Ana Lúcia Lazarini - Platão e a Educação

88
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PLATÃO E A EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DO LIVRO VII DE A REPÚBLICA AUTORA: ANA LUCIA LAZARINI ORIENTADOR: RENÊ JOSÉ TRENTIN SILVEIRA CAMPINAS 2007

description

livro

Transcript of Ana Lúcia Lazarini - Platão e a Educação

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASFACULDADE DE EDUCAODISSERTAO DE MESTRADOPLATO E A EDUCAO: UM ESTUDO DOLIVRO VII DE A REPBLICAAUTORA: ANA LUCIA LAZARINIORIENTADOR: REN JOS TRENTIN SILVEIRACAMPINAS2007UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASFACULDADE DE EDUCAODISSERTAO DE MESTRADOPLATO E A EDUCAO: UM ESTUDO DOLIVRO VII DE A REPBLICAEsteexemplarcorresponderedaofinaldadissertaodefendida por Ana Lucia Lazarini e aprovada pela ComissoJ ulgadora.Data: 26 de fevereiro de 2007Assinatura: ................................................................................OrientadorComisso J ulgadora: ................................................................................ ................................................................................ ................................................................................2007vCom muito carinho, ao meu noivo,PauloRobertoMoratorio,quesempreesteveaomeulado,meauxiliandoemeincentivandoaseguir em frente.viiAGRADECIMENTOSA realizao deste trabalho s foi possvel, primeiramente e principalmente, graas aDeus.E, de modo particular, agradeo:Ao Prof. Dr. Ren J os Trentin Silveira, por sua orientao, dedicao e todo empenho,imprescindveis para o andamento da pesquisa;Aos membros da banca: Prof. Ldia Maria Rodrigo, Prof. Pedro Angelo Pagni e Prof.Roberto Goto pela participao neste trabalho atravs de suas honrosas contribuies; minha famlia, em especial meu pai, minha me, minha irm e meus avs, por todaateno, carinho e amor;AopessoalqueconhecinaUnicamp,dequemvoumelembrarsemprecommuitocarinho;EspecialmenteaomeunoivoPauloRobertoMoratorio,portodoapoio,incentivo,pacincia, carinho, amor e compreenso, durante a elaborao do trabalho.Enfim,atodosquecontriburamdiretaouindiretamenteparaarealizaodestapesquisa. Obrigada!ixA causa que atrai as almas para a contemplao da Verdade consiste emque s ali encontram o alimento que aspode satisfazer inteiramente, desenvolveras asas, esse alimento que, enfim, liberta as almas das terrenas paixes.PLATO, Fedro, 248b-c, p.73xiRESUMOEsta pesquisa consiste num estudo a respeito do pensamento educacional de Plato,tendo como base uma de suas principais obras, A Repblica, com nfase no livro VII, onde oautordescreveasdiferentesetapasdaeducaodofilsofo.Levandoemconsideraoocontextoemqueoautorestinserido,seroabordadososdoismomentosdaeducaoplatnica descritos na alegoria da caverna: o primeiro, relativo a um processo de elevaovisando contemplao do bem, representado pela sada da caverna e o segundo, concernenteaumprocessoderegressoqueimplicasabercomoprocederemmeioaoscidados,metaforizadopeloretornohabitaosubterrnea.Procurandosistematizarasprincipaisidias a contidas, mostrar-se- que essas duas direes so, segundo Plato, necessrias paraque se efetive uma educao plena por ele planejada para os futuros guardies da cidade osfilsofos. Tendo a clara noo de que tal ideal seria muito dificilmente atingvel, Plato deixaevidente na prpria alegoria que o processo de ascenso da alma constitui um longo e gradualpercurso, com diferentes estgios, e um amplo currculo, caracterizando-se como um elevar-separa alm das experincias sensveis, a fim de alcanar a sabedoria suprema a cincia dobem. Ao encetar tal discusso, este trabalho pretende inserir-se no debate acerca do tema AEducao em Plato e retomar, uma vez mais, a contribuio de um pensador da maiorrelevncia para a Filosofia da Educao e com quem ainda temos tanto a aprender. PALAVRAS-CHAVE: Plato, Educao, Filosofia da Educao, Paidia.ABSTRACTThis research consists of a study about the educational thought of Plato, having asbasisoneofhismainworksTheRepublic,withemphasisinbookVII,wheretheauthordescribes the different stages of the education of the philosopher. Taking into considerationthe context where the author is inserted, it will be approached the two moments of the platoniceducation described in the allegory of the cave: the first, relating to a process of elevationaiming at the contemplation of the good, represented by the exit of the cave and the second,concerning a process of regression that implies to know how to proceed in the middle of thecitizens, metaphorized by the return to the underground habitation. Trying to systemize themain ideas enclosed there, it will be showed that these two directions are, according to Plato,necessary in order to accomplish a full education planned by him for the future guardian ofthecitythephilosophers.Havingtheclearnotionthatsuchidealwouldbeveryhardlyattainable,Platoletsclearintheownallegorythattheprocessofascensionofthesoulconstitutesalongandgradualjourney,withdifferentstages,andawidecurriculum,characterizingasarisingbeyondthesensibleexperiences,inordertoreachthesupremewisdomthescienceofthegood.Uponbeginningsuchdiscussion,thisworkintendstointroduce itself in the debate concerning the subject the Education in Plato and retake,once more, the contribution of a thinker of a great importance for the Philosophy of Educationand whom we still have so much to learn.KEYWORDS: Plato, Education, Philosophy of Education, Paideia.xiiiSUMRIODEDICATRIA.........................................................................................................................vAGRADECIMENTOS.............................................................................................................viiEPGRAFE................................................................................................................................ixRESUMO/ABSTRACT.............................................................................................................xiSUMRIO...............................................................................................................................xiiiINTRODUO..........................................................................................................................1 I ATENAS: O BERO DE PLATO.....................................................................................7 1. Atenas no sculo V: o incio da democracia...........................................................................7 II AS TRS GRANDES PAIDIAS DA ANTIGUIDADE: A HOMRICA, A SOFSTICAE A SOCRTICO-PLATNICA.............................................................................................121. O conceito de paidia...........................................................................................................121.1 A paidia homrica.............................................................................................................141.2 A paidia sofstica..............................................................................................................161.3 A paidia socrtico-platnica.............................................................................................19III A FILOSOFIA PLATNICA...........................................................................................23 1. A teoria das idias.................................................................................................................23 2. A teoria do conhecimento como reminiscncia....................................................................26 IV A CONCEPO PLATNICA DA EDUCAO EM A REPBLICA........................321. A Repblica: estrutura da obra..............................................................................................322. A educao como processo de ascenso da alma no livro VII de A Repblica....................412.1 A alegoria da caverna..........................................................................................................412.2Interpretaodaalegoria:aentradanomundointeligveleoretornoaomundosensvel......................................................................................................................................443. A educao para o bem: a elevao da alma do mundo sensvel ao inteligvel....................464. O papel das matemticas na educao platnica..................................................................475. A dialtica como forma de ascenso para o bem..................................................................516. Os vrios graus do conhecimento: o contraste entre doxa e episteme..................................547. As etapas da formao do governante-filsofo: o trilhar de um longo caminho..................57V EDUCAO E POLTICA...............................................................................................591. O homem e a polis................................................................................................................592. O Estado ideal para o homem ideal......................................................................................613.Dimensopolticadaeducao:oregressodaalmadomundointeligvelaomundosensvel......................................................................................................................................66xivCONSIDERAES FINAIS....................................................................................................69REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.....................................................................................761INTRODUO Meu interesse em estudar a Grcia Clssica, o povo, a cultura, a filosofia, a educaogrega, bem como os filsofos dessa civilizao, surgiu ainda na graduao, quando cursava oprimeiroanodePedagogia,nasFaculdadesIntegradasdeAmparo,concludaem2003.UmpreliminarestudodessatemticaresultounomeuTrabalhodeConclusodeCurso(TCC),intitulado Algumas consideraes a respeito do conceito de paidia na educao ateniense dosculo V a.C.Recordodeminhaprimeiraleituradeumdilogoplatnico.Logomeencantei,noapenas por suas idias, como tambm por essa forma de escrever, estilo favorito de Plato, queconfere busca da verdade vivacidade e movimento.Oingressonomestradorepresentava,paramim,aoportunidadeapropriadaparaaprofundar o estudo sobre o autor, direcionando minha ateno mais especificamente para seupensamento educacional.A tarefa de enfrentar, se assim posso dizer, um texto clssico como o de Plato, no simples.Assim,preferiencararessamissocomoumdesafio,oqueatornouaindamaisinstigante.Apesar de haver muitos trabalhos sobre Plato, ainda no foi possvel abarcar a amplitudedeseupensamento.Assim,hvriasobrasdessepensadoretemasporeleabordados,aindapouco explorados, e que continuam sendo debatidos pelos estudiosos de sua obra. Entre eles,esto, por exemplo:- Havelock, e seu trabalho PrefcioaPlato, no qual ele explica as razes para a oposio dePlato experincia potica;- J aeger e sua obra Paidia: a formao do homem grego, que um estudo profundo, completo econsidervel sobre os ideais de educao da Grcia antiga, com destaque para Plato e algumasde suas obras;- J aspers, cujo trabalho The great philosophers, analisa as vidas, personalidades, pensamentos e ainfluncia de alguns dos mais distintos filsofos, entre os quais est Plato;-Moreau,quenaobraOsgrandespedagogistasdeChteau,fazumestudobrevemasbemsistematizado sobre Plato e a educao;2-Piettre,queemseutrabalhotranscreveolivroVIIdeARepblica,enriquecendo-ocomcomentrios e explicaes interessantes e pormenorizadas a respeito deste livro de Plato em todasua extenso;- Reale que dedica o volume II de sua obra Histria da Filosofia Antiga a Plato e a Aristteles;- Soares, cuja preocupao central de Dialtica,educaoepoltica:umareleituradePlatorepousa na compreenso do carter no-idealista de Plato, debruando-se, para isso, sobre suaconcepo de dialtica, e de Educao;-Teixeira,queemseutrabalhoAeducaodohomemsegundoPlatofazumapesquisaarespeitodopensamentoeducacionalplatnico,noserestringindoaumaobraespecficadofilsofo.Taiscomentadoreseestudiososrelevantesparaoassunto,algunsdosquaisatconsideradosclssicos,sopartedabibliografiacomplementar,quecontribuirparaoaprofundamento de certos conceitos, bem como para averiguar a introduo de certas idias nocontexto da vida de Plato.No que concerne obra escrita de Plato, pode-se distinguir quatro perodos1:1) os dilogos da juventude: aApologia de Scrates, o Crton, o Laques, o Lsis, o Crmides, oEutfron, o Hpias Menor, o Hpias Maior, o Protgoras, o on;2)osdilogosdamaturidade:oMnon,Fdon,Banquete,oGrgias,ARepblica,Fedro,Eutidemo, Menexeno, Crtilo;3) os dilogos ditos metafsicos: Teeteto, Parmnides, Sofista, Poltico;4) os dilogos ditos da velhice: o Filebo, o Timeu, as Leis.Para este trabalho, priorizar-se- ARepblicaque,ento,umdilogopertencenteaoperododamaturidadedoautor,compostodedezlivros.EssadivisoemdezlivrosnofoirealizadapeloprprioPlato,mas,posteriormente,poreditoresantigos.OlivroI,entretanto,possui traos que o separam dos livros que o seguem e o assemelham aos dilogos do primeiroperodo da obra escrita de Plato, ou seja, aos dilogos da juventude, os chamados dilogosaporticos que, por no chegarem a uma concluso sobre o tema em debate, deixam o leitornuma situao embaraosa. A questo, porm, parece envolta em controvrsia (PEREIRA, 1972:XVIII-XXI).

