Agroenergia em Revista ed. 5

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em REVISTA Ano III, nº 5, dezembro de 2012 Esta é uma publicação da Embrapa Agroenergia Microrganismos em Agroenergia ISSN 2238-1023

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Publicação da Embrapa Agroenergia

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em REVISTAAGROENERGIA

Ano III, nº 5, dezembro de 2012Esta é uma publicação da Embrapa Agroenergia

Microrganismos em Agroenergia

ISSN

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Todos os direitos reservados.Permitida a reprodução das matérias publicadas desde que citada a fonte.

Embrapa AgroenergiaParque Estação Biológica - PqEB s/n°, Av. W3 Norte (final)Edifício Embrapa AgroenergiaCaixa Postal: 40.31570770-901 - Brasília (DF)Tel.: 55 (61) 3448 1581 www.embrapa.br/[email protected]://twitter.com/cnpae

EXPEDIENTE

Esta é a edição nº 5, dezembro de 2012, da Agroenergia em Revista, publicação quadrimestral de responsabilidade da Núcleo de Comunicação Organizacional da Embrapa Agroenergia

Chefe-GeralManoel Teixeira Souza Júnior

Chefe-Adjunto de Pesquisa e DesenvolvimentoGuy de Capdeville

Chefe-Adjunto de Transferência de TecnologiaJosé Manuel Cabral de Sousa Dias

Chefe-Adjunta de AdministraçãoMaria do Carmo de Morais Matias

Jornalista ResponsávelDaniela Garcia Collares (MTb/114/01 RR)

RevisãoJosé Manuel Cabral de Sousa Dias

Ilustração da capa, projeto gráfico e diagramaçãoMaria Goreti Braga dos Santos

ISSN 2238-1023

Tiragem: 500 exemplares

Impressão e acabamentoEmbrapa Informação TecnológicaEsta edição da Agroenergia em Revista foi impressa com recursos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Sumário

4 Editorial

Panorama6 Microrganismos e agroenergia

8 Muito mais úteis do que prejudiciais

10 Microrganismos na produção de etanol

12 O uso do etanol como combustível no Brasil vai completar um século!

14 Microrganismos serão chave para biocombustíveis e químicos renováveis

Pesquisa16 Microrganismos para agroenergia são estudados em diversas unidades da Embrapa

18 Pesquisas com microrganismos têm papel de destaque na Embrapa Agroenergia

24 Pesquisa estuda uso de glicerol para alimentação animal

26 Novos catalisadores para a produção do biodiesel

28 Microrganismos para aproveitamento de glicerina da produção de biodiesel

30 Pesquisa estuda microrganismos dos solos da Amazônia

32 Melhoramento genético de microrganismos para produção de biocombustíveis

e químicos renováveis: integração de abordagens de biologia sistêmica, biologia

sintética e engenharia metabólica

36 Potencial energético das microalgas

38 Embrapa investe na conservação de microrganismos

com potencial tecnológico e ambiental

41 Transformar xilose em etanol

42 A bioinformática na pesquisa de microrganismos

Mercado44 Um laboratório a céu aberto testa a energia do biogás no interior do Paraná

46 Microrganismos e biorrefinarias

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O Brasil é bastante diverso no que diz respeito a biomas. Ao bioma Amazônia, o mais conhecido de todos, juntam-se os biomas Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica, Pampa e Cerrado.

A imensa biodiversidade encontrada nestes biomas, principalmente no que diz respeito a microrganismos, ainda é muito pouco conhecida e muito pouco utilizada em benefício da sociedade. Temos conhecimento, talvez, só da ponta deste imenso iceberg, onde certamente residem solu-ções para muitos dos gargalos tecnológicos que enfrentamos hoje, no Brasil e no Mundo. No que diz respeito à bioenergia, mais especifica-mente ao desenvolvimento de tecnologias que permitam aumentar a eficiência de produção de biocombustíveis, seja de primeira, segunda ou terceira geração, fica a pergunta: quanto poderemos ganhar em redução de custo e aumento de produtividade ao explorar, de maneira susten-tável, os microrganismos e suas moléculas existentes nestes biomas? A mesma pergunta é pertinente quanto à química verde, área em que a ação dos microrganismos e suas moléculas, em uma ampla gama de biomassa, promoverá o desenvolvimento de novos bioprocessos e ajudará no desenvolvimento da agroindústria brasileira.

Tendo esse contexto como um horizonte amplo de oportunidades, a Embrapa Agroenergia organizou em abril de 2012 o “I Simpósio Nacional de Microrganismos em Agroenergia: da prospecção aos bioprocessos”, que teve o objetivo de discutir esse importante tema e também promo-ver a interação entre especialistas de diferentes áreas, de instituições públicas e privadas, tanto do Brasil quanto do exterior. O evento, de dois dias, teve a presença de aproximadamente 150 pessoas, e permitiu um avanço significativo no entendimento desse tema e das oportunidades que ele oferece para a Embrapa Agroenergia, para a Embrapa, e para o Brasil. Como resultado do evento, algumas conclusões foram alcançadas, cabendo destacar: a) a necessidade de estabelecer processos industriais economicamente viáveis e favoráveis ao meio ambiente; b) a necessidade

de flexibilizar a legislação vigente quanto à coleta, acesso e uso do Patrimônio Genético Brasileiro, de forma a facilitar atividades de pesquisa em instituições públicas brasileiras; c) o emprego da metagenômica amplia substancialmente o potencial de encontrar novas enzimas, e deve ser promovido; d) deve-se promover ainda mais a formação e manutenção de coleções de microrga-nismos coletados nos diversos biomas brasileiros; e) o processo de seleção de leveduras personali-zadas para processos de produção de etanol deve considerar os contaminantes das fermentações industriais e suas características, a superioridade das leveduras selecionadas frente à contaminação bacteriana e a toxidez por alumínio do mosto, assim como o processo de fermentação com alto teor alcoólico; f) a descoberta de enzimas fúngicas por meio da exploração da biodiversidade micro-biana é essencial para a desconstrução eficiente da biomassa lignocelulósica para a produção de biocombustíveis e outros produtos de alto valor; g) o emprego de diferentes estratégias de engenharia de proteínas contribui para o desenvolvimento de enzimas com alta eficiência / baixo custo, que são adequadas para inclusão em coquetéis destinados à hidrólise da lignocelulose; h) o melhoramento continuado de microrganismos para produção de enzimas hidrolíticas e a aplicação de biologia sintética para a produção de uma vasta gama de biocombustíveis e coprodutos a partir de hexoses

e pentoses devem continuar nos próximos anos; i) o melhoramento de microrganismos para obten-ção de enzimas em altas concentrações e com alto rendimento é um pré-requisito para tornar o processo de sacarificação da biomassa econo-micamente viável; e, finalmente, j) a introdução de novos bioprocessos para produção de molécu-las renováveis enfrenta vários desafios técnicos, econômicos, e regulatórios, exigindo mais e mais uma abordagem multidisciplinar para que haja sucesso na implantação de novas rotas de pro-dução industrial de biocombustíveis e químicos sob o conceito de biorrefinarias.

Estas foram apenas algumas das conclusões advindas deste primeiro Simpósio, o que nos mos-tra que é importante continuar promovendo a discussão, para aumentar a eficiência na defini-ção e priorização dos desafios, como também na proposição de estratégias de busca por soluções.

Com esta edição da "Agroenergia em Revista", esperamos contribuir para difundir e aprofundar o debate sobre esse tema.

Boa leitura!

Manoel Teixeira Souza JúniorChefe-Geral

Embrapa Agroenergia

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A produção de insumos energéticos derivados de biomassa é uma alter-nativa para reduzir o uso de combus-

tíveis fósseis, bem como para diversificar e garantir o suprimento de energia no futuro. No entanto, sua produção é dependente do desenvolvimento de múltiplas tecnologias para exploração eficiente dos polissacarídeos da biomassa, de modo a garantir a viabilidade econômica de um bioprocesso industrial. Do mesmo modo, rotas mais sustentáveis e econo-micamente viáveis para a produção de biodie-sel e outros bioprodutos têm sido amplamente investigadas, destacando-se a conversão das diferentes frações da biomassa e seus resí-duos em compostos químicos de maior valor agregado.

Apesar dos avanços na área de energia sus-tentável, o processamento de matérias-pri-mas de interesse energético e as tecnologias de aproveitamento de coprodutos e resíduos ainda apresentam grandes desafios técnicos.

MICRORGANISMOS E AGROENERGIA

Por: João Ricardo Moreira de Almeida, pesquisador da Embrapa Agroenergia

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MICRORGANISMOS E AGROENERGIAO aproveitamento de resíduos agroindustriais para produção de biocombustíveis e químicos de alto valor agregado é um bom exemplo.

De fato, vários grupos nacionais e estran-geiros estão trabalhando no desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras para o estabelecimento de bioprocessos mais susten-táveis tanto nos aspectos econômicos, quanto nos sociais e ambientais. Os microrganismos são empregados nesses processos, direta-mente como agentes fermentativos ou como fornecedores de insumos, tais como enzimas para degradação da biomassa lignocelulósica. Para a grande maioria dos biocombustíveis ou químicos a serem produzidos a partir de lignocelulose fica clara a importante contri-buição dos microrganismos, já que os bio-processos dependem diretamente de micror-ganismos ou de seus insumos.

Os microrganismos e seus produtos têm sido utilizados em vários processos biotecno-lógicos, seja como fornecedores de insumos (enzimas, genes, rotas metabólicas), ou como fábricas celulares para produção das molé-culas desejadas. Várias indústrias empre-gam, direta ou indiretamente, microrganis-mos, destacando-se, por exemplo, indústrias alcooleiras para produção de bioetanol de primeira geração, cerveja e vinho; indústria farmacêutica, indústria têxtil, de detergentes, e outras. Além disso, os microrganismos têm sido avaliados para conversão de açúcares, de óleos e de resíduos agroindustriais em bio-combustíveis de segunda e terceira gerações e químicos de alto valor agregado.

Fica claro que os microrganismos são componentes essenciais para o pleno desen-volvimento de biorrefinarias que se configura no Brasil e no mundo.

Graduado em Ciências Biológicas e mestrado em Biologia Molecular pela Universidade de Brasília. Doutorado em Microbiologia Aplicada na Universidade de Lund (Suécia). Tem experiência na área de Fermentação, Fisiologia e Engenharia Metabólica de Leveduras para produção de etanol de lignocelulose; Genética, com ênfase em Genética Molecular e de Microrganismos; e Enzimologia.

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A ciência conseguiu catalogar até o momento cerca de 100 mil espécies de microrganismos. As esti-mativas, no entanto, apontam que existem mais

1,5 milhão de arqueias, bactérias e fungos ainda desconhe-cidos pelo homem, que poderiam ter diferentes aplicações. O professor e pesquisador emérito João Lúcio Azevedo atua na pesquisa com microrganismos desde a década de 1960, especialmente na área de genética, e garante: apenas 1% são prejudiciais à saúde humana ou animal.

Os holandeses foram os primeiros a notar a existên-cia dos microrganismos, observando gotículas de água ao microscópio. Inicialmente, eles foram chamados de “ani-malículos” e classificados apenas como prejudiciais, por sua relação com as doenças. No Brasil como no mundo, a agricultura foi a primeira a perceber que deles também se poderia tirar proveito. A fixação biológica de nitrogênio já era explorada na Grécia Antiga. Nos séculos XVII e XVIII, começaram a ser utilizados para combate a pragas e em processos fermentativos para a produção de bebidas.

Na opinião do professor João Lúcio, que, atualmente, se dedica à pesquisa com microrganismos visando ao com-bate de doenças das culturas agrícolas, o Brasil está bem posicionado nessas pesquisas, especialmente nas áreas de agricultura e energia. “O País é líder em produção de etanol e tem feito um bom trabalho com as leveduras”, destaca. Ele lembra o desenvolvimento das chamadas “leveduras personalizadas”, adaptadas, por exemplo, para otimizar a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar colhida por

máquinas. Cita também a criação da Embrapa Agroenergia como fator importante para o avanço das pesquisas com microrganismos para a geração de produtos energéticos. “Esse centro de pesquisa já está mostrando o seu poten-cial”, afirma.

O que falta para o Brasil é aperfeiçoar os meios de levar a tecnologia produzida nas universidades e centros de pesquisa até às empresas. “De modo geral, o que não se tem é inovação”, resume.

Outro ponto crí-tico, de acordo com João Lúcio, é a explo-ração da biodiversi-dade. “Não adianta o Brasil ter a maior diversidade do mundo, se não a conhecermos nem soubermos como utilizá-la”, res-salta. Segundo o professor, os microrganismos são a parte menos explorada e a mais sujeita à biopirataria. Um simples tênis “sujo” de terra da floresta pode levar para o exterior várias espécies com enorme potencial econômico.

João Lúcio destaca ainda a necessidade de investir na organização das coleções de

MUITO MAIS ÚTEIS DO QUE PREJUDICIAIS

Pesquisador garante que 99% dos microrganismos têm aplicação

Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

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microrganismos das instituições de pesquisa. Pela ausência de sistemas de gerenciamento, é comum a organização perder o conhecimento quando um pesquisador deixa a equipe.

Como desafios para a pesquisa com microrganismos, João Lúcio reforça a necessidade de fazer um levantamento profundo das espécies existentes em nossa biodiversidade. “Em cada planta que estudarmos, vamos encontrar pelo menos cinco espécies novas”, acredita.

Uma das áreas em que elas certamente serão bastante aplica-das é a de aproveitamento de resíduos para a geração de ener-gia e outros produtos. Importante também é investir na seleção de genes para o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados que potencializem a produção e melhorem a qua-lidade dos produtos. “Hoje, com a classe média crescendo, não se pensa mais só em quantidade de alimentos produzidos, mas também em qualidade”, explica. Ele dá como exemplo os produtos nutracêuticos, que proporcionam benefícios à saúde.

João Lúcio Azevedo - É Engenheiro Agronômo pela Universidade de São Paulo (1959), tem doutorado em Genetics pela Sheffield University (1971) e doutorado em Agronomia (Genética e Melhoramento de Plantas) pela Universidade de São Paulo (1962). Pós-doutorado pela University of Manchester(1988) e também pela Universidade de Nottingham (1979).

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As sérias consequências das mudanças cli-máticas e a volatilidade dos mercados de petróleo fizeram com que nações de todo

o mundo adotassem políticas para promover o uso de fontes renováveis de energia. Entre as alternati-vas mais viáveis, o etanol destaca-se como um com-bustível de referência por ser produzido a partir de uma plataforma tecnológica de eficiência com-provada. O bioetanol é produzido por meio da fer-mentação microbiana de carboidratos derivados de matérias-primas da agricultura, a sacarose do caldo de cana-de-açúcar no Brasil e a glicose, resultante de hidrolisados enzimáticos do amido, nos Estados Unidos. Esses dois países são os maiores produto-res de bioetanol, compartilhando cerca de 70% do mercado mundial. O sistema brasileiro usa a cana, que acumula quantidades abundantes de sacarose e é facilmente cultivável em muitas áreas do território nacional. Tanto a sacarose da cana quanto a glicose resultante de hidrolisados enzimáticos do amido, podem ser convertidas diretamente a etanol pela levedura Saccharomyces cerevisiae. A hidrólise do amido é realizada por enzimas amilolíticas produ-zidas por bactérias e por fungos. Em uma primeira etapa é utilizada uma alfa-amilase bacteriana termo--estável e em uma etapa subsequente são utilizadas enzimas fúngicas, sendo as principais a alfa-amilase e a glicoamilase, para a completa sacarificação do amido a glicose.

O bioetanol é um dos produtos biotecnológicos mais importantes no cenário mundial. Assim, para atender à crescente demanda é fundamental encon-trar formas de otimizar a produção desse biocombus-tível. O uso de biomassas lignocelulósicas e, princi-palmente, os resíduos da agroindústria, como a palha do milho e a palha e o bagaço da cana-de-açúcar, são

as melhores alternativas para aumentar o rendimento em bioetanol por área plantada. Cepas industriais de S. cerevisiae fermentam prontamente a glicose resul-tante da hidrólise da celulose do bagaço. Porém essa levedura é incapaz de fermentar xilose, resultante da hidrólise da hemicelulose. Grupos de pesquisa no mundo inteiro tem se dedicado a engenheirar a levedura para fazê-la fermentar xilose. Uma das estratégias consiste em clonar a enzima xilose isome-rase, de uma bactéria ou de um fungo, por exemplo, e expressá-la em S. cerevisiae. Esta enzima catalisa a isomerização da D-xilose a D-xilulose, que pode ser convertida a etanol por meio do metabolismo nativo da levedura.

A produção de etanol por fermentação pode ser também realizada pela bactéria Zymomonas mobilis que é considerada uma alternativa para a produção de etanol em larga escala. Esta bactéria apresenta algumas vantagens em relação à levedura Saccharomyces cerevisiae, incluindo melhor rendi-mento do metabolismo de conversão de glicose a

MICRORGANISMOS NA PRODUÇÃO DE ETANOL

Leda Maria Fortes Gottschalk, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos, Ana Maria Souto Maior, professora da Universidade Federal de Pernambuco, Elis Cristina Araujo Eleutherio e Elba P. S.Bon, professoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Trichoderma reesei

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etanol. No entanto Z. mobilis possui a desvantagem de produzir levana e sorbitol a partir de sacarose, quando usa caldo de cana ou melaço como subs-trato, o que diminui o rendimento da fermentação alcoólica. Como essa bactéria é capaz de fermentar eficientemente glicose a etanol, tem sido muito estu-dada em processo de produção de etanol de biomassa e nos Estados Unidos há vários programas de melho-ramento genético visando à obtenção de linhagens fermentadoras de xilose e mais tolerantes a inibi-dores presentes nos hidrolisados lignocelulósicos. Embora esse microrganismo etanologênico ainda não esteja vinculado à indústria do etanol, a potenciali-dade para aplicação em processos de segunda gera-ção e biorrefinarias não pode ser desconsiderada. No Brasil, a pesquisa com Z. mobilis foi iniciada em Pernambuco por Oswaldo Gonçalves de Lima, em 1952, quando trouxe do México a linhagem Ag11 e a depositou na Coleção de Culturas do Departamento de Antibióticos da UFPE. Hoje, o departamento pos-sui o maior acervo de linhagens no Brasil, muitas das quais isoladas e modificadas por pesquisadores do Departamento.

A biomassa lignocelulósica, a maior fonte de ener-gia renovável disponível no planeta, é o principal constituinte da parede das células vegetais. Os prin-cipais componentes desse material são as macromo-léculas celulose (38-50%, um polissacarídeo linear), a hemicelulose (23-32%, um polissacarídeo rami-ficado) e a lignina (15-30%, uma macromolécula aromática com estrutura tridimensional). Esses três componentes, organizados em estruturas supramo-leculares bem definidas conferem à parede celular as características de alta resistência à biodegrada-ção. A completa degradação da biomassa requer um conjunto de enzimas com diferentes atividades, tais como celulases, hemicelulases, ligninases, esterases e outras. Portanto, a produção de etanol a partir da biomassa lignocelulósica, que requer a sua deses-truturação, depende de microrganismos capazes de produzir enzimas celulolíticas, hemicelulolíticas e acessórias com altos rendimentos. Os fungos fila-mentosos são considerados grandes degradadores de biomassa. Entre esses microrganismos destacam-se os do gênero Trichoderma, os principais produtores comerciais das celulases. O mutante Trichoderma ree-sei RUT C30 é considerado um dos mais poderosos e melhor caracterizados, sendo referência entre os grandes produtores de celulases. Outro fungo muito estudado para a produção industrial de enzimas pertence ao gênero Aspergillus. Apesar desse fungo

apresentar em seu genoma uma grande variedade de genes que codificam para endoglucanases e celobio-hidrolases, o mesmo não foi considerado um subs-tituto para o T. reesei. A maioria das pesquisas com Aspergillus tem avaliado o potencial para a produção de enzimas hemicelulolíticas, pectinolíticas e tam-bém de β-glucosidase e outras enzimas acessórias, tais como xilanases, xiloglucanases, feruloil estera-ses e α-L-arabinofuranosidases importantes para a completa degradação da biomassa.

Outras espécies de fungos pertencentes aos gêneros Penicillium, Acremonium e Humicola têm merecido atenção pelo bom desempenho de prepa-rações de celulases por eles produzidas que podem relacionar-se à alta capacidade de excretar celulases, a composição das enzimas excretadas e a menor sen-sibilidade a inibidores presentes nos hidrolisados de biomassa. Os esforços para encontrar novos micror-ganismos produtores de celulases e também de novas enzimas vêm resultando em misturas enzimáticas cada vez mais completas, mais ativas e com maior estabilidade para a hidrólise da biomassa lignice-lulósica.

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O USO DO ETANOL COMO COMBUSTÍVEL NO BRASIL VAI COMPLETAR UM SÉCULO!

Por: José Manuel Cabral de Sousa Dias, pesquisador da Embrapa Agroenergia*

Há muito tempo se utiliza combustível produ-zido por microrganismos no Brasil. O etanol começou a ser usado, em motores do ciclo Otto,

cerca de 50 anos antes do lançamento do Proalcool. Os registros históricos mostram que, em 1925, um automóvel de 4 cilindros da marca Ford participou de uma corrida de 230 km na cidade do Rio de Janeiro, usando álcool etílico a 70% como combustível. A imagem desse automó-vel encontra-se eternizada no livro comemorativo dos 80 anos de criação do Instituto Nacional de Tecnologia e está reproduzida na Figura 1. Posteriormente, no próprio INT foi viabilizada a produção de álcool anidro para mistura à gasolina, o que possibilitou a edição de Decreto 19.717 de 20 de fevereiro de 1931, que obrigava os importadores de gasolina a misturar 5% do álcool ao combustível fóssil.

No período compreendido entre a edição do Decreto 19.717 e o início da Segunda Guerra Mundial, o álcool foi utilizado em proporções variáveis, de acordo com a dispo-nibilidade e, principalmente, com a produção de açúcar para exportação, uma vez que o álcool era um subproduto pouco valioso da fabricação do açúcar.

Durante a Segunda Guerra, o combustível assumiu papel de grande relevância, uma vez que a dificuldade na importação do petróleo limitava a produção de gasolina. O álcool teve, então, elevado valor estratégico, e, em alguns estados do Nordeste a porcentagem de álcool na gasolina chegou a 42%.

Nos trinta anos que se seguiram ao término da Guerra (1945-1975) a mistura do etanol anidro à gasolina foi deter-minada pelo mercado internacional do açúcar, servindo o etanol de “regulador” de estoques do açúcar. Como conse-quência da composição variável, os motores dos automóveis não apresentavam desempenho regular, o que desagradava aos consumidores e à indústria automobilística.

Entretanto, em consequência da elevação do preço do petróleo no mercado internacional, o governo

brasileiro lançou, em 1975, o Programa Nacional do Álcool (Proalcool), que teve, em um primeiro momento, o objetivo de produzir etanol anidro para misturar à gasolina, pois o país era quase totalmente dependente da importação desse último combustível.

Em sua concepção, o Proálcool teve como objetivos:• Diminuir a dependência externa de combustíveis;• Reduzir o déficit na balança de pagamentos;• Contribuir para a evolução da tecnologia nacional;• Interiorizar o desenvolvimento econômico e social;• Contribuir para o crescimento da produção de bens

de capital; • Gerar emprego e renda no país.Logo após o lançamento, o Proalcool experimentou

grande sucesso, pois foi possível, mediante incentivos fis-cais e financiamentos dos bancos oficiais a juros vantajosos, instalar destilarias para produção de álcool anidro junto às usinas de açúcar. No período da safra de 1975/76 à de 85/86, a produção de álcool passou de 555 milhões de litros para 11.830 milhões de litros, um incremento de mais de 2.000 % na produção.

No período de 1975 a 1985, todos os objetivos do Proalcool foram atingidos, e mais um foi obtido: a indústria automobilística lançou veículos com motores movidos a etanol hidratado como combustível exclusivo ou em mis-tura com a gasolina.

Entretanto, o Proalcool nem sempre manteve a traje-tória vitoriosa.. A Figura 2, que apresenta a evolução da produção total de etanol é bem representativa das diversas situações experimentadas pela referida produção.

Em período mais recente, nas safras de 2000/2001 a 2008/2009 a produção total de etanol (computando ani-dro +hidratado), aumentou de 10.593 bilhões para 27.513 bilhões de litros (UNICADATA, 2012), o que representa aumento médio anual de 17,75% O aumento vultuoso na produção de etanol, deveu-se, principalmente, ao

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lançamento e popularização dos automó-veis com motores flex-fuel. Em 2011, os veículos com motor ciclo Otto que podiam utilizar etanol hidratado (flex-fuel e exclusi-vamente a etanol) alcançava 55,4% da frota brasileira, que tinha, em circulação, pouco mais de 29 milhões de veículos com moto-res ciclo Otto (UNICADATA, 2012).

A crise financeira internacional, em 2008, inverteu a tendência de crescimento na produção de etanol, devido, principal-mente à incerteza gerada em todo o mundo, e também no Brasil, quanto ao mercado para os combustíveis renováveis. Quase todos os investimentos em construção de novas usinas e destilarias, que poderiam garantir o aumento da produção de etanol foram adiados e, atualmente (2012) ainda não há certeza a respeito da retomada des-ses investimentos.

À crise financeira internacional somou--se uma situação conjuntural interna de manutenção de preços constantes para os combustíveis derivados de petróleo, de modo a conter a inflação. Tal contenção de preços comprometeu a competitivi-dade do etanol hidratado frente á gaso-lina, o que motivou decréscimo acentuado

de demanda pelo combustível renovável, enquanto o consumo da gasolina não reno-vável foi incentivado.

Essa situação de contenção de preços dos combustíveis não-renováveis é, certa-mente, transitória, esperando-se que em pouco tempo a produção e uso de etanol venham a ser estimulados, fazendo com que esse biocombustível recupere o papel de destaque no país e no mundo. O etanol brasileiro é considerado um “combustível avançado” pela Environmental Protection Agency norte-americana e tal “status” abre--lhe mercado internacional gigantesco. Uma aliança entre Brasil e Estados Unidos (os dois maiores produtores e consumido-res de etanol carburante) para ampliar, de modo expressivo, o fornecimento desse biocombustível será um passo decisivo na “comoditização” do etanol, com a criação de mercado estável, valorizado e interna-cionalmente respeitado.

Figura 2. Evolução da Produção Brasileira de Etanol entre 1948 e 2011 Fonte:UNICADATA, 2012

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Figura 1. O primeiro automó-vel movido a etanol no Brasil, em 1925Fonte: arquivo INT

*Possui graduação em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo (1975), mestrado (1982) e doutorado (1988) em Engenharia Química pela mesma Universidade. Tem experiência na área de Microbiologia Industrial, com ênfase em Processos Fermentativos. Atualmente é Chefe de Tranferência de Tecnologia da Embrapa Agroenergia.

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Quaisquer que sejam as matérias-primas que subs-tituam o petróleo no futuro, os microrganismos serão peça-chave para a fabricação de biocom-

bustíveis e produtos químicos renováveis. Essa foi a conclu-são dos debates do “Simpósio Nacional de Microrganismos: da prospecção aos bioprocessos”, realizado pela Embrapa Agroenergia pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), nos dias 11 e 12 de abril, em Brasília, com apoio da Fundação Eliseu Alves e das Sociedades Brasileiras de Microbiologia (SBM), Genética (SBG) e Micologia (SBMy), com o patrocínio das empresas Analítica, Bruker Daltonics e Sinc do Brasil.

O coordenador do evento e pesquisador da Embrapa, João Ricardo Almeida, destacou que os desafios apresenta-dos no evento podem pautar o trabalho de empresas e insti-tuições de pesquisa. O chefe de Pesquisa & Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia, Guy de Capdeville, salientou que a Unidade está “de portas abertas para estabelecer parcerias em benefício da sociedade brasileira”.

O professor João Lúcio de Azevedo, da Universidade de São Paulo (USP), elogiou a organização e a programação o Simpósio. “Tivemos palestras bastante focadas na produção industrial, o que é muito importante para integrar o setor empresarial e a universidade”, ressalta.

Etanol lignocelulósicoO aproveitamento da celulose e da hemicelulose cons-

tituintes de toda biomassa vegetal foi enfatizado por vários palestrantes do Simpósio como etapa essencial para mudanças substanciais nas rotas de obtenção dos biocom-bustíveis e produtos “verdes”.

Bruce Dien, pesquisador do National Research Center do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), apresentou resultados de trabalhos realizados com um tipo de capim abundante naquele país (“switchgrass”), mostrando que o etanol lig-nocelulósico pode ser economicamente compensador em muito pouco tempo, dado o aumento do preço do barril de petróleo. Dien ressaltou que no desenvolvimento do

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Vivian Chies jornalista da Embrapa Agroenergia

MICRORGANISMOS SERÃO ESSENCIAIS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS E QUÍMICOS RENOVÁVEIS

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processo de aproveitamento dos materiais lignocelulósicos é fundamental uma estreita interação entre os microbiolo-gistas e os engenheiros encarregados de projetar e operar a planta industrial. “Essa interação deve ser considerada desde o início das pesquisas, para que não se busquem soluções de difícil execução prática e para que os enge-nheiros contribuam continuamente com feedback para a otimização das etapas laboratoriais e de escala piloto” disse o pesquisador norte-americano.

Para o engenheiro de processos da Petrobras, Efabiano Andrade, essa foi a principal mensagem que ele vai levar do Simpósio. “É o desafio da engenharia: integrar-se com a pesquisa para fazer o conhecimento chegar à indústria”. Outra preocupação observada no Simpósio diz respeito ao impacto ambiental dos subprodutos gerados nos processos. “É preciso balancear custo, rendimento e subprodutos”, conclui.

O professor da Universidade Tecnológica de Viena (Áustria), Bernhard Seiboth, apresentou os resultados do trabalho com modificação genética do fungo Trichoderma reseii para produção de enzimas capazes de degradar a celulose de diversas plantas, como a palha do trigo e espécies florestais. Por sua vez, a pesquisadora Danuza Moysés, do grupo de biotecnologia do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobrás, mostrou um processo de produção de etanol lignocelulósico a partir de bagaço de cana-de-açúcar. O estudo, que conta com a parceria de uma empresa americana, está em fase de teste em planta piloto. Danuza informou que o aproveitamento do biogás obtido por biodigestão da vinhaça (subproduto da destilação do etanol) está sendo estudado para complementar a energia térmica empregada no processo.

Química VerdeA utilização industrial de microrganismos no conceito

de Química Verde também foi abordada no Simpósio. Para o professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Gonçalo Pereira, o Brasil vive um momento único de capacidade científica para aproveitar a biomassa no curto e médio prazo. No futuro, outra rota tecnológica para subs-tituir o petróleo pode incluir as microalgas. O professor justifica a necessidade de investimento em pesquisas para utilização de matérias-primas verdes: a natureza demora 3 milhões de anos para produzir o volume de petróleo que consumimos em 12 meses.

Colaboração: José Manuel Cabral, pesquisador da Embrapa Agroenergia

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Edição 5 16 Agroenergia em Revista

Pesquisa

Daniela Garcia Collares e Vivian Chies, jornalistas da Embrapa Agroenergia

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Embrapa Amazônia OcidentalEmbrapa Agroindústria TropicalEmbrapa Caprinos e Ovinos

Embrapa AgrobiologiaEmbrapa Agroindústria de AlimentosEmbrapa Gado de LeiteEmbrapa Instrumentação AgropecuáriaEmbrapa Meio Ambiente

Embrapa AgroenergiaEmbrapa CerradosEmbrapa Pantanal

Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

Embrapa Suínos e AvesEmbrapa Uva e Vinho

MICRORGANISMOS PARA AGROENERGIA SÃO ESTUDADOS EM DIVERSAS UNIDADES DA EMBRAPA

Ilustrações: Goreti Braga

17 dezembro 2012

Os estudo de microrganismos para a produção de biocombustíveis e outros produtos agroe-nergéticos estão mobilizando várias unidades

da Embrapa.As iniciativas começaram com a Rede de Recursos

Genéticos Microbianos, liderada pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. A Embrapa Gado de Leite lidera um projeto componente desta rede com atividades em agroenergia. A rede contempla, entre outras ações, a prospecção de isolados microbianos objetivando a obten-ção de produtos e o desenvolvimento de processos para a Agroenergia. “Foi a primeira iniciativa da empresa que impulsionou a implementação de novas ações direcionadas aos biocombustíveis, ampliando significativamente esta linha de pesquisa em uma grande parceria interna e com outras instituições”, informa Guy de Capdeville, Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia.

Atualmente, diversas ações estão em andamento. "Nos projetos da Embrapa, temos buscado aproveitar a capa-cidade dos microrganismos selvagens, dos modificados geneticamente e dos produtos por eles gerados, como é o caso das enzimas, para uso em diferentes frentes de atua-ção”, salienta Capdeville.

Dentre elas, estudos voltados à prospecção de micror-ganismos e de genes que codificam para a produção de enzimas direcionadas a produção de etanol, biodiesel, biogás e tratamentos de resíduos gerados na produção de biocombustíveis.

No Rio de Janeiro, a Embrapa Agroindústria de Alimentos vai utilizar linhagens de microrganismos melhoradas geneticamente, que serão desenvolvidas pela

Embrapa Agroenergia, objetivando a produção de enzi-mas bem como o teste da sua eficiência para produção de etanol lignocelulósico ou de 2ª geração (2G). Trabalho semelhante é desenvolvido em São Carlos/SP, pela Embrapa Instrumentação Agropecuária, que também tem parceria em pesquisas voltadas para o processo de produção do biocombustível.

Em Jaguariúna/SP, a Embrapa Meio Ambiente tem um banco de germoplasma de microrganismos isolados de vários biomas brasileiros. A equipe da Unidade está cole-tando e caracterizando bactérias e fungos capazes de degra-dar celulose. A Embrapa Uva e Vinho (Bento Gonçalves/RS), por sua vez, está selecionando leveduras para fermen-tação de pentoses e hexoses (açúcares com 5 ou 6 átomos de carbono, respectivamente) visando a produção de etanol.

Os microrganismos presentes nos solos da Amazônia estão incluídos nesse rol de estudos, para os quais se uti-liza a metagenômica. Esta é uma ação em parceria da Embrapa Agroenergia com a Embrapa Amazônia Ocidental (Manaus/AM). Com esta mesma metodologia, a Embrapa Agroenergia, em parceria com a Embrapa Caprinos e Ovinos (Sobral/CE), vem estudando o rumem dos capri-nos do sertão nordestino para obter microrganismos com potencial para transformação de matérias-primas para pro-dução de etanol de 2ª geração.

Adicionalmente, a Embrapa Suínos e Aves (Concórdia/SC) e a Embrapa Agroindústria Tropical (Fortaleza/CE) estão envolvidas em pesquisas utilizando microrganismos para a produção de biogás e para a desconstrução de resí-duos agroindustriais visando à obtenção de bioprodutos, respectivamente.

Edição 5 18 Agroenergia em Revista

Pesquisa

PESQUISAS COM MICRORGANISMOS TÊM PAPEL DE DESTAQUE NA

EMBRAPA AGROENERGIA

Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

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19 dezembro 2012

A biodiversidade microbiana brasileira é a principal sfonte em que a Embrapa Agroenergia está bus-cando agentes para atuar na cadeias produtivas de

biocombustíveis e outros produtos energéticos sustentáveis. O centro de pesquisa executa diversos projetos com o obje-tivo de isolar, caracterizar e avaliar microrganismos e seus metabólitos, além de obter espécies altamente eficientes por meio de programas de melhoramento e engenharia genética. Ao mesmo tempo, trabalha para desenvolver bio-processos que utilizem esses microrganismos nas cadeias produtivas do etanol e do biodiesel, bem como na desto-xificação da torta de pinhão-manso.

Um dos focos tem sido o etanol lignocelulósico, produto cujo processo de fabricação é fortemente dependente de microrganismos. As leveduras são as grandes responsá-veis pela conversão dos açúcares presentes no caldo da cana-de-açúcar no etanol vendido nos postos de combus-tíveis brasileiros. Esse é um processo de fermentação já consolidado e com baixo custo. A produção de etanol a partir de biomassa lignocelulósica, no entanto, tem etapas prévias que ainda inviabilizam a comercialização do pro-duto por causa, principalmente, do alto custo das enzimas utilizadas no processo. Essas proteínas são produzidas por microrganismos. “Obter uma espécie capaz de produzir enzimas mais eficientes e por um custo menor pode ser a solução para levar ao mercado esse produto, que pode, inclusive, ser obtido a partir de resíduos agrícolas, agroin-dustriais e florestais”, explica o pesquisador João Ricardo de Almeida, da Embrapa Agroenergia.

Os cientistas da Embrapa e de instituições parceiras estão buscando esses microrganismos na Amazônia, na Caatinga e no Cerrado, e em bancos de germoplasma da própria Embrapa e de instituições parceiras. As equipes estão trabalhando não só com as metodologias tradicionais, mas também com a prospecção metagenômica. A vantagem dessa técnica é que ela permite identificar genes responsá-veis pela produção de determinadas enzimas, mesmo sem o isolamento dos microrganismos. "Isso é um diferencial porque as estimativas apontam que apenas 1% das espécies é cultivável. Com a metagenômica, aumentamos muito as nossas chances de obter os resultados esperados”, diz a pesquisadora Betania Quirino da Embrapa Agroenergia.

Com o propósito de obter enzimas para a produção de etanol lignocelulósico , o centro de pesquisa firmou parce-ria com o Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria (INTA) da Argentina para buscar microrganismos produ-tores de enzimas celulotícas nas florestas argentinas e no intestino de insetos.

A Embrapa Agroenergia também participa do projeto “Microrganismos de interesse para a agroindústria e produ-ção animal”, liderado pela Embrapa Gado de Leite. O pro-jeto faz parte da Rede de Recursos Genéticos Microbianos, que tem por objetivo a integração dos bancos de micror-ganismos da Embrapa. A Embrapa Agroenergia avalia o potencial de aplicação das espécies prospectados na pro-dução de etanol, seja na fermentação de açúcares, seja na hidrólise de biomassa.

Capim-elefante (e), dendê (centro) e torta de pinhão-manso são algumas das matérias-primas para as pesquisas com microrganismos utilizadas na Embrapa Agroenergia.

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Edição 5 20 Agroenergia em Revista

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Melhoramento genético

A Embrapa Agroenergia iniciou o seu programa de melhoramento genético de microrganismos para a pro-dução de biocombustíveis em 2012. A pesquisadora Léia Fávaro explica que os trabalhos estão sendo desenvolvidos com dois focos.

O primeiro é a obtenção de espécies produtoras de enzi-mas para a produção de etanol celulósico – as celulases – e para a fabricação de biodiesel por rota enzimática – as lipases.

Além disso, os cientistas estão trabalhando no desen-volvimento de leveduras capazes de fermentar as pentoses – açúcares de cinco carbonos obtidos da hemicelulose que atualmente têm baixo aproveitamento.

Atualmente, as leveduras disponíveis comercialmente só conseguem fermentar os de seis carbonos (hexoses), obtidos da celulose. Estudos indicam que cerca de um terço do bagaço de cana hidrolisado é composto por pentoses . “A utilização de leveduras capazes de fermentar esse açúcar em condições industriais permitiria um aumento significativo

no volume de etanol obtido”, explica o pesquisador João Ricardo Almeida.

Os trabalhos para obter leveduras eficientes na fermen-tação das pentoses ganharão reforço em 2013, com o início de um projeto que vai utilizar técnicas de genômica fun-cional, transcriptômica e metabolômica. De acordo com a pesquisadora Patrícia Abdelnur, essas ferramentas serão utilizadas para criar e validar base de dados fisiológicos de cinco espécies visando a definir alvos para o melhora-mento genético.

Na Embrapa Agroenergia, as pesquisas para obtenção dos microrganismos produtores de enzimas estão sendo feitas com dois fungos filamentosos selecionados por ins-tituições parceiras. Essas espécies são bastante promissoras para a geração de celulases a serem empregadas no pré--tratamento da biomassa lignocelulósica para a fabrica-ção de etanol 2G. Para alcançar esse objetivo, o centro de pesquisa está utilizando tanto o melhoramento genético clássico quanto técnicas avançadas de engenharia genética.

21 dezembro 2012

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“Nosso programa busca a integração dessas duas estraté-gias”, conclui Léia.

O trabalho de melhoramento genético de leveduras tem duas vertentes. A primeira é a modificação genética de espécies eficientes na fermentação da glicose e amplamente utilizadas pelas indústrias, de modo que elas sejam capazes de consumir também os açúcares de cinco carbonos. Da mesma forma, os cientistas pretendem tornar mais eficien-tes espécies já naturalmente fermentadoras desse material. A ideia é obter espécies capazes de fermentar açúcares de cinco e seis carbonos ao mesmo tempo e, posteriormente, melhorar as respectivas capacidades fermentativas em con-dições industriais.

Todas essas ações voltadas para etanol celulósico fazem parte de um projeto de pesquisa que tem o nome abreviado de SUPERMICRO. Esse projeto é coordenado pelo pesqui-sador João Ricardo Almeida, da Embrapa Agroenergia, e é executado em parceria com outras unidades da Empresa (Agroindústria de Alimentos, Rio de Janeiro/RJ e Uva e Vinho, Bento Gonçalves/RS), além da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A professora Elba Bon, da UFRJ, diz que essa é uma ini-ciativa importante porque “é o primeiro projeto estruturado

no Brasil que trata da produção de enzimas para etanol lignocelulósico e da fermentação alcoólica tanto da glicose quanto da xilose”. Ela tem grande expectativa em relação ao projeto, pela experiência e competência da equipe envol-vida. Além disso, ressalta que o entrosamento entre os par-ticipantes, fator essencial para projetos em rede, já existe.

Para a pesquisadora Leda Gottschalk, da Embrapa Agroindústria de Alimentos, o projeto pode contribuir para o avanço da tecnologia de produção de etanol ligno-celulósico, já que a obtenção de microrganismos produtivas de enzimas hidrolíticas mais eficientes é uma das etapas essenciais para viabilização econômica do processo. No projeto, Leda vai comparar os microrganismos obtidos por melhoramento genético com as espécies selvagens. O desempenho das enzimas por eles produzidas também será comparado com aquelas disponíveis comercialmente.

O projeto prevê ainda a avaliação das enzimas e leve-duras obtidas em um processo modelo de produção de etanol celulósico. “Quisemos incluir essa etapa no projeto porque o processo produtivo é o nosso foco”, destaca Almeida.

Edição 5 22 Agroenergia em Revista

Pesquisa

Microrganismos em bioprocessos

No campo dos processos, leveduras e enzimas estão sendo estudadas em projetos de pesquisa que visam a ava-liar matérias-primas alternativas para a produção de etanol. O sorgo sacarino tem sido estudado tanto para a produção do biocombustível tradicional quanto do lignocelulósico em projetos que contam com a parceria da Embrapa Milho e Sorgo e da Administração de Desenvolvimento Rural da Coréia (RDA, na sigla em inglês). Madeiras, resíduos florestais e capins também fazem parte dos estudos.

Os microrganismos também são peça-chave de um grande projeto que a Embrapa Agroenergia está iniciando, com objetivo de desenvolver um processo sustentável inte-grado de produção de etanol a partir de bagaço da cana--de-açúcar e capim-elefante. A pesquisa prevê integração das etapas de produção, a fim de estudar o processo de fabricação do etanol lignocelulósico como um todo. Os experimentos serão realizados tanto em escala laboratorial quanto em planta piloto.

Ainda no campo dos processos, bactérias, leveduras e enzimas serão utilizadas em um projeto para aproveitar as pentoses do bagaço da cana visando a obtenção de com-postos químicos estratégicos para a química convencional e a química fina. A pesquisa desenvolve tanto a plataforma química quanto a bioquímica para obtenção dos produtos desejados.

Outro trabalho em que a Embrapa Agroenergia está investindo é o de imobilização das enzimas utilizadas na hidrólise da biomassa. Uma das maneiras de reduzir o custo das enzimas na viabilidade econômica do etanol lignocelu-lósico é o reaproveitamento das mesmas. Atualmente, no entanto, elas são comercializadas num extrato solúvel, não sendo possível recuperá-las após o processo de conversão da celulose em glicose. O projeto desenvolverá metodolo-gias de fixação das enzimas celulases em um suporte inso-lúvel, de modo que a reutilização das mesmas seja possível. A técnica é conhecida como imobilização enzimática. A pesquisadora Dasciana Rodrigues explica que já existem muitos estudos sobre a imobilização de enzimas do tipo lipase, mas poucos sobre as celulases.

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23 dezembro 2012

Microrganismos para cadeia do biodiesel

Na plataforma do biodiesel, microrganismos de diferentes biomas estão sendo testados quando à capacidade de gerar produtos químicos de alto valor agregado a partir de um dos principais resíduos da fabricação desse biocombustível – a glicerina (veja matéria na página 28). Além disso, estão sendo uti-lizados nos estudos para destoxificação da torta do pinhão-manso – uma das culturas agrícolas com grande potencial de fornecer óleo para a produção de biodiesel.

Os pesquisadores encontraram, na própria torta, microrganismos capazes de inativar os ésteres de forbol, principais substâncias tóxicas presentes no material. Um dos fungos identificado e caracteri-zado no projeto foi capaz de reduzir em cerca de 80% a toxidez da torta. Os estudos são liderados pela pesquisadora Simone Mendonça e realizados no âmbito de vários projetos de pesquisa da Embrapa Agroenergia.

Em 2013, a Unidade iniciará um projeto para pro-dução de biodiesel pela rota enzimática (Veja na página 26) . Atualmente, o biodiesel é obtido pela reação química entre um óleo e um álcool, acele-rada por catalisador químico – hidróxido de sódio, principalmente.

Outra linha de pesquisa em que a Embrapa Agroenergia aposta são as microalgas. De acordo com Cristina Machado, engenheira química e pesqui-sadora da Unidade, elas também podem ser utiliza-das para produção de biodiesel. Estudos com esses microrganismos existem desde a década de 1960. “As algas têm grande vantagem, pois podem produzir vários tipos de biocombustíveis, apesar de biodiesel ser o mais falado e com maior potencial. O custo de oportunidade e a sustentabilidade é que devem ser levados em consideração para se produzir biocom-bustível com esses microrganismos. Nas usinas, hoje, o custo ainda é alto”, concluiu. Em 2013, a Embrapa Agroenergia começará um pojeto de prospecção de microalgas, isolando-as de ambientes brasileiros em que ainda não foram muito exploradas.

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Edição 5 24 Agroenergia em Revista

Pesquisa

PESQUISA ESTUDA USO DE GLICEROL PARA ALIMENTAÇÃO ANIMAL

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Por: Veronica Maria Vasconcelos Freire, jornalista da Embrapa Agroindústria Tropical

25 dezembro 2012

O uso de microorganismos para o apro-veitamento de resíduos agroindustriais é uma das linhas de estudo desenvol-

vida no Laboratório de Bioprocessos da Embrapa Agroindústria Tropical (Fortaleza - CE). Um dos trabalhos visa ao aproveitamento do glicerol – prin-cipal subproduto da indústria do biodiesel - para a produção de uma proteína rica em vitamina A. O pesquisador Gustavo Saavedra conduz a pesquisa há quatro anos. A ideia é aproveitar o produto em rações de alta performance para a alimentação animal. Para obter o produto, é utilizada uma levedura que se mul-tiplica no glicerol.

Conforme Saavedra, o excesso de glicerol pode se tornar um problema no Brasil, porque a cada dez litros de biodiesel produzido é gerado um litro do produto. Em 2011, o Brasil produziu 2,6 milhões de metros cúbicos de biodiesel, volume 11,5% maior que o do ano anterior, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis (ANP). “O glicerol pode ser aproveitado na produção de sabões, xampus e sabonetes, mas a quantidade do produto gerada na produção de biodiesel no Brasil extrapola em muito a necessidade da indústria. Existem estudos que revelam que a produção de glicerol do Brasil será capaz de atender à demanda do mercado mundial pelo produto”, explica o pesquisador.

Uma outra possibilidade para aproveitar o glicerol estudada no Laboratório de Bioprocessos é a utilização de uma bactéria para transformá-lo em butanol, um álcool que pode ser utilizado como biocombustível ou na indústria química. O butanol seria uma alternativa para a utilização na mistura de combustível, porque, ao contrário do etanol, não se separa da gasolina.

AlimentosUma outra linha de estudo visa ao aproveitamento

do soro de leite para a produção de proteína hidroli-sada. Para fazer isso, é aplicada ao soro a enzima pro-tease que quebra as moléculas de proteína. O produto resultante tem um rico valor nutricional. Já existem no mercado, produtos similares bastante utilizadas por atletas. A maioria das marcas, contudo, é estrangeira. "Apesar de o Brasil ser um grande produtor de queijos, ainda importa estas bebidas que são derivadas do soro de leite", diz Gustavo Saavedra.

Edição 5 26 Agroenergia em Revista

Pesquisa

NOVOS CATALISADORES

PARA A PRODUÇÃO DO

BIODIESEL

Na Embrapa, existem diversos projetos que envolvem o desenvolvimento das

matérias-primas com a finalidade de utilizá-las para a produção de

biodiesel. A prospecção de novas lipases para substituir o catalisador

químico por biológico vem tentar resolver problemas da catálise alcalina

Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia

Usar enzimas ao invés de substâncias quími-cas na reação de produção de biodiesel. Esse é o foco do projeto “Desenvolvimento de

processo de produção de biodiesel por rota enzimá-tica” liderado pela Embrapa Agroenergia, cujas ações visam tanto à prospecção de microrganismos e de genes para obtenção de lipases quanto ao desenvolvi-mento de processos de produção do biocombustível. Entre as ações do projeto, também está programada a análise econômica do processo.

Atualmente, o biodiesel é obtido por meio da rea-ção de transesterificação que ocorre entre um óleo e um álcool, acelerada por catalisador químico – hidróxido de sódio ou de potássio. A utilização desse tipo de catalisador, no entanto, causa alguns proble-mas como o alto consumo de energia, a formação de sabões, a difícil recuperação do glicerol e a geração de grande volume de efluentes, o que impacta nega-tivamente o meio ambiente. Além disso, quando se utilizam óleos ácidos como o de dendê e de fritura, por exemplo a formação de sabões aumenta muito, o que se leva à redução no rendimento da reação, além de dificultar o processo de purificação.

A ideia da equipe l iderada pela pesquisa-dora Thaís Sa lum é subst ituir o cata l isador

químico por enzimas lipases. Para executar as ações, a Embrapa Agroenergia conta com a parce-ria das unidades da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília/DF), Pantanal (Corumbá/MS), Agroindústria de Alimentos (Rio de Janeiro/RJ), Instrumentação (São Carlos/SP), Cerrados (Planaltina/DF) e Meio Ambiente (Jaguariúna/SP), além da Universidade de Brasília e Universidades Federais do Paraná e de São Carlos ,

Como resultado das pesquisas, o projeto não somente pretende solucionar os problemas da catá-lise alcalina, produzindo biodiesel por catálise enzi-mática, mas também aproveitar resíduos gerados na cadeia de produção do biodiesel e do álcool. Além disso, esse projeto demonstrará o potencial de utili-zação da biodiversidade microbiana para a superação de limitações tecnológicas.

Thaís Salum destaca que a transesterificação enzi-mática utilizando lipases tem potencial para supe-rar os problemas da catálise alcalina. “Não ocorrem reações de saponificação durante a reação, as lipases esterificam os ácidos graxos livres, o glicerol pode ser facilmente recuperado sem tratamento complexo, o consumo de energia no processo é mais baixo, há uma drástica redução na quantidade de efluentes

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Anna Letícia Pighinelli, analista da Embrapa Agroenergia, testa óleo de dendê para produção de biodiesel

27 dezembro 2012

e as enzimas podem ser reutilizadas”, salienta a pesquisadora.

Apesar das diversas vantagens em relação à catá-lise básica, a utilização de lipases para a produção de biodiesel não tem sido empregada em escala indus-trial principalmente devido ao custo ainda alto de produção de enzimas e à baixa eficiência das enzimas utilizadas para este fim. “Esse ainda é um gargalo”, ressalta a pesquisadora da Embrapa Agroenergia, Betania Quirino, que é, responsável pela etapa de prospecção de genes codificadores de lipases. A fim de solucionar esses problemas, o projeto propõe a obtenção de novas lipases, destaca Thais Salum. “Além da estratégia de prospecção de microrganis-mos e de genes, realizaremos estudos da produção de lipases em meios de cultivo de baixo custo”, adianta.Iremos prospectar microrganismos associados a plantas oleaginosas, como dendê, macaúba e pinhão--manso, diz Léia Favaro, coordenadora dessa ação de pesquisa. A ideia é prospectar em ambientes ricos em lipídios e também na coleção de microrganismos aplicados à agroenergia. “A coleção que a Embrapa Agroenergia possui também será utilizada, pois já temos mais de 10 mil acessos de microrganismos em nossa coleção”, revela Favaro.

A outra estratégia é a prospecção de genes nas bibliotecas metagenômicas, os quais serão posterior-mente clonados em Pichia pastoris. Betania Quirino explica que a prospecção será realizada por aborda-gem metagenômica em bibliotecas que foram cons-truídas a partir do DNA de solos da Amazônia e do Cerrado, além de rúmen de caprinos.

Thaís salienta que os microrganismos que forem bons produtores de lipases serão cultivados em meios de cultivo líquidos e sólidos de baixo custo contendo resíduos da cadeia produtiva de biocombustíveis. As lipases produzidas serão empregadas em reações de transesterificação para a produção de biodiesel, utilizando como matérias-primas o óleo de dendê e o álcool etílico.

A produção de biodiesel atualmente é feita uti-lizando metanol. A líder do projeto, Thaís Salum, salienta que o metanol é mais utilizado por ser mais barato e reativo do que o etanol. Entretanto, há um grande interesse em substituir o metanol pelo etanol na produção do biodiesel, pois este segundo álcool é menos tóxico e é renovável, ao contrário do meta-nol, que é atualmente produzido principalmente de fontes fósseis não-renováveis, como o gás natural.

"Com esta pesquisa, pretendemos não somente pro-duzir biodiesel utilizando catalisadores biológicos, mas também aproveitar os resíduos gerados na cadeia

de produção de biocombustíveis. Os resultados do projeto contribuem para o fortalecimento das cadeias produtivas do biodiesel, do etanol e do dendê”. Thaís Salum

Outros projetos e financiamentosA produção de biodiesel por catálise enzimática é uma linha de pesquisa nova e estratégica do ponto de vista ambiental, que a Embrapa Agroenergia está implantando. Neste aspecto, existem alguns projetos em andamento que darão suporte à prospecção de microrganismos e genes e à produção de lipases, Projeto Liderado pela Embrapa Agroenergia

“Bioprospecção de microrganismos e enzimas a partir da diversidade microbiana para conversão de biomassa a etanol”, sob a liderança da pesquisadora da Embrapa Agroenergia, Betania Quirino. É um pro-jeto de bioprospecção em andamento na Unidade, o qual gerará um banco de microrganismos e de genes codificadores de enzimas de diferentes biomas brasi-leiros, com o objetivo de valorizar para a prospecção de microrganismos e de genes produtores de lipases. Projeto liderado pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília/DF)

“Modelo Corporativo de Gestão para as Coleções de Microrganismos da Embrapa”, liderado pela pesqui-sadora Clarissa Castro. Como resultado deste projeto, que está em andamento, será implantado um modelo corporativo de gestão para centros de recursos biológi-cos, coleções institucionais e de trabalho da Embrapa, com base nas experiências e nas normas nacionais e internacionais. Dentro do projeto é desenvolvida uma atividade que visa disseminar as diretrizes ins-titucionais para criação e manutenção de coleções de trabalho de microrganismos lipolíticos na Embrapa Agroenergia.

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Edição 5 28 Agroenergia em Revista

Pesquisa

MICRORGANISMOS PARA APROVEITAMENTO DE GLICERINA DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL

Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

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29 dezembro 2012

A Embrapa Agroenergia está estudando microrga-nismos de diferentes biomas quanto à capacidade de gerar produtos químicos de alto valor agre-

gado a partir de glicerina bruta. Este subproduto da fabri-cação de biodiesel é atualmente utilizado para a produção de ração animal e, também, para aplicações farmacêuticas e cosméticas. No entanto, o mercado não tem conseguido absorver toda a oferta, já que é gerada 1 tonelada de gli-cerina bruta para cada 10t de biodiesel.

Esse biocombustível é produzido principalmente pelo processo de transesterificação, que consiste em uma rea-ção química entre um óleo e um álcool acelerada por um catalisador, da qual a glicerina é gerada como coproduto. De acordo com dados da Agência Nacional do Petrólo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil produziu, em 2011, 2,6 milhões de m³ de biodiesel, o que resultou em um volume de 273 mil m³ de glicerina.

O aumento da disponibilidade desse produto no mer-cado faz com que caia o seu valor e, ao mesmo tempo, pode gerar um problema ambiental, se não for dado destino adequado ao excedente. A expectativa é de crescimento do volume de glicerina disponível no Brasil, já que a intenção do governo é aumentar gradativamente a quantidade de biodiesel adicionada ao diesel, que hoje é de 5%.

Uma solução que agregaria valor à cadeia produtora de biocombustíveis seria a utilização desse material para a pro-dução de produtos químicos de alto valor agregado, a partir de processos biotecnológicos. Os ácidos glicérico, lático, succínico e cítrico são alguns dos que podem ser obtidos dessa forma e têm mercado de milhares de toneladas por ano. “O desenvolvimento de biorrefinarias com base em glicerina bruta deve favorecer a economia da indústria de biodiesel”, opina o líder do projeto de pesquisa da Embrapa Agroenergia, João Ricardo Almeida.

Vários microrganismos conseguem utilizar glicerina como fonte de carbono. Essas observações abrem a pos-sibilidade de explorar a microbiota com a finalidade de produção de biocombustíveis e químicos. Porém, a gli-cerina bruta, ou seja, a glicerina proveniente de usinas de biodiesel contém vários contaminantes que podem afetar o desempenho dos microrganismos. O desafio da pesquisa será encontrar linhagens de bactérias e leveduras eficientes no metabolismo da glicerina que também sejam tolerantes a compostos como sais e solventes orgânicos, presentes nesse material. “Identificando e caracterizando linhagens microbianas nativas para aproveitamento do material, podemos agregar valor à pouco explorada biodiversidade brasileira”, ressalta o pesquisador.

No momento, linhagens bacterianas e de leveduras de diferentes biomas estão sendo prospectados. Já foram iden-tificadas várias linhagens de leveduras capazes de meta-bolizar glicerol.

O projeto é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e tem como objeto selecionar, pelo menos, 100 linhagens de bactérias e leveduras capazes de utilizar eficientemente a glicerina.

Ácido succínico é um dos produtos que pode ser obtido da glicerina.

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Edição 5

A Embrapa Agroenergia está apostando nos microrganismos presentes no solo amazônico para solucionar dois problemas relacionados à produção de biocom-bustíveis: o alto custo de produção do etanol celulósico e o amarelecimento

fatal – anomalia que acomete o dendezeiro, potencial fonte de matéria-prima para biodiesel. O projeto começou a ser desenvolvido há cerca de três anos e conta com a parceria da Embrapa Amazônia Oriental, Universidade de Brasília e Universidade Católica de Brasília. A pesquisadora da Embrapa Agroenergia Betania Quirino falou sobre esse trabalho para a Agroenergia em Revista. Confira a entrevista.

Betania, por que escolheu os solos da Amazônia para buscar microrganismos?

A Amazônia é um bioma extremamente diverso em termos de fauna e de flora. Nesse ambiente, muitas folhas caem no chão e são degradadas. Então, obviamente, nessa camada superficial do solo, que é chamada de serapilheira, existe uma grande quantidade de microrganismos que são responsáveis pela degradação a matéria orgânica. Nossa tese, então, é que nesse ambiente podemos encontrar microrganismos e enzimas relacionados à degradação de materiais lignocelulósicos, já que as folhas também têm essa constituição. Então, basicamente, estamos tentando encontrar algo que já existe na natureza para produzir etanol de segunda geração.

Como é feito esse trabalho?O diferencial do nosso trabalho é que não estamos

explorando apenas os microrganismos cultiváveis. Existe uma grande quantidade de microrganismos que não são cultivados em meios de cultura e temperatura que nor-malmente se utilizam em laboratório.

Então, a ideia é utilizar a biologia molecular para estu-dar o DNA desses microrganismos que codificam enzimas. Assim, conseguimos explorar não só os microrganismos cultiváveis, mas também os não cultiváveis que, na ver-dade, correspondem a aproximadamente 99% dos micror-ganismos presentes em um determinado meio ambiente.

PESQUISA ESTUDA MICRORGANISMOS DOS SOLOS DA AMAZÔNIA

Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia e Kátia Marsicano, jornalista da Embrapa Informação Tecnológica

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Ou seja, com a biologia molecular conseguimos explorar muito mais do que a maioria dos trabalhos, que utilizam as tecnologias tradicionais da microbiologia.

Quais são as suas perspectivas em relação aos resultados dessa pesquisa?

Acredito que podemos encontrar novas classes de enzi-mas, que não foram anteriormente descritas na literatura científica. Essa, definitivamente, é uma possibilidade.

E você acha que isso vai causar impacto na produção de biocombustíveis?

Com certeza, porque todo o processo de produção de etanol celulósico envolve microrganismos e enzimas e redu-zir o custo desses insumos é um dos pontos-chave para viabilizar a inserção desse produto no mercado.

Qualquer resíduo que seja proveniente de planta contém material lignocelulósico. A ideia de produzir etanol a partir desse material é descontruir a matéria-prima proveniente desses resíduos para liberar os açúcares constituintes, que poderão ser fermentados de maneira tradicional por leveduras.

Para fazer isso, há um processo constituído de várias etapas. A primeira delas, chamada de pré-tratamento, é usada para tratar o material lignocelulósico e expor as fibras de maneira que elas se tornem mais acessíveis ao tratamento enzimático que vamos utilizar na segunda etapa do processo. Se tivermos maior gama de microrganismos, poderemos explorar as características físicas ou químicas de diferentes enzimas e encontrar as mais adequadas ao processo.

Esse tipo de pesquisa já foi desenvolvido em outros biomas com tipos de solo diferentes?

Temos trabalhos semelhantes com outros tipos, como por exemplo, o bioma Cerrado.

Em que estágio está o desenvolvimento da pesquisa?Primeiramente, passamos por uma etapa de coleta de

amostras. Em seguida, tivemos que aperfeiçoar os protoco-los de extração de DNA. Os trabalhos de biologia molecular começam quando é extraído o DNA, mas, para separar o DNA de solo, temos que aperfeiçoar as técnicas. Isso porque trabalhamos com um material que vem do meio ambiente com vários contaminantes que são incompatí-veis com as análises extremamente sensíveis de biologia molecular. Então, fizemos uma etapa de adaptar o proto-colo para que esse DNA pudesse ser trabalhado em labo-ratório. Essa foi a primeira etapa que vencemos. Com o DNA extraído, pudemos construir nossas bibliotecas, que são basicamente fragmentos de DNA ligados aos chama-dos vetores de expressão, que são capazes de replicá-los.

Para tal, o vetor com o DNA da microbiota do solo da Amazônia é colocado dentro de uma bactéria. Essa, por sua vez, começa a produzir enzimas. Quando a bactéria produz uma enzima de interesse, dizemos que temos um clone positivo. Estamos nessa etapa em que temos vários clones positivos e precisamos agora caracterizá-los para identificar quais são os que produzem as melhores enzi-mas para o pré-tratamento da biomassa. Os que forem selecionados serão testados em processos que estão sendo desenvolvidos por uma equipe de engenheiros e químicos da Embrapa Agroenergia.

Qual a importância do dendê para produção de biodiesel?Atualmente o biodiesel brasileiro é feito principalmente

de óleo de soja, que é convertido no combustível por meio de um processo químico. A Embrapa está procurando alternativas regionais de outras matérias-primas para fazer o biocombustível. No caso da região Norte do País, o den-dezeiro seria uma alternativa que se adaptaria bastante às condições locais. Pode ser uma excelente alternativa à soja, já que produz uma grande quantidade de óleo por hectare cultivado.

Qual problema do cultivo de dendê a pesquisa pretende solucionar?

Existe um fenômeno chamado amarelecimento fatal, que acomete as plantações de dendê e não se sabe a sua causa. O fato é que ele destrói essas plantações e compro-mete a produção de óleo. Então, para viabilizar o dendê como matéria-prima para biocombustíveis, há a neces-sidade de descobrir a causa do amarelecimento fatal e maneiras de controlar a sua ocorrência.

Existem projetos na Embrapa com diversos pesquisa-dores trabalhando para identificar o que seria o agente causador do amarelecimento fatal, inclusive pesquisando fatores abióticos. No nosso projeto, estamos utilizando técnicas de biologia molecular avançada para estudar os

solos em que estão plantas afetadas e sadias, na tentativa de encontrar microrganismos relacionados

ao amarelecimento fatal.

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Os microrganismos (bactérias, arquéias, fungos) são uma fonte prolífica de diversas moléculas, algumas das quais são usadas como combustí-

veis, especialidades químicas, polímeros, fármacos, nutra-cêuticos, antibióticos e enzimas industriais, apenas para citar alguns exemplos. Em função disso, os microrganis-mos são cada vez mais considerados atores importantes da bioeconomia. O interesse na produção de combustíveis e químicos a partir de fontes renováveis tem catalisado numerosas pesquisas que focam no desenvolvimento de sistemas microbianos para produção de uma série de bio-produtos. Por exemplo, a Dupont desenvolveu um pro-cesso de produção de 1,3 propanodiol (usado na produção de polímeros), utilizando Escherichia coli recombinante; a DSM desenvolveu uma rota biotecnológica completa para produção do antibiótico cefalexina, em substituição a conversão química da penicilina; a BASF desenvolveu uma rota biotecnológica completa para produção de ribo-flavina, em substituição a síntese química; a ExxonMobil e a Synthetic Genomics uniram-se para desenvolver um processo baseado em microalgas para produção de bio-diesel; a Novozymes e a Cargill uniram-se com o objetivo de desenvolver uma rota biotecnológica para produção de ácido 3-hidroxipropiônico (usado na produção de acrila-tos); a Gevo desenvolveu um processo bioquímico para produção de isobutanol; a Amyris desenvolveu um pro-cesso baseado em leveduras para produção de farneseno, o qual pode ser convertido em farnesano (combustível) e em esqualeno (usado em cosméticos). Estes exemplos demonstram que diversas empresas líderes de diferentes setores estão utilizando soluções biotecnológicas baseadas

MELHORAMENTO GENÉTICO DE MICRORGANISMOS PARA PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS E QUÍMICOS RENOVÁVEIS:INTEGRAÇÃO DE ABORDAGENS DE BIOLOGIA MOLECULAR, BIOLOGIA SISTÊMICA, BIOLOGIA SINTÉTICA E ENGENHARIA METABÓLICA

Por: Léia Cecilia de Lima Fávaro*

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em microrganismos para o desenvolvimento de proces-sos sustentáveis de produção de combustíveis e químicos diversos.

Para o desenvolvimento de fábricas celulares microbia-nas robustas e eficientes, é necessário escolher o micror-ganismo que será usado como base para a produção de determinado composto de interesse. A seleção do micror-ganismo pode ser baseada em diversos critérios, por exem-plo, seleção a partir da biodiversidade. Como é comum na área de microbiologia industrial, muitas vezes o caminho entre a seleção de um microrganismo e a produção indus-trial de um bioproduto pode ser bastante longo e custoso. Nesse aspecto, muitas vezes são escolhidas espécies micro-bianas para as quais um grande corpo de conhecimento de fisiologia, bioquímica, genética e biologia molecular está disponível. Exemplos de espécies microbianas geral-mente utilizadas como plataformas industriais (ou chassis) incluem a levedura Saccharomyces cerevisiae, as bactérias E. coli, Corynebacterium glutamicum e Bacillus subtilis, os fun-gos filamentosos Aspergillus niger, A. oryzae e Trichoderma reesei, entre outros.

De fato, na indústria existe interesse na utilização de um número limitado de plataformas microbianas para a produção de diversos tipos de combustíveis e químicos, o que permite flexibilidade das linhas de produção, as quais demandam alto investimento. Um exemplo claro desta situ-ação é a produção de enzimas industriais, as quais são pro-duzidas por um número limitado de espécies de bactérias e fungos. De modo geral, entre as espécies microbianas que são alvo constante de intensa modificação genética para produção de biocombustíveis e químicos renováveis podemos citar Escherichia coli e Saccharomyces cerevisiae.

A importância destas duas plataformas para a produção de bioprodutos diversos (biocombustíveis, químicos renová-veis, fármacos, etc.) tornou-se evidente nas últimas décadas, especialmente em função do desenvolvimento de linhagens produtoras por meio do uso de estratégias de engenharia metabólica, e mais recentemente, de biologia de sistemas e biologia sintética, seja pela academia ou pela indústria. Embora sejam as plataformas mais utilizadas para a enge-nharia de vias metabólicas para produção de uma série de bioprodutos, a manipulação destas espécies apresenta desafios intrínsecos tais como o balanço adequado de ati-vidades enzimáticas e de expressão gênica para maximizar o fluxo metabólico em direção ao produto desejado.

Diversos tipos de biocombustíveis (ou precursores) e químicos renováveis têm sido produzidos por microrga-nismos geneticamente modificados. As linhagens geneti-camente modificadas podem ser capazes de converter não somente açúcares simples tais como glicose ou sacarose, mas também os demais açúcares da biomassa lignocelu-lósica em compostos de interesse. Os combustíveis (ou precursores) produzidos por microrganismos genetica-mente modificados são moléculas derivadas de álcoois, de ácidos graxos, de isoprenóides e de policetídeos. Entre os químicos renováveis que têm sido produzidos por rota microbiana, destacam-se uma série de intermediários quí-micos (1,3-propanodiol; 1,2-propanodiol; ácido 3-hidro-xipropiônico; ácido lático; ácido succínico; polihidroxial-canoatos, etc), os quais servem como blocos construtores para produção de compostos de alto valor agregado.

Entre os combustíveis derivados de álcoois, além do etanol (2 carbonos), podemos citar a produção microbiana de álcoois de cadeia mais longa (3 a 5 carbonos), tais como

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Pesquisa isopropanol, 1-propanol, 1-butanol, isobutanol, 3-metil-1--butanol, 2-metil-1-butanol, isopentenol. Estes álcoois podem ser misturados com a gasolina, ou modificados de diversas maneiras para produção de compostos para uso como combustíveis, aditivos, ou químicos diversos. Butanol e isobutanol merecem destaque, pois têm alcançado as fases mais avançadas de comercialização, por exemplo, por empresas tais como Gevo, Butalco e Butamax Advanced Biofuels. O butanol é naturalmente produzido por bactérias do gênero Clostridium, mas a produção nestes hospedeiros nativos é limitada, o que tem levado ao desenvolvimento de novas fábricas celulares para produção desse álcool. O organismo de escolha das três empresas foi a levedura S. cerevisiae, a qual também possui a capacidade natural de produzir butanol. No entanto, as estratégias de engenharia metabólica empregadas por estas empresas para síntese de butanol e isobutanol são distintas. Por exemplo, há casos em que a via biossintética de C3-C4 de Clostridium foi transferida para Saccharomyces seguida de diversos ajustes, e também há casos em que se optou pelo redirecionamento de vias biossintéticas de aminoácidos específicos, uma vez que álcoois de cadeia mais longa podem ser derivados de intermediários das vias de formação de aminoácidos em Saccharomyces.

Além dos álcoois de cadeia longa, compostos deriva-dos de isoprenóides e de ésteres de ácidos graxos estão sendo desenvolvidos por rota microbiana, constituindo alternativas ao petrodiesel e ao combustível de aviação. Os isoprenóides constituem um grupo de compostos produ-zidos por diferentes organismos e possuem grande valor industrial como fármacos (artemisina, taxol) e nutracêu-ticos (carotenóides). A aplicação como combustível pode ser exemplificada por compostos tais como farnesano e bisabolano, os quais possuem características semelhan-tes ao diesel. Biocombustíveis derivados de isoprenóides podem ser produzidos a partir de precursores de 5 car-bonos pelas vias do mevalonato ou 1-deoxi-D-xilulose-5--fosfato. As plantas são fontes naturais de isoprenóides, mas a produção das mesmas não é suficiente para atender as quantidades necessárias para uso como biocombustí-veis. Para aumentar as quantidades produzidas, as vias de 1-deoxi-D-xilulose-5-fosfato e mevalonato podem ser modificadas e expressas em E. coli e S. cerevisiae. Dos com-bustíveis derivados de isoprenóides, o farnesano é o que está mais próximo da comercialização. Ele tem sido pro-duzido tanto em E. coli quanto em S. cerevisiae. A empresa Amyris Biotechnologies, Inc. utiliza a linhagem industrial brasileira PE-2 de S. cerevisiae, a qual foi desenvolvida por diferentes estratégias de engenharia metabólica, para produção de farneseno, que pode ser convertido quimi-camente a farnesano. Bisabolano é outro combustível que

pode ser produzido por processo híbrido, por meio de catá-lise microbiana para obtenção de bisaboleno, seguida de catálise química para conversão em bisabolano. Por meio de uma série de modificações que envolveram expressão heteróloga de genes de plantas, otimização de códons e de promotores, bem como modificações da via do mevalonato, foi possível produzir bisaboleno em altas quantidades, tanto em E. coli como em S. cerevisiae.

Em relação aos combustíveis derivados de ácidos gra-xos, diversos compostos tais como ésteres de ácidos graxos, álcoois graxos, alcanos e olefinas, podem ser produzidos diretamente em E. coli a partir de carboidratos. A empresa LS9, Inc. escolheu E. coli para modificações e utilizou uma série de estratégias de engenharia metabólica, entre elas a superexpressão e nocaute de genes das vias de biossíntese e degradação de ácidos graxos, a introdução de vias de bios-síntese de etanol, de enzimas modificadoras diversas, bem como de xilanases. Todas estas modificações culminaram em uma linhagem de E. coli capaz de produzir ésteres etí-licos de ácidos graxos a partir da fermentação de açúcares resultantes da degradação de biomassa.

Estes exemplos foram escolhidos para ilustrar o poder de estratégias de engenharia metabólica de microrganis-mos para produção de uma série de compostos a partir de fontes renováveis. No entanto, os exemplos também demonstram que a otimização de vias metabólicas ou de um fenótipo é uma tarefa árdua, geralmente acompanhada de muitos ajustes (deleção ou superexpressão de vias bios-sintéticas, engenharia de proteínas para aumento da ativi-dade, remoção de mecanismos regulatórios que impedem o fluxo metabólico desejado, etc.), de modo a maximizar a produção de um composto e diminuir o fluxo de carbono para vias indesejadas. Com o advento de ferramentas de biologia de sistemas e de biologia sintética espera-se que a engenharia metabólica de microrganismos para produção de compostos cada vez mais complexos seja feita de forma mais direcionada e rápida. Ou seja, sem a necessidade de tantos ajustes das vias metabólicas (endógenas ou heteró-logas) de interesse.

Neste aspecto, o uso de ferramentas de biologia de sis-temas tem tornado possível o entendimento do impacto que uma modificação ou inserção de uma via biossintética pode ter no metabolismo global da célula microbiana, em condições de fermentação em biorreatores. Uma maneira de predizer o impacto da inserção ou retirada de genes ou vias inteiras sobre o crescimento ou formação de um produto é através do uso de modelos metabólicos. Tais modelos metabólicos preditivos têm sido construídos com base na integração de dados de genômica, transcriptômica, proteômica, metabolômica e fluxômica. O uso de aborda-gens de biologia de sistemas (p. ex. modelagem em escala

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genômica de microrganismos in silico) tem permitido identificar alvos para melhoramento genético de modo mais racional e direcionado. Por meio do uso de mode-los matemáticos robustos do metabolismo tem sido pos-sível identificar alvos in silico e validar estes alvos para aumento da produção de etanol em S. cerevisiae, bem como para otimizar as vias biossintéticas de produção de 1,4-butanodiol e 1,3-propanodiol em E. coli a partir de fontes renováveis.

A biologia sintética é um campo multidisciplinar emergente que envolve princípios de engenharia, tais como modularização, para o desenvolvimento e mani-pulação de circuitos genéticos. Um dos objetivos da biologia sintética é facilitar a engenharia da biologia por meio da caracterização e padronização de partes biológicas, reduzindo o tempo necessário para fazer as construções genéticas e aumentando sua confiabilidade e previsibilidade. Seguindo alguns princípios bem defi-nidos, tais coleções de partes biológicas padronizadas e reutilizáveis podem ser úteis para construção de dispo-sitivos capazes de realizar funções biológicas complexas e previsíveis (um dispositivo consiste de uma ou mais partes combinadas para executar uma tarefa complexa). Os dispositivos de biologia sintética disponíveis (pro-motores ortogonais induzíveis, bibliotecas de sítio de ligação de ribossomos, sensores de estado, controlado-res espaço-temporais, osciladores, portas lógicas, etc.) devem facilitar os trabalhos de engenharia metabólica de microrganismos. De fato, alguns dispositivos de biologia sintética tais como sistemas sensores-reguladores dinâ-micos têm sido utilizados para aumentar a produção de biocombustíveis em microrganismos, tais como éster etílico de ácido graxo em E. coli.

Neste cenário, fica evidente a existência de um estreito acoplamento entre biologia de sistemas, bio-logia sintética e engenharia metabólica em prol do desenvolvimento de rotas microbianas para produção de biocombustíveis e químicos renováveis. Apesar des-tas inovações, a produção de biocombustíveis e quí-micos por rota microbiana deve ser competitiva com os produtos existentes de origem fóssil ou originados por rotas químicas convencionais. Fatores importantes que devem ser considerados para a comercialização de biocombustíveis e químicos renováveis incluem o desen-volvimento de linhagens microbianas com altas taxas de produtividade (o objetivo é produzir os compostos desejados essencialmente na eficiência máxima permi-tida pela termodinâmica), o escalonamento do processo de produção sem perda do desempenho e a cadeia de fornecimento de matéria-prima para a indústria.

Léia Cecilia de Lima Fávaro

É pesquisadora da Embrapa Agroenergia, fez Doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas

pela Universidade de São Paulo - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Brasil(2009).

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Pesquisa

Nos últimos anos a busca por novas fontes de energias limpas e renováveis vem crescendo. Devido a esse crescimento diversas biomassas

têm sido identificadas como fontes alternativas de com-bustíveis, variando entre diferentes tipos como, plantas oleaginosas, sebo e gorduras animais e até mesmo alguns tipos de resíduos, como por exemplo, restos de comida e resíduos industriais e urbanos.

Nesse contexto, em busca de novas possibilidades de matérias-primas inovadoras, as microalgas vêm se desta-cando como possível fonte de matéria prima para a pro-dução de óleo, biodiesel, biogás e bioetanol.

As algas são organismos fotossintéticos (providos de clorofila, portanto com capacidade de liberar oxigênio), podem ser unicelulares ou multicelulares e vivem na água ou em locais úmidos. São geralmente divididas em Microalgas e Macroalgas.

As microalgas têm algumas vantagens em relação aos vegetais convencionais como:

• Produzem maiores quantidades de biomassa e lipí-dios por hectare (veja Tabela 1);

• Podem ser cultivadas em terras não aráveis, por-tanto, não competem com alimentos ou outras culturas;

• Podem ser cultivadas fotossinteticamente usando a luz solar para a energia e o CO2 como uma fonte de carbono.

Algumas microalgas apresentam características peculia-res como, por exemplo, Spirulina, que sobrevive mesmo em condições ambientais extremas como alto pH e Dunaliella resistente a alta salinidade.

Segundo estudos mais recentes, o cultivo de microal-gas pode ajudar na fixação de CO2 residual ajudando no melhoramento da qualidade do ar, pois, 1 kg biomassa de microalga utiliza cerca de 1,83 kg de CO2.

Outro estudo importante foi realizado com o cultivo da microalga Chlorella vulgaris em águas residuárias com o objetivo de remover a amônia, criando um sistema econo-micamente viável. O CO2 utilizado pelas algas microscópi-cas pode ser oriundo da queima de combustíveis renováveis ou não renováveis.

O cultivo de microalgas pode ser realizado por processo fototrófico ou heterotrófico em sistemas de tanques abertos ou fotobiorreatores fechados (Figuras 1 e 2). O sistema de fotobioreator fechado é o mais adequado para microalgas, pois as condições do meio de cultura podem ser mais facil-mente controladas impedindo a contaminação externa.

POTENCIAL ENERGÉTICO DAS MICROALGAS

Donato A. G Aranda, Michelle Gomes e Carolina Vieira Viegas da Greentec, Escola de Química/UFRJ

Tabela 1. Comparação do uso de microalgas com outras matérias-primas para a produção de biodiesel

Figura 1. Cultivos em fotobioreatores fechados

Matéria prima Rendimento de óleo (L/ha)Milho 172Soja 446Óleo de palma 5.950Microalgas 58.700-136.900

Fonte: Yusuf Chisti, 2007

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Embora as microalgas possam utilizar eficientemente a luz solar, o cultivo autotrófico é lento por causa da limi-tação luminosa em cultivos de larga escala com alta den-sidade celular ou devido a uma fotoinibição ocasionada pelo excesso de luz, especialmente em dias ensolarados.

A microalga verde Chorella protothecoides é um ótimo exemplo, pois pode crescer tanto heterotrófica quanto autotroficamente. No crescimento heterotrófico utiliza-se acetato, glicose ou outros compostos orgânicos como fonte de carbono, o que resulta em maior quantidade de biomassa e teor lipídico nas células.

Dependendo da espécie utilizada, microalgas heterotró-ficas podem utilizar outras fontes de carbono como etanol, glicerol e frutose. O nitrogênio é também um macronu-triente essencial na produção de proteínas.

A principal vantagem do uso das microalgas para o meio ambiente é que o cultivo não necessita de herbicidas ou pesticidas e, além disso, podem produzir valiosos co--produtos, tais como proteínas e biomassa residual após extração do óleo, o qual pode ser utilizado como alimento, fertilizantes ou fermentado para produzir bioetanol ou biometano.

A composição bioquímica da biomassa pode ser mudada por meio da variação das condições de cultivo e assim, impulsionar significativamente o rendimento de óleo. O conteúdo de óleo em microalgas pode atingir 75% em peso em relação à biomassa seca, mas associado a um cultivo lento, como em Botryococcus braunii, por exem-plo. As algas mais comuns (Chlorella, Crypthecodinium, Cylindrotheca, Dunaliella, Isochrysis, Nannochloris, Nannochloropsis, Neochloris, Nitzschia, Phaeodactylum, Porphyridium, Schizochytrium, Tetraselmis) têm níveis de óleo entre 20% e 50%, mas produtividades maiores podem ser atingidas. Na tabela 2 podemos observar a composição química de diversas microalgas.

O etanol é outro biocombustível que pode ser pro-duzidos pelas algas por meio da conversão do amido

(reserva energética da celula) e da celulose (componente da parede celular). As algas são a fonte ideal para bioe-tanol de segunda geração, devido ao fato de serem ricas em hidratos de carbono / polissacáridos e paredes finas de celulose além de praticamente não possuírem lignina.

Uma possibilidade para a produção de metano a partir de microalgas é a pirólise direta. Segundo alguns pesquisa-dores uma quantidade de aproximadamente 150-300 tone-ladas de biomassa pode, teoricamente, produzir 200,000-400,000 m3 de metano por hectare por ano.

Dessa forma, podemos utilizar esses microorganismos para produção de inúmeros biocombustíveis para a pro-dução de coprodutos (proteínas, aminoácidos), fixação de CO2 e também para o tratamento de águas residuais.

Juntamente com todo esse potencial das microalgas procura-se desenvolver tecnologias que viabilizem a uti-lização das mesmas como biorrefinarias, já que elas repre-sentam a chave para a obtenção de produtos de alto valor agregado no mercado.

Microalgas Proteínas Carboidratos LipídeosScenedesmus oblíquus 50-56 10-17 12-14Scenedesmus quadricauda 47 - 1,9Scenedesmus dimorphus 8-8 21-52 16-40Chlorella vulgaris 51-58 12-17 14-22Chlorella pyrenoidosa 57 22 2Spirogyra sp 6-20 33-64 11-21Dunaliella bioculata 49 4 8Dunaliella salina 57 32 6Euglena gracilis 39-61 14-18 14-20Prymnesium parvum 28-45 25-33 22-38Tetraselmis maculata 52 15 3Spirulina maxima 60-71 13-16 06-07

Fonte: Becker, 1994

Tabela 2. Composição química das microalgas

Figura 2. Cultivos em fotobioreatores abertos

Fotos: Leonard Magalhães Carvalho

Edição 5 38 Agroenergia em Revista

Pesquisa

EMBRAPA INVESTE NA CONSERVAÇÃO DE MICRORGANISMOS COM POTENCIAL TECNOLÓGICO E AMBIENTAL

Além de agregar valor à biodiversidade, o estudo desses recursos genéticos pode resultar em benefícios para vários setores da economia brasileira.

Fernanda Diniz, jornalista da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

A Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária investe na conservação de micror-ganismos desde a sua criação na década de 70. No

início, essa atividade era basicamente voltada para apoiar os estudos de microbiologia, nas áreas de taxonomia e epi-demiologia. Mas, nas últimas décadas, graças aos avanços do conhecimento nas áreas de bioquímica, fisiologia celu-lar e, principalmente, de genética molecular, as coleções microbianas têm se especializado e estão cada vez mais direcionadas para a conservação de espécies com potencial tecnológico e ambiental.

Segundo o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Rogério Lopes, o interesse na manutenção desses organismos ganhou mais força quando as coleções passaram a ser vistas como bancos de genes com infini-tas possibilidades de aplicação em diferentes áreas, como agricultura, meio ambiente, agroindústria e biotecnologia, entre outras.

Hoje, a Embrapa investe na organização e especializa-ção de seus bancos de microrganismos, a partir de proje-tos em rede. Atualmente, a Rede de Recursos Genéticos Microbianos da Embrapa, parte integrante da Plataforma Nacional de Recursos Genéticos, agrega coleções institu-cionais de pesquisa, estabelecidas em diferentes unidades da empresa.

A criação e manutenção das coleções de microrganis-mos são de responsabilidade dos curadores. Esses profis-sionais são responsáveis por todas as atividades associadas às coleções, o que vai muito além da sua manutenção em local seguro. Na verdade, o envolvimento dos curadores começa antes mesmo da criação das coleções, quando os microrganismos são coletados.

“O sucesso da preservação de uma coleção microbiana depende diretamente do conhecimento do curador sobre o microrganismo e de sua familiaridade com técnicas moder-nas de conservação, de forma a assegurar a viabilidade genética e manter as características morfológicas e fisio-lógicas do organismo, com o mínimo de dano às células,”, explica o pesquisador.

Para garantir a qualidade de seus materiais, é impor-tante que os curadores adotem as boas práticas advindas da implantação de um Sistema da Qualidade (SQ), base-ado em diversas normas de qualidade. No âmbito mun-dial, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo internacional e intergo-vernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do mercado, produziu um documento (Best Practice Guidelines for BRCs) que dispõe sobre a aquisição, conservação e cultivo de microrganismos.

Agregação de valor aos microrganismos

Lopes explica que, paralelamente à conservação da bio-diversidade, a agregação de valor aos microrganismos que compõem as coleções da Embrapa vem ganhando muita importância no contexto atual, especialmente com foco no desenvolvimento de novos processos e produtos tec-nológicos. Para isso, é fundamental investir na valoração dos acessos, com base nas características das linhagens conservadas e em suas atividades biológicas – crescimento, reprodução e produção de compostos (enzimas, proteínas, toxinas, voláteis) etc.

O intercâmbio com outras instituições também é funda-mental para ampliar a variabilidade genética das coleções

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microbianas. O pesquisador lembra que todas as atividades de intercâmbio e caracterização dos acessos são direta-mente reguladas pela legislação vigente no país sobre as questões relacionadas ao patrimônio genético. O marco regulatório aplicável às atividades de coleta, acesso e/ou intercâmbio (remessa, transporte, importação e expor-tação) de amostra de patrimônio genético, bem como de acesso ao conhecimento tradicional associado tem como base a Medida Provisória 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, seus decretos regulamentadores e normas infralegais, expe-didas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (MAPA).

Com a internalização da Convenção sobre Diversidade Biológica pelo Brasil por meio dessa MP, as pesquisas que envolvem acesso e remessa de amostras de microrganismos para finalidades de pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento tecnológico requerem autorização prévia, sob pena de sanções previstas na legislação.

A Rede microbiana da EmbrapaA Rede de Recursos Genéticos Microbianos da Embrapa

está organizada em diferentes grupos de microrganismos, divididos de acordo com suas funções. São eles:

Microrganismos multifuncionais – Vivem no solo ou no interior das plantas (endófitos) e são chamados assim pelas inúmeras funções que desempenham nos ecossiste-mas. Os microrganismos multifuncionais são essenciais ao funcionamento dos ecossistemas e as coleções que preservam diversidade genética e funcional aumentam a

perspectiva de prospecção e aplicação em biotecnologias para conservação ambiental e sustentabilidade agrícola e industrial.

Como exemplos, podem ser citados: fungos que auxi-liam na absorção de nutrientes, bactérias fixadoras de nitro-gênio atmosférico, entre outros microrganismos capazes de inibir patógenos, prover nutrientes, produzir hormônios e até fazer transformações bioquímicas de poluentes, princi-palmente pesticidas, promovendo a ciclagem de nutrientes e a biorremediação dos solos.

Microrganismos agentes de biocontrole – São fungos, vírus e bactérias com potencial para controle de pragas e doenças agrícolas, que podem ser usados na formulação de pesticidas biológicos. A demanda por produtos biológi-cos vem crescendo significativamente nas últimas décadas em resposta às exigências do mercado e da sociedade por uma alimentação mais saudável e pela preservação do meio ambiente. E é provável que cresça ainda mais, na medida em que legislações de proteção ambiental mais rigorosas forem adotadas e produtos mais eficientes e baratos forem lançados no mercado nacional.

A conservação desses microrganismos em coleções é fundamental, pois oferece linhagens mais efetivas ou adap-tadas às condições ambientais onde esses produtos serão utilizados.

Microrganismos fitopatogênicos – Podem ser utiliza-dos no desenvolvimento de “kits” diagnósticos de doenças de plantas para otimizar os procedimentos quarentenários que evitam a entrada de doenças no Brasil. São impor-tantes também para os estudos de variabilidade morfoló-gica, patogênica e molecular com o objetivo de averiguar

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Edição 5 40 Agroenergia em Revista

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a co-evolução dos atuais patótipos ou raças presentes no campo e as novas introduções de fontes de resistência e posterior uso na seleção de plantas resistentes às doenças e no desenvolvimento de princípios ativos para o controle químico.

Microrganismos de interesse para a agroindústria e produção animal – Compreendem bactérias, vírus, leve-duras e fungos com potencial de aplicação na indústria de alimentos e na produção de energia, agentes de doen-ças dos animais, patógenos humanos transmissíveis pelos alimentos, microrganismos deterioradores de alimentos e comensais do rúmen. Apresentam também potencial de uso para o desenvolvimento de métodos de diagnóstico de doenças de animais e produção de vacinas.

São muito relevantes para a agroindústria e agroener-gia, já que as leveduras, bactérias ou fungos filamentosos produzem diversas substâncias ou enzimas com potencial de aplicação industrial. Os próprios microrganismos são empregados na produção e conservação de bebidas e ali-mentos em geral e também na produção de combustíveis.

Destacam-se, nesse grupo, as bactérias fermentadoras lácticas, amplamente empregadas na produção de alimen-tos, como: leites fermentados, iogurtes e queijos, bem como no processamento de carnes, bebidas alcoólicas e vegetais e as leveduras utilizadas na elaboração de vinhos, cerveja, etanol e na panificação.

Informações adicionais podem ser obtidas no Portal da Plataforma Nacional de Recursos Genéticos: http://plataformarg.cenargen.embrapa.br

Coleções de microrganismos: patri-mônio da Embrapa e do Brasil

Para Lopes, as coleções de microrganismos mantidas pela Embrapa representam um dos mais importantes patrimônios da Empresa. A evolução da compreensão do papel dos microrganismos no meio ambiente tem fornecido subsídios para o desenvolvimento de aplicações biotec-nológicas, além de ser fundamental no estabelecimento de políticas de biossegurança, de projetos em agricultura sustentável e de programas de desenvolvimento industrial.

“A Embrapa, que sempre acreditou no conhecimento científico como elemento propulsor da competitividade e geração de riqueza para a sociedade brasileira, investe cada vez mais na ampliação e melhora de suas coleções microbiológicas para garantir uma agricultura nacional soberana, autossustentável e sem degradação ambiental”, finaliza o pesquisador.

Colaboraram para essa matéria: Maria Aparecida Vasconcelos Paiva e Brito - Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora, MG); Sueli Correa Marques de Mello - Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília, DF); Orivaldo José Saggin Júnior - Embrapa Agrobiologia (Seropédica, RJ) e Adriane Wendland - Embrapa Arroz e Feijão (Santo Antônio de Goiás, GO).

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Pesquisador Rogério Lopes da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

Pesquisa

41 dezembro 2012

“O mundo inteiro busca microrganismos, que possam transformar xilose, subs-tância presente em todos os vegetais, em

etanol”. Com essa frase, o pesquisador Gildo Almeida da Silva resume o quão desafiante é sua tarefa ao integrar o Projeto Microrganismos de Interesse para a Agroindústria e Produção Animal coordenado pela Embrapa Recursos Genético se Biotecnologia.

Depois da glicose, a xilose é o açúcar mais abundante. Os vegetais possuem glicose e xilose, que pode ser trans-formada em matéria-prima promissora para a produção de energia. Obviamente estas características atraem a atenção de estudiosos para a sua vantajosa conversão em etanol. No entanto, a grande dificuldade para isso ocorrer está na identificação de organismos capazes de fazer a transfor-mação eficiente da xilose em etanol.

“Os microrganismos possuem seus caprichos meta-bólicos e trabalham de acordo com normas bioquímicas endógenas. Por exemplo, Saccharomyces cerevisiae fermenta bem a glicose (C6) mas não a xilose (C5) e os gêneros, como Candida utilis, Pachysolen tannophilus e Pichia sti-pitis, são capazes de fermentar a xilose, mas são inibidos pelo etanol formado e possuem um complicado processo oxi-redox que dificulta ainda mais o processo produtivo", destaca o pesquisador Gildo. Ele reforça ainda que nessa transformação é importante obter um balanço energético positivo, ou seja, não se pode gastar mais energia do que aquela que se obtém no processo. “Esse é um grande desafio que devemos ter em mente. Por isso, faz parte do processo de produção de etanol a preocupação com a destilação. Não levar em conta esse detalhe pode resultar na inviabilidade econômica do processo de produção de etanol. Tivemos um exemplo muito duro no passado, com o amido de mandioca por não levar em conta esse fator”, esclarece.

Desde 2009, o pesquisador Gildo conduz experimen-tos ligados ao projeto para a transformação da xilose no Laboratório de Microbiologia da Embrapa Uva e Vinho, em Bento Gonçalves (RS). Basicamente pode-se divi-dir a pesquisa em duas linhas. A primeira é identificar microrganismos que, isoladamente ou em culturas mistas,

executem a transformação da xilose em etanol. Foram testadas, nessa linha, os mil e quatrocentos acessos da Coleção de Microrganismos de Interesse Agroindustrial (CMIA) da Unidade. Os resultados obtidos até o momento confirmam a dificuldade de se obter microrganismos que eficientemente promovam a transformação de xilose em etanol. Alguns experimentos com culturas mistas estão apresentando resultados interessantes.

A segunda linha da pesquisa será utilizar micror-ganismos geneticamente modificados. A linhagem Saccharomyces cerevisiae 1VVT, uma levedura isolada pela Embrapa Uva e Vinho (RS), com alto potencial de fermentação em ambiente ricos em açúcar (200g/L), será oportunamente transformada pela Embrapa Agroenergia (DF) para utilizar simultaneamente a glicose e xilose para produção de etanol.

“Não é um trabalho fácil, mas muito desafiador. Precisamos continuar a busca por uma solução economi-camente viável”, finaliza o pesquisador, que já havia tra-balhado com o tema durante seu doutorado no Imperial College Of Science Technology and Medicine, em Londres (Reino Unido) /Unicamp (Campinas, SP), em 1998 e atu-ado, com toda a equipe de pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura, no idos de 1977 (Proálcool).

Perspectivas FuturasAlém de buscar uma solução para a degradação da

xilose, o pesquisador Gildo defende a ampliação do estudo para a utilização racional do amido na produção de etanol. “É uma matéria-prima mais simples, mas que precisa de investigações que viabilizem economicamente o processo de produção”. Ele cita o exemplo dos Estados Unidos que mantêm a liderança em etanol produzido a partir de amido de milho, mas com o balanço energético quase negativo. Segundo Gildo, o Brasil poderia produzir etanol com a cana-de-açúcar e, na entressafra, usar o amido de mandioca e por fim, no processo de destilação deste álcool, utilizar o bagaço excedente de cana-de açúcar. Dessa forma, o balanço energético referente ao etanol produzido do amido torna-se-ia mais atrativo.

TRANSFORMAR XILOSE EM ETANOL

Viviane Zanella, jornalista da Embrapa Uva e Vinho

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Gildo Almeida da Silva, Pesquisador da Embrapa Uva e Vinho

Edição 5 42 Agroenergia em Revista

Pesquisa

Os microrganismos estão presentes e ativos em praticamente todo o planeta, e segundo os resultados do Projeto Microbioma Humano

(hmpdacc.org), o número de microrganismos no corpo humano é cerca de dez vezes maior do que o número de células humanas. Neste projeto foram sequenciados cerca de 3,5 TeraBases (Tera ~ 1,1 quatrilhão = 1,1x1012), e a análise destes dados só foi possível com o desenvolvimento e a aplicação de ferramentas e análises de Bioinformática, que pode ser descrita de maneira simplista como uma área interdisciplinar da ciência que visa resolver problemas biológicos com a aplicação da tecnologia da informação (informações básicas no texto “O papel da Bioinformática na pesquisa agropecuária”, de 2010).

A bioinformática é parte fundamental em grande parte das “ômicas”, como genômica, transcriptômica e meta-genômica. A capacidade de geração de dados biológicos

cresceu muito nos últimos anos, assim como caiu o custo da obtenção desses dados. A quantidade de empresas que prestam o serviço de sequenciamento também aumentou bastante durante e após o Projeto Genoma Humano e o resultado deta evolução é que, apesar dos constantes avan-ços, as capacidades computacionais de processamento e armazenamento estão defasadas em relação à capacidade de gerar dados biológicos. Neste cenário, a bioinformática e os bioinformatas exercem papel crucial na evolução da pesquisa, pois a análise dos dados gerados é provavelmente o próximo gargalo na pesquisa biológica.

Muitas empresas de biotecnologia reconheceram tal demanda e aumentaram seus parques computacionais ao mesmo tempo em que formaram maiores equipes de bio-informática. A Embrapa também está aumentando sua capacidade na área, contratando bioinformatas em algumas unidades e através da criação do Laboratório Multiusuário

A BIOINFORMÁTICA NA PESQUISA DE MICRORGANISMOS

Por: Eduardo F. Formighieri, pesquisador da Embrapa Agroenergia*

43 dezembro 2012

de Bioinformática – LMB (www.lmb.cnptia.embrapa.br). Como exemplo adicional, algumas empresas especializadas em genômica, como a BGI (www.genomics.cn), empregam centenas de bioinformatas e investem muito (muito mesmo !) em seu parque computacional.

Sabemos que muita informação biológica pode ser gerada com as novas tecnologias de high throughput, que grande parte dessas informações está relacionada a micror-ganismos e que existe demanda crescente por bioinformá-tica e infraestrutura computacional, mas o que pode ser feito com estas informações? Como exemplo, a genômica de microrganismos pode auxiliar na seleção de microrga-nismos para limpeza de lixo (incluindo áreas com resíduos radioativos), na mitigação de efeitos de mudanças climá-ticas e ainda na busca de fontes alternativas de energia.

Para termos uma ideia do que já foi investido em genô-mica de microrganismos, na base de dados Genome, do NCBI (www.ncbi.nlm.nih.gov), constam 2.220 entradas de Eucariotos, 3.286 de Vírus e 14.833 de procariotos (bactérias) (acesso em 13/11/2012). Dos Eucariotos, 159 possuem cromossomos descritos (destes temos 57 ani-mais, 50 fungos e 24 plantas), e 3114 dos vírus e 2511 dos procariotos possuem genoma completo. Em comparação a animais e plantas, microrganismos possuem genomas menores e mais simples, fator que deve ser considerado na interpretação destes números, mas a menor complexidade na montagem destes genomas não significa menor impor-tância dos trabalhos, ressaltando que estamos falando de muitos milhares de reais.

Existem bases de dados especializadas em microrga-nismos, como a Microbial Genomes (www.ncbi.nlm.nih.gov/genomes/MICROBES/microbial_taxtree.html), e uma grande variedade de portais e ferramentas que podem ser utilizados na análise destes dados, como EBI (www.ebi.ac.uk), KEGG (www.genome.jp/kegg), ExPASy (www.expasy.org/), Gene Ontology (www.geneontology.org), UniProt (www.uniprot.org) e BioCyc (biocyc.org).

Na Embrapa Agroenergia foi criado o Laboratório de Bioinformática em Bioenergia (LBB), sob responsabilidade do autor. O LBB, em estruturação, visa à execução de aná-lises avançadas e o suporte à demanda desta unidade por Bioinformática (plantas e microrganismos). No caso de microrganismos, isto significa principalmente: 1. estratégia de sequenciamento e montagem de genomas (cromosso-mos e plasmídeos); 2. anotação de estruturas genômicas (identificação e classificação, por similaridade ou ab initio); 3. anotação de vias metabólicas; 4. comparação de organis-mos (genomas, vias metabólicas, expressão diferencial de transcriptoma); 5. análises filogenéticas; 6. integração de resultados de “ômicas”, como genômica, transcriptômica, metabolômica e metagenômica, além de 7. disponibilização

de informações e ferramentas personalizadas, como busca de similaridade (BLAST - blast.ncbi.nlm.nih.gov) e visuali-zação de genoma (GBROWSE - gmod.org/wiki/GBrowse).

Em suma, os microrganismos são essenciais à vida na Terra e estudá-los a fundo é muito importante para o avanço da ciência. Muitas questões sérias podem vir a ser respondidas por pesquisas avançadas com microrganismos, e boa parte dessas pesquisas envolve geração de informa-ções biológicas em grande quantidade. Para viabilizar a utilização destes dados, a bioinformática, associada a bons parques computacionais, é imprescindível. Sendo assim, o Laboratório de Bioinformática em Bioenergia (LBB) for-necerá suporte e análises avançadas em Bioinformática a estudos de microrganismos, que visam a solucionar alguns dos desafios da Embrapa Agroenergia, que estão entre os grandes desafios do Brasil.

*Possui graduação em Engenharia Ag ron ôm i c a ( E S A LQ / U SP - 1998), mestrado em Ciências (CENA/ESALQ/USP - 2002) e doutorado em Biologia Funcional e Molecular (IB/UNICAMP - 2006). Atua em Bioinformatica desde o início do mestrado, em 1999 (Projeto Genoma /Xylella fastidiosa), com experiência prin-cipalmente nos temas: montagem, mineração, anotação, genômica, marcadores moleculares, SNPs, genotipagem, transportadores e elementos transponíveis.

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44 Agroenergia em Revista

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Edição 5

Em Sanga do Ajuricaba, no interior de Marechal Cândido Rondon, no oeste do Paraná, 33 famílias de produtores rurais estão descobrindo o potencial

energético do biogás. Um gasoduto de 25,5 km de extensão liga as propriedades até uma microcentral termelétrica.

O chamado Condomínio de Agroenergia para a Agricultura Familiar é uma das unidades de demonstração de geração distribuída de energia elétrica com biogás do Centro de Estudos de Biogás (CEB) do Parque Tecnológico de Itaipu, de Foz do Iguaçu, que conta com a parceria da Embrapa Suínos e Aves de Concórdia (SC).

Os produtores, que estão estruturando uma cooperativa de agroenergia, já trabalham com a geração de energia elé-trica e térmica, usada em um secador de grãos. Em breve, deve começar a produção de gás veicular. Tudo produzido a partir de dejetos de aves, suínos e bovinos.

Um dos produtores mais animados é Odacir Rupulo, que cria 2,5 mil suínos. Ele diz que que a aposta no biogás “é algo extraordinário porque só vai fazer bem para a bacia do Ajuricaba e para os criadores terem mais uma fonte de renda.” Quem também aposta no sucesso do condomínio de agroenergia é Eldo Matte. “O que antes era prejuízo para o meio ambiente agora vira retorno positivo para a natu-reza e para o nosso bolso”, diz. E mesmo que não houvesse previsão de ganho econômico, o produtor garante que já valeria a pena “só para se livrar do cheiro dos dejetos dos suínos perto das casas”. Luciano Funk, produtor de bovinos, também espera por um “bom retorno financeiro” e pelo ganho ambiental “para a bacia do Ajuricaba e para todos os moradores do local” com o uso do biogás a partir dos dejetos.

O retorno financeiro esperado pelos produtores já é realidade para José Carlos Colombari. O pioneirismo do produtor foi mostrado em uma reportagem do Jornal Nacional da Rede Globo no início de junho deste ano. Colombari cria 5 mil animais e pensa em, futuramente, “produzir 300 quilowatts por hora para ter um faturamento de R$ 30 mil por mês só com a produção de energia dentro da propriedade”, conta.

“Passamos a tratar o biogás como um produto da eco-nomia rural e sem comprometer os espaços territoriais ocupados para geração de alimentos”, diz o gerente do Centro de Estudos de Biogás, Ansberto do Passo Neto. Ele também destaca a importância da Embrapa na parte de capacitação dos produtores, com o uso do kit biogás (que analisa a predominância de metano nos gases gera-dos pelos biodigestores sem precisar levar amostras para um laboratório) e como referência técnica nas análises do biogás produzido.

Outra importante participação da Embrapa Suínos e Aves é no Labiogás, Laboratório de Biogás do CEB no Parque Tecnológico de Itaipu. O Labiogás, primeiro labo-ratório para pesquisas com biogás do Brasil, faz análises químicas, físicas e biológicas de biogás e resíduos orgânicos, com referência metodológica da universidade austríaca de Boku (Viena).

Um dos principais objetivos do laboratório, explica a engenheira ambiental do Labiogás, Caroliny Matinc, é fazer pesquisas sobre as quantidades de gás metano geradas a partir de vários tipos de biomassa em diferentes condi-ções de temperatura ou em misturas como, por exemplo,

UM LABORATÓRIO A CÉU ABERTO TESTA A ENERGIA DO NO INTERIOR DO PARANÁ

Por: Lucas Scherer, jornalista da Embrapa Suínos e AvesFoto: Lucas Scherer

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dejetos da pecuária combinados com palhas e restos da produção de grãos.

“Estamos construindo uma relação importantíssima com a Embrapa, legitimando as ações de geração de ener-gia no meio rural, desenvolvendo e valorizando o biogás”, disse o superintendente de Energias Renováveis da Itaipu, Cícero Bley Júnior.

Os biodigestores foram apresentados dentro da campa-nha Agro Sustentável, promovida pela Embrapa durante a Rio+20, a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável que aconteceu de 13 a 22 de junho no Rio de Janeiro.

O pesquisador Airton Kunz, que lidera o projeto Condomínio de Agroenergia em Marechal Cândido Rondon diz que o projeto “surgiu da necessidade de pro-mover a redução dos impactos ambientais produzidos pelos efluentes e dejetos gerados em estabelecimentos de agricultura familiar no Paraná, principalmente da região Hidrográfica Paraná III, correspondente ao efluente no reservatório de Itaipu”.

Entre as participações da Embrapa estão a pesquisa, parametrização dos equipamentos, capacitação, treina-mento, apoio na produção e canalização primária de biogás, definições de metodologias e elaboração do documento de concepção de projeto para créditos de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) e pesquisas em biofertilizantes, com os usos e aplicações ambientalmente corretos para fertilidade dos solos.

O convênio Embrapa e ItaipuO convênio entre a Embrapa e a Itaipu Binacional, que ainda tem a parceria da Emater/PR, Secretaria da Agricultura/PR, Copel (Companhia Paranaense de Energia) e da prefeitura de Marechal Cândido Rondon, teve início no segundo semestre de 2010. O analista Ricardo Steinmetz, que trabalha no apoio do projeto, resume os principais fatos desde então:

2010• Início da cooperação entre a Embrapa Suínos e Aves

e Itaipu por meio do Convênio/Projeto Condomínio de Agroenergia;

2011• Memorando de intenções efetivado para colaboração

em atividades envolvendo o Laboratório de Biogás /Plataforma de Energias Renováveis e a Embrapa Suínos e Aves;

• Embrapa e Itaipu estabelecem Convênio de Cooperação Técnica para abrigar projetos tecnológicos específi-cos de interesse comum. “Este convênio representa a

materialização da transversalidade entre setor agrope-cuário e setor elétrico”, diz Cícero Bley;

• A Embrapa participa das reuniões com parceiros para recepcionar a missão da Onudi (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial) para avaliação das condições pra implementação do CIER-Biogás;

2012• Janeiro - Apresentada proposta de estruturação do

CIER-Biogás. A reunião tem participação de Dimitri Piskounov, diretor Técnico da Onudi, que lança a pro-posta do CIER-Biogás (replicação de centro de energias renováveis da Onudi conforme outros já existentes ao redor do mundo). Estabelecimento de cartas de intenções entre os parceiros;

• Fevereiro - Primeira reunião para articulação de pro-jetos em parceria entre Embrapa e Itaipu. Objetivo: Fazer alinhamento estratégico e construção de uma agenda de pesquisa, desenvolvimento, inovação e TT com ênfase nos temas: Sistema Plantio Direto e Tratamento de Dejetos Animais. Resultado: Proposta de projeto “Tecnologias para produção e uso de biogás e fertilizantes a partir do tratamento de dejetos animais no âmbito do plano ABC”. O Plano ABC é o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono);

• Junho - Assinatura do convênio no Rio de Janeiro, durante a Rio+20, do Protocolo de Intenções para o desenvolvimento de estudos para constituição do Centro Internacional de Energias Renováveis – Biogás, com a participação de 17 instituições, entre elas a Embrapa.

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Laboratório de Biogás no Centro de Estudos do Biogás, Parque Tecnológico de Itaipu (Foz do Iguaçu, PR).

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Mercado

Edição 5

MICRORGANISMOS E BIORREFINARIASCom a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e

a dependência do petróleo, a biomassa, que já é usada como fonte para combustíveis, pode também gerar outros produtos que hoje têm origem

principalmente fóssil, por meio dos processos microbianos e enzimáticos.

Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

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Empresas já estão utilizando bactérias e fungos para gerar, a partir da biomassa, produtos químicos que eram obtidos somente por rota petroquímica,

como mostraram algumas companhias durante o Simpósio Nacional de Microrganismos em Agroenergia. A empresa-Reverdia, por exemplo, está gerando ácido succinico com leveduras geneticamente modificadas. O produto, que deverá ser fabricado no Brasil, é utilizado atualmente nas indústrias de alimentos, tintas e plásticos, entre outras. O esforço da pesquisa tem por objetivo ampliar a gama de produtos gerados a partir de fontes renováveis. A expec-tativa do diretor da empresa no País, Frank Nadimi, é que a produção desse ácido em grande escala contribua para equilibrar a balança comercial da indústria química bra-sileira, que hoje é negativa.

A LS9, empresa americana que está se estabelecendo no Brasil, investiu no melhoramento genético de microrganis-mos para geração de insumos com aplicação em diversos segmentos industriais. “As nossas bactérias fazem, durante a fermentação aeróbica, todo o processo de uma refinaria de petróleo”, afirma o diretor da empresa Michael Rinelli. A ideia é usar diversos tipos de biomassa para produzir moléculas para a fabricação de detergentes, lubrificantes, fragrâncias, biocombustíveis, entre outros.

O professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Gonçalo Pereira explica que a biomassa vegetal é seme-lhante ao petróleo e se constitui de um conjunto de com-postos quimicamente distintos que podem ser fracionados gerando componentes para diversas aplicações. Da mesma forma que uma refinaria de petróleo, as biorrefinarias podem gerar uma grande variedade de produtos. “No con-ceito de biorrefinarias, microrganismos podem ser utili-zados como agentes eficientes na conversão da biomassa vegetal em produtos de alto valor agregado”, afirma Pereira.

No Brasil, a biomassa que atualmente tem melhores características para aproveitamento no conceito de biorre-finarias é a da cana-de-açúcar. Cultivada no País há quase 500 anos, ela é destinada principalmente para a produção de açúcar e etanol. No entanto, “a utilização da cana-de--açúcar para produção de outras moléculas demandará ajustes nas etapas de processo atual ou mesmo implicará em arranjos de processos integralmente diferentes dos empregados atualmente nas usinas”, alerta a pesquisadora Amanda de Souza, da DuPont.

Amanda lembra que um dos principais desafios que o setor sucroalcooleiro já enfrenta é a competição entre os microrganismos presentes no caldo e no melaço da cana e também aqueles adicionados pela indústria a esses materiais para a fermentação. Entre 30% a 60% das perdas no processo de fabricação do etanol estão relacionadas à

etapa de fermentação e grande parte desse prejuízo ocorre justamente por causa da presença de microrganismos contaminantes.

Na opinião de Amanda, “o problema torna-se ainda mais crítico em um processo de produção de novas moléculas baseado na utilização de microrganismos recombinantes, uma vez que o sucesso do processo depende da estabilidade de microrganismos geneticamente modificados ao longo da produção”. A pesquisadora acredita que isso vai exigir das indústrias a adoção de práticas mais rigorosas de limpeza e sanitização de equipamentos e de controle do processo.

A pesquisadora da DuPont ressalta ainda que a análise de resíduos deve ser um ponto fundamental nos projetos de pesquisa. “As características do resíduo podem impac-tar diretamente na viabilidade econômica de uma nova tecnologia”, enfatiza.

Um dos grandes desafios para viabilizar o uso da bio-massa tanto para produção de combustíveis de segunda geração quanto de bioprodutos é a conversão da celulose de materiais como o bagaço da cana, capins e resíduos flo-restais em açúcares fermentescíveis. Esse processo requer o uso de enzimas celulolíticas (celulases), proteínas que têm atividade catalítica e são produzidas por microrganismos, especialmente fungos filamentosos. A dificuldade tem sido conseguir obter esses insumos com preços que viabilizem os processos de conversão da celulose em glicose.

Para Danuza Moysés, da Petrobras, “o conceito de ‘engenharia de produto’ pode ser aplicado em processos de produção de celulases, visando à obtenção de prepara-dos enzimáticos com proporções ideais entre as diversas enzimas do complexo celulolítico”.

Para superar as barreiras ao aproveitamento pleno da biomassa, Pereira, da Unicamp, acredita que é preciso “lançar mão de novas estratégias, como o uso de biologia sintética para modificação de microrganismos e inclusão de novas rotas metabólicas, desenvolvendo biorrefinarias de alta eficiência não somente na produção de biocom-bustíveis, mas também dos demais derivados de interesse industrial”.

Uma grande vantagem do uso de microrganismos e enzimas nos diversos processos que compõem uma bior-refinaria é que, normalmente, tais processos são realizados próximos à temperatura e pressão ambientes. Essas condi-ções, de um lado, facilitam a integração e o sequenciamento das diversas etapas e, de outro, não consomem energia para obter elevadas temperaturas e pressões como acontece nas refinarias de petróleo e em muitas indústrias químicas.

Colaboração: José Manuel Cabral

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