AIMPORTÂNCIA DA MÚSICA SACRA

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    Igreja Luterana - n 2 - 2002

    NDICE

    IGREJA LUTERANA

    VOLUME 61 - NOVEMBRO 2002 - NMERO 2

    ArtigosQue Dizer dos Evangelhos Apcrifos?Vilson Scholz ..........................................................................

    A Importncia da Msica Sacra na Histriada Igreja Evanglica Luterana do Brasil

    David Karnopp ......................................................................

    Movimento G-12 - O que ?Edgar Zge ............................................................................

    A Eucaristia nas Origens do Culto CristoPaulo G. Pietzsch ..................................................................

    Auxlios Homilticos .............................................................

    Devoes ...............................................................................

    Recenso ...............................................................................

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    ARTIGOS

    De uns tempos para c, houve um renovado interesse nos assim chama-dos evangelhos apcrifos. At se publica livros sobre Jesus segundo osApcrifos. Ainda outro dia a revista Galileu (sucednea de Globo Cincia)quis uma entrevista sobre o assunto. Diante disto, cabem alguns dados arespeito dessa literatura.

    1. A razo do interesse Fica a pergunta: Por que tal interesse nosevangelhos apcrifos? Teria algo a ver com o famigerado Jesus Seminar,que ganhou notoriedade nos Estados Unidos na dcada passada? Paraquem no lembra, o Jesus Seminar, alm de se posicionar, por voto demaioria, quanto autenticidade das palavras de Jesus nos Evangelhos,chegou concluso que Jesus era muito mais um sbio, um filsofo detendncia cnica ou gnstica (mais ou menos como se pensava a respeitodele, em crculos acadmicos europeus, no sculo XIX), do que propria-

    mente um profeta apocalptico (como muitos telogos passaram a v-lono incio do sculo XX). Tambm se pode perguntar se as prpriasconcluses do Jesus Seminar no so um reflexo dessa releitura deJesus, feita, em parte, a partir dos apcrifos? Seja como for, possveltraar uma linha entre o Jesus Seminar e esse interesse pelos apcrifos,pois a imagem de Jesus que emerge dos apcrifos , em sntese, a ima-gem de um mestre gnstico. Isto porque muitos desses evangelhos fo-ram produzidos num contexto gnstico. O exemplo mais evidente o

    Evangelho segundo Tom, uma coletnea de 114 palavras ou sentenas

    Vilson Scholz *QUEDIZERDOSEVANGELHOSAPCRIFOS?

    *Dr. Vilson Scholz professor de Teologia Exegtica (Novo Testamento) no Seminrio Concrdia e naUniversidade Luterana do Brasil (ULBRA).

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    atribudas a Jesus, muitas delas sem paralelo nos evangelhos cannicos.1

    2. O termo apcrifo Pela etimologia, apcrifo coisa escondida, oculta.Na antiguidade, designava livros que se destinavam unicamente parauso particular dos adeptos de uma seita ou membros de uma religio de

    mistrio.2 Entre os cristos, veio a designar escritos cujo autor era des-conhecido ou, ento, cujo autor se ocultava sob um nome conhecido erespeitado, para conseguir mais crdito junto ao pblico.3

    3. Apcrifo versus cannico Os apcrifos so livros que no pertencemao cnone bblico. No caso dos evangelhos apcrifos, trata-se do cnonedo Novo Testamento (NT). Entende-se que o cnone estava definitiva-mente fixado por volta do quarto sculo depois de Cristo,4 embora sua

    estrutura bsica j estivesse definida por volta do ano 200 depois deCristo. Logo, a partir da noo de cannico que se define o que apcrifo. Em outras palavras, apcrifos do NT so livros que desenvol-vem temas semelhantes aos dos livros cannicos e que pretendem deforma mais ou menos velada arrogar-se o carter de livros sagrados eestar em p de igualdade com aqueles que o cristianismo considera ins-pirados, sem que tenham conseguido de fato entrar no cnone.

    4. Tipos de apcrifos Existem quatro grupos de apcrifos: evangelhos,atos, epstolas, apocalipse. A maioria se enquadra nos dois primeirosgrupos: evangelhos e atos.5 Entre os muitos apcrifos do NT esto oEvangelho segundo os Hebreus, o Proto-Evangelho de Tiago, o Evange-

    1 Este evangelho apcrifo comea assim: Estas so as palavras secretas que o Jesus vivo disse,e Ddimo Judas Tom escreveu: 1 E ele disse: Quem descobre o sentido destas palavras noexperimentar a morte. Evangelhos apcrifos. Traduo e introduo de Urbano Zilles.

    Caxias do Sul e Porto Alegre: Pyr Edies, 1987, p. 59. O dito de nmero 10 ilustra asemelhana desse material com os evangelhos cannicos: Disse Jesus: Lancei fogo ao mundoe o conservo at que arda. Ibid., p. 60. O carter gnstico, e hertico, transparece na ltimasentena, a de nmero 114: Simo Pedro disse-lhe: Maria afaste-se de ns, pois as mulheresno so dignas de viver. Disse Jesus: Eis que a atrairei para faz-la masculino, para que tambmse faa um esprito vivo semelhante a vs homens, pois, toda mulher que se transforma emvaro entrar no reino dos cus. Evangelho segundo Tom. Ibid., p. 73.

    2 OTERO, Aurelio de Santos. Los evangelios apocrifos: coleccin de textos griegos y latinos, versincrtica, estudios introductorios, comentarios e ilustraciones. 2 ed. Madrid: Biblioteca de AutoresCristianos, 1963, p. 1.

    3 DATTLER, Frederico. Os evangelhos da infncia de Jesus segundo Lucas e Mateus. So Paulo:

    Edies Paulinas, 1981, p. 102.4 O primeiro documento que traz a lista dos 27 livros, nem mais nem menos, uma carta de

    Atansio, escrita em 367 depois de Cristo.5 Convm notar que so poucos os casos de epstolas apcrifas, ou seja, epstolas escritas por uma

    pessoa e atribudas a algum outro. Isto j era assim no perodo apostlico (primeiro sculodepois de Cristo), e tem implicaes para a discusso das assim chamadas deuteropaulinas.

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    lho de Tom, os Atos de Paulo e Tecla, etc. De alguns dos apcrifos sse sabe que existiram, e isto a partir de outros documentos. Em outraspalavras, o texto desses apcrifos no foi preservado. De grande nme-ro dos apcrifos s restam pequenos trechos, alguns preservados emescritos de Pais Eclesisticos, outros em fragmentos de papiros desco-

    bertos recentemente em lugares secos como o Alto Egito. Pode-se afir-mar que desapareceram os apcrifos mais antigos, de carter mais duvi-doso ou tendencioso. Sobreviveram os mais recentes, que estavam maisprximos da teologia ortodoxa.6

    5. Origem H quem diga que uma das influncias para a escrita dosevangelhos apcrifos foi a passagem de Joo 21.25. A isto se deveacrescentar o gosto pelo extraordinrio e misterioso, que caracteriza o

    povo simples de qualquer parte do mundo, em especial tambm o povoque habitava a parte oriental do mundo mediterrneo. ingenuidade dopovo crdulo se precisa acrescentar a astcia dos hereges docetistas,gnsticos, e outros. H momentos, ao que parece, em que at os assimchamados ortodoxos recorreram ao gnero apcrifo para defender umdogma. o caso do Proto-Evangelho de Tiago, que defende a perptuavirgindade de Maria.7 Alis, parece que os evangelhos apcrifos surgi-ram, em boa parte, da vontade de conhecer mais detalhes da vida de

    Jesus, especialmente da natividade e infncia (os assim chamados 18anos de silncio), bem como acontecimentos ligados Sexta-feira Santae Pscoa (aqui entra o Evangelho de Pedro).8 Detalhes da vida deMaria e dos apstolos tambm foram assunto de alguns dos apcrifos.O mesmo interesse em complementar o quadro pintado pelo relatocannico se percebe nos atos apcrifos. Afinal, o Atos cannico se

    6 OTERO, op. cit., p. 3.7 No captulo 19 deste apcrifo, que em alguns manuscritos recebe o ttulo de Histria do

    nascimento da Santssima Me de Deus e sempre virgem Maria, uma parteira hebria afirmaa virgindade de Maria. O texto reza assim: Retirando-se a parteira da caverna, veio-lhe aoencontro Salom; e disse-lhe: Salom, Salom, contar-te-ei um novo prodgio; uma virgem deu luz, e no se lhe rompeu a natureza. DATTLER, op. cit., p. 112. Na seqncia, Salomestendeu o seu dedo natureza dela, mas soltou um grito e disse: Ai do meu crime e daminha incredulidade, porque acabo de tentar o Deus vivo, e eis que a minha mo desprende-se de mim como fogo! Idem ibidem.

    8 O evangelho de Pedro narra que, na noite que precedia o domingo, dois homens desceram do

    alto, o sepulcro se abriu e eles entraram no mesmo. O relato segue assim: Quando os soldadosviram isso, acordaram o centurio e os ancios, pois tambm esses se encontravam a paravigiar. E, enquanto narravam o que tinham visto, vem trs homens sair do sepulcro, servindodois de apoio a um terceiro, e uma cruz os seguia. A cabea dos dois primeiros tocava at o cu,enquanto a do terceiro ultrapassava-o. Ouviram uma voz do cu a clamar: Pregaste aos quedormem. [?] A partir da cruz ouvia-se uma resposta: Sim. Evangelhos apcrifos, p. 52.

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    limita s atividades de Pedro e Paulo. Em resumo, os apcrifos tentampreencher lacunas, com apelo a uma imaginao no raras vezes bas-tante frtil.

    6. Influncia Ao longo dos tempos, os apcrifos exerceram influncia

    na piedade popular, na liturgia, na arte e na literatura. Algumas festas docalendrio catlico no existiriam, no fossem os apcrifos. Ningumfalaria em So Joaquim e Santa Ana, no fossem os apcrifos.9 Os trsreis magos (o dado de que eram reis, em nmero de trs), bem como osseus nomes, Melkon (=Melquior), Baltasar e Gaspar, derivam dosapcrifos.10

    7. Valor Em geral os livros apcrifos so mais recentes do que os

    cannicos (alguns do segundo sculo; muitos do quarto sculo). Quandono so herticos, tm pouco valor teolgico. Na Igreja Antiga, no hnenhum decreto oficial condenando categoricamente os apcrifos, as-sim como tambm no houve um conclio ou coisa parecida para fixar ocnone. Mas os telogos, ou Pais Eclesisticos, se manifestaram a res-peito. Jernimo achava que nada de bom podia ser encontrado neles. JAgostinho reconhecia que neles se podia encontrar alguma verdade(aliqua veritas).11 Em tempos mais recentes, tambm h opinies di-

    vergentes. No sculo XVIII, por exemplo, a escola de Tbingen pensa-va que os apcrifos serviram de inspirao aos cannicos. O curioso que ainda hoje muita gente pensa assim! Mais comum simplesmenteignorar os apcrifos, especialmente no mundo protestante.

    Os apcrifos interessam ao historiador da igreja e da liturgia, e talvezinteressem histria da arte, mas tm pouca ou nenhuma importncia paraa biografia de Jesus. Em geral, basta ler comparativamente um evangelho

    cannico e um apcrifo para se notar a diferena. A linguagem dos apcrifostende a ser pobre, e muitos dos episdios so esquisitos, triviais e de mau

    9 Os nomes de Joaquim e Ana aparecem no Proto-Evangelho de Tiago.10 L-se no Evangelho Armnio da Infncia, um apcrifo que foi traduzido do siraco ao armnio

    no final do sexto sculo: E um anjo do Senhor se apressou em ir ao pas dos persas paraprevenir os reis magos e ordenar-lhes que fossem adorar o menino recm-nascido. E estes,depois de caminhar durante nove meses, tendo a estrela por guia, chegaram ao lugar de destino

    no mesmo momento em que Maria veio a ser me. .... E os reis magos eram trs irmos:Melkon, o primeiro, que reinava sobre os persas; depois Baltasar, que reinava sobre a ndia; eo terceiro, Gaspar, que tinha em sua posse o pas dos rabes. OTERO, op. cit., p. 362 (nossatraduo). Otero lembra que, na tradio latina, os magos so quatro, e no trs. Na tradiosiraca posterior, so doze.

