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    SER NEGRO, TORNARSE NEGRO|REGISTRO DA MEMRIA |1

    INSTITUTO DE POLTICAS RELACIONAIS2014

    REALIZAO:

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    REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

    PRESIDNCIA DA REPBLICA

    DILMA ROUSSEFF

    MINISTRIO DA CULTURA

    MINISTRA DE ESTADO

    MARTA SUPLICY

    SECRETARIA DA CIDADANIAE DA DIVERSIDADE CULTURALMRCIA ROLLEMBERG

    DIRETORIA DA CIDADANIAE DA DIVERSIDADE CULTURALPEDRO VASCONCELLOS

    COORDENAOGERAL DEPROGRAMAS E PROJETOS CULTURAIS

    DANIEL CASTRO DRIA DE MENEZES

    COORDENAOGERAL DEACOMPANHAMENTO E FISCALIZAOMARCELLO NBREGA

    COORDENAOGERAL DECOOPERAO, ARTICULAO EINFORMAOPEDRO DOMINGUES

    COORDENAO DE COMUNICAOE DIFUSODANIELLE PAES GOUVEIA

    FUNDAO BIBLIOTECA NACIONAL

    PRESIDENTE DA FUNDAOBIBLIOTECA NACIONAL

    RENATO LESSA

    DIRETORA EXECUTIVAMYRIAM LEWIN

    COORDENADORIA GERAL DEPLANEJAMENTO E ADMINISTRAOTNIA PACHECO

    COORDENADORIA GERAL DOCENTRO DE PROCESSOS TCNICOS

    LIANA GOMES AMADEO

    COORDENADORIA GERAL DOCENTRO DE REFERNCIA E DIFUSO

    MNICA RIZZO SOARES PINTO

    COORDENADORIA GERAL DOCENTRO INTERNACIONAL DO LIVROMOEMA SALGADO

    COORDENADORIA GERAL DOCENTRO DE PESQUISAS E EDITORAOJOS EISENBERG

    DIRETORIA DO LIVRO, LEITURA,LITERATURA E BIBLIOTECAS

    FABIANO DOS SANTOS PIBA

    COORDENADORIA GERAL DO SISTEMANACIONAL DE BIBLIOTECAS PBLICASELISA MACHADO

    COORDENADORIA GERALDE ECONOMIA DO LIVROSUZETE NUNES

    COORDENADORIA GERALDE LIVRO E LEITURAANA DOUR ADO

    SECRETARIA DE POLTICAS DEPROMOO DA IGUALDADE RACIALSEPPIR

    MINISTRA DE ESTADOLUIZA BAIRROS

    SECRETRIO EXECUTIVO

    GIOVANNI HARVEY

    SECRETARIA DE POLTICAS PARACOMUNIDADES TRADICIONAISSILVANY EUCLNIO SILVA

    DIRETORA DE PROGRAMAS

    LUANA ARANTES

    GERENTE DE PROJETOSMARIA DO SOCORRO GUTRRES

    EQUIPE TCNICACRISTIANA LUIZ

    INSTITUTO DEPOLTICAS RELACIONAIS

    DIRETORA GERAL

    DANIELA GREEB

    DIRETORA DE PROJETOSE COMUNICAO

    VANESSA LABIGALINI

    COORDENAO DEPESQUISA DE CAMPOVILMA BARBAN

    PESQUISADORAE ARTICULADORA LOCALCINTIA ALVES SAMPAIO BRANDO

    FOTGRAFOS

    BRUNO FERNANDES BARROS DE SOUZA

    MACAP, BELM, TERESINAE JOO PESSOA

    GIDEONI SOARES ALVES JUNIOR

    MINAS GERAIS, PARAN,

    RIO DE JANEIRO, RIBEIRO PRETO,

    PORTO ALEGRE E BRASLIA

    WEBDESIGNERSANDR DEAK

    FELIPE LAVIGNATTI

    PRODUOANA PAULA MALANDRI N

    RUTH EGAS

    SHIRLEI FIGUEREDO

    SILVANA LAMANNA CUPAIOLO

    VALERIA GRZYWACZ

    TRANSCRIO DE UDIOGISELE BALESTRA

    PATRCIA GATURAMO

    REVISORAMAIT RIBEIRO

    PROJETO GRFICOE DIAGRAMAO

    ADRIANA FERNANDES

    EDIO DE IMAGEMDANIEL KONDO

    ORGANIZADORASDANIELA GREEBVANESSA LABIGALINI

    VILMA BARBAN

    Ancestralidade africana no Brasil: memria dos pontos de leitura /organizado por Daniela Greeb, Vanessa Labigalini e Vilma Barban. So Paulo: Instituto de Polticas Relacionais, 2014.140 p.: il, 28 cm

    ISBN 978-85-6797300-5

    1. Leitura Matriz Africana. 2. Memria Matriz Africana. 3. Cultura Matriz Africana. I. Greeb, Daniela. II. Labigalini, Vanessa. III. Barban, Vilma.IV. Ttulo.