1 PIETTRE, 1989: 20-21.3Aimportnciadeestudarumaobraclssica,talcomoARepblica,retratadanaspalavrasdeChau(2002:223),aoescreverqueumaobragrandequando,deseuprpriointerior, suscita uma multiplicidade de leituras e interpretaes criando uma posteridade. nainfinidade de interpretaes, de leituras, de observaes, de refutaes, de comentrios suscitadospela obra platnica, que reside sua riqueza. inegvel, portanto, a relevncia da obra ARepblica que, escrita h mais de dois milanos, influenciou pensadores da cristandade como Santo Agostinho e dos tempos modernos comoWerner J aeger. Em seu trabalho Paidia, J aeger (1994: 541) chega a afirmar que ACidadedeDeus de Santo Agostinho a traduo crist da Repblica de Plato.Ao ler o ttulo dessa obra: ARepblica, certamente se enganaria quem julga dos livrossenopelosttulos,porquantoesperariamencontrarumaobradefilosofiapoltica.Porisso,Pereira (1972: XLVII) alerta que determinadas palavras-chave de A Repblica podiam induzir oleitor em erro se no soubesse previamente o que elas significavam no sculo IV a.C. em geral, epara o autor em particular. E o ttulo uma delas Politia. Quanto a esta Pereira lembra queseusentidoetimolgicoconstituioouformadegovernodeumapolis ou cidade-estado. tudo o que diz respeito vida pblica de umEstado, incluindo os direitos dos cidados que o constituem. Este aspectopblico,comunitrio,traduz-seclaramentenaequivalnciaqueosRomanosderamaotermo,empregandoocompostoqueaindahojeusamos, repblica. No designa, por conseguinte, uma forma de governodeterminada, mas todas em geral (PEREIRA, 1972: XLVII). H, destarte, uma variedade de temas que podem ser observados no interior dessa obra. Ateoria poltica , por exemplo, assunto do livro I, bem como dos livros VIII e IX, que analisam aorigem das vrias formas de governo. Nos livros IV e X destaca-se a psicologia: o primeiro, aotratar a respeito dos elementos da alma, e o segundo, ao apresentar provas de sua imortalidade. Ateoria das idias tem um importante papel nos livros VI e VII.Este trabalho concentra-se no estudo do pensamento educativo de Plato, particularmentea partir do livro VII de A Repblica. Essa anlise, no entanto, no se encerra na interpretao detextos,poistenciona,tambm,seguirosmovimentosproduzidospeloautor,aoretratar,naalegoria da caverna, os dois momentos essenciais da sua concepo educacional, os quais seroaqui abordados.4J aspers2 observa queDuas direes esto abertas alma pensante: a que conduz do mundo daaparncia ao mundo eterno (Fdon), e ainda, do mundo eterno, ela podereconsiderar o mundo das aparncias com uma perspectiva para entend-lo e model-lo (Repblica, Leis, Timeu). A filosofia de Plato conduzidaem ambas as direes, rumo ao ser e proveniente do ser. O homem estaquinomundo;eledeveolharparaalmdomundo,afimdeque,alcanando o essencial, ele prprio seja o essencial. Mas ento, ele retornaao mundo (traduo do autor).Estes dois momentos so, na verdade, dois caminhos o primeiro diz respeito ao programaeducativo proposto por Plato para a formao do filsofo3, rumo este que o levar a atingir osumo bem4 e, que s pode ser percorrido integralmente por aqueles cuja natureza foram dotados detalprivilgio e,osegundo,emboranofaapartedesseprogramaeducativo,eleconstituiumdever atribudo aos que conseguiram finalizar esse programa os filsofos, que para tanto poderodispor pela sua aptido da cincia e da dialtica.O primeiro fundamental para que se configure a educao plena descrita por Plato, ouseja, uma educao integral e progressiva, que exige continuidade e aplicao, pois visa formar oguardio,ofilsofo-reicapazdedirigiracidadeidealcomjustia5e,conseqentemente,garantir a felicidade da polis.ARepblicaaidealizaodeumacidadeperfeita,umacidademodelodirigidaporfilsofos, onde a diviso de tarefas se aplica totalidade de cidados. Uma cidade justa s podeser povoada por cidados igualmente justos.Em Plato, moral e poltica formam uma unidade: o homem perfeito o perfeito cidado.Assim, A Repblica no apenas uma obra de educao. Embora esse tema seja tratado em todasua extenso, as preocupaes de natureza tica e poltica do mesmo modo se fazem presentes.

2 Two directions are open to the thinking mind: It can move from the world of appearance out into the eternal world(Phaedo); and again from the eternal worldit can look back at the world of appearance with a view to understandingit and shaping it (Republic, Laws, Timaeus). () Platos philosophizing moves in both directions, toward being andfrom being. Man is here in the world; he must look beyond the world in order, by touching on the essential, tobecome essential himself. But then he comes back to the world (J ASPERS, 1962: 144).3 Neste trabalho, os termos filsofo, filsofo-rei e governante-filsofo tambm sero utilizados quando se tratar daclasse dos guardies.4 Alguns comentadores de Plato fazem uso desta palavra com letra maiscula ao se referir ao Bem platnico. Opteipor utiliz-la com letra minscula, assim como ela aparece na traduo de A Repblica de Maria Helena da RochaPereira, da Calouste Gulbenkian, 1993.5 Vale lembrar que o conceito de justia para Plato diferente daquele que ir prevalecer nos dias de hoje. Arespeito desse conceito, ver no captulo 5, o tpico O Estado ideal para o homem ideal, p. 61.5No livro VII, Plato, num primeiro momento, descreve as diferentes etapas da ascenso de umfilsofo para a sabedoria suprema, isto , um longo itinerrio, composto por diferentes estgios,cujo objetivo a elevao gradual, mas total, da alma6 cincia do bem, o que implica o corte detodos os vnculos materiais que a prendem ao mundo inferior, o dos sentidos. Para esse trajeto, opensadorpropeumamploconjuntodedisciplinas,esaquelesqueconseguempercorr-lointegralmente podem se tornar filsofos.Aspreocupaesdecarterpolticoseevidenciamnosegundomomento,quandoofilsofo, depois de ver o bem e empreender aquela ascenso e, uma vez que a tenha realizado econtemplado suficientemente o bem (PLATO, 1993, 519d: 325), ter que descer caverna eacostumar-senovamenteobscuridade.Destavez,noentanto,vermelhordoqueosseuscompanheiros que ali permaneceram e reconhecer a natureza e os caracteres de cada imagem,por haver contemplado o seu verdadeiro ser: a beleza, a justia e o bem. Por tal razo, ser ele, ofilsofo, o mais apto a governar a cidade.Do ponto de vista de sua estrutura, o presente trabalho est organizado em cinco captulos.Omomentohistricoeascondiespessoaisdecadapensadorinfluenciamdemasiadamente sua filosofia. Assim, no seria lcito estudar o pensamento de Plato ignorandoasinflunciasdeseumeio.Oprimeirocaptuloapresenta,ento,umasucintaabordagemdealgunsaspectosdaGrciaAntiga,maisespecificamentedeAtenas,queinfluenciaramopensamento de Plato, inserindo-o em seu contexto histrico.O segundo captulo, logo aps uma breve elucidao a respeito do conceito de paidia,traz a discusso a respeito das trs grandes paidias da Antiguidade: a homrica, a sofstica e asocrtico-platnica,afimdesituaroclimaintelectualentrePlatoeasprincipaiscorrentesfilosficas de seu tempo.O terceiro captulo retoma brevemente a filosofia de Plato, focalizando especificamente ateoria das idias7 e a teoria do conhecimento como reminiscncia.

6 Segundo Havelock (1996: 213), por volta do fim do sculo V a.C., tornou-se possvel para alguns gregos falar sobresua alma como se possussem eus e personalidades que eram autnomos e no fragmentos da atmosfera ou deuma fora de vida csmica. Ele afirma que, devido vida e aos ensinamentos de Scrates, a palavra psyche, acaboupor significar o esprito que pensa. No texto de A Repblica, alma e inteligncia so sinnimos.7Assimcomoapalavrabem,ovocbuloidiatambmsergrafadocomletraminscula,sejaparadesignaraIdia no sentido platnico ou no.6Em suma, esses trs captulos apresentam alguns temas que propiciam um embasamentopara a compreenso dos dois ltimos captulos que constituem o ponto central deste trabalho, poisanalisam a concepo educacional de Plato, com base no livro VII de A Repblica.Oquartocaptulo,tomandocomopontodepartidaaalegoriadacaverna,omaterialservirparadiscutirumadasdimensesdaeducaoplatnicapresentenessaalegoriaemencionadasacima:oprocessodeascensodaalmadomundosensvelaointeligvel.Aoexplicitar como se d esse processo, fica a evidncia de que, a cada etapa do seu longo e penosotrajeto, a alma se fortifica e se aproxima cada vez mais do seu propsito que atingir o bemsupremo. Essa dimenso compe a educao plena, proposta por Plato, necessria formaodo filsofo e do governante.O quinto e ltimo captulo apresenta a abordagem do segundo momento da concepoeducacionaldePlato,adimensopoltica,comoumdeverdofilsofoqueatingiuobemretornar caverna para auxiliar na ascenso dos outros que no conseguiram soltar-se dos laosmateriais que os prendiam ao mundo sensvel. Aoencetartaldiscusso,estetrabalhopretende,noapenascumprirumaexignciaformal da academia, mas, sobretudo, inserir-se no debate acerca do tema A Educao em Plato e retomar, uma vez mais, a contribuio de um pensador de mxima grandeza para a Histria ea Filosofia da Educao e com quem, sem dvida, ainda temos tanto a aprender. 7CAPTULO I ATENAS: O BERO DE PLATOInicialmente, seria conveniente rememorar alguns elementos da civilizao grega, a fimde enquadrar a imagem de Plato no contexto da histria do esprito grego de sua poca. Ao fazerisso,levandoemconsideraoolugarqueocupavanaquelecontexto,osacontecimentosquepresenciou, bem como sua trajetria intelectual e poltica, seu pensamento educacional poder servistodeumaperspectivaabrangente,proporcionandoumacompreensomaisamplaaesserespeito.Nestecaptulo,portanto,seroabordadosalgunselementossignificativosdocontextohistricodePlatoque,certamente,tiveramexpressivainfluncianasuafilosofiaenoseupensamento educativo.1. Atenas no sculo V o incio da democraciaFundadanosculoXa.C.,Atenassofreuimportantestransformaeseconmicasesociaisdecisivasparaoseudesenvolvimento.Noincio,subsistiaembasesagrcolasecommenorincidnciacomercialeartesanal.Opoderestavaconcentradonasmosdosgrandesproprietriosdeterrase,paulatinamente,ospequenoslavradores,nopodendopagarseusdbitos, perdiam a terra e a liberdade, tornando-se escravos pelas dvidas contradas.A produtividade era, ento, obtida atravs das relaes escravistas de trabalho, cuja mo-de-obra era utilizada na agricultura, nas minas e no trabalho domstico. O escravo tinha, portanto,vrias origens: as conquistas, as dvidas e seu prprio nascimento.At meados do sculo VII a.C., Atenas teve um governo monrquico. No sculo seguinte,a instaurao de uma aristocracia reduziu o poder dos reis e o concentrou nas mos dos gnos(cls familiares proeminentes), que passaram a controlar toda a riqueza, atravs da exploraodos camponeses e dos escravos (MOSS, 1979: 18-19).8OsculoVIrevestidoporfortesdesordensedisputas,resultadodosconflitosnoresolvidos no sculo VII, como, por exemplo, o golpe de Clon, o cdigo de Drcon, as reformasde Slon e a tirania de Pisstrato.A democracia ateniense, estabelecida a partir do final do sculo VI, atingiu seu auge napoca de Pricles (461-429a.C.), perodo em que a Assemblia dos Cidados tornou-se o centroda vida em Atenas. Este perodo do governo democrtico de Atenas em sua plenitude, que serefereaoaugedavidapolticaeculturaldessacidade,ficouconhecidocomoosculodePricles (440-404 a.C.), ou seja, o perodo antes do incio da Guerra do Peloponeso (431 a.C.) ecoincidindocomotrminodaguerra(404a.C.).Chau(2002:112),contudo,alertaqueasgrandes realizaes culturais de Atenas no se iniciaram nem terminaram nessas datas: antes dePricles a cultura j florescente e depois da guerra, Scrates ainda est ensinando nas ruas deAtenas, Plato ir fundar a Academia e Aristteles o Liceu. Durante o sculo V a.C., Atenas ficou to poderosa que muitas cidades-estado se aliarama ela para se protegerem de seu inimigo comum os persas. Assim nascia o imprio ateniense.A acrpole e a gora representam uma extraordinria expanso da superioridade criativaque deriva de um sculo de realizaes. Essas construes magnficas significam a inspiraocoletiva de um povo com a paixo pela perfeio. Glotz (1988: 17-22) nos lembra que era nagora (praa pblica) que as pessoas se encontravam, passeavam ao ar livre, ficavam sabendodasnovidades,discutiampolticaeformavamopinies.Quantoacrpole(cidadealta),argumentaquebastavaescal-laparaterumavisodacidadegregaemsuatotalidade.Taisrealizaes foram to importantes para a vida na cidade que Glotz chama de brbaros os que noas possuam.Pricles patrocinou e estimulou todo o esplendor de Atenas, coletando taxas dos aliadosem troca de proteo8. O sucesso ateniense na arte, na diplomacia e no governo era motivadopelo desejo de alcanar a excelncia. Para os gregos, um belo corpo era to importante quantouma mente brilhante; assim, a esttica, o fsico e o intelecto se misturavam na sua busca pelaperfeio.

