AIS OS VIT REST - nicolasbehr.com.br · 7 7 o inha – agost r a com F e t Iogur 8 cular – junho...
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RESTOS VITAISCopiraite © bai Nicolas Behr
Projeto Gráfico e Diagramação:Autor e Marcus Polo R. DuarteCapa: Criação do autor
“OBRAS quase COMPLETAS”Cx. Postal 08-76270.312-970 – Brasília [email protected](61) 468 3191
RESTOS VITAISIogurte com Farinha – agosto 77Grande Circular – junho 78Caroço de Goiaba – julho 78Chá com Porrada – julho 78( impedido de publicar, por ordemjudicial, entre 15 de agosto de 78 a 30de março de 79, escreveu poemas emtelhas frescas, depois queimadas, da série“ O que me der na telha ” )Bagaço – maio 79
VINDE A MIM AS PALAVRINHASCom a Boca na Botija – junho 79Parto do Dia – julho 79Elevador de Serviço – agosto 79Põe sia nisso! – agosto 79Entre Quadras – agosto 79Brasiléia Desvairada – setembro 79Saída de Emergência – setembro 79Kruh – outubro 79303F415 – julho 80L2 Noves Fora W3 – novembro 80
PRIMEIRA PESSOAPorque Construí Braxília – 1993Beijo de Hiena – 1993Pelas Lanchonetes dos Casais Felizes –1994Segredo Secreto – 1996
Estranhos Fenômenos – 1997(antologia, seleção do autor – 1977- 97)Viver Deveria Bastar – 2001Umbigo – 2001Poesília – poesia pau-brasilia - 2002Menino Diamantino – 2003Peregrino do Estranho – 2004Braxília Revisitada Vol. I – 2004Restos Vitais (coletânea) - 2005Braxília Revisitada Vol. II – 2005Introdução à Dendrolatria (inédito)Museu de Esquecer (inédito)A Balada do Falso Poeta (inédito)
Agradecimentos especiais ao pessoal daQuick Printer, Antonio Carlos Navarro,Marcus Polo Rocha, Geraldo Tozetti eValter da Silva.
ESTE E OUTROS LIVROS DOAUTOR PODEM SERADQUIRIDOS ATRAVÉS DO SITEWWW.NICOLASBEHR.COM.BROU NO VIVEIRO PAU-BRASÍLIA(Polo Verde - Saida Norte - entre a Pontedo Bragueto e o Balão do Torto)Tel.: 61 468-3191
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POETA MARGINAL? EU, HEIN?
não nasci em montes claros. não tenho nome completo. nãosou professor. não consegui conciliar nada com a literatura.nunca publiquei nada. atualmente não resido em porto alegre.não me chamo eduardo veiga. não escrevo poesia há mais de15 anos. não estou organizando meu primeiro livro. não sougraduado em letras. não acredito que a poesia seja necessária.não estou concluindo nenhum curso de pedagogia. nãocolaboro em nenhum suplemento literário. não estou presenteem todos os movimentos culturais da minha terra. não soumembro da academia goiana de letras. não trabalho comoassessor cultural da sec. meus pais não foram ligados aocinema. não tenho tema preferido. não comecei a fazer teatroaos 12 anos. não me especializei em literatura hispano-americana. não tenho crônicas publicadas n’o republica delisboa. não passei minha infância em pindamonhangaba. nãocanto a esperança. não recebi nenhuma premiação emconcurso de prosa e poesia. não tenho sete livros inéditos.não sou considerado um dos maiores poetas brasileiros. nuncafui convidado para dar palestras em universidades. não vejopoesia em tudo. não faço parte do grupo noigrandes. não meinteresso por literatura infantil. não sou casado com o poetaafonso ávila. na minha estréia não recebi o prêmio estadual de
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poesia. o crítico josé batista nunca disse nada a meu respeito.não sofri influência de bilac. não sou ativo, nem dinâmico.não me dedico com afinco à pecuária. não sou portador devasto curriculum. não recebi mensão nonrosa no concurso depoesia ferreira gullar. não exerço nenhuma atividade docente,nem decente. não iniciei minha carreira literária no exército.não fui a primeira mulher eleita para a academia acreana deletras. não tenho poesias traduzidas para o francês. não estouincluído numa antologia a ser publicada no méxico. minhapoesia não é corajosa. não gosto de arqueologia. walmir ayallanunca me considerou um revolucionário. nunca tenteicompreender o homem na sua totalidade. não vim para obrasil com 5 anos de idade. não aprendi russo para lermaiakowski. meu pai não é chileno. não sou virgem, soucapricórnio. não sou mãe de seis filhos. nunca escrevi contos.não me responsabilizo pelos poemas que assino. não souirônico. não considero drummond o maior poeta da línguaportuguesa. não gosto de andar de bicicleta. não souchato.não sei em que ano aconteceu a semana de 22. nãoimito ninguém. não gosto de rock. não sou primo dos irmãoscampos. não sou nem quero ser crítico literário. nunca meelogiaram. nunca me acusaram de plágio. não te amo mais.minha poesia nunca veiculou nada. não sei o que vocês queremde mim. não espero publicar nenhum romance. não sou lírico.não tenho fogo. não escrevi isto que vocês estão lendo.
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POBRÁSPoesia Brasileiraorgulhosamente apresentaum produto que vai pro lixo:os poetas
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entro na sala
sem pedir licençasem por favorsem muito obrigado
vou direto ao assunto:
como vai?tudo bem?
saio sem fechar a porta
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meu corpo brancochega mais perto da janela
lá embaixonão tem nada a ver
lá de baixoninguém me vê
olhando pra tudoquanto é ladonão tem nada a vernão tem nada a vernão tem nada a vernão tem nada a vernão tem nada a vernão tem nada a vertá vendo?
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ninguém precisouabrir os jornaispara saberque ele foi morto
a notícia estavana primeira página
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a empregada daqui de casatem uma filha pequenaé negra e veio da bahiaestá sempre ligadano sucesso do rádio de pilhanão sabe fazer saladacomo papai gostae no seu quartoos mais lindos rostos deste paísalimentam seus sonhos
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a cidade dormeseu sono de fumaçaengolindo a fomedos que nela morrem
durmo sobre meus ossose sobrevivo
ficou com raivamordeu a língua
doeu
gritou pra mulher:- desliga esse menino
e manda a televisão dormir
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ainda bemque ninguém nunca dissenada de novo
posso ( se quiser )dizer tudo outra vez
eles dizemeles discutem
brigam...
mas a vida não conseguepassar pelos dentes
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ano que vem eu me casoano que vem eu compro um fuscaano que vem eu termino a faculdade
ano que vem eu vou mudar de vida e morar no andar de cima
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e por falar nisso...bem, é melhor não falar nisso
quem sabe não vou deixar putoalguém com influência no governo?com amigos na polícia?
eu é que não voucair nessa conversarde que todos são iguais perante a lei
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blocos eixosquadras
senhores, esta cidadeé uma aula de geometria
SQS ou SOS?eis a questão!
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tem alguém cutucando o tetoe fazendo muito barulho
não sei se quer falar comigoatravés de um código qualquer
vai ver nem sabeque aqui mora alguém
e talvez esteja apenastentando matar as baratasque correm pelo teto
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enfim, era preciso saberquanto cimento será gastonuma ponte por onde ninguémpassará de mãos dadas
eu sei que erreimas prometo
nunca maisusar a palavra certa
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falta uma letra na v_dafalta uma pedra no caminho
mudo de canalmudo de estaçãomudo de página
se ainda não mudei de vidafoi porque nem a televisãonem o rádio nem o jornal
me aconselharam a fazê-lo
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ontem à tardevi uma moscabem gordana calçada
e logo noteique aquela senhoraestava muito mais bem vestida
era uma vezum poeta sujo
que calçava sapatos de veludoe usava luvas
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joão de talpobre e sozinhoera alcoólatra
bebeu dez garrafas de cachaçae quando acordou estava morto
meu maior sonhoé ser um pesadelo
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o pai berrae no filho nascem chifres
a mãe pasta no jardim da praçao pai prefere a grama da vizinha
entre os seios da filha mais velhabrotam mamas
mas apesar de tudonão aconteceu nada
e unida a família bovinaentra pro curral
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a POBRÁSPoesia Brasileiraestá admitindo:palavras idéiaspoetas e coragem
exigimos:- bom comportamento- atestado de antecedentes- redação própria
oferecemos:- ótimo ambiente de trabalho- condução para as cidades-satélites- acidentes de trabalho à vontadealém de cantina na obra
os interessados procurem o Sr. Poemano horário intelectual
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de dia corro com meus medosà noite passeio com meus sonhos
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UM RIO CHAMA CORAÇÃO
O rio não respondequando lhe pergunto onde vai,ele de meu coração não sai.
Meu coração é feito dessas pedrasque pelo rio vão rolandocomo as lágrimasdaqueles que o perderam.
Meu rio é feito dessas lágrimasque salga o mar de lamaque nos cerca.
Mas meu mar não é azul nem verdeele tem a cor das raízesdas árvores que no leito do riovão tombando.
E com minhas lágrimasmeu rio vai secandoe meu triste coração murchando.
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tô de saco cheiodesse vazio
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ser brasileiroé comeriogurte com farinha
água moleem pedra dura
tanto bateaté que acaba a água
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garanto que minha cabeçanão está ocamas tenho absoluta certezade que meu ouvidoé apenas mais um buracoentrando por uma cabeça vazia
na esquinaum mendigo degolado
pede esmolascom a cabeça na mão
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na verdade vos digoque as saídas são poucase as armadilhas muitas
quanto mais falam em saídasmais eu vejo armadilhas
pensando bema única saídaé continuar vivendo
mas agora mudando de assuntome diga:- sair é saída?
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no pão passo geléiana vida passo poesia
mas o pão continua brancoplásticoe a vida cada vez mais bestaboba
olhos cabelos narizrosto orelhas peleossos boca carne
eu não tenho outra coisa na cabeça
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mariaalém de risoscausava disenterias
mariaalém de filhosgerava epidemias
mariaalém de vermestrazia crianças na barriga
meninos grávidos de morte
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estou salvo:a poesia não é tudo
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entre,entre por favorentre blocosentre quadrasentre,entre por favor
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como anda o humoraí em brasília?aqui o humoranda de chapa branca
eu Stu Qele S
nós Svós Qeles N
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estoudentro de mimentre quatro paredesnum apartamento
dentro de um blocoentre outros blocosnuma cidade
dentro do cerradoentre árvoresnum país
dentro da américa do sulentre dois maresno mundo
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mapa na mãoolho no mapamão no olho
vamos tentar encontrar a cidade
sexta-feira chegoue ela não veio
peguei o primeiroônibus pra brasíliae encontrei morena
na rodoviária comendopastel, tomando caldo
de cana e passeandonas escadas rolantes
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57foto: jamil bittar (jornal josé)
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MANCHETE DE 2001
OBJETOS VOADORESNÃO IDENTIFICADOSSOBREVOAM A CIDADE
( eram duas borboletas )
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a bandeira é verdea banana é amarela
as duas palavrascomeçam com “b”e terminam com “a”
o que há entre “a” e “b”é assuntode segurança nacional
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maria me amoupelo crediário tentação
maria me amouem cinco prestações mensais
maria me amousem entrada, sem juros
maria me amouna cama,na mesae no banho
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estou pedindo socorro
de segunda à sextaaos sábados e domingosdia e noite
será que não tem ninguémpra atender esse telefone?
quem mandou fechar o gás?será que ainda não viu
que ainda tô vivo?
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me acorde as seisme ame até as sete
me manda emboraantes das oitomas só me traiadepois das deze fique livre de mimaté a noite chegar
quando a noite chegarme liguequando a noite chegarprepare-se
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pisei num caco de vidroe sai pulando
pisei numa tábua com pregoe sai avuando
e avuando me engancheinas bananeiras
POESIA F.C
aos 23 anosdo primeiro tempo
a vida falhanuma jogada
sensacional
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quem teve a mão decepadalevante o dedo
vou regar o desertocom sangue
e chorar areia
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RECEITA
Ingredientes
dois conflitos de geraçõesquatro esperanças perdidastrês litros de sangue fervidocinco sonhos eróticosduas canções dos beatles
Modo de Preparar
dissolva os sonhos eróticosnos dois litros de sangue fervidoe deixe gelar seu coração
leve a mistura ao fogoadicionando dois conflitosde gerações às esperanças perdidas
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corte tudo em pedacinhose repita com as canções dos beatleso mesmo processo usado com ossonhos eróticos mas desta vezdeixe ferver um pouco mais emexa até dissolver
parte do sangue pode sersubstituído por suco de groselhamas os resultados não serãoos mesmos
sirva o poema simplesou com ilusões
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sou um poetasem eira nem beira
ninguém me chamamanoel bandeira
( versão nada originaldum tema de drummond )
no meio da rua tinha uma poçad’água tinha uma poça d’água
no meio da rua tinha uma poçad’água tinha uma poça d’água
no meio da rua
( o resto é imitação )
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se é para o bem de todose felicidade geral da nação
diga ao povoque o buraco é mais embaixo
se é para o bem de todose felicidade geral da naçãodiga ao povoque o rei foi dar uma cagadinha
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se é para o bem de todose felicidade geral da nação
diga ao povoque o rei foi dar outra cagadinha
se é para o bem de todose felicidade geral da naçãodiga ao povoque o rei continua torcendo pelo vasco
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se é para o bem de todose felicidade geral da naçãodiga ao povoque o rei ainda não sabese vai, se fica
se é para o bem de todose felicidade geral da nação
diga ao povoque hoje vai faltar
água, luz, pão e circo
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se é para o bem de todose felicidade geral da naçãodiga ao povoque o rei é o novobobo da corte
se é para o bem de todose felicidade geral da nação
diga ao reique o povo fica
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se é para o bem de todose felicidade geral da naçãodiga ao povoque o rei entendeu a piada
se é para o bem de todose felicidade geral da nação
diga ao povoque o almoço tá na mesa
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se é para o bem de todose felicidade geral da naçãodiga ao povoque mande o rei à pátriaque o pariu
se é para o bem de todose felicidade geral da nação
diga ao povoque direitos, direitos,
humanos à parte
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se é para o bem de todose felicidade geral da naçãodiga ao povoque fique
se é para o bem de todose felicidade geral da nação
diga ao povoque país é este
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eu e eles
para niki
reinas, intolerantemeu coração de tantas épocasjá sabe da lei dos homensconhece as sinalizaçõese as ciladas da mentee mesmo assim bate fortebate doidobate muitobate sempreque lhe dá vontademeu coração é desobediente
xenia antunes
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comprou um telefonesó pra aparecerna lista telefônica
fui ao Rio e fiquei decepcionado
pensei que a cidadefosse muito mais violenta
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aqui não tem nada disso,ou se mata ou se mata
você não tem escolha,ou mata ou mata
é matar ou matar
xingar um cara dessesde filho-da-puta
dá cadeia?
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meus olhos estão fechadospara balanço
meu ouvido está entupidode barulho
minhas unhas estão roídasaté os dentes
minhas veias estão entupidasde sangue poluído
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morda sua língua
você tem dentes pra quê?
matei a aula no recreioestrangulei o diretor na
sala de esperaesquartejei meu colega no
banheiroesfolei o professor no
intervalotorturei o porteiro na
saída
passei em todos osvestibulares da vida
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na quinta-feirada semana passadaesqueci minha bocadentro do armário
naquele dianão mordi ninguém
meu coraçãoé uma bomba-relógio
que pode explodira qualquermomento
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sou um bichode sete cabeças
tenho uma pra pensaroutra pra vera terceira pra cheiraroutra pra comermais uma pra pensaroutra pra ouvir
e a sétima pra vigiaras outras seis
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estou começando a perdero medo que tenho das pessoas
já pego na mãoda minha namorada
me dá um pedaçodesse seu dedo
pra mim chupar?
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a sentença é morte por suicídiosem apelaçãoo réu ainda confessa que não fezo vestibular, nem tentou vencerna vida, além de ter praticadocrimes contra a sociedade, um maldesnecessário, segundo ele
dei um tiro no ouvidoe nem ouvi
o barulho do meu corpocaindo no chão
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joão,cadê tua paciência?esqueci na fila
não chore à toa,economize sangue
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ontem sonheique me masturbeie te encontreienrolada no lençol
viver dá lucro?
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um dia ainda entro peladonum cinema de goiânia
e dando tiros na tela
o que você vai fazeragora?
vou continuar vivendo,posso?
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você tem uma hora de prazopra escovar os dentespagar suas dívidascomprar um carro zerinho
e dar um tiro na cabeça
uma veia atravessa meu pescoçocomo uma flexa
envenenada
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PALAVRA FINAL
amai-vos uns aos outrose o resto que se foda
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(Texto escrito por Heloísa Buarque de Holanda e anexado àdefesa, conduzida pelo advogado D’ Alembert Jaccoud)
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(trecho final da sentença de absolvição do réu proferida pelo Juiz deDireito da 8a Vara Criminal Petrucio Ferreira da Silva ) – reproduçãoda sentença em fac-símile de difícil leitura
...Como já afirmei acima, li todos os livros apreendidos, de autoriaou não do réu e embora peça autorização ao grande Drummond deAndrade de também dizer que do réu que muitas das vezes não sabepara onde ir, não encontrei em qualquer destes escritos, dentro docontexto, é lógico, pois seria imoral analisar-se à retalho obra literária,nada que dentro do meu conceito de moralidade pudesse se apresentarcomo imoral. Vi antes que tudo a poesia no seu papel de comunicaçãorevestir-se da linguagem jovem pois aos jovens é que tal poesia foidestinada. É verdade que na sociedade atual o maior pecado que seapresenta é a da omissão e via este pecado é que muitas das vezes osque têm a obrigação de conduzir, pois educar é conduzir para olugar certo, não dizem a palavra correta ou certa no momentoadequado, ou porque lhes falta a autoridade em razão docomportamento mentiroso ou hipócrita que têm ou porque quandocertos lhes falta a coragem de afirmarem o que é certo por medo deserem tidos como quadrados junto à juventude. O jovem de hojecomo o de ontem e o de amanhã afirmarão sempre a sua juventudemais do que na pouca idade de vida, na verdade assumida a quemnão tiver verdade bastante para comunicar não tem autoridade paralhes falar. Quando o réu em seu poema disse ter errado por usar a apalavra certa, é de perguntar-se se o erro foi seu em não acomodar-se, ou o erro é da sociedade, que para sobrevivência exige quasesempre convivência com a mentira. Tenho sobre minha mesa poemas
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de Cecilia Meireles e de Alvares de Azevedo, um jovem que a seutempo, com linguagem jovem soube comunicar-se com os jovens.Exigir-se dos jovens de hoje a mesma linguagem usada nos poemaspor Álvares de Azevedo seria exigir-se que a linguagem do jovematual fosse uma linguagem desatualizada, o que importa antes quetudo é que na mensagem de tais jovens quando se propõe à poesiafaçam o que a poesia impõe seja feito, comunicação. Poesia na suaetimologia vem do grego poein poein poein poein poein que significa fazer e desde que alguémesteja fazendo algo de positivo, algo de belo, algo de amor everdadeiro, e consiga comunicar isto que está fazendo está fazendopoesia. Ao réu não vejo como se torna necessário impor-lhecondenação alguma pois não vejo crime no seu agir e impor-lhauma condenação, mesmo pecuniária, para advertir-lhe, seria desvirtuarinclusive o objetivo da Lei Penal. A ele sim, diria este Juiz que sedescobriu o caminho da poesia jamais lhe falte coragem e a verdadeda busca e assim encontrará um dia o seu caminho certo através dacomunicação, mesmo errando aparentemente desde que use a palavracerta. Isto posto , JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA,que neste momento a retifico do Art. 324 Parágrafo Único Inc. I,para o “Caput” do Art. 324 e ABSOLVO, como absolvido tenhoo réu NIKOLAUS HUBERTUS JOSEF MARIA VON BEHR, qualificado às fls. 9. Sem custas processuais. Sendo estasentença prolatada em audiência onde se deu a sua publicação epresentes se achavam o réu, seu patrono, e o Representante doMinistério Público, que seja a mesma publica. Brasília-DF, 30de Março de 1979. ( seguem assinaturas do Juiz, do PromotorPúblico, do Advogado de Defesa, Dr. D’Alembert Jaccoud, doacusado e do escrevente)
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Folh
a de S
ão P
aulo
, 31-0
3-79
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deus está mortomarx está mortoeu estou morto
vou enterrar os trêsdepois de amanhã
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ALTA ROTATIVIDADE
te amo24 horaspor segundo
pra noca
corta essa!
essa nãocorta a outra
que essa é minha mão
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brinco com as palavrascomo brincocom uma criançaque ainda não aprendeu a falar
vamos brincarde descobrir o brasil?
e se os portugueseschegarem?
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o colírioque pingaramnos meus olhosera ácido
as minhas unhasestavam enormessemana passada
fiquei morrendo de medoe roi
unha por unhadente por dente
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grampeei meus dedosnesta folha de papel
ai como dóiai como é gostoso
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demoliram minha infânciae eu desmoronei
ninguém me amaninguém me quer
ninguém me chamanicolas behr
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cortei as unhas com tesouracortei os dedos com facacortei as mãos com machado
e a gilete de um canto reclamou:“quando é que eu vouentrar nessa brincadeira?”
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seguinte:tá todo mundo doidocom estes anos loucos
pertencemos a uma geraçãoque não existe, certo?
POEMINHA DAPRÓSPERA CLASSE MÉDIA
papai ganha bemmamãe também
tudo bemtudo bemtudo bem
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PICLES
não vou com tua caranem a pau...não sou oito nem oitentasou oitenta e oito...meus caninostão doendo pra cachorro...não abro mãodos meus dedos...meu dedãodeu no pé...acima de tudoum teto...pra começo de conversafim de papo
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adeus sonhos de juventudeadeus ferreira gullar
cansei de ser brasileirovou me naturalizar maranhense
131acesse o site: www.osbrasilienses.com.br
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a coleção brasiliensesAo longo de 44 anos de existência, Brasília concebeu uma geração de característicasúnicas, que se deixaram impregnar pelos traços mais marcantes do plano urbanístico dacidade para criar formas diferenciadas de expressão. A coleção Brasilienses surge com oobjetivo de registrar a trajetória dos mais expressivos nomes da arte surgidos – econsolidados - na capital do país. Cada um dos livros da coleção busca as formas deelaboração da identidade do homem em sua relação com Brasília. Mais do que montarbiografias, Brasilienses pretende se aproximar dos laços afetivos que envolvem o artista ea musa inspiradora, saindo em busca dos responsáveis pela criação da identidade culturalde uma moderna mas ainda jovem invenção.
nicolas behrO primeiro volume da coleção Brasilienses, Nicolas Behr: eu engoli brasília, é dedicado aopoeta que, descendente de europeus e nascido no Mato Grosso, assumiu a cidadaniabrasiliense nos anos 70, quando se tornou o mais ativo representante de uma geração dejovens que ousou descer dos blocos planejados por Lucio Costa para fazer ar te entrequadras e eixos do Plano Piloto.Behr é o representante brasiliense da “geraçãomimeógrafo” que trouxe de volta à poesia a liberdade formal e a simplicidade temática,calcada na observação do cotidiano. No caso de Nicolas, o estranhamento e fascínio desair do Mato Grosso para morar em uma cidade artificialmente criada, funcionaram comomola propulsora para sua inquietação criativa. “Saí do mato para morar na maquete”,afirma. Ainda adolescente, produzia, imprimia e vendia os próprios livros nas escolas,bares, teatros e cinemas da cidade. Versos como “SQS ou SOS?/ Eis a questão!” refletema angústia, muitas vezes temperada com humor ácido, de viver em uma cidade de siglas enúmeros.
os autoresPERFIL E ENTREVISTA – CARLOS MARCELOFormado pela UnB, Carlos Marcelo, 34 anos, é jornalista desde 1994. Foi editor durantecinco anos do caderno de cultura do Correio Braziliense e atualmente é editor-executivo domesmo jornal. Eu engoli brasília é seu primeiro livro.
PREFÁCIO – ANA MIRANDAAna Miranda é uma das mais importantes romancistas contemporâneas brasileiras, autorade Boca do inferno, Desmundo, Dias e dias, entre outros livros. Amiga há duas décadasde Behr, ela também escreve crônicas e contos.
ORELHA – FRANCISCO ALVIMFrancisco Alvim é diplomata e poeta, autor de livros como Elefante e Dia Sim Dia Não. Teveum de seus poemas publicados no livro Os cem melhores poemas brasileiros do séculoXX, organizado por Ítalo Moriconi e a obra reunida em edição da Cosac e Naify, lançadaem julho de 2004.