AERONÁUTICA Novo sistema de controle visa melhoria do...

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A E R O N Á U T I C A 12 por Flávia Gouveia Novo sistema de controle visa melhoria do tráfego aéreo Vôos atrasados, compromissos per- didos, comentários infelizes de autori- dades e a maior tragédia da aviação bra- sileira: este é certamente o pior momen- to do setor de aviação civil no país. Tomar um vôo hoje exige do passageiro uma elevada dose de paciência e coragem. As razões para esse caos incluem as difí- ceis condições de trabalho e remunera- ção dos profissionais controladores de vôo, o crescimento econômico, que impul- sionou o aumento da demanda pelo aero- transporte, deficiências nas condições dos aeroportos e nos sistemas de con- trole do espaço aéreo. Para solucionar o componente mais técnico do problema, a Força Aérea Brasileira (FAB), em con- sonância com as diretrizes da Organiza- ção da Aviação Civil Internacional (Oaci), está desenvolvendo um novo sistema para permitir maior precisão na comu- nicação e o aumento do número de aero- naves em circulação simultânea nas aerovias do país, com a implantação de um sistema entre os mais modernos em operação, até 2020. Importantes mudanças nessa direção já começaram a ser feitas. O sistema é chamado de CNS-ATM, referência em inglês a seus elementos constitutivos: Comunicação (C), Navegação (N), Vigilância (S) e Geren- ciamento de Tráfego Aéreo (ATM). Quando estiver totalmente implanta- do, o CNS-ATM deverá integrar a tec- nologia de satélites e os elementos dos sistemas de alcance óticos, instalados em terra. De acordo com o presidente da comissão CNS/ATM, brigadeiro-do- ar Álvaro Pequeno, para que haja inte- gração dos sistemas ATM, será neces- sária a harmonização de padrões e de procedimentos. Essa harmonização somente será obtida com a aplicação plena das novas tecnologias dos siste- mas "C", "N" e "S". Assim, os operado- res de aeronaves deverão realizar seus vôos, intra e inter-regiões, de acordo com as melhores rotas e em seus per- fis mais adequados, dinamicamente ajustados para a melhor relação cus- to/benefício. (Veja no quadro da pági- na 15, detalhes do novo sistema e com- paração com a tecnologia atual). CONCEPÇÃO DO SISTEMA NÃO É RECENTE A Oaci já reconhecia, desde o iní- cio da década de 1980, o crescimento das limitações dos sistemas vigentes de navegação aérea e a necessidade de introduzir melhorias para susten- tar a aviação civil do século XXI. O primeiro comitê de sistemas futuros MAIOR PRECISÃO NA COMUNICAÇÃO E O AUMENTO DO NÚMERO DE AERONAVES EM CIRCULAÇÃO SÃO ALGUMAS DAS MEDIDAS QUE DEVEM SER IMPLANTADAS ATÉ 2020

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A E R O N Á U T I C A

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por Flávia Gouveia

Novo sistema de controle visa melhoria

do tráfego aéreo

Vôos atrasados, compromissos per-didos, comentários infelizes de autori-dades e a maior tragédia da aviação bra-sileira: este é certamente o pior momen-to do setor de aviação civil no país. Tomarum vôo hoje exige do passageiro umaelevada dose de paciência e coragem. Asrazões para esse caos incluem as difí-ceis condições de trabalho e remunera-ção dos profissionais controladores devôo, o crescimento econômico, que impul-sionou o aumento da demanda pelo aero-transporte, deficiências nas condiçõesdos aeroportos e nos sistemas de con-trole do espaço aéreo. Para solucionar ocomponente mais técnico do problema,a Força Aérea Brasileira (FAB), em con-sonância com as diretrizes da Organiza-ção da Aviação Civil Internacional (Oaci),está desenvolvendo um novo sistemapara permitir maior precisão na comu-nicação e o aumento do número de aero-naves em circulação simultânea nasaerovias do país, com a implantação deum sistema entre os mais modernosem operação, até 2020. Importantes

mudanças nessa direção já começarama ser feitas.

