FML)

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INSULINA – ESTRUTURA, PRODUÇÃOE SECREÇÃOIsabel Goulão

Em 1921, Banting e Best isolaram a insulinae a sequência de aminoácidos foi demonstradapor Sanger 35 anos mais tarde. Esta foi a primei-ra proteína cuja estrutura foi elucidada e este fei-to levou à análise de muitos outros polipéptidos eproteínas biologicamente activos.

A insulina (Fig. 1) é um dipéptido de PM 6.000dalton composto por dois péptidos A e B com aseguinte composição:

A – 21 aminoácidos (cadeia ácida)B – 30 aminoácidos (cadeia básica)

Tem três ligações bissulfito que se estabele-cem entre: (i) CISTEÍNAS A6 e A11, formandoum anel de seis aminoácidos virado para o exte-rior, (ii) A7 eB7; (iii) A20 e B19.

No seu conjunto, a insulina é uma proteínaglobular tendo aminoácidos hidrofílicos à super-fície e hidrofóbicos no interior. A cadeia A é maisexposta ao exterior. A forma cristalina de insuli-

na é um hexâmero esferóide de seis unidades deinsulina, estabilizadas por dois iões Zn2+.

Em 1967, Steiner demonstrou que a insulina éformada a partir do precursor PROINSULINA,formado por um único péptido de PM 9000 dal-tons, contendo ligações bissulfito, e no qual sepodem distinguir as zonas correspondentes aospéptidos A e B unidos por um péptido C, atravésde dois pares de aminoácidos, formando no con-junto o seguinte arranjo:

NH2-Péptido B-Arg-Arg-Péptido C--Lys-Arg-Péptido A-COOH

O péptido C, de ligação, contém resíduosacídicos: prolina, lisina, alanina, valina e leucina masnão contém nem resíduos aromáticos, básicos, nemaminoácidos com enxofre. As extremidades dopéptido C são hidrofílicas, no entanto, a porção cen-tral da molécula é mais flexível e pode ser dobradapor interacções das cadeias não polares para produ-zir uma “bolsa” hidrofóbica. Esta distribuição podeajudar a manter as regiões hidrofílicas no exteriorda molécula, onde possam ser acessíveis às enzimasna clivagem proteolítica para converter proinsulina.

Fig. 1 – Sequência de aminoácidos da insulina humana.

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A síntese da insulina ocorre nas células β do pân-creas. O gene da insulina tem uma mensagem paraa proteína maior que a proinsulina, a pré-proinsulina,que é clivada em proinsulina no retículoendoplasmático rugoso. A conversão de proinsulinaem insulina (processo activo) ocorre por clivagemproteolítica no aparelho de Golgi. A insulina é de-pois armazenada em grânulos rodeados por mem-brana bem individualizada. Nestes grânulos existeproinsulina, insulina-Zn2+, péptido C e dopamina(cuja função parece ser a de impedir a libertação doconteúdo do grânulo). O número de grânulos é va-riável, e depende do balanço entre a síntese e a de-gradação de insulina. Calcula-se que o pâncreashumano contenha cerca de 250 unidades de insuli-na e que liberte cerca de 50 unidades por dia. Oaumento da glicémia é o principal estímulo para asíntese de insulina e para a sua libertação.

A secreção de insulina dá-se por um processode exocitose, que consiste na marginalização dosgrânulos seguida da fusão do saco com a mem-brana celular, após o que se dá a libertação doseu contéudo para o espaço extracelular. Com odesaparecimento do grânulo, restam projecçõescitoplasmáticas (as microvilosidades) que se es-tendem desde a superfície da célula b até ao es-paço extracelular. A superfície celular adicionalproduzida, é eventualmente endocitada pormicrovesículas, recicladas pelo aparelho de Golgipara reutilização ou degradadas pelos lisossomas.

Existem numerosos activadores de secreçãode insulina, sendo a glicose o principal. Quandoo pâncreas é estimulado por um súbito aumentoda concentração de glicose, a secreção de insuli-na segue um processo bifásico. A insulina estálocalizada em dois compartimentos separados.Um compartimento pequeno está disponível paralibertação imediata e é responsável pela primeirafase de secreção. A segunda fase é mais longa, osgrânulos do interior da célula são transportadospara a periferia através dos microtúbulos, após oque o seu conteúdo é lançado para o exterior.

A glicose é o regulador primário da célula β.O seu mecanismo de acção não está completa-

mente esclarecido. Pensa-se que a glicose se unea receptores da membrana celular e gera poten-ciais de acção proporcionais à sua concentração,de que resulta a entrada de cálcio para o interiorda célula β o qual provoca um processo contractilno qual os microtúbulos facilitam o movimentodos grânulos do interior da célula para a superfí-cie celular. Outro regulador bioquímico na liber-tação de insulina é o AMPc intracelular. Foi su-gerido que o AMPc aumenta o cálcio intracelularpela mobilização de cálcio das reservas intrace-lulares (mitocôndrias, grânulos e retículo endo-plasmático). Haveria, portanto, dois mecanismospara aumentar o cálcio intracelular e estimular asecreção de insulina: um pela entrada directa decálcio na célula e outro pelo aumento de cálciointracelular mediado por AMPc.