8Comoxitoalcanadonasguerrasmdicas,Atenasemergiumaisengrandecidadoquenunca.Paraprevenirfuturos ataques, juntamente com seus aliados, Atenas criou a Confederao de Delos. Tratava-se de uma liga militar,com sede em Delos, onde se acumulavam as contribuies que as cidades jnicas depositavam. O tesouro destinava-se a cobrir as necessidades da liga e seria alimentado por um tributo pago pelas cidades e ilhas da regio que nopudessem ou no quisessem ter participao direta na defesa comum (MOSS, 1979: 39). 9O sculo V a.C. tambm manifestou, principalmente em Atenas, uma grande modalidadede riquezas culturais, tanto no que tange s artes visuais a arquitetura, a escultura, a pintura,assim como literatura na poesia, na prosa e no teatro em seus dois gneros: a tragdia e acomdia.9As cidades-estado da Grcia Antiga eram altamente competitivas, contudo, a brilhante eousada cidade de Atenas sempre as superava. Essa linha vitoriosa, entretanto, no durou muitotempo; o destino havia preparado alguns golpes cruis para essa sociedade que tinha ido to alto erealizado tanto. Atenas ter papel de destaque por apenas dois sculos, embora deixando para asgeraes futuras uma duradoura e eminente herana.Muitosfatos,portanto,marcaramahistriadeAtenas:oavanodademocraciaeodeclniodopoderpolticodasfamliasaristocrticas,atransfernciadecompromissosdosindivduos do cl para a polis, a descrena nos deuses tradicionais e a erupo do movimentosofista, que se conjugam com os notveis desafios vindos de fora, os quais os atenienses tiveramde enfrentar (a ameaa persa, o enfrentamento com Esparta), na luta pela hegemonia do mundohelnico.Ao observar tal quadro de conquistas e acontecimentos, quando falamos em genialidadegrega, logo nos lembramos de Atenas. Mas, como afirma Marrou, nem sempre foi assim. Esparta,duranteoperodoquesucedeuossculosVIIIeVIIa.C.,ocupouumlugardedestaquenahistria da educao helnica. Muitos aspectos, especialmente da Esparta do sculo VII a.C., soretratados por Plato em A Repblica. Esse sculo considerado o grande sculo de Esparta:Na poca arcaica, Esparta o grande centro de cultura, acolhedora paracom os estrangeiros, as artes, a beleza, para com tudo o que pretendermais tarde repelir: ela , ento, aquilo que Atenas s se tornara no sculoV a.C. a metrpole da civilizao helnica (MARROU, 1975: 35).Decarteressencialmentemilitar,aeducaoespartana,napocaarcaica,incluaoaprendizadodoofciodasarmas,limitando-sequaseinteiramenteaotreinamentomilitar,quecomeava aos sete anos e cuja educao era totalmente subjugada ao Estado, uma vez que dosvinte aos sessenta anos os homens serviam a essa instituio. Embora tal educao conservassevestgios de sua origem cavalheiresca, o ideal de cavalheiro homrico foi sendo substitudo peloideal coletivo de devotamento ao Estado. A cultura intelectual, limitando-se ao ensino da poesia e

9 Tanto a tragdia como a comdia tem suas origens nas festas em honra a Dioniso (deus do vinho).10damsica,tornou-sequasenulaemEsparta;todavia,noplanofsico,aprticadaginsticacontinuou predominante. No entanto, no sculo V a.C., em Atenas, essa atmosfera mudou totalmente: a vida grega,a cultura, a educao, tornaram-se principalmentecivis,emboraoelementomilitarnotenhadesaparecido de todo. Assim, na poca Clssica, Atenas, que no perodo arcaico ocupava umlugar secundrio no contexto sociopoltico-cultural grego, encontrar-se- na qualidade de cidadeinspiradora de toda a Grcia (MARROU, 1975: 66-67). No quadro da cidade, dentro do universo da polis, a palavra a nova soberana, tornando-seumverdadeiroinstrumentodavidapoltica.Destamaneira,porexignciadasprpriasnecessidadessociais,ouseja,conformeademocraciaenraizava-senoscostumeslocais,erapreciso dominar bem o idioma para us-lo como instrumento poltico de afirmao dos direitosda cidadania. Com o desenvolvimento da democracia, de modo especial a partir do final do sculo VIa.C.,aeducaonoseriamaissomenteprivilgiodeumpequenogrupodominanteosaristocratas atenienses. Pouco a pouco, todos os cidados livres conquistariam esse direito: todaaeducaoaristocrticaagoraseestendeesetornaaeducao-tipodetodacrianagrega(MARROU, 1975: 71). Nesse quadro, surgiu a escrita, que constitui uma forma democrtica deeducao,naqualosabercolocadodisposiodetodososcidados.Vernant(2000:43)afirma que a escrita se tornou o bem comum de todos os cidados, quase com o mesmo direito dalnguafalada.Paraele,aescritavematenderumareivindicaoquesefazpresentedesdeosurgimento da cidade: a redao das leis. A esse respeito argumenta queAo escrev-las, no se faz mais que assegurar-lhes permanncia e fixidez.Subtraem-se a autoridade privada do basileis, cuja funo era dizer odireito; tornam-se bem comum, regra geral, suscetvel de ser aplicada atodos da mesma maneira. No mundo de Hesodo, anterior ao regime daCidade, a dike (justia) atuava ainda em dois planos, como dividida entreo cu e a terra: para o pequeno cultivador becio, a dike , neste mundo,uma deciso de fato dependente da arbitrariedade dos reis comedores depresentes;nocu,umadivindadesoberana,maslongnquaeinacessvel.Aocontrrio,pelapublicidadequelheconfereaescrita,adike, sem deixar de aparecer como um valor ideal,vai poder encarnar-senum plano propriamente humano, realizar-se na lei, regra comum a todos,mas superior a todos, norma racional, sujeita discusso e modificvelpordecreto,masquenemporissodeixadeexprimirumaordemconcebida como sagrada (VERNANT, 2000: 43-44).11Comaescrita,portanto,aeducaotornou-seabertaatodaacoletividade.Oensinoindividual j no era suficiente para atender ao nmero de crianas que aumentava a cada dia, oquedemandavaumainstituioquesistematizasseoensino,necessidadedaqualnasceuaescola10 (MARROU, 1975: 72).L as crianas aprendiam msica, ginstica e o alfabeto e adisciplinaeramantidapelochicote.Aviolnciafsicaaparecianasrelaesentremestresealunos, de ambas as partes. Entre os mestres que contribuam para a formao da criana estava o citarista (mestre demsica), o pedotriba (mestre de ginstica), o gramatista (mestre das letras e do alfabeto) e opedagogo, um simples escravo encarregado de carregar a bagagem do seu pupilo, acompanh-lo,ensinar-lhe boas maneiras e ajud-lo a repetir as lies e a decorar os poemas. Os mestres, semprestgionenhum,eramtrabalhadorespornecessidade,utilizavamumatcnicaderepetioeleitura em voz alta. Os contedos referiam-se retrica, com o objetivo de formar o cidado paraa polis. Aos poucos, os alunos aprendiam as letras, primeiro oralmente, depois sua forma escrita.Essa era a metodologia de ensino da nova e democrtica tcnica cultural da escrita alfabtica(MANACORDA, 1989: 47-52). Adiscussosobreoensinoeaeducaonosremeteaumaoutra,arespeitodeumconceito que, no contexto grego, importante compreender a paidia. Alm disso, esse umtermo-chaveparaentenderaeducaoemPlato,poissobreeleresideumadasmotivaesfilosficasdoautor:tentar reconstruircomnovospilaresapaidiagregaantiga(TEIXEIRA,2003: 25).

10 Marrou (1975: 228-229) observa que, sobre os locais ocupados pelas escolas primrias, nada se sabe de muitopreciso: supe-se que devia ser uma sala qualquer, que nada de especial predispunha para o uso escolar. Ele afirmater mais informaes a respeito de como eram dispostas: o mobilirio reduz-se a assentos: uma cadeira, poltronacom encosto, e com os ps recurvos, de onde o mestre pontifica, e tamboretes de madeira sem encosto, para osalunos; nada de mesas: as tabuletas, rgidas, permitem escrever sobre os joelhos. Como regra no mobilirio antigo,dava-se mais importncia decorao artstica que s consideraes de utilidade ou de conforto.12CAPTULO II AS TRS GRANDES PAIDIAS DA ANTIGUIDADE: AHOMRICA, A SOFSTICA E A SOCRTICO-PLATNICAPrimeiramente,paraestecaptulo,necessriosefazoesclarecimentodoconceitodepaidia,paraentoabordar,demodomaisespecficoaindaquesucinto,cadaumadastrsgrandes paidias da Antiguidade: a homrica, a sofstica e a socrtico-platnica. Essa exposiotem grande importncia para o presente trabalho, j que compreender o pensamento educativo dePlato, demanda tambm compreender a posio dele em relao paidia de seu tempo.1. O conceito de paidiaInicialmente, o significado do conceito de paidia est muito longe do sentido nobre queadquiriu no sculo V a.C. J aeger (1994: 311) cita squilo (Sete contra Tebas, 18), como seu traomaisantigo,salientandoqueapalavratinhaosimplessignificadodecriaodosmeninos.Assim, antes do sculo V a.C., a palavra paidia, do verbo paideo, significava instruir, formar,dar formao, ensinar os valores, os ofcios, as tcnicas, educao ou cultivo das crianas. esseo sentido que mais se aproxima do conceito de tecn11. Para Marrou (1975: 225), a educaopropriamente dita (paidia) comea sempre aps os sete anos, idade em que a criana enviadas escolas. At ento trata-se apenas de criao (va) (...).A partir do sculo V a.C., o conceito de paidia supera, portanto, sua vinculao limitada instruo da criana. quando o termo aparece como educao integral: a formao do corpo

