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Revista Bahia Análise & Dados Transferência de Renda Ano 2010

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BAHIA ANLISE & DADOSSalvador SEI v. 19 n. 4 p. 887-1031 jan./mar. 2010

ISSN 0103 8117

Foto: Manu Dias/Agecom

Governo do Estado da Bahia Jaques Wagner Secretaria do Planejamento (Seplan) Walter Pinheiro Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia (SEI) Jos Geraldo dos Reis Santos Diretoria de Estudos (Direst) Edgard Porto Diretoria de Pesquisas (Dipeq) Thaiz Silveira Braga Coordenao de Estudos Socioeconmicos (Coese/Direst) Eva Cristina de Castro Borges Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes/Dipeq) Laumar Neves de SouzaBAHIA ANLISE & DADOS uma publicao trimestral da SEI, autarquia vinculada Secretaria do Planejamento. Divulga a produo regular dos tcnicos da SEI e de colaboradores externos. Disponvel para consultas e download no site http://www.sei.ba.gov.br. As opinies emitidas nos textos assinados so de total responsabilidade dos autores. Esta publicao est indexada no Ulrichs International Periodicals Directory e na Library of Congress e no sistema Qualis da Capes.

Conselho Editorial Andr Garcez Ghirardi, ngela Borges, ngela Franco, Antnio Wilson Ferreira Menezes, Ardemirio de Barros Silva, Asher Kiperstok, Carlota Gottschall, Carmen Fontes de Souza Teixeira, Cesar Vaz de Carvalho Junior, Edgard Porto, Edmundo S Barreto Figueira, Eduardo L. G. RiosNeto, Eduardo Pereira Nunes, Elsa Sousa Kraychete, Guaraci Adeodato Alves de Souza, Inai Maria Moreira de Carvalho, Jair Sampaio Soares Junior, Jos Eli da Veiga, Jos Geraldo dos Reis Santos, Jos Ribeiro Soares Guimares, Lino Mosquera Navarro, Luiz Antnio Pinto de Oliveira, Luiz Filgueiras, Luiz Mrio Ribeiro Vieira, Moema Jos de Carvalho Augusto, Mnica de Moura Pires, Ndia Hage Fialho, Nadya Arajo Guimares, Oswaldo Guerra, Renata Prosrpio, Renato Leone Miranda Lda, Ricardo Abramovay, Rita Pimentel, Tereza Lcia Muricy de Abreu, Vitor de Athayde Couto Editor Francisco Baqueiro Vidal Coordenao Editorial Clia Sganzerla, Marcelo Santana Coordenao de Documentao e Biblioteca (Cobi) Raimundo Pereira Santos Normalizao Eliana Marta Gomes da Silva Souza Reviso de Linguagem Calixto Sabatini (port.), Christiane Eide June (ing.) Coordenao de Disseminao de Informaes (Codin) Mrcia Santos Padronizao e Estilo Editoria de Arte Elisabete Cristina Teixeira Barretto, Aline Santana (estag.) Produo Executiva Anna Luiza Sapucaia Capa Julio Vilela Editorao Agap DesignBahia Anlise & Dados, v. 1 (1991- ) Salvador: Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia, 2010. v.19 n.4 Trimestral ISSN 0103 8117 CDU 338 (813.8) Impresso: EGBA Tiragem: 1.000 exemplares Av. Luiz Viana Filho, 4 Av., n 435, 2 andar CAB CEP: 41.745-002 Salvador Bahia Tel.: (71) 3115-4822 / Fax: (71) 3116-1781 [email protected] www.sei.ba.gov.br

SUMRIOApresentao Entrevista com a pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS): Sonia Rocha Transferncia de renda e desigualdade regional: tendncias, desafios e dilemas no campo das polticas sociais Jennifer Perroni Andr Brando Salete da Dalt Polticas pblicas emancipatrias no Brasil: uma anlise acerca das possibilidades de gerao de emprego e renda a partir da economia social e solidria Leandro Pereira Morais Miguel Juan Bacic Programa de desenvolvimento humano Oportunidades: a experincia mexicana de transferncia de renda. Antonio Csar Ortega Michelle da Silva Borges Perfil das famlias baianas beneficirias do Programa Bolsa Famlia Larissa Timo Almeida Jniffer Carla de Paula Fernando Gaiger Silveira 891 893 Uma anlise do recente crescimento das transferncias diretas de renda para as famlias do estado da Bahia Carmen Lcia C. Lima Luiz Carlos Santana Filho Sirius Bulco Desafios da implementao dos programas de transferncia de renda nas regies mais dinmicas do estado de So Paulo Lilia Montali Rosana Baeninger Stella Silva Telles Analisando a porta de entrada aos programas de transferncia de renda: So Paulo e Salvador Renata Mirandola Bichir Avaliao da integrao do Programa de Erradicao do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Famlia no municpio de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro Fernanda de Oliveira Monteiro Programas de transferncia de renda: Impacto do Programa Bolsa Famlia em Canoinhas, Santa Catarina Rita Regina Soares Saibel Walter Marcos Knaesel Birkner 957

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Foto: Lourival Custdio

APRESENTAO

A

s diversas modalidades de transferncias de renda vm constituindo, paulatinamente, importante linha de ao que envolve as trs esferas governamentais, imbudas do propsito de reduzir as desigualdades de

renda entre os segmentos sociais do pas. Inmeros estudos so produzidos visando, principalmente, aferir resultados e possveis benefcios das transferncias pblicas na qualidade de vida das famlias e dos indivduos. Todavia, percebe-se ainda uma carncia relativa de trabalhos que se proponham analisar esta questo da perspectiva dos impactos sobre os recortes regionais e municipais. Admitindo que polticas redistributivas que se pretendem efetivas no podem prescindir de categorias territoriais e regionais, o presente volume prope uma articulao entre as anlises focadas nas famlias com outras voltadas para os municpios onde aquelas esto localizadas, buscando uma compreenso mais ampla das possibilidades concretas de se engendrarem processos de desenvolvimento regional a partir de transformaes familiares e individuais. Dito de outro modo, estariam aqui colocadas algumas importantes questes, tais como: podem as transferncias de renda, tanto diretas quanto indiretas, retirar, em mdio e longo prazos, indivduos e municpios de um estgio de extrema dependncia desses recursos? Quais as possibilidades e limites que tal conjunto de transferncias pode apresentar para a gerao do desenvolvimento social e econmico nos municpios? Que condies so exigidas para seu xito? Com o intuito de oferecer uma contribuio discusso dessas questes, de grande relevncia social, este nmero da Revista Bahia Anlise & Dados reune pesquisadores que vm estudando o tema em vrias regies do Brasil, e em outros pases, e que revelam suas anlises a partir de mtodos e ticas diferenciadas. Os artigos contemplados, produzidos por especialistas de diversas reas e instituies brasileiras, apresentam aspectos fundamentais do debate em torno do tema, em particular aquele relacionado ao Programa Bolsa Famlia, maior progracerca de 1,5 milho de famlias pobres na Bahia. As abordagens selecionadas discutem as tendncias e os constantes desafios presentes no campo das polticas sociais, a exemplo da importante questo emancipatria dos indivduos e famlias beneficirios de programas sociais, a exemplo do prprio Bolsa Famlia.Foto: Bruno Spada/MDS

ma brasileiro de transferncia de renda direta populao do pas e que beneficia

Tal linha temtica busca incentivar a discusso desse importante pilar das polticas sociais, no Brasil e na Bahia, em um contexto amplo, permitindo o exame de outras experincias, tanto em mbito internacional quanto nacional. Priorizou-se a viso crtica do tema, por meio de estudos comparativos entre as unidades federativas. Por outro lado, destacou-se a necessidade de expandir-se o debate trazendo textos que discutem os programas de transferncias de renda direta de forma associada a outros programas sociais, como Economia Solidria e Erradicao do Trabalho Infantil. A Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia expressa seus agradecimentos aos autores por suas contribuies, em especial professora Sonia Rocha, que, em entrevista concedida a esta Instituio, analisa o futuro das polticas de transferncia de renda no Brasil, fazendo uma importante reflexo sobre suas possibilidades de xito como instrumentos democrticos compensatrios na distribuio de renda do pas. Boa leitura.

BAHIA AnlISE & DADoS

Transferncias de renda e desenvolvimento: desafios e perspectivasENTREVISTA COM SNIA ROCHA PESQUISADORA DO INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE (IETS)Economista ps-graduada pela Fundao Getlio Vargas e com doutorado pela Universit de Paris I, Snia Rocha trabalhou no IBGE e foi economista snior do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), onde, de 1988 a 2001, realizou estudos sobre pobreza no Brasil, com resultados publicados em mais de 100 artigos. De 2002 a 2005, foi coordenadora de projetos do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundao Getlio Vargas (FGV), e desde 2006, pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS). consultora de organismos internacionais para a realizao de estudos de incidncia e caracterizao de pobreza, e, nos ltimos dois anos, foi pesquisadora visitante na University of Oxford e tinker professor na Stanford University. Nessa entrevista concedida Bahia Anlise & Dados, a pesquisadora afirma que o carter assistencialista das polticas de transferncia de renda no um problema, desde que no se perca de vista seu objetivo maior, ou seja, a mudana estrutural na situao de pobreza do pas. Ela defende a necessidade de articulao entre as aes antipobreza e avalia que as desigualdades educacionais esto na raiz da m distribuio de renda no Brasil. No seu entender, a eficcia das aes do Estado depende da modernizao da administrao publica e o potencial dos investimentos advindos da explorao do pr-sal, a partir de 2015, ser promissor desde que haja um aperfeioamento poltico institucional no pas. BA&D Diante de desafios tais como a globalizao e a reestruturao produtiva, quais os espaos para a atuao do Estado no combate s desigualdades sociais e na promoo do desenvolvimento regional? Quais os novos papis estatais sugeridos por esse novo contexto? SONIA ROCHA Globalizao e abertura econmica tm o potencial de afetar negativamente os mais frgeis e vulnerveis, tanto internacionalmente, como no mbito domstico de cada pas. Aos pases com o nvel de desenvolvimento socioeconmico do Brasil cabe tirar partido da conjuntura atual, criando mecanismos compensatrios que evitem o crescimento da desigualdade entre indivduos ou entre regies. No h novos papis para o Estado, mas a necessidade de modernizao contnua da sua ao em todas as frentes, o que significa a escolha democrtica dos objetivos a serem atingidos, assim como transparncia e eficcia do desenho e da gesto dos mecanismos de poltica pblica utilizados. BA&D Como se situa, atualmente, o debate sobre os programas de transferncia de renda direta como potenciais polticas de incluso social nos diversos pases, particularmente os da Amrica Latina? Trata-se do conhecido assistencialismo ou de polticas sociais verdadeiramente emancipatrias? SR Embora estes programas sejam frequentemente vistos como panaceia para as questes de pobreza e desigualdade, o que por certo no so, podem se constituir no eixo de articulao de po893

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lticas focalizadas nos pobres. As transferncias de renda so, sem dvida, assistenciais, e no h mal nisto, j que melhorar o nvel de bem-estar dos mais pobres e reduzir a desigualdade de renda certamente desejvel. Dito de outra maneira, as transferncias de renda em si no possibilitam que os beneficirios deixem de ser pobres. O que se espera que ocorra paulatinamente so mudanas graduais da situao das famlias assistidas em funo de aes paralelas de educao, sade e assistncia social. BA&D Existem diferenas expressivas, quanto a resultados alcanados, entre a experincia brasileira e os demais modelos latino-americanos de programas de transferncia de renda? Em caso afirmativo, a que fatores se atribuem tais diferenas? SR O modelo brasileiro de transferncias de renda focalizadas s pode ser comparado em termos de desenho, cobertura e impactos ao do Mxico. O programa chileno muito restrito, embora esteja inserido num sistema de assistncia social bem mais abrangente e consolidado que o brasileiro. Os resultados que se podem medir, quando se dispem de informaes de pesquisas domiciliares, como no Brasil, so basicamente associados ao aumento da renda. Efeitos estruturais so mais bem observados no mdio e longo prazo. BA&D No Brasil verifica-se um entendimento, relativamente consensual, sobre a reduo da desigualdade social consegui894

da via estabilizao econmica, a partir dos anos 1990. Sabe-se que, de modo geral, os fatores que contriburam para essa dinmica foram a poltica de aumento de salrio mnimo e programas de transferncia de renda tais como o BPC e o Bolsa Famlia. Qual o peso relativo desses fatores para a melhoria das condies de vida das famlias pobres? SR No h dvidas de que o mercado de trabalho e, em particular, o rendimento do trabalho so os principais responsveis quando se considera o declnio da desigualdade de renda no Brasil, que ocorre desde 1997, e especialmente desde 2001, de forma sustentada. A contribuio da renda do trabalho para esse processo depende do perodo estudado. Rodolfo Hoffman (2008) calculou em 59,8% essa contribuio para a queda do Gini no perodo 2001-2007. Naturalmente, inevitvel que a renda do trabalho tenha um papel fundamental, positivo ou negativo, sobre a distribuio de renda na medida em que ela corresponde a 76% da renda das famlias, segundo a PNAD 2007. Em contrapartida, as transferncias assistenciais, que incluem os valores pagos pelo BF e pelo BPC, que no chegam a representar 2% da renda das famlias, deram uma contribuio de 19% para a queda do coeficiente de Gini no mesmo perodo. Nesse sentido, o que se argumenta que, embora as transferncias assistenciais tenham contribudo menos que a renda do trabalho para a reduo da desigualdade de renda no Brasil respectivamente

19% e 60% , as transferncias tm sido, dado o descompasso dos valores envolvidos, mais eficazes para atingir esse objetivo. BA&D Do ponto de vista poltico-institucional, como um programa de transferncia de renda direta populao com cobertura expressiva, a exemplo do Bolsa Famlia, deve interagir com outros programas ou aes governamentais, de modo a tornar sustentveis seus efeitos? SR Considerando a ampla cobertura do BF (11,7 milhes de benefcios/ms) e mesmo do BPC (3,3 milhes de benefcios/ ms) desejvel usar a poltica assistencial de transferncia de renda como o eixo da poltica antipobreza, ao qual se articulem as outras aes antipobreza. Pelo fato de que existe no Brasil o Cadastro nico com informaes detalhadas sobre a populao-alvo, natural e desejvel que ocorra a construo de um sistema de assistncia social privilegiando esta articulao, seja para que a populao beneficiria da transferncia tenha acesso a outras aes de promoo social adequadas ao seu perfil e necessidades, seja para garantir-lhe o acesso a servios pblicos teoricamente universais, mas que, por dificuldades de informao, acessibilidade e influncia, esto, na prtica, fora do seu alcance. BA&D O longo caminho a ser percorrido entre o alvio imediato da fome e da misria extrema e a resoluo do problema estrutural da pobreza aponta para a emancipao das famlias

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beneficirias? Nesse aspecto, quais os limites e possibilidades apresentados, atualmente, pelo Programa Bolsa Famlia? SR A transferncia de renda por si s no permite que as famlias beneficirias saiam da pobreza, mas melhora de imediato sua condio de vida e de cidadania. Como as famlias muito pobres tm desvantagens estruturais importantes para se inserirem no mercado de trabalho (baixo nvel de escolaridade e presena de crianas na famlia, por exemplo), a sada da pobreza tender a ocorrer, na melhor das hipteses, aps uma gerao, quando as crianas das famlias beneficirias tiverem em idade de ingressar no mercado de trabalho. Mas isto depende de que, paralelamente ao recebimento da transferncia, as famlias beneficirias sejam capazes de melhorar seu capital humano atravs de mais escolaridade com qualidade, isto , frequncia escola que resulte em aprendizado efetivo. Da o papel crtico da educao e da garantia de educao de qualidade para todos como instrumento fundamental para a reduo sustentada da pobreza e da desigualdade no Brasil. BA&D Alm de garantir uma renda mnima s famlias, particularmente quelas situadas nos patamares da pobreza extrema, o Programa Bolsa Famlia visa, em perspectiva de longo prazo, uma alterao nas suas condies de vida por meio de contrapartidas. Esse sistema de condicionalidades, requerido pelo programa, capaz, por

exemplo, de alterar significativamente os padres de qualidade em educao e sade e de eliminar o trabalho infantil? SR As contrapartidas, se cumpridas, constituem apenas um requisito bsico para a promoo social das famlias pobres. Assim, frequentar a escola necessrio, mas se a escola no funcionar adequadamente e no houver aprendizado de fato, ficamos na estaca zero. No que concerne ao trabalho infantil, no h evidncias de que o BF reduza a sua incidncia, at porque a escola apenas em tempo parcial (o PETI, que garante atividades em tempo integral, reduz o trabalho precoce). Hoje existem vagas para todos no ensino fundamental, de modo que o problema no apenas garantir a presena na escola, mas recuperar a qualidade de ensino e recuperar o papel da educao como mecanismo de mobilidade social. BA&D Deslocando-se o enfoque sobre as famlias pobres para o mbito do territrio, possvel traduzir os benefcios das transferncias de renda em melhorias efetivas para municpios com atividade econmica nfima ou praticamente inexistente, como, por exemplo, os da regio semirida nordestina? SR O objetivo da transferncia de renda do BF melhorar o nvel de bem-estar das famlias beneficirias de imediato. Certamente, em funo da transferncia de renda, ocorrem efeitos indiretos, como um aumento de consumo, que estimula a atividade econmica nas reas de resi-

dncia das famlias beneficirias. bem sabido que, em municpios onde o PIB muito baixo, as poucas atividades de comrcio e de servios so fortemente dependentes das transferncias previdencirias e assistenciais. BA&D Dada a limitao de recursos, em relao ao custo de oportunidade, que outras polticas ou investimentos sociais estariam sendo renunciados no pas em favor do Programa Bolsa Famlia? SR Da forma como esto sendo tomadas decises sobre os gastos correntes federais no Brasil, no correto dizer que as transferncias assistenciais esto se dando em detrimento de outros gastos sociais, como sade e educao. Todos os gastos correntes do governo federal tm aumentado nos ltimos anos, o que acaba por forar a elevao da carga tributria, que, consensualmente, j atingiu nvel elevado demais. Quando se consideram os gastos do governo federal, a perda relativa de participao que tem importncia crtica ocorre em relao aos investimentos. Simplificando bastante a questo, existem dois problemas bsicos no que concerne aos gastos do governo federal. Por um lado, a qualidade do gasto corrente, j que a expanso do gasto tem ocorrido sem que haja preocupao com metas, prioridades e eficincia do gasto. Por outro lado, observa-se a incapacidade do governo de realizar investimentos, apesar de haver recursos previstos no oramento, devido a dificuldades 895

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de planejamento e gesto. De qualquer modo, estudos empricos mostram que os gastos com as transferncias do BF tm sido, para cada unidade de real gasto, mais eficientes para reduzir pobreza e desigualdade de renda do que as transferncias realizadas no mbito do BPC/LOAS. BA&D A Bahia o estado com maior quantitativo de famlias beneficirias do Programa Bolsa Famlia. Esses nmeros podem ser observados tanto na Regio Metropolitana de Salvador (pobreza urbana) quanto no semirido (pobreza rural). possvel atender a universos to distintos com critrios uniformes de recorte de renda como os desse programa? SR O fato de o BF operar a partir de parmetros de renda fixados nacionalmente resulta de um aprendizado brasileiro de implementao de poltica pblica. Assim, fazendo um paralelo que me parece relevante, j tivemos salrios mnimos regionalizados e caminhamos de volta para a unificao do valor do salrio mnimo. Isso porque se observou que diferenas de valor de parmetros de poltica pblica criam falsos atrativos para deslocamento de populaes, sendo melhor usar as aes complementares para dar conta das diferenas de necessidades dentre as famlias beneficirias, sejam essas diferenas resultantes do perfil da famlia, sejam das caractersticas do local onde vive. BA&D Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos 896

programas de transferncia de renda direta em relao aos parmetros e indicadores de pobreza. possvel adotar linhas de pobreza diferenciadas por regio? SR No caso brasileiro, a adoo de Linhas de Pobreza diferenciadas para fins de diagnstico e estudo se constitui na soluo adequada por duas razes bsicas: a diversidade do custo de vida para os pobres em diferentes reas do pas e a disponibilidade de informaes estatsticas sobre estrutura de consumo em bases subnacionais derivadas da POF/IBGE. Ou seja, trata-se de utilizar ao mximo o detalhamento das informaes estatsticas existentes para captar da melhor forma possvel a realidade diversa da pobreza nas diferentes regies e reas urbanas e rurais do pas. No entanto, quando se trata de estabelecer parmetros de valor para uso diretamente na poltica social, como o caso dos cortes de renda para fins de elegibilidade para o Bolsa Famlia, a melhor soluo consiste em adotar valores uniformes nacionalmente, como j se viu na pergunta anterior. BA&D Em que medida o esgotamento da conhecida lgica de crescimento econmico sem distribuio de renda evidencia uma efetiva mudana de paradigma? As novas propostas de desenvolvimento sustentvel contemplam adequadamente as questes do combate pobreza e s desigualdades sociais? SR No que concerne relao entre crescimento eco-

nmico e reduo da pobreza e da desigualdade, j est bem documentado na literatura econmica internacional desde a dcada de 70, que os efeitos no so necessariamente positivos. Ou seja, crescimento econmico no se rebate forosamente como reduo da pobreza e da desigualdade. bem sabido, por exemplo, que o crescimento econmico brasileiro nos anos ditos do milagre reduziu a pobreza bem menos do que seria possvel e desejvel, pois aumentou a desigualdade de renda ao beneficiar principalmente as famlias e indivduos de rendas mais altas. Hoje se sabe exatamente qual o tipo de crescimento desejvel para gerar efeitos distributivos positivos. Ele demanda, naturalmente, investimento produtivo e em infraestrutura. No caso brasileiro, esses investimentos tm que ocorrer em paralelo nfase em formao de capital humano, de modo a reduzir o mais rapidamente possvel o nosso atraso educacional, e, em particular, as desigualdades educacionais, tanto de acesso como de qualidade da educao recebida. O objetivo sanar o dficit educacional que est na raiz da pobreza e da desigualdade de renda no Brasil. BA&D A possibilidade de gerao de riqueza, a partir de uma nova fonte como a do petrleo da camada pr-sal, favorece especulaes otimistas em relao a um novo estgio de crescimento econmico para o Brasil, aludindo, sobretudo, a uma melhoria das suas condies sociais. O alcance de um suposto

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novo patamar de desenvolvimento apontaria para uma reduo substancial da pobreza e um desenvolvimento regional mais equnime. SR Novos recursos advindos da explorao da camada pr-sal a partir de 2015 sero bem-vindos, possibilitando aumentar os investimentos produtivos e na rea social, com o

potencial de acelerar o ritmo de crescimento econmico e melhorar o nvel de vida da populao. No entanto, as questes de repartio e gesto dos recursos adicionais so, qualitativamente, as mesmas com que deparamos hoje. Para que sejam atingidos mais rapidamente os objetivos desejados de crescimento econmico sustentado com justia

social, h que modificar de maneira permanente a administrao pblica, profissionalizando-a e blindando-a de manipulaes que atendem a interesses ilegtimos. Isso depende tanto de aperfeioamentos polticos e institucionais, como de progressos que garantam eficcia crescente da operacionalizao das aes do Estado.

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Transferncia de renda e desigualdade regional: tendncias, desafios e dilemas no campo das polticas sociais*Jennifer PerroniA Andr BrandoB Salete da DaltCResumo A concepo de que se observa, entre as macrorregies brasileiras, um abismo socioeconmico no um campo de estudo recente. Recentemente, a Poltica Nacional de Assistncia Social (BRASIL, 2004), ao incorporar o conceito de territorialidade, teve o mrito de reconhecer as diferentes dinmicas observadas no territrio nacional. Nesse sentido, compreender em que medida as desigualdades influenciam tais aes de fundamental importncia para a formulao e implementao de polticas sociais. O presente trabalho tem como proposta refletir acerca do impacto diferenciado que um programa federal de assistncia social apresenta nas regies do pas, em especial o Programa Bolsa Famlia. O trabalho nasce justamente do reconhecimento de que desigualdades historicamente consolidadas no territrio atravessam os programas e aes governamentais, repercutindo diretamente nos resultados que tais aes alcanam. Palavras-chave: Transferncia de renda. Desigualdade regional. Programa Bolsa Famlia. Abstract The conception that there is a huge social-economic gap among the Brazilian macroregions, is not a new field of study. Recently the National Social Welfare Work Policy (Brazil, 2004) by incorporating the concept of territoriality had the merit of acknowledging the different dynamics seen in the national territory. To that effect, understanding how the differences influence such actions is most important for the formulation and implementation of social policies. This paper is intended to review the differentiated impact that a Federal program of welfare social work presents on the countrys regions, especially the Brazilian Program Bolsa Famlia. The paper is developed exactly from the acknowledgment that historically consolidated inequalities cross the programs and governmental actions, echoing directly on the results that such actions reach. Keywords: Transfer of income. Regional inequalities. Brazilian Bolsa Familia Program.

INTRODUO Pobreza e desigualdade so manifestaes sociais recorrentes na histria da humanidade e, embora possam ocorrer de forma associada, no devem ser compreendidas como um fenmeno nico. Em* O presente trabalho corresponde a um aprofundamento da discusso realizada na dissertao de mestrado intitulada Desigualdades Regionais e Programas de Transferncia de Renda: Uma Anlise do Programa Bolsa Famlia, apresentada ao Programa de Estudos Ps-Graduados em Poltica Social da Universidade Federal Fluminense em agosto de 2009.A Mestre em Poltica Social e graduada em Servio Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). [email protected] B

texto j clssico, Barros, Henriques e Mendona (2002), ao estudarem os ndices socioeconmicos de diversos pases, demonstraram que, mesmo em localidades que apresentam um elevado ndice de pobreza, a desigualdade no necessariamente se encontra no mesmo patamar. Entretanto, a observao dos ndices brasileiros revela uma realidade diferenciada. Segundo os autores, ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) no classifique o Brasil como um pas pobre1, o alto ndice de pobreza1 Vale lembrar que, de acordo com dados fornecidos pela CIA World Factbook, o PIB brasileiro se encontra entre os dez maiores para o ano de 2008, informao essa que est em consonncia com a apresentada pelo Banco Mundial para o ano de 2008. Para maiores informaes, verificar October 2008: Nominal GDP list of countries (Data for the year 2007). Pgina visitada em 12/04/2009. Gross domestic product (pdf) (Data for the year 2007). Pgina visitada em 12/04/2009. Field listing GDP (official exchange rate). Pgina visitada em 12/04/2009.

Doutor em Cincias Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); professor adjunto e vice-coordenador do Programa de Estudos Ps-Graduados em Poltica Social da Universidade Federal Fluminense (UFF); diretor adjunto do Ncleo de Pesquisas Sociais Aplicadas (DataUFF). [email protected]

C Doutoranda e mestre em Poltica Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF); coordenadora do Ncleo de Pesquisas Sociais Aplicadas (DataUFF). [email protected]

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Transferncia de renda e desigualdade regional: Tendncias, desafios e dilemas no campo das polTicas sociais

o coloca como um dos pases mais desiguais do mundo. Essa configurao desigual to marcante no Brasil deve ser compreendida como consequncia de um modelo de desenvolvimento econmico que foi sistematicamente pautado na excluso de diversos segmentos populacionais. necessrio reconhecer que o fenmeno da excluso no se aplica unicamente a indivduos ou segmentos populacionais, mas tambm se traduz e se expressa territorialmente. Como aponta Rocha (1998), o fenmeno da desigualdade no Brasil se divide em duas temticas: a primeira diz respeito desigualdade que observamos entre os indivduos mensurada basicamente atravs da renda per capita. A segunda consiste justamente no reconhecimento de uma histrica desigualdade regional. A Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS), ao incorporar o conceito de vulnerabilidade e a perspectiva socioterritorial, prope-se, de fato, a [...] reconhecer a dinmica demogrfica e socioeconmica associada ao processo de excluso/incluso social, vulnerabilidades aos riscos pessoais e sociais em curso no Brasil em seus diferentes territrios (BRASIL, 2004). Quando se volta a ateno para o Programa Bolsa Famlia, possvel notar que, desde sua criao, no ano de 2003, foi privilegiada a Regio Nordeste, que nesse momento inicial correspondia a 51% do total de beneficirios junto com a Regio Norte, ambas representavam 58,55% do total de famlias beneficiarias no pas (BRASIL, 2007). Uma pesquisa realizada pelo Ncleo de Pesquisas Sociais da Universidade Federal Fluminense (DataUFF) revelou que o impacto resultante da implementao do programa apresenta variaes quando observado regionalmente. Dividido em trs partes, o presente artigo constitui um esforo para analisar como as diferenas regionais se manifestam nos impactos de um programa de transferncia de renda especificamente, o Bolsa Famlia. Assim, na primeira parte, analisa-se, ainda que brevemente, a consolidao da desigualdade entre as macrorregies brasileiras. J a segunda parte tem por objetivo discorrer sobre os programas de transferncia de renda no Brasil. Na terceira parte do artigo, lanam-se algumas reflexes sobre o perfil dos beneficirios do 900

Bolsa Famlia e o impacto do programa. Tais anlises tero como pano de fundo o resultado de uma pesquisa de mbito nacional realizada no ano de 2006 e foram feitas de forma que possibilitem uma comparao entre os ndices observados por regio brasileira. DIFERENAS REGIONAIS E DESIGUALDADES SOCIAIS: UMA LEITURA DO TERRITRIO BRASILEIRO Antes de se discutir a consolidao da desigualdade no territrio brasileiro e seus possveis impactos na poltica de assistncia, fundamental que se tenha a clara definio do que se entende como desigualdade. Primeiramente, preciso destacar que a desigualdade um conceito complexo por se debruar sobre um fenmeno que, na verdade, relacional. Nesse sentido, ela no pode ser definida como existindo a priori, mas apenas como resultado de interaes sociais. Como bem aponta Reis (2004), pensar a desigualdade implica, em alguma medida, estar invariavelmente voltando para algum conceito de justia. Se tomarmos a definio de Santos (1989), para quem a justia social a razo entre os benefcios/sacrifcios definida para os indivduos em cada sociedade, ento possvel considerar a desigualdade como um desnvel observado nessa alocao. Nesse sentido, enquanto alguns indivduos gozam benefcios sociais, outros so condenados a suportar maiores parcelas de sacrifcios. Justamente por ocorrer no mbito das relaes sociais, pode-se entender que as desigualdades se cristalizam nas prticas e representaes, de tal forma que passam a ser estruturantes. o que aponta o trabalho realizado por Charles Tilly (2000), que constata a existncia do que denomina como desigualdades persistentes, ou seja, aquelas que atingem sistematicamente um dado grupo ou segmento populacional. A sociologia de Pierre Bourdieu aponta nesta mesma direo ao tornar evidente a violncia simblica que permeia diferentes relaes e que, por se encontrar profundamente condensada na subjetividade tanto dos que a cometem como dos que dela sofrem, tende a ser perpetuar a cada gerao.BAHIA AnlISE & DADoS, Salvador, v.19, n.4, p.899-911, jan./mar. 2010

JEnnIfEr PErronI, AnDr BrAnDo, SAlEtE DA DAlt

No so poucos os trabalhos que hoje se dedi- atinge patamares inaceitveis (BARROS; HENRIcam a estudar a temtica da desigualdade em suas QUES; MENDONA, 2002), a discrepncia sociomais diferentes formas de expresso. A questo de econmica observada entre suas macrorregies gnero, que impe papis sociais aos indivduos assume carter igualmente alarmante. Neste estudo, pretende-se percorrer, ainda que com toda a fora de uma violncia naturalizada, e de forma sucinta, a consolia questo etnorracial, vergoO Brasil um pas que possui dao de um desnvel econhosa dvida que ainda atinpropores continentais, seja no nmico observado entre as ge considerveis segmentos que tange ao territrio, seja na macrorregies brasileiras. populacionais, so clssicos produo agrcola ou mesmo no Importante salientar que o exemplos de desigualdades total de riquezas geradas no pas intento no o de indicar os historicamente consolidadas. determinantes histricos desSegundo Santos e Silveira (2006), os espaos territoriais representam atores sa desigualdade, como se fosse possvel reduzir a privilegiados na dinmica social, e no apenas in- histria a uma mera sequncia inequvoca de aconcorporam hierarquias, como tambm produzem e tecimentos. Pretende-se sim acompanhar a trajereproduzem uma ordem que se encontra profunda- tria econmico-social de um pas que chega ao sculo XXI tendo seu territrio marcado por profunmente firmada entre suas fronteiras. O Brasil um pas que possui propores con- das diferenciaes. Outra observao necessria tinentais, seja no que tange ao territrio, seja na se refere ao fato de que o reconhecimento de tais produo agrcola ou mesmo no total de riquezas desigualdades entre as regies no significa que geradas no pas. No entanto, para alm deste ce- se desconsidera que a complexidade do territrio nrio, observam-se tambm nveis de pobreza que brasileiro tambm se encontra expressa em seus revelam as profundas contradies presentes em microterritrios. Nesse sentido, entende-se que as nosso territrio. Essa configurao reafirma um dos regies congregam territrios que se diferenciam traos mais marcantes de nossa sociedade: quer na relao campo/cidade, centro/periferia, no repelo modelo de desenvolvimento econmico histo- presentando, portanto, espaos homogneos. No ricamente adotado, quer simplesmente pela grande entanto, para o escopo desta anlise, volta-se univastido territorial, hoje se observa que o Brasil camente para o estudo das diferenciaes macrorum gigante tanto em territrio quanto em desigual- regionais. dades. Essas desigualdades se encontram inscritas em sua populao, delimitadas em suas fronteiras, DESIGUALDADE REGIONAL NO BRASIL: traduzidas geograficamente e apresentam reperCONSOLIDAO E FRAGMENTAO DO cusses nos mais diferentes nveis da vida social. TERRITRIO Assim, se v que o pas conseguiu atravessar a histria mantendo sua unidade territorial, mas Segundo Santos (1979), um trao marcante em necessrio reconhecer a extrema heterogeneidade pases que estiveram sob o regime colonial consisque compe o territrio nacional. As desigualdades te no fato de que seus territrios se organizaram de atravessam nossa cultura. Encontramos, portanto, forma a atender aos interesses de uma economia um espao marcado por invisveis muros que con- distante. De fato, quando se toma como exemplo a solidam diferenas histricas e resultam em nveis sociedade brasileira, se v o quo verdadeira essa distintos de qualidade de vida e de oportunidades afirmativa se apresenta. O processo de ocupao e para a populao vivente em cada local. a posterior colonizao do territrio brasileiro deixaEste estudo se volta especificamente para a de- ram profundas marcas que ainda se fazem presensigualdade regional observada em territrio brasi- tes em nossa sociedade, definindo fronteiras at leiro. Embora este no seja um fenmeno exclusivo hoje no superadas. Para entender essa configudo Brasil (VIANA, 1967), preciso reconhecer que, rao, imprescindvel ter em mente um fator que em um pas onde o nvel de desigualdade social por si s j definiu os contornos de nossa histria: oBAHIA AnlISE & DADoS, Salvador, v.19, n.4, p.899-911, jan./mar. 2010

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Brasil foi, por mais de 300 anos, uma colnia de ex- obstculos sua prpria expanso. Ainda assim, a plorao, e mesmo a independncia no significou despeito de todos os obstculos, possvel apontar a formao de alguns ncleos manufatureiros em o rompimento com esse modelo econmico. O escravismo, que condenou um imenso con- locais como Recife e Salvador (dedicados protingente populacional a permanecer margem de duo txtil), e em Porto Alegre (voltados para o preparo de charutos, conserqualquer possibilidade de Assim, enquanto outros pases vas e curtume), embora esse reconhecimento de direitos, caminhavam em direo a um processo seja observado com e a imensa concentrao de modelo poltico regido por maior intensidade no Rio de terras nas mos de uma miprincpios liberais, o Brasil Janeiro (MENDONA, 1995). noria, atravs do latifndio, Santos e Silveira (2006), so as bases sociais sobre vislumbrava o incio de uma tardia modernizao ao dividir a dinmica territorial as quais se forma um terribrasileira em trs momentos, trio fragmentado, voltado para os interesses internacionais e sem nenhuma possibilitam uma maior compreenso desse propreocupao com a formao de uma unidade ter- cesso. No primeiro momento, o territrio se asritorial. O espao brasileiro, dentro desse contexto semelharia a um arquiplago formado por zonas inicial, correspondia ao que Santos e Silveira (2006) econmicas que se especializam e com produes define como um arquiplago, onde era possvel mecanizadas. O segundo momento corresponderia apontar pontos e manchas voltados para atividades mecanizao da circulao e emergncia de uma especficas. No havia, portanto, integrao entre indstria. Assim, somente a partir do momento em esses territrios, que se voltavam quase que exclu- que passa a existir uma extenso ferroviria e rosivamente para atender aos interesses e deman- doviria, possvel pensar que esse arquiplago das do mercado externo. Assim, o desempenho se conecta. Porm, mais importante reconhecer de determinada rea estava relacionado s flutua- que justamente esse processo [...] revela a hetees que seus produtos apresentavam no mercado rogeneidade do espao nacional e de certo modo (ARAJO, 2005). Diversos autores coincidem ao a agrava, j que as disparidades regionais tendem, afirmar que no possvel apontar, nesse momen- assim, a se tornar estruturais (SANTOS; SILVEIto, a existncia daquilo que poderia se identificar RA, 2006, p. 31). Cabe destacar a importncia que como uma questo regional. Ou seja, apesar das a industrializao exerce no apenas no processo diferenciaes observadas quanto ao tipo de ativi- de modernizao da economia brasileira, mas tamdade, no se verificavam desigualdades entre as bm por caminhar pari passu com a emergncia de uma desigualdade regional. diversas reas. importante salientar que o processo de moNo entanto, parece haver um consenso de que essa situao de transformou com a emergncia dernizao, embora determinante na consolidao da modernidade. Souza, ao estudar esse processo, da desigualdade, no deve ser apontado como considera que a [...] modernizao instaura uma catalisador de um fenmeno que o perpassa. Na dualidade marcada precisamente pelo impacto di- verdade, esse processo, ao se consolidar de maferencial, nas diversas regies, do influxo moder- neira diferenciada no territrio, transforma a lgica nizante (SOUZA; SILVEIRA, 2006, p. 145). Assim, at ento observada, desencadeia a transferncia enquanto outros pases caminhavam em direo a do eixo econmico do meio rural para o urbano e, um modelo poltico regido por princpios liberais, o ainda mais especificamente, [...] a dependncia de Brasil vislumbrava o incio de uma tardia moderniza- certas reas no mais ao mercado externo, mas em o. A quebra do pacto colonial tem um duplo efeito relao a outras reas (SANTOS, 1979, p. 231). na economia brasileira. Se, por um lado, permitiu Assim, o processo de modernizao, ao integrar a instalao das primeiras manufaturas, por outro, reas que at ento permaneciam voltadas uniao possibilitar a presena de mercadorias concor- camente para o mercado externo, torna evidentes rentes de outros pases, criou tambm os principais desigualdades que antes no eram percebidas e, 902BAHIA AnlISE & DADoS, Salvador, v.19, n.4, p.899-911, jan./mar. 2010

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a partir de um processo de hierarquizao entre entre si. J em sociedades perifricas, e analisanessas reas, inaugura aquilo que Santos (1979) do especialmente o contexto brasileiro, esse prodenominou de colonizao interna, na qual uma cesso ocorre de maneira diferenciada, e a classe regio no se encontrava mais subordinada aos in- burguesa corresponde a um [...] produto econmiteresses internacionais, mas passava a depender co que, desde o comeo, se constitui como resposta a estmulos econmicos de outra regio. Dessa forma, Justamente por no ocorrer de concretos sem que ocorra, passaram a existir [...] territforma homogenia, o processo pelo menos a curto e mdio rios que mandam e territrios de modernizao transformou a prazo, uma abstrao dessa que obedecem (SANTOS; lgica que at ento imperava no circunstncia a um contexto SILVEIRA, 2006). territrio brasileiro social maior (SOUZA, 2006, Souza (2006) e Santos e p. 131). Silveira (2006) concordam ao Como bem apontou Mendona (1995), a emerapontar que reas onde o latifndio e o escravismo estavam mais fortemente enraizados na cultura e gncia de uma burguesia industrial brasileira ocorna economia local se mostraram mais resistentes re no mbito da sociedade cafeeira. Aqui, portanto, modernizao. Isso [...] ajudava manter na pobre- no h um rompimento com a elite ou mesmo com za milhes de pessoas e impedia uma urbanizao os interesses anteriores. Trata-se de uma mesma mais expressiva. Por isso a introduo de inova- parcela da sociedade, ainda que com uma nova es materiais iria encontrar grande resistncia de roupagem. Essa informao importante se penum passado cristalizado na sociedade e no espao, sarmos que o processo de industrializao se faz atrasando o processo de desenvolvimento (SAN- sentir mais favoravelmente na Regio Sudeste TOS; SILVEIRA, 2006, p. 275). Justamente por (ANDRADE, 1976), onde a sociedade cafeeira era no ocorrer de forma homognea, o processo de mais forte. No entanto, o que no est presente na anlise modernizao transformou a lgica que at ento de Mendona e que parece ser fundamental para imperava no territrio brasileiro. Antes do aprofundamento na questo das dife- nossos estudos diz respeito s atividades manufarenciaes regionais, interessante compreender tureiras presentes nas demais regies em perodo a especificidade da modernidade brasileira, e, para anterior ao da modernizao e que no lograram tal, os estudos de Souza (2004, 2006) so funda- se desenvolver aps a indstria. Obviamente que mentais. Primeiramente, a prpria emergncia de as condies favorveis ao desenvolvimento de uma classe burguesa no Brasil deve ser percebi- uma atividade industrial estavam presentes da Reda como distinta do que se observou em pases de gio Sudeste, mas isso no justifica a estagnao economia central. Assim, nesses pases, a ascen- e mesmo o retrocesso observado nas outras reas. so da burguesia como a primeira classe dirigen- Novamente importante ressaltar que manufaturas te que trabalha e as posteriores conquistas de localizadas em Recife e em Porto Alegre surgiram direitos civis, polticos e sociais (seguindo o modelo e se desenvolveram em um momento em que a proposto por Marshall) trazem como consequncia poltica de incentivos fiscais se mostrava contrria certo grau de reconhecimento social, de tal forma ao seu desenvolvimento2 e, no entanto, no foram que, nas palavras de Souza (2006, p. 166), [...] capazes de sobreviver concorrncia da Regio essa dignidade efetivamente compartilhada por Sudeste. Para entender esse processo, imporclasses que lograram homogeneizar a economia tante ter em mente que, embora a indstria nasa emocional de todos os seus membros numa me- dependente da economia cafeeira, fato que seu dida significativa, que me parece ser o fundamento desenvolvimento contnuo imbicaria, em algum moprofundo do reconhecimento social infra e ultrajur- mento, em uma emancipao e mesmo oposio dico. De tal forma que, para o autor, nessas socieCabe destacar a poltica pombalina observada nesse perodo, que, embora tenha redades, todos os indivduos so reconhecidos como vogado a lei que proibia manufaturas na colnia, ao garantir incentivos fiscais a produtos membros socialmente teis, ainda que desiguais ingleses, criou o maior obstculo ao desenvolvimento dessa atividade.2

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entre essas duas atividades. De tal forma que a re- (Sudene) em 1959, pela Lei 3.692, embora fosse gio do caf aos poucos vai se transformando na justificada pela necessidade de integrar o Nordeste regio da indstria, e, mais ainda, essa passagem economia nacional, deve ser examinada com cuirepresenta tambm a [...] imposio do capitalismo dadosa ateno. Para se entender seus efeitos na economia industrial que forava a economia agroexportadora nordestina, necessrio rea redefinir sua forma de reA partir de meados da dcada tomar a discusso realizaproduo (OLIVEIRA, 1981, de 1960, possvel apontar da at aqui. Conforme dito p. 84). para uma mudana na lgica anteriormente, a partir do A dcada de 1930, denque regia as relaes entre as momento em que ocorre uma tro desse contexto, consolida macrorregies brasileiras maior integrao no territrio essa mudana. Assume o pobrasileiro caracterstica do der, ento, uma elite desvinculada do capital cafeeiro e que consegue romper, processo de modernizao que se torna evidente em grande medida, com o pacto oligrquico que uma desigualdade que at ento no era percebiimperava no cenrio poltico brasileiro desde a Pro- da. Assim, a integrao representa tambm uma clamao da Repblica. Segundo Cruz (2006), in- hierarquizao entre as regies. Se se considerar teressante perceber que as aes governamentais que essa primeira integrao teve efeitos perversos foram ento impulsionadas no sentido de viabilizar para algumas reas do territrio brasileiro, ento se o desenvolvimento nacional, que seria garantido constatar que a acelerao desse processo que atravs de uma aliana entre os diversos segmen- estava dentro do contexto de uma poltica desentos da sociedade, excluindo-se a os grupos ligados volvimentista pode ser compreendida como um ao interesses agroexportadores. Assim, embora seja segundo golpe. De tal forma que [...] a Sudene possvel apontar na poltica de Vargas um forte es- ser um mecanismo de destruio acelerada da tmulo industrializao do pas, importante con- economia regional nordestina no contexto do mosiderar que as polticas observadas nesse perodo vimento de integrao nacional mais amplo (OLIderam pouca ateno distribuio das atividades VEIRA, 1981, p. 113). V-se, portanto, o resultado entre as macrorregies. Ao contrrio, houve maior no homogneo de uma integrao nacional que concentrao de investimentos no eixo centro-sul acarretou o aprofundamento de uma desigualdade (BAER et al, 1978). Esse padro ir se estender at que j havia sido inaugurada com o processo de meados da dcada de 1960. Dessa forma, a concen- modernizao da economia. A partir de meados da dcada de 1960, posstrao industrial observada em So Paulo passou a representar tambm uma nova diviso territorial do vel apontar para uma mudana na lgica que regia trabalho, que atravs de um [...] movimento dialtico as relaes entre as macrorregies brasileiras, de destri para concentrar e capta o excedente de ou- tal forma que o modelo econmico-industrial contras regies para centralizar o capital (OLIVEIRA, centrador que se observava at ento substitudo 1981, p. 76). Aqui no se trata meramente de uma por um processo de desconcentrao que vai levar, regio produtora que, por isso mesmo, se destaca em alguma medida, a uma diminuio da desigualeconomicamente. Para alm desse fato, importan- dade regional. Segundo Rocha (1998, p. 2), para o te perceber os efeitos perversos que essa concor- perodo observado entre 1970 e 1985, [...] h unanimidade quanto s tendncias de convergncia rncia acarreta nas demais reas. A poltica desenvolvimentista adotada por Jus- das rendas e, portanto, da reduo da desigualdade celino Kubitschek buscava, atravs da integrao regional. Assim, alguns autores apontam uma desregional, garantir o desenvolvimento econmico. concentrao industrial nos anos 70. Novas reas Cruz (2006) destaca nesse momento a importncia so incorporadas nesse processo, enquanto que do capital estrangeiro para o novo modelo de in- as j existentes so apanhadas com um novo mdustrializao ento adotado. Assim, a criao da peto (SANTOS; SILVEIRA, 2006). Segundo Santos Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste e Silveira (2006), a dcada de 1970 ser particu904BAHIA AnlISE & DADoS, Salvador, v.19, n.4, p.899-911, jan./mar. 2010

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larmente positiva para a Regio Sul, cujo proces- mximo. De fato, a autora reconhece que, nos anos so de industrializao reassume o crescimento, e em que a crise econmica caracterstica do perodo para a Regio Centro-Oeste, que se incorpora a atingiu seu auge, a desigualdade apresentou queessa dinmica. Embora seja possvel considerar das devido ao empobrecimento das regies mais que houve uma mudana na concentrao espacial ricas. A dcada de 1990 se encontra nessa mesma perspectiva de oscilao da indstria, preciso estar quanto ao nvel de desigualatento para o fato de que [...] O enxugamento das economias dade. No entanto, Rocha os fenmenos de crescimene a maior integrao dos to, s vezes registrados em mercados levaram ao colapso de (1998) considera que o ano de 1992 foi o mais crtico no algumas regies deprimidas, um sistema que at ento foi o que tange ao nvel de renda no significam que as dissustentculo da vida econmica e incidncia de pobreza. A paridades regionais estejam e social dos pases capitalistas partir dos anos 1990, obserem vias de diminuio ou de va-se no Brasil o avano de absoro (SANTOS, 1979, p. 235). Assim, embora reconhea que a questo profundas transformaes que j se verificavam em regional foi atenuada, a autora firme ao conside- escala mundial desde a dcada de 1970. Trata-se rar que a pobreza no Nordeste estava longe de ser do esgotamento do modelo de Estado que at ento foi a base de sustentao das economias naextinta (ARAJO, 2005). Se, por um lado, durante a dcada de 1970, foi cionais e do desenvolvimento de um novo modo de possvel encontrar avanos no que tange desi- operao da economia capitalista. O enxugamento das economias e a maior integualdade entre as macrorregies, por outro lado, a observao do perodo permite constatar que grao dos mercados levaram ao colapso de um esse fenmeno muito mais complexo do que uma sistema que at ento foi o sustentculo da vida simples concentrao industrial. Assim, embora a econmica e social dos pases capitalistas. O audesconcentrao produtiva tenha impactado posi- mento absoluto das taxas de desemprego e a substivamente a economia regional, no foi o suficiente tituio do trabalho formal pela informalidade de um para superar padres profundamente marcados na mercado que em nenhuma medida garante a protesociedade. De fato, quando se volta a ateno para o do trabalhador so consequncias desse novo a dcada de 1980, percebe-se que as mudanas momento. Dessa forma, a dcada de 1990 corresobservadas na dcada anterior no lograram homo- ponde a um perodo complexo para se pensar a geneizar o territrio brasileiro, ainda que, em algu- desigualdade regional. Assim, ao mesmo tempo se ma medida, tenham minimizado as desigualdades. observa o processo de enxugamento do Estado importante considerar a reconhecida dificuldade consequncia do avano neoliberal , acompanhaem acompanhar a desigualdade entre as macrorre- do por uma maior integrao dos mercados que gies a partir da dcada de 1970, devido ao fato de justamente caracteriza a globalizao. De fato, os que a proximidade histrica no permite uma leitu- autores no so unnimes ao discorrer sobre tais ra mais completa de um fenmeno cujos efeitos se consequncias. Para Arajo (2005), a dcada de 1990 deve ser percebem em longo prazo (ROCHA, 1998). Ainda assim, autores reconhecem que a dcada de 1980 percebida como uma mudana em relao posconfigura um perodo complexo, em que os nveis tura governamental adotada em anos anteriores. de desigualdade oscilaram, por vezes influenciados Assim, a autora reconhece que [...] o Estado depela crise econmica que se abateu sobre o pas senvolvimentista, superavitrio, patrocinador ou da no perodo, em outros momentos devido a especifi- desconcentrao ou da concentrao [industrial], dependendo do momento, perde essa capacidade cidades regionais. Rocha, ao analisar o ndice de Desigualdade na (ARAJO, 2005, p. 225). Nesse sentido, a autora Pobreza, considera que, no ano de 1981, a desi- acredita que no possvel apontar o Estado como gualdade entre regies brasileiras atingiu seu ponto um importante ator no desenvolvimento de polticasBAHIA AnlISE & DADoS, Salvador, v.19, n.4, p.899-911, jan./mar. 2010

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regionais atualmente. Assim, embora ela reconhe- programa de renda mnima no somente um novo a que o desenvolvimento do Nordeste nas ltimas tipo de programa social; [...] ele um indicador das dcadas tenha sido consequncia da forte atuao possibilidades do futuro do Estado social, em um estatal (ARAJO, 1997), tem dificuldades de apon- contexto que no mais de pleno emprego e onde tar as futuras tendncias para o investimento pbli- a seguridade social est ameaada pela precariedade das relaes de trabaco nas regies. No governo do presidente Lula, lho. Assim, no possvel obfoi criado, em outubro de 2003, No Brasil, tem-se na proservar um consenso na liteo programa de transferncia de posta de uma renda incondiratura acadmica quanto ao renda Bolsa Famlia cional a todos os brasileiros, efeito da globalizao para as feita por Eduardo Suplicy em economias regionais. Dessa maneira, enquanto alguns autores acreditam que 1991, a introduo do debate na agenda poltica esse fenmeno viria a propiciar uma maior integra- nacional. As experincias observadas na dcada de o e, consequentemente, maior desenvolvimento 1990 sero particularmente percebidas nas esferas das economias regionais mais atrasadas, outros municipais (SPOSATI, 1997), o que decorrente de defendem que esse processo tenderia a aprofundar outra caracterstica que a poltica social assume no perodo: a descentralizao e municipalizao (ARdesigualdades j existentes. RETCHE, 2002). No governo do presidente Lula, foi criado, em TRANSFERNCIA DE RENDA E PROTEO outubro de 2003, o programa de transferncia SOCIAL de renda Bolsa Famlia (PBF), ao qual caberia A emergncia dos programas de transferncia os audaciosos objetivos de superar as fragilidade renda foi alvo de estudos e debates dos mais des e falhas observadas em aes anteriores, diferentes autores. Na verdade, se se pensar a unificar os programas federais de renda mnitransferncia de renda como toda e qualquer desti- ma, evitando a duplicidade de benefcios, e, por nao de recursos monetrios feita do Estado para fim, promover a segurana alimentar e nutriciodeterminados segmentos populacionais, ento nal da populao pobre e extremamente pobre. possvel apontar j no sculo XVI experincias de Assim como outros programas de transferncia tal natureza3. No obstante, fato que nunca tais de renda, o PBF exige o cumprimento de conprogramas desempenharam papel to fundamental dicionalidades por parte dos beneficirios para na rede de proteo social de tantos pases como a permanncia no programa. Dessa forma, para famlias com filhos em idade escolar, exigida se observa no contexto atual. Obviamente que essa nova emergncia no a matrcula e frequncia escolar, bem como a deve ser analisada no atual contexto poltico e eco- assistncia pr-natal e neonatal e vacinao de nmico. A chamada crise do capital observada a crianas menores de sete anos. V-se, portanto, um programa que ser carropartir dos anos 1970 colocou em xeque a capacidade do Estado em assumir os custos pela expan- chefe da poltica nacional no pas se colocar em so do capital e, como bem mencionou Wallerstein contextos que, embora muito precisos, se atra(2003, p. 65), representou tambm uma verdadeira vessam. Assim, o Bolsa Famlia, seguindo as tencrise ideolgica que trouxe como consequncia a dncias do perodo, baseia-se na transferncia de [...] perda da capacidade de fornecer legitimidade renda com condicionalidades como forma de tentar social para as estruturas estatais. Dessa maneira, romper com os chamados ciclos da pobreza e, fora segundo Ferreira (apud SPOSATI, 1997, p. 36), o isso, tem como caracterstica marcante a descentralizao com nfase na gesto municipal. Antes de prosseguir, talvez seja interessante observar a diferena que se adotou entre renda mnima e transferncia de renda. Sposati (1997) aponta uma tipificao de renda Pensando tais especificidades dentro do contexmnima que vai desde a definio do piso salarial para os trabalhadores at a renda mnima de insero e o Imposto de Renda Negativo. Para o presente trabalho, a expresso to da desigualdade regional (tema abordado na pritransferncia de renda e mesmo programas de renda mnima designam os modelos de programas sociais que se baseiam na transferncia/complementao monetria. meira parte do presente trabalho), verifica-se que o3

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Bolsa Famlia ser atravessado e influenciado por questes regionais, o que de fato j foi demonstrado atravs de inmeros estudos. A seguir, algumas consideraes sobre o Programa Bolsa Famlia no contexto da desigualdade observada entre as macrorregies brasileiras. PENSANDO O PERFIL DOS BENEFICIRIOS E OS IMPACTOS REGIONAIS OBSERVADOS NO PROGRAMA BOLSA FAMLIA Embora no se tenha aqui a pretenso de apresentar os dados referentes pesquisa que ouviu, em 53 municpios dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, mais de trs mil famlias beneficiarias do Bolsa Famlia4, cabe fazer algumas reflexes que levam a perceber uma significativa desigualdade entre os beneficirios do programa, seja no que tange ao prprio perfil dos beneficirios, seja quanto ao impacto obtido pelo programa. Assim, verifica-se que, embora a trajetria dos beneficirios apresente aproximaes todos fazem parte de um grupo alvo de polticas sociais e se encontram inseridos em um programa de transferncia de renda , quando se analisam dados socioeconmicos ou mesmo se observa a avaliao que os beneficirios fazem do programa a partir da regio onde moram, percebe-se que essa aproximao no suficiente para tornar os dados homogneos, o que resulta em uma ntida desigualdade. Um campo que traz considerveis questes de anlises o da educao. O Programa Bolsa Famlia apresenta como uma das contrapartidas para a concesso do benefcio justamente a frequncia escolar de crianas e jovens das famlias beneficirias. Tal obrigatoriedade se justifica pelo objetivo do programa de romper com os chamados ciclos de pobreza. Essa caracterstica j lana por si s duas reflexes. Primeiramente, cabe destacar uma significativa diferena nos nveis educacionais da populao assistida. Enquanto os beneficirios que residem no eixo centro-sul do pas tendem a apresentar melhores nveis educacionais, o grupo que reside no eixo norte-nordeste inclina-se para desempenhos4 Embora a anlise de tais dados seja absolutamente relevante ao tema, escapa largamente ao espao destinado publicao de artigos. Assim, para o presente trabalho, nos valeremos apenas de algumas reflexes que o resultado da pesquisa possibilitou. Para a leitura completa, verificar Perroni (2009).

menos satisfatrios. Tal caracterstica, de fato, repete uma tendncia que se observa para o conjunto da populao quando se observam os dados fornecidos por rgos oficiais. Somado a isso, cabe destacar a prpria diversidade na oferta de servios na rea da educao. Notadamente, merecem ateno os dilemas apresentados pela Regio Norte, que apresenta municpios de difcil acesso e conta ainda com poucas famlias. Em tais localidades, no raro, a educao at o chamado ensino fundamental realizada em uma s turma. No entanto, a partir do primeiro ano do ensino mdio, a entrada de outras disciplinas na grade curricular torna impossvel tal prtica. Assim, como exigir que tais famlias matriculem seus filhos no ensino regular se a prpria estrutura escolar de tais localidades impede um pleno acesso? Outro ponto que merece destaque a situao ocupacional do chefe das famlias beneficirias. A pesquisa de 2006 revelou que, nas regies que compem o eixo centro-sul, h maior ocorrncia de famlias cujo chefe se encontra empregado. No entanto, interessante apontar que a ocorrncia de desempregados menos comum justamente nas regies Norte e Nordeste. Tal configurao no deve ser lida com espanto, mas sim como consequncia das atividades rurais na agricultura de subsistncia e mesmo no extrativismo, notoriamente comuns nessas regies. Assim, mesmo apresentando um menor percentual de famlias beneficirias nas quais aquele que responde como chefe do domiclio esteja desempregado, tal situao no configura uma melhor insero no mercado de trabalho. Outro dado que, porventura, pode ser erroneamente avaliado diz respeito situao da moradia. A pesquisa procurou saber se as famlias beneficirias residem em casas prprias, cedidas, alugadas ou outras situaes. Os dados revelaram que a maioria dos entrevistados possui residncia prpria, o que, de acordo com Brando (2004), est relacionado com uma caracterstica habitacional observada nas camadas populares, nas quais comum a construo da prpria moradia. Isso se d com o uso do tempo livre, ou seja, nos finais de semana ou mesmo aps o horrio de trabalho, e no raro conta com a ajuda de familiares e amigos. Ainda assim, possvel apontar uma maior ocorrncia de 907

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domiclios prprios nas regies Norte e Nordeste, observado uma queda nas respostas de todas as o que pode ser entendido como uma caracterstica regies quanto ao fato de os alimentos acabarem comum a reas rurais sendo, portanto, um fen- antes que houvesse a possibilidade de realizar nomeno distinto daquele observado em reas pobres vas compras, uma anlise mais detalhada permitiu onde igualmente comum a construo das pr- perceber que essa queda foi mais acentuada nas regies Sul e Centro-Oeste. prias moradias. Novamente utiliza-se a Assim, a Regio Sul foi Novamente utiliza-se a anlise de Brando, que, ao a que apresentou uma maior anlise de Brando (2004), observar a pobreza urbana e queda no percentual de resque, ao observar a pobreza suas manifestaes, traz uma postas dos entrevistados que urbana e suas manifestaimportante contribuio para afirmaram que os alimentos es, traz uma importante se compreender a dimenso do acabavam antes que novas contribuio para se comprefenmeno relatado compras fossem realizadas. ender a dimenso do fenmeA segunda regio que apreno relatado. Segundo o autor, nas reas rurais, so comuns as autoconstrues sentou maior queda foi a Centro-Oeste, seguida das moradias, que vo passando de uma gerao pela Regio Sudeste. Para a Regio Nordeste, se para a outra, que no apenas a ocupa, mas tam- antes do Bolsa Famlia 89,65% dos beneficirios bm refaz, amplia e reforma a casa que um dia foi afirmaram que os alimentos acabavam antes de construda por um av, bisav etc. J nas reas novas compras, esse percentual caiu para 87,83%, urbanas pobres, a autoconstruo da residncia o que representa uma reduo de 1,82 pontos. uma caracterstica daquele trabalhador que, no Cabe destacar que, na Regio Norte, 83,97% dos tendo onde morar e sem condies para pagar beneficirios afirmaram que o fim dos alimentos aluguel, consegue adquirir um terreno seja por no coincide com a aquisio de novos gneros meio de posse, invaso ou mesmo pedindo dinhei- alimentcios o que representa uma queda de ro emprestado a amigos e familiares e constri a 4,63 pontos. Verifica-se, portanto, que as regies residncia nos finais de semana ou mesmo noite, Sul e Centro-Oeste foram aquelas em que o Bolsa na volta do trabalho. Aqui importante destacar a Famlia trouxe melhor resultado quanto durabipresena de uma solidariedade entre amigos e fa- lidade dos alimentos. J a Regio Nordeste foi a que apresentou o pior desempenho nesse quesito. miliares na construo da residncia. Aps essas breves consideraes no que tange Interessante destacar que, embora em quase toao perfil dos beneficirios, talvez seja interessan- dos os dados e indicadores o eixo centro-sul tenha te pensar nos impactos alcanados pelo Programa apresentado um melhor desempenho no que tange Bolsa Famlia. Se fosse possvel analisar todos os aos resultados do programa, nessas localidades os dados e grficos que a pesquisa forneceu, ento alimentos tenderam a durar mais aps a insero se veria que em praticamente todas as regies os no programa, da mesma forma como aumentou a alimentos passaram a durar mais, ou seja, houve variedade de alimentos consumidos. Ainda assim, uma queda do nmero de famlias cujo alimen- esse melhor desempenho quando solicitamos que to acabava antes que houvesse a possibilidade os beneficirios avaliem o impacto do programa em de comprar mais5. Ainda assim, embora se tenha suas vidas e avaliamos as respostas a partir da regio de domiclio. O quadro a seguir traz a sntese A pesquisa realizada em 2006 buscou um corte temporal. Dessa maneira, as perguntas tiveram o intuito de levar as famlias a refletirem sobre a realidade antes do recebimento das respostas dos beneficirios. do benefcio, de forma a possibilitar um confronto entre a situao anterior e posterior entrada no programa. Assim, quando perguntados se antes de entrar no programa os A anlise da avaliao que fazem os prprios alimentos costumavam acabar antes que houvesse dinheiro para comprar mais, nada menos do que 87,53% das famlias entrevistadas se reconheceram nessa situao. beneficirios do Programa Bolsa Famlia por regio Esse um valor extremamente alto e um dado muitssimo importante, pois o fim dos alimentos antes da possibilidade de realizar novas compras significa a existncia de uma do Brasil permite algumas interessantes considerasituao de insegurana alimentar grave. Ao analisarem a situao aps a insero no programa, ou seja, aps receber o benefcio, 82,63% dos entrevistados afirmaram que es. A Regio Norte foi aquela em que o programa os alimentos acabavam antes que houvesse a possibilidade de realizar novas compras. Assim, verifica-se uma queda de quase cinco pontos percentuais, o que, de acordo com foi mais bem avaliado, de forma que 93,56% dos Brando, Da Dalt e Gouveia (2007, p. 108), [...] o teste de x com 1 grau de liberdade e nvel de 1% altamente significante, j que x = 28,4 (x crtico = 6,67). entrevistados consideram o Bolsa Famlia timo ou5

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No geral, como voc avalia o Programa Bolsa Famlia?Regio Sudeste timo Bom Regular Ruim Pssimo NS/NRFonte: DataUFF, 2006.

Sul 32,33 52,33 12,50 1,00 1,00 0,83

Centro-Oeste 46,03 45,20 8,44 0,33 -

Norte 43,23 50,33 5,61 0,50 0,17 0,17

Nordeste 38,83 49,33 9,17 1,17 0,83 0,67

Total 38,61 49,63 9,76 0,86 0,66 0,46

32,56 51,00 13,12 1,33 1,33 0,66

bom tal padro de resposta, na verdade, est em consonncia com as respostas apresentadas pelos usurios quando avaliaram a alimentao aps a insero no programa. Na Regio Centro-Oeste, 91,23% avaliaram o programa como bom ou timo. J na Regio Nordeste, a soma dessas respostas atingiu 88,17%. As regies Sul e Sudeste foram as que apresentaram a pior avaliao 84,67% dos beneficirios na Regio Sul consideraram o programa timo ou bom, e 83,55% dos entrevistados na Regio Sudeste avaliaram o Bolsa Famlia desta maneira. Quanto s respostas regular e ruim, foram mais mencionadas nas regies Sudeste (14,45% no total) e Sul (13,50%). J na Regio Nordeste, 10,33% dos beneficirios definiram o Bolsa Famlia como ruim ou pssimo. Na Regio Centro-Oeste, foram 8,77%, e na Regio Norte, essas respostas foram menos mencionadas: 6,11%. Conforme se percebe, ainda que as regies do eixo centro-sul tenham apresentado, na maioria dos indicadores analisados, um melhor desempenho no que tange ao impacto obtido com o Programa Bolsa Famlia, interessante perceber que essas regies no necessariamente so as que apresentam as avaliaes mais positivas do programa por parte dos beneficirios. De fato, tal caracterstica pode ser percebida em consonncia com resultados encontrados em pesquisas similares, nas quais beneficirios de aes, mesmo limitadas no que tange aos resultados e impactos, avaliam positivamente o programa. Essa caracterstica particularmente comum nos grupos sociais mais vulnerveis e que se encontram sistematicamente alijados da oferta de servios pblicos. Assim, esses indivduos tendem a considerar boas quaisquer aes ainda que de efeito limitado. Obviamente que essa umaBAHIA AnlISE & DADoS, Salvador, v.19, n.4, p.899-911, jan./mar. 2010

caracterstica que pode ou no ser observada; no regra. CONSIDERAES FINAIS Ao longo do presente trabalho, foram acompanhados dois temas que, embora primeira vista paream distantes, na verdade se atravessam quando se analisa a tendncia observada hoje na poltica de assistncia social. A questo regional, conforme foi visto inicialmente, no uma descoberta recente, e, de fato, possvel pensar que, em diversos momentos da histrica poltica brasileira, ela foi alvo de intervenes pblicas. Ainda assim, necessrio reconhecer que tal problemtica ainda mostra seus efeitos mais perversos quando se analisam indicadores socioeconmicos ou mesmo quando se pensa a economia e a forte dependncia entre as regies. Como brilhantemente apontou Milton Santos (1982), o local onde uma pessoa vive pode conden-la a dois tipos de pobreza: a primeira obviamente diz respeito ao modelo econmico; a segunda se refere pobreza prpria daquele local, fazendo com que seus cidados sejam, nas palavras do autor, prisioneiros do lugar. Dessa forma, compreende-se que no apenas determinadas reas deixaram de ser economicamente demandadas com a emergncia da modernidade na sociedade brasileira, como tambm essa excluso foi reeditada em diversos momentos da histria nacional, seja pela ausncia de aes governamentais, seja como um efeito perverso (SANTOS, 1989) de determinadas aes. Em diversos momentos de nossa histria, possvel apontar medidas que buscavam o desenvol909

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vimento nacional como se este, por si s, pudesse dar conta dos desnveis econmicos. No entanto, ao desconsiderar a questo regional, bem como as especificidades de cada territrio, muitas das vezes tais medidas trouxeram resultados desastrosos para as pequenas economias locais. A essa histria somam-se as tendncias atualmente observadas na poltica de assistncia social no pas, a municipalizao ocorrida a partir dos anos 90 do sculo XX e a tendncia de criao de polticas redistributivas nas quais o Bolsa Famlia, principal programa de transferncia de renda do pas, ocupa lugar de destaque. preciso reconhecer, portanto, que essas reas de estudo se mostram muito prximas. Afinal, como mencionou Santos (1982), uma poltica de redistribuio que pretenda ser efetiva no pode prescindir da questo territorial. Ao se lanarem consideraes sobre o perfil dos beneficirios do Bolsa Famlia, constata-se que a questo regional interfere de maneira significativa em um programa de amplitude nacional. Assim, embora o Programa Bolsa Famlia destine-se populao pobre e extremamente pobre presente nos diversos territrios do pas, verifica-se claramente um maior ndice de vulnerabilidade nos beneficirios do eixo norte-nordeste. Essa tendncia, na verdade, se encontra em acordo com os indicadores sociais oficiais, que, conforme j foi apontado, sugerem uma maior intensidade de pobreza nessas regies. Da mesma forma, a avaliao do impacto do programa mostra que as regies do eixo centrosul apresentaram melhores desempenhos nos indicadores utilizados. um grave risco considerar as necessidades do pas como um campo homogneo. Sem a percepo das enormes diferenas regionais, correse o risco de reafirmar traos de desigualdade j histricos em nossa sociedade Da mesma forma, caso seja verdade que a avaliao de programas sociais no pode desprezar a importncia da diversidade regional em sua anlise, preciso que, antes disso, a elaborao e a implementao de tais experincias tambm deem igual importncia a esse fator. Do contrrio, haver uma poltica nacional baseada nas necessidades de alguns, ao passo que as necessidades regionais podero ser escondidas pela mscara de uma ingnua homogeneidade. 910

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Polticas pblicas emancipatrias no Brasil: uma anlise acerca das possibilidades de gerao de emprego e renda a partir da economia social e solidriaLeandro Pereira MoraisA Miguel Juan BacicBResumo Este trabalho realiza uma discusso terico-conceitual sobre economia social e economia solidria, mostrando suas relaes com as polticas pblicas que visam emancipao de grupos desfavorecidos no mbito da gerao de emprego e renda. Analisa-se a relao dessas polticas com o Programa Bolsa Famlia, em seu intento emancipatrio, e as dificuldades dos empreendimentos econmicos solidrios (EES) no Brasil, com base no Atlas da Economia Solidria da Secretaria Nacional de Economia Solidria (Senaes). Entende-se que conhecer a dinmica dos EES, bem como as polticas pblicas em elaborao e experimentao, constitui-se um passo importante para desvendar e enfrentar a realidade de um pas marcado por uma profunda desigualdade socioeconmica. Palavras-chave: Polticas pblicas. Economia social. Economia solidria. Emancipao. Emprego. Abstract This study presents a theoretical-conceptual discussion on Social Economy and Joint Economy, showing their relationships with public policies aiming the emancipation of underprivileged groups within the scope of job and income generation. The relation between such policies and the Bolsa Famlia Program, in its emancipating intent, and the difficulties of the joint Economy Enterprises (EES in Portuguese) in Brazil are reviewed, based on the Atlas of Joint Economy of the National Secretariat for Joint Economy (Senaes in Portuguese). It is understood that the dynamics of the EES as well as the public policies being developed and experimented is considered an important step in uncovering and facing reality in a country marked by deep social-economic inequality. Keywords: Public policies. Social Economy. Emancipation. Employment.

INTRODUO Recentemente, em muitos pases, vem-se constatando o crescimento de iniciativas de produo e de prestao de servios, organizadas com base na livre associao e nos princpios de cooperao e autogesto. De fato, a presena e a progressiva amplituA

Doutorando em Desenvolvimento Econmico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); mestre em Economa Social, Desarrollo Local y Emprendedores (Universidad de Sevilla); professor da Pontifcia Universidade Catlica de Campinhas (PUC-Campinas); coordenador de Projetos em Desenvolvimento do Territrio do Instituto Plis. [email protected]

B Doutor em Administrao de Empresas pela Universidad Nacional Del Sur, Argentina; livre-docente em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) professor do Instituto de Economia da Unicamp. [email protected]

de desse campo de prticas suscitaram programas e aes do setor pblico, no sentido de promov-las como opo de renda e de melhor qualidade de vida. Ao mesmo tempo, provocou-se um estado permanente de debates entre lderes polticos e sociais, militantes e estudiosos, acerca de suas principais causas explicativas e de sua importncia para a construo de uma alternativa de desenvolvimento, nos mbitos local e global (GAIGER, 2004; MORAIS, 2007). Do ponto de vista internacional, segundo Moreno e Chaves (2006), foi a partir dos anos de 1970 que se iniciaram, de uma perspectiva econmico-social, 913

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polTicas pblicas emancipaTrias no brasil: uma anlise acerca das possibilidades de gerao de emprego e renda a parTir da economia social e solidria

Em outras palavras, o termo ES contempla uma os estudos tericos e empricos mais significativos sobre o tema, no mbito da economia social (ES). multiplicidade de opinies, ou seja, o conceito carece Segundo Carpi (1997), a partir desse perodo, de aceitao e implementao generalizadas. Podemencionado por alguns autores como a crise do se afirmar, portanto, que at o momento no existe consenso sobre a delimitao modelo fordista de produo e de distribuio, que se Aqueles que defendem a utilizao desse setor (BAREA, 1990; da expresso [ES] no coincidem CARPI, 1997; DEFOURNY; podem entender as novas no seu sentido, e aqueles que FAVREAU; LAVILLE, 1997; tendncias e o interesse pela a criticam, obviamente, no CHAVES, 1998; BAREA; MONES. Para o autor, as transcoincidem tambm em suas ZN, 2002; TOSCANO, 2002; formaes socioeconmicas crticas CRUZ, 2006; MORENO; CHAdesse perodo e o contexto VES, 2006; MORAIS, 2007). de desemprego, incertezas, No Brasil, o termo ES no tradicionalmente utiinsegurana, tenses sociais e polticas, aliados incapacidade do Estado e do mercado para en- lizado, apesar de as organizaes que atuam na infrentar tal situao, so os principais elementos terface entre a economia e a sociedade constiturem que podem explicar a massiva mobilizao da so- um fenmeno social expressivo e cada vez mais reciedade civil em busca de solues coletivas. aqui conhecido (SERVA; ANDIN, 2006). Segundo esses que a ES encontra um caldo de cultivo apropriado autores, pode-se constatar que ainda no existe no para seu desenvolvimento, caldo esse que ganha pas uma viso dominante e, muito menos, um conainda mais sustncia nos anos de 1990, ante as senso sobre o que a ES, quais organizaes e entitransformaes econmicas, sociais e polticas em dades a compem e qual o seu papel social. Do ponto de vista cientfico, [...] observa-se a coabitao de dimbito internacional. No entanto, a ES constitui uma realidade econ- ferentes representaes, correntes e concepes as mica heterognea, marcada por uma srie de dificul- quais se apoiam em ideologias distintas e, em alguns dades e contradies no que tange sua definio, casos, at contraditrias (SERVA; ANDIN, 2006, conceituao, delimitao de suas atividades e de p. 39). Assim, torna-se necessrio e pertinente prosuas organizaes e, consequentemente, de sua mover um debate mais amplo sobre o papel da ES mensurao. Vale lembrar que esse setor inclui uni- no Brasil, a comear pela identificao das entidades dades econmicas vinculadas a atividades de todos que a constituem e qual seu significado e contribuio os setores e que podem estar presentes em todas as para a economia e sociedade brasileiras. Independentemente da terminologia utilizada, das fases do processo produtivo. Alm do que, em cada pas ou regio, tratada com terminologias diferen- dificuldades de conceituao, definio e mensurao tes que se deixam confundir facilmente. Ou seja, e da controvrsia inerentes a um tema espinhoso, a expresso ES no est isenta de ambiguidades, entende-se que a ES pode desempenhar um papel uma vez que convive com expresses de diversos significativo, do ponto de vista socioeconmico, ante tipos, tais como setor voluntariado, filantrpico, no o contexto de globalizao atual. Em que pese a conmonetrio, no lucrativo, de interesse social, tercei- tribuio de alguns autores, como, por exemplo, Vairo setor, organizao no governamental (ONG), ner (2000) que se posiciona contra a ideia de ES economia solidria, economia social e outras que, como alternativa ao enfrentamento da crise do emembora tentem descrever realidades similares, nem prego e do estado de bem-estar1 e Castel (1998) sempre delimitam o mesmo campo de atividades. que entende tais realizaes como pouco inovaConforme atentou Cruz (2006, p. 37), a ES uma doras e com limitadas chances de ultrapassarem expresso conceitual em disputa, ou cujo significado Segundo esse autor, como bem notou Lima (2003), essa uma tentativa de juntar objeto de viva polmica, no qual [...] aqueles que coisas que se repelem e se opem economia e solidariedade. Sua viso a de que, no mundo da economia capitalista, no h lugar para a solidariedade, uma vez que os defendem a utilizao da expresso no coincidem espaos de solidariedade so regidos por outros fins, outros valores, outras prticas. Ele entende que a chamada ES no constitui um modelo alternativo de organizao social, no seu sentido, e aqueles que a criticam, obviamen- pois qualquer projeto amplo e abrangente de solidariedade social inseparvel da crtica da economia. expressa a ideia da impossibilidade de construir um projeto de solidariete, no coincidem tambm em suas crticas. dade social, uma alternativa economia e a suas leis, nos marcos da economia1

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o estgio de experimentao , entende-se que como os casos do Red Solidria, em El Salvador; a ES, atravs de seus mecanismos especficos, Tekopor, no Paraguai; Chile Solidrio, no Chipode contribuir para a gerao de emprego e ren- le; Oportunidades, no Mxico; Bono Solidrio, no da, para uma distribuio de renda menos desi- Equador; e Famlias em Accin, na Colmbia. Em que pese a acirrada discusso acadmica gual e para o desenvolvimento endgeno, tendo e poltica sobre o assunto, em vista seus maiores vncaracterstica inerente a um culos com o territrio, o que, Conforme se pode notar, h um tema espinhoso e controverconsequentemente, levaria a ambiente favorvel econmica, so, de fato, do ponto de vista uma maior autonomia dele, social e politicamente para levar de forma complementar aos adiante projetos que contemplem prtico, o recente relatrio, intitulado Avaliao de Imobjetivos macroeconmicos objetivos socioeconmicos com pacto do Programa Bolsa Famais gerais. Ou seja, difea possibilidade de gerao de mlia, elaborado pelo Centro rentemente de alguns autotrabalho, emprego e renda de Desenvolvimento e Planeres muito otimistas sobre o papel desempenhado pela ES, considera-se que, jamento Regional de Minas Gerais (Cedlepar), da para uma maior efetividade e xito, essas iniciati- Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e vas devem estar condicionadas s determinaes encomendado pelo Ministrio do Desenvolvimenmais gerais de escala macroeconmica, ou seja, to Social (BRASIL, 2007), apontou que os PTMC aos reflexos da poltica econmica adotada em tiveram impacto sobre a pobreza e, em especial, cada pas/regio, no que diz respeito aos nveis sobre a pobreza extrema. No entanto, verificou-se de investimento, emprego, renda, consumo, distri- que, na maior parte dos casos, tais transferncias e o tempo de sua durao so insuficientes para buio de renda etc. Nessa perspectiva, do ponto de vista das polti- tirar as famlias da pobreza, ou seja, para quebrar cas pblicas atualmente executadas no mbito de o crculo intergeracional da pobreza e de falta de gerao de emprego e renda no Brasil, um novo oportunidades. No que se refere especificamente terceira dimodelo de enfrentamento da realidade socioeconmica atual vem sendo observado e se d a partir menso, ou seja, aos programas que visam sende certas iniciativas, tambm adotadas recente- sibilizar, estimular e se direcionar no sentido da mente na Amrica Latina, de Programas de Trans- gerao de trabalho e renda, a ideia central reside ferncia Monetria Condicionada (PTMC). Esses na elaborao de iniciativas que disponibilizem reprogramas tm como ideia basilar trabalhar con- cursos para financiar projetos de capacitao projuntamente com as famlias beneficirias para que fissional e de gerao de emprego e renda, alm de elas possam encontrar as portas de sada de sua estimular a integrao de programas de microcrcondio de pobreza, abordagem esta que implica dito e a incluso dos beneficirios dos PTMC, com a integrao com outras polticas e programas, no o objetivo maior de se deslocar de um perfil de marco de uma estratgia de desenvolvimento mais polticas assistencialistas para emancipatrias (SCOLESE, 2007). amplo (SOARES; BRITTO, 2008). Conforme se pode notar, h um ambiente favoNo Brasil, o Programa Bolsa Famlia (