A acção reguladora da glicose medeia três pro-cessos:

1. União ao glicoreceptor, com formação deAMPc;

2. Metabolização da glicose, formando inter-mediários como o fosfoenolpiruvato (PEP).Este impede a captação de cálcio pelasmitocôndrias, de que resulta o aumento dasua concentração citosólica;

3. Formação de energia e de potencial redutorpela via das fosfopentoses; o glutatião re-duzido é necessário para a redução dos gru-pos sulfidrílicos dos receptores. A entradade cálcio requer uma relação NADPH/NADP elevada. A formação de fosfopen-toses é essencial para produzir ácidosnucleicos para a síntese de insulina. Todosestes processos requerem ATP.

Aminoácidos, tais como arginina e leucina ten-dem a estimular a secreção de insulina. Hormonasde tubo digestivo, tais como a gastrina, pancreato-zimina-colescistocinina, secretina e entero-glica-gina, potenciam a activação pela glicose. Por estarazão a glicose ingerida por via oral é mais eficientena estimulação da secreção da insulina, do que a

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administrada por via intravenosa. A glicagina,hormona secretada pelas células A do pâncreas,quando em concentrações elevadas promove a se-creção da insulina. A acetilcolina induz a aberturados canais para a entrada de cálcio. Diversashormonas hiperglicemiantes aumentam a resistên-cia periférica à insulina: são elas a hormona adreno-corticotrópica (ACTH), a hormona estimuladorada tiroideia (TSH), a hormona de crescimento(GH), cortisol, progesterona e estrogénios.

O METABOLISMO E A ACÇÃODA INSULINATeresa Luísa Quintão

A acção da insulina é desencadeada pela liga-ção desta a um receptor existente nas membranascelulares e intracelulares (retículo endoplásmicoe núcleo). O receptor da insulina é uma glicopro-teína constituída por duas subunidades α e duassubunidades β ligadas entre si por pontes bissul-fito. A ligação da insulina ao receptor é caracteri-zada por uma cooperatividade negativa. O recep-tor da insulina tem actividade de tirosina cinase,catalisando a fosforilação de proteínas da célula.

A insulina induz acções metabólicas variadas.É uma proteína essencial ao equilíbrio e funcio-namento celular. Tem o papel de facilitar a entra-da de glicose nas células musculares esqueléticase nas células adiposas. Algumas células, como éo caso das células cerebrais, da retina, tubularesrenais, intestinais, germinativas e do eritrócito nãonecessitam de insulina.

Por outro lado, a nível hepático a insulina pro-move a libertação de glicose e acelera o seu me-tabolismo. No entanto, se a glicose existe em ex-cesso é promovido o seu armazenamento sob aforma de glicogénio.

A falta de insulina tem como consequência umaumento da glicose na sangue (hiperglicémia) e, quan-do em excesso, uma diminuição desta (hipoglicémia).A glicémia depende directamente da glicose ingerida,da gliconeogénese e da glicogenólise.

A insulina conduz a um aumento das viasanabólicas. Quando a insulina está em falta surgeum predomínio das vias catabólicas.

A insulina promove a síntese de glicogénioaumentando a actividade e induzindo a sínteseda sintetase do glicogénio. Induz também a sín-tese da glicocinase.

A via das fosfopentoses é estimulada por acti-vação da desidrogenase da glicose-6-fosfato e dadesidrogenase do 6-fosfogliconato.

A glicólise é favorecida pela activação dafosfofrutocinase e da piruvato cinase.

Todas estas vias são prejudiciais quando háfalta de insulina; adicionalmente, a glicose é con-vertida em sorbitol e causa glicosilação não--enzimática de proteínas.

A nível do metabolismo lipídico a insulinaactiva a produção de glicerol, triacilgliceróis,acetil-CoA e malonil-CoA. Este último inibe acarnitina aciltransferase.

A ausência desta hormona leva ao aumento dosácidos gordos livres e aumento da b-oxidação poraumento da actividade da carnitina aciltransferase.A produção de malonil-CoA é reduzida e surge umaumento de acetoacetato e b-hidroxibutirato, quetêm comportamento de ácido.

O metabolismo proteico tem a sua síntesefavorecida pela facilitação da entrada na célula denucleósidos e aminoácidos pela insulina. Os proces-sos de transcrição e tradução são estimulados. A in-sulina promove também o aumento de ATP porqueinibe a formação de AMPc a partir daquele e aumentaa eficácia da fosforilação oxidativa. Na falta de insu-lina será a degradação de proteínas que predomina.

A glicagina, sintetizada pelas células a do pân-creas, intervém nos processos metabólicos de umaforma aproximadamente oposta à da insulina.