11 a concepo de educao como tcnica que visava transformao fsica da forma de um objeto ou de seu corpomaterial.Oaprendizadoeradecartertcnicoouartesanal,comonocasodaconfecoderoupas,utenslios,mveis, etc. Era, em geral, restrito aos escravos e, como ofcio, era transmitido de pai para filho. Tambm eramconsideradastcnicasaaprendizagemdoalfabeto,aginstica,eamsica.Oensinodecartertcnicoeraconsiderado inferior e sem honra por tratar-se de transformao mecnica, de fabricar, compor ou produzir algumacoisa ou artefato que no se encontra pronto na prpria natureza. Um importante conceito ligado idia de tecn o13pela ginstica, da mente pela filosofia e pelas cincias e da moral e dos sentimentos pela msica epelas artes. Foi ento que os gregos realizaram a sntese entre educao e cultura: deram enormevalor arte, literatura, s cincias e filosofia.SegundoMarrou(1975:158),apaidiavemasignificaracultura,entendidanonosentido ativo, preparatrio de educao, mas no sentido perfectivo da palavra: o estado de umesprito plenamente desenvolvido, tendo desabrochado todas as suas virtualidades, o estado dohomemtornadoverdadeiramentehomem.Aplica-sevidaadulta,formaoecultura,sociedade e ao universo espiritual da condio humana.Assim, a palavra que, de incio, significava apenas criao dos meninos, adquire nuanasque a tornam intraduzvel. Desta maneira, no se pode evitar o emprego de expresses modernascomocivilizao,cultura,tradio,literaturaoueducao,porm,nenhumadelascoincideplenamente com o que os gregos entendiam por paidia. Cada um daqueles termos se limita aexprimirumaspectodaqueleconceitoglobale,paraabrangerocampototalserianecessrioempreg-los todos de uma vez (J AEGER, 1994: 1). No conceito grego da palavra est presente aidia de educao do homem, consoante o seu autnticoser,ouseja,umaeducaototal,dapessoa fsica, esttica, moral, religiosa e poltica.Apaidiaera,segundoPlato,averdadeiraeducao,aquelaquevisavaconstruirohomem da polis, que tornava o homem cidado. Constitua um ideal de cultura, baseado na idiadequeacomunidadeeoindivduosoreciprocamenteresponsveisumpelooutro,seintegrando, transformando e evoluindo um a partir do outro.Nesse sentido, a paidia parte do princpio de que o homem um ser racional e poltico e,por isso, capaz de agir segundo fins e valores que visam ao bem coletivo, acima das necessidadesindividuais.Significava,portanto,aidiadeeducaocomocultivo,isto,comoensinodosvaloresedosconhecimentoshumanosnecessriosparaodesenvolvimentodocarteredoesprito. Assentava-se numa concepo de educao integral, pois buscava a formao plena doser humano e no apenas o seu adestramento ou profissionalizao. Seu objetivo era imprimir umideal social coletivo para que todos os membros se sentissem parte da comunidade, responsveispor sua realizao e seu futuro. depoysis,umavezquetambmserefereaotrabalhocomoconstruo,composioe,portanto,comotcnica(CHAU, 511: 2002). 14Suabaseeraumtipodeconhecimentodiferentedatcnica,denominadoepisteme(cincia). Para Plato, ela aparece como o bem mais precioso dado aos homens, uma obra delibertaodoconhecimento,operadaapartirdametamorfosedaalma,ouseja,doprocessoespiritual de ascenso da alma ao mundo inteligvel. Pitgoras (sc. VI. a.C.) quem apresenta asbases da paidia grega antiga. Seu princpio que existe um bem que se transmite sem perd-lo,que faz prosperar quem o recebe, sem exaurir quem o distribui:...frente aos bens no-transmissveis, como a fora, a sade, a beleza, acoragem,outransmissveis,perdendo-osquemostransmite,comoapropriedade, os cargos, existe um bem que se transmite sem perd-lo: aeducao, a paidia (MANACORDA, 1989: 47).Nessesentido,aeducaopromoveumamudanainterior,espiritual,transformandoemoldando o carter, a concepo de mundo e construindo um conhecimento duradouro e capaz decriareiralmdoquefoiensinado,superior,porisso,aoadestramentotcnicomeramenterepetitivo. A principal preocupao da educao ser com a elevao do ser humano ao seu maiorgrau de perfeio, ao que h de mais excelente na humanidade, fazendo-o atravs da educao dobom e do belo.Assim, o conceito de paidia que se refere soma total das experincias educacionais eculturaisdapessoahumana,coincidecomumadadapropensodaalma,umcertodesenvolvimento do esprito, a ser atingido mediante um ideal de formao humana, posto noentrecruzamentodacapacidadeparaaprender,dotalentoparacompartilharoaprendizadoemultiplic-lo, da curiosidade intelectual, do desejo de saber e de comungar do saber com o outro.Finalmente,pode-sedizerqueotermopaidiaumtermoplural:procuratraduzirprticaseducativasdivergentes,masquecontriburamnotavelmentenahistriadasidiaspedaggicas.Entreelaspodemosdestacartrs,queconstituramastradieseducacionaisrelativasformaodohomemgrego:apaidiahomrica,apaidiasofsticaeapaidiasocrtico-platnica.Platoseencarregardecontestarasduasprimeiras.Secompreendermosesseconflitoeducativo,compreenderemosquecadaumadelassurgiunocomoalgosurpreendente,mascomoofrutohistriconecessrioeamadurecidodoseuprpriocontexto(J AEGER, 1994: 328).151.1 A paidia homrica J nos primrdios de sua civilizao, os gregos se deparam com a paidia homrica, ouseja, aquela que se liga s origens mticas da formao da Grcia atravs dos poemas Ilada eOdissia, de Homero. O que prova a ntima conexo entre a epopia e o mito, diz J aeger (1994:62):ofatodeHomerousarexemplosmticosemtodasassituaesimaginveis da vida em que o homem pode estar na presena deoutroparaoaconselhar,advertir,admoestar,exortarelheproibirouordenarqualquer coisa. Tais exemplos no se encontram de ordinrio na narrao,mas sim nos discursos das personagens picas.Osmitoseaslendashericas,quecompemapaidiahomrica,somarcadospelatradio dos aristocratas guerreiros, por seu estilo de vida, pela atmosfera tica em que essesheris atuam e, por isso, constituem um tesouro inesgotvel de exemplos e modelos da nao,que neles bebe o seu pensamento, ideais e normas para a vida (J AEGER, 1994: 62).Marrou afirma que a imagem ideal do perfeito cavalheiro da epopia homrica distingue-sedadosguerreirosbrbaros,umavezqueimplicaumrefinamentodeatitudes,cortesia,habilidade e polidez at no combate: como portar-se no mundo, como reagir ante circunstnciasimprevistas,comoprocedere,antesdetudo,comofalar(MARROU,1975:21-22).Oherihomrico , ento, o homem hbil no falar e capaz de agir, seja em tempo de guerra ou de paz,nas assemblias e nos conselhos, e que desenvolve suas habilidades junto a um preceptor maisvelho. Tomemos como exemplo Aquiles, cujo mestre foi Fnix:Fnix, opon (isto , companheiro) do velho Peleu , ento, nutridor deAquilesnasuaprimeirainfncia,semelhantenistoaosnutridoresegpcios, e em seguida seu educador nas palavras (pea) dos conselhos edasassembliaspolticas,enasaes(erga)deguerradurantesuaadolescncia (MANACORDA, 1989: 42).16Nesse ideal de formao, est a busca da excelncia humana, alcanada principalmentecom a prtica da arete12, entendida como um conjunto de qualidades fsicas, espirituais e moraistaiscomoacoragem,afora,adestreza,aeloqncia,acapacidadedepersuasoe,numapalavra,aheroicidade.Facemortalidadedoshomens,contrriaimortalidadedosdeusesolmpicos, a finalidade da vida humana projetada pelas epopias era a de perdurar gloriosamentena memria pelos feitos hericos: a morte como sacrifcio supremo, o amor glria, o renome, amoderao,oreconhecimento,aimortalizaodohericomorecompensaporsuabravura.J aeger afirma (1994: 62): assim como os heris de Homero reclamam, j em vida, a devidahonra e esto na disposio mtua de a cada um conceder a estima a que tem direito, assim todo oautntico feito herico est sedento de honra.Naverdade,aIladaeaOdissia,constitudasapartirdatradiooraldosaedoserapsodospoetasquecantavamasaventurasdaspersonagenshericas,queremontavamaosculo XII a.C. , eram poemas que, alm de obras artsticas, tinham um grande valor educativo.Atravs delas, tudo se estudava: literatura, histria, geografia, cincias, entre outras.13 Os ideaiscvicos e a identidade cultural de uma sociedade guerreira dominada pelas famlias aristocrticaseram veiculados por aquelas epopias.1.2 A paidia sofstica

12 De acordo com Abbagnano (2003: 1003), esta expresso, habitualmente traduzida como virtude, designa umacapacidade qualquer ou excelncia. Em sua obra ARepblica, Plato (49-50) define a virtude como capacidade derealizar uma tarefa determinada, como os rgos. Por exemplo: a funo dos olhos ver, e a possibilidade de ver avirtude dos olhos, a alma tem suas prprias funes, e sua capacidade de cumpri-las a virtude da alma. Por isso,segundo Plato, a diversidade das virtudes determinada pela diversidade das funes que devem ser cumpridas pelaalma ou pelo homem no Estado. Davidson, citado por Anbal Ponce (1991: 47) afirma que, este termo, apesar de tertido diversos significados em diferentes pocas, sempre implicou aquelas qualidades que capacitam um homem paragovernar (DAVIDSON, Thomas. LaEducacinDelPuebloGriegoysuInflujoenlaCivilizacin. Madri, Ed. LaLectura, s/d).13 Enquanto os sofistas consideram Homero como uma enciclopdia de todos os conhecimentos humanos, desde aconstruo de carros at estratgia, e uma mina de regras prudentes para a vida (J AEGER, 1994: 321), Plato(1993: 459) o critica dizendo que se fosse conhecedor das coisas que imita, aplicar-se-ia, muito mais s obras doque s imitaes, tentaria deixar criaes numerosas e belas como monumentos comemorativos da sua pessoa, eempenhar-se-ia mais em ser elogiado que em elogiar.17DevidoaoflorescimentodademocraciaemAtenas,comassembliaspopularesetribunais, era fundamental dominar a arte de bem falar, a retrica. Nesse contexto, a polis gregaest a demandar um novo tipo de homem, que entendesse os mitos como fbulas, que usasse aretrica para expressar-se apropriadamente, e que fosse ativo participante da vida na polis, paraser um cidado completo, plenamente instrudo (TARNAS, 2000: 45).Essa nova etapa da filosofia, cuja questo central se desloca para o homem e seu lugar nasociedade, foi dominada pelos sofistas14. Suas atividades tiveram incio na segunda metade dosculo V a.C. A sofstica consistia muito mais num modo de ensinar que numa doutrina (CHAU,2002:160).Considerando-sepraticantesdosaber,mestresdaoratria,ossofistasviviamsevangloriando de sua sabedoria para impressionar seu pblico. claro que esta franca publicidade no se faz sem algum charlatanismo:estamos na Grcia e na Antiguidade: para impressionar seu auditrio, osofista no hesita em pretender a oniscincia e a infalibilidade. Aparentaum tom doutoral, um comportamento solene ou inspirado, pronuncia suassentenasdoaltodeumtronoelevado,revestindomesmosvezes,parece, o costume pomposo do rapsodo em seu grande manto de prpura(MARROU, 1975: 87).Ossofistasrecebiam,ento,altossalrios,deacordocomseuprestgio.Elestransformaram o ensino numa autntica profisso, a comear pelo fato de que cobravam por suasliesapesodeouro,comercializandoosabercomosefosseumamercadoria.DizMarrou(1975: 86):Protgoras foi o primeiro a oferecer um ensino do tipo comercializado:no havia, antes dele, semelhante instituio; os sofistas no encontraram,pois,umaclientelajfeita:foi-lhesnecessriogranje-la,persuadiropblicoarecorreraseusservios,oqueexplicatodaumasriedeexpedientespublicitrios;oSofistavaidecidadeemcidadecatadealunos, levando atrs de si aqueles que j arrebanhou.