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    Oreconhecimento e a devida valorizao da cultura de matriz africana na formao da identidadebrasileira so uma das principais diretrizes do Ministrio da Cultura. Hoje, 52% dos brasileirosse autodeclaram negros. Nossas comidas, msicas, festas, danas, crenas nossa cultura

    como um todo tm influncia africana. Na capacidade de resistncia e na riqueza da cultura africanaencontramos o elo que une todas as outras culturas que coexistem no Brasil.

    Por meio de polticas culturais, programas e diversos tipos de aes, o Ministrio da Cultura busca for-talecer e dar voz s culturas que esto em nossas razes e precisam ser mais conhecidas por todos ns.

    Este livro o resultado de uma dessas aes. Sua leitura uma experincia de vida. Ele recolhe de-poimentos de pessoas ligadas, de diferentes modos, ao programa Pontos de Leitura da AncestralidadeAfricana. Nos relatos, fazemos uma instigante viagem pela histria e cultura de afrodescendentesbrasileiros localizados em dez comunidades tradicionais, como quilombos e povos de terreiro.

    Acompanhamos os modos de vida, a gastronomia, suas relaes com a natureza e viso de mundo.Temos um termmetro da importncia de polticas pblicas para as comunidades. Testemunhamoso impacto da leitura e da valorizao da cultura no fortalecimento da autoestima, organizao sociale formao de individualidades que, ao se somarem, mostram o que h de comum e de diferente

    entre eles. Tudo isso contado do ponto de vista dos prprios herdeiros dessa tradio, o que aindamais rico.

    Como diz Me Lcia de Oliveira, Il Ax Omidew da Paraba, em seu depoimento: Ns no podemosesquecer. Se esquecer a nossa histria, vamos deixar que legado?. essa uma das grandes contribui-es deste livro.

    Ao lado das medidas criadas pelo MinC de democratizao do acesso cultura, o livro vai contribuirpara o sucesso que esperamos para a Lei 10.639/03, que altera o artigo 26 da Lei de Diretrizes eBases da Educao Nacional (LDB). As escolas devem incluir a histria da cultura africana e afro--brasileira nos currculos. Ele tambm ser um material de apoio importante na composio do acervodo Museu Afro, que ser construdo em Braslia e ser um marco no resgate da contribuio dosafrodescendentes ao Brasil.

    Marta Suplicy

    Ministra da Cultura

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    Oque podemos chamar hoje de cultura brasileira se expressa na interao e reinveno per-manente de um conjunto de tradies, grande parte de origem africana. Esse elo com a an-cestralidade e nossas razes tem nos povos de matriz africana e comunidades tradicionais

    afro-brasileiras o seu grande esteio. Isso tem sido realizado ao longo de muitas geraes, por meio datransmisso de histrias, conhecimentos, expresses, costumes e prticas ancestrais.

    O Programa Pontos de Leitura da Ancestralidade Africana no Brasil uma ao transversal dentro doMinistrio da Cultura, liderada pela Fundao Biblioteca Nacional (FBN), por meio do Sistema Nacionalde Bibliotecas Pblicas, em parceria com a Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural, e integraacordo de cooperao firmado entre a FBN/MinC e a Seppir/PR, no mbito da campanha IgualdadeRacial pra Valer.

    O Programa tem como objetivo realizar o registro, divulgao e compartilhamento das histrias locais

    da cultura africana e afro-brasileira nos Pontos de Leitura temticos j criados em diversas regies doBrasil. Esses Pontos de Leitura esto localizados em comunidades tradicionais afro-brasileiras qui-lombos e povos de terreiro, por exemplo , que funcionam como espaos de referncia para estudos epesquisas, bem como espaos de democratizao do acesso aos livros, estmulo s prticas leitoras, epromoo da identidade e da autoestima dos afro-brasileiros.

    O apoio da SCDC/MinC estabelece uma conexo com o Programa Cultura Viva, que j reconheceu efomentou mais de 3.000 organizaes como Pontos de Cultura, e que se constitui como a principalao desenvolvida pelo Ministrio da Cultura na implementao de uma poltica de base comunitria.

    Nesse mbito, os povos e comunidades tradicionais de matriz africana, como quilombos e povos deterreiro, integram o pblico do Programa, juntamente com os povos indgenas, povos ciganos, mestrese mestras das culturas populares, e outros segmentos sociais com dificuldades de acesso s polticaspblicas, por motivos histricos e sociais.

    Estamos certos, portanto, de que os Pontos de Leitura da Ancestralidade Africana no Brasil trazemuma grande contribuio para a promoo e preservao das caractersticas culturais desse segmento,inclusive por meio da incluso nas escolas de novos e mais adequados contedos bibliogrficos sobrea histria das culturas africana e afro-brasileira, como determina a Lei n 10.639, de 2013.

    Esperamos que a avaliao positiva dos objetivos alcanados pelo trabalho-piloto desenvolvido nosprimeiros 10 Pontos de Leitura da Ancestralidade Africana no Brasil, possibilite a ampliao dessenmero, com a incluso de outras comunidades, em todas as regies do Pas.