A diabetes mellitus é uma doença em que háfalta ou má utilização da insulina. Pode ser classi-ficada em tipo I (ou diabetes insulino-dependente)e tipo II (ou diabetes não-insulino-dependente).

Na diabetes insulino-dependente o pâncreas doindivíduo é incapaz de produzir insulina. É uma doen-ça causada por um distúrbio auto-imune altamente

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selectivo para as células produtoras de insulina dopâncreas (células β), que atinge sobretudo os jovens.

Na diabetes não-insulino-dependente há algumaprodução de insulina embora não seja em concen-tração adequada, o seu mecanismo fisiopatológicoainda está mal compreendido, surgindo geralmenteem obesos depois dos 40 anos de idade.

DIABETES – MANIFESTAÇÕESCLÍNICASMaria I. Pires de Miranda

Definição Clínica

Doença do metabolismo dos hidratos de carbo-no com múltiplos factores etiológicos (genéticos,virais, imunológicos, etc.), que condicionam defi-ciência absoluta ou relativa de insulina, resistênciaà sua utilização ou ambas, causando persistência deníveis elevados de glicose no sangue (hiperglicémia)– principais características. É uma doença crónica,cuja importância clínica resulta essencialmente dassuas graves complicações, quer agudas (cetoacidosediabética, coma hiperosmolar não cetótico,hipoglicémia), quer crónicas, provocando a longoprazo lesões de diversos órgãos, particularmente nosrins, olhos, vasos sanguíneos e nervos.

Critérios de Diagnóstico

São adoptados habitualmente os critérios pro-postos pelo National Diabetes Data Group of theNational Institutes of Health (EUA) em 1979,utilizados também pela OMS:

1. Jejum: concentrações de glicose no plas-ma venoso ≥ 140mg/dL em pelo menos duasdeterminações ou,

2. Teste de Tolerância à Sobrecarga Oral deGlucose Padronizado (ingestão de 75g deglicose): concentração de glicose no plas-ma venoso ≥ 200mg/dL aos 120 min. (2

horas após ingestão) e pelo menos numaoutra determinação (30, 60 ou 90 minutos).

3. IGT (impaired glucose tolerance)– em jejum, glicémia < 140mg/dLe– teste de tolerância à sobrecarga oral de glicose,

com glicémia: 120 min > 140 e < 200mg/dLuma outra determinação > 200mg/dL (30,60 ou 90 min)

Apesar dos indivíduos incluídos neste grupo(IGT) serem teoricamente considerados um grupocom maior risco de vir a desenvolver diabetes sin-tomática ou as suas complicações, a verdade é quena prática grande parte deles (75%) nunca eviden-ciará diabetes “clínica” e o teste não permite “pre-ver” em quais isso acontecerá. Saliente-se que o testede tolerância à sobrecarga oral de glicose tem vári-os e frequentes factores de erro, “fisiológicos”, quecausam alterações do metabolismo da glicose e dosvalores encontrados, independentemente de haverou não diabetes mellitus; são exemplos o “stress”, oteor em hidratos de carbono na dieta que o doentefazia previamente, o envelhecimento, várias drogas,etc. Por este motivo, a sua utilização na prática clí-nica está hoje limitada, embora possa ser útil emestudos epidemiológicos e investigação clínica.

Classificação (National Diabetes DataGroup/OMS – 1979)

1. Diabetes Insulino-dependente ou tipo I(juvenil, cetogénica)

2. Diabetes não-insulino-dependente ou tipo II(do adulto, não cetogénica)a) do obeso (80%)b) do não obeso (20%)

3. Diabetes secundáriaa) Doença pancreática (pancreatectomia, insu-

ficiência pancreática, hemocromatose, etc).b) Hormonal (excesso de hormonas anti-in-

sulina: síndrome de Cushing, acromegá-lia, feocromocitoma).

c) Drogas (corticosteróides, diuréticos, etc).

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d) Associada a síndromes genéticos espe-cíficos (lipodistrofia, distrofia miotónica,ataxia-telangiectasia).

4. IGT (“Impaired Glucose Tolerance”) oudiabetes “química”, “latente”, subclínica”.

5. Diabetes gravídica (intolerância à glicoseque se instala durante a gravidez).

Manifestações Clínicas

As manifestações clínicas da diabetes mellitus es-tão fundamentalmente relacionadas com dois factores:

– Hiperglicémia (poder osmótico)– Relação insulina/glicagina (efeito da defi-

ciência relativa ou absoluta de insulina e ex-cesso relativo ou absoluto de glicagina).

1. Diabetes tipo I (insulino-dependente)

– Surge habitualmente em indivíduos com me-nos de 40 anos

– Pico de incidência: 11-13 anos (há um picomenos acentuado aos 6-8 anos)

– Não há insulina (hormona anabólica), o queimplica: hiperglicémia, predomínio de metabo-lismo catabólico e tendência cetogénica.

– Início de sintomas relativamente súbito, (dias/semanas), frequentemente após “stress” agudo(infecção, acidente, cirurgia).

