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Direito FeDeralrevista Da aJUFe

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Direito FeDeralrevista Da aJUFe

associao Dos JUzes FeDerais Do BrasilAno 24 Nmero 91(1o semestre/2011)

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Direito FeDeral AJUFEUtilidade Pblica Federal Decreto De 08/08/96 (DoU De 09/08/96, p. 15057) PresiDente: Gabriel WeDy Diretor Da revista: Jos lzaro alfreDo GUimares caPa: eDitora impetUs ltDa. PintUra Da caPa: coleo ana maria f. G. santos minas Gerais nmero De reGistro: acrlico sobre tela, 80 x 100 cm. cheGaDa Da cavalGaDa ao serro. assinaDa * paiva fraDe arte e leiles BarrocoSimoneriBeiro Diagramao e ProJeto grFico: eDitora impetUs ltDa. imPresso e acaBamento: Grfica capital ltDa.oBs.: os textos e sUa reviso so De responsabiliDaDe De seUs aUtores.

Revista da

associao dos Juzes Federais do brasil aJUFe SHS Quadra 06 bl. e conjunto a, Sala 1305 a 1311 brasil XXi, edifcio business center Park i, 70322-915 braslia dF telefone: (0xx61) 3321-8482 Fax: (0xx61) 3224-7361

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Diretoria Da AJUFEbinio 2010/2012

Gabriel de Jesus Tedesco Wedy Fernando da Costa Tourinho Neto Fabricio Fernandes de Castro Ricardo de Castro Nascimento Fernando Quadros da Silva Nagibe de Melo Jorge Neto Jos Carlos Machado Jnior Carla Abrantkoski Rister Cynthia de Arajo Lima Lopes Jos Lzaro Alfredo Guimares Mrcia Maria Ferreira da Silva rika Giovanini Reupke Vladimir Passos de Freitas Jorge Lus Giro Barreto Jos Francisco Andreotti Spizzirri Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti Wilson Jos Witzel Abel Fernandes Gomes Sidmar Dias Martins Ivo Anselmo Hhn Junior Alexandre Ferreira Infante Vieira Antonio Andr Muniz Mascarenhas de Souza Reynaldo Soares da Fonseca Suane Moreira Oliveira

Presidente Vice-Presidente da 1a regio Vice-Presidente da 2a regio Vice-Presidente da 3a regio Vice-Presidente da 4a regio Vice-Presidente da 5a regio Secretrio-Geral Primeiro Secretrio tesoureiro diretor de revista diretor de cultura diretor Social diretor de relaes internacionais diretor de assuntos legislativos diretor de relaes institucionais diretor de assuntos Jurdicos diretor de esportes diretor de assuntos de interesse de aposentados diretor de comunicao diretor administrativo diretor de tecnologia de informao coordenador de comisses Suplente Suplente

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colgio De DelegaDos seccionaisJuzesJair Arajo Facundes Gustavo de Mendona Gomes Dimis da Costa Braga Sem Delegado Eduardo Gomes Carqueija Jos Eduardo de Melo Vilar Filho Hamilton de S Dantas Rodrigo Reiff Botelho Gabriel Brum Teixeira Newton Pereira Ramos Neto Raphael Cazelli de Almeida Carvalho Raquel Domingues do Amaral Corniglion Jos Henrique Guaracy Reblo Daniel Santos Rocha Sobral Bianor Arruda Bezerra Neto Marta Ribeiro Pacheco Carolina Souza Malta Sem Delegado Vellda Bivar Soares Dias Neta Fbio Luiz de Oliveira Bezerra Rodrigo de Godoy Mendes Helder Giro Barreto Rodrigo Machado Coutinho Janaina Cassol Machado Fernando Henrique Corra Custodio Fernando Escrivani Stefaniu Marcelo Velasco Nascimento Albernaz

Estadoac al aM aP ba ce dF eS GO Ma Mt MS MG Pa Pb Pr Pe Pi rJ rN rO rr rS Sc SP Se tO

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nDice

Palavra Do PresiDente ....................................................................................11 Palavra Do Diretor ........................................................................................15 seo De DoUtrina .........................................................................................19Fechamento sistmico do procedimento dos juizados federais pelos precedentes judiciais ............................................................................................................. 19 Caio Mrcio Gutterres Taranto As foras armadas e a garantia da lei e da ordem (Armed forces and the guarantee of law and order) ............................................................................................... 47 Emerson Garcia Princpio da no-cumulatividade.................................................................... 67 Francisco Alves dos Santos Jr. Aposentadorias precoces: Uma realidade a ser transformada.............................95 Francisco Lus Rios Alves Breves consideraes sobre o direito processual constitucional ........................127 Francisco Wildo Consequncias do descumprimento da obrigao ambiental prvia transao penal .................................................................................................................173 Marcelo Adriano Michelot Interpretando o pargrafo 3o do art. 16 da Lei no 8.213/1991 luz da Constituio de 1988 .............................................................................................................179 Mrcia Hoffmann do A. S. Turri Supremo Tribunal Federal: Tempo de mudana e de fortalecimento ...............185 Paulo Fernando Silveira Cdigo modelo de cooperao interjurisdicional para Iberoamrica ................235 Ricardo Perlingeiro Do mito da neutralidade concepo do juiz politizado e independente como modelo de gestor judicial ..................................................................................267 Tiago Antunes de Aguiar Recebimento e rejeio da pea acusatria, luz da Lei no 11.719/2008............281 Victor Roberto Corra de Souza

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Palavra Do PresiDente

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Prezados leitores, temos o prazer de apresentar a edio de 2011 da nossa revista da ajufe que vem para contribuir com o aprofundamento de discusses e o aperfeioamento da doutrina e da jurisprudncia da magistratura federal. Por meio dos artigos aqui publicados, vamos ampliar o debate sobre temas importantes para a cincia jurdica e, em consequncia, para a condio do estado de direito brasileiro. So onze artigos que abordam diferentes ramos do direito, como o tributrio, o penal e o previdencirio, com vistas a aprimorar as discusses sobre nosso ordenamento jurdico. especial ateno foi dada pelos autores s matrias constitucionais. Nesta edio, o leitor vai encontrar temas como: Fechamento Sistmico do Procedimento dos Juizados Federais pelos precedentes judiciais; as Foras armadas e a Garantia da lei e da Ordem; Princpio da No cumulatividade; aposentadorias Precoces: Uma realidade a ser transformada; breves consideraes sobre o direito Processual constitucional; consequncias do descumprimento da obrigao ambiental prvia transao penal; interpretando o pargrafo 3o do artigo 16 da lei no 8.213/91 luz da constituio de 1988; Supremo tribunal Federal - tempo de Mudana e Fortalecimento; cdigo Modelo de cooperao interjurisdicional para iberoamrica; do Mito da Neutralidade concepo do Juiz Politizado e independente como Modelo de Gestor Judicial; e recebimento e rejeio da Pea acusatria luz da lei 11.719/2008. desejo a todos uma boa leitura.

Gabriel Wedy Presidente

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Palavra Do Diretor

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Os temas abordados nos artigos que compem esta revista revelam um aspecto fundamental da magistratura federal: a conscincia de que a Justia serve sociedade, os diversos institutos jurdicos devem ser analisados e aplicados de modo a atender s necessidades da populao. assim que caio Mrcio Guterres taranto alerta para os riscos inerentes ao crescente fechamento do sistema recursal, com a introduo de mecanismos diversos de trancamento da via revisional em razo de orientao firmada pelos tribunais. Nessa linha tambm se apresentam as advertncias de Paulo Fernando Silveira, ao comentar o princpio da independncia judicial e defender uma dose maior de ativismo, e as consideraes de tiago antunes de aguiar sobre a concepo de gesto judicial politizada. ainda nessa trilha, os fundamentos do direito Processual constitucional recebem uma apreciao profunda e sistemtica de Francisco Wildo lacerda dantas. Outro belo trabalho o de Marcelo adriano Micheloti, que cuida das conseqncias do descumprimento das obrigaes assumidas pelo acusado em decorrncia de transao no processo pela prtica de crime ambiental. No campo do direito material, este nmero conta com o valioso estudo de Francisco alves dos Santos Jnior sobre o princpio da no cumulatividade, de aplicao diuturna na atividade da maioria dos juzes federais. Francisco luiz rios alves contribui com densa pesquisa sobre a Previdncia Social no brasil, como tcnica de proteo social. importante, nessa mesma seara, a reflexo de Mrcia Hoffman Turri sobre a incompatibilidade entre a previso constitucional que atribui o direito de penso companheira do segurado falecido e as restries constantes do pargrafo 3o do art. 16 da lei 8.213/91. ricardo Perlingueiro vai ao cdigo Modelo de cooperao interjurisdicional para a bero amrica e destaca a imprescindibilidade da atuao coordenada dos magistrados de diversos pases para dar efetividade ao processo. extremamente relevantes e atuais so as anlises da atualidade processual penal nos artigos de Vitor roberto correa de Souza, sobre o recebimento da denncia, e de emerson Garcia, sobre a atuao das Foras armadas destinada garantia da lei e da ordem. aos leitores, bom proveito. Jos lzaro alfredo Guimares diretor da revista

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seo De DoUtrina

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Fechamento sistmico Do ProceDimento Dos JUizaDos FeDerais Pelos PreceDentes JUDiciais1

caio mrcio gUtterres tarantoJUiz feDeral sUbstitUto Do 1o JUizaDo especial feDeral De niteri; mestre em Direito pblico.

Resumo: O julgamento de mrito sem citao conjugado com outros instrumentos processuais de aplicao de precedentes judiciais especialmente a no-admisso de recurso inominado por fora do acolhimento de dada orientao e a vinculao em controle incidental, no procedimento dos Juizados especiais Federais (JeFs) pode gerar um fechamento do sistema recursal apto a fomentar o surgimento de um ambiente qualificado por violncia simblica. Palavras-Chave: Processual civil. instrumentos processuais de aplicao de precedentes judiciais. Juizados especiais Federais (JeFs).