    Mrcia Rollemberg

    Secretria da Cidadania e da Diversidade Cultural

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    Oprojeto Pontos de Leitura da Ancestralidade Africana no Brasil uma ao cultural,transversal, que tem por objetivo principal apoiar e estimular iniciativas culturais j emandamento, voltadas para a preservao e a difuso da cultura de matriz africana.

    resultado de uma parceria entre a Fundao Biblioteca Nacional (FBN), a Secretariade Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC), do Ministrio da Cultura (MinC) e a Se-cretaria de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (SEPPIR).

    importante registrar que, no ano de 2008, o MinC investiu na constituio de pontosde leitura no Pas apoiando 600 iniciativas da sociedade civil com a doao de um con-

    junto de equipamentos, composto por mobilirio, computador e uma coleo de 650obras. Em 2011, a partir de uma reunio entre representantes da FBN, Fundao Pal-mares, SEPPIR e SCDC ficou evidente que precisvamos ampliar nossa ao e agregarao apoio implantao do ponto de leitura o registro da memria e do conhecimentodos integrantes das comunidades em questo, assim como o fomento constituio deuma rede de pontos de leitura de cultura negra.

    Partindo do princpio de que a socializao dos saberes vital para a construo do conheci-mento individual e social, demos incio ao delineamento do projeto-piloto Pontos de Leitura Te-mticos. A partir desse projeto foi possvel estabelecer conceitos e metodologias de estmulos prticas leitoras, de registro da memria de comunidades tradicionais afro-brasileiras e de

    criao e fomento constituio de um trabalho em rede. Os resultados, depois de avaliadose adequados, estaro prontos para serem replicados em outros grupos e espaos.

    O Sistema Nacional de Bibliotecas Pblicas (SNBP), rgo subordinado Diretoria doLivro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), da Fundao Biblioteca Nacional, ficouresponsvel pela conduo do projeto-piloto, visto que todas as iniciativas do governofederal que envolvem a constituio de novos pontos de leitura so de sua responsa-bilidade. Mas, cada uma das instituies envolvidas teve um papel determinante noprocesso de execuo do projeto. A SEPPIR foi a responsvel pela seleo das 10 comu-

    nidades que fariam parte do projeto e pela indicao da lista de 300 obras na temticada cultura negra. A SCDC foi responsvel pelo repasse do recurso destinado comprado acervo temtico e o SNBP pela gesto do projeto e pela doao de um conjunto deequipamentos, mobilirios e acervo bsico de literatura, composto por 650 livros, com-pondo assim os Pontos de Leitura da Ancestralidade Africana no Brasil.

    Em abril de 2012, com a parceria do Instituto de Polticas Relacionais (IPR)1, demos incioaos trabalhos com a realizao de um encontro presencial de aproximao e formao,do qual participaram representantes das 10 comunidades de povos tradicionais de matrizafricana e quilombos selecionadas, integrantes do SNBP, da SEPPIR e do IPR. Foram doisdias de intensas atividades, palestras e debates, culminando com o lanamento oficial doprojeto no auditrio Machado de Assis, da Fundao Biblioteca Nacional.

    O projeto contou com duas equipes, sendo uma de campo e uma de infraestrutura e logstica.Enquanto a equipe de infraestrutura e logstica, formada por cinco profissionais, organizavaos contatos com os responsveis em cada lugar que seria visitado, traava o roteiro deviagem e cuidava do transporte e acomodao, a equipe de campo, composta por dois

    especialistas em pesquisas com comunidades e um videomaker, realizava o levantamentode dados sobre o territrio, sobre a comunidade e formatava os roteiros de entrevistas e, adistncia, dava incio aproximao com a comunidade que receberia o ponto de leitura.

    APRESENTAOELISA MACHADOCOORDENADORA GERAL DO SISTEMA NACIONALDE BIBLIOTECAS PBLICASDANIELA GREEB E VANESSA LABIGALINIDIRETORAS DO INSTITUTO DE POLTICAS RELACIONAIS

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    1 Entidade privada sem fins lucrativos, selecionada por meio deEdital de Chamada Pblica da Fundao Biblioteca Nacional (FBN).

    Foram feitas dez viagens, uma para cada comunidade selecionada. A cada retorno daequipe de campo, todo o material coletado passava por uma transcrio do udio, ediodo vdeo e escrita de um dirio de campo, que imediatamente era publicado no site de-senvolvido para o projeto. O resultado final congrega mais de 150 horas de gravao em

    vdeo, 300 horas de udio coletado e um total de 1.200 fotos. Todas as informaes eregistros foram organizados e sistematizados em vrios suportes, tais como: relatrios decampo de cada visita tcnica, mapa do Google com referncias geogrficas e dados socio-econmicos de cada local, rea, cidade e estado, biblioteca multimdia com fotos e vdeos,painel colaborativo, notcias, e uma biblioteca virtual de livros e textos temticos. Todosesses registros e documentos esto disponveis no site www.ancestralidadeafricana.org.br.

    Durante sete meses, a equipe de campo foi de comunidade para comunidade saber doscausos, das histrias, das gneses e transformaes da terra, da vida, do ax de cada

    morador, de cada pessoa que faz parte da construo da histria da ancestralidadeafricana. Essa experincia ficar para sempre na memria de todos.