14 Etimologicamente, o termo sofista significa sbio. Entretanto, com o passar do tempo e, principalmente, emvista das crticas de Plato, mais especificadamente num de seus dilogos com esse mesmo nome, o termo sofistaassume um sentido negativo: ... em primeiro lugar, ns descobrimos ser ele um caador interesseiro de jovens ricos[...] em segundo lugar, um negociante, por atacado, das cincias relativas alma [...] em seu terceiro aspecto, e comrelao s mesmas cincias, no se revelou ele um varejista? [...] e o quarto personagem que ele nos revelou foi o deum produtor e vendedor destas mesmas cincias [...] quanto ao seu quinto papel, [...] filiava-se ele arte da luta,comoumatletadodiscurso,reservando,parasi,aerstica[...]oseusextoaspectodeumargemdiscusso.18O objetivo do movimento educacional dos sofistas no era a educao do povo, mas a doschefes: os sofistas dirigiam-se antes de mais a um escol e s a ele (J AEGER, 1994: 315). Emseus ensinamentos, os sofistas deixavam transparecer um carter prtico, utilitrio. consideradoenciclopdicoosaberporelestransmitido(idem:317);todavia,afinalidadeprticadosseusensinamentostambmpossuiumvalorsignificativo.Emboraseconsiderassemeducadoresecobrassempelosaberquetransmitiam,estendendo-osapenaselite,elesromperamopreconceitoquesustentavaseravirtudeumprivilgiodenascimentoedesangue:Asuafinalidade era a superao dos privilgios da antiga educao para a qual a arete s era a cessvelaos que tinham sangue divino (idem: 312).A paidia sofstica consiste numa educao poltica que privilegia a palavra persuasivacomo instrumento de poder. Toda a educao poltica dos chefes devia basear-se na eloqncia, aqualseconverteunaformaodoorador(idem:315-316).Ossofistasdedicaram-se,especificamente, ao problema da formao do homem poltico, do bom orador, capacitando oaluno a discutir, a expor suas opinies, a debat-las em pblico e, ainda, a expor-se s crticas dosoutros.Elessedirecionavamaquempudessepagarpelosseusservios,afimdeadquirirasuperioridade necessria ao triunfo na arena poltica.Ensinavam, ento, a arte da retrica, ou seja, a arte de discutir, persuadir, argumentar,lanando mo de argumentos lgicos em favor de sua opinio e contraadoadversrio.Artedecisiva para quem exerce a cidadania numa democracia direta, onde as decises so tomadas empblico,principalmenteparaosjovens,queiamassembliadopovoapresentardiscursosconvincentes e adequados, de modo a conseguir postos de governo que estivessem altura de suatradiofamiliar.Assim,ossofistasprocuraramrompercomatendnciadeacreditaremverdadesabsolutas,esituaramalinguagemcomoumamerasimbolizaoquenoatingeaessncia15 das coisas, como afirma Marilena Chau (2002: 124):Ossofistasoperamapenascomopinies(doxa)contrrias,ensinandoaargumentar persuasivamente tanto em favor de uma como de outra, dependendo Entretanto, ns concordamos em reconhec-lo, dizendo que ele quem purifica as almas das opinies que so umobstculo s cincias (PLATO, [199-]: 122-123).15 Essncia aquilo que faz com que uma coisa seja o que , e no seja outra coisa, isto , a natureza constitutiva dealgo, aquilo que ela realmente a sua Verdade. Piettre (1989: 109) observa que essncia e ser so vocbulosquase sinnimos, pois essncia deriva do verbo latino esse, que significa ser. Pode-se afirmar que o Ser se ope aovir-a-ser, assim como a estabilidade, a permanncia, a eternidade se opem instabilidade, ao efmero e ao tempo.AsIdias,aexemplodejustia,debemedeverdadeiro,soeternaseimutveis.Destaforma,so,portanto,essncias, ou ainda, coisas que so seres, ou seja, realidades verdadeiras. 19de quem lhes est pagando; no operam com a verdade (altheia) que sempre amesma para todos.J aeger (1994: 500) lembra que a paidia sofstica era uma colorida mistura de materiaisde origem vria, j que no havia entre eles concordncia quanto ao saber mais indicado para aformaodoesprito.J apaidiasocrtico-platnica,noseuchamadoaocuidadodaalma,recomenda as cincias matemticas como o caminho certo para essa finalidade.1.3 A paidia socrtico-platnicaPlato(428/7-348/7a.C.)nasceuemAtenaseviveuentreafaseureadademocraciaateniense e o final do perodo helnico (sculos V-IV do perodo Clssico). Conheceu, portanto,duas Atenas completamente diversas. A primeira a da poca de seu nascimento, a do Sculo dePricles, com quem Atenas chegara ao apogeu de sua democracia, e a segunda a que deixou porocasio de seu falecimento, a Atenas da derrota na Guerra do Peloponeso, esgotada e acabada aponto de ser aniquilada na batalha de Queronia, que efetivou o domnio de Filipe da Macedniasobre a Grcia. Assim, a vida de Plato coincide, em grande parte, com a decadncia do imprioateniense.O contexto histrico no qual Plato viveu, somado ao fato de que pertencia a uma famliaaristocrata e tinha participao efetiva nos destinos polticos da Grcia, determinaria o carteressencialmente poltico de sua filosofia.A injusta condenao de Scrates, sob a gide da democracia ateniense, envolveu Platonum desnimo profundo, levando-o a privar-se de qualquer ao poltica por um curto perodo e aabandonar a polis por mais de dez anos (J AEGER, 1994: 565-566). Nesse perodo, viajou para oEgito (390 a.C.), Cirene (389 a.C.) e, finalmente, Siracusa (388 a.C.), onde tentou estabeleceruma repblica sob o comando de Dionsio II, sem obter sucesso.Ao voltar a Atenas fundou, em20487 a.C., sua prpria escola, a Academia16, onde alunos e professores voltavam-se ao enfoquedialtico17.Scrates (470-399 a.C.), filsofo grego da era Clssica, considerado uma das figurasimortais da histria da humanidade. Ele andava pelos locais pblicos indagando sobre tudo queos atenienses acreditavam e julgavam conhecer. Ao fazer isso e suscitar dvidas, Scrates rompiacomascertezaseverdadesqueaspessoasafirmavampossuir.Nolheinteressavamoshonorrios das aulas, pelas quais, na verdade, ele no cobrava, mas o dilogo vivo e amistosocom seus discpulos. Scrates acreditava que o autoconhecimento o incio do caminho para osaber verdadeiro, e que s se aprende a andar nesse caminho com a busca trabalhosa que cadaqual realiza dentro de si. Para ele, antes de querer conhecer qualquer coisa e antes de quererpersuadir os outros, cada um deveria, antes de tudo, conhecer-se a si mesmo.O fato mais marcante da vida de Plato foi aos vinte anos de idade, em seu encontro comScrates, de quem foi discpulo e fiel seguidor poroito anos.Herdeirodeseumestre,Platoaprende a inclinar-se sobre questes de carter tico, incumbindo-se, como diz J aeger (1994: 549-550), da crtica s grandes potncias educativas de seu tempo e das tradies do seu povo: asofstica18 e a retrica, o Estado, e a legislao, a Matemtica e a Astronomia, a ginstica e aMedicina, a poesia e a msica. J aspers19 observa que