Abstract: the trial without citation of merit in conjunction with other procedures of application of judicial precedents - particularly the non-admission of appeal under innominate host link in amended guidance and control incidental, in the procedure of the Federal Small claim courts (JeFs) can generate a closed recursal system able to foster the emergence of an environment qualified by symbolic violence. KEYWORDS: Federal Small claim courts. civil Procedure. Procedural tools of judicial application of precedents.1

recebido em 7/11 e aprovado em 12/12/2008.

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INTRODUOa racionalidade,2 utpica flor azul, quase nunca se mantm constante ao longo das prticas jurdicas; apesar do culto normatividade, enquanto frmulas mgicas3 so pensadas como soluo para um contexto crnico de crise do Poder Judicirio. a argumentao, ento, preenchida por assertivas pr-construdas, como pseudoprecedentes e (pseudo) princpios a serem aplicados por mera subsuno. essas praxes no se referem ao pragmatismo argumentativo, mas ausncia de compreenso, inclusive histrica, de certos institutos. Os precedentes atuam em um campo pragmtico de linguagem jurdica e a devida aplicao necessita ser contextualizada pelo magistrado ou pelo interessado. em outras palavras, isoladamente no assumem o status de argumento pragmtico, ao menos no sentido retrico defendido por Perelman,4 mas podem potencializar a transmisso da matria de direito quando inseridos no discurso jurdico, especialmente em um processo posterior. No possuiriam razo de ser, caso o sistema processual no desenvolva instrumentos para aplic-los, inserindo-os na prestao da atividade jurisdicional. Os JEFs consubstanciam uma arena de confluncia de instrumentos de acesso Justia que, uma vez deturpados, se tornam obstrues (ora racionais ora irracionais) efetiva prestao da atividade jurisdicional. trata-se de sumarizar o procedimento previsto na lei no 10.259/2001 com os instrumentos processuais de aplicao dos precedentes jurisdicionais a partir do julgamento do mrito sem citao e da posterior sistematizao, com a inadmisso do recurso inominado pelo acolhimento de uma dada orientao ou com a produo de efeito vinculante em sede de controle incidental. Uma potencial deturpao pragmaticista (e no pragmtica) pode fomentar um ambiente de violncia simblica por parte dos precedentes, sobretudo quando os instrumentos de aplicao se transmudam em meios de imposio de uma deciso, gerando uma supracontrolabilidade difusa. Fecha-se, assim, o sistema recursal do ritoHabermas aborda o tema da seguinte forma: a normatividade no sentido da orientao obrigatria do agir no coincide com a racionalidade do agir orientado pelo entendimento em seu todo. Normatividade e racionalidade cruzam-se no campo da fundamentao de inteleces morais, obtidas em um enfoque hipottico, as quais detm uma certa fora de motivao racional, no sendo capaz, no entanto, de garantir por si mesma a transposio das idias para um agir motivado. (HaberMaS, Jrgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. V. i, 2. ed; traduo de Flavio beno Siebeneicheler. rio de Janeiro: tempo brasileiro, 2003. p. 21).2

MOreira, Jos carlos barbosa. Smula, jurisprudncia, precedentes: uma escalada e seus riscos. Revista Dialtica de Direito Processual, So Paulo, no 27, jun. 2005. Saraiva, 2004. p. 6. temas de direito Processual 8a Srie.3

Perelman chama de argumento pragmtico um argumento das conseqncias que avalia um ato, um acontecimento, uma regra ou qualquer outra coisa, consoante suas conseqncias favorveis ou desfavorveis; transfere-se assim todo o valor destas, ou parte dele, para o que considerado causa ou obstculo. (PerelMaN, cham. Retricas. traduo de Maria ermantina de almeida Prado Galvo. So Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 11).4

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dos Juizados especiais Federais em desarmonia com o mnus revisrio constitucional exercido pelos rgos jurisdicionais responsveis pela defesa do jus in thesi.

1. A evoluo histrica do julgamento de mrito sem citaoa aplicao do julgamento do mrito sem citao remonta a 2003,5 segundo ano de implantao dos Juizados especiais Federais, quando um nmero de demandas muito alm da possibilidade de processamento do Judicirio Federal, a maioria repetitivas, foi proposto, com nfase para as relativas ao reajuste de 39,67% pela aplicao do ndice de reajuste do Salrio Mnimo sobre o salriode-contribuio de fevereiro de 1994 dos benefcios previdencirios,6 a qual se sobrepunha a outras demandas de massa, especialmente as referentes ao reajuste dos benefcios previdencirios pelo iGP-di e ao pagamento vista da diferena de 3,17% dos servidores pblicos civis. Forte comoo social foi formada pela divulgao nos veculos de comunicao de massa,7 no sentido de que, em 20/11/2003, estaria prescrito o direito de reviso de todos benefcios previdencirios, apesar do esclarecimento em sentido contrrio por parte da comunidade jurdica, associada divulgao do direito a reajuste de 39,67% incidente sobre o valor do respectivo benefcio (fato inverdico). Vale lembrar que, em 19/11/2003, os ento ministros da Previdncia Social, ricardo berzoini, e da casa civil, Jos dirceu, enviaram ao presidente da repblica a emisso de Mensagem interna no 57/cc/aGU/MPS para submeter proposta de edio da Medida Provisria no 138, dispondo que:[...] No atual momento, o problema se acentua, em face da proximidade do vencimento do prazo decadencial ora em vigor que tem levado milhares de cidados a procurar as agncias da Previdncia Social e rgos do Poder judicirio, notadamente dos Juizados especiais Federais. H, por parte da sociedade em geral, em todo o pas, clamor5

Sobre o aspecto histrico, encontra-se equivocado o Superior tribunal de Justia no resp no 780.825, relatora: ministra Nancy andrighi.

em relao a essa demanda, foi ajuizada, em novembro de 2003, pelo Ministrio Pblico Federal, a ao civil Pblica no 2003.51.01.533987-6 perante o juzo da 38 Vara Federal da Seo Judiciria do rio de Janeiro, sendo prolatada deciso com seguinte dispositivo: Pelas razes expostas, presentes os pressupostos legais autorizadores da tutela de urgncia, nos termos do artigo 273 do cPc, deFirO eM Parte O PedidO de tUtela aNteciPada, para determinar ao iNSS que revise todos os benefcios de prestao continuada, concedidos pelo iNSS no estado do rio de Janeiro, cuja renda mensal tiver sido iniciada ou houver de ser calculada computando-se o salrio-de-contribuio referente a fevereiro de 1994, incluindo-se, na atualizao deste, o valor integral do irSM, no percentual de 39,67%, implantando as diferenas positivas nas parcelas vincendas. Concedo para tanto o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para concluso de todas as revises findo o qual, se no cumprida a deciso e no apresentada justificativa, estar o Requerido sujeito ao pagamento de multa diria de r$ 500,00 (quinhentos reais). em rplica. intimem-se. cumpra-se. rio de Janeiro, 19 de novembro de 2003.6 7

a respeito do tema, vide reportagem publicada no jornal Extra, de 17 de fevereiro de 2003.

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revista Da aJUfe quanto aos efeitos que decorrero da manuteno do prazo decadencial ora previsto, que atingiria milhares de cidados, os quais, por no terem oportunamente exercido seu direito de pleitear a reviso, por desconhecimento ou falta de acesso Justia e Previdncia seriam impedidos de faz-lo posteriormente. agrava o fato a circunstncia de que em algumas localidades importantes, como o caso do estado do rio de Janeiro, o ltimo dia do prazo que vinha sendo noticiado pelos meios de comunicao ser feriado local (dia 20 de novembro).

No catico ms de novembro de 2003, foram ajuizados 92.509 processos na Seo Judiciria do rio de Janeiro, sendo que 36.609 tinham por objeto o irSM de fevereiro de 1994 (39,58% dos processos ajuizados).8 Posteriormente, em 23/7/2004, o Poder executivo editou a Medida Provisria no 201, convertida na lei no 10.999/2004, que autoriza, mediante acordo, a reviso dos benefcios previdencirios e o pagamento de diferenas vencidas, estipulando-se transao judicial e extrajudicial. Na emisso de Mensagem no 17/2004-MF/MPS, de 23/7/2004, os ministros da Fazenda e Previdncia Social informaram:trata-se de 1.883.148 (um milho, oitocentos e oitenta e trs mil, cento e quarenta e oito) benefcios que potencialmente teriam sido prejudicados, cujos titulares podero beneficiar-se da reviso ora proposta. O valor do passivo corresponde aos cinco anos anteriores a agosto de 2004 foi estimado em r$ 12,33 bilhes. alm desse valor, correspondente a atrasados (estoque), haver, tambm um impacto no fluxo de despesa corrente do INSS da ordem de R$ 2,313 bilhes anuais, pois continuam ativos cerca de 1,58 milho desses benefcios. em cumprimento ao disposto no art. 17 da lei complementar no 101, de 4 de maio de 2001, cumpre informar que a despesa efetivamente prevista para o presente exerccio ser de, no mximo, seiscentos e setenta milhes de reais, correspondente reviso dos benefcios a partir da competncia agosto de 2004. trata-se do valor mximo possvel, a ser verificado apenas na hiptese de adeso de todos os potenciais benefcios. desse valor devero ser deduzidos os montantes que forem devidos aos beneficirios j em gozo da reviso por fora de deciso judicial. Para os exerccios de 2005 e 2006, alm do desembolso de r$ 2,3 bilhes por ano correspondente s competncias vincendas (fluxo), estima-se o gasto adicional de r$ 1,5 bilho e r$ 2 bilhes, respectivamente, para pagamento das primeiras vinte e quatro parcelas dos atrasados.

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Fonte: direo do Foro da Seo Judiciria do rio de Janeiro.

