ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE PESQUISA QUANTITATIVA...
Transcript of ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE PESQUISA QUANTITATIVA...
1097
ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE PESQUISA QUANTITATIVA E GRUPO
FOCAL DE PROFESSORES SOBRE TEMAS RELACIONADOS A C&T
Cristiane IMPERADOR, FAPPES
Solange Maria Fustinoni MAGALHÃES, UNIFAI
Márcia Azevedo COELHO, UNICAMPEixo 2
Fapesp (2013/04008-6)[email protected]
1. A pesquisa
A pesquisa Percepção dos Professores de Ensino Médio do Estado de São Paulo
sobre Temas Relacionados a Ciência e Tecnologia (PPMCT) foi realizada em duas
etapas. A primeira entre 2013 e 2014, por meio de método quantitativo de coleta e análise
de dados, com questionário tipo survey, respondido por 9203 professores das redes
estadual, federal e privada do estado e da cidade de São Paulo, e a segunda, a partir de
2015, com o objetivo de aprofundar as análises mediante discussões com professores
sobre os temas abordados e os resultados dos questionários.
O método utilizado na segunda etapa foi o grupo focal, realizado com professores
das redes públicas e privadas, os quais possibilitaram a melhor compreensão de
interpretações que passaram ao largo das respostas dadas no questionário tipo survey,
pela natureza do método.
Este artigo apresenta a comparação e análise de três questões que compuseram
tanto o questionário (quantitativo) quanto o Grupo Focal (qualitativo), nos eixos 1:
Interesse e informação em C&T e 2: Valores e atitudes sobre C&T.
1.1 Metodologia
O delineamento dessa pesquisa baseou-se na investigação do tipo descritiva com
abordagem qualitativa acerca da Percepção dos Professores de Ensino Médio do Estado
de São Paulo sobre Temas Relacionados a Ciência e Tecnologia (PPMCT), utilizando a
técnica de entrevistas em Grupo Focal (GF).
Essa proposta traz como um ponto positivo o fato da tendência humana em formar
opiniões e atitudes a partir da interação com outros indivíduos. Em geral, estes precisam
ouvir a opinião de outros antes de formar as suas próprias e a partir dessa interação,
quando expostos às discussões em grupo, podem mudar de posição ou fundamentar
melhor suas opiniões.
Nesse sentido, partindo do planejamento cuidadoso dessas discussões, é
possível contrastar os dados colhidos em questionário fechado com os dados obtidos nas
1098
discussões e ter novos dados, uma vez que os participantes podem expressar suas
crenças, valores e representações sobre uma questão específica. (MICHEL, 2006).
A segunda parte da pesquisa foi desenvolvida a partir da realização de grupo
focal, que permitiu às pesquisadoras identificar não somente os sentidos que o grupo
atribui ao assunto estudado como também o processo de construção desses sentidos, a
partir da dialogicidade e interação entre os participantes. A amostra analisada neste
trabalho é composta por 4 professores do ensino médio da rede privada da cidade de
São Paulo, filiados ao Sindicato de professores (Sinpro).
Seguindo os pressupostos da pesquisa qualitativa e da técnica de entrevista em
grupo focal, a dinâmica das sessões incluiu: preenchimento do TCLE, apresentação dos
participantes, aquecimento a partir da análise de poemas, pensamentos e frases. Foram
realizado 3 encontros previamente agendados, nos quais os participantes eram
identificados a partir de números, o que garante a eles o anonimato. As entrevistas
tiveram duração de aproximadamente 1h30’, foram gravadas e filmadas.
As quatro perguntas que compuseram a entrevista foram (i) elaboradas
especificamente para a pesquisa (questão 1); (ii) reutilizadas de indicadores nacionais e
internacionais (COLCIENCIAS, 2005; SECYT, 2007; MCTI, 2006; FECYT, 2007; RICYT,
OEI; CETIC, 2011), estruturando-se da seguinte forma:
Questão 1 - interpretação da espiral da ciência (adaptada de VOGT, 2003) e
percepção do lugar profissional e social do docente nos quadrantes que perfazem a
espiral.
Questão 2 - análise da percepção de responsabilidade social acerca do
desenvolvimento da tecnociência.
Questão 3 - compreensão do tipo de visão das consequências sociais, para o
futuro dos jovens, decorrentes do desenvolvimento da ciência-tecnologia.
Questão 4 - entendimento visão sobre a atratividade da carreira científica para os
jovens.
Ao final do encontro com o Grupo Focal, as fitas gravadas, as filmagens e
anotações feitas pelos pesquisadores foram transcritas e, após passarem por todas as
fases de análise, serviram de base para a apresentação dos resultados a seguir.
1.2 Resultados
Para este artigo, foram selecionadas 3 das 4 questões, trabalhadas no GF,
originárias do questionário respondido pelos professores (COELHO, 2014) com o objetivo
de aferir o interesse, informação valores e atitudes que os professores têm sobre C&T.
A seleção dos dados justifica-se por apresentar um panorama da percepção de uma
parcela do professorado paulista acerca de temas fundamentais para a educação do séc.
1099
XXI, por isso, também, a primeira dinâmica realizada com os professores tratou da
percepção dos docentes como o agente essencial no processo do ensino de e para a
ciência.
Neste trabalho, todavia, não abordaremos a primeira questão, ainda em fase de
análise. Iniciaremos a discussão desse texto com a segunda dinâmica do encontro,
intitulada “jogo de cartas”.
Nessa dinâmica, cada participante do grupo focal recebeu um envelope contendo
cartas com os graus de concordância e discordância, baseados na escala Likert (utilizada
no questionário) com opções de resposta que variavam de “concordo plenamente”,
“concordo parcialmente”, “discordo plenamente”, “discordo parcialmente”, “não sei” e
“nunca pensei sobre isso”. Essa última opção adaptada para a pesquisa realizada com os
professores, com a finalidade de verificar se o docente pensa sobre questões
consideradas importantes para a sua prática profissional, fundamentalmente reflexiva.
Após explicar a dinâmica para os participantes, a mediadora leu a seguinte frase:
“é melhor deixar as decisões sobre problemas sociais relacionados à ciência e à
tecnologia nas mãos de especialistas” e solicitou que colocassem à frente a carta que
melhor expressasse a opinião de cada um sobre a assertiva.
Dos 4 participantes, 2 responderam que discordam parcialmente, 1 que discorda
plenamente; e 1 que concorda parcialmente.
Quando solicitados a argumentar sobre suas respostas, já que o grupo focal
permite não só identificar a opinião dos participantes como também compreender as
razões pelas quais eles pensam da forma como pensam e qual a lógica dos argumentos,
foi possível perceber que os sujeitos que discordam afirmam ter essa opinião, porque,
para eles, se as decisões ficarem apenas nas mãos de especialistas poderia haver uma
grande restrição de participação popular, o que seria prejudicial para a consolidação
democrática. Para os sujeitos 4 e 2,é necessário ouvir especialistas com opiniões
diferentes para contrapor visões, conforme nota-se na fala do sujeito 4 transcrita a seguir:
Eu discordo parcialmente, a minha opinião é muito semelhante a dosujeito 2, devem ser ouvidas todas as pessoas que estão envolvidas naquestão, no problema, e entre os especialistas você não pode escolherapenas aqueles que seguem uma corrente, você tem que chamarespecialistas com várias opiniões diferentes que seguem váriascorrentes diferentes. (SUJEITO 4).
Embora afirme concordar parcialmente, o sujeito 3 apresenta justificativa
semelhante aos outros participantes:
eu concordo parcialmente, [...] eu acho que você deve ouvir amplamenteas correntes de opiniões que existem naquela temática, e ajudar comessas opiniões especializadas um processo de divulgação mais amplopara que outros segmentos, quem saiba, até a própria sociedade possaparticipar de processos de discussão. (SUJEITO 3).
1100
Nota-se, na proposição citada por esse sujeito, que a importância da participação
popular e a necessidade de ouvir diferentes especialistas também estão presentes,
assemelhando-se às justificativas dadas pelos outros participantes que afirmaram
discordar plenamente ou parcialmente.
Comparando as respostas dadas pelos professores do GF às obtidas pelo
questionário com os 9203 docentes, observa-se que, entre os participantes do GF, 100%
discordaram, pelas justificativas, do modelo tecnocrático (HABERMAS, 1994) de
desenvolvimento, no qual a decisão política é responsabilidade exclusiva de especialistas
e, entre os respondentes do questionário, a maioria (61%) também discordou da
propositiva de que as decisões devam ficar apenas nas mãos de especialistas (GRÁFICO
1).
Gráfico 1 - É melhor deixar as decisões sobre problemas sociais relacionados à ciênciae à tecnologia nas mãos dos especialistas
Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.
Contudo, o que há de se refletir é que, se a participação em questões públicas
não é incentivada e proporcionada de modo a desenvolver o discernimento das pessoas
no espaço que se pensa mais propício para isso, que é a escola, talvez seja difícil pensar
em participação produtiva dos jovens e, posteriormente, dos adultos que passaram anos
nos bancos escolares.
Embora a maioria dos professores, tanto os que participaram do GF quanto os
que apenas responderam o questionário, afirme considerar a participação cidadã
importante, os resultados demonstram que esses assuntos não são amplamente
discutidos e problematizados no universo escolar, segundo os sujeitos do GF, muitas
vezes por falta de tempo:
[...] se eu contar a jornada que nós temos, pelo menos a minha quetenho duas aulas por semana com os alunos, se eu somar todo o anonão chega a ser os doze meses, quase dez meses, tirando os feriados etudo, arredondando, nós não ficamos com os alunos [...]nem três diascom eles. (SUJEITO 3).
1101
Não se sabe se a justificativa dos professores que responderam o questionário
seria também pela falta de tempo, mas chama a atenção o percentual de docentes que
afirmou nunca realizar experimentos ou utilizar laboratórios, ainda que ateste discutir com
alguma frequência sobre CTS em suas aulas, conforme demonstra o Gráfico 2.
Gráfico 2 – Percentual de professores que nunca realizam taispráticas ou utilizam recursos
Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.
A segunda questão da dinâmica do “jogo de cartas” era uma variação da primeira
e questionava sobre o grau de concordância ou discordância dos participantes acerca da
seguinte afirmação: “os cidadãos devem ser ouvidos e suas opiniões consideradas
mesmo que não estejam bem informados sobre o assunto”.
Todos os participantes do grupo focal responderam que concordam que os
cidadãos devam ser ouvidos, três concordaram parcialmente e um plenamente. A
justificativa do sujeito que afirmou concordar plenamente foi a de que o senso comum é
importante para a “construção de conceitos”:
Eu concordo plenamente, acho que tem que ser ouvido, como eu já naprimeira pergunta aceitava essa ideia de que escutasse as outraspessoas, o senso comum também ajuda a gente a construir ciência,construir pensamento, muitas vezes, mas eu acho que deve sim serouvidas, Talvez nem tanto para modificar opinião, mas construir umaopinião, construir um conceito [...]. (SUJEITO 1).
Para dois dos sujeitos que concordam parcialmente, ouvir as pessoas, mesmo
que não entendam do assunto tratado é uma oportunidade de desconstruir discursos
propagados pela mídia ou carregados de preconceitos.
[...] é preciso ouvir sim, mas ouvir justamente para desconstruirdeterminadas coisas que estão no senso comum, que estão inseridas nasociedade e são pautadas pela mídia, então nesse sentido ela não podeser considerada no sentido de que ela seja efetivada se a pessoa nãotem esse conhecimento mais aprofundado sobre o tema [...] (SUJEITO2).
O sujeito 4 também apresenta justificativa semelhante ao sujeito 2.
1102
Eu concordo parcialmente, porque eu acredito que todas as pessoasenvolvidas devem ter direito para falar, é uma oportunidade paraesclarecer as pessoas, para elas verificarem se a opinião que elas estãotrazendo não foi construída pela mídia, elas não estão trazendo umaopinião que não está carregada de preconceitos, de ideias já prontas. [...](SUJEITO 4).
Percebe-se nas respostas dos professores que considerar a participação de todos
fortalece consideravelmente o exercício da democracia. Ainda segundo os sujeitos 2 e 4,
os discursos “prontos” poderiam ser desconstruídos pelo exercício do debate. Ações
importantes para a solidificação de uma sociedade democrática.
Contudo, sabe-se que a percepção de que haja “discursos prontos”,
fundamentados em senso comum, exige conhecimento do assunto e a desconstrução
dele, prática argumentativa, interpretação discursiva. Atividades que deveriam ser
desenvolvidas diariamente nas escolas de educação básica, na medida em que são
basilares para a construção da cidadania efetiva. Pois, como disseram os professores do
GF, embora as opiniões fundamentadas no senso comum sejam importantes para o
debate, não devem ser consideradas nas tomadas de decisões. Dessa forma, o
conhecimento sobre o assunto torna-se, segundo as justificativas dos professores,
fundamental para a participação social efetiva.
Apesar do alto grau de importância dado à discussão para tomada de decisões de
cunho social e na influência da mídia para a determinação dos posicionamentos
pessoais, menos da metade (47,75%) dos docentes, que responderam ao questionário
on-line, afirmaram discutir sempre sobre CTS em suas aulas, e apenas 21%, desses
mesmos, respondentes afirmaram utilizar sempre textos jornalísticos sobre os mesmos
temas em suas aulas (conforme Gráficos 6 e 7).
O percentual de professores (21%) que afirmou utilizar textos jornalísticos sempre
em suas aulas parece reforçar a hipótese de que ainda persiste na educação básica o
distanciamento entre “os conceitos científicos aprendidos em sala de aula e as questões
científicas verdadeiramente relevantes para a vida das pessoas.” (SANTOS, s/d).
Questões que estão nas manchetes dos jornais, via de regra, pautadas pelo
interesse da população e ou com o desenvolvimento social de maneira ampla não são,
na maioria dos casos, trazidas para debates em sala, talvez por que o professor não se
perceba mais como um formador de opinião, como um divulgador de ciência ou
como um profissional especialista na área e competente para desconstruir o
senso-comum, segundo muitos respondentes, perpetuado pelos veículos de
massa.
1103
Gráfico 3 - Quanto você discute sobre como a ciênciae a tecnologia afetam a sociedade em suas aulas?
Gráfico 4 - Frequência de utilização de textosjornalísticos sobre C&T em aulas
Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.
Pelas respostas, percebe-se um sentimento de impotência do profissional,
que se vê incapaz de decidir sobre a metodologia de ensino e a didática para
abordar as unidades de conhecimento previamente determinadas.
Então, a divulgação, inclusive quando eu vou passar alguma coisa todosos meios, você pega a Globo, Globo Ciência. Eu agora, no nono, sétimoano nós vimos Brasil, no nono ano os continentes o que eu utilizeiinfelizmente de Globo Repórter para mostrar os continentes, porque eunão tenho uma produção científica, usei algumas coisas da TV Cultura,mas o que nós somos se quisermos sair do cuspe e giz? Você tem maisuma lousinha branca, em alguns lugares tem uma lousa digital, mastemos que usar que elementos? Então, quem faz a divulgação da ciênciana minha opinião? Eu gostaria que fôssemos nós professores, mas nãosomos, é a imprensa, nós somos meros repassadores, merosreprodutores, isso enfraquece o nosso papel de cidadania. (SUJEITO 3).
Dessa forma, a escola colabora para a perpetuação do desconhecimento e
fortalecimento do senso comum, que segundo os sujeitos participantes do GF, não deve
ser considerado para tomada de decisões.
Ainda que a maioria dos professores defenda a participação cidadã em decisões
sobre problemas sociais relacionados à ciência e à tecnologia, discordando do modelo
tecnocrático, a forma como se tem trabalhado conteúdos importantes para a reflexão
sobre questões de interesse social tem se mostrado pouco efetiva, como demonstram,
1104
por exemplo, o indicador de letramento científico. Segundo esse indicador, 11% da
população de 15 a 40 anos, que terminou o ensino médio, não possui letramento
científico, e 53% apresentam letramento rudimentar. Pela mesma pesquisa, apenas 4%
dentre os que possuem ensino médio completo apresentaram letramento proficiente,
sendo capaz de “avaliar propostas e afirmações que exigem o domínio de conceitos e
termos científicos em situações envolvendo contextos diversos (cotidianos ou
científicos).” (GOMES, 2014, p.12).
Comparando as respostas dos participantes do GF com as obtidas pelo
questionário, sobre o grau de concordância e/ou discordância de que “Os cidadãos
devem ser ouvidos e suas opiniões consideradas mesmo que não estejam bem
informados sobre o assunto”, nota-se uma equivalência parcial de resultado.
Gráfico 5 – Opinião sobre a participação de cidadãos em questões que
desconhecem
Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.
Enquanto 100% dos sujeitos do GF concordam que os cidadãos devam ser
ouvidos, ainda que não tenham conhecimento sobre o que estão opinando, 80,45% (a
grande maioria) dos professores que responderam ao questionário, deram a mesma
resposta, ao passo que 18,01% discordaram da proposição. (Gráfico 5)
Outra pergunta relacionada ao indicador “Imagem da C&T”, ainda do “jogo de
cartas”, questionava ao respondente se percebia mudança e transformação da estrutura
ocupacional em consequência do desenvolvimento da C&T. No questionário, a primeira
questão desse tema (P.29) se referia à perda de postos de trabalho e a segunda à
abertura de novos postos.
O resultado no questionário foi que a maioria (53,77%) concordou que “as
aplicações da ciência e da tecnologia estão fazendo com que postos de trabalho sejam
perdidos” ao passo que 43,97% discordam da primeira proposição, plenamente (15,20%)
ou parcialmente (28,77%).
1105
Decidiu-se trazer essa questão para o GF com a finalidade de compreender se o
resultado se confirmaria e, caso a percepção fosse a mesma, se ela se fundamentaria na
associação de desenvolvimento tecnológico a uma sociedade altamente especializada e
instruída, em que postos de trabalho menos qualificados sejam extintos ou se justificaria
com a exclusão de postos de trabalhos específicos, mas não da extinção de postos de
trabalho que agregam mão de obra menos qualificada, ou seja, se percebem alguma
modificação nos setores ocupacionais e, caso sim, se essa mobilidade é horizontal ou
potencialmente vertical.
Dois sujeitos, participantes do grupo focal, responderam que concordam
parcialmente com a afirmação de que com as aplicações da ciência e da tecnologia
postos de trabalho estão sendo perdidos, e dois sujeitos afirmaram que discordam
parcialmente, resultado semelhante ao obtido pelo questionário.
Durante a apresentação das justificativas das opções de resposta, foi possível
perceber que, apesar de responderem “concordar parcialmente” ou “discordar
parcialmente”, as justificativas foram semelhantes, já que os quatro sujeitos afirmam que
com a automação e mecanização, que ocorre graças ao desenvolvimento da ciência e
tecnologia, postos de trabalho são perdidos para as “máquinas”, no entanto, um dos
sujeitos justificou que o grande problema é que com o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia as pessoas não são preparadas para assumirem novos postos de trabalho.
O grande problema a meu ver é que essas pessoas não são preparadasem outras profissões que elas poderiam seguir, então em vez de termosmuitos vendedores em muitas lojas físicas temos alguns que trabalhamnas lojas virtuais e essas lojas virtuais, por sua vez, vão exigir, maisprogramadores de computadores, mais gente que trabalha cominformática, então a meu ver, o grande problema, repetindo é que não seprepara as pessoas para seguir essas novas profissões, às vezes, essasmudanças são tão rápidas que as pessoas acabam ficando perdidas.(SUJEITO 4).
Para o sujeito 2, a tecnologia atinge violentamente uma massa enorme de
trabalhadores que não tem oportunidade e condições de se recolocar, provocando o
desemprego estrutural. Para ele, o que faltam são políticas públicas ou mesmo atuação
das empresas para preparar os funcionários.
A partir das respostas dos participantes, fica claro que se percebe uma mudança
estrutural relacionada ao desenvolvimento da C&T, embora os discursos sejam proferidos
de forma distanciada, como se essa nova exigência de formação nada ou muito pouco se
relacionasse com a formação do jovem na educação básica, já que em nenhum momento
a escola e a forma com que trabalha em relação a isso é colocada em pauta:
Essas pessoas são violentamente atingidas pela tecnologia e mais grave é que
1106
não têm como se reciclar, não existe, exceto raramente, uma política pública oumesmo nas empresas para requalificar essas pessoas, elas simplesmenteperdem o emprego, então tinha que ter um debate muito grande, eu não soucontra a tecnologia, eu sou muito favorável, mas ela não pode ser excludentedessa forma, porque aí você aumenta o fosso dos mais ricos e dos maispobres. (SUJEITO 2)
A quarta e última pergunta: “você acha que a profissão de cientista é atraente para
os jovens atualmente?” foi discutida no grupo focal a partir de outra dinâmica que
consistia em cada participante escolher dentre três alternativas possíveis: sim, não e não
sei, aquela que melhor respondesse à questão apresentada. Cada um dos participantes
colocava a ficha com a resposta escolhida na respectiva coluna de um gráfico, e logo em
seguida justificava a sua resposta.
Para os sujeitos do grupo focal, foi unânime a resposta negativa diante da
afirmação de que a carreira de cientista seja atraente aos jovens. A justificativa
predominante foi a de que os jovens não têm conhecimento do que seja a carreira de
cientista, o que o faz optar por outras carreiras mais conhecidas e com as quais possam
ter mais possibilidade de obter sucesso financeiro e profissional. Para um dos sujeitos, o
interesse em seguir a carreira de cientista está muito presente nos jovens de escolas
públicas.
a minha visão do senso comum é essa do jovem que eu trabalho, classemédia, classe média alta, parece que existe um desprezo mesmo poressa questão, para trabalhar com isso. No caso daquele jovem deperiferia ou pelo que eu vejo na mídia existe uma gana para trabalharcom essas coisas pelo menos como mostram esses programas, já nãosei como é que é na prática, né?[...] eu vejo muitas vezes os programas colocando sobre aqueles jovensque vão desenvolvendo robôs e coisa assim e, geralmente, são jovensde escolas do estado, técnicas, e eles têm uma gana pela ciência, umacoisa por descobertas, eles não estão pensando no dinheiro, eles estãopensando em fazer algo para mudar [...] (SUJEITO 2).
O participante 3 afirma que o que piora essa situação é a falta de incentivo e
informação do professor que não favorece a percepção e atratividade da carreira
científica.
[...] o professor poderia ser o grande orientador, um certo guia nessecampo, mas não tem condições de fazer isso, então o máximo que agente faz é levar os alunos para umas feiras de ciências [...] (SUJEITO3).
Os professores, pelas justificativas das respostas, têm consciência de que os
alunos egressos do ensino médio, em sua maioria, saem sem qualquer noção do que
seja ciência, da carreira científica e desconhecem instituições científicas, como também
já foi demonstrado pela pesquisa “Percepção dos jovens sobre a ciência e a profissão
científica” (OEI,2011). O que chama a atenção é que esse dado nas discussões é posto
como um fato, mais uma vez dissociado da formação escolar. Nenhum professor do
1107
grupo em questão atribuiu o desconhecimento dos estudantes sobre esses assuntos a
uma deficiência da própria formação escolar.
Comparando os resultados do GF sobre a atratividade da carreira científica para
os jovens, com os obtidos pelo questionário, nota-se uma diferença significativa entre a
percepção de um grupo e outro, pois se os sujeitos participantes do GF concordam,
unanimente, que a carreira científica não apresenta atratividade para os jovens, entre os
que responderam somente ao questionário, 44,25%, em média, têm a mesma opinião.
Entre os respondentes do questionário que atuam na rede privada, assim como os
que compõem o GF, ainda assim, o percentual dos que não acreditam no interesse dos
jovens pela carreira científica é menor, conforme Gráfico 7.
Gráfico 6 – Percepção daatratividade da carreira científicapara os jovens
Gráfico 7 – Atratividade da carreiracientífica para os jovens entrerespondentes das pesquisas qualitativa(GF) e quantitativa (Quest.)
Elaboração própria. Fonte: COELHO, 2014.
Conclusão
A partir da análise comparativa dos resultados das questões, respondidas no
questionário pelos professores e discutidas no grupo focal, apresentadas neste artigo, é
possível perceber que os docentes não se percebem como agentes relevantes na
formação dos jovens estudantes para uma cidadania efetiva.
Ao pressupor que em uma sociedade democrática os cidadãos devem ter a
capacidade de expressar opiniões e tomar decisões fundamentadas, a formação com
enfoque em C&T torna-se um elemento chave para uma reestruturação educativa, quer
seja em relação às metodologias ou aos conteúdos curriculares, que possibilite o
desenvolvimento do senso crítico e uma atuação mais expressiva diante dos problemas
sociais.
Muitas vezes, as condições desfavoráveis nas quais a maioria dos professores se
encontra afetam negativamente a sua prática, impedindo que o aluno se perceba como
protagonista de uma sociedade em constante transformação, como ficou claro na
discussão da última questão apresentada.
1108
Não obstante a todas as necessidades de investimento no setor educacional, é
inquestionável a urgência de uma força tarefa para a reestruturação das licenciaturas, de
modo a formar professores que consigam perceber a importância de seu papel e de seu
conhecimento para a transformação e desenvolvimento do país e que se identifique
como um sujeito responsável pela promoção de competências conceituais, atitudinais e
procedimentais, competências essas que, todavia, o docente, primeiramente, deve ter
amplamente desenvolvido em sua primeira formação.
Referências Bibliográficas
CETIC. Disponível em:< http://www.cetic.br/tics/educacao/2013/professores/>. Acesso em: 20 jan. 2015.
COELHO, M. Percepção dos professores de ensino médio de São Paulo sobre temasrelacionados a ciência e tecnologia. 2014. Disponívelem:<http://pequisadepercepcao.blogspot.com.br/>. Acesso em: 12 abr. 2015.
COLCIENCIAS. Primera encuesta sobre la imagen de la ciencia y la tecnología en lapoblación colombiana, 1994. Disponível em:<http://www.upf.edu/pcstacademy/docs/EncuestaColombia.pdf>.
FAPESP. Indicadores de ciência, tecnologia e inovação em São Paulo, 2004. São Paulo:FAPESP. Cap. 12, 2011.
FECYT-OEI-RICYT. Cultura científica em Iberoamérica. Encuesta en grandes núcleosurbanos, Madrid, Espanha: Fecyt, 2007. Disponível em: <http://www.fvc.org.br/pdf/estudocomputador-internet.pdf >.
GOMES, Anderson S. L. (Org.). Letramento Científico: um indicador para o Brasil. SãoPaulo: Instituto Abramundo, 2015.
GONDIM, Sônia Maria Guedes. Grupos Focais como Técnica de InvestigaçãoQualitativa: Desafios Metodológicos. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 12, n. 24, p. 149-162,2003.
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos.2. ed. Madrid: Cátedra, 1994.
MICHEL, Jeanne Liliane Marlene. A entrevista em grupo focal. In: MATHEUS, Maria ClaraCassuli; FUSTINONI, Suzete Maria. Pesquisa qualitativa em enfermagem. São Paulo:Livraria Médica Paulista, 2006. P. 111-15.
OEI. Los Estudiantes y la Ciencia: encuesta a jovenes ibero-americanos. Polino, C.(Org.). Buenos Aires, Argentina, 2011. Disponível em: http://www.oei.es/salactsi/libroestudiantes.pdf.
SANTOS, Paulo Roberto dos. Ensino de Ciências e a Ideia de Cidadania. Disponível em:<http://hottopos.com/mirand17/prsantos.htm>. Acesso em: 23 nov. 2015.
VOGT, C. e POLINO, C. (Org.). Percepção pública da ciência, Resultados da Pesquisana Argentina, Brasil, Espanha e Uruguai. São Paulo, 2003.