    11 OTERO, op. cit., p. 7.

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    gosto. No entanto, este um critrio meramente esttico. na visoteolgica que se percebe a grande diferena em relao aos cannicos. Aprpria estrutura de muitos dos evangelhos apcrifos, que, em geral, tm umfundo gnstico, j indica algo de sua orientao teolgica. Falta-lhes umaestrutura narrativa, ou seja, tendem a ser um aglomerado de sentenas atri-

    budas a Jesus. Alm disso, no trazem uma narrativa da paixo de Cris-to.12 A morte de Cristo, se no de todo omitida, tratada apenas de leve.Na viso crist gnstica, a iluminao da mente possibilita que se evite osofrimento. Assim sendo, a glria de Jesus acaba engolindo seu sofrimento.Em contraposio, os evangelhos cannicos, que tambm culminam com aressurreio de Jesus, mantm esta realidade em tenso com o seu sofri-mento e morte. Em nenhum dos quatro evangelhos cannicos o escndaloda cruz removido pela nfase na sua glria. Em cada um deles, a rota

    para a glria passa pelo vale do sofrimento. Nisto os evangelhos cannicosconcordam entre si e divergem fundamentalmente dos apcrifos.13

    12 Os evangelhos cannicos so, na clssica frase de Martin Khler, narrativas da paixo de Cristocom uma longa introduo.

    13 Quem acentua esta diferena Luke Timothy Johnson, em The Real Jesus: The Misguided Questfor the Historical Jesus and the Truth of the Traditional Gospels (San Francisco: HarperCollins,1997), uma obra escrita para fazer frente aos pontos de vista do Jesus Seminar.

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    David Karnopp*

    AIMPORTNCIADAMSICASACRANAHISTRIADA

    IGREJA EVANGLICA LUTERANADO BRASIL

    A igreja luterana j foi chamada de a igreja que canta. Deve-se issoao grande impacto que causou a msica na vida e obra do ReformadorMartinho Lutero. No me proponho, porm, a entrar no mrito dessa afir-mao. Fato que na histria da Igreja Evanglica Luterana do Brasil(IELB) a msica tem exercido um papel importante. Isso j se pode notarpela 22 Conveno Nacional de 1934, que elegia uma comisso para di-fundir a msica e o canto sacros no seio da igreja.1 No momento em que seest vivendo o espirito do centenrio dessa instituio, saudvel resgatar asua histria com relao msica. Neste texto me proponho resgatar, pelomenos em parte, dois aspectos: um pouco da histria e da filosofia da msi-ca na IELB.

    1. UMAVISOPANORMICADAMSICA

    1.1 A IELB ESEUSMSICOSAo rever a histria, nada mais justo do que lembrar aqueles que deram

    valiosas contribuies na rea da msica. Fazendo assim, sempre se corre orisco de se esquecer nomes importantes. Mas Deus viu a obra de cada um

    deles, que certamente no foi em vo. Sem menosprezar outros, mencionoalguns nomes cuja obra musical foi de grande importncia na histria daIELB.

    Um dos que mais se dedicou na rea musical foi o pastor e professor doSeminrio Concrdia de Porto Alegre, Werner K. Wadewitz. Na sua po-ca, foi um grande incentivador da msica na igreja. Foi tradutor e escritorde hinos e regente de corais. Um dos hinos mais queridos na IELB, Res-surgiu Jesus Senhor (Hinrio Luterano 117), de sua autoria. Marcou

    tambm forte presena outro professor do Seminrio Concrdia, JohannesH. Rottmann, como msico e regente de coral.

    * Rev. David Karnopp pastor em Panambi, RS.1 Carlos Warth, Crnicas da Igreja (Porto Alegre: Concrdia, 1979), p. 246.

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    Uma das atuaes mais significativas no campo da msica em nossaigreja de Hans-Gerhardt Rottmann. Hans-Gerhardt foi professor de m-sica e liturgia no Seminrio Concrdia, regeu vrios corais, editou livros demsicas. Foi tambm coordenador da ltima edio doHinrio Luterano egravou vrios discos. Ele sempre ser lembrado como o primeiro grande

    msico e maestro oriundo da IELB2. Seu trabalho foi marcado pela pre-servao da arte sacra luterana.

    Jamais se pode esquecer de Rodolpho Hasse. S noHinrio Luteranotemos, de sua autoria, 63 hinos e mais 83 de sua traduo, num total de 146hinos. Em termos de msica sacra o Hinrio Evanglico Luterano foi asua grande obra, pois ele encabeou a sua compilao e reviso.

    Outro nome o de Martinho Luthero Hasse. No mbito da poesia, hinose melodias, ningum, talvez, na histria da IELB, tem tanta expressividade

    como ele. Numa carta que enviou para a pesquisa deste trabalho, o pastorHasse informa o seu acervo potico-musical. O nmero de hinos, desdecomposies sobre os mais diversos temas at algumas adaptaes e tradu-es, ultrapassa o nmero de 400 hinos. Os poemas sacros que escreveu,ultrapassam os 500, dos quais 145 para sua esposa. Alm disso, ainda com-ps vrias melodias para seus hinos e canes e escreveu hinos e poemasem ingls e alemo. Todo seu acervo potico-musical ultrapassa o nmerode 1000 ttulos.3 interessante notar que Paul Gerhardt, considerado o

    maior poeta da histria do luteranismo, tem um acervo de apenas 123 hi-nos.4 Alm de todo este cabedal, Martinho L. Hasse foi o primeiro a sepreocupar em tornar conhecida a histria dos hinos. No final da dcada de1950 e incio de 1960, publicou histrias de alguns hinos, atravs da revistaO Jovem Luterano. Numa destas revistas ele lamenta o quase completodesconhecimento que as congregaes tm da origem destes hinos, do nomedos seus autores e das circunstncias em que surgiram. No mesmo artigoele alimenta um sonho de um dia ter condies de publicar alguma obra

    histrica referente aos hinos luteranos e sua origem.5 A obra musical, abeleza potica, a clareza e profundidade doutrinria dos seus hinos fazemdele qui o maior poeta da histria da IELB. Alm disso, a genialidade dasua poesia no em nada menor do que a poesia dos grandes poetas dahistria da igreja crist.

    2 Walter O. Steyer, O maestro foi transferido, Mensageiro Luterano (Maio de 1992): 13.3 Martinho Luthero Hasse. Em carta enviada para este trabalho. Documento no publicado.4 David Karnopp, Msica e Igreja (Passo Fundo: Pe. Berthier, 1999), p. 67.5 Martinho Luthero Hasse Conhece os hinos que cantas?. O Jovem Luterano, Porto Alegre, v.

    22 (5,6): 26. Um exemplo de comentrio sobre hinos luteranos est na edio de Julho-Agostode 1956, p. 19. A primeira obra na IELB que trata da histria dos hinos foi publicada somente1999, de autoria nossa (cf. nota anterior).

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    Ainda merecedor de lembrana Leonido Krey, que se tornou conheci-do como tradutor e escritor de hinos e canes folclricas, cuja vasta obralhe possibilitou publicar vrias coletneas de msicas. Notabilizaram-se tam-bm por traduzir e compor hinos: Theodor Reuter e Nestor Welzel.

    1.2 A IELB ESEUSHINRIOSQuando os missionrios americanos vieram ao Brasil para iniciar o tra-

    balho da igreja, empregaram a lngua alem. O hinrio que trouxeram con-sigo tambm era em lngua alem,6 que aqui foi usado por muito tempo. Emesmo o cantar de hinos alemes em muitos lugares ainda persiste. Em1917, o Brasil, porm, rompeu relaes diplomticas com a Alemanha. Emconseqncia, o uso da lngua alem foi proibido nas igrejas e nas escolas.Como nem todos os pastores e membros sabiam falar ou entender portugu-

    s, vrias igrejas permaneceram fechadas. Esta proibio, no entanto, le-vou os pastores a traduzirem os primeiros hinos, oraes e pores da liturgiapara o portugus.7 Os primeiros pastores a traduzirem hinos foram MartinF. Frosch e Emil F. Mueller.8 Quando terminou a Primeira Guerra mundial,a lngua alem voltou a ser usada at o perodo da Segunda Guerra. Mas abase para a nacionalizao da nossa linguagem cltica havia sido lanada.Outro fator relevante a dar impulso no uso da lngua nacional foi a aberturada misso Luso-brasileira em Lagoa Vermelha no estado do Rio Grande do

    Sul.9 Em prol desta misso foi elaborado, em 1920, um hinrio em lnguaportuguesa com 23 hinos e algumas oraes chamadoHymnos e Oraes.Outras edies seguiram com 25 hinos. Este Hinrio basicamente obra dopastor Rodolpho Hasse, que traduziu hinos da lngua alem e adaptou outrosdo hinrio, Salmos e Hinos.10

    Em 1938 o ento Snodo Evanglico Luterano, hoje IELB, dava um pas-so decisivo no uso da lngua nacional, quando editava oHinrio Evangli-co Luterano, com 217 hinos, encabeado pelo pastor Rodolpho Hasse. A

    conveno nacional da IELB de 1940 reconheceu o trabalho do pastor Hassee expressou sinceros votos de agradecimentos pelo seu trabalho na con-feco do hinrio portugus.11 Mas cedo constatou-se que este hinrio erainsuficiente. Por isso em 1946 ele recebeu um apndice dos hinos 218 ao315, sendo este apndice reeditado em 1947. O estoque deste hinrio esgo-

    6Kirchengesanbuch. Posteriormente foi publicado pela Casa Publicadora Concrdia, com 479hinos.

    7 Paulo Wille Buss, Histrico da nossa Prtica Litrgica. Monografia no publicada.8 Warth, op. cit., p. 40, 41. No Hinrio Luterano no constam hinos destes pastores.9 Id., p.39-43 .10Salmos e Hinos o primeiro hinrio evanglico publicado no Brasil. Sobre sua histria veja em

    Karnopp, op. cit., 96-99.11 Warth, op. cit. p. 248.

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    tou e o nico hinrio que a IELB tinha disposio era este apndice. Mashavia uma comisso que estava em franca atividade, trabalhando numnovo hinrio e que pretendia entreg-lo em breve.12 Pois em 1949 foi publi-cado o novo hinrio com 340 hinos e assim permaneceu por 25 anos. Em1972 a conveno nacional da IELB elegeu uma comisso para revisar este

    hinrio13. O resultado saiu em 1974 quando foi editado um novo apndicecom 112 hinos sob o nome de Hinrio Luterano: Segunda Parte. Esteapndice era provisrio, pois um hinrio em carter definitivo devia ser pu-blicado. Finalmente no dia 9 de outubro de 1986, depois de 14 anos de traba-lho com uma equipe de 20 integrantes,14 o novo hinrio foi apresentado IELB,15 sob o nomeHinrio Luterano, com 573 hinos.

    Sob muitos aspectos, o novo hinrio teve boa receptividade. Sua beleza equalidade potica foram muito elogiadas. Seu contedo doutrinrio foi visto

    como autntico tesouro teolgico, como obra monumental e como obramissionria de maior peso j lanado pela IELB.16 No entanto foi bastantecriticado.17 Entre as crticas levantadas, ele foi acusado de estar fora darealidade brasileira, principalmente no que se refere msica.18 Foramquestionadas algumas melodias, alegando-se que so difceis de seremcantadas e cheias de floreios. Questionou-se tambm a pauta musicalque acompanha a primeira estrofe de cada hino com a alegao de quepoucas pessoas conheciam notas musicais e, assim, o proveito seria mni-

    mo. Outro aspecto criticado foi seu tamanho, o que compreensvel se ocompararmos com o do hinrio anterior. O atual consta de 951 pginas,enquanto o antigo hinrio tinha 490 pginas. Mais tarde este problema foiresolvido quando foram publicados hinrios com o mesmo nmero de pgi-nas, porm, com letras menores.