16 Prximo a Atenas havia um bosque ao lado do rio Cfisos, consagrado ao heri Acdemos (que, de acordo com amitologia, auxiliou Castor e Polideuces, filhos gmeos de Zeus, a resgatar Helena quando esta foi raptada, aindacriana por Teseus). Plato comprou parte do bosque e nele edificou um local para ginstica e ensino gratuitos,sustentados por alguns aristocratas. Em funo do nome do heri homenageado,aescolaficouconhecidacomoAcademia,durandomaisdemilanos(at529d.C.,quandofoifechadapeloimperadorbizantinoJ ustinianoI)(CORTELLA, 2000: 79).17 A questo da dialtica ser discutida e aprofundada mais adiante.18 So dois os pontos de acusao contra os sofistas, como afirma Reale (1994: 190): a) a sofstica um saberaparente e no real e, alm disso, ela b) professada com fins lucrativos e de modo algum por desinteressado amor verdade.Contudo,apesardetodasascrticas,hoje,comumencontrarpassagensemobrasdeestudiososdemonstrando que a viso de descrdito para com os sofistas foi superada: a sofstica um fenmeno to importantecomo Scrates ou Plato. Mais: no possvel conceb-los sem ela (J AEGER, 1994: 316).19SocrateswouldbeahistoricalrealityevenwithoutPlato.ButthehistoricalandthePlatonicSocratesareinseparable. In the reality of Socrates, Plato discerned his essence. He let the essence unfold freely in his dialogues;insodoinghedidnotrestricthimselftofacts,buthewasalwaysguidedbyastrivingforessentialtruth.Hisphilosophical poetry is a picture of the essential truth of Socrates. Throughout the dialogues, Socrates, with all hismany aspects, is one man. The reader always sees the one Socrates even when he is portrayed from different pointsofview.Inmostofthedialogues,Socratesisthemaincharacter;insomeofthelatedialogues,hebecomesa21Scrates seria uma realidade histrica mesmo sem Plato. Mas o Scrateshistricoeplatnicosoinseparveis.NarealidadedeScrates,Platodiscerniu sua essncia. Ele deixou a essncia desabrochar livremente emseusdilogos;fazendoissonoserestringiuafatos,massemprefoiguiadoporumesforoverdadeessencial.Suapoesiafilosficaumretrato da verdade essencial de Scrates. Do comeo ao fim dos dilogos,Scrates, com seus muitos aspectos, um homem. O leitor somente v ums Scrates mesmo quando ele retratado de diferentes pontos de vista.Na maioria dos dilogos, Scrates o personagem principal; em algunsdos dilogos tardios, ele se torna uma figura secundria, e nas Leis eledesaparece,porqueoassuntoemquestojnoseajustaindividualidade de Scrates (traduo do autor).No fcil distinguir os ensinamentos que realmente pertencem a Scrates dos de Plato.Sabe-se que Scrates o despertou para uma coisa que importante: cuidar de sua alma levandouma vida correta conduzida na direo do bem.Foi o apelo de Scrates ao cuidado da alma que realmente levou o espritogregoarompercaminhoemdireonovaformadevida.AvidadeScratesfoiumaantecipaodonovobios,baseadointegralmentenovalor interior do Homem. Se o conceito da vida, do bios (que designa aexistncia humana, no como um simples processo temporal, mas comoumaunidadeplsticacheiadesentido,comoumaformaconscientedevida) ocupa doravante uma posio de to grande relevo na filosofia e natica,vidarealdoprprioScratesque,numapartemuitoconsidervel, isso se deve. E os seus discpulos souberam compreenderque era nesta renovao da velha arquetpica do filsofo como encarnaodum novo ideal de vida que residia a fora principal da paidia socrtica(J AEGER, 1994: 499).Enquanto a paidia sofstica derivada da vida coletiva (polis), orientada para o Estado eseus assuntos, com Scrates e Plato h um deslocamento da imagem da cidade para a alma dohomem, ou seja, transfere-se uma paidia centrada no Estado, para uma paidia interior, tica,derivada da conscincia da natureza moral do homem, fundamentada na capacidade racional doautodomnio,instnciaidealdofilsofo,capazdeserlivreenosubmetidosexperinciassensveis.Aformaoretrica,identificandoobemcomoprazer,produzumdiscursoquevisaagradar e persuadir, mas ao qual so indiferentes as questes morais. Scrates e seu discpuloPlato, ao contrrio, buscavam com tenacidade as coisas perenes, uma moral humana imutvel, secondary figure, and in Laws he disappears, because the subject matter no longer fits in with the individuality ofSocrates (JASPERS, 1962: 119-120).22que residia no mundo das formas perfeitas. Algo firme, que no flutuasse ao sabor dos ventos edas modas, uma concepo comum e imorredoura do que fosse o belo, o bem, o justo (kals,kagaths, dike).Apaidiasocrtico-platnicaassenta-senoidealdakalokagathia,afirmando-secomobusca constante do aperfeioamento da alma dos cidados. Ela almeja formar um tipo superior dehomem, model-lo por inteiro, cultivando nele todas as virtudes, tanto as da alma quanto as docorpo: bravura, ponderao, justia, piedade, sade fora e beleza, a fim de faz-lo elevar-se paraalm dos sentidos.Assiste-se, portanto, com Scrates e Plato ao surgimento de uma paidia filosfica, quepretende negar e superar, ao mesmo tempo, tanto a paidia mtica de Homero quanto a paidiaretrica dos sofistas. Ela no se contenta em contemplar a essncia das coisas, mas quer atingir obem (J AEGER, 1994: 549). A meta da paidia filosfica , ento, a de buscar, nas essnciasinteligveis a idia suprema que, como est estampado em A Repblica, a idia do bem. Antes de tratar a respeito da idia do bem, que um problema central da obra educativadePlatoemARepblica,vale,previamente,adentrarafilosofiaplatnica,abordando,principalmente, dois aspectos mais significativos para o presente trabalho: a teoria das idias e ateoria do conhecimento como reminiscncia.23CAPTULO III A FILOSOFIA PLATNICAParacompreenderaconcepoplatnicadaeducaoprecisoretomar,aindaquebrevemente, alguns aspectos mais gerais da filosofia desse autor, particularmente sua teoria dasidias e sua teoria do conhecimento como reminiscncia. o que ser feito a seguir.1. A teoria das idiasA teoria das idias a forma como Plato procura solucionar o conflito entre Herclito eParmnides.Enquantoparaoprimeiroocernedarealidadeacontnuamudana:tudosetransforma,tudoflui;paraosegundo,nadapodemudar,aessnciadarealidadeaimutabilidade.Seguidor de Herclito, Plato assimila a teoria do eterno fluir, somando a esse fato suapreocupao com a busca de uma verdade estvel. Entra, assim, num dilema do qual s se verlivre com sua distino entre o mundo sensvel e o mundo inteligvel. Assim, Plato, de certomodo,reconciliaParmnideseHerclitoaoadmitirfundamentalmenteaexistnciadedoismundos:omundodasidiasimutveis,eternas,eomundodasaparnciassensveis,perpetuamentemutveis.Acrescente-seque,paraele,omundodasidiasonicomundoverdadeiro.Conforme Reale (1994: 70):24Plato compe a anttese entre as duas escolas exatamente com a distinodosdoisdiversosplanosdarealidade:notodarealidadetalcomoqueriam os heraclitianos, mas somente a realidade sensvel; analogamente,notodaarealidadetalcomoqueriamoseleatas,massomentearealidade inteligvel, as Idias.Eis o que Scrates fala a Cebes, no Fedn:Suponho que h um belo, um bom, e um grande em si, e do mesmo modoas demais coisas. Se concordas comigo e tambm admites que isso existe,tenho muita esperana de, por esse modo, explicar-te a causa mencionadae chegar a provar que a alma imortal (PLATO, Fdon, [199-]: 84). Assim, Plato caracteriza as causas inteligveis, que ele denomina idias ou formas dosobjetosfsicos.Explicandomelhor:eletentavaencontrarumarealidadequefosseeternaeimutvel; considerava que tudo o que podemos tocar e sentir passvel de mudana, pois feitode um material que se deteriora, que est sujeito corroso do tempo. No existe, portanto, algoquenosefragmente.Absolutamentetudooquedizrespeitoaomundodossentidossetransforma.Aomesmotempo,tudoformadoapartirdeumaformaeternaeimutvel.Porexemplo,cadaindivduo,emparticular,possuiassuasprpriascaractersticas(sexo,tipodecabelo, cor da pele, peso, altura, etc.). Entretanto, sabemos que todos so seres humanos a partirdeumaimagempadroquepermaneceinalteradadeindivduoparaindivduo,doqualsoretiradas todas as diferenas, restando apenas aquilo que todos os seres humanos tm em comum:a cada coisa corresponde uma idia, que nica, e chamamos-lhe a sua essncia (PLATO,1993, 507b: 308).Desse modo, eternos e imutveis no so, segundo Plato, simples elementos fsicos, masmodelosespirituaisouabstratos,apartirdosquaistodososfenmenossoformados.Dessemodo, Plato acreditava numa realidade autnoma por trs do mundo dos sentidos, na qualestariam as imagens primordiais, eternas e imutveis. Essa sua concepo ficou conhecida comoa Teoria das Idias.Atravs dos dilogos, Plato vai caracterizando essas causas inteligveisdosobjetosfsicosqueelechamadeidiasouformas.Elasseriamincorpreas e invisveis o que significa dizer justamente que no est namatriaarazodesuainteligibilidade.Seriamreais,eternasesempreidnticasasimesmas,escapandocorrosodotempo,quetornaperecveisosobjetosfsicos.[...]Perfeitaseimutveis,asidias25constituiriamosmodelosouparadigmasdosquaisascoisasmateriaisseriam apenas cpias imperfeitas e transitrias. Seriam, pois, tipos ideais,a transcender o plano mutvel dos objetos fsicos (SOUZA; PALEIKAT;COSTA. Vida e obra, 1987: XVII). O fato bsico dessa teoria , portanto, o da existncia de dois mundos: o mundo material eomundoideal.Plato(1993,517b-524c:321-334),emARepblica,deixatranspareceraexistncia desses dois mundos: o mundo sensvel, constitudo por sombras que acreditamosserem reais , onde todas as coisas so materiais e, portanto, mutveis e sujeitas morte. Paraalmdeste,hummundosuperior,perfeito,permanente,eterno,imutvel,verdadeiro,semmudanas, sem limitaes fsicas de tempo e espao. E, porque imaterial, no pode ser captadopelos sentidos, mas apenas pela razo.Todo o mundo sensvel participa do mundo intelectual ou ideal. Existem cavalos, porqueh uma idia de cavalo eterna e perfeita; existem homens porque existe o homem perfeito nomundo das idias, uma imagem padro que se mantm invarivel, fixa de homem para homem.Noprotestariasaosgritosquenocompreendescomocadacoisasepossa formar por outro modo que no seja pela participao na prpriasubstncia essencial em que essa coisa toma parte? No dirias, neste caso,que no encontras outra causa de formar-se dois a no ser a participaona idia do dois, e que deve participar dela o que vem a tornar-se dois, etambm que deve participar da idia de unidade o que se torna unidade?(PLATO. Fdon, [199-]: 85).Esta a teoria da participao20, esboada vrias vezes no Fdon, mas tambm em outrasobras de Plato. Com esta teoria, ele deixa claro, no Fdon, que tinha em vista simplesmenteestabelecer que a idia a causa verdadeira do sensvel (REALE, 1994: 80). ...quando, alm do belo em si, existe um outro belo, este belo porqueparticipa daquele apenas por isso e por nenhuma outra causa (PLATO.Fdon, [199-]: 84).Deste modo, todas as caractersticas dos seres particulares do plano sensvel devem a suaexistnciarelaodeparticipaoquepossuemcomasidiasouasformasdomundo

20 Nos seus escritos, Plato apresenta diversas perspectivas, afirmando que, entre o sensvel e o inteligvel existe a)uma relao de mimese ou de imitao; b) ou de mtexis ou de participao; c) ou de koinona ou de comunho; d)ou ainda de parusia ou de presena (REALE, 1994: 80).26inteligvel. As coisas belas do mundo sensvel nunca sero, ento, o belo em si mesmo, apenasmanifestam ou participam em maior ou menor grau da idia de belo, eterna e imutvel do mundointeligvel....oquefazbeloumobjetoaexistnciadaquelebeloemsi,dequalquer modo que se faa a sua comunicao com este.[...] tudo o que belo em virtude do Belo em si (PLATO. Fdon, [199-]: 84-85).Reale (1994: 81) ressalta um problema apresentado por Plato a respeito da relao entreascoisaseasidiasafirmandoqueessarelaonopodeserpensadacomoimediata;necessrio um mediador, ou seja, um princpio que realize a imitao, assegure a participao,atualize a presena e seja fundamento da comunho. este o grande problema da Intelignciaordenadora e sua funo. Como soluo, para realizar a mediao entre o sensvel e o inteligvelPlato introduz, ento, uma divindade: o Demiurgo, isto uma Inteligncia Suprema,...aimagemdeumArtficequeplasmaoPrincpiomaterial(umaespacialidade indeterminada ou uma espcie de substrato ou de excipienteinforme) em funo do modelo das Idias, fazendo com que cada coisaseassemelheeimiteomaisperfeitamentepossveloseuparadigmaideal (REALE, 1994: 82).Atravs de sua teoria das idias, Plato procurava captar a essncia da dialtica socrtica,o uno dentro do mltiplo, e formular suas prprias premissas tericas, desligadas da perceposensorial (J AEGER, 1994: 572).2. A teoria do conhecimento como reminiscnciaPlato afirma que nada que existe no mundo dos sentidos duradouro, ou seja, todas aspessoasouanimais,porexemplo,umdiaperecem.Emsuaviso,nuncapodemoschegaraconhecer verdadeiramente algo que se transforma; podemos, apenas, ter opinies incertas sobre oque sentimos ou percebemos sensorialmente. A gua pode estar quente e achamos que ela est27fria porque nossa mo est bem mais quente que ela. Eis a como nem sempre podemos confiarem nossos sentidos. Por outro lado, podemos confiar na razo, pois esta a mesma para todas as pessoas.Assim, diremos que somente atravs da razo se consegue chegar a um conhecimento seguro,almdeafirmarserarazoeternaeuniversal,exatamenteporqueelassemanifestasobreelementoseternoseuniversais.Osnmeros,oclculoeaaritmticaso,certamente,esseselementos, pois, como diz Plato (1993, 526b: 337), essas cincias obrigam a alma a servir-se dainteligncia em si para chegar verdade pura. Por exemplo, cinco vezes dois igual a dez e sersempre assim, porque, neste caso, a razo quem julga.Comofoidito,paraPlatoexistem,portanto,doiscamposdeconhecimentocorrespondentes a dois mundos: o mundo sensvel, dominado por opinies que acreditamos seremreais, e o mundo superior, onde predomina o campo da razo, um campo luminoso como s averdade poderia ser. o mundo das idias e, como Razo pura, no captvel pelos sentidos, spodendo ser alcanado pelo esforo da razo, livre das influncias materiais. Este mundo ummundo de luz plena, sem trevas, escurido ou mesmo sombras.Oserhumanoumcompostodecorpoealmaqueparticipadessesdoismundos.,portanto, um ser dual. A essncia a alma; a matria o corpo. Assim, temos um corpo, queperece e que est ligado ao mundo dos sentidos, compartilhando do mesmo fim de todas as outrascoisas deste mundo. Mas tambm possumos uma alma imortal21, que a morada da razo; e,exatamente por no ser material, ela tem acesso ao mundo das idias.Plato acreditava que a alma j existia no mundo das idias antes de vir habitar o corpo.Porm,nomomentoemqueelapassaahabit-lo,esquece-sedasidiasperfeitasquecontemplara naquele mundo. Assim, quando entramos em contato com as formas imperfeitas domundosensvel,gradualmenteumavagalembranacomeaaafloraremnossaalma.Porexemplo, um dia, no mundo dos sentidos, uma pessoa avista um coelho. Isto o bastante paraavivar a lembrana do coelho ideal que, certa vez, ela conheceu no mundo das idias. Quandoisto acontece, a alma sente um desejo, uma nsia de regressar sua verdadeira morada no mundodas idias, isto , quer se libertar, livrar-se da priso do corpo material.