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como soluo para uma distribuio catica, determinados magistrados optaram por julgar improcedentes demandas cuja matria de mrito j havia sido consolidada, criando e desenvolvendo, de forma pragmtica, esse instrumento de aplicao de precedentes jurisdicionais.9 a questo a ser ressaltada gravita em torno do acesso prestao jurisdicional de demandas efetivamente procedentes, como a hiptese das aes sobre o reajuste de 39,67% sob o salrio-de-contribuio de fevereiro de 1994 pelo irSM. Para tanto, fora necessrio o julgamento clere de improcedncia de outras aes que j continham consolidao jurisprudencial em sentido contrrio pretenso dos demandantes, como as que envolviam a correo dos benefcios previdencirios pelo iGP-di.10 esse foi o paradoxo que ensejou a formao do julgamento de improcedncia sem citao. Para evitar atos processuais despojados de finalidade e concentrar a estrutura orgnica dos juizados em aes potencialmente procedentes, dispensou-se a citao sem, contudo, indeferir a petio inicial para se apreciar, de imediato, o mrito. Ora, para demandas sobre direitos individuais homogneos, foi utilizada a mxima de experincia, na medida em que o teor das contestaes quanto matria de direito j era conhecido e inexistia prejuzo para o ru, que, quase sempre em sede de JeFs, consubstancia o Poder Pblico. esse momento histrico, de certa forma, inspirou o legislador reformista a provocar o Projeto de lei no 4.728/2004, que propunha a seguinte alterao ao cdigo de Processo civil (cPc): Art. 285-A. Quanto a matria controvertida for unicamente de direito, em processos repetitivos e sem qualquer singularidade, e no juzo j houver sentena de total improcedncia em caso anlogo, poder ser dispensada a citao e proferida sentena reproduzindo a anteriormente prolatada. 1o Se o autor apelar, facultado ao juiz, no prazo de cinco dias, cassar a sentena e determinar o prosseguimento da demanda. 2o caso mantida a sentena, ser ordenada a citao do ru para responder ao recurso.9 Francisco de Queiroz bezerra cavalcanti salienta a experincia dos JeFs na 5 regio, com a extino em bloco de milhares de processos, at no nascedouro, antes mesmo da previso do artigo 285-a do cdigo de Processo civil. (caValcaNti, Francisco de Queiroz bezerra. consideraes acerca da improcedncia liminar nas aes repetitivas: um estudo sobre a compatibilidade do artigo 285-a do cdigo de Processo civil, com o sistema processual vigente. Revista da Associao dos Juzes Federais do Brasil, no 85, ano 23, 3o trim. 2006. p. 127-144).

essa demanda de massa teve por objeto a atualizao dos benefcios previdencirios nos anos de 1997, 1999, 2000 e 2001 com base no ndice Geral de Preos iGP-di (Fundao Getlio Vargas). acolhendo essa pretenso, a turma Nacional de Uniformizao dos Juizados especiais Federais (tNU), na sesso de 30/9/2003, editou a Smula no 3: Os benefcios de prestao continuada, no regime geral da Previdncia Social, devem ser reajustados com base no iGP-di nos anos de 1997, 1999, 2000 e 2001. entretanto, o StF, ao apreciar o recurso extraordinrio no 376.846, na sesso de 24/9/ 2003, entendeu constitucionais os artigos 12 e 13 da lei no 9.711/1998; 4o, 2o e 3o, da lei no 9.971/2000; 1o, da Medida Provisria no 2.187-13, de 24 de agosto de 2001, e 1o do decreto no 3.826/2001, revogando a orientao da tNU e das turmas recursais dos JeFs.10

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esse projeto de lei foi convertido na lei no 11.277/2006, que inseriu o artigo 285-A ao CPC, com a seguinte redao final: Art. 285-A. Quando a matria controvertida for unicamente de direito e no juzo j houver sido proferida sentena de total improcedncia em outros casos idnticos, poder ser dispensada a citao e proferida sentena, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. 1o Se o autor apelar, facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, no manter a sentena e determinar o prosseguimento da ao. 2o caso seja mantida a sentena, ser ordenada a citao do ru para responder ao recurso. Tanto a redao do projeto de lei quanto a do texto definitivo sofrem merecidas crticas de redao dos estudiosos do movimento reformista.11 de forma geral, a doutrina aponta que o dispositivo sequer faz meno a expresses como smula ou jurisprudncia dominante, dando a entender que basta apenas o juzo ter prolatado sentena em matria similar. Salienta, tambm, o pensamento doutrinrio, que o artigo possui expresso matria controvertida em um contexto que dispensa a citao, bem como utiliza o termo casos idnticos apto a se confundir com a identidade de aes. as crticas procedem, com a ressalva de que texto no se confunde com norma. As referidas redaes, tanto a da proposta inicial como a final, no discorrem a respeito de se tratar de um instrumento de aplicao de precedente jurisdicional, nem tecem menes de que um dado julgado figurar como paradigma. As redaes no disciplinam que se trata de instrumento apto a reger o julgamento de demandas de massa, desconsiderando os fatores histricos que ensejaram o julgamento de mrito sem citao. a redao consagra verdadeiro culto ao positivismo pela crena atemporalidade do fenmeno jurdico e destituio das normas dos fatores histricos, como se possvel fosse. instiga a discricionariedade (exacerbada) do julgador, ao estabelecer como pressuposto no a existncia de um precedente, mas de um outro caso sentenciado pelo juzo. Uma interpretao do artigo 285-a em desconformidade com a constituio esbulha a funo dos tribunais superiores de defesa do jus in thesi, a partir da vinculao razo de decidir, e fomenta a utilizao de pseudoprecedentes.

11 Nesse sentido vide: caValcaNti, op. cit., p. 127-144; MattOS, luiz Norton baptista de. a reforma Processual. Revista da Associao dos Juzes Federais do Brasil, no 82, ano 23, 4o trim. 2005. p. 159-199; MOreira, op. cit., p. 58.

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2. A inovao da concepo tradicional de cognio exauriente perante o artigo 285-A como instrumento processual de aplicao de precedentesUltrapassadas as observaes de redao, esse instrumento de origem pretoriana tambm sofre severas crticas do pensamento doutrinrio quanto validade, aplicabilidade e eficcia. Quanto constitucionalidade, o artigo 285-A sofre muito mais que crticas: constitui objeto da ao direita de inconstitucionalidade (adi) no 3.695 (relator Ministro cezar Peluso) impetrada pela Ordem dos advogados do brasil, que questiona a leso desse dispositivo em face dos princpios da legalidade, segurana jurdica, contraditrio e devido processo legal, bem como ao direito de ao. A impetrante, na petio inicial, defende que o dispositivo cria a figura da sentena emprestada, vinculante e impeditiva do curso do processo em primeiro grau. Nessa ao, o instituto brasileiro de direito Processual pede a incluso na qualidade de amicus curiae,12 enquanto o procurador-geral da repblica emitiu parecer opinando pela improcedncia do pedido. Nesse contexto, merece nfase o trabalho de daniel Mitidiero,13 ao defender a inconstitucionalidade do artigo 285-a do cPc, partindo da ideia de processo como actum trium personarum, democrtico, cooperativo e permeado pelo contraditrio. defende, ainda:Parece-nos, antes, que esse expediente de sumarizao instrumental guarda relao justamente com a outra face da efetividade, identificada outrora por carlos alberto lvaro de Oliveira como efetividade perniciosa, que se encontra em aberto conflito com os direitos fundamentais encartados em nosso formalismo processual. com efeito, a pretexto de agilizar o andamento dos feitos, pretende o legislador sufocar o carter dialtico do processo, em que o dilogo judicirio,12

O instituto brasileiro de direito Processual, na petio em que requer a interveno na qualidade de amicus curiae na adi no 3.695, subscrita pelo eminente Professor Cssio Scarpinella Bueno, sustenta que fica claro que o art. 258-a do cdigo de Processo civil, introduzido pela lei no 11.277/2006, no inconstitucional. ele no viola, venia concessa das alegaes da petio inicial, os princpios constitucionais l referidos: isonomia, segurana jurdica, direito de ao, contraditrio e devido processo legal. Muito pelo contrrio, venia redobrada, a tcnica legislativa empregada mais recentemente realiza adequadamente outros valores (princpios) constitucionais na busca de um processo civil de resultados, mais efetivo e que realiza de forma segura, isonmica, equnime e racional a distribuio da justia pelos juzos de primeiro grau de jurisdio nos casos repetitivos. No h como, em uma sentena, confundir direito de ao com desperdcio da atividade jurisdicional naqueles casos em que, falta de outros argumentos, a sentena de improcedncia, mesmo que liminar, providncia infastvel. (petio disponvel em: . acesso em: 2/3/2009)

MitidierO, daniel. a multifuncionalidade do direito fundamental ao contraditrio e a improcedncia liminar (art. 285-a, cPc): resposta crtica de Jos tesheiner. Revista de Processo no 144, ano 32, fevereiro de 2007, p.105-111; MitidierO, daniel. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, t. iii (arts. 270 a 331). So Paulo: 2006, p. 173 e 174. idem. Elementos para uma teoria contempornea do processo civil brasileiro. Porto alegre: livraria do advogado, 2005, p. 53.13

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revista Da aJUfe pautado pelos direitos fundamentais, propicia ambiente de excelncia para reconstruo da ordem jurdica e conseguinte obteno de decises justas. aniquila-se o contraditrio, subtraindo-se das partes o poder de convencer o rgo jurisdicional do acerto de seus argumentos. Substituise, em suma, a acertada combinao de uma legitimao material e processual das decises judiciais por uma questionvel legitimao pela eficincia do aparato judicirio, que, de seu turno, pode facilmente desembocar na supresso do carter axiolgico e tico do processo e de sua vocao para ponto de confluncia de direitos fundamentais. lugar comum observar a multifuncionalidade dos direitos fundamentais. dessa comezinha, mas extraordinria impostao, ressai que o direito fundamental ao contraditrio no se cinge mais a garantir to-somente a bilateralidade da instncia, antes conferindo direito, tanto ao demandante como ao demandado, de envidar argumentos para influenciar na conformao da deciso judicial. o que vem se consagrando na doutrina, paulatinamente, como a dimenso ativa do direito fundamental ao contraditrio, consagrada vista do carter fortemente problemtico do direito contemporneo, constatao hoje igualmente corrente, e da complexidade do ordenamento judicial atual. Nessa perspectiva, o contraditrio deixa de ser um direito fundamental que se cifra esfera jurdica do demandado, logrando pertinncia a ambas as partes, abarcando, portanto e evidentemente, inclusive o demandante. a nosso juzo, o art. 285-a, cPc, est a ferir, justamente, o contraditrio do autor, e no o do ru. enveredando por essa senda, o contraditrio deixa de ser uma norma de igualdade formal para assumir um papel central na experincia do processo, cujo resultado no pode ser outro que no um ato de trs pessoas como um autntico ambiente democrtico e cooperativo. a igualdade substancial vai, evidentemente, ser atendida de maneira mais adequada nessa segunda impostao, porque possibilita uma efetiva participao daqueles que sofrero a eficcia do processo sobre a formao do provimento jurisdicional.

Quanto s crticas relativas aplicabilidade e eficincia, Luiz Rodrigues Wambier et. al.14 defendem que o artigo 285-a umademonstrao eloqente e lamentvel da tentativa de resolver os grandes problemas estruturais do Pas (inclusive do processo) pela via da negativa de fruio das garantias constitucionais. Sustentam que os tribunais sero sobrecarregados com apelaes e tero de cumprir, de certo modo, papel de juzo de primeiro grau, na hiptese do ru oferecer suas contra-razes.WaMbier, luiz rodrigues; MediNa Jos Miguel Garcia; WaMbier, teresa arruda alvim. Breves Comentrios Nova Sistemtica Processual Civil 2. So Paulo: revista dos tribunais, 2006. p. 63, 64 e 71.14

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Por fim, concluem:Que diferena trar, esse novo mtodo, em relao ao julgamento antecipado da lide, esse sim, com pleno contraditrio e com o exaurimento da atividade jurisdicional em primeiro grau? certamente nenhuma diferena expressiva, at porque a nica fase que se est evitando ser a da citao seguida da apresentao de contestao. Ora, se se trata de matria de direito, logo aps o eventual exerccio do direito de defesa, pelo ru, ou, ainda, na hiptese de revelia, pode o magistrado (pela via do julgamento antecipado) proferir sentena, sem qualquer atropelo e sem qualquer fissura no conjunto de garantias processuais constitucionais. V-se, portanto, que a aplicao do art. 285-a dever ser realizada de modo extremamente comedido, apenas em casos em que, evidentemente, de sua aplicao decorram conseqncias vantajosas, no s para os juzes de primeiro grau e dos tribunais, mas, especialmente, para o jurisdicionado. No sendo assim, a aplicao do art. 285-a poder resultar em manifesto desperdcio de tempo e de atividade jurisdicional, o que estaria em descompasso com a garantia constitucional de durao razovel e celeridade da tramitao do processo (cF, art. 5o, lXXViii, inserido pela ec no 45/2004). Note-se, ademais, que, imediatamente aps a apresentao de resposta pelo ru, poder o juiz, versando a causa apenas sobre matria de direito, proferir sentena julgando antecipadamente a lide (cPc, art. 330, i), emitindo uma sentena mais amadurecida sobre o caso, e, por isso mesmo, com maior probabilidade de ser mantida, se contra ela houver recurso. a opo pelo mecanismo previsto no artigo 330, i, em detrimento do referido no art. 285-a, tem, ainda, a vantagem de evitar que ocorram vrios incidentes processuais de difcil soluo, tais como aqueles indicados acima.

Uma vez sintetizadas as crticas a esse instrumento relativas constitucionalidade, aplicabilidade e eficincia, cabe tecer respectivos comentrios no contexto de busca para a adequada aplicao de precedentes na experincia brasileira.15 a primeira colocao a ser feita gravita em torno da necessidade de se interpretar, de acordo com a constituio, o disposto no artigo 285-a do cdigo de Processo

a existncia dos instrumentos processuais de aplicao dos precedentes jurisdicionais defendida por ns desde 2006 (taraNtO, caio Mrcio Gutterres. O incidente de repercusso geral como instrumento de aplicao de precedente jurisdicional: novas hipteses de efeitos vinculante e impeditivo de recurso em sede de controle incidental de constitucionalidade. Revista da Seo Judiciria do Rio de Janeiro, n. 19, abr. 2007. p. 93-108).15

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civil, lembrando-se a dissociao que o intrprete deve fazer entre texto e norma,16 ao ponto de visualizar sistema pragmtico na linguagem a ser atribuda, para tornlo mecanismo apto a satisfazer aos anseios constitucionais de concretizao do devido processo legal e do acesso prestao clere da atividade jurisdicional. com o merecido respeito aos crticos do julgamento de mrito sem citao, constitucionalidade e inconstitucionalidade so construes (hermenuticas) e inexistem fora de um contexto ftico e argumentativo. O artigo 285-a exige interpretao de acordo com a constituio tal qual todos os demais dispositivos infraconstitucionais, mesmo porque se encontra ultrapassada a decantao existente entre jurisdio constitucional e jurisdio ordinria.17 a exposio de Motivos da lei no 11.277/2006 mostra-se apta a inspirar vrios dos crticos e comentaristas do movimento reformista, a ponto de lhes vendar os olhos para o contexto de surgimento e aplicao desse instrumento voltado s demandas multitudinrias. diversos estudiosos que se atreveram a adentrar no estudo desse dispositivo, como Francisco de Queiroz bezerra cavalcanti,18 Jos Henrique Mouta arajo19 e leonardo Jos carneiro da cunha20 ponderam a realidade massificadora que gerou o artigo 285-A, fato desconsiderado pela referida exposio de motivos. Para a proposta compreenso constitucional do julgamento de mrito sem citao, necessrio que o precedente a figurar como paradigma se baseie em orientaes consolidadas dos tribunais responsveis pela defesa do jus in thesi, ou seja, o Superior tribunal de Justia, a turma Nacional de Uniformizao dos Juizados especiais Federais e o Supremo tribunal Federal, apesar de o texto no se referir s expresses smula ou jurisprudncia consolidada ou, conforme propomos, aNormas no so textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construdos a partir da interpretao sistemtica de textos normativos. Da se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretao; e as normas, no seu resultado. O importante que no existe correspondncia entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre que houver um dispositivo haver uma norma, ou sempre que houver uma norma dever haver um dispositivo que lhe sirva de suporte. (Vila, Humberto. Teoria dos princpios. Da definio aplicao dos princpios jurdicos. 4. ed. So Paulo: Malheiros, 2004. p. 22)16

lnio Streck leciona que velhos paradigmas de direito provocam desvios na compreenso do sentido de constituio e do papel da jurisdio constitucional. antigas teorias acerca da constituio e da legislao ainda povoam o imaginrio dos juristas, a partir da diviso entre jurisdio constitucional e jurisdio ordinria, entre constitucionalidade e legalidade, como se fossem mundos distintos, separveis metafisicamente, a partir do esquecimento daquilo que Heidegger chamou de diferena ontolgica. (StrecK, lnio luiz. Jurisdio constitucional e hermenutica: uma nova crtica do direito, 2. ed. rio de Janeiro: Forense, 2004).17 18 19

caValcaNti, op.cit., p. 127-144.

araJO, Jos Henrique Mouta. Processos repetidos e os poderes do magistrado diante da lei no 11.277/2006: Observaes e crticas. Revista Dialtica de Direito Processual, v. 37, So Paulo, dialtica, 2006.20 cUNHa, leonardo Jos carneiro da. Primeiras impresses sobre o artigo 285-a do cPc. Julgamento imediato de processos repetitivos: uma racionalizao para as demandas de massa. Revista Dialtica de Direito Processual, no 39, jun. de 2006, p. 95.

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precedentes jurisdicionais das respectivas cortes. em outras palavras, o artigo 285a no disciplina processo subjetivo, mas demandas cujo thema decidendum j fora devidamente objetivado pelos referidos tribunais.21 essa exigncia necessria para evitar que esse instrumento obstrua o acesso s vias excepcionais. trata-se de tema j decidido pelo direito Pretoriano, como denota o exposto pelo Superior tribunal de Justia no recurso especial no 299.196MG, relatado pelo ministro Franciulli Netto:a expresso jurisprudncia dominante do respectivo tribunal somente pode servir de base para negar seguimento a recurso quando o entendimento adotado estiver de acordo com a jurisprudncia do Superior tribunal de Justia e do Supremo tribunal Federal, sob pena de negar s partes o direito constitucional de acesso s vias excepcionais (extraordinria e especial).22

dessa forma, interpretar o artigo 285-a em desconformidade com a constituio pode fazer com que haja julgamento de mrito com base em pseudoprecedentes ou em sentena anterior do juzo sem pronunciamento consolidado dos tribunais responsveis pela tutela do jus in thesi ou em desarmonia com as orientaes j fixadas. como o dispositivo expresso, esse instrumento apenas pode ser aplicado quando a matria for unicamente de direito. Por outro lado, necessrio que o magistrado que o aplique j tenha prolatado sentena de mrito em demanda cujo thema decidendum seja a mesma matria, envolvendo direito individual homogneo ou coletivo em sentido estrito. em outras palavras: que ambas as demandas sejam fragmentos do mesmo fenmeno massificador. Essa exigncia dirigida ao magistrado consubstancia verdadeira garantia do jurisdicionado, de status constitucional, na medida em que se extrai fora normativa do pargrafo 2o do artigo 5o do texto Magno, que deve ser compreendida no contexto da funo constitucional dos tribunais Superiores de tutelar o jus in thesi para evitar provimentos jurisdicionais dspares a jurisdicionados na mesma situao jurdica. adequa-se, assim, esse instrumento de aplicao do precedente jurisdicional ao devido processo legal e ao princpio da isonomia. Portanto, na adi no 3.695, dever o Supremo tribunal Federal atribuir interpretao de acordo com a constituio lei no 11.277/2006 para, sem a reduo do texto, fixar que o artigo 285-A do CPC deve ser aplicado em demandas21 Nesse sentido, Cssio Scarpinella Bueno leciona que assim, para todos os fins, parece-me que a melhor interpretao a ser dada ao art.285-a aquela que admite a rejeio liminar da petio inicial apenas quando a tese repetitiva j tenha sido repelida pelos tribunais Superiores, como objetivamente podem demonstrar suas smulas ou, quando menos, a sua jurisprudncia notoriamente predominante. (bUeNO, cssio Scarpinella. a nova etapa da reforma do cdigo de Processo civil. V. 2, 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 59) 22

2 turma, publicado em 5/8/2002.

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massificadas em que a matria de direito j tenha sido consolidada por precedentes das cortes responsveis pela defesa do direito objetivo.23 Uma aplicao desse instrumento fora de um contexto de demandas multitudinrias pode, sim, consubstanciar leso ao devido processo legal e isonomia. a hiptese ftica poder exigir a aplicao do processo paradigma por negao, ou seja, poder (dever, em algumas situaes) o magistrado, fora da hiptese de demandas de massa, ter de aplicar o distinguishing24 como mtodo de deciso. O artigo 285-a instiga o aplicador a separar um precedente jurisdicional de pseudoprecedentes ou seja, consolidaes formadas para pura e simplesmente projetarem-se para o futuro, sem o respeito ao procedimento de gnese de uma orientao, assumindo existncia autnoma para que se fundamentem decises judiciais a posteriori. Ora, esse risco, por si s, no torna o dispositivo em comento inconstitucional. Ultrapassada essa observao, esse instrumento de aplicao de precedente jurisdicional, adequadamente utilizado, representa mecanismo de celeridade e eficincia, haja vista que concede a resposta da atividade jurisdicional com o mnimo de atos praticados e com a mesma segurana jurdica, pois dispensa a citao e vrias rotinas cartorrias, expondo, desde o incio, as razes da improcedncia da pretenso do demandante.25de certa forma, a necessidade de se determinar interpretao, de acordo com o artigo 285-a da constituio, exigida pelos comentaristas e crticos do movimento reformista. luiz rodrigues Wambier, teresa arruda alvim Wambier e Jos Miguel Garcia Medina lecionam que o exame desse conjunto de normas permite extrair um princpio jurdico fundamental, que permeia todo o direito processual civil: o de que devem ser observadas, nas decises proferidas pelos rgos jurisdicionais, as orientaes traadas pela jurisprudncia firmada pelas instncias hierarquicamente superiores em especial o Supremo tribunal Federal e o Superior tribunal de Justia, que existem para determinar a inteligncia das normas constitucionais e federais infra-constitucionais respectivamente. [...] a coincidncia entre a orientao adotada pelo juzo de primeiro grau e o entendimento manifestado por tribunal que lhe seja hierarquicamente superior , assim, pressuposto fundamental para a incidncia do art. 285-a. (op. cit., p. 66-67) No mesmo sentido, luiz Norton baptista de Mattos sustenta que a regra s faz sentido se a questo jurdica j est pacificada na jurisprudncia dos Tribunais Superiores ou do Supremo tribunal Federal contrariamente ao pleito do autor e o juiz adota o mesmo entendimento, pois a providncia seria racional, possibilitando o mximo de resultado do processo com o mnimo de atividade processual. (op. cit., p. 159-199).23 24 taraNtO, caio Mrcio Gutterres. A utilizao do mtodo distinguishing pelo Supremo Tribunal Federal. a experincia da Medida cautelar na adc no 4-6/dF e da Smula 729, in revista JurisPoiesis, ano 8, n. 8, 2005, p. 43-60. Revista da Seo Judiciria do Rio de Janeiro no 14, julho de 2005, p. 19-35. celso de albuquerque Silva sustenta que a aplicao do mtodo distinguishing significa criar uma exceo regra geral, na medida em que, como o caso que atualmente se decide se encontra por ela abrangido, deveria ser, mas de fato no por ela alcanado. (SilVa, celso de albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimao e aplicao. rio de Janeiro: lumen Juris, 2005, p. 247) 25 cssio Scarpinella bueno leciona que o dispositivo em comento repousa na busca de maior racionalidade e celeridade na prestao jurisdicional nos casos em que h, j, deciso desfavorvel tese levada novamente e repetitivamente para soluo perante o estado-juiz. (op. cit., p. 53)

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Por outro lado, o magistrado, ao aplicar o instrumento do artigo 285-a do cPc utiliza sua mxima de experincia quanto ao teor da contestao,26 pois se trata de demanda multitudinria cujo thema decidendum unicamente de direito. da no haver prejuzo, tanto ao ru quanto ao autor, pela no-citao, na medida em que o demandado, caso citado, provavelmente apresentaria contestao idntica de um sem-nmero de processos. Por fim, o adequado uso do instrumento previsto no artigo 285-A do CPC no apto a lesionar a finalidade conciliatria da atividade jurisdicional. Em geral, demandas massificadas, cujo thema decidendum seja matria exclusivamente de direito so propostas em face do Poder Pblico.27 ao menos a realidade atual. Qual seria, ento, o interesse ou a razo de o estado transacionar, na qualidade de demandado, em dada situao na qual h orientao consolidada e talvez vinculante no sentido da improcedncia da pretenso do demandante? a resposta, claro, nenhuma. dessa forma, sem dvida, devidamente aplicado, o instrumento previsto no artigo 285-a do cPc consubstancia mecanismo mais vantajoso do que o julgamento antecipado da lide: representa uma verdadeira ferramenta para o acesso justia, ao desobstruir as concluses dos juzos para os demais processos serem devidamente julgados.

3. Fechamento do sistema recursal pela sistematizao da extino do processo com o exame do mrito sem citao com outros instrumentos processuais de aplicao dos precedentesOs instrumentos de aplicao28 de precedentes consubstanciam aes autnomas ou incidentes processuais desenvolvidos para que uma dada orientao26

em sentido anlogo, leonardo Jos carneiro da cunha defende que as contestaes, nesses casos, contm o mesmo teor, consistindo em reprodues sucessivas, da se seguindo sentenas absolutamente idnticas, apenas adaptadas para cada caso, com a modificao do nmero do processo e do nome das partes. (op. cit., p. 94)

essa constatao tambm fora percebida por leonardo Jos carneiro da cunha, ao dispor que com efeito, no raro que uma determinada situao atinja, em massa, uma quantidade exagerada de pessoas, que, diante disso, passariam a ingressar em juzo na busca do reconhecimento de sue direito. tal situao ocorre com bastante frequncia em demandas propostas contra a Fazenda Pblica. em outras palavras, a Fazenda Pblica r em muitas demandas de massa, em demandas cuja soluo a mesma ao decidir os primeiros casos, o juzo est dando soluo a todos os demais. a sentena passar a constituir um padro, um formulrio, um modelo que se aplicar a todos os casos. Nessas hipteses, despende-se atividade cartorria desnecessariamente, pois j se sabe qual ser o resultado. (op. cit., p. 93).27 28 a existncia dos instrumentos processuais de aplicao dos precedentes jurisdicionais defendida por ns desde 2006. (taraNtO, 2007, p. 93-108). Marcelo alves dias de Souza leciona que um precedente judicial pode ser seguido em um caso posterior por possuir considervel poder de persuaso. apesar de no possuir carter cogente, dada a excelncia do seu fundamento, aprovado e seguido no caso posterior. de outro lado, um precedente deve, em regra, ser seguido se, verificada a hierarquia das cortes envolvidas, esto presentes os lineamentos da doutrina do stare decisis. todavia, mesmo no segundo caso, a prpria doutrina do stare decisis, desenvolvida com o passar dos anos pela tradio do common law, prev tcnicas ou circunstncias que, cui-

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seja acolhida por meio de uma deciso (em sentido estrito), uma sentena ou um acrdo. assim, o precedente que contm a orientao a ser aplicada atua como paradigma, incide por deduo ou induo. O sistema processual ptrio, em especial a partir da lei no 8.038/1990, passou a desenvolver tais instrumentos dentro de um contexto de soluo para a baixa efetividade do processo. Ao se visualizar e interpretar os referidos instrumentos, identifica-se a presena dos princpios regentes dos precedentes jurisdicionais na experincia brasileira: a legalidade na expresso material; a igualdade, na medida em que se busca atribuir a mesma prestao jurisdicional a jurisdicionados com a mesma pretenso; e a segurana jurdica. Os instrumentos, assim, para a aplicao de precedentes podem ser divididos em trs espcies: os inerentes admissibilidade de recurso; os voltados para os precedentes em matria de mrito; e, por fim, a reclamao, consubstanciando verdadeira ao autnoma para a aplicao de um precedente jurisdicional editado pelo Supremo tribunal Federal. O instrumento de aplicao de precedente inserto no artigo 285-a do cPc deve ser compreendido em harmonia com os demais, com a ressalva de que o primeiro dos instrumentos a incidir nos ritos inerentes ao processo de conhecimento. Trata-se, assim, de desafio perante patolgico contexto histrico de utilizao de pseudoprecedentes, fato que pode gerar o fechamento do sistema recursal e impedir o acesso s instncias excepcionais. O sistema dos instrumentos de aplicao de precedentes dentro do procedimento dos JeFs assim como em outros ritos exige interpretao conforme apta a resguardar a funo constitucional dos rgos jurisdicionais responsveis pela defesa do jus in thesi, sobretudo para se evitar a formao de um ambiente de violncia simblica.29dadosamente analisadas, implicam a no-aplicao do precedente, muito embora, primeira vista, parea ser ele de seguimento obrigatrio. (SOUZa, Marcelo alves dias de. Do precedente judicial smula vinculante. curitiba: Juru, 2006, p. 142)29 a concorrncia entre os intrpretes est limitada pela circunstncia de as decises judiciais s poderem distinguir-se de simples atos de fora polticos na medida em que se apresentem como resultado necessrio de uma interpretao regulada de textos unanimente reconhecidos. como a igreja e a escola, a Justia organiza segunda uma estrita hierarquia no s as instncias judiciais e os seus poderes, portanto, as suas decises e as interpretaes em que elas se apiam, mas tambm as normas e as fontes que conferem a sua autoridade a essas decises (bOUrdieU, Pierre. O poder simblico. traduo de Fernando tomaz. rio de Janeiro: bertrand, 1989. p. 213); a violncia simblica dispensa a violncia fsica por conseguir os mesmos efeitos de maneira mais eficaz. A naturalizao das crenas realizada pelo domnio da linguagem, ao impor uma estrutura de pensamento especfico (habitus), faz com que os dominados, diferentemente da arbitrariedade fsica, no percebam as imposies que lhes esto sendo apresentadas, criando desta forma uma estabilidade maior na manuteno do poder do campo. (dUarte, Fernanda; iOriO FilHO, rafael M. O Supremo tribunal Federal e o processo como estratgia de poder: uma pauta de anlise. Revista da Seo Judiciria do Rio de Janeiro, n. 19, 2007, p. 109-135)