    Vimos assim que o hinrio oficial tem uma trajetria de vrias edies.Esta uma forma de se atestar que um hinrio no eterno. O passar dostempos e o avano da igreja para novas frentes de misso, requerem a

    contextualizao da msica.

    12 Id., p. 251.13 Id., p. 262.14Hinrio Luterano: Igreja Evanglica Luterana do Brasil. 4. ed. (Porto Alegre: Concrdia,

    1991), p. 8 apresenta a listagem dos integrantes da equipe que o elaborou.15Mensageiro Luterano, (Novembro 1986): 23.16 Como mostram cartas publicadas no Mensageiro Luterano (Maio 1987): 2; (Julho 1987): 33;

    (Outubro 1987): 31.17Mensageiro Luterano, (Maio 1987): 2; (Junho 1987): 32; (Julho 1987): 33; (Agosto 1987): 2;

    (Setembro 1987): 2; (Outubro 1887): 31.18 OHinrio Luterano compe-se de 573 hinos. Algumas msicas, porm, aparecem mais de uma

    vez, o que o reduz a 405 msicas. Destas, apenas 27 so brasileiras, apenas 18 so decomposio de autores da IELB. Destas 18 melodias, 16 so do pastor Martinho Luthero Hassee duas so do pastor Theodor Reuter.

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    No propsito deste trabalho avaliar as criticas levantadas aoHinrioLuterano. Me proponho, sim, a resgatar o fato histrico do hinrio. OHi-nrio Luterano uma grande obra. Nas palavras de quem coordenou osseus trabalhos, a comisso fez sete revises dos textos originais e tradu-es para que se chegasse ao melhor texto final possvel. Para se chegar

    seleo final dos 573 hinos pesou-se muito o contedo bblico-doutrinrio, aimportncia do hino na histria do louvor do povo de Deus, a linguagemclara e beleza potica e a melodia.19

    Uma caracterstica marcante na formao da hindia evanglica brasi-leira, o emprstimo de hinos de outras igrejas, de forma especial dohinrio Salmos e Hinos. A maioria das igrejas evanglicas no Brasil bene-ficiou-se deste hinrio para formar sua hindia.20 No caso da IELB, este

    hinrio e tambm outras fontes tm forte presena.21 Para termos umaidia, basta ver que a sua maior compiladora, Sara Poulton Kaley tem noatualHinrio Luterano, 26 hinos de sua autoria e mais trs de sua tradu-o. O filho adotivo desta autora, Joo Gomes da Rocha, tem seis hinos desua autoria e mais cinco de sua traduo no Hinrio Luterano. E por queeste hinrio teve tamanha influncia na formao do Hinrio Luterano?Ocorre que o hinrio Salmos e Hinos nasceu no Rio de Janeiro, onde tam-bm viveu por longos anos Rodolpho Hasse, o maior responsvel pela for-

    mao do Hinrio Evanglico Luterano. compreensvel que ele esti-vesse bastante familiarizado com estes hinos e os tivesse tomado empres-tado para o hinrio da IELB. Alm disso, tais hinos j estavam em lnguaportuguesa. Repentinamente, quando o uso da lngua alem foi proibido, erafcil de tom-los emprestados. possvel que este emprstimo de hinos,de certa forma, nos tenha ajudado a nos aproximar e a nos identificar comas igrejas evanglicas no Brasil.

    Paralelamente aoHinrio Luterano, a IELB tem, na sua histria, vri-

    os outros livros musicais. Entre eles constam coletneas de hinos commsicas e livros para corais e organistas. Na dcada de 1960, com a ex-panso missionria, o Departamento de Misso da IELB preocupou-se emoferecer um hinrio voltado para as misses. Por isso em 1968 foi editadoum hinrio com essa viso e que constava de 54 hinos selecionados doHinrio Luterano e do Cantor Cristo. Em 1974 este hinrio foi amplia-

    19 Hans Gerhard F. Rottmann, Hinrio Luterano, Igreja Luterana, 47 (1), (1988): 78.20 Henriqueta Rosa Fernades Braga, Msica Sacra Evanglica no Brasil(Rio de Janeiro: Kosmos,

    1961).21 Por exemplo o hinrio Louvai ao Senhor recebeu vrios hinos do hinrio batista Cantor

    Cristo.

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    do para 90 hinos com a edio de 5.000 exemplares.22 Em 1988, catorzeanos aps, quando j havia sido lanado o novo hinrio da IELB, este hinriofoi substitudo peloLouvai ao Senhor, com 158 hinos. Como mencionadona sua pgina de apresentao, o Louvai ao Senhorno quer atingir umpblico especfico, mas pretende ser um hinrio para fins e usurios diver-

    sos. Uma vez que seu estilo de melodias mais leves e andamentos maisfluentes23 e por nele haver vrios hinos de autores brasileiros, preencheude certa forma aquela lacuna pela qual oHinrio Luterano fora criticado.

    Um setor onde a IELB no se omitiu em termos de msica foi com osseus jovens. H muito que ela vem procurando oferecer msica mais apro-priada para o pblico jovem. Os primeiros livros de canes voltados parajovens foram Hinos e Canes de Rodolfo A. Warth e Lira Juvenil deLeonido Krey.24 Mais tarde a prpria Juventude Evanglica Luterana do

    Brasil (JELB) comeou a editar hinos em pequenos livretes fotocopiados.O passo mais decisivo foi dado em 1982 pelo Distrito Porto-Alegrense (DIPA)ao lanar a coletneaMusi Jovem, com 100 hinos e cnticos. Esta colet-nea tinha o objetivo de trazer hinos para a juventude de hoje e parareunies de jovens25, servindo de base para o hinrio Todos os Povos oLouvem, que a JELB editou em 1982.

    Outro trabalho relevante na IELB, ainda que tarde, foi o lanamento dohinrio Cnticos de Louvor, em dois volumes, com msicas prprias para

    crianas. A primeira edio saiu em 1985. At ento, no havia um hinriooficial da IELB com msicas para crianas. Esta lacuna era, em grandeparte, preenchida com os hinrios da APEC, Cnticos de salvao.26

    Pelos vrios hinrios, cancioneiros e livros musicais que a IELB produ-ziu na sua histria, podemos concluir que ela soube abraar os desafios quetinha diante de si. J o lanamento do primeiro hinrio em lngua portuguesa prova disso. Desde cedo ela procurou voltar a sua hindia e msica pararealidades diferentes e no ignorou o contexto em que viveu e atuou. Assim

    foi descobrindo que, ao lado do harmnio, era possvel usar o violo e outrosinstrumentos para louvar ao Senhor e propagar a Palavra. Em conseqn-cia ela tambm se viu cantando em ritmos diferentes do que o tradicional,com o bater palmas e coreografias.

    22 DEPARTAMENTO DE MISSO. Mensageiro Luterano (Abril 1974): 6.23 LOUVAI AO SENHOR, (Porto Alegre: Concrdia, 1988), p. 7.24 Warth, op. cit., p. 221.25 Gijsbertus van Hattem, comp.MUSIJOVEM (Porto Alegre: DIPA), 1980.26Aliana Pr Evangelizao das Crianas APEC, que atravs da Imprensa Metodista, So

    Bernardo do Campo, produziu hinrios, com notas musicais, prprio para crianas.

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    1.3 A MSICANASESCOLASPAROQUIAISQuando missionrios americanos se estabeleceram aqui no Brasil, trou-

    xeram consigo uma forte poltica educacional, firmada no lema ao lado decada igreja uma escola.27 Vrias escolas foram criadas, sendo que, nofinal da dcada de 1950, a IELB chegou a ter 150 escolas paroquiais.28 Em

    muitos casos elas foram o nico meio de os filhos dos imigrantes teremacesso ao ensino fundamental. Estas escolas no serviram apenas paraensinar seus alunos a ler e escrever. O ensino religioso, por exemplo, ocu-pava uma boa parte do currculo escolar. E nesta parte que a msica teveum lugar importante e deixou marcas na igreja.

    As primeiras escolas j tinham aulas de msica, canto e memorizao dehinos no seu currculo.29 A memorizao de hinos foi uma caracterstica fortenas escolas, o que contribuiu para que a IELB aprendesse a cantar muito.

    Sobre este aspecto diz Carlos Frstenau que geralmente era cantado o mes-mo hino durante um ms, com o objetivo de memoriz-lo. Ele diz mais:antigamente se cantava muito nas escolas. E, na sua opinio, muitos doshinos hoje conhecidos na igreja foram aprendidos nas escolas paroquiais.30

    Henriqueta Rosa Fernandes Braga registra este aspecto, quando fala da vidadevocional no Instituto Santssima Trindade de Moreira e diz que no orfanato,os hinos sacros acompanham diariamente as crianas. Ela diz tambm:

    Aps o caf da manh, antes que se dispersem... renem-se emfamlia para o culto domstico, no qual no faltam os cnticos. O[hino] da abertura chamado de hino da semana porque se mantmo mesmo pelo espao de sete dias a fim de que todos possam aprend-lo e decor-lo, havendo grande preocupao em que seja claramentecompreendido o esprito da letra. Desta maneira as crianas adqui-rem, sem muito esforo, um rico cabedal de textos e melodias.31

    Nota-se que havia um grande interesse pelo ensino da msica sacra nasnossas escolas, principalmente no aprendizado de hinos. Preocupado com aimportncia da msica na escola foi que Wadewitz escreveu um artigo ondeincentiva o cantar de hinos nas escolas porque a palavra de Cristo opera nocorao das crianas atravs dos hinos.32 V tambm um aspecto instru-

    27 Walter O. Steyer, Imigrantes alemes no Rio Grande do Sul e o Luteranismo (Porto Alegre:

    Singulart, 1999), p. 36.28 Warth, op. cit., 256.29 Steyer, op. cit., p. 41, 88, 90, 91.30 Carlos Frstenau, em Entrevista no publicada. Alm de ter recebido sua formao bsica em

    escola da IELB, formou-se professor pelo Seminrio Concrdia em 1941.31 Braga, op. cit., p. 215.

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    Radiofnico, pois gravava hinos luteranos em discos que eram usados nasdiversas irradiaes36 dos programas da Hora Luterana. Wadewitz falada funo do coro na igreja e incentiva as congregaes a formarem corais,tendo em vista o bem da igreja, servindo assim ao Senhor em adorao elouvor.37 Isso demonstra que o coral tem, desde o incio, um lugar assegu-

    rado na IELB. Qual funo dele na histria e objetivos da igreja?Primeiramente quer se ver o coro inserido no culto. Por isso incentiva-

    se uma unidade na linguagem do culto. O coro no pode destoar desta uni-dade. Pietzsch diz que esta unidade do culto salutar para um melhoraproveitamento e reteno da mensagem por parte da congregao. Dizainda que por isso o coral sempre deveria estar inserido nesta unidade e ostextos de suas msicas deveriam estar relacionados com a mensagem cen-tral.38 Wadewitz salienta que o hino do coro deve combinar com o espri-

    to do culto do dia. No se canta um hino s porque o coro o conhece e osabe cantar, para servir congregao meramente um prato musical e ar-tstico.39 Estando inserido nesta unidade, o principal objetivo do coral nahistria da IELB o de ensinar, ensaiar, conduzir e estimular o cantocongregacional. No se quer um coral apenas para fazer apresentaes.Esta linha de pensamento transparece em vrios escritos. Segundo Rottmann,

    O coro, sendo parte integrante da comunidade, deve dirigir a mes-

    ma no louvor. Deve o coro saber que sua funo no somente deembelezar fazendo com que a congregao seja mera platia. No um concerto que o coro d no culto. O cantar do coro dirigido aDeus em primeiro lugar e quer fazer com que toda congregao tam-bm participe deste louvor. O coro deve ser o elemento vivo a condu-zir todo cantar da comunidade, tanto nos hinos como na liturgia. ocoro que zela pelo cantar correto...40

    Rottmann afirma tambm que na congregao em que o coro realmen-te cumpre sua tarefa encontraremos uma comunidade que canta com ale-gria contagiante.41 Blum, ao falar da implantao do novo hinrio, diz: Sea congregao tiver um coral, este dever exercer sua funo de lder no

    36 Warth, op. cit. p. 226, 228.37Werner K. Wadewitz, O Coro da Igreja, Igreja Luterana, Porto Alegre, v. 5 (Setembro

    Outubro 1944): 149-152.38 Paulo Gerhard Pietzsch, A importncia da msica no culto divino, Igreja Luterana , So

    Leopoldo, v. 58, n. 1 (Junho 1999): 55.39 Wadewitz, O coro da igreja, op. cit., p. 150.40 Hans Gerhardt Rottmann, O coro da congregao, Mensageiro Luterano, Porto Alegre

    (Dezembro 1980): 10.41 Ibid.