21 Plato apresenta provas da imortalidade da alma em diversas obras como oFdon, ARepblica, o Fedro e oTimeu. No cabe aqui, porm, retomar essa discusso, dados os limites do presente trabalho.28Se todo o mundo sensvel tem participao no mundo das idias, existe a possibilidade deque conheamos essas realidades incorpreas e invisveis?Como afirma Plato, no Mnon, a certa altura, Scrates dialogava com um jovem escravo.Fazendo-lhe perguntas certas no momento certo, o filsofo levou o escravo a descobrir, com aajuda de figuras desenhadas na areia, uma propriedade notvel da diagonal, sua relao com olado do quadrado (MOREAU, 1978: 31). O escravo no recebera nenhuma instruo geomtrica,as verdades matemticas foram surgindo no seu esprito medida que Scrates ia lhe fazendoperguntas e raciocinando com ele. Donde tirara o escravo esse conhecimento que no possua eque ningum lhe transmitiu? Essencialmente, cabe que o tenha achado em si mesmo. Em A Repblica, Plato desenvolve uma teoria que j fora esboada no Mnon: a teoria dareminiscncia ou da anamnese22, segundo a qual ao nascer a alma guarda a lembrana das idiascontempladas, que passam para a percepo e voltam para a conscincia (TEIXEIRA, 2003: 52). ...poder-se-ia supor que perdemos, ao nascer, essa aquisio anterior aonascimento, mas que mais tarde, fazendo uso dos sentidos a propsito dascoisas em questo, reveramos o conhecimento que num tempo passadotnhamos adquirido sobre elas. Logo, o que chamamos de instruir-se noconsistiria em reaver um conhecimento que nos pertencia? E no teramosrazo de dar a isso o nome de recordar-se? (PLATO. Fdon, [199-]:64).Acrenanapreexistnciadaalmaumamaneiradeafirmaraorigemaprioridoconhecimento, a interioridade do saber. Ou seja, ao aprender, a alma, na realidade, readquire oconhecimento verdadeiro que perdera ao encarnar e ser aprisionada no corpo. Para Plato, a almapossui um conhecimento da poca em que pertencia alma nica, divina, mas que se encontraadormecido,aparecendovagamentequandoencontramosalgoquepodelembraraperfeio

22Reale(1994:153-154),lembraqueestateoriaexpostaporPlatonoMnon,comorespostaaoprincpioerstico de que no se pode procurar e conhecer o que no se conhece porque,mesmoencontrando-o,no sepoderiareconhec-lo;poroutrolado,notemsentidoprocuraroquejseconhece,justamenteporquejconhecido.[...]ParasuperaressaaporiaPlatoencontraumcaminhointeiramentenovo:oconhecimentoananmnese, isto , uma forma de recordao, um vir tona do que j existe sempre no interior da nossa alma.Assim, a alma nasce e renasce muitas vezes, de tal modo que viu tudo neste e noutro mundo, podendo, em certosmomentos e ocasies, recordar o que sabia antes: E,jquetodanaturezacongnere,ejqueaalmaaprendeutudo,nadaimpedequequemserecordedeumacoisaoqueoshomenschamamaprenderpossadescobrirtambmtodasasoutras,desdequesejaforteenopercacoragemnapesquisa:comefeito,pesquisareaprenderso, em geral, um recordar (PLATO, Mnon, 81 c-d).29divina. E, por estar no mundo sensvel, como uma cpia imperfeita das idias perfeitas, esse algo inferior....antes de comear a ver, a ouvir, a sentir de qualquer modo que seja, preciso que tenhamos adquirido o conhecimento do Igual em si, para quenossejapossvelcompararcomessarealidadeascoisasiguaisqueassensaesnosmostram,percebendoquehemtodaselasodesejodeseremtalqualessarealidade,equenoentantolhesoinferiores(PLATO, Fdon, [199-]: 63).Vale destacar uma observao feita por Reale (1994: 156-157) acerca das doutrinas quetiveram influncia na gnese da teoria da anamnese. Ele afirma que esta teoria no nasceu scomo uma conseqncia da doutrina da metempsicose rfico-pitagrica, mas tambm como ajustificao e a comprovao (ou seja, a fundao lgico-metafsica) da prpria possibilidade damaiutica socrtica.Para explicar a teoria da reminiscncia, Plato (1993, 614b-621-b: 487-500) utiliza o mitodeErnarradoemARepblica.ContaqueopastorEr,daregiodaPanflia,foimortoemcombate. No dcimo segundo dia, sobre sua pira funerria, voltou vida e narrou o que vira noReino dos Mortos. Disse ele que ao sair do corpo, sua alma viajara com outras almas at chegar aum lugar divino com duas aberturas contguas na terra e duas no cu frente a estas.Noespaoentreelaspresidiamjuzesquedecidiamparaondeseencaminhariamasalmas. Os justos seguiam para a abertura da direita, que subia ao cu, os injustos seguiam para ada esquerda, que descia. Todos levavam uma nota com o julgamento, que continha tudo o quehaviam feito. A Er foi dito que devia ser o mensageiro, junto dos homens, das coisas do alm, eordenaram-lhe que ouvisse e observasse tudo o que havia naquele lugar (PLATO, 1993, 614d:488).L,Erencontrouasalmasdosherisgregos,degovernantes,deartistas,deseusantepassados e amigos.Asalmasquealichegavamvindodaterrapareciamsairdeumalongatravessia,poisestavam impuras e imundas, enquanto as que vinham do cu chegavam puras e limpas contandoexperinciasdeliciosasevisesdeumabelezaindescritvel(idem,615a:489).Asquechegavam de baixo gemiam e choravam, recordavam sofrimentos e dores da viagem de mil anospor debaixo da terra. Era necessrio que cada alma pagasse sucessivamente todas as injustias cometidas. Apena para cada injustia era paga dez vezes. Na mesma medida, os atos justos tambm seriam30recompensados, dez por um.Er ficou sabendo que todas as almas renascem em outras vidas parase purificarem de seus erros passados at que no precisem mais voltar Terra, permanecendo naeternidade. Ele observou ento que os que j tinham pago os seus pecados regressavam vida,passandoporumlugarondeestavamastrsfilhasdaNecessidade,asParcas:Lquesis(oPassado), Cloto (o Presente) e tropos (o Futuro), que teciam o destino dos humanos.Ento, um mensageiro dos deuses pegou em lotes e modelos de vida e os disps para asalmas escolherem:Havia-os de todas as espcies: vidas de todos os animais, e bem assim detodosossereshumanos.Entreelas,haviatiranias,umasduradouras,outrasderrubadasameio,equeacabavamnapobreza,nafuga,namendicidade. Havia tambm vidas de homens ilustres, umas pela forma,beleza, fora e vigor, outras pela raa e virtudes dos antepassados; depoishaviatambmasvidasobscuras,edomesmomodosucediacomasmulheres. Mas no continham as disposies do carcter, por ser forosoqueestemude,conformeavidaqueescolhem.Tudoomaisestavamisturado entre si, e com a riqueza e a indigncia, a doena e a sade, ebem assim o meio termo entre estes predicados (PLATO, 1993, 618a-b:494).Algumas escolhem a vida de rei, outras de guerreiro, outras de comerciante rico, outras deartista, de sbio. O essencial era escolher, a fim de no cair na ganncia da tirania e da riqueza,evitar os excessos na vida mundana e optar sempre com muita prudncia. S assim um humanoalcanaria a felicidade suprema, no esquecendo que a escolha deveria ser dirigida pela procurada virtude, pois a responsabilidade pesaria apenas sobre quem escolhe.O primeiro a quem a sorte couber, seja o primeiro a escolher uma vida aque ficar ligado pela necessidade. A virtude no tem senhor; cada um ateremmaioroumenorgrau,conformeahonraroudesonrar.Aresponsabilidade de quem escolhe. O deus isento de culpa (PLATO,1993, 617e: 493).No caminho de retorno Terra, as almas atravessam uma grande plancie por onde correum rio, o Leth (que, em grego, quer dizer esquecimento), e bebem de suas guas. As que bebemmuito esquecem toda a verdade que contemplaram; as que bebem pouco quase no se esquecemdo que conheceram. As que escolhem vidas de rei, de guerreiro ou de comerciante rico so as quemais bebem das guas do esquecimento; as que escolhem a sabedoria so as que menos bebem.31Assim,asprimeirasdificilmenteselembraro,nanovavida,daverdadequeconheceram,enquanto as outras sero capazes de lembrar e ter sabedoria, usando a razo. Ao cair da meia-noite, houve um trovo e um tremor de terra. Era a hora de as almas iremaoencontrodosseusdestinos,afimdenasceremcintilandocomoestrelas.Er,impedidodebeber, acordou divinamente na pira funerria. Assim, aprender no outra coisa seno recordar (PLATO. Fdon, [199-]: 61). ParaPlato, a aprendizagem , portanto, uma reminiscncia, ou seja, conhecer lembrar, ou melhor,relembrar. No Fdon, Plato utiliza esta teoria para provar a imortalidade da alma dizendo que, seos indivduos se recordam daquilo que aprenderam num tempo passado, antes de nascerem, talno poderia acontecer se nossa alma no existisse em algum lugar antes de assumir, pela gerao,a forma humana. Por conseguinte, ainda por esta razo verossmil que a alma seja imortal(PLATO, [199-]: 61).Aalma,portanto,capazdelembrar-sedomomentoemqueestavanapresenadosdeuses, de encontrar o caminho da luz, uma vez que j o conhece e apenas o esqueceu. Existem,ento, reminiscncias de um conhecimento adormecido que a alma esqueceu, mas capaz delembrar. Esteatodeabstraoconsistenumarecordaodasverdadeseternascontempladas pela alma no momento em que se integrava no sqito deum deus, quando podia contemplar estas existncias a que atribumos arealidadeequando,depois,levantavaosolhosparaoqueverdadeiramente real (PLATO, 1981, 249c: 76).Nesse contexto, a filosofia tem o papel de preparar o retorno a essa contemplao original,de despertar a lembrana do conhecimento das idias que reside no interior da alma, e que a ajudaaolvidarealibertar-sedoapegosseduesesilusesdomundosensvel.Aexistnciafilosfica objetiva fazer a alma voltar o olhar para o mundo divino das idias e libertar-se dodomnio do corpo. Essa libertao representada na alegoria da caverna, narrada no livro VII, deARepblica,quandooprisioneiro,livredesuascorrentes,levadoasubirrumosadadaescurido para contemplar a luz do dia. O voltar-se das trevas para a luz exige, no entanto, umdesapego dos sentidos e uma ascese incansvel da razo na direo do bem. 32CAPTULO IV A CONCEPO PLATNICA DA EDUCAO EM AREPBLICA1. A Repblica: estrutura da obraARepblica um dilogo platnico clssico, que contm uma abundante explanao deteorias tradicionalmente associadas a seu nome: a teoria das idias, a das partes da alma, a dacondenao da poesia, a da reminiscncia e, naturalmente, recomendaes determinadas para umamudana poltica em Atenas.A princpio, para se ter uma compreensoda obra como um todo, foroso apresentaralguns pontos principais do pensamento platnico que se encontram no cerne de cada livro de ARepblica,para,ento,penetrarmosmaisespecificamentenoseupensamentopoltico-educacional, apoiando-nos no livro VII, a fim de mostrar o processo de ascenso da alma comoessncia da educao platnica, bem como a dimenso poltica a ela conferida pelo autor.O palco do dilogo Atenas, por volta de 402 a.C., num ambiente carregado de decepo,aps a derrota ateniense na Guerra do Peloponeso. Scrates atua como narrador e protagonista dodilogo. Ele se passa na casa do velho Cfalo, para onde Scrates e Glucon se dirigem aps umaperegrinao ao Pireu; a conversa acontece na presena de diversos outros personagens, algunsdos quais participam enquanto outros permanecem annimos.33O que a justia? Esse o tema central do livro I que, alm de discuti-lo refutando asdefinies propostas, visa tambm apresentar os personagens do dilogo. Alm de Scrates, estopresentes Cfalo, pai de Polemarco, Lsias e Eutidemo; marcando tambm presena, Carmantidase Clitofonte, filho de Aristnimo, personagens annimos no dilogo, que podem ser discpulos deTrsimaco,umrenomadosofistaquefazpartedoconjuntodepersonagens,juntamentecomNicrato, Adimanto e Glucon (estes dois ltimos, irmos de Plato, mas Glucon o principalinterlocutor de Scrates). Nessequadro,Cfaloqueminstigaodebate,umavezqueoprimeiroautilizaraspalavras justo e injusto em sua conversa com Scrates, sobre a velhice. Assim, ele o autor daprimeiradefiniodejustia:consisteemdizeraverdadeerestituiraquiloquesetomou(PLATO, 1993, 331c: 9). Na verso de Polemarco, a justia consiste em dar a cada um o que selhe deve (idem, 331e: 10). Visando discernir a essncia mesma da justia, Scrates prope umaprimeira hiptese: em nenhum caso justo fazer o mal a algum, seja amigo ou inimigo, justo ouinjusto.Sento,osofistaTrasmaco,antesumouvintesilencioso,irrompedemodosurpreendente na discusso, defendendo a idia de que a justia a convenincia do mais forte(idem, 338c: 23). Por terem opinies to divergentes, Scrates e Trasmaco traam um verdadeiro embatedialtico.Nessaacirradadiscusso,aquestodajustiaassociadanoodeeudaimona(felicidade).Nosetrataapenasdesaberoqueajustia,mastambmseoexercciodessavirtude faz o homem feliz. Mais adiante, a justia e a felicidade, focalizadas no plano individual,vo revelar-se uma e a mesma para o indivduo e para a polis.OlivroIIprincipiadiscutindoanaturezadajustiaedainjustiaepropeanalisarohomemjustoeoinjustoseparadamente.GluconeAdimanto,irmosdePlato,queremumadefesaadequadadajustia,desejamqueScratesdemonstrequea justia omaiordosbens(idem, 366c-367d : 68-70). Tal discusso acaba por ser deslocada do indivduo para a cidade (idem, 368e-369a: 72) epassa-se a debater detalhadamente como devem ser as instituies de uma cidade justa. Scratesafirma que, como a justia pertence a toda a cidade e a cidade maior que o indivduo, talvezexista uma justia numa escala mais ampla e mais fcil de apreender.Prope, ento, examinar no apenas a origem de uma cidade, mas de uma cidade de luxo.Para tal necessrio tornar a cidade maior, no simplesmente em termos de populao, mas de34aperfeioamento de tarefas. Em vista desta ampliao e especializao, a regio para alimentar apopulao se tornar insuficiente; haver, ento, a necessidade de tirar a terra dos vizinhos, ouseja,defazerguerra.Destanecessidade,advirumaoutra:adeumexrcitocadavezmaior,composto por soldados apropriadamente treinados que protejam e defendam a cidade.Como se deve dar a escolha e a educao dos guardies? Esse o prximo ponto abordadopor Scrates. A educao deve ser feita moda antiga, incluindo msica para a alma e ginsticapara o corpo. Mas ele deixa um alerta quanto msica, que consiste na arte das Musas, numaliteratura verdadeira, em contraposio s fbulas dos poetas, abarrotadas de falsidades e mentirassobre a divindade, e que se tem por hbito ensinar s crianas. Para Plato os poetas no servempara instruir os jovens.No livro III, Plato continua sua crtica aos poetas principalmente a Homero comocriadores dessa literatura falseadora. Como o assunto coragem, declara que, desde a infncia, osjovens,principalmenteosqueseroincumbidosdadefesaeproteodacidade,devemouvirpalavras que faam com que temam a morte o menos possvel. Deve-se, ento, exercer vigilnciasobre os que tentam narrar estas fbulas e lhes pedir que no caluniem assim sem mais o querespeita ao Hades, mas antes que o louvem quando no as suas histrias no so verdicas nemteisaosquesedestinamaocombate(idem,386b:101).E,continua:quantomaispoticamenos devem ser ouvidas por crianas e por homens que devem ser livres, e temer a escravidomais do que a morte (idem, 387b: 103).Com bastante dureza prossegue, ento, enumerando as conseqncias, no homem e em suaalma, dessas fbulas mentirosas que caluniam os deuses e o Hades. O que Plato quer mesmo expurgaressaliteraturafalseadoradasuacidadeparaquenelabroteesepropagueamelhoreducao.Retoma, ento, o assunto da educao atravs da msica e da ginstica, afirmando que necessrioconcili-las,poisdessaharmoniaresultaumaalmamoderadaecorajosa,edadesarmonia, uma cobarde e grosseira (idem, 410e-411a: 150). Para que os guardies atinjam aperfeio, devem possuir a educao correta: quem tiver sido, sempre, posto prova, na infncia,na juventude e na idade viril, e sair dela inaltervel, deve ser posto no lugar de chefe e guardio dacidade, devem prestar-se-lhe honrarias, quer em vida, quer depois de morto, e caber-lhe-o as maisaltas distines na sepultura e demais monumentos sua memria (idem, 413e-414a: 155).35Nofimdesselivro,sotratadosalgunsoutrosaspectosdacomunidadedosguardiescomo, por exemplo, a determinao de que eles no devem possuir nenhum bem prprio, nemdinheiro, nem vida privada.Voltando ao tema da justia no livro IV, pergunta-se: fundada a cidade, onde poderiamestar a justia e a injustia? Uma vez constituda a cidade, pressupe-se, para que esta seja justa,uma diviso do trabalho e uma gradao harmnica entre os seus membros. Entre eles, h os quecontribuem para o bem material da cidade os artfices; os que so aptos a proteg-la e defend-la os guerreiros e os que so encarregados de sua direo os guardies.Se a cidade perfeita, ter de possuir as quatro virtudes: sabedoria, coragem, temperana ejustia. Se a primeira est nos guardies, a segunda nos guerreiros, e a terceira na harmonia geralde todas as classes, a justia ser o desempenhar de cada um a sua tarefa, ou seja, cada um deveexercer uma s funo na sociedade, aquela para a qual foi mais dotado pela natureza (idem, 433a-c: 186). Visando garantir a concrdia e a coerncia totalidade da cidade, Plato deixa claro esseponto.Assim,aosartficesseroatribudastarefasdistintasebemdeterminadas.Quantoaosguerreiros e aos guardies, devem ser impecveis pelas virtudes que lhes foram conferidas. Paratanto, essas duas ltimas classes devem ser constitudas de membros das melhores ndoles, aosquais sero impostos um estilo de vida e uma educao peculiares.Domesmomodoqueacidadecompostadetrsespciesdenaturezas,aalmadoindivduotambmpossuitrselementos:oconcupiscvel,oirascveleoracional.Cadaumadessas partes cumpre uma funo especfica: o primeiro cabe obedecer, o segundo assistir, e oterceiro governar.Estabelecido que na cidade e na alma dos indivduos h os mesmos elementos e em igualnmero,oautorconcluiqueoseuequilbrioouoseudesequilbrioquelevajustiaouinjustia. Essas so as caractersticas de uma cidade e de uma constituio boa e reta.Quando Scrates se preparava para falar sobre as quatro espcies de vcios, seus amigos ointerrompemparaobrig-loadarumaexplicaomelhorsobreacomunidadedemulheresefilhos, anunciada no livro IV (idem, 423e-424a: 168). Glucon quer saber que comunidade seressa para os guardies, relativamente a filhos e mulheres, e criao, quando ainda so novos, notempo que medeia entre o nascimento e a educao, e que se lhe afigura ser o mais trabalhoso detodos (idem, 450c: 211).36Assim, os livros intermedirios de A Repblica, do V ao VII, so uma espcie de desvio doproblemainicial,desvioessequecomeacomaobservaodecomovivemasmulhereseascrianas na cidade perfeita.Pode-se traar o seguinte quadro geral dos temas abordados no livro V:Papel da mulher23 apesar de suas diferenas naturais, homens e mulheres devem receberos mesmos ensinamentos e tomar parte nos cargos diretivos da cidade:No h na administrao da cidade nenhuma ocupao, meu amigo, prpriadamulher,enquantomulher,nemdohomem,enquantohomem,masasqualidadesnaturaisestodistribudasdemodosemelhanteemambososseres,eamulherparticipadetodasasactividades,deacordocomanatureza, e o homem tambm, conquanto em todas elas a mulher seja maisdbil do que o homem (PLATO,1993, 455d-e: 220). Casamentos e procriao na classe dos guardies os casamentos visaro unicamente aobem da cidade e, por isso, sero celebrados apenas os melhores casamentos para se obter amelhor descendncia possvel (eugenia) 24: preciso, de acordo com o que estabelecemos, que os homens superioresseencontremcomasmulheressuperioresomaiornmerodevezespossvele,inversamente,osinferiorescomasinferiores,esecrieadescendncia daqueles, e a destes no, se queremos que o rebanho se elevesalturas,equetudoistosefaanaignornciadetodos,excetodosprprioschefes,afimdeagrei(sic)dosguardiesestar,tantoquantopossvel, isenta de dissenses (PLATO, 1993, 459d-e: 227-228).Condio para que o projeto da cidade ideal se realize ser governada por filsofos-reis oupor reis-filsofos.Definio do que seja o filsofo, bem como de suas caractersticas.Distino entre saber e opinio, entre o amigo do saber (filsofo) e o amigo da opinio(filodoxo).