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Na hiptese de o autor recorrer da sentena de mrito sem citao, o 2o do artigo 285-a dispe que, caso o juiz no se retrate, ser ordenada a citao para responder ao recurso. trata-se de um verdadeiro antdoto possvel aplicao equivocada do instrumento via previso de recurso per saltum uma vez combinado, sistematicamente, com o pargrafo 3o do artigo 515 do cPc, introduzido pela lei no 10.352/2001 pois as demandas em que incide versam sobre questo unicamente de direito. caso a turma recursal entenda inadequado o precedente que atuou na qualidade de paradigma, e os autos estejam devidamente instrudos, poder ento reformar a sentena e, at mesmo, prolatar acrdo lquido. essa estrutura recursal visa a mitigar a concepo de aplicao rgida do princpio do duplo grau de jurisdio, ao tornar mais clere e efetiva a prestao da atividade jurisdicional, um verdadeiro abandono a antigos dogmas e mitos. estamos perante uma racional ponderao entre o acesso efetivo da prestao jurisdicional em face ao duplo grau de jurisdio. cabe, ento, apreciar a conjugao da norma do artigo 285-a com trs outros instrumentos processuais de aplicao de precedentes jurisdicionais que se harmonizam no rito dos JeFs: a no-admisso de recurso inominado por forada aplicao do artigo 518, 1o, a negativa de seguimento de recurso inadmissvel, improcedente ou prejudicado, nos termos do caput do artigo 557, ambos do cPc, e com os artigos 14 e 15 da lei no 10.259/2001, combinado com o artigo 321 do regimento interno do Supremo tribunal Federal.3.1. a conjugao do artigo 285-a com o juzo negativo de admissibilidade do recurso inominado por fora da aplicao do artigo 518, 1 o, e com a negativa de seguimento de recurso inadmissvel, improcedente ou prejudicado nos termos do caput do artigo 557, ambos do cdigo de Processo civil

a grande indagao a ser feita em sede da utilizao cadencial dos instrumentos de aplicao de precedentes no rito dos JeFs gravita em torno da possibilidade de conjugao do artigo 285-a com o juzo negativo de admissibilidade do recurso inominado por fora da aplicao do artigo 518, 1o, do cPc; ou com a negativa de seguimento de recurso inadmissvel, improcedente ou prejudicado, nos termos do caput do artigo 557 do mesmo cdigo gerando, assim, o trnsito em julgado sem uma reapreciao propriamente dita do mrito. O sistema formado pelos pargrafos do artigo 285-a ao prever um recurso per saltum voltado para a reforma da sentena inaudita altera parte por potencial error in judicando no impede a aplicao conjunta da extino do processo com exame de mrito sem citao com um desses outros instrumentos processuais de aplicao de precedentes jurisdicionais.

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a redao original do pargrafo nico do artigo 518 do cPc dispunha que, apresentada a resposta, seria facultado ao juiz o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso. a lei no 11.276/2006 alterou a sistemtica do dispositivo, ao prever no 2o norma equivalente, acrescentando o prazo (imprprio) de cinco dias. entretanto, essa lei inseriu no artigo 518 o 1o, que disserta que o juiz no receber o recurso de apelao quando a sentena estiver em conformidade com smula do Superior tribunal de Justia ou do Supremo tribunal Federal. Na verdade, esse dispositivo no cria, em nosso sistema, a smula ou o precedente impeditivo de recurso, mas atribui ao juzo a quo o acolhimento desse efeito, que no mais prerrogativa exclusiva do relator, nos termos do caput do artigo 557. agora essa possibilidade estende-se primeira instncia. Por oportuno, cabe ressaltar a crtica de luiz rodrigues Wambier30 no sentido de que, nesse caso, o recurso no indeferido em razo da ausncia de um de seus requisitos de admissibilidade, j que saber se a sentena est ou no em consonncia com um entendimento sumulado pelo Supremo tribunal Federal ou pelo Superior tribunal de Justia questo atinente ao juzo de mrito do recurso. O 1o do artigo 518, dentro do estudo adequado para a aplicao dos precedentes na experincia brasileira, merece certas consideraes. A priori, o texto utiliza a expresso smula em sentido amplo, como precedente jurisdicional, ou seja, o instrumento mediante o qual o Poder Judicirio edita normas jurdicas a serem aplicadas em decises posteriores, o qual assumir, em dado caso, a qualidade de paradigma para o recurso de sentena que o confirme no ser admitido. Portanto, a norma extrada do texto determina a no-admisso de recurso caso o contedo da sentena reproduza orientaes consolidadas do Superior tribunal de Justia ou do Supremo tribunal Federal.31 Para a produo do efeito impeditivo de recurso em 1 instncia, tambm necessrio a totalidade do teor decisrio da sentena estar em consonncia com a referida orientao consolidada.32

30 31

WaMbier et al., Op. cit., p. 226.

Nesse sentido, cssio Scarpinella bueno sustenta a necessidade de se atribuir interpretao conforme constituio. defende que o pargrafo 1o do artigo 518 reclama, para sua incidncia, a existncia de smula do Superior tribunal de Justia ou do Supremo tribunal Federal. (bUeNO, op. cit., p. 34; 42) PrOceSSUal ciVil. aGraVO de iNStrUMeNtO. deciSO QUe NeGOU SeGUiMeNtO aPelaO. SMUla iMPeditiVa de recUrSO (cPc, art. 518, ParGraFO 1o). iNaPlicabilidade. a lei no 11.276, de 7/2/2006 (em vigor a partir de 10/5/2006), modificou o art. 518 do CPC, adotando em seu pargrafo 1o, a chamada smula impeditiva de recurso. agravo interposto contra deciso que negou seguimento apelao, ao entendimento de que a sentena fora prolatada em consonncia com a smula 314 do StJ. a inadmissibilidade do recurso pressupe que a smula abranja todo o contedo da sentena e no apenas parte dela, como foi o caso. admissibilidade da apelao. (tribunal Federal da 5 regio, Processo no 2006.0500053070-4, deciso de 12/4/2007, relator: desembargador federal rivaldo costa).32

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O recurso deve ser admitido, todavia caso a sentena expuser orientao revista ou revogada pelos referidos tribunais, bem como se o recurso questionar o fato de a sentena no ter atribudo adequada aplicao ao precedente paradigma,33 sob pena de deturpao do sistema, a ponto de provocar o jurisdicionado a agravar de instrumento, nos termos do artigo 522 do cPc. J o instrumento previsto no caput do artigo 557 do cPc, com a redao determinada pela lei no 9.756/1998, , de certa forma, o precursor em sede de aplicao de precedentes jurisdicionais. a lei no 8.038/1990, disciplinou, no artigo 38, o poder do relator, no StF e no StJ, de negar seguimento a pedido ou a recurso manifestamente intempestivo, incabvel ou improcedente, ou, ainda, que contrarie, nas questes predominantemente de direito, smula do respectivo tribunal. Posteriormente, a lei no 9.139/1995 alterou a redao do caput desse artigo, que passou a dispor:O relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissvel, improcedente, prejudicado ou contrrio smula do respectivo tribunal ou tribunal superior. Por fim, a Lei no 9.756/98, acrescentou nova redao ao dispositivo: O relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissvel, improcedente, prejudicado ou em confronto com smula ou com jurisprudncia do respectivo tribunal, do Supremo tribunal Federal, ou de tribunal Superior. cabe ressaltar que o texto utiliza a expresso smula ou jurisprudncia em sentido amplo, significando o que propomos por precedente jurisdicional.

esse dispositivo sofre severas crticas da doutrina, sobretudo por transformar o julgamento em segundo grau em deciso monocrtica. divergente a natureza do efeito introduzido pelas leis no 8.038/1990, 9.139/1995 e 9.756/1998. H trs orientaes: a primeira vislumbra que, apesar do poder atribudo ao relator, as smulas referidas produzem efeito meramente persuasivo;34 a segunda35 reza que se

luiz Wambier et al. sustentam que como as smulas em geral no tm efeito vinculante expresso aqui utilizada no sentido do art. 103-a da constituio , pode a parte interpor a apelao contra a sentena fundada em smula, por exemplo, para demonstrar que o entendimento sumulado j foi abandonado, por jurisprudncia mais recente do StF ou do StJ, ou ainda, que o entendimento sumulado errado, contrrio norma constitucional ou a lei federal. Pode ainda a parte pretender demonstrar, na apelao, que a sentena no deu adequada aplicao smula, e assim sucessivamente. (op. cit., p. 228).33

luiz Guilherme arcaro conci e Marcelo lamy sustentam que esse papel persuasivo tem, no entanto, sofrido trajetria sensvel de mutao, incorporando gradativamente eficcia expansiva em face de casos pendentes e futuros, atingindo certas vezes fora obrigatria, vinculante. cONci, luiz Guilherme arcaro. laMY, Marcelo. Reflexes sobre as Smulas Vinculantes. In: TAVARES, Andr Ramos; LENZA, Pedro; ALARCN, Pietro de Jesus (Org.). Reforma do Judicirio analisada e comentada. So Paulo: Mtodo, 2005, p. 305.34

crUZ e tUcci, rogrio. Precedente judicial como fonte do Direito. So Paulo: revista dos tribunais, 2004. p. 260.35

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trata de efeito impeditivo de recurso;36 j a terceira37 defende a presena de efeito vinculante, inserido de forma indireta. No contexto da erudio com que essas teses so defendidas, entende-se que as referidas leis, ao construrem o instrumento de aplicao de precedentes inserto no caput do artigo 557, desenvolveram sistema para aplicao de precedente com efeito impeditivo38 de recurso, durante o juzo de admissibilidade efetuado pelo relator. Os instrumentos previstos no caput do artigo 557 e no 1o do artigo 518 necessitam de interpretao conforme constituio, no sentido de no ser negado o acesso s vias excepcionais, de ndole constitucional; razo pela qual verbetes de tribunais locais, apenas, podem produzir efeitos impeditivos interna corporis quando a orientao for conexa dos tribunais de superposio. trata-se de tema j decidido pelo direito Pretoriano, como denota o exposto pelo Superior tribunal de Justia no recurso especial no 299.196-MG, relatado pelo ministro Franciulli Netto:[a] expresso jurisprudncia dominante do respectivo tribunal somente pode servir de base para negar seguimento a recurso quando o entendimento adotado estiver de acordo com a jurisprudncia do Superior tribunal de Justia e do Supremo tribunal Federal, sob pena de negar s partes o direito constitucional de acesso s vias excepcionais (extraordinria e especial).39

O artigo 285-a, combinado com esses outros instrumentos, pode gerar o fechamento do sistema. imaginemos a seguinte hiptese: o StJ edita a Smula no X. esse precedente pluriprocessual atua na qualidade de paradigma na utilizao do artigo 285-a, e o magistrado julga improcedente o pedido sem citao. em se tratando de JeF, o autor, inconformado, interpe recurso inominado, no admitido por fora da aplicao do artigo 518, 1o, ou pelo artigo 557, caput, na medida em que a sentena aplicou o referido verbete. Para a conjugao adequada desses instrumentos, necessrio o julgador empenhar-se em um juzo de faticidade perante a smula aplicada como paradigma.

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a parte da reforma do Judicirio (Pec no 29/2000) que retornou cmara disciplinava, em sede constitucional, a smula impeditiva de recurso, prevendo a insero do artigo 105-a ao texto da constituio. a lei no 11.276/2006 passou a permitir a utilizao desse mecanismo pelo Juzo de primeiro grau, dispondo no pargrafo 1o que o juiz no receber o recurso de apelao quando a sentena estiver em conformidade com smula do Superior tribunal de Justia ou do Supremo tribunal Federal.

lnio Streck defende a inconstitucionalidade desses dispositivos ao estabelecerem efeito vinculante de forma indireta. (StrecK, lnio luiz. Smulas no Direito brasileiro eficcia, poder e funo: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante, 2. ed. Porto alegre: livraria do advogado, 1998. p. 145). essa orientao seguida por Joo lus Fischer dias em efeito Vinculante: dos Precedentes Jurisprudenciais: das Smulas dos tribunais. So Paulo: iOb thomson, 2004, p. 63.37 38 39

essa a orientao defendida por rogrio cruz e tucci. (op. cit., p. 260). 2 turma, publicado em 5/8/2002.

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Os processos que atuaram como referncia para a formao desse precedente devem ser apreciados, at por fora da possibilidade de distino. a reiterao para a edio de um dado verbete uma garantia do jurisdicionado,40 sob pena de o Poder Judicirio editar um pseudoprecedente. O julgador tambm dever exercer um juzo de validade da smula. nula, pois, ocasional sentena de improcedncia (sem citao) que apenas reproduza o texto do enunciado por leso garantia constitucional da fundamentao das decises judiciais. O fechamento do sistema e a vedao de acesso s vias excepcionais pela utilizao torpe e distorcida da conjugao de dois desses trs instrumentos, com fundamento em pseudoprecedentes, deve ser impugnado pela utilizao de outros recursos e aes autnomas, inclusive a reclamao constitucional, quando possvel. desenvolve-se, assim, um contexto de supracontrolabilidade difusa perante os juzos inferiores, em grau ainda mais expressivo do que Jos eduardo Faria41 e, posteriormente, lnio Streck42 abordaram como controlabilidade difusa.3.2. O julgamento de mrito sem citao e a vinculao em controle incidental 43

a dogmtica jurdica ptria confeccionou a assertiva, a ser aplicada a priori, de que o julgamento oriundo de recurso extraordinrio tem eficcia apenas inter partes, e no erga omnes, despojado de vinculao, com o fundamento de consubstanciar instrumento do controle incidental, no concentrado, de constitucionalidade.44 essa assertiva passou a perder fora a partir de 12 de julho de 2001, quando foi promulgada a lei no 10.259, que trata da instituio dos Juizados especiais cveis e criminais no mbito da Justia Federal, cujo artigo 15 reza: O recurso extraordinrio, para os efeitos dessa lei, ser processado e julgado segundoO precedente pluriprocessual vinculante, seja isolado ou sumulado, defendido, em geral, em nome da segurana jurdica, com enfoque na idia de eficincia devida ao jurisdicionado, tomado como consumidor de justia, linha de Jos Marcelo Menezes Vigliar ou, mais freqentemente, com enfoque na exigncia de isonomia devida ao jurisdicionado cidado, dotado de direitos fundamentais exercitveis mesmo quando em face do estado Juiz, linha de rodolfo de carmargo Mancuso (NaSciMeNtO, rogrio Jos bento Soares do. aspectos processuais da smula vinculante: reflexos na efetividade da defesa dos direitos fundamentais. In: PradO, Geraldo luiz Mascarenhas (coord.) Acesso justia e efetividade do processo. rio de Janeiro: lumen Juris, 2005).40 41 a uniformidade propiciada pelos tribunais superiores produto de uma situao de controlabilidade difusa da atuao dos tribunais inferiores (ordinrios). (Faria, Jos eduardo. Eficcia jurdica e violncia simblica. So Paulo: edusp, 1988. p. 29).

O poder de violncia simblica exercido pelas Smulas sobre os juristas em sua prtica cotidiana resultado de uma situao que pode ser chamada de controlabilidade difusa do sistema jurdico sobre os operadores do direito. esse controle difuso funciona como poder normativo. (StrecK, 1998. p. 227).42

taraNtO, caio Mrcio Gutterres. efeito vinculante decorrente de recurso extraordinrio. estudo do re no 418.918-6/rJ e da Medida cautelar no 272-9. Revista da Seo Judiciria do Rio de Janeiro, n. 17, ago. 2006, p. 19-42.43 44

Nesse sentido, vide o agravo regimental no recurso especial no 511.279, relator: ministro luiz Fux.

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o estabelecido nos 4o a 9o do artigo 14, alm da observncia das normas do regimento. Os pargrafos 5o, 6o e 9o do artigo 14 dispem: 5o No caso do 4o, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difcil reparao, poder o relator conceder, de ofcio ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspenso dos processos nos quais a controvrsia esteja estabelecida. 6o eventuais pedidos de uniformizao idnticos, recebidos subseqentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficaro retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior tribunal de Justia. 9o Publicado o acrdo respectivo, os pedidos referidos no 6o sero apreciados pelas turmas recursais, que podero exercer juzo de retratao ou declar-los prejudicados, se veicularem tese no acolhida pelo Superior tribunal de Justia. O 10 do artigo 14 da lei no 10.259/2001 disserta que os trFs, o StJ e o StF, no mbito das respectivas competncias, expediro normas regulamentadoras da composio dos rgos e dos procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformizao e do recurso extraordinrio. em seguida, o Supremo editou a emenda regimental no 12/2003,45 alterando o artigo 321 do regimento interno, albergando o provimento cautelar extensivo a outros processos em que seja discutida a mesma questo constitucional: 5o ao recurso extraordinrio interposto no mbito dos Juizados especiais Federais, institudos pela lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, aplicam-se as seguintes regras: I verificada a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio da ocorrncia de dano de difcil reparao, em especial quando a deciso recorrida contrariar Smula ou jurisprudncia dominante do Supremo tribunal Federal, poder o relator conceder, de ofcio ou a requerimento do interessado, ad referendum do Plenrio, medida liminar para determinar o sobrestamento, na origem, dos processos nos quais a controvrsia esteja estabelecida, at o pronunciamento desta corte sobre a matria. ........................................................................................................................... Vi eventuais recursos extraordinrios que versem idntica controvrsia constitucional, recebidos subseqentemente em quaisquer turmas Recursais ou de Uniformizao, ficaro sobrestados, aguardando-se o pronunciamento do Supremo tribunal Federal;lnio Streck defende a inconstitucionalidade de vinculao oriunda dos regimentos dos tribunais brasileiros. (StrecK, 1998, p. 152-157).45

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VII publicado o acrdo respectivo, em lugar especificamente destacado no dirio da Justia da Unio, os recursos referidos no inciso anterior sero apreciados pelas turmas recursais ou de Uniformizao, que podero exercer o juzo de retratao ou declar-los prejudicados, se cuidarem de tese no acolhida pelo Supremo tribunal Federal;

Ora, existiria finalidade em provimento de urgncia para suspender processos no identificados, mas identificveis pelo objeto, mesmo que ainda no ajuizados, a no ser a vinculao ratio decidendi firmada pelo STF no julgamento do recurso extraordinrio? O provimento de urgncia, caso configure processo autnomo, incidental ao processo em fase de recurso excepcional ao qual distribudo por dependncia e a todos os demais processos em trmite nas instncias inferiores atingidos pela suspenso, bem como, ao mesmo tempo, preparatrio para os no ajuizados. esses dispositivos no merecem ser interpretados despojados do contedo decisrio do recurso extraordinrio de efeito vinculante,46 que atuar como paradigma perante os sobrestados, pois representaria excluir-lhes fora normativa, o que manteria o regime antigo dos recursos excepcionais. trata-se, pois, de mecanismo de simplificao (sumarizao) do procedimento pelo uso de precedente vinculante monoprocessual ou pluriprocessual. a utilizao desse complexo instrumento produz efeito vinculante para o recurso extraordinrio em relao aos processos sobrestados pelo provimento de urgncia, seja autnomo ou incidental mesmo no ajuizados, mas identificveis pelo objeto e nos termos da medida cautelar. todavia, produz efeito meramente persuasivo ou impeditivo de recurso para os processos no sobrestados, caso j ajuizados, nem identificveis pelo teor do provimento de urgncia.47 dessa forma, esse instrumento de aplicao de precedentes suspende os processos a que potencializa a produo do efeito vinculante, antes mesmo do despacho inicial, impedindo a incidncia da regra do 285-a. Por outro lado, caso a orientao consolidada pelo Supremo tribunal Federal for no sentido da improcedncia, o juzo de 1 instncia poder (dever) utilizar o julgamento sem citao.ao apreciar o complexo normativo do recurso extraordinrio das decises oriundas dos juizados especiais federais, Gilmar Ferreira Mendes sustenta a presena de um tratamento diferenciado por parte do legislador, consubstanciando disposio assemelhada ao estabelecido no art. 21 da lei no 9.868/99 que prev a cautelar na ao declaratria de constitucionalidade, e no artigo 5o da lei no 9.882/99, que autoriza provimento de urgncia em sede de descumprimento de preceito fundamental. (MeNdeS, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2004).46

Foi o que ocorreu perante a apelao cvel no 336.092, perante o trF da 2 regio (julgamento em 10/5/2005, relator: desembargador federal Poul erik dyrlund. Nesse caso, o recurso extraordinrio no 418.918 produziu, apenas, efeito meramente persuasivo. O acrdo da referida apelao recebeu a seguinte ementa: adMiNiStratiVO. FGtS. terMO de adeSO Na FOrMa da lc No 110/2001. JUriSPrUdNcia dO StF: atO JUrdicO PerFeitO. 1. a Suprema corte j teve oportunidade de apreciar questo semelhante, assentando que o termo celebrado constitui ato jurdico perfeito, que s pode ser desfeito pelas vias prprias, e no de forma incidental (StF, re no 418.918, informativo StF no 381), subsistindo em sua integridade at que sobrevenha ato desconstitutivo. 2. recurso conhecido e desprovido.47

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H, assim, uma antecipao da manifestao do Supremo tribunal Federal no mnus de fixao do jus in thesi. cria-se, ento, um imenso ciclo de fechamento do sistema a partir dos artigos 14 e 15 da lei no 10.259/2001 e do artigo 258-a do CPC, findando-se com aplicao dos instrumentos previstos nos artigos 518, 1o, e 557, caput, ambos desse cdigo. O fechamento cclico por conta desses instrumentos de aplicao de precedentes, para ser vlido, deve ser pautado em orientao devidamente construda a ponto de no obstruir o exerccio do direito ao acesso s vias excepcionais.48 ademais, em todos esses atos, independentemente de assumirem a qualidade de deciso, sentena (hiptese do artigo 285-a) ou acrdo, necessrio decantar a ratio decidendi e averiguar se a hiptese de direito a mesma.

CONCLUSOtodos os ramos do saber independentemente da indagao de constiturem, ou no, cincia possuem um conjunto de conhecimento pr-construdo, acumulado ao longo do tempo e aplicado como ponto de partida em oportunidades posteriores. em uma dada pesquisa, por exemplo, no necessrio repetio da experincia apta a extrair a informao da temperatura em que a gua muda do estado lquido para o gasoso ao nvel do mar, na medida em que o respectivo resultado j se tornou exaustivamente conhecido. No se repetem, igualmente, experincias aptas a tentar transformar chumbo em ouro, pois foi incorporado ao conhecimento geral no s essa impossibilidade, mas tambm os frustrados resultados. em todos os sistemas,49 parcela do saber jurdico pr-construdo expresso por decises (solues) prolatadas em processos anteriores, empregadas como paradigmas para outros casos e utilizadas na qualidade de instrumento de exposio das razes de decidir quanto matria de direito. So, pois, os precedentes jurisdicionais50 que representam o mecanismo mediante o qual o Poder Judicirio

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recurso especial no 299.196-MG, relator: ministro Franciulli Netto.

Marcelo alves dias de Souza sustenta que o precedente judicial um tema fascinante. Primeiramente, por uma razo muito simples: ele est presente em todo e qualquer sistema jurdico. em qualquer pas, independentemente de sua filiao a esta ou quela famlia jurdica, a deciso de um caso tomada anteriormente pelo Judicirio constitui, para os casos a ele semelhantes, um precedente judicial. apenas seus atributos, tais como seu poder criativo ou meramente declarativo, seu carter persuasivo ou obrigatrio, que vo depender dos contornos atribudos a ele pelo sistema jurdico estabelecido. (SOUZa, op. cit., p. 15).

50 Sob certo enfoque, Ronald Dworkin define que um precedente um relato de uma deciso poltica anterior; o prprio fato dessa deciso, enquanto fragmento da histria poltica, oferece alguma razo para se decidir outros casos de maneira similar no futuro. (dWOrKiN, ronald. Levando os direitos a srio. traduo de Nelson boeira. So Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 176).

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edita normas jurdicas a serem aplicadas em decises posteriores,51 atribuindo quelas racionalidade, na medida em que o julgador expressa as razes de decidir.52 Reflexes parte quanto legitimidade, a supracontrolabilidade difusa ou a irracionalidade no uso dos precedentes jurisdicionais e dos instrumentos de aplicao um risco derivado da incompreenso, por parte do aplicador, do papel dos rgos jurisdicionais, sobretudo dos que exercem o mnus constitucional de defesa do jus in thesi no sistema ptrio. esse risco existe em relao a todos os meios de acesso prestao da atividade jurisdicional. O artigo 285-a pode, perfeitamente, conjugar-se com a inadmisso do recurso inominado pelo seguimento de orientao consolidada e pela vinculao em controle incidental nos JeFs pela expressa satisfao de certos requisitos. A priori, o precedente a atuar na qualidade de paradigma deve ser oriundo do referido mnus constitucional de defesa do jus in thesi, que, por si s, exige exaustiva reflexo e exposio argumentativa alm da reiterao, em caso de pluriprocessualidade sumulada. logo, necessrio que o paradigma percorra todos os atos de formao vlida do precedente, desde a provocao do jurisdicionado at a atuao do juzo revisor. No ato final da gnese do precedente ou seja, quando o julgador o elege como paradigma deve ser exercido juzo de validade formal e material. Por fim, em momento anterior incidncia do julgamento de mrito sem citao, o juiz dever fazer um juzo de faticidade, inclusive no que diz respeito vigncia da orientao. Nesse momento, mostra-se relevante a funo confirmativa de outros precedentes a serem utilizados tambm como paradigma, como expressa e, portanto, racional 51 Steven H. Gifis conceitua precedents no sistema common law como a previously decided case which is recognized as authority for the disposition of future cases. at common law, precedents were regarded as the major source of law. a precedent may involve a novel question of common law or it may involve as interpretation of a statute. in either event, to the extent that future casesrely upon it or distinguish it from themselves without disapproving of it, the case wil serve as a precedent for future cases under the doctrine of stare decisis. (GiFiS, H. Steve. Law Dictionary, 5th ed, New York: barrons, 2003. p. 388-389). clssico, no pensamento doutrinrio de autores do common law, conceitos com teor parecido. Nesse sentido, Henry campbell black, em seu dicionrio jurdico, conceitua precedente jurisdicional como an adjudged case or decisiona of a court, considered as furnishing as example or authority for na identical or similar case afterwards arising or a similar question of law. (Law Dictionary, 6. ed. St. Paul: West Publishing, 1990. p. 1.176) Marcelo alves dias de Souza traduziu esse conceito dispondo que precedente um caso sentenciado ou deciso da corte considerada como fornecedora de um exemplo ou de autoridade para um caso similar ou idntico posteriormente surgido ou para uma questo similar de direito. (SOUZa, op. cit., p. 41). 52 O esforo para a conceituao de precedentes merece ser contextualizado perante os principais embates jurdico-epistemolgicos da atualidade, em especial o realismo-sociolgico, o procedimentalismo e o substancialismo, sobretudo naquilo em que essas orientaes concluem a respeito do limite da independncia funcional do magistrado. Franois rigaux defende que entre as fontes que se acumulam assim ao longo dos anos, figuram em bom lugar as prprias decises judicirias. A doutrina do precedente uma verdadeira cincia cujos refinamentos desafiam toda explicao simples. (RIGAUX, Franois. A Lei dos Juzes. Traduo: Edmir Misso. So Paulo: Martins Fontes, 2000).

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exigncia de demonstrao da coerncia interna do Poder Judicirio como instituio em, mais uma vez, reproduzir a orientao consolidada. ademais, deve pertencer ao discurso a razo da no-aplicao da distinguishing como mtodo de deciso. a aplicao de precedentes deve, portanto, despojar possveis dissimulaes de sentido e de razo para o auditrio/receptor das orientaes, magistrado ou no, deixar de transformar essa conjugao de instrumentos em neutralizao de possibilidades ou opes dos jurisdicionados ou dos prprios rgos jurisdicionais. busca-se evitar a utilizao em massa de pseudoprecedentes como frmulas mgicas para os problemas, sobretudo numricos, dos JeFs, e elevar a sistematizao dos instrumentos de aplicao perante a sumarizao do procedimento, em efetivo meio de acesso prestao adequada da atividade jurisdicional. trata-se de um desafio perante um paradoxo.

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as Foras armaDas e a garantia Da lei e Da orDem (armeD Forces anD the gUarantee oF law anD orDer)

emerson garciamembro Do ministrio pblico Do estaDo Do rio De Janeiro. exconsUltor JUrDico Da procUraDoria Geral De JUstia (2005-2009). assessor JUrDico Da associao nacional Dos membros Do ministrio pblico (conamp). DoUtoranDo e mestre em cincias JUrDicopolticas pela UniversiDaDe De lisboa. especialista em Education Law and PoLicy pela EuroPEan association for Education Law and PoLicy (antUrpia blGica) e em cincias polticas e internacionais pela UniversiDaDe De lisboa. membro Da intErnationaL ass