Sintomas principais:

– Poliúria (efeito osmótico da hiperglicémia)– Polidipsia (sede aumentada) – efeito da poliúria

e hiperglicemia – desidratação– Polifagia – predomínio de metabolismo catabólico– Emagrecimento – idem– Fadiga – idem– Principal complicação aguda: Cetoacidose (por

diminuição da insulina e aumento da glicagina).A cetoacidose pode ser a manifestação inauguralda diabetes.

– Dependência da terapêutica com insulina exó-gena para sobrevivência (excepto durante operíodo de “lua de mel”).

2. Diabetes tipo II (não-insulino-dependente)

– Surge habitualmente após os 40 anos.– Doentes obesos em 70 a 90% dos casos.– Está mantida a capacidade de secreção endó-

gena de insulina, havendo apenas défice relati-vo e resistência à sua utilização periférica (me-canismos fisiopatológicos não completamenteesclarecidos)

– Muitas vezes assintomáticos, sendo o diagnós-tico feito por análises de rotina ou efectuadaspor motivo não relacionado com a diabetes.

– Sintomas geralmente arrastados (semanas/meses):os mais frequentes – poliúria, polidipsia, polifagiamas igualmente – fadiga, tonturas

Secreçãode Insulina

Diabetesclinicamente

sintomática

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Raramente pode manifestar-se pelas compli-cações tardias (diminuição da visão, insuficiên-cia renal, neuropatia ou angiopatia).

– Principal complicação aguda: coma hiperos-molar (não cetótico), com desidratação.

– Raramente dependem da terapêutica com insu-lina exógena.

Alterações laboratoriais

– Hiperglicémia– Glicosúria (glicose na urina)– Cetonúria (corpos cetónicos na urina)– Hiperosmolaridade plasmática – Hemodiluição

posterior (por chamada de água em relação como aumento da osmolaridade no sangue circu-lante, e que se traduz frequentemente por dimi-nuição da concentração de sódio no plasma –Hiponatrémia).

– Hemoglobina glicosada (Hb A1c) – Traduz ograu de hiperglicémia persistente nas semanasprecedentes à determinação, não sendo afecta-da por alterações recentes (agudas) da glicémia.Permite ter uma ideia dos valores médios deglicémia dos doentes nos dois meses anteriorese, consequentemente, da eficácia ou necessida-de de terapêutica.

DIABETES, COMPLICAÇÕES AGUDASCarlos Santos Moreira

A diabetes mellitus caracteriza-se por hiper-glicémia devido a deficiência de secreção de in-sulina (diabetes mellitus insulino dependente, tipoI) ou redução do seu efeito biológico (diabetesnão insulino dependente, tipo II). O conhecimentodos diferentes mecanismos patogénicos permiteadaptar a terapêutica a cada tipo de diabetes, ob-tendo assim um equilíbrio metabólico.

As descompensações diabéticas, constituindoverdadeiras emergências médicas, podem ser amanifestação inicial da hiperglicémia ou apare-cer na evolução da doença já conhecida, umasvezes por negligência terapêutica ou desajustesalimentares, outras por doenças intercorrentes(enfartes, infecções) que provocam carências ines-peradas de insulina, ao interferir no metabolismogeral do organismo.

Situações de Emergência

I HipoglicémiaII Hiperglicémia

a – Cetoacidoseb – Hiperosmolar

III Acidose láctica

O tipo de diabetes, a etiologia da descompen-sação, doenças concomitantes (insuficiência he-pática ou renal) e o tempo que decorre entre oinício do desequilíbrio e a observação do doente,

Quadro I – Comparação das características principais dos dois tipos de diabetes mellitus

Diabetes insulino-dependente Diabetes não-insulino-dependente

Prevalência 0,2 – 0,3% 2 -4 %Idade < 40 anos > 40 anosTipo constitucional Normal a emagrecido Obeso (80%)

Insulina plasmática Diminuída ou zero Normal ou aumentadaGlicagina plasmática Aumentada (suprimível com insulina) Aumentada (não suprimível com insulina)

Complicações agudas Cetoacidose Coma hiperosmolarTerapêutica com insulina Sempre necessária Geralmente não necessáriaSulfonilureias Resistente Resposta

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são os factores determinantes das diferentes“constelações” bioquímicas detectadas.

Sai fora do âmbito desta exposição a aplicaçãoda terapêutica nestas situações, mas importa real-çar que a compreensão da evolução das alteraçõesbioquímicas é essencial à adequada instituição demedidas que podem reverter o quadro. A interven-ção tardia pode levar a alterações irreversíveis e àmorte, pela interferência de mecanismos fisiopato-lógicos de “compensação”, perpetuando a hipogli-cemia e impedindo a eficácia terapêutica (eleva-ção de corticoesteróides, hormona de crescimentoe lipólise). Por outro lado, terapêuticas intempes-tivas podem ser deletérias, com desequilíbrioshidroelectrolíticos secundários, por vezes maisimportantes que os iniciais.