23 interessante notar que, no final do livro VII, Plato retoma a questo da mulher, ressaltando que, tudo o que eleescreveureferindo-seaoshomensseaplicatambmsmulheres.Elassochamadassmesmastarefas(comoguerreiro,filsofo-rei)queoshomens,embora,paraele,pornatureza,asmulheressejammaisfrgeis.QuandoGlucon elogia os governantes que Scrates modelou, este imediatamente replica E as governantes tambm, semdvida, Glucon! No vas a julgar que o que eu disse se aplica mais aos homens do que s mulheres, a quantasdentre elas so dotadas de uma natureza capaz (PLATO, 1993, 540c: 361).24 Plato acredita que seja possvel garantir a perenidade da cidade ideal atravs da realizao de casamentos entre osmelhores elementos dos guardies da cidade. Seria uma espcie de casamento entre indivduos selecionados pelosgovernantes.37O tema do livro VI, bem como do livro VII, a preparao do filsofo na cidade ideal.Nesse contexto assume um importante papel a teoria das idias.Platodescreve,primeiramente,asqualidadesnecessriasaodirigentedacidade:boamemria, facilidade de aprender, superioridade e amabilidade, ser amigo da verdade, da justia, dacoragem e da temperana. Em seguida, apresenta a natureza do verdadeiro filsofo e, examinando-acuidadosamente,afirmaque,pornatureza,osfilsofossoapaixonadospelosaberepelaessncia na sua totalidade, livre de qualquer corrupo e falsidade; so pregadores da verdade e,por isso, repudiam qualquer tipo de mentira, cuidam dos prazeres da alma em detrimento dos docorpo, so moderados, prudentes e no temem a morte.A alegoria do navio utilizada pelo autor para mostrar as dificuldades, o sofrimento queaqueles que se dedicam filosofia enfrentam, e fazer sua defesa (idem, 488a: 274). No relato,quemmanejaumaembarcaonotemnenhumconhecimentodoofcio,todosalicomemebebematempanturrar-se,fazem-seregerpeloprazerenopelosaber:consideramintiloverdadeiropiloto,quejulgasernecessrioteremcontaasestaes,oestadodotempo,omovimentodosastroseoutrascoisastaisparaconduziradequadamenteaembarcao(idem,488b-e: 274-275). Em um navio como esse, afirma Scrates, os filsofos so certamente inteis,mas no so responsveis por isso, j que o natural seria que os homens que tm necessidade degoverno fossem em busca de quem tem capacidade para faz-lo (idem, 489b-d: 276-277). Nessequadro, Plato empenha-se em distinguir a imagem do autntico filsofo escondido por trs daimagem do verdadeiro piloto, nico capaz de conduzir o leme com segurana e, portanto, nicocapazdeassumiroslugaresdachefia,pormimpedidodemostrarsuacapacidadepelosmarinheirosignorantesquesejulgamcomdireitoaocuparopostosupremo,cadaqualseconsiderando mais capaz de governar o barco, lutando pela conquista do poder.As caractersticas bsicas da alma filosfica mostram o quanto esse tipo de homem ofilsofo necessrio para o governo da cidade, a fim de livr-la das calamidades. Assim, para obem da cidade e dos cidados, tm-se duas opes: ou o filsofo colocado no governo ou ogovernante se torna filsofo (idem, 473d: 252). Scrates aponta para o fato de que, embora possuatodas essas qualidades, o filsofo costuma ser tido como intil pela cidade, enquanto os sofistas,que chamam cincia a um ensino sem compromisso com a verdade, so por ela estimados: cadaum desses mercenrios, a quem essa gente chama Sofistas e considera como rivais, nada mais38ensinam seno as doutrinas da maioria, que eles propem quando se renem em assemblia, echamam a isso cincia (idem, 493a-b: 283).Osfatoresdecorrupodaalmatambmsotratadosnesseslivros,assimcomoasconseqnciasquepoderoadvirquandoumaalmaboaexpostaaumaeducaom: