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1097 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE PESQUISA QUANTITATIVA E GRUPO FOCAL DE PROFESSORES SOBRE TEMAS RELACIONADOS A C&T Cristiane IMPERADOR, FAPPES Solange Maria Fustinoni MAGALHÃES, UNIFAI Márcia Azevedo COELHO, UNICAMP Eixo 2 Fapesp (2013/04008-6) [email protected] 1. A pesquisa A pesquisa Percepção dos Professores de Ensino Médio do Estado de São Paulo sobre Temas Relacionados a Ciência e Tecnologia (PPMCT) foi realizada em duas etapas. A primeira entre 2013 e 2014, por meio de método quantitativo de coleta e análise de dados, com questionário tipo survey, respondido por 9203 professores das redes estadual, federal e privada do estado e da cidade de São Paulo, e a segunda, a partir de 2015, com o objetivo de aprofundar as análises mediante discussões com professores sobre os temas abordados e os resultados dos questionários. O método utilizado na segunda etapa foi o grupo focal, realizado com professores das redes públicas e privadas, os quais possibilitaram a melhor compreensão de interpretações que passaram ao largo das respostas dadas no questionário tipo survey, pela natureza do método. Este artigo apresenta a comparação e análise de três questões que compuseram tanto o questionário (quantitativo) quanto o Grupo Focal (qualitativo), nos eixos 1: Interesse e informação em C&T e 2: Valores e atitudes sobre C&T. 1.1 Metodologia O delineamento dessa pesquisa baseou-se na investigação do tipo descritiva com abordagem qualitativa acerca da Percepção dos Professores de Ensino Médio do Estado de São Paulo sobre Temas Relacionados a Ciência e Tecnologia (PPMCT) , utilizando a técnica de entrevistas em Grupo Focal (GF). Essa proposta traz como um ponto positivo o fato da tendência humana em formar opiniões e atitudes a partir da interação com outros indivíduos. Em geral, estes precisam ouvir a opinião de outros antes de formar as suas próprias e a partir dessa interação, quando expostos às discussões em grupo, podem mudar de posição ou fundamentar melhor suas opiniões. Nesse sentido, partindo do planejamento cuidadoso dessas discussões, é possível contrastar os dados colhidos em questionário fechado com os dados obtidos nas

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ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE PESQUISA QUANTITATIVA E GRUPO

FOCAL DE PROFESSORES SOBRE TEMAS RELACIONADOS A C&T

Cristiane IMPERADOR, FAPPES

Solange Maria Fustinoni MAGALHÃES, UNIFAI

Márcia Azevedo COELHO, UNICAMPEixo 2

Fapesp (2013/04008-6)[email protected]

1. A pesquisa

A pesquisa Percepção dos Professores de Ensino Médio do Estado de São Paulo

sobre Temas Relacionados a Ciência e Tecnologia (PPMCT) foi realizada em duas

etapas. A primeira entre 2013 e 2014, por meio de método quantitativo de coleta e análise

de dados, com questionário tipo survey, respondido por 9203 professores das redes

estadual, federal e privada do estado e da cidade de São Paulo, e a segunda, a partir de

2015, com o objetivo de aprofundar as análises mediante discussões com professores

sobre os temas abordados e os resultados dos questionários.

O método utilizado na segunda etapa foi o grupo focal, realizado com professores

das redes públicas e privadas, os quais possibilitaram a melhor compreensão de

interpretações que passaram ao largo das respostas dadas no questionário tipo survey,

pela natureza do método.

Este artigo apresenta a comparação e análise de três questões que compuseram

tanto o questionário (quantitativo) quanto o Grupo Focal (qualitativo), nos eixos 1:

Interesse e informação em C&T e 2: Valores e atitudes sobre C&T.

1.1 Metodologia

O delineamento dessa pesquisa baseou-se na investigação do tipo descritiva com

abordagem qualitativa acerca da Percepção dos Professores de Ensino Médio do Estado

de São Paulo sobre Temas Relacionados a Ciência e Tecnologia (PPMCT), utilizando a

técnica de entrevistas em Grupo Focal (GF).

Essa proposta traz como um ponto positivo o fato da tendência humana em formar

opiniões e atitudes a partir da interação com outros indivíduos. Em geral, estes precisam

ouvir a opinião de outros antes de formar as suas próprias e a partir dessa interação,

quando expostos às discussões em grupo, podem mudar de posição ou fundamentar

melhor suas opiniões.

Nesse sentido, partindo do planejamento cuidadoso dessas discussões, é

possível contrastar os dados colhidos em questionário fechado com os dados obtidos nas

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discussões e ter novos dados, uma vez que os participantes podem expressar suas

crenças, valores e representações sobre uma questão específica. (MICHEL, 2006).

A segunda parte da pesquisa foi desenvolvida a partir da realização de grupo

focal, que permitiu às pesquisadoras identificar não somente os sentidos que o grupo

atribui ao assunto estudado como também o processo de construção desses sentidos, a

partir da dialogicidade e interação entre os participantes. A amostra analisada neste

trabalho é composta por 4 professores do ensino médio da rede privada da cidade de

São Paulo, filiados ao Sindicato de professores (Sinpro).

Seguindo os pressupostos da pesquisa qualitativa e da técnica de entrevista em

grupo focal, a dinâmica das sessões incluiu: preenchimento do TCLE, apresentação dos

participantes, aquecimento a partir da análise de poemas, pensamentos e frases. Foram

realizado 3 encontros previamente agendados, nos quais os participantes eram

identificados a partir de números, o que garante a eles o anonimato. As entrevistas

tiveram duração de aproximadamente 1h30’, foram gravadas e filmadas.

As quatro perguntas que compuseram a entrevista foram (i) elaboradas

especificamente para a pesquisa (questão 1); (ii) reutilizadas de indicadores nacionais e

internacionais (COLCIENCIAS, 2005; SECYT, 2007; MCTI, 2006; FECYT, 2007; RICYT,

OEI; CETIC, 2011), estruturando-se da seguinte forma:

Questão 1 - interpretação da espiral da ciência (adaptada de VOGT, 2003) e

percepção do lugar profissional e social do docente nos quadrantes que perfazem a

espiral.

Questão 2 - análise da percepção de responsabilidade social acerca do

desenvolvimento da tecnociência.

Questão 3 - compreensão do tipo de visão das consequências sociais, para o

futuro dos jovens, decorrentes do desenvolvimento da ciência-tecnologia.

Questão 4 - entendimento visão sobre a atratividade da carreira científica para os

jovens.

Ao final do encontro com o Grupo Focal, as fitas gravadas, as filmagens e

anotações feitas pelos pesquisadores foram transcritas e, após passarem por todas as

fases de análise, serviram de base para a apresentação dos resultados a seguir.

1.2 Resultados

Para este artigo, foram selecionadas 3 das 4 questões, trabalhadas no GF,

originárias do questionário respondido pelos professores (COELHO, 2014) com o objetivo

de aferir o interesse, informação valores e atitudes que os professores têm sobre C&T.

A seleção dos dados justifica-se por apresentar um panorama da percepção de uma

parcela do professorado paulista acerca de temas fundamentais para a educação do séc.

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XXI, por isso, também, a primeira dinâmica realizada com os professores tratou da

percepção dos docentes como o agente essencial no processo do ensino de e para a

ciência.

Neste trabalho, todavia, não abordaremos a primeira questão, ainda em fase de

análise. Iniciaremos a discussão desse texto com a segunda dinâmica do encontro,

intitulada “jogo de cartas”.

Nessa dinâmica, cada participante do grupo focal recebeu um envelope contendo

cartas com os graus de concordância e discordância, baseados na escala Likert (utilizada

no questionário) com opções de resposta que variavam de “concordo plenamente”,

“concordo parcialmente”, “discordo plenamente”, “discordo parcialmente”, “não sei” e

“nunca pensei sobre isso”. Essa última opção adaptada para a pesquisa realizada com os

professores, com a finalidade de verificar se o docente pensa sobre questões

consideradas importantes para a sua prática profissional, fundamentalmente reflexiva.

Após explicar a dinâmica para os participantes, a mediadora leu a seguinte frase:

“é melhor deixar as decisões sobre problemas sociais relacionados à ciência e à

tecnologia nas mãos de especialistas” e solicitou que colocassem à frente a carta que

melhor expressasse a opinião de cada um sobre a assertiva.

Dos 4 participantes, 2 responderam que discordam parcialmente, 1 que discorda

plenamente; e 1 que concorda parcialmente.

Quando solicitados a argumentar sobre suas respostas, já que o grupo focal

permite não só identificar a opinião dos participantes como também compreender as

razões pelas quais eles pensam da forma como pensam e qual a lógica dos argumentos,

foi possível perceber que os sujeitos que discordam afirmam ter essa opinião, porque,

para eles, se as decisões ficarem apenas nas mãos de especialistas poderia haver uma

grande restrição de participação popular, o que seria prejudicial para a consolidação

democrática. Para os sujeitos 4 e 2,é necessário ouvir especialistas com opiniões

diferentes para contrapor visões, conforme nota-se na fala do sujeito 4 transcrita a seguir:

Eu discordo parcialmente, a minha opinião é muito semelhante a dosujeito 2, devem ser ouvidas todas as pessoas que estão envolvidas naquestão, no problema, e entre os especialistas você não pode escolherapenas aqueles que seguem uma corrente, você tem que chamarespecialistas com várias opiniões diferentes que seguem váriascorrentes diferentes. (SUJEITO 4).

Embora afirme concordar parcialmente, o sujeito 3 apresenta justificativa

semelhante aos outros participantes:

eu concordo parcialmente, [...] eu acho que você deve ouvir amplamenteas correntes de opiniões que existem naquela temática, e ajudar comessas opiniões especializadas um processo de divulgação mais amplopara que outros segmentos, quem saiba, até a própria sociedade possaparticipar de processos de discussão. (SUJEITO 3).

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Nota-se, na proposição citada por esse sujeito, que a importância da participação

popular e a necessidade de ouvir diferentes especialistas também estão presentes,

assemelhando-se às justificativas dadas pelos outros participantes que afirmaram

discordar plenamente ou parcialmente.

Comparando as respostas dadas pelos professores do GF às obtidas pelo

questionário com os 9203 docentes, observa-se que, entre os participantes do GF, 100%

discordaram, pelas justificativas, do modelo tecnocrático (HABERMAS, 1994) de

desenvolvimento, no qual a decisão política é responsabilidade exclusiva de especialistas

e, entre os respondentes do questionário, a maioria (61%) também discordou da

propositiva de que as decisões devam ficar apenas nas mãos de especialistas (GRÁFICO

1).

Gráfico 1 - É melhor deixar as decisões sobre problemas sociais relacionados à ciênciae à tecnologia nas mãos dos especialistas

Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.

Contudo, o que há de se refletir é que, se a participação em questões públicas

não é incentivada e proporcionada de modo a desenvolver o discernimento das pessoas

no espaço que se pensa mais propício para isso, que é a escola, talvez seja difícil pensar

em participação produtiva dos jovens e, posteriormente, dos adultos que passaram anos

nos bancos escolares.

Embora a maioria dos professores, tanto os que participaram do GF quanto os

que apenas responderam o questionário, afirme considerar a participação cidadã

importante, os resultados demonstram que esses assuntos não são amplamente

discutidos e problematizados no universo escolar, segundo os sujeitos do GF, muitas

vezes por falta de tempo:

[...] se eu contar a jornada que nós temos, pelo menos a minha quetenho duas aulas por semana com os alunos, se eu somar todo o anonão chega a ser os doze meses, quase dez meses, tirando os feriados etudo, arredondando, nós não ficamos com os alunos [...]nem três diascom eles. (SUJEITO 3).

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Não se sabe se a justificativa dos professores que responderam o questionário

seria também pela falta de tempo, mas chama a atenção o percentual de docentes que

afirmou nunca realizar experimentos ou utilizar laboratórios, ainda que ateste discutir com

alguma frequência sobre CTS em suas aulas, conforme demonstra o Gráfico 2.

Gráfico 2 – Percentual de professores que nunca realizam taispráticas ou utilizam recursos

Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.

A segunda questão da dinâmica do “jogo de cartas” era uma variação da primeira

e questionava sobre o grau de concordância ou discordância dos participantes acerca da

seguinte afirmação: “os cidadãos devem ser ouvidos e suas opiniões consideradas

mesmo que não estejam bem informados sobre o assunto”.

Todos os participantes do grupo focal responderam que concordam que os

cidadãos devam ser ouvidos, três concordaram parcialmente e um plenamente. A

justificativa do sujeito que afirmou concordar plenamente foi a de que o senso comum é

importante para a “construção de conceitos”:

Eu concordo plenamente, acho que tem que ser ouvido, como eu já naprimeira pergunta aceitava essa ideia de que escutasse as outraspessoas, o senso comum também ajuda a gente a construir ciência,construir pensamento, muitas vezes, mas eu acho que deve sim serouvidas, Talvez nem tanto para modificar opinião, mas construir umaopinião, construir um conceito [...]. (SUJEITO 1).

Para dois dos sujeitos que concordam parcialmente, ouvir as pessoas, mesmo

que não entendam do assunto tratado é uma oportunidade de desconstruir discursos

propagados pela mídia ou carregados de preconceitos.

[...] é preciso ouvir sim, mas ouvir justamente para desconstruirdeterminadas coisas que estão no senso comum, que estão inseridas nasociedade e são pautadas pela mídia, então nesse sentido ela não podeser considerada no sentido de que ela seja efetivada se a pessoa nãotem esse conhecimento mais aprofundado sobre o tema [...] (SUJEITO2).

O sujeito 4 também apresenta justificativa semelhante ao sujeito 2.

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Eu concordo parcialmente, porque eu acredito que todas as pessoasenvolvidas devem ter direito para falar, é uma oportunidade paraesclarecer as pessoas, para elas verificarem se a opinião que elas estãotrazendo não foi construída pela mídia, elas não estão trazendo umaopinião que não está carregada de preconceitos, de ideias já prontas. [...](SUJEITO 4).

Percebe-se nas respostas dos professores que considerar a participação de todos

fortalece consideravelmente o exercício da democracia. Ainda segundo os sujeitos 2 e 4,

os discursos “prontos” poderiam ser desconstruídos pelo exercício do debate. Ações

importantes para a solidificação de uma sociedade democrática.

Contudo, sabe-se que a percepção de que haja “discursos prontos”,

fundamentados em senso comum, exige conhecimento do assunto e a desconstrução

dele, prática argumentativa, interpretação discursiva. Atividades que deveriam ser

desenvolvidas diariamente nas escolas de educação básica, na medida em que são

basilares para a construção da cidadania efetiva. Pois, como disseram os professores do

GF, embora as opiniões fundamentadas no senso comum sejam importantes para o

debate, não devem ser consideradas nas tomadas de decisões. Dessa forma, o

conhecimento sobre o assunto torna-se, segundo as justificativas dos professores,

fundamental para a participação social efetiva.

Apesar do alto grau de importância dado à discussão para tomada de decisões de

cunho social e na influência da mídia para a determinação dos posicionamentos

pessoais, menos da metade (47,75%) dos docentes, que responderam ao questionário

on-line, afirmaram discutir sempre sobre CTS em suas aulas, e apenas 21%, desses

mesmos, respondentes afirmaram utilizar sempre textos jornalísticos sobre os mesmos

temas em suas aulas (conforme Gráficos 6 e 7).

O percentual de professores (21%) que afirmou utilizar textos jornalísticos sempre

em suas aulas parece reforçar a hipótese de que ainda persiste na educação básica o

distanciamento entre “os conceitos científicos aprendidos em sala de aula e as questões

científicas verdadeiramente relevantes para a vida das pessoas.” (SANTOS, s/d).

Questões que estão nas manchetes dos jornais, via de regra, pautadas pelo

interesse da população e ou com o desenvolvimento social de maneira ampla não são,

na maioria dos casos, trazidas para debates em sala, talvez por que o professor não se

perceba mais como um formador de opinião, como um divulgador de ciência ou

como um profissional especialista na área e competente para desconstruir o

senso-comum, segundo muitos respondentes, perpetuado pelos veículos de

massa.

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Gráfico 3 - Quanto você discute sobre como a ciênciae a tecnologia afetam a sociedade em suas aulas?

Gráfico 4 - Frequência de utilização de textosjornalísticos sobre C&T em aulas

Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.

Pelas respostas, percebe-se um sentimento de impotência do profissional,

que se vê incapaz de decidir sobre a metodologia de ensino e a didática para

abordar as unidades de conhecimento previamente determinadas.

Então, a divulgação, inclusive quando eu vou passar alguma coisa todosos meios, você pega a Globo, Globo Ciência. Eu agora, no nono, sétimoano nós vimos Brasil, no nono ano os continentes o que eu utilizeiinfelizmente de Globo Repórter para mostrar os continentes, porque eunão tenho uma produção científica, usei algumas coisas da TV Cultura,mas o que nós somos se quisermos sair do cuspe e giz? Você tem maisuma lousinha branca, em alguns lugares tem uma lousa digital, mastemos que usar que elementos? Então, quem faz a divulgação da ciênciana minha opinião? Eu gostaria que fôssemos nós professores, mas nãosomos, é a imprensa, nós somos meros repassadores, merosreprodutores, isso enfraquece o nosso papel de cidadania. (SUJEITO 3).

Dessa forma, a escola colabora para a perpetuação do desconhecimento e

fortalecimento do senso comum, que segundo os sujeitos participantes do GF, não deve

ser considerado para tomada de decisões.

Ainda que a maioria dos professores defenda a participação cidadã em decisões

sobre problemas sociais relacionados à ciência e à tecnologia, discordando do modelo

tecnocrático, a forma como se tem trabalhado conteúdos importantes para a reflexão

sobre questões de interesse social tem se mostrado pouco efetiva, como demonstram,

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por exemplo, o indicador de letramento científico. Segundo esse indicador, 11% da

população de 15 a 40 anos, que terminou o ensino médio, não possui letramento

científico, e 53% apresentam letramento rudimentar. Pela mesma pesquisa, apenas 4%

dentre os que possuem ensino médio completo apresentaram letramento proficiente,

sendo capaz de “avaliar propostas e afirmações que exigem o domínio de conceitos e

termos científicos em situações envolvendo contextos diversos (cotidianos ou

científicos).” (GOMES, 2014, p.12).

Comparando as respostas dos participantes do GF com as obtidas pelo

questionário, sobre o grau de concordância e/ou discordância de que “Os cidadãos

devem ser ouvidos e suas opiniões consideradas mesmo que não estejam bem

informados sobre o assunto”, nota-se uma equivalência parcial de resultado.

Gráfico 5 – Opinião sobre a participação de cidadãos em questões que

desconhecem

Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.

Enquanto 100% dos sujeitos do GF concordam que os cidadãos devam ser

ouvidos, ainda que não tenham conhecimento sobre o que estão opinando, 80,45% (a

grande maioria) dos professores que responderam ao questionário, deram a mesma

resposta, ao passo que 18,01% discordaram da proposição. (Gráfico 5)

Outra pergunta relacionada ao indicador “Imagem da C&T”, ainda do “jogo de

cartas”, questionava ao respondente se percebia mudança e transformação da estrutura

ocupacional em consequência do desenvolvimento da C&T. No questionário, a primeira

questão desse tema (P.29) se referia à perda de postos de trabalho e a segunda à

abertura de novos postos.

O resultado no questionário foi que a maioria (53,77%) concordou que “as

aplicações da ciência e da tecnologia estão fazendo com que postos de trabalho sejam

perdidos” ao passo que 43,97% discordam da primeira proposição, plenamente (15,20%)

ou parcialmente (28,77%).

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Decidiu-se trazer essa questão para o GF com a finalidade de compreender se o

resultado se confirmaria e, caso a percepção fosse a mesma, se ela se fundamentaria na

associação de desenvolvimento tecnológico a uma sociedade altamente especializada e

instruída, em que postos de trabalho menos qualificados sejam extintos ou se justificaria

com a exclusão de postos de trabalhos específicos, mas não da extinção de postos de

trabalho que agregam mão de obra menos qualificada, ou seja, se percebem alguma

modificação nos setores ocupacionais e, caso sim, se essa mobilidade é horizontal ou

potencialmente vertical.

Dois sujeitos, participantes do grupo focal, responderam que concordam

parcialmente com a afirmação de que com as aplicações da ciência e da tecnologia

postos de trabalho estão sendo perdidos, e dois sujeitos afirmaram que discordam

parcialmente, resultado semelhante ao obtido pelo questionário.

Durante a apresentação das justificativas das opções de resposta, foi possível

perceber que, apesar de responderem “concordar parcialmente” ou “discordar

parcialmente”, as justificativas foram semelhantes, já que os quatro sujeitos afirmam que

com a automação e mecanização, que ocorre graças ao desenvolvimento da ciência e

tecnologia, postos de trabalho são perdidos para as “máquinas”, no entanto, um dos

sujeitos justificou que o grande problema é que com o desenvolvimento da ciência e da

tecnologia as pessoas não são preparadas para assumirem novos postos de trabalho.

O grande problema a meu ver é que essas pessoas não são preparadasem outras profissões que elas poderiam seguir, então em vez de termosmuitos vendedores em muitas lojas físicas temos alguns que trabalhamnas lojas virtuais e essas lojas virtuais, por sua vez, vão exigir, maisprogramadores de computadores, mais gente que trabalha cominformática, então a meu ver, o grande problema, repetindo é que não seprepara as pessoas para seguir essas novas profissões, às vezes, essasmudanças são tão rápidas que as pessoas acabam ficando perdidas.(SUJEITO 4).

Para o sujeito 2, a tecnologia atinge violentamente uma massa enorme de

trabalhadores que não tem oportunidade e condições de se recolocar, provocando o

desemprego estrutural. Para ele, o que faltam são políticas públicas ou mesmo atuação

das empresas para preparar os funcionários.

A partir das respostas dos participantes, fica claro que se percebe uma mudança

estrutural relacionada ao desenvolvimento da C&T, embora os discursos sejam proferidos

de forma distanciada, como se essa nova exigência de formação nada ou muito pouco se

relacionasse com a formação do jovem na educação básica, já que em nenhum momento

a escola e a forma com que trabalha em relação a isso é colocada em pauta:

Essas pessoas são violentamente atingidas pela tecnologia e mais grave é que

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não têm como se reciclar, não existe, exceto raramente, uma política pública oumesmo nas empresas para requalificar essas pessoas, elas simplesmenteperdem o emprego, então tinha que ter um debate muito grande, eu não soucontra a tecnologia, eu sou muito favorável, mas ela não pode ser excludentedessa forma, porque aí você aumenta o fosso dos mais ricos e dos maispobres. (SUJEITO 2)

A quarta e última pergunta: “você acha que a profissão de cientista é atraente para

os jovens atualmente?” foi discutida no grupo focal a partir de outra dinâmica que

consistia em cada participante escolher dentre três alternativas possíveis: sim, não e não

sei, aquela que melhor respondesse à questão apresentada. Cada um dos participantes

colocava a ficha com a resposta escolhida na respectiva coluna de um gráfico, e logo em

seguida justificava a sua resposta.

Para os sujeitos do grupo focal, foi unânime a resposta negativa diante da

afirmação de que a carreira de cientista seja atraente aos jovens. A justificativa

predominante foi a de que os jovens não têm conhecimento do que seja a carreira de

cientista, o que o faz optar por outras carreiras mais conhecidas e com as quais possam

ter mais possibilidade de obter sucesso financeiro e profissional. Para um dos sujeitos, o

interesse em seguir a carreira de cientista está muito presente nos jovens de escolas

públicas.

a minha visão do senso comum é essa do jovem que eu trabalho, classemédia, classe média alta, parece que existe um desprezo mesmo poressa questão, para trabalhar com isso. No caso daquele jovem deperiferia ou pelo que eu vejo na mídia existe uma gana para trabalharcom essas coisas pelo menos como mostram esses programas, já nãosei como é que é na prática, né?[...] eu vejo muitas vezes os programas colocando sobre aqueles jovensque vão desenvolvendo robôs e coisa assim e, geralmente, são jovensde escolas do estado, técnicas, e eles têm uma gana pela ciência, umacoisa por descobertas, eles não estão pensando no dinheiro, eles estãopensando em fazer algo para mudar [...] (SUJEITO 2).

O participante 3 afirma que o que piora essa situação é a falta de incentivo e

informação do professor que não favorece a percepção e atratividade da carreira

científica.

[...] o professor poderia ser o grande orientador, um certo guia nessecampo, mas não tem condições de fazer isso, então o máximo que agente faz é levar os alunos para umas feiras de ciências [...] (SUJEITO3).

Os professores, pelas justificativas das respostas, têm consciência de que os

alunos egressos do ensino médio, em sua maioria, saem sem qualquer noção do que

seja ciência, da carreira científica e desconhecem instituições científicas, como também

já foi demonstrado pela pesquisa “Percepção dos jovens sobre a ciência e a profissão

científica” (OEI,2011). O que chama a atenção é que esse dado nas discussões é posto

como um fato, mais uma vez dissociado da formação escolar. Nenhum professor do

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grupo em questão atribuiu o desconhecimento dos estudantes sobre esses assuntos a

uma deficiência da própria formação escolar.

Comparando os resultados do GF sobre a atratividade da carreira científica para

os jovens, com os obtidos pelo questionário, nota-se uma diferença significativa entre a

percepção de um grupo e outro, pois se os sujeitos participantes do GF concordam,

unanimente, que a carreira científica não apresenta atratividade para os jovens, entre os

que responderam somente ao questionário, 44,25%, em média, têm a mesma opinião.

Entre os respondentes do questionário que atuam na rede privada, assim como os

que compõem o GF, ainda assim, o percentual dos que não acreditam no interesse dos

jovens pela carreira científica é menor, conforme Gráfico 7.

Gráfico 6 – Percepção daatratividade da carreira científicapara os jovens

Gráfico 7 – Atratividade da carreiracientífica para os jovens entrerespondentes das pesquisas qualitativa(GF) e quantitativa (Quest.)

Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.

Conclusão

A partir da análise comparativa dos resultados das questões, respondidas no

questionário pelos professores e discutidas no grupo focal, apresentadas neste artigo, é

possível perceber que os docentes não se percebem como agentes relevantes na

formação dos jovens estudantes para uma cidadania efetiva.

Ao pressupor que em uma sociedade democrática os cidadãos devem ter a

capacidade de expressar opiniões e tomar decisões fundamentadas, a formação com

enfoque em C&T torna-se um elemento chave para uma reestruturação educativa, quer

seja em relação às metodologias ou aos conteúdos curriculares, que possibilite o

desenvolvimento do senso crítico e uma atuação mais expressiva diante dos problemas

sociais.

Muitas vezes, as condições desfavoráveis nas quais a maioria dos professores se

encontra afetam negativamente a sua prática, impedindo que o aluno se perceba como

protagonista de uma sociedade em constante transformação, como ficou claro na

discussão da última questão apresentada.

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Não obstante a todas as necessidades de investimento no setor educacional, é

inquestionável a urgência de uma força tarefa para a reestruturação das licenciaturas, de

modo a formar professores que consigam perceber a importância de seu papel e de seu

conhecimento para a transformação e desenvolvimento do país e que se identifique

como um sujeito responsável pela promoção de competências conceituais, atitudinais e

procedimentais, competências essas que, todavia, o docente, primeiramente, deve ter

amplamente desenvolvido em sua primeira formação.

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