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    canto congregacional.42 Tambm Wadewitz v este como objetivo do co-ral: Vm Joo e Pedro, vm Alma e Lusa. Forma-se o coro. Verdadeira-mente um coro misto para iniciar o trabalho. Que fazer? Primeiro cantar uma voz hinos do hinrio, os hinos do prximo culto, para os membros docoro poderem guiar e orientar o canto, para que no seja necessrio o pas-

    tor enrouquecer antes do sermo por gritar alto os hinos.43

    De fato, muitos dos hinos hoje cantados na IELB o so porque algumcoral os ensaiou antes. Alm disso, muitas congregaes perderam o medode cantar porque um grupo coral serviu de apoio e estmulo. Da a suaimportncia. Justamente a opinio de que toda congregao, por menorque seja, deve procurar organizar o seu coro.44

    2. A FILOSOFIACOMRELAOMSICASACRAComo se pensou e se compreendeu a msica sacra na histria da IELB?

    Qual o lugar que ela ocupa como meio de propagao do que a IELBensina? certo que nunca houve nela uma filosofia de msica estabelecida.No entanto, aquilo que se escreve sobre msica e hindia da igreja, eviden-cia a sua posio.

    2.1 A MSICACOMOARTE

    A msica sacra um lago que no tem um fim em si mesmo; antesuma vertente de fluxo circular. Ela serve tanto para conduzir a mensagemde Deus ao povo como levar a resposta do povo a Deus. Por isso ela temservido para embelezar, dar brilho e enriquecer o culto divino. Ela vistacomo expresso viva da f crist, que responde de forma criativa ao Senhorque ama seu povo. Quando pensamos em msica sacra, podemos dizerque ela arte que brota da cruz e levada at a cruz.45 Ou, ento, porintermdio da msica que se pode melhor expressar o jbilo perante Deus e

    render-lhe graas. A palavra revestida de msica impressiona mais...46Pode-se dizer que o nosso cantar uma resposta da f ao amor de Deus.Da no possvel que os cristos cantem tristes lamrias ao Senhor quetanto os amou.47 Ao se fazer referncia milagrosa travessia do povo deIsrael pelo Mar Vermelho e o conseqente Cntico de Moiss, pode-seafirmar que:

    42 Raul Blum, Implantao do Novo Hinrio, Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Julho

    1987): 30.43 Wadewitz, O coro na igreja op. cit., p. 151.44 Rottmann, O coro da congregao, op. cit., p. 10.45 Pietzsch, op. cit., p. 43.46 Wadewitz, A importncia da msica na igreja e na escola, op. cit., p. 200.47 Karnopp, Msica e adorao, Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Junho 1998): 18.

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    certo que ns no vemos um mar aberto para passarmos, mastemos diante de ns um milagre maior. Por meio da morte e ressur-reio de Cristo, Deus realizou a maior de todas as obras, abrindo-nos a passagem pela porta do cu, para a bem-aventurada vida eter-na. Isso motivo para cantarmos com fervorosa alegria. A msica

    umas das formas mais brilhantes e criativas de adorar a Deus porcausa do seu grande amor. Por Deus ter feito to grande benefciopor ns, faamos da nossa msica uma alegre adorao... Nossocantar precisa ser um fervoroso testemunho para o mundo, de queestamos certos de que Deus triunfou gloriosamente no meio de ns.48

    Por estas opinies, vemos que a msica na IELB uma arte que enri-quece o culto.

    2.2. A CONFESSIONALIDADENAMSICAA IELB, desde o seu incio, tem uma forte caracterstica confessional. Isso

    significa que ela adota documentos oficiais como exposio correta da SagradaEscritura os quais esto reunidos noLivro de Concrdia49. Tais documentosexpressam a doutrina que ela confessa e ensina. E a msica no foge disso. Oprprio regimento da IELB compromete seus pastores e congregaes a usarformas clticas, hinos... que estejam de acordo com a Escritura Sagrada e as

    Confisses Luteranas.50 A IELB tem registrado na sua histria um grandecuidado quanto ao contedo doutrinrio dos hinos, para que eles sejam umaforma correta de proclamao e defesa da doutrina pura. Em outras palavras,aquilo que se canta, deve estar coerente com o que se prega. Essa preocupa-o est clara em vrios escritos. Blum, ao falar do pastor como responsvelpela escolha dos hinos a serem cantados pela congregao, afirma:

    Quanta asneira doutrinria muitas vezes dita atravs de hinos

    provindos das mais diversas fontes. E ns os consumimos s vezesat dentro do culto. Acha-se um hino fcil e bonito para o coral e porisso ele cantado, esquecendo-se de olh-lo em seu contedo doutri-nrio. Encontra-se um hino vibrante para os jovens e engraadinhopara as crianas e no raras vezes menospreza-se o estrago doutri-nrio que ele vai incutir na mente de crianas e jovens ...51

    48 Id., O Cntico de Moiss, um exemplo de adorao, Mensageiro Luterano, Porto Alegre(Agosto 1998): 18.

    49 LIVRO DE CONCRDIA. Arnaldo Schler, trad. (Porto Alegre/So Leopoldo: Concr-dia/Sinodal, 1980).

    50 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL: Estatutos, Regimento e Cdigo de tica(Porto Alegre: Diretoria Nacional, 2002), p. 48, 56.

    51Raul Blum, O pastor Como Lder do Canto na Congregao, Vox Concordiana: SuplementoTeolgico, So Paulo (Ano 1, n. 2, 1985): 9.

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    Esta profundidade teolgica, doutrinria e confessional o prprioHin-rio Luterano a demonstra. Seus hinos so profundos na pregao da Lei deDeus sobre o pecado. Tambm so muito claros na pregao do Evange-lho, da graa e amor de Deus ao pecador. Sua linguagem clara e acessvel tambm altamente cristocntrica.56

    Assim pode-se ver que o contedo da letra est acima do valor da msi-ca e dos ritmos. Isso est claro no conceito de msica na IELB, comopodemos ver no comentrio de um grupo musical ao destacar que a msica o condutor da mensagem e o captador da ateno do ouvinte; mas atravs da mensagem dela que o Esprito Santo age, porque o ouvinte cap-tou a palavra de Cristo pregada por meio da msica.57

    2. 3 A BUSCAPELOAPERFEIOAMENTOPelas declaraes, nota-se que h conscincia, na IELB, do quanto seus

    hinos devem primar pela profundidade teolgica e doutrinria. Em funodisso, tem havido incentivo no sentido de que as congregaes aprendambem e cantem com alegria os hinos e a liturgia e aprendam conhecer novoshinos e novos ritmos.58 Ou seja, o rico contedo teolgico dos hinos precisaser valorizado e no pode ser mal cantado. Pois, se Deus nos deu formato bela e rica para louv-lo, precisamos lhe oferecer o que temos de me-

    lhor em msica e de forma abundante.59 Da mesma forma se pergunta:

    56 David Karnopp, O ndice Remissivo do Hinrio Luterano, Igreja Luterana, So Leopoldo(Nov. 1996): 186-208, revela o quanto o nome de Cristo e sua obra esto presentes no hinrio.Destaco dois exemplos que mostram esta clareza e profundidade. O primeiro a quarta estrofedo hino 535 do Hinrio Luterano, que fala em palavras claras da Lei de Deus, que condena opecado.

    Mas ai daquele que tiver a Cristo desprezadoem vida sempre s houver riquezas ajuntado!Jamais subsistir em paz, devendo ento com Satanssofrer no inferno horrendo.O segundo exemplo a primeira estrofe do hino 292 do Hinrio Luterano, que mostra commuita clareza o consolo que a graa de Cristo traz ao que cr:Sou cordeiro de Jesus, e a alegria em mim reluz,pois o meu Pastor querido tem-me sempre concedidosua graa e seu favor, e me chama com amor.

    57 Grupo musical Centelhas. Sua msica e Cristo caminham juntos?, Vox Concordiana SoPaulo, v. 8 (l989): 5.

    58 Veja por exemplo Martinho Krebs, Msica Sacra, In: Lar Cristo (Porto Porto Alegre:Concrdia Editora, 1986), p. 62-71; Hans Gerhardt Rottmann, O coro da congregao, op.cit., p. 10; Raul Blum O pastor Como Lder do Canto na Congregao, op. cit., p. 9.

    59 David Karnopp Msica e adorao, op. cit., p. 18.

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    Os nossos hinrios tambm no possuem muitos hinos que falem sobre oassunto. No entanto, quando o fazem, falam com muita clareza e convic-o. Todos os nossos hinrios, sem exceo, mesmo que poucos, tm hinosque nos chamam ao compromisso da evangelizao do mundo. Destaca-mos dois exemplos.70 O primeiro a primeira estrofe do hino 79 do hinrio

    para as crianas Cnticos de Louvor:

    Ide j! ordem de Jesus: Contar a todas as naesque andando vo, sem luz, a Boa Nova de perdo,que traz a paz ao corao. Oh quem quer ir?Oh quem quer ir?

    OHinrio Luterano tambm no possui muitos hinos que chamam ao

    evangelismo. Mas quando fala sobre o assunto, fala com clareza. Talvez oexemplo mais evidente seja a terceira estrofe do hino 330, que faz umapergunta inquietante:

    E ns que conhecemos brilhante luz da f,nas trevas deixaremos aquele que no cr?Sem mais demora vamos falar-lhe do perdoque por Jesus gozamos: a eterna salvao.

    CONCLUSOConhecer a fundo a funo da msica na histria da IELB ainda um

    desafio a ser vencido. Certamente uma pesquisa mais abrangente revelaraspectos ainda no conhecidos desta funo. Neste trabalho apenas mepropus a resgatar alguns fatos dessa histria. Que eles possam nos ajudar a

    abraar, com mais firmeza, os desafios que, nesta rea, se avizinham.

    70 Alm destes, outros exemplos podem ser os seguintes: Hinrio Luterano: 68.3; 83,3; 304.4;316; 324-333; 469.3. Louvai ao Senhor 16-18; 21, 146, 153. Todos os Povos o Louvem: 42, 68.

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    Edgar Zge*

    MOVIMENTOG-12 - OQUE?

    INTRODUOTodas as vezes em que nos deparamos com algo novo em termos de

    teologia vm-nos mente alguns questionamentos: Isto vem de Deus ou fruto da imaginao humana ps-queda? O ser humano tem direito de, emnome de uma liberdade absoluta, produzir sua prpria teologia? Pergunta-mos isto tendo em vista que no h nada mais antidemocrtico, nada maispoliticamente incorreto para falar em linguagem atual - do que a revela-o de Deus. Sim, esta revelao nos imposta, vem de fora, no nospergunta se a queremos ou se concordamos com ela; simplesmente sabe-mos que ela a melhor coisa que nos pode suceder. A questo se complica

    quando vm a ns outras revelaes, no de Deus, mas de um pretensodeus, o pai da mentira, Satans. Este se vale da mente humana orgulhosapara difundir a sua teologia. Todas estas coisas nos vem mente ao olhar-mos para uma das mais novas coqueluches do meio evanglico latino-ame-ricano, o Movimento G-12, grupos de 12, sonho de algum. Temos algo aaprender com o movimento? Ou ele nos serve de alerta?