I. Hipoglicemia

Os episódios de hipoglicemia são relativamen-te frequentes na população diabética (1 em cada3 diabéticos tem pelo menos um episódio duran-te a vida e 3% dos diabéticos têm episódios derepetição), decorrendo com uma gravidade supe-rior aos episódios de hiperglicémia.

No diabético não insulino dependente, aingestão de álcool (a que pode associar-se além dahipoglicémia, quadro de acidose láctica), a insufi-ciência hepática ou renal crónica, e a ingestão defármacos, podem desencadear o quadro clínico.

O principal órgão-alvo é o sistema nervoso cen-tral, pois ao contrário da maioria dos órgãos quepodem utilizar no seu metabolismo energético áci-dos gordos livres, a célula nervosa apenas utilizaglicose ou corpos cetónicos. Estes últimos só exis-tem em quantidades apreciáveis em determinadassituações, não podendo por isso ser normalmenteutilizados em situações de resposta aguda.

Os sintomas desencadeados pela hipoglicémiapodem dividir-se em dois grupos:

a – Os relacionados com o aumento de secre-ção de adrenalina – sudação, tremor,

taquicardia, ansiedade – que podem nãoexistir no caso de polineuropatia grave.

b – Os devidos a disfunção do sistema nervo-so central – cefaleias, alterações de cons-ciência, confusão, coma).

IIa – Hiperglicémia com Cetoacidose

Normalmente é devida à diminuição da concen-tração de insulina, acompanhada secundariamentepor um aumento de concentração de glicagina.

O aumento desta última hormona, vai impli-car uma activação da gliconeogénese, secundá-ria à estimulação da concentração intracelular defrutose-2,6-bisfosfato, com diminuição da fosfo-frutocinase. Este quadro cursa com hiperglicémiaque, devido a ultrapassar o limite de reabsorçãorenal de glicose, vai levar à existência de diureseosmótica, com a consequente desidratação extrae intracelular, o que agravará o défice de insulinapor diminuição da sua produção.

A glicagina irá, a nível do tecido adiposo, indu-zir a formação de ácidos gordos livres (ao activar ahidrólise dos triacilglicerois); a nível do hepatocitoa glicagina induz indirectamente o aumento da cap-tação dos ácidos gordos pela estimulação do siste-ma carnitina (responsável pelo transporte de ácidosgordos para o interior da matriz mitocondrial).

A estimulação do sistema de transporte de áci-dos gordos livres pela carnitina decorre da actua-ção conjunta de dois mecanismos:

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– Diminuição da produção de malonil-CoA eaumento da concentração intracelular dotransportador, a carnitina;

– Aumento de captação de ácidos gordos li-vres pelo hepatocito.

Decorre uma produção crescente de corposcetónicos, contribuindo assim para a elevação daconcentração destes compostos para valores críti-cos a nível sérico. Acompanhando este aumento,eao contrário do que seria de esperar, existe uma di-minuição da captação periférica, o que contribui parao agravamento do quadro clínico de cetoacidose.

A mortalidade desta síndrome é relativamen-te elevada (superior a 10%), sendo principalmentedevida às complicações decorrentes, nomeada-mente, edema cerebral, enfarte agudo domiocárdio, síndrome de dificuldade respiratóriado adulto e trombose vascular.

IIb – Hiperglicémia Hiperosmolar

Esta complicação está normalmente associa-da a diabetes não insulino dependente. O quadroclínico cursa com uma desidratação muitomarcada e as populações mais atingidas são osdoentes idosos, acamados, com dificuldade na

ingestão de líquidos (com sequelas de acidentesvasculares cerebrais, etc.), podendo igualmenteestar associada à ingestão de drogas (fenitoína,esteróides ou agentes imunosupressores).

Desconhece-se o mecanismo pelo qual não háprodução de corpos cetónicos, mas uma das hi-póteses é que a baixa concentração de ácidos gor-dos livres limita a formação de corpos cetónicos,sendo este facto acompanhado por umainsulinémia mais elevada, o que previne a activa-ção completa do sistema da carnitina hepática.Uma outra hipótese é a existência de resistênciaà glicagina, com manutenção de uma concentra-ção elevada de malonil-CoA.

Este tipo de situação clínica é muito grave, es-tando associada uma mortalidade superior a 50%.

III – Acidose Láctica

Presume-se que a deficiência de insulina, cominibição da oxidação do piruvato, seja o factormais importante para o desenvolvimento daacidose láctica no diabético mal controlado; con-tudo o mecanismo exacto está mal esclarecido.

O quadro clínico cursa com acidose metabóli-ca (diminuição de pH com diminuição de bicar-bonatos) e um elevado hiato aniónico (superior a

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15mEq/l). Este hiato verifica-se pela diminuiçãode concentração de bicarbonato ser acompanha-da pelo aumento de aniões (lactato). Se se dosearo lactato sérico verificamos que o valor é superiora 7 mmol/L (normal < 1mmol/L), contudo rara-mente dispomos de capacidade laboratorial quenos permita realizar esta análise.