    Entre um ponto de leitura e outro, muitas vezes no dava para a equipe de campo sedespedir emocionalmente das pessoas e das inmeras histrias que compartilharam.Por outro lado, a equipe de infraestrutura e logstica, ao receber o material registrado, seimbua da histria de cada morador, de cada integrante do ponto de leitura visitado. Ospesquisadores de campo chegavam com uma pea de artesanato e uma geleia do local,

    para que a equipe de infraestrutura pudesse se nutrir e sentir um pouco do que haviasido vivenciado com aquelas comunidades. E assim foi at chegar dcima e ltimaviagem, com um misto de misso cumprida, com gosto de quero mais.

    Muitas vidas, muitos causos.

    Todas as etapas desse projeto-piloto foram discutidas e acompanhadas pela equipe doSistema Nacional de Bibliotecas Pblicas, assim como pela Secretaria de Polticas dePromoo da Igualdade Racial.

    Entendemos que o projeto Pontos de Leitura da Ancestralidade Africana no Brasilpode sermultiplicado em todo o territrio nacional e pode ser considerado o ponto de partida paratrabalhar outros grupos que englobam a grande diversidade cultural brasileira. Esperamoscom isso ter contribudo para a implementao da Lei 10.639/03, que determina a inclusodesses contedos nos currculos escolares, bem como para o combate aos preconceitos epara a promoo de um pluralismo cultural compatvel com a diversidade etnorracial do Pas.

    Esses mesmos resultados esto aqui registrados e podem ser vivenciados na leitura decada uma das falas que compem este livro. Para ns, essas falas se configuram comouma grande contribuio para a construo de polticas pblicas voltadas aos interessesreais da populao negra de nosso Pas.

    Para orientar a leitura, as falas esto organizadas por temas, como polticas pblicas,racismo, religiosidade etc. Essas falas fazem parte do dia a dia da luta, dos sonhos eobjetivos dos moradores e integrantes das comunidades pesquisadas, e esto a paraserem vivenciadas pelo leitor deste livro, como se estivssemos todos em uma grande

    roda de conversa. Basta escut-las.

    Boa leitura!

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    OBrasil recebeu mais de 5 milhes de pessoas, na condio de escravizadas, entreos sculos XVI e XIX, originrias de diversas regies e povos do continente afri-cano. A despeito da violncia do sistema escravista e, no ps-1888, do racismo,

    a descendncia africana marcou de maneira indelvel a cultura nacional. Atualmente, oPas considerado o segundo maior em populao negra no mundo, constituindo 50,7%dos brasileiros e das brasileiras, de acordo com o ltimo censo do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatstica IBGE (2010). Entretanto, quando analisamos as instituies

    nacionais, polticas, administrativas e socioculturais, perceptvel que o racismo umadas suas variveis estruturantes, constituindo espaos totalmente hegemonizados pelacultura eurocentrada.

    O racismo tambm se manifesta no sistema educacional, cujos currculos e prticaspedaggicas, em sua grande maioria, ignoram solenemente a diversidade etnorracialdo Pas, a despeito da Lei 10.639/03, que altera o artigo 26 da LDB Lei de Dire-trizes e Bases da Educao Nacional, e determina a incluso da histria da cultura

    africana e afro-brasileira nos currculos escolares. O mesmo ocorre nos meios decomunicao, que, quando no negam, estereotipam a populao negra, sua culturae seu modo de viver.

    A seguir, trecho do discurso da Presidenta Dilma Rousseff, no dia 5 de novembro de2013, na abertura da III Conferncia Nacional de Promoo da Igualdade Racial, emque a representante maior do Estado brasileiro afirma que o racismo estruturante dasociedade brasileira:

    Ns sabemos que a nossa sociedade, a sociedade brasileira, tem de superar asconsequncias do nosso longo perodo escravocrata, que no acabam com a abo-lio, porque ressuscita um racismo como forma de hierarquizao da sociedade,como forma de manter os valores de uma sociedade escravocrata. Constri, defato, essa hierarquizao e uma hierarquizao social, e coloca, no nosso caso,as populaes, vamos dizer assim, as indgenas e as populaes tradicionais, ea populao negra, na base da pirmide, e por base eu estou dizendo o menordegrau da pirmide.

    Foi assim que a excluso racial e a excluso social se misturaram. Uma virou aoutra, e essa uma chaga que ns temos, e esse pas tem, e tem lutado por isso,para estreitar, muitos lutaram para derrotar e para acabar com essa chaga que essa mistura de excluso social com excluso racial, que leva a uma srie de pre-conceitos (...)

    Historicamente, o racismo provoca efeitos nefastos na populao negra, resultando naintrojeo de esteretipos, na negao de si mesmos, na perda da identidade. Por outro

    lado, tambm possibilitou a formao de territrios negros de resistncia, nas reas ur-banas e rurais. Esses territrios so espaos de promoo da cidadania, de preservaoe produo da cultura e dos valores civilizatrios africanos.

    A ancestralidade a nossa via de identidade histrica.Sem ela no sabemos quem somos, nem o que pretendemos ser.Paulo Csar Pereira de Oliveira Contos e Crnicas do Mestre Tolomi:frica Viva no Brasil

    ANCESTRALIDADEAFRICANA NOBRASILSILVANY EUCLNIO SILVASECRETRIA DE POLTICAS PARACOMUNIDADES TRADICIONAIS

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    Considerando a carncia de materiais bibliogrficos que tratem da temtica do ra-cismo, relaes raciais, promoo da igualdade racial, histria da cultura africana eafro-brasileira nas bibliotecas pblicas e nas escolas, o Projeto Pontos de Leitura daAncestralidade Africana no Brasil, assume importncia singular, constituindo espa-os de referncia no apenas para a comunidade, como espaos de promoo daidentidade e da autoestima dos afro-brasileiros, mas tambm para pesquisadores/ase professores/as.

    Inicialmente, foram contemplados com o Projeto seis casas tradicionais de matriz africa-na e quatro quilombolas em dez estados da federao. A escolha das casas tradicionaisde matriz africana e das comunidades quilombolas como os primeiros beneficirios doProjeto estratgica e emblemtica. Esses territrios tradicionais so, por excelncia,mantenedores e produtores da cultura africana e afro-brasileira. Contemplar esses terri-trios reconhecer sua existncia, sua importncia histrica e cultural e potencializar otrabalho dos multiplicadores e produtores de conhecimento.

    O empoderamento dos territrios negros tradicionais uma estratgia fundamentalpara a manuteno fsica e cultural dos grupos e para ampliar o conhecimento dasociedade nacional sobre a histria e cultura africana e afro-brasileira. Nesse con-texto, importante destacar que os pontos de leitura da ancestralidade africana noBrasil, instalados nos territrios tradicionais, trabalham tambm com a populao doentorno e com alunos e alunas de escolas pblicas. A possibilidade de essas crianase jovens visitarem esses espaos, conviverem com a diversidade e aprenderem sobrea histria da populao negra contada no s pelos livros, mas tambm pela boca

    das lideranas tradicionais, pode contribuir efetivamente para a construo de umasociedade sem racismo.

    A proposta de bibliotecas temticas, como qualquer ao afirmativa, tem como objeti-vo principal reverter um prejuzo histrico provocado pelo racismo, e contribuir para aconsolidao da democracia nacional. Haver um tempo, e lutamos por isso, em quea diversidade etnorracial estar de tal forma incorporada s instituies nacionais e naprpria sociedade brasileira que bibliotecas temticas sero algo obsoleto.

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    MEMRIA DOSPONTOS DELEITURA DA

    ANCESTRALIDADEAFRICANA

    Ahistria dos povos e comunidades tradicionais afro-brasileiras, em sua maior par-te, se encontra na memria, na tradio oral, vivida e repassada pelas geraesdesses povos. Visitamos dez comunidades em territrios habitados por Povos

    e Comunidades Tradicionais Afro-brasileiros, Quilombolas e de Povos tradicionais de

    matriz africana, que se constituem nos primeiros Pontos de Leitura Temticos emdiversas regies do Brasil Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Gois, Amap, Piau,Paraba, Par, Minas Gerais, Paran e So Paulo.

    Esta ao est voltada para o registro, divulgao e compartilhamento das histriaslocais da cultura africana e afro-brasileira, com o interesse de colaborar para a pre-servao e maior visibilidade desses saberes, patrimnio cultural vivido e vivo, quetransitam nas narrativas pelas geraes, na maior parte das vezes ignoradas pelosregistros histricos.

    A histria de nossos povos nos tem sido contada a partir do olhar colonizador. Todo o res-tante tem sido invisibilizado, escondido atrs das paredes da desqualificao e da interdio,como ignorncia, atraso, vulgaridade, ou das muralhas do preconceito.(Ganduglia: 2010)1.

    muito recentemente que se descortina a possibilidade de outros olhares e de outrasverses sobre os fatos de nossas origens, das culturas que compem essa mescla depovos latino-americanos, de outras verses da histria. Particularmente no que se refere

    histria dos indgenas e dos afro-brasileiros, cujos braos construram grande parte dariqueza deste pas, e cujos saberes tm constitudo o enorme colorido da nossa cultura,a beleza dos nossos traos, a nossa alegria.

    Afinal, em 2010, o censo demogrfico indicou que, na populao brasileira, de maisde 190 milhes, 51% so pretos ou pardos (mestios). Vale lembrar que os indge-nas, sempre resistentes ao jugo da escravido, foram praticamente dizimados, restandoatualmente apenas 0,43% dos descendentes dessa populao originria que j foi atotalidade deste pas, e o pior, continuam a ser dizimados na atualidade. E, apesar dos

    direitos estabelecidos, as reservas tm sido alvo de disputa do agronegcio, da febre deconstruo de hidroeltricas e da especulao imobiliria.

    Em nossa pesquisa observamos que o mesmo tem acontecido com as comunidadesquilombolas e os povos tradicionais de matriz africana.

    Coletar (e registrar) histrias no apenas uma entrevista, mas um compartilhamentode referncias e experincias de vida e requer a empatia e a cumplicidade entre osenvolvidos.

    Conforme Benjamin (1993)2, A narrativa, na condio de modalidade especfica decomunicao humana, floresce num contexto marcado pelas relaes pessoais. O narra-dor algum que retoma o passado no presente na forma de memria; ou que aproximauma experincia situada num ponto longnquo do espao. A narrativa sempre remetea uma distncia no tempo ou no espao. Essa distncia mediada pela experinciapessoal do narrador.