    A formao de grupos para estudo da Palavra de Deus dentro das igre-jas no nenhuma novidade. Grupos por afinidade surgem ao natural. For-

    mam-se grupos por faixa etria, sexo, profisso, parentesco, etc. No hnada de errado com eles em princpio. Mas tornam- se danosos quandocomeam a semear discrdias, difamaes, doutrinas falsas, ou quando setornam igrejinhas dentro da Igreja.

    Por vezes surgem grupos com caractersticas sectrias, como por exemplo,a lei do silncio. Pessoas so convidadas a participar de um determinadoencontro sem poder saber previamente o que vai acontecer, sem poder secomunicar com o mundo exterior durante o encontro e sem poder divulgar

    posteriormente o que aconteceu. Pode ser apenas uma tcnica. Toda tcni-ca moralmente neutra; mas tambm pode haver uma preparao psicol-

    *Rev. Edgar Zge pastor da Comunidade Evanglica Luterana So Lucas, em Porto Alegre, RS.

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    gica, uma coao mental, para se levar os iniciantes aonde se quiser. Osprofetas, apstolos e o prprio Cristo no agiam assim.

    Nos ltimos anos surgiu um novo movimento nasigrejas evanglicaslatino-americanas, o G-12. Este movimento est presente em muitas dasigrejas em clulas. O que caracteriza o G-12, como diz o prprio nome,

    que cada grupo ou clula de 12 pessoas.

    CONSIDERAESSOBREOG-12A viso dos 12 foi criada em 1991, em Bogot, na Colmbia, pelo pastor

    Csar Castellanos Dominguez, autor de Sonha e Ganhars o Mundo,lder da Misso Carismtica Internacional (MCI). Baseado em um mtodode multiplicao que usa este nmero por base, o sistema uma adaptaodo antigo modelo de igrejas celulares, inspirado no trabalho desenvolvido h

    mais de 15 anos pelo pastor David Young Cho, lder da Full Gospel Church,na Coria do Sul, considerada a maior igreja evanglica do mundo, commais de 600 mil membros. Diante da quantidade de fiis, a liderana daque-le ministrio decidiu que a nica maneira vivel de promover a comunho eo discipulado do imenso rebanho era estimular a formao de grupos fami-liares, onde os crentes pudessem compartilhar suas experincias, estudar aPalavra, orar e evangelizar.

    H os que querem separar o G-12 da igreja organizada em clulas. Mas

    no h como faz-lo, visto que o prprio fundador declara: A colheita spoder ser alcanada por aquelas igrejas que tenham entrado na viso celu-lar. No h alternativa: a igreja celular a igreja do sculo XXI.1

    No G-12 cada lder de grupo forma um grupo de lderes at chegar em12. Ento acontece o desmembramento. um sistema exponencial. Gruposnas igrejas sempre houve. A novidade do movimento fica por conta dosencontros que so secretos, no abertos ao pblico. O comentrio que maisse ouve da boca de quem j participou de um que o encontro tremen-

    do.2 No Brasil os dois maiores lderes so a pastora Valnice Milhomens,autora de Plano Estratgico para a Redeno da Nao, e o pastorRen Terra Nova, autor de Manual do Encontro.

    O G-12 tem uma srie de prticas antibblicas relacionadas quebra demaldies hereditrias, xtase espiritual, extremo criticismo em relao igreja tradicional, nfase demasiada no nmero 12, que tem funo mgica,tentativa de ser o nico modelo detentor da verdade, ocultismo, regresso etcnicas de hipnose para a cura da alma.

    1 Citado por Larry Stockstill,A Igreja em Clulas(Belo Horizonte: Editora Betnia, 2000), p. 110.Cf. tambm Paulo Cesar Lima, O que est por trs do G-12, 5. ed. (Rio de Janeiro: CasaPublicadora das Assemblias de Deus, 2001), p. 33.

    2 Carlos Fernandes e Francisco Beltro, Revoluo ou Heresia Eclesia 5 57) (Agosto 2000): 19.

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    Um dos pontos mais importantes a uno espiritual, chamada de un-o de Toronto, assim denominada por ter sido difundida pela ComunidadeCrist do Aeroporto de Toronto, no Canad. Trata-se de uma espcie dextase espiritual, cuja manifestao mais visvel a queda no cho aps aorao. Outras manifestaes so a uno do riso, o milagre do dente de

    ouro e a imitao de animais. A visodos iniciados tambm merece des-taque. As pessoas tm que ter a viso de que este mtodo dos 12 vem deDeus para a Igreja.

    O G-12PASSOAPASSO1. Pr-encontro: Quatro palestras preparatrias para o encontro de trs

    dias. Os temas so: salvao, cruz, orao e Bblia. Nesta fase o novoconvertido recebe orientao sobre a Igreja, o senhorio de Cristo, mor-

    domia e batismo. Em princpio no vemos nada de errado em estudarestes temas. Pelo contrrio. Os cristos deveriam estud-los muito mais,tambm na IELB.

    2. Encontro: Uma espcie de retiro espiritual, de trs dias, onde a pessoarecebe ministrao nas reas de segurana de salvao, arrependimento,libertao, cura interior, e a escada do sucesso, espcie de processo decrescimento espiritual. Geralmente os participantes so novos converti-dos oriundos do trabalho nas clulas e no antigos membros da igreja.

    Neste ponto vemos vrios problemas. Os encontros so meio secretos,com tcnicas de manipulao mental e temas que fazem a pessoa duvi-dar de sua f anterior, como se s agora ela tivesse recebido a salvao.A nfase carismtica muito grande. Sabemos que a segurana da sal-vao no depende de nosso grau de sentimento, mas da objetividade daspromessas de Deus. Notem que a escada do sucesso tambm alta-mente problemtica, levando a pessoa ao farisasmo ou ao desespero. Epor que tal trabalho mais direcionado aos recm membros e no aos

    antigos? Obviamente porque os nefitos so presas mais fceis.3. Ps-encontro: Quatro palestras para consolidao do que foi aprendi-

    do no encontro. Essa ocasio o momento de sacramentar o que foiensinado.

    4. Escolas de lderes: Curso de formao de liderana ministrado nas igre-jas, com o objetivo de preparar dirigentes de clulas e de grupos de 12.

    5. Envio: a execuo do ministrio. Aps a consolidao da clula, older comea a formar seu grupo de 12. Uma vez estruturado este gru-

    po, o lder estimula cada um a formar seu prprio grupo de 12. Surgeento o lder de 144 e assim por diante.

    O QUEESTPORTRSDOG-12O assunto explosivo mesmo. Conforme um pastor nos relatou, muitas

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    igrejas evanglicas j se dividiram no sudeste e nordeste brasileiro, princi-palmente na Bahia.

    O material que segue extrado e adaptado do livro O que est por trsdo G-12, de Paulo Csar Lima, editado em 2000 pela CPAD.

    As pessoas facilmente embarcam em novas doutrinas por puro desco-

    nhecimento da palavra de Deus, pura ignorncia espiritual. Pode-se detec-tar pelo menos seis grandes problemas nas igrejas que adotaram o G-12 noBrasil.

    1. Empirismo. A palavra originalmente significa experincia. D-se maisvalor experincia do que ao ensino, destronando-se a autoridade finalda Bblia. Concordamos com o autor pois aponto o erro de todos aque-les que defendem uma total liberdade teolgica que est mais paraichtheologie, teologia do eu, do que para revelao de Deus.

    2. Pragmatismo. De pragma, que em grego refere-se a assuntos davida prtica. A prxis crist tende to-s para o funcional, resultandona quase total ausncia de reflexo. Aqui queremos observar que mui-tas vezes pessoas defendem algo como correto s porque funciona.Realmente o caminho da doutrina falsa e da perdio altamente fun-cional.

    3. Ativismo. Solapa-se a verdadeira comunho crist, pois a nfase recaitoda sobre a obra de Deus a ser feita, tanto que se esquece do

    Deus da obra. Muito interessante esta observao do autor. D o quepensar. E, quem sabe, at rever nossa agenda.

    4. Utilitarismo. Os valores espirituais so tratados como produtosdescartveis. A cada culto devem ser criadas novas receitas de auto-ajuda para a soluo dos problemas das pessoas. Procura-se a paz emvez do Deus da paz. Procura-se um Deus quebra-galho. Deus passa aser previsvel, manipulado e domesticado por este sistema.

    5. Instrumentalismo. No mais Deus que rege a vida do homem, mas o

    homem que rege Deus. Este ltimo fica em posio servil, fazendo tudoque o homem determinar. H de se notar que isto teologia da glriaem detrimento da teologia da cruz.

    6. Consumo do divino. H uma gula por Deus, um convvio com Deusde forma consumista, que cria em pouco tempo pessoas insensveis eapticas em relao sublimidade de Deus, perdendo-se o sabor dasua visitao na sua graa a ns.3

    Aqueles que dizem ter uma viso para o futuro da Igreja sempre tmalgo em comum: arrogam-se donos de uma viso nica para a restaurao

    3 Lima, op. cit., p. 26-28.

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    do mundo. Seu projeto O projeto, a grande soluo para a Igreja. Comisto se ignora que cada um tem dons diferentes e vive numa realidade dife-rente, num mundo diferente. Cada um deve projetar levando isto em conta.

    O G-12 confere ao nmero 12 um sentido mgico-espiritual que ele notem, mesmo que seja um dos nmeros mais ricos em simbolismo na Bblia;

    leva as pessoas a confessarem pecados passados, que j foram perdoados,solapando a doutrina da justificao pela graa, diminuindo o valor do sacri-fcio nico de Cristo; faz o crescimento da Igreja depender do mtodo e dasforas humanas em detrimento da pessoa e obra do Esprito Santo; atribuiao diabo poderes que ele no tem, uma vez que ele foi derrotado na cruz;mede o sucesso pessoal pelo nmero de pessoas que entram na Igreja;ensina a confisso positiva (o criar pelo pronunciar da palavra); advogaa teologia da prosperidade (as pessoas mandam em Deus nas oraes);

    e, finalmente, ameaa constantemente as pessoas com o fogo do inferno.

    ANLISEDEALGUMASPRTICASDOG-121. Mapeamento espiritual. So feitas 52 perguntas sobre o passado da

    pessoa e familiares. Questo: Por que investigar o passado de algumque j nova criatura? (2Co 5.17). O objetivo s pede ser o dedesestabilizar a pessoa em sua f e ento poder domin-la com o usodas informaes adquiridas. um verdadeiro regime de terror espiri-

    tual.2. Regresso psicolgica. A regresso s pode ser feita por profissio-

    nais preparados com fins teraputicos, e isto com muito cuidado. Masno G-12 feita por pessoas despreparadas, que fazem as mais absur-das acusaes aos candidatos. Pergunta: Se o sangue de Jesus, o Filhode Deus, nos purifica de todo pecado (1Jo 1.7), por que esta prtica?Pessoas despreparadas podem causar os maiores danos psicolgicos aalgum, isto sem falar dos danos espirituais.

    3. Confisso regressiva e quebra de maldio. Primeiro se ministra aoque se confessou, deitado e aos gritos, sob luzes muito fortes. Depois sediz que h uma maldio hereditria, um vnculo sangneo a ser que-brado. Verdade que existe o pecado original, mas o entendimento doG-12 no sentido do filho ser castigado pelo pecado do pai ou av,interpretando muito mal xodo 20.5 e 6. Ezequiel 18 deixa muito claroque a responsabilidade pessoal, que os filhos no sero castigadospelos pais e nem vice-versa.