Bibliografia

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2. WATKINS PJ – Diabetic autonomic neuropathy. N Engl JMed 1990, 12: 1078-79

3. BOYLE PJ et al – Plasma glucose concentrations at theonset of hypoglicemic symptoms in patient with poorlycontrolled diabetes and in nondiabetics. N Engl J Med1988, 318: 1487-90

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COMPLICAÇÕES TARDIASDA DIABETES MELLITUSFernando Martos Gonçalves

A diabetes é uma das doenças metabólicasmais frequentes, com uma prevalência calculadaentre 2 e 4% da população, constituindo um gra-ve problema de saúde pública.

Caracteriza-se por uma série de alterações metabó-licas, sendo a mais chamativa a hiperglicémia, e a suaevolução é “marcada” por uma série de complicações.

Genericamente podemos dividi-las em:

I. Vascularesa – microangiopatia: nefropatia e retinopatiab – macroangiopatia: aterosclerose

II.Não vascularesa – neuropatiab – cataratac – outras: dermopatias, úlceras do pé, in-

fecções, etc.

A sua patogenia é desconhecida e parece ser multi-factorial (factores genéticos, metabólicos, imunoló-gicos e infecciosos). Alguns doentes nunca apresen-tam aquelas complicações, enquanto outros, inclusivécom um bom controlo de glicémia, têm-nas.

As grandes dúvidas residem em considerarestas complicações como secundárias às altera-ções metabólicas da diabetes (hiperglicémia, de-ficiência de insulina) ou como alteração metabó-lica primária herdada de forma independente dodéfice insulínico. Cada vez mais as complicaçõesparecem estar relacionadas com a hiperglicémia.Assim, o excesso de glicose intracelular canali-zaria a mesma para a via dos polióis, resultandona acumulação de sorbitol dentro das células,aumento de glicosilação não enzimática das pro-teínas e diminuição do mioinositol intracelular.

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A acumulação de sorbitol aumenta a osmola-ridade intracelular (com o consequente edemacelular), leva à acumulação de lactato e à dimi-nuição da síntese de mioinositol. A glicosilaçãonão enzimática das proteínas altera a função eestrutura das proteínas. A diminuição do mioino-sitol intracelular leva a uma alteração da compo-sição das membranas celulares e à diminuição davelocidade de condução nervosa.

Microangiopatia Diabética

Caracteriza-se pelo espessamento da membra-na basal dos capilares e arteríolas e considera-seespecífica da diabetes. Clinicamente, manifesta--se pela retinopatia e pela nefropatia diabética.

Retinopatia Diabética

É uma das principais causas de cegueira nospaíses desenvolvidos. A sua presença e gravida-de tem relação com a duração da diabetes e surgeraramente antes da puberdade. Manifesta-se ini-cialmente por microaneurismas retinianos, exsu-dados duros e moles, edema da mácula e hemor-ragias da retina. Uma pequena percentagem dediabéticos evolui desta fase não-proliferativa paraa fase proliferativa, com a formação de novosvasos e de tecido fibroso, o que compromete se-riamente a visão. Existem várias teorias que ten-tam explicar a sua patogenia, estando implicadaa hiperglicémia (sorbitol, hormona do crescimen-to, glicosilação não-enzimática...) que levam aoespessamento da membrana basal, alteração dascélulas endoteliais e à perda de pericitos.

Não há tratamento médico conhecido eficazpara a prevenção ou retardamento da progressãoda doença. No entanto, é recomendável o contro-lo da glicémia logo após o diagnóstico da diabe-tes; há estudos em curso com ácido acetilsalicílico(antipirético e analgésico, com acção antiagregan-te plaquetária) e inibidores da aldose redutase que

não são conclusivos. Nas fases mais avançadasutiliza-se a fotocoagulação com laser e a vitrec-tomia quando surgem hemorragias do vítreo.

Nefropatia Diabética

Aparece habitualmente entre 15 e 20 anos apóso diagnóstico da diabetes em aproximadamente50% dos diabéticos insulinodependentes, sendomais rara nos não insulino-dependentes. Na suahistória natural, reconhecem-se várias fases:hiperfiltração e hipertrofia renal, nefropatia diabé-tica incipiente (microalbuminúria), proteinúriapersistente e finalmente insuficiência renal termi-nal com urémia. A progressão da doença renal éacelerada pela hipertensão arterial. Não há trata-mento específico para a nefropatia diabética. Ocontrolo meticuloso da glicémia pode, em algunsdoentes, reverter a microalbuminúria. Deve con-trolar-se a hipertensão arterial e a dieta deverá serhipoproteica. Na fase terminal unicamente pode-mos oferecer a hemodiálise e o transplante renal.

Neuropatia Diabética

Pode afectar qualquer parte do sistema nervoso,com a possível excepção do cérebro. Os principaisquadros clínicos são a polineuropatia periférica, amononeuropatia, a neuropatia autónoma e aneuropatia amiotrófica. As causas são múltiplas enão são iguais em todos os tipos de neuropatia. Es-tão descritas várias alterações bioquímicas a níveldo nervo, que são comuns às alterações atrás ex-postas para a microangiopatia diabética.

Aterosclerose

É a maior causa de morte nos diabéticos. Nãoé diferente da aterosclerose dos não-diabéticos,mas surge mais precocemente e é mais extensa.Atendendo a que a hiperglicémia é um factor de

DIABETESActas Bioq. 2007, 8: 65-78

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risco, deve prestar-se especial cuidado no seucontrolo e tratar ou controlar os outros factoresde risco presentes (hipertensão arterial, tabagis-mo, hiperlipidémia, obesidade).

A hiperglicémia agrava a lesão endotelial de-vido à hipóxia secundária, ao aumento de sorbitole de HbA1c, e à diminuição de 2,3-BPG e defosfatos. Actua também sobre as plaquetas,fibrinólise, colagénio e lípidos.

Catarata Diabética

Inicialmente, surgem vacúolos na região equa-torial do cristalino e posteriormente a opacificaçãodo núcleo do cristalino. A causa principal pareceser o aumento do sorbitol intracelular e tambéma alteração das proteínas secundária à glicosilaçãonão -enzimática pela glicose.

Bibliografia

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TERAPÊUTICA DA DIABETESLuísa Sagreira

Pequeno relance histórico – Educaçãodo Diabético

No século passado, Bouchardat (1806-1886),Professor da Universidade de Paris e “pai” daDiabetologia Clínica actual, definiu como medi-das terapêuticas fundamentais da diabetes: a dietae o exercício físico, regulados pela autovigilância

das glicosúrias pesquisadas diariamente, e pelaevolução do peso corporal. Pela primeira vez sãorecomendadas dietas individualizadas aos doentes,prescreve-se o exercício físico e chama-se a aten-ção para a educação do diabético.

Este conceito da necessidade da educação dodiabético perdeu-se, ressurgindo na clínica Joslin,em Boston, em 1922, com o advento dainsulinoterapia, que o doente educado deveriasaber manejar.

Foi o Dr. Ernesto Roma, que aí trabalhava naaltura, que ao regressar a Portugal a pratica agorapela primeira vez na Europa, tornando-se um pio-neiro na Educação do diabético e fundador da 1.ªAssociação mundial de diabéticos.

Só nos anos 70 é que nos outros países daEuropa a educação do diabético começa a des-pertar maior interesse, sendo hoje considerada portodos como uma condição básica indispensávelpara se atingirem os objectivos terapêuticos.

Objectivos Terapêuticos

– Dar ao diabético uma sensação de bem-estarfísico e psíquico com plena recuperação do ren-dimento físico e intelectual.

– Corrigir o desequilíbrio metabólico.– Normalizar o estado de nutrição.– Evitar as complicações agudas da diabetes e da

sua terapêutica (hipoglicemia, cetoacidose ecoma hiperosmolar).

– Prevenir as complicações tardias da diabetes.– Conseguir uma boa recuperação.

Abordagem Terapêutica

Faz parte da abordagem terapêutica o ensinode determinadas noções e técnicas que o doentetem que conhecer e praticar correctamente, paraassim se atingirem os objectivos terapêuticos.

Nesta fase inicial da educação do diabéticofaz-se:

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– psicoterapia para aceitação da doença, par-ticularmente difícil em jovens, crianças eseus familiares, gerando por vezes situaçõesde revolta, ansiedade e rejeição;

– ensino de noções gerais de fisiopatologia dadoença e sua terapêutica (o que é a diabetes?o que é a insulina?);

– ensino de técnicas de autovigilância (glico-súria, cetonúria e glicemia);

– ensino de dietoterapia;– ensino de noções gerais de higiene (pele,

boca, genitais);– aconselhamento da prática de exercício físico;– ensino das técnicas de insulinoterapia quan-

do indicadas.

A terapêutica propriamente dita assenta naconjugação de três elementos essenciais:

– dieta;– exercício físico;– insulina e/ou antidiabéticos orais.

A terapêutica é permanente e perpétua, semprevariável, em função de múltiplos factores que ocor-rem na vida do diabético e que interferem uns comos outros e com o seu equilíbrio metabólico.

De forma esquemática pode dizer-se que adieta e o exercício físico estão indicados em todosos tipos de diabetes, e que, além disso, os antidia-béticos orais estão indicados na diabetes do tipoII e a insulina na diabetes do tipo I (ambos de usomuito recente na clínica – a insulina desde 1922e os antidiabéticos orais desde 1955).

Dieta

A dieta é individualizada, embora haja regras ge-rais de alimentação comuns a todos os diabéticos:

– abolição dos açúcares livres;– dar preferência aos glícidos de molécula

complexa, principalmente os ricos em fibrasvegetais;

– diminuir o aporte de gordura animal, ricaem ácidos gordos saturados, preferindo agordura de origem vegetal ou de peixe, emque predominam os ácidos gordos mono epoli-insaturados, menos aterogénicos;

– ração proteica ligeira (0,8-1g/Kg de peso/dia);– redução do sal– fraccionamento da dieta.

No caso de se tratar de um diabético obeso a dietadeve ser hipocalórica para correcção da obesidade.

Antidiabéticos Orais

Subdividem-se em 2 grupos principais, commecanismos de acção diferentes:

• Sulfonilureias – actuam a vários níveis:– Pancreático – efeito beta-citotrópico de

estimulação da secreção de insulina;– Hepático – redução da produção de glicose

a esse nível;– Periférico – a nível dos receptores celula-

res de insulina e a nível pós-receptor, poten-ciando aí a acção da insulina.

• Biguanidas – actuam por:– Redução da absorção intestinal de glicose;– Aumento da sua utilização celular;– Inibição da gliconeogénese hepática;– Estimulação da glicólise anaeróbia;– Redução ponderal por efeito anorexígeno;– Potenciação da acção da insulina a nível

receptor e/ou pós-receptor celular.

Insulina

A insulina, isolada em 1921, foi uma verdadeirarevolução na história da diabetologia. Até aí todosos diabéticos do tipo I estavam condenados à morteem coma diabético, pouco tempo após o diagnósti-co. Na sua curta sobrevivência apenas dispunham,como medida terapêutica, de uma dieta de “fome”

DIABETESActas Bioq. 2007, 8: 65-78

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até à caquexia, morrendo todos estes jovens e crian-ças como se num campo de concentração se encon-trassem, principalmente os mais bem tratados.

O progresso foi enorme e hoje dispõe-se de in-sulina “humana”, altamente purificada, obtida porengenharia genética (programação de E.coli ou le-vedura) ou obtida a partir de insulina de porco mo-dificada, por processos enzimáticos complexos, comtroca do aminoácido B30 (a alanina por treonina),ficando assim com uma sequência exactamente igualà humana, o que a torna menos imunogénica.

Como a insulina é destruída por via oral, é obri-gatório o uso da via parentérica. Após a injecçãosubcutânea a insulina é absorvida para a correntesanguínea, chegando às células, onde se liga aosreceptores específicos, desenvolvendo a sua acti-vidade. A sua degradação dá-se no fígado e no rim.

O diabético educado auto-injecta-se e decideas doses de insulina que diariamente, por váriasvezes (2 a 4), tem que administrar para a obten-ção de um bom equilíbrio metabólico.

Há vários métodos de administração:

– Convencional – seringas “disposable”;– “Canetas” de administração de insulina;– Bombas de infusão contínua de insulina por

via s.c.;– Bombas de infusão de insulina implantadas;

- programadas/não programadas- via peritoneal/via intravenosa

– Via alternativa – nasal (em estudo)

Tentativas de Tratamento Curativona Diabetes do Tipo I

– Transplante– Implantação de ilhéus de Langerhans– Imunoterapia

Tentativas de cura altamente sedutoras pelanormalização metabólica a que conduzem e pelamelhoria das complicações degenerativas já exis-

tentes, são o transplante pancreático (total ou deum segmento) e a implantação de ilhéus deLangerhans (injectados, sob anestesia local, naveia umbilical, vão alojar-se no fígado e produzirinsulina...).

Na prática a indicação destas medidas tera-pêuticas ainda é muito restrita, por graves e im-portantes problemas ainda não inteiramente re-solvidos, um dos quais é o da imunosupressão aque obriga, e que faz com que o transplante sejaexclusivamente indicado a casos altamente selec-cionados, por exemplo, doentes que em virtudede um transplante renal tenham por esse motivoque fazer imunosupressão.

A imunoterapia é outra tentativa de cura queapenas tem levado a remissões temporárias, quan-do praticada muito precocemente (nas primeirassemanas após o diagnóstico da diabetes tipo I);esta que é uma doença autoimune que, nessa fase,apresenta altas taxas de anticorpos anticélula betacirculantes.

Abreviaturas utilizadas:

AMPc – adenosina monofosfato cíclicoATP – adenosina trifosfatoNADP – nicotinamida adenina dinucleótido fosfato (oxi-dado)NADPH – nicotinamida adenina dinucleótido fosfato(reduzido)

Palavras-chave

Acidose láctica, biguanidas, bomba infusora, cetoaci-dose, classificação, complicações agudas, complicaçõestardias, diabetes, diagnóstico, educação do diabético,exocitose, hiperosmolar, hipoglicemia, hormonas, imu-noterapia, insulina, ligação bissulfito, macroangiopatiadiabética, manifestações clínicas, mecanismo de acçãoda insulina, metabolismo, microangiopatia diabética,pré-proinsulina, pró-insulina, sulfonilureias, transplantepancreático.

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