    Como diz nosso amigo uruguaio, Nstor Ganduglia, quando a experincia vivida con-tada ela se articula e se reelabora com o presente, ao qual inclusive lhe d sentido. E mais,se chega ao ouvido do receptor porque tem a ver com o presente e com a vida tambm

    VILMA BARBANCOORDENAO DE PESQUISA DE CAMPOINSTITUTO DE POLITICAS RELACIONAIS

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    deste. O relato, a cada vez que acontece, uma reflexo e elaborao. Assim vai se reela-borando continuadamente.

    Evidentemente cada narrador ou comunidade nos levava para outros horizontes, dis-

    tintos dos nossos roteiros. E, embora tenhamos feito os registros em udio e vdeos,muitas vezes, quando lembravam fatos ou faziam elaboraes impressionantes e mag-nficas, no havia uma tecnologia mo.

    Reunimos muitas histrias contadas, das quais uma pequena parte toma forma nestelivro. Nossa gratido a todas as comunidades e pessoas, pela permisso do registro desuas memrias e pela generosidade com que nos receberam e o tanto que nos ensinaram.

    1 GANDUGLIA, Nstor. Pas de magias escondidas: Montevideo:Ed. Planeta, 2010.

    2 BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, So Paulo: Ed. Brasiliense,1993.

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    COMUNIDADES QUILOMBOLAS ECASAS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANAAs comunidades quilombolas e os povos tradicionais de matriz africana sempre foramformas de resistncia: anteriormente, ao jugo da escravizao; atualmente resistem para

    conservao de suas terras e seus espaos de vivncia e cultos, frente voragem daapropriao indiscriminada movida pelo chamado desenvolvimento econmico, e per-seguio religiosa por parte de igrejas cheias de preconceitos.

    COMUNIDADES QUILOMBOLASQuilombo uma palavra africana originada do quimbundo (ki lombo), ou do umbundo(ochilombo), lnguas faladas por povos bantos da regio de Angola e designava lugar depousoou acampamento.

    No Brasil, o termo passou a designar comunidades autnomas de negros, constitudasa partir de diversos processos.

    Estudos histricos que reviram o perodo escravocrata brasileiro constataram que osquilombos existentes no se limitavam apenas histria de negros rebeldes e fugidos,como tambm no necessariamente se encontravam isolados e distantes de grandescentros urbanos. As comunidades quilombolas se constituram a partir de processos

    diversos, que incluem as fugas com ocupao de terras livres e isoladas, as heranas,doaes, recebimentos de terras como pagamento de servios prestados ao Estado,simples permanncia nas terras que ocupavam e cultivavam, no interior de grandespropriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigncia do sistema es-cravocrata quanto aps sua abolio. Estes so os vrios tipos de incio de comunidadeque encontramos na pesquisa.

    Atualmente, a legislao brasileira adota o conceito de comunidade quilombola e re-conhece que a determinao da condio quilombola advm da autoidentificao, ou

    seja, depende de como aquele grupo se compreende, se define. Este reconhecimento fruto de uma luta rdua dos quilombolas e seus aliados, que se opuseram s vriastentativas do Estado de se atribuir a competncia para definir quais comunidades se-riam quilombolas ou no. Foi principalmente com a Constituio Federal de 1988 quea questo quilombola entrou na agenda das polticas pblicas. Fruto da mobilizaodo Movimento Negro e seus aliados, o Artigo 68 do Ato das Disposies Constitu-cionais Transitrias (ADCT) diz: Aos remanescentes das comunidades dos quilombosque estejam ocupando suas terras reconhecida a propriedade definitiva, devendo oEstado emitir-lhes os respectivos ttulos.

    Estima-se que existem mais de trs mil comunidades quilombolas no pas.1Cada qui-lombo se organiza, em geral com os terrenos familiares, e tem uma Associao, entidadecivil representante do conjunto e reconhecida juridicamente, que formalmente negociae acompanha o processo de regulao e pode acessar programas governamentais ouprojetos de financiamentos junto a outras instituies. Atualmente existe uma articula-o nacional, a CONAQ Coordenao Nacional das Comunidades Quilombolas, comrepresentaes em alguns estados, que se empenham na disseminao de informaes,

    na organizao dos quilombolas e dos debates e intervenes para o acesso aos direitos.

    um longo processo para obter esse reconhecimento legal como quilombo e mais

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    ainda a obteno de ttulo definitivo de posse (coletiva) da terra, que demanda umaquantidade de encaminhamentos burocrticos e h a sempre alegada falta de tcni-cos para dar conta de todos os processos. E ainda, no geral, envolvem inmeros con-flitos, pois as terras foram ocupadas por fazendas e empresas, ou so muito visadas

    pela especulao imobiliria.

    Alm disso, apesar de diversas polticas pblicas destinadas a essas comunidades, as in-formaes so fragmentrias, dispersas, e raramente chegam aos principais interessados.

    POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANAOs povos tradicionais de matriz africana so comunidades que preservam a viso demundo africana.

    Desde o sculo XVIII e principalmente no sculo XIX se tem registro de manifestaes depovos tradicionais de matriz africana no Brasil. Criados por negros que se reuniam para re-alizao de seus cultos, tambm significavam um meio de confraternizao, solidariedade emanuteno da memria coletiva, apesar da represso imposta pelas autoridades reinantes.

    Legalmente, os povos tradicionais de matriz africana, alm de espaos religiosos soreconhecidos por sua insero e atividade social ampla.

    Os espaos de prticas das religies de matriz africana so, no Brasil, no apenas locaisde culto religioso, mas tambm instrumentos de preservao das tradies ancestraisafricanas e de luta contra o preconceito e de combate desigualdade social. (...) em suamaioria, esto localizados em rea de vulnerabilidade social e caracterizam-se como es-paos de solidariedade, acolhimento e promoo de aes sociais para toda a populaoque vive em seu entorno. (MDS:2011, p.15)2

    Os povos tradicionais de matriz africana so espaos muito diversos, dependendo

    principalmente das condies de vida do responsvel e dos participantes. Geral-mente, quanto parte religiosa, so constitudos com barraces e/ou salas, ondese realizam os cultos e prticas religiosas, jardins ou plantas em vasos, locais deassentamento dos santos etc.

    Enquanto organizao interna da parte religiosa h uma hierarquia que se estabelece confor-me a responsabilidade e funo, sendo a autoridade espiritual e moral concentrada nos cha-mados Babalorixs ou Ialorixs (a palavra Iy do ioruba significa me, Bb significa pai).

    Mais recentemente, com a maior participao poltica, os povos tradicionais de matrizafricana criam associaes civis, centros sociais e culturais, reconhecidos legalmente,que possibilitam o acesso a polticas pblicas.

    Nas associaes civis a vivncia e as atividades desenvolvidas, como seminrios, cur-sos diversos, histria africana, dana afro, direitos humanos e religiosos, distribuiode cestas bsicas, atendimento sade, campanhas de aconselhamento sobre aids,telecentros, orientao jurdica etc., so pblicas, abertas a qualquer pessoa, indepen-dentemente de crena. Na parte social participam eventualmente os filhos da casa, masagregam tambm simpatizantes, interessados, muitas vezes estudantes e intelectuais,professores etc., geralmente em trabalhos voluntrios.

    1 Segundo o INCRA existem mais de trs mil. A Fundao Palmareslista (at meados de 2013) 2187 comunidades remanescentes dequilombos, das quais 1845 obtiveram certides de autodefinio.(http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2013/06/1--crqs-certificadas-ate-10-06-2013.pdf)

    2 Em Brasil. Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate

    Fome. Alimento: Direito Sagrado. Pesquisa Socioeconmica eCultural de Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro. Bras-lia, DF. MDS: 2011, p.15.

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    COMUNIDADE QUILOMBOLA MESQUITA

    ASSOCIAO RENOVADORA DO

    QUILOMBO MESQUITA

    Responsvel:Sandra Pereira BragaCaixa Postal 237 CEP: 72880-990

    Cidade Ocidental / GOT. (61) 9964-0425 / 3500-4981T. (61) 9934-9374 (Clia)[email protected]

    QUILOMBO CURIA ASSOCIAO DOS

    MORADORES DO QUILOMBO DO CURIA

    Responsvel:Jozineide ArajoRodovia do Curia, 3561 Curia

    CEP: 68909-023 Macap / APT: (96) 9111-4435 / [email protected]@hotmail.com

    ASSOCIAO DOS MORADORES E

    PRODUTORES RURAIS DAS COMUNIDADES

    DE MACUCO, MATA DOIS, PINHEIRO

    E GRAVAT APRONPIG

    Responsvel:Itamar Alves de SouzaPresidente:Andr Ferreira de MatosRua Santana, 45 CentroCEP: 39650-000 Minas Novas / MGT. (33) 9166-7900 (Itamar) / [email protected]

    IL IYABA OMI ACIYOMI

    ASSOCIAO AFRORRELIGIOSA E

    CULTURAL IL IYABA OMIResponsvel:Nalva Virginia de Almeida(Me Nalva de Oxum)Rua da Olaria, 34 Terra FirmeCEP: 66070-710 Belm / PAT. (91) 8199-4649 / [email protected]

    ASPAJA ASSOCIAO SANTURIO

    SAGRADO PAI JOO DE ARUANDAResponsvel:Rondinele dos Santos(Pai Rondinele)Rua Francisco Maguinolia, 1791 Santa Maria da CodipeCEP: 64012-470 Teresina / PIT. (86) 8802-3047 / 9966-7297 /9436-2723 / 8838-7771 / [email protected]@gmail.comhttp://aspajapi.blogspot.com.br/

    CENTRO MEMORIAL DE MATRIZ

    AFRICANA 13 DE AGOSTOResponsvel:Iy Vera Soares Dyoyalaj(Me Vera Soares)Rua Prof. Oscar Pereira, 6969

    Bairro Cascata CEP: 91712-320Porto Alegre / RST. (51) [email protected]

    EGBE ILE IYA OMIDAYE ASE OBALAYO

    Responsvel:Mrcia Dria Pereira(Me Mrcia de Oxum)Rua Dalmir da Silva, Lote 8

    Sacramento CEP: 24735-010So Gonalo / RJT. (21) 3605-1541 / 2724-5612 (Marilia)[email protected]@gmail.com

    IL AX OMIDEW

    Responsvel:Lcia de Ftima Batista deOliveira (Me Lcia de Oxum)

    Coordenador de Projetos:Leonardo FlariRua Alvorada, 175 QD 67 lote 456Planalto da Boa Esperana (Valentinade Figueiredo) CEP: 58.069-020Joo Pessoa / PBT. (83) 3212-7524 / 8724-7524 /[email protected]@hotmail.comwww.omidewa.com.br

    CENTRO CULTURAL ORNMILResponsveis:Paulo Csar Pereira deOliveira (Pai Paulo) e Me Neide RibeiroRua Ornmil, 100 Pq. IndustrialTanquinho CEP: 14075-810Ribeiro Preto / SPT.(16) 99129-5049 (Pai Paulo) /3974-7478 (Me Neide)[email protected]

    COMUNIDADES NEGRAS

    RURAIS DE CASTROResponsvel:Rozilda Oliveira CardosoLocalidade Serra do AponDistrito de Socavo Castro / PRT. (42) 9978-2713 / 8859-9415 /[email protected]

    COMUNIDADESQUILOMBOLASE CASAS

    TRADICIONAISDE MATRIZAFRICANA

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    COMUNIDADE QUILOMBOLAMESQUITA ASSOCIAO

    RENOVADORA DOQUILOMBO MESQUITA / GO

    CENTROMEMORIAL DE

    MATRIZ AFRICANA13 DE AGOSTO / RS

    ASSOCIAODOS MORADORES E

    PRODUTORES RURAISDAS COMUNIDADES DEMACUCO, MATA DOIS,PINHEIRO E GRAVAT

    APRONPIG / MG

    COMUNIDADESNEGRAS

    RURAIS DECASTRO / PR

    CENTROCULTURAL

    ORNMIL / SP

    EGBE ILE IYA

    OMIDAYEASE OBALAYO / RJ

    QUILOMBO CURIA ASSOCIAO DOSMORADORES DO

    QUILOMBO DO CURIA / AP

    IL IYABA OMI ACIYOMIASSOCIAO AFRORRELIGIOSA

    E CULTURAL IL IYABA OMI / PA

    ASPAJA ASSOCIAOSANTURIO SAGRADO PAI

    JOO DE ARUANDA / PI

    IL AXOMIDEW / PB

    18 | REGISTRO DA MEMRIA | SER NEGRO TORNAR SE NEGRO

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    18| REGISTRO DA MEMRIA | SER NEGRO, TORNARSE NEGRO

    REGISTRO DA MEMRIASER NEGRO, TORNAR-SE NEGRO

    SER QUILOMBOLA

    COMO VIVEM AS COMUNIDADES

    ESPIRITUALIDADE

    MEMRIA E IDENTIDADE

    2022

    26

    28

    32

    38

    CULTURA E TRADIOTAMBORZEIRO

    COMUNIDADES DO TAMBOR(Paulo Dias)

    AS ERVAS, AS CURAS, O A X E A NATUREZA

    5460

    64

    70

    POLTICAS PBLICASPARTICIPAO POPULAR

    CULTURA

    DIREITO DA TERRA

    REGISTRO OFICIAL DO QUILOMBO

    7684

    90

    94

    96

    Comunidade Quilombola Mesquita / GO

    Associao dos Moradores(Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravat) / MG

    Associao dos Moradores(Macuco, Mata Dois, Pinheiroe Gravat) / MG

    C t M i l d M t i Af i

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    ATIVIDADESDASCOMUNIDADES

    100

    RACISMO108

    PONTOS DE LEITURAMEDIAO E LEITURA: TECER OS PONTOS

    PONTOS DE LEITURA

    ACESSO LEITURA E ACERVO TEMTICO

    TRADIO ORAL

    116118

    124

    128

    132

    (Francisco Gregrio Filho)

    Centro Memorial de Matriz Africana13 de Agosto / RS

    Associao dos Moradores(Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravat) / MG

    ASPAJA Associao SanturioSagrado Pai Joo de Aruanda / PI

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    REGISTRODA MEMRIA

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    TEM UMA DIVINDADE NO

    BANTO, DO POVO BANTO, QUE SE

    CHAMA TEMPO, INTEMPO,

    E S ELE TEM A SOLUO

    PRAS GRANDES PERDAS, PRASGRANDES VITRIAS E PRAS

    GRANDES ESPERANAS, E NELE

    QUE EU ENTRO NA ONDA PRA

    VER, EU QUERO VIVER BEM MAIS

    UM TEMPO VIU, PRA FAZER MAIS

    UM POUCO A DIFERENA

    ME VERA SOARES,

    CENTRO MEMORIAL DE MATRIZAFRICANA 13 DE AGOSTO / RS

    O TEMPO PEDIU

    PRA FOLHA DANAR

    PRA FOLHA DANAR

    E NUNCA PARAR

    E SEMPRE CURAR O DIA

    DEMBWA,

    MSICA DE

    TIGAN SANTANA

    Associao