O sistema é chamado de CNS-ATM,referência em inglês a seus elementosconstitutivos: Comunicação (C),Navegação (N), Vigilância (S) e Geren-ciamento de Tráfego Aéreo (ATM).Quando estiver totalmente implanta-do, o CNS-ATM deverá integrar a tec-nologia de satélites e os elementos dossistemas de alcance óticos, instaladosem terra. De acordo com o presidenteda comissão CNS/ATM, brigadeiro-do-ar Álvaro Pequeno, para que haja inte-gração dos sistemas ATM, será neces-sária a harmonização de padrões e deprocedimentos. Essa harmonizaçãosomente será obtida com a aplicaçãoplena das novas tecnologias dos siste-mas "C", "N" e "S". Assim, os operado-res de aeronaves deverão realizar seusvôos, intra e inter-regiões, de acordocom as melhores rotas e em seus per-fis mais adequados, dinamicamenteajustados para a melhor relação cus-to/benefício. (Veja no quadro da pági-

na 15, detalhes do novo sistema e com-paração com a tecnologia atual).

CONCEPÇÃO DO SISTEMA NÃO É RECENTEA Oaci já reconhecia, desde o iní-

cio da década de 1980, o crescimentodas limitações dos sistemas vigentesde navegação aérea e a necessidadede introduzir melhorias para susten-tar a aviação civil do século XXI. Oprimeiro comitê de sistemas futuros

MAIOR PRECISÃO NA COMUNICAÇÃO E O AUMENTO DO NÚMERO DE AERONAVES EM CIRCULAÇÃO SÃO ALGUMAS

DAS MEDIDAS QUE DEVEM SER IMPLANTADAS ATÉ 2020

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nacional — com o envolvimento dosadministradores da aviação civil, asorganizações internacionais, os pres-tadores de serviços e os usuários — aOaciestabeleceu um novo comitê espe-cial, encarregado de desenvolver umplano mundial coordenado que disci-plinasse a sua implementação. O pla-no foi concluído e produziu diretrizesde transição com as recomendaçõesnecessárias para garantir que os ele-

mentos do sistema CNS/ATM concebi-dos pela Oaci fossem implementadosde maneira progressiva, ordenada, pon-tual e benéfica. O plano global foi defi-nido em 1998 e sofreu aperfeiçoamen-tos em 2003 e 2006. "As modificaçõesrecentes no plano global visaram àatualização da tecnologia de monito-ramento e gerência do espaço aéreo,mas o sistema começou a ser implan-tado já em 2005", esclarece o brigadei-

de navegação foi criado em 1983.Cinco anos depois, o comitê apresen-tou estudos sobre novos conceitos etécnicas de monitoramento do tráfe-go aéreo, que resultaram na concep-ção de um sistema de comunicação,navegação e vigilância (CNS), basea-do, principalmente, em satélites e des-tinado a suportar a gerência do trá-fego aéreo (ATM).

Para promover a cooperação inter-

Liz Perez/D

ecea

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ro Álvaro Pequeno. "Porém, sua con-clusão deverá ocorrer somente em2020" complementa.

FASES DE IMPLANTAÇÃOA implantação do novo sistema foi

dividida em três fases que visam, basi-camente, possibilitar a redução da dis-tância segura entre aeronaves, substi-tuir a comunicação por voz entre con-troladores e pilotos pela digital e locali-zação de alta precisão das aeronaves. Aprimeira começou em 2005 e deverá serconcluída até 2010; as duas fases seguin-tes têm prazo de conclusão até 2015 e2020. Desde o início da primeira fase, adistância entre aeronaves foi reduzidade 600 metros para 300 metros, o quepermitiu, por exemplo, a circulação dequatro aeronaves no corredor Brasil-Europa onde antes viajava apenas uma,explica o brigadeiro-do-ar da FAB RamonBorges Cardoso.

Atualmente, estão em testes tecno-logias de comunicação digital para auxi-liar a comunicação e a navegação dasaeronaves, tais como o sistema de nave-gação orientado por satélites, conheci-do por GPS (iniciais em inglês dePosicionamento Global por Satélite),que possui precisão e alcance de infor-mações muito maiores que os atuaisequipamentos VOR (estações de soloque operam em VHF e emitem sinaisomnidirecionais).

Na segunda fase de implantação doCNS/ATM, a comunicação entre pilotose controladores ocorrerá por meio demensagens digitais em substituição àatual comunicação por voz. O briga-deiro Álvaro Pequeno esclarece que osaparelhos terão teclas de atalho parainformações complexas sem que sejanecessária a digitação letra por letra,o que agilizará a transmissão de infor-mações. Além disso, haverá a trans-missão direta de dados das aeronaves— como altura, velocidade e direção —

para os centros de controle.Na fase final, a prioridade será o

aumento da precisão na localização dasaeronaves e a intensificação da segu-rança. Quando estiver totalmente implan-tado, o sistema CNS/ATM será capaz deprever com alta precisão o ponto ondeuma aeronave se localiza no espaço aéreo."O sistema vigente já está obsoleto", afir-ma o brigadeiro Ramon. "Com oCNS/ATM, uma aeronave estará efetiva-mente a até 0,3 milhas de distância doponto previsto pelos equipamentosdurante 95% do tempo de vôo, númerobastante inferior às atuais 4 milhas deraio de previsibilidade", diz.

DESENVOLVIMENTO NACIONAL E PERSPECTIVAS

O sistema CNS/ATM deverá seguiras diretrizes da OACI, comuns paratodos os seus 188 estados-membros,mas a participação de empresas e ins-tituições brasileiras é relevante para odesenvolvimento de partes do novo sis-tema, inclusive com fornecimento detecnologia para outros países da região,afirma o presidente da comissão.Destacam-se os estudos realizados noInstituto Tecnológico da Aeronáutica(ITA), a participação do CPqD no desen-volvimento de pacotes de comunica-ção, as avaliações de qualidade realiza-das pelo Coppe-UFRJ, o desenvolvimen-to de satélites brasileiros pela Star-One, empresa spin-off da Embraer comcapital 80% nacional, e as contribui-ções da empresa brasileira Atech naárea de controle do tráfego aéreo.Empresas estrangeiras como a fran-cesa Tales e as estadunidenses Ratione Ronewell também são parceirasimportantes para a constituição do sis-tema a ser instalado no Brasil.

As instituições brasileiras tambémtêm experiência em estudos sobre fenô-menos característicos de países dohemisfério sul, sobretudo as chamadas

"bolhas ionosféricas". São regiões ondeocorre grande rarefação do plasma ionos-férico, o que provoca interferência nossinais dos satélites de telecomunicações,sendo um fenômeno típico da região tro-pical e mais intenso sobre a região bra-sileira. As bolhas podem causar o maufuncionamento de equipamentos que seutilizam de satélites, como antenas para-bólicas de uso doméstico, telefonia celu-lar, rastreio de frotas, aparatos milita-res de defesa (como radares espaciais),rádios, transmissão de dados por redesde computadores e operações com apa-relhos de GPS, como em sistemas denavegação aérea e marítima. No GPS, asbolhas ionosféricas podem provocarerros de posicionamento graves, poden-do também sofrer ausências, e variandodesde minutos até várias horas.

O Brasil está bem posicionado nodesenvolvimento e na implantação donovo sistema, tanto pela excelência dosprofissionais e entidades envolvidas,como no que se refere à execução do cro-nograma com rigor. Para o presidenteda comissão CNS/ATM, o novo sistematem inúmeras vantagens sobre a formaatual de controle e gerenciamento dotráfego aéreo, pois busca maior econo-micidade, produtividade e segurança.Porém, ele afirma que sua utilidade serádeficiente se não houver ações integra-das e o pensamento estratégico para suautilização. "Infelizmente, temos sidomuito mais operacionais do que estra-tégicos", lamenta. "O CNS/ATM promo-verá um salto importante na aviaçãomundial, mas está longe de ser a soluçãodo caos aéreo vivido atualmente no país.É preciso, segundo o brigadeiro ÁlvaroPequeno, uma visão estratégica do pro-blema, considerando seus vários aspec-tos, e de como usar o novo sistema daforma mais eficiente, como uma dasações que, se integradas, poderão mudaro lamentável cenário da aviação civilbrasileira, conclui.

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Aeroporto deCongonhas na

capital paulista

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