    4. Sopro espiritual. Os participantes so constantemente soprados paracair no cho. a prtica do cair no poder, uma queda que induzida

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    pelo que ministra. Em muitas igreja se insiste nesta prtica bizarra.Quando as pessoas se arrojavam aos ps de Jesus era por livre vonta-de, em extrema humildade.

    5. Cura interior. O G-12 visa curar o interior da pessoa atravs do seusistema. Mas a verdadeira cura Jesus quem realiza: Se, pois, o Filho

    vos libertar, sois verdadeiramente livres. (Jo 8.36.)

    CONCLUSOUm mtodo moralmente neutro; em princpio nem melhor e nem pior

    do que outro. Mas antes de se usar este ou aquele mtodo, esta ou aquelatcnica, deve-se ver se no traz em seu bojo pressupostos antibblicos, dou-trinas falsas, ideologias satnicas. claro que devemos crescer muito maisna f em Jesus Cristo, no conhecimento da Palavra de Deus e na prtica do

    amor ao prximo. E Deus nos deu inteligncia, dons a serem usados e de-senvolvidos diligentemente no seu Reino. Tudo isto pode ser feito sem seabdicar da verdade revelada por Deus, centrada na pessoa e obra meritriade Jesus Cristo. O G-12, ou mtodos similares, que tendem a fazer a Igrejacrescer pelo mtodo em si e no pelo Esprito Santo - que age pela Palavrade Deus e Sacramentos, Batismo e Santa Ceia - , no podem ser usados porns cristos evanglico-luteranos, mesmo que temporria e aparentementefuncionem. Intensifiquemos nossos estudos bblicos com os pressupostos

    confessionais que a Reforma nos legou. Muitas vezes agimos com nossasconfisses na base do no vi e no gostei. Enquanto isso, o nosso povopode estar morrendo de inanio espiritual por pura falta de conhecimento.Deus nos ajude.

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    Paulo G. Pietzsch*

    A EUCARISTIANASORIGENSDOCULTOCRISTO

    1.1 - INTRODUODiscorrer a respeito da Eucaristia1 e de seu significado para a Igreja

    Crist, sem levar em conta as origens do culto cristo, o que influenciou nasua estruturao e os sculos de desenvolvimento do mesmo, seria, no mni-mo, como erigir uma construo sem o devido fundamento. Por isso, o pri-meiro captulo desta pesquisa estudar o contexto religioso, social e culturaldo povo judeu da poca em que a Eucaristia foi instituda.

    Falar das origens do culto cristo implica considerar os elementos e s-culos de histria do povo judeu que tiveram ntima relao com a estruturaoda liturgia crist. O que os costumes, as refeies, o zelo pelo templo e a

    sinagoga influenciaram na compreenso da Eucaristia e em toda a liturgiacrist, ser assunto para a primeira parte do captulo um.

    A relevncia e o sentido do evento que marca a origem e instituio daEucaristia sero apreciados a partir do relato da ltima ceia de Jesus comseus discpulos. Dar-se- nfase s palavras e s aes de Jesus naquelaceia que marca a instituio da Eucaristia. O que herana do povo judeu equais os elementos novos na ceia tambm assunto a ser estudado.

    Como os primeiros cristos celebravam a Eucaristia e qual era a estrutu-

    ra, compreenso e dimenso de seu culto assunto a ser abordado natemtica O Partir do Po na Igreja Primitiva.

    Ali sero apreciados os relatos de Atos dos Apstolos e a experincia dePaulo com os Corntios, desde a ceia perfeita, at a abordagem de proble-mas srios relacionados com a Ceia do Senhor.

    Finalmente, do perodo que vai do final do primeiro sculo at boa parte

    *Prof. Paulo Gerhard Pietzsch professor de Teologia Prtica no Seminrio Concrdia e na ULBRA.

    No Seminrio ocupa tambm as funes de Regente do Coral, Coordenador de Estgio e Coordenadorde Atividades Clticas. Este estudo uma sntese de sua dissertao de mestrado defendida em agostode 2002, no Instituto Ecumnico de Ps-graduao, So Leopoldo, RS.

    1 Mesmo que no contexto da Igreja Evanglica Luterana do Brasil este termo no seja utilizadocom freqncia, seu uso, tanto no ttulo como ao longo deste trabalho, objetiva resgatarexatamente as aes de graas e, mais especificamente, a orao eucarstica, ao culto dominical.

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    do terceiro, sero estudados documentos que descrevem como e quando aEucaristia era celebrada, qual o seu significado, e o registro dos primeirosordos do culto eucarstico, que, em parte, permanecem at a atualidade.

    1.2 - ASINFLUNCIASJUDAICAS

    1.2.1 - INTRODUONo de se admirar que o culto cristo tenha sofrido forte influncia

    judaica na sua forma, na sua estrutura e (tambm) na sua doutrina, pois ocristianismo nasceu em meio a um povo que guardava a Lei2 e os Profe-tas e que mantinha em suas tradies a freqncia ao templo com toda asua nfase nos sacrifcios3. Do ofcio da sinagoga, alm da leitura pblicadas Escrituras4 e subseqente explicao (ver exemplo de Jesus em Lucas4.16-21), as oraes de ao de graas judaicas se tornaram padro para as

    oraes eucarsticas, e eram, ao mesmo tempo, um credo e uma bendio.Tambm das refeies familiares o culto cristo e, mais especificamente, aEucaristia, receberam influncias considerveis5.

    1.2.2 A IMPORTNCIADASREFEIESNas religies antigas, o comer e o beber eram elementos importantes

    para promover a unio das pessoas entre si e a unio das pessoas comDeus6. Tal a sua importncia, que no Antigo Testamento h referncia a

    acordos seculares que foram concludos com refeies, em que os envolvi-dos comprometiam-se, sob juramento, cumprir com a sua parte do acordo.Alianas entre Deus e seu povo, como o caso do Sinai, igualmente foramseladas com uma refeio, que foi uma verdadeira festa religiosa7.

    As refeies eram momentos especiais de comunho e festa. Atravsdelas, muito se sabe da prpria cultura e identidade do povo de Israel8.Nota-se, a partir destes exemplos, que a comida (e a bebida) no era ape-nas elemento para o sustento corporal, fsico, mas, e acima de tudo, elemen-

    to de comunho com Deus e com o semelhante.

    2 Justo L. GONZALEZ, A Era dos Mrtires, p. 18.3 James WHITE, Introduo ao Culto Cristo, p. 175-176.4 Entendia-se nos primrdios Escrituras como a Lei de Moiss (Pentateuco) e os Profetas, cf.

    Lc 16.29,31.5 WHITE, op. cit., p. 177.6 B. KLAPPERT , Ceia do Senhor, p. 398.7 Jrgen ROLOFF, Der Gottesdienst im Urchristentum..., p. 56, cita o exemplo de xodo 24.11,

    em que o acordo com o Senhor foi ratificado com uma refeio. O mesmo referido por Sissi

    Georg RIEFF, Diaconia e culto cristo nos primeiros sculos, p. 76 e Romeu Ruben MARTINI,Eucaristia e conflitos comunitrios, p. 31-32 acrescenta ainda mais detalhes.

    8 Gordon W. LATHROP, La Eucaristia em el Nuevo Testamento y su Marco Cultural, In :Dilogo entre culto y cultura, p. 69, diz que as comidas simbolizam e formam relaes sociais,hierarquias, incluses e excluses. Para ele, a identidade nacional do povo de Israel firmadae festejada em refeies comunitrias.

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    separado do uso comum para Deus, o po e o vinho utilizados na ltima ceia,e que a Igreja Crist tenha seguido a ordem de fazer isto em sua memria18,pois tais elementos, alm de familiares ao povo, representavam sustento efonte de vida, smbolo de hospitalidade e fraternidade, alvio para a dor emotivo de alegria.

    As refeies do povo judeu eram consideradas momentos sagrados19,um lugar santo20, pois, toda comida devia ser tomada com ao de graas,e isto criava o sentimento de que toda a comida tomada na presena [de]Deus (traduo do autor)21. Diante disso, a ritualizao22 se torna impor-tante, com regras detalhadas para a alimentao, e um grupo especfico quedelas participa: a famlia ou um grupo de amigos23.

    Dentre as refeies, destaca-se, primeiramente, o jantar do Shabat24,como refeio semanal de renovao25, que festejava as delcias do dia de

    Sbado na contemplao das obras do Senhor26. Nesta refeio, como emqualquer outra, as mos eram lavadas27, a esposa abenoava e acendia asvelas na mesa j posta e o marido era responsvel pela bno do vinho e ocortar do po especial do Shabat28. As oraes, como ao de graas, eram

    18 Lucas 22.14-20 e 1 Corntios 11.22-25.19 WHITE, op. cit., p. 177.20 LATHROP, Culto: Local y, no Obstante, Universal, p. 35.21 Id., La Eucaristia en el Nuevo Testamento y su marco cultural, In : Dilogo entre Culto y

    Cultura, p. 72 : Por cierto, toda comida debr tomar-se com accin de gracias, y esto creabael sentimiento de que toda comida es tomada en presencia [sic] Dios .

    22 LATHROP, Culto: Local y, no obstante, universal, p. 35.23 WHITE, op. cit., p. 177.24 Wilhelm GESENIUS, Hebrisches und Aramaisches HandWrterbuch, p.736, traduz o termo

    como aufhren (parar, concluir) ou Arbeit aufhren ( concluir o trabalho) e Ruhen(descansar).

    25 Christian STOCKS, Sabbath, p. 869.26 John J. Davis, Dicionrio da Bblia, p. 520.27 LATHROP, La Eucaristia em el Nuevo Testamento, p. 70. Cf. John J. Davis, op. cit. p. 506, os

    hebreus e os gregos, como os rabes, lavavam as mos antes de comer porque geralmente havia

    s um prato na mesa, onde todos metiam a mo. Este costume converteu-se em ritual que eraminuciosamente observado pelos fariseus no tempo de Jesus.

    28 Alfred J. KOLATCH, O livro judaico dos porqus, p. 181-182: Nos tempos talmdicos, asvelas eram acesas em cada lar todas as noites da semana, com a finalidade prtica de iluminara casa. Uma residncia comum tinha dois quartos e, geralmente, uma vela acesa era transporta-da de um cmodo para outro, a fim de proporcionar a luz necessria. Mas na sexta-feira noite,duas velas eram acesas, uma para cada quarto, porque era proibido transportar velas. (...)Outra explicao para o costume de acender as velas se baseia no livro de Ester (8.16), quedescreve que a vitria de Ester e Mardoqueu sobre Hemn foi celebrada com luz e alegria.Por isso em todas as ocasies alegres, tais como Shabat, festas e casamentos, acendem-se velas.(...) Vrios costumes surgiram ao longo dos sculos e eles diferem de comunidade para

    comunidade e de famlia para famlia. Algumas pessoas acendem sete velas ou um candelabrode sete braos, correspondendo aos sete dias da semana ou menor de sete braos, que era apea central do templo de Jerusalm. Em alguns lares, a mulher acende uma vela para cadamembro da famlia, inclusive aos netos. O Talmud encoraja este costume ao dizer que amultiplicao das velas uma bno do Shabat. (...) A obrigao principal, mas noexclusiva, pertence s mulheres. Ver tambm Christian STOCKS, Op. cit., pp. 870-872.

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    momento significativo durante esta refeio familiar29, sendo esta uma dasformas de santificao do Sbado30.

    A Habrah31, segundo Gregory Dix, era uma refeio bastante freqen-te, podendo ser semanal (no incio do sbado ou outro dia santo), na qual umgrupo privado ou sociedades informais reuniam-se para a devoo e a cari-

    dade e os seus participantes sempre contribuam com provises para a mes-ma32. Dix da opinio de que a ltima ceia de Jesus era uma Habrah,pelas semelhanas de ambas e pelo fato de Jesus e seus discpulos estaremacostumados a esta refeio33.

    A Pesah, palavra hebraica que significa passar por cima, saltar porcima34, lembra que Deus Redentor35. A festa anual da Pscoa, institu-da no Egito para comemorar o acontecimento culminante da redeno deIsrael36, convidava o adorador a relembrar e reviver de modo muito realis-

    ta a misericrdia do Senhor para com Seu povo na terra da escravido. Oselementos desta refeio incluam, entre outras coisas, alguns clices devinho, o po zimo e o cordeiro pascal37. Alm dos elementos, dois dosquais utilizados na Eucaristia crist, algumas palavras e gestos tambm

    29 WHITE, op. cit., p. 177.30 Mrio Curtis GIORDANI, Histria da Antigidade Oriental, p. 252.31 G. J. BOTTERWECK, H. RINGGREN (Hg.), Theologisches Wrterbuch zum Alten Testament,

    vol. 2, Apud: Romeu Ruben MARTINI, op. cit., p. 34 (notas 27 a 29), o significado deHabrah pode ser ampliado : estar unido ou aliado, fazer um pacto, narrar, informar,alm da descrio dos termos derivados do mesmo radical: colega, pacto, companhei-ro, camarada, feliz reconciliao dos irmos separados, comunho dos tementes aDeus, amigo e companheiro contra o qual no se deve planejar injustia; tambm refere-sea traduo que a Septuaginta d palavra: koinona ; Wilhelm GESENIUS, op. cit., p. 190,traduz HABRAH como binden ou verbinden (ligar).

    32 DIX, op. cit., p. 50-51; ver Romeu Ruben MARTINI, op. cit., p. 35.33 DIX, op. cit., p. 54.34 HARRIS et al., Dicionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 1223-1224; DAVIS,

    op. cit., p. 443: Esta festa, tambm denominada festa do po zimo, celebrava a pressa com

    que os judeus saram do Egito, sem esperar o po fermentar e crescer. Assim, durante os oitodias da Pscoa, apenas mats, po sem fermento, podia ser comido.

    35 Clyde T. FRANCISCO, Introduo ao Velho Testamento, p. 54.37 MARTIN, op. cit., p. 133, diz que no se trata apenas de um relembrar dos acontecimentos

    do passado, mas reviv-los de forma muito realista, sendo este realismo transformado emesperana de libertao nacional da escravido (...) assim como as ervas amargas revivem aescravido sofrida pelos pais no Egito, os clices so tomados como smbolo da libertao esalvao futuras. A ordem desta refeio era a seguinte: Quando a famlia senta para fazer arefeio de Passach, uma criana pergunta: Por que esta noite diferente de todas as noites?.E o pai ento explica como os judeus saram do Egito e se tornaram um povo. Esta refeiosegue um ritual fixo, com pratos tradicionais de significado simblico. Devem-se mergulhar

    ramos de salsa numa tigela com gua salgada, simbolizando as lgrimas dos judeus no Egito. Aservas amargas lembram a infelicidade da escravido sob o domnio do fara. Uma mistura dema ralada, nozes, vinho e mel representa o cimento que os judeus utilizavam para fazertijolos. Um osso de carneiro assado simboliza o sacrifcio pascal. Ovos cozidos recordam ossacrifcios feitos no templo. Bebe-se tambm vinho, o smbolo da alegria.

    36 DAVIS, op. cit., p. 446.

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    de credo, proclamao, splica por novos prodgios e intercesses)49, sal-mos, bnos e o Shem50. A liturgia da Palavra e a Eucaristia forampouco a pouco combinados numa mesma celebrao (o que j testemu-nhado por Justino Mrtir)51.

    1.2.4 - O TEMPLOESUALINGUAGEMSACRIFICIALO templo de Jerusalm tambm teve papel significativo na histria do

    culto cristo, pois, alm de ter sido lugar de adorao no tempo de Cristo eno princpio da atividade da Igreja Crist52, as imagens sacrificiais encontra-das no templo podem ser identificadas com as palavras da instituio san-gue da aliana e derramado em favor de muitos53. O cantar de Salmosresponsivamente54 e as oraes, seguidas dos amns da congregaotambm tm sua origem no culto do templo55. O templo era considerado

    lugar sagrado56, e sob todos os pontos de vista o centro de Israel57, pois erao lugar da presena do Senhor58. Vale destacar tambm que Jesus davavalor ao templo como a casa de meu Pai (Lc. 2. 49) e casa de oraopara todas as naes (Mc 11.17), pois este oferecia instalaes para acomunho com Deus e para as oraes59.

    49 WHITE, op. cit., p. 176-177, a splica por novos prodgios a conseqncia da proclamaodo que Deus j fez. Boa parte, tanto da forma como do contedo das oraes das sinagogasforam adotadas como modelos para as oraes eucarsticas crists, em especial a estrutura da

    bendio (agradecer) de Deus por meio da orao de credo.50 SAULNIER e ROLLAND,A Palestina no tempo de Jesus, p. 45: o roteiro do culto est centrado na

    orao e na meditao nas Escrituras. Comea-se pela recitao do Shem, o credo do povo deIsrael, composto de trs passagens bblicas: Deuteronmio 6.4-9; 11.13-21; Nmeros 15.37-41. .

    51 EMMINGHAUS, op. cit., p. 35.52 ROTTMANN, op. cit., p. 106.53 WHITE, op. cit., p. 176; M. C. GIORDANI, Histria da Antigidade Oriental, p. 252: Os

    sacrifcios podiam ser cruentos ou incruentos. Os sacrifcios cruentos tinham finalidade expiatria(dar satisfao por algum pecado), eucarstica (agradecer algum benefcio) ou ainda impetratria

    (pedir graas). Os sacrifcios incruentos consistiam na oferta de lquidos (como libaes comvinho) ou de slidos (como flor de farinha embebida em azeite, po sem levedura, etc.).

    54 WHITE, op. cit., p. 176, cita como exemplos o Salmo 43.4: Subirei a altar de Deus, a Deus,o doador de juventude e felicidade e o Salmo 118.26: Bendito o que vem em nome doSenhor. Este ltimo, literalmente utilizado no Sanctus/Benedictus da liturgia eucarstica. Vertambm Donald P. HUSTAD, A Msica na Igreja, p.88-90.

    55 MARTIN, op. cit., p. 27; ROTTMANN, op. cit., p. 106; HUSTAD, op. cit., p. 89.56 MARTIN, op. cit., p. 25.57 SAULNIER e ROLLAND, A Palestina no Tempo de Jesus, p. 37.58 Id., p. 39; ALLMEN, op. cit., p. 293-294, o povo de Israel no estava desprovido da presena

    de Deus quando no tinha templo; na orao de Salomo, quando da dedicao do Templo (1

    Reis 8) est explcito que o Senhor habita nos cus e no pode tornar-se prisioneiro do lugaronde se invoca o seu nome. O lugar sagrado para demonstrar que Deus convoca o seupovo para encontrar-se com ele dentro dos limites deste mundo. A teologia do Antigo Testa-mento mostra que o lugar por excelncia da presena do Senhor e conseqentemente o lugar deculto o povo que invoca o seu nome.

    59 MARTIN, op. cit., p. 27.

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    O templo e os seus sacrifcios desapareceram, a linguagem dos seuscultos e rituais, porm, permanece: sacrifcios, ofertas, sacerdotes e santu-rio so termos comuns60. A presena de Cristo, no entanto, determinadapela sua promessa eis que estou convosco todos os dias (Mt 28.20), pelasua Palavra e pela Santa Ceia61.

    Do templo, portanto, tornam-se significativos para o culto cristo e, es-pecificamente, para a Eucaristia, a linguagem sacrificial e as ofertas(ofertrio), o cantar de salmos (salmdia) que passaram para a liturgiacrist, o lugar como manifestao da presena de Deus e os benefcios:certeza da comunho com Deus e recepo de suas bnos, perdo eexpectativa pelos seus favores futuros.

    1.3 - A LTIMACEIA

    1.3.1 - ASPALAVRASEASAESDE JESUSOs relatos da instituio da Eucaristia apontam para uma srie de aes

    e de palavras de Jesus62 que devem ser consideradas, pois nelas Ele declaraa sua presena, identificando o po e o vinho com seu corpo e sangue63,dado e derramado em favor de muitos64 para remisso dos pecados65.Das palavras e aes de Jesus, confrontando os diversos relatos da institui-o, destacam-se as aes tomar po e clice66, abenoar ou dar gra-as67, quebrar o po [e apresentar o clice]68 e dar aos seus discpu-

    los69. Estes so denominados por Gregory Dix como Esquema de quatroaes70, que so centrais na celebrao71.

    60 Id., p. 28.61 ALLMEN, op. cit., p. 296-297.62 Dix, op. cit., p. 48, no seu seven-action scheme (esquema de sete aes) destaca que

    nosso Senhor 1- tomou um po; 2- deu graas sobre este; 3- quebrou-o; 4- distribui-o, dizendocertas palavras. Depois ele 5- pegou o clice; 6- deu graas sobre este; 7- alcanou-o aos seus

    discpulos, dizendo certas palavras.63 WHITE, op. cit., p. 178.64 Cf. relatos de Paulo e dos Evangelhos sinticos , todos relacionam po com seu corpo e clice

    com seu sangue.65 Cf. Mateus 26.28 : Mateus o nico que acrescenta no relato da instituio esta clusula para

    remisso dos pecados.66 DIX, op. cit. p. 48, aqui acontece o que posteriormente chamado de ofertrio, em que os

    elementos so trazidos e dispostos sobre a mesa.67 Id. Ibid., p. 48 e 79, o relaciona com a orao eucarstica, que Romeu Ruben Martini, Ceia do

    Senhor : Um Esquema de Quatro Aes, p. 10-11 o cerne da comunho de mesa.68 DIX , a frao aponta para o seu corpo sacrificado em amor pela humanidade e a comunidade

    come do po partilhado e com isso usufrui do corpo de Cristo, e bebe do clice comum e comisso usufrui do sangue de Cristo, tornando-se um em Cristo.

    69 Id., p. 48, a est a comunho.70 Ibid.71 WHITE, op. cit., p. 179; Norman E. NAGEL,Holy Communion, p. 301, denomina as quatro

    aes de Jesus de verbos principais: tomou, quebrou, deu e disse.

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    Os discpulos, ao verem o Mestre com um po diante de si sobre a mesae um clice de vinho na mo72, ouviram de Jesus as Palavras da Institui-o73. As palavras e as aes de Jesus naquela ocasio tornaram-se signi-ficativas, pois, o culto principal da igreja foi institudo por nosso Senhor nanoite em que foi trado74 e a liturgia crist comeou no cenculo numa

    reunio privada, durante uma refeio entre amigos75. O central na cele-brao da Igreja da Ceia do Senhor a Palavra e promessa do Senhor quea instituiu(traduo do autor)76. Maraschin afirma que a tradio maisantiga no estabelece nenhuma relao de interpretao com a aceitaodas palavras de Jesus, pois nenhum dos discpulos quis saber de que manei-ra o po era o corpo e o vinho era o sangue, apenas comeram e beberam,pois a confisso de que ele era o Cristo era o suficiente;77 (...) o litrgico,propriamente dito, era o que se fazia, no caso, a Ceia78.

    Mesmo que h quem no considere a ltima ceia como Eucaristia nosentido que a Igreja Primitiva d palavra79, certo que ali est a suainstituio e as palavras e aes que fazem parte da celebrao.

    1.3.2 - A NOVAALIANAJesus Cristo, ao instituir a Ceia do Senhor, fez uso, alm do po, do

    clice, dizendo: Este o clice da nova aliana nomeu sangue80. Su-bentende-se que, se h uma nova aliana81, porque primeiramente houve

    uma velha aliana82, feita por Deus com Israel atravs de Moiss (x 24.1-11), selada com derramamento de sangue sobre um altar e sobre o povo (x24. 6, 8 - o sacrifcio de animais seria, a partir de ento, repetido constante-mente83), baseada na observncia dos preceitos da Lei: se Israel permane-cesse nos mandamentos do Senhor e ouvisse a sua voz, assim Ele seria umDeus gracioso e Pai84. De acordo com Ralph Martin, o clice est associa-

    72 MARTIN, op. cit., p. 135.73 WHITE, op. cit., p. 178.74 ALLMEN, op. cit., p. 26.75 Jaci MARASCHIN, A Beleza da Santidade, p. 148.76 Charles J. EVANSON, The Divine Service, p. 427 .77 MARASCHIN, op. cit., p. 148.78 Id., p. 149.79 Cf. DIX, op. cit., p. 77, a ltima ceia no Eucaristia, porque Eucaristia entendida como

    resposta dos redimidos ao seu Redentor e obedincia ao mandamento divino.80 Cf. Lucas 22.20 e 1 Corntios 11.25.81 Jlio Paulo Tavares ZABATIERO, Ceia do Senhor, p. 413 : A Ceia do Senhor o anttipo da

    celebrao pascal da velha aliana. Esta celebrava o evento da libertao de Israel do Egito...Ao

    falar do seu corpo e sangue, [Jesus] est aplicando a si mesmo termos de linguagem sacrificial(...) O sacrifcio inaugurador da Nova Aliana.

    82 Cf. Christian STOCKS, Abendmahl, p. 185, aliana normalmente era feita mediante meiosexternos, mtuo juramento, refeies e seladas ou reforadas com ofertas e sangue.

    83 Sobre sacrifcios, veja-se Jonathan F. dos Santos, O Culto no Antigo Testamento, p. 63-110.84 STOCKS, op. cit., p. 186.

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    do com a aliana feita por Deus com Israel, e, por causa da rebeldia deste85,fala-se de uma nova aliana que o Senhor far (Jr 31.31-34), o que exatamente referido por Jesus, no mais pensando no sangue de animais(Hb 9.12), mas, pelo seu prprio sangue, (...) entrou no Santo dos Santos,uma vez por todas, tendo obtido eterna redeno (...) por isso mesmo ele

    o Mediador da nova aliana86. Jesus ofereceu-se a si mesmo, em carne esangue, para restaurar a relao das pessoas com Deus, aniquilando opecado, abrindo assim acesso a Deus87.

    Enquanto a velha aliana era restrita e imperfeita, porque dependia emparte das obras humanas, a nova aliana88 perfeita, porque feita inteira-mente por Deus; enquanto que, na velha aliana os sacrifcios deveriam serconstantemente repetidos, na nova aliana o sacrifcio de Cristo foi de umavez por todas; a primeira aliana restringia-se a Israel e dependia do cum-

    primento da lei para obter perdo e favores de Deus, a nova aliana parao mundo inteiro, para que todo o que nele cr (Jo 3.16), tenha a vidaeterna. Esta nova aliana, diante do exposto, chamada de aliana de paz89,

    promovendo a paz com Deus e, em conseqncia, a paz com o semelhan-te90.

    1.3.4 - O MANDAMENTOSOBREAREPETIOAnamnesis ou memorial91 algo muito diferente do que apenas

    relembrar fatos do passado. No contexto da cultura bblica92, ela uma

    atitude de re-atualizao ou reconstruo do passado93,a possibilidade departicipar da histria que se recorda94, de forma a torn-la presente eoperante aqui e agora95. Ao repetir essas aes, a pessoa torna a vivenciara realidade do prprio Jesus presente96. Ao relembrar, reviver e comemo-rar atravs da Eucaristia o que central na obra da salvao (que a pessoa

    85 MARTIN, op. cit., p. 136, fazendo referncia a xodo 24.3-11.86 Hebreus 9.12b e15a.; WHITE, op. cit., p. 178.87 Leonhard GOPPELT, Teologia do Novo Testamento, Vol. 2, p. 510.88 STOCKS, op. cit., p. 187-188.89 Id., p. 187.90 MARTIN, op. cit., p. 144.91 Id., p. 146.92 Id., p. 137, faz referncia a xodo 12.14 e 13.9, em que , por meio deste sacramental a nao

    era levada de volta ao salvadora de Deus e envolvida por ela; Richard H. FEUCHT, TheChurchs Common Meal, p. 44, importante conhecer o memorial entre os hebreus paraentender a Ceia do Senhor.

    93 ALLMEN, op. cit., p. 33.94 Id., Estudo sobre a Ceia do Senhor, p. 29.95 Id., O Culto Cristo, p. 33; Nelson KIRST, Liturgia parte por parte, p. 59, aquilo que

    aconteceu l torna-se vlido, naAnamnese, para os participantes desta celebrao, neste precisomomento.

    96 WHITE, op. cit., p. 178.

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    foi comprada, redimida e reconciliada com Deus97 e levada de volta aoCenculo e ao Monte), o comungante participa daquela obra salvfica queconhece como realidade presente - porque seu Autor Aquele que vive nomeio de seu povo redimido98. Na Eucaristia atualiza-se no apenas aquiloque aconteceu na ltima ceia, ou seja, uma refeio entre amigos99, mas

    recapitula-se a histria da salvao100, proclama-se atravs da Ceia a mortedo Senhor (1Co 11.26), faz-se anamnese da cruz101, do Cristo crucificado eressuscitado102.

    Cristo, ao dizer fazei isto em memria de mim103, aponta para umadimenso especial do culto, pois, segundo von Allmen, com tais palavrasJesus instituiu o culto cristo104, que inclui a proclamao oral da Palavrajuntamente com a celebrao da sua Ceia105. Nesse sentido, a Eucaristia necessria para o culto simplesmente porque Cristo a instituiu e deu igreja

    a ordem de celebr-la106. Brunner refora esta idia ao afirmar que prega-o da Palavra e celebrao da Eucaristia formam uma unidadeinterdependente no culto, que envolve uma progresso da anamnese daPalavra para a anamnese da Ceia, e direciona o crente batizado para aparticipao na Eucaristia107. Portanto, as palavras e os gestos de Cristona instituio da Eucaristia esto no corao da celebrao: a refeioeucarstica o sacramento do corpo e do sangue de Cristo, o sacramento dasua presena (...)108.

    A discusso acerca da anamnese poderia estender-se muito mais, po-rm, optou-se por destacar que houve uma instituio da Eucaristia porJesus, houve a ordem de celebr-la, e que, nesta ordem de repeti-la em suamemria, est includa toda a obra de Cristo para a salvao da humanidadee a garantia de sua presena entre o seu povo redimido atravs do culto, naPalavra e na Eucaristia. A partir destas afirmaes, considera-se a Euca-ristia essencial para o culto cristo.

    97 FEUCHT, op. cit., p. 45.98 MARTIN, op. cit. p. 138.99 DIX, op. cit., p. 50.100 ALLMEN, O Culto Cristo..., p. 38.101 Id., Estudo sobre a Ceia do Senhor, p. 31.102 Ibid., p. 31: quando no Novo Testamento se fala de comemorar a morte do Senhor, isto inclui

    a comemorao da sua ressurreio. No se faz uma sem a outra.103 Lucas 22.19 e 1 Corntios 11.24.104 ALLMEN, O Culto Cristo..., p. 33.105 Peter BRUNNER, Worship in the Name of Jesus, p. 283.106 ALLMEN, O Culto Cristo..., p. 180.107 BRUNNER, op. cit., p. 284.108 CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Batismo, Eucaristia e Ministrio, p. 37.

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    1.4 - O PARTIRDOPO NOTEMPODOSAPSTOLOS1.4.1 - INTRODUOO testemunho que temos dos primeiros cristos a respeito de sua vida de

    culto que os mesmos perseveravam na doutrina dos apstolos e na co-munho, no partir do po e nas oraes (At 2.42). Nas primeiras dca-

    das da Igreja Primitiva, a Eucaristia foi denominada pela expresso partirdo po, devido ao fato de Jesus a ter institudo mesa com seus discpu-los109 e porque atravs deste sinal foi diversas vezes identificado110. Parecetratar-se de um termo proposital, o qual escondia o alimento tpico da Igre-ja, um alimento para a vida eterna111. um termo tcnico para a refeiointeira, a parte pelo todo112. Abordar-se- sob este ttulo o perodo de Pen-tecostes at o incio da segunda metade do sculo I.

    1.4.2 - A FREQNCIA, ODIAEAUNANIMIDADEA partir dos relatos bblicos de Atos dos Apstolos e 1 Corntios pode-se

    deduzir que a reunio dos cristos para o partir do po era muito freqen-te (At 2.42-47; 20.7; 1Co 11.20), podendo acontecer, nos primeiros tempos,diariamente (At 2.46)113. Com base nos textos supracitados, von Allmen dizque na era apostlica a Ceia era celebrada regularmente114, no primeirodia da semana (At 20.7; 1Co 16.2), tambm chamado dia do Senhor (Ap1.10). O texto de Atos 20.7, parece demonstrar a existncia de um vnculo

    quase automtico entre o dia do Senhor e o partir do po115. A Ceia parte integrante da assemblia dominical116, que celebra a presena deseu Senhor e Salvador117 ressuscitado118.

    Pode-se concluir, pois, que a Eucaristia no era apenas parte integrante,mas a base e objetivo de cada reunio dos cristos119, o ponto culminante do

    109 ROTTMANN, op. cit., p. 101.110 LATHROP, La Eucarista em el Nuevo Testamento, p. 73; WHITE, op. cit., p. 178-179.111 ALLMEN, Estudo Sobre a Ceia do Senhor, p. 98.112 MARTIN, op. cit., p. 143.113 ROTTMANN, op. cit., p. 101,106: da opinio que em seus incios a igreja perseverava na

    celebrao da Santa Ceia: no deixavam passar um nico dia sem se reunirem para celebrar aSanta Ceia em culto conjunto... Da mesma forma como diariamente oravam no templo...tambm se reuniam noite em casas particulares... Nestes cultos celebrava-se a Ceia.

    114 ALLMEN, O Culto Cristo..., p. 175.115 Ibid.116 Ibid.; LATHROP, Culto: Local y, no obstante, universal, p. 31.117 ROTTMANN, op. cit., p. 101; 1 Corntios 10.16.118 Julian Lpez MARTN, No Esprito e na Verdade, Vol. I, p. 171; Theodor BRANDT, Kirche

    im Wandel der Zeit, p. 40-41: O dia do Senhor o comeo da semana. Ele carrega a alegria daressurreio. Este o dia especial para lembrar os acontecimentos pascais tanto do AntigoTestamento como do Novo Testamento. CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS,Batismo,

    Eucaristia e Ministrio, p. 44 : Visto a Eucaristia celebrar a Ressurreio de Cristo, seria normalela ter lugar pelo menos todos os domingos.

    119 Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 29.

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    culto cristo, tanto que em toda a Igreja Primitiva no h o menor indcio dacelebrao do Domingo sem a Ceia do Senhor120.

    A unanimidade e a perseverana na palavra, comunho, partir do po eoraes, demonstra que os primeiros cristos agiam de comum acordo eprestavam esse culto como se fosse em coro, em harmonia121, de tal forma

    que da multido dos que creram era um o corao e a alma (At 4.32).

    1.4.3 - A ESTRUTURADOCULTOComo ou de que maneira os primeiros cristos celebravam o seu culto ? A

    resposta a esta pergunta poderia, quem sabe, ajudar a moldar a liturgia122?Seria a doutrina dos apstolos, a comunho, o partir do po e as oraes, confor-me Atos dos Apstolos 2.42, uma estrutura do culto da Igreja Primitiva ?

    Siegmund Wanke aceita esta possibilidade ao descrever as caractersti-

    cas do culto: a doutrina dos apstolos refere-se proclamao da Palavrade Deus, a comunho equivale convivncia dos irmos, o partir dopo refere-se Eucaristia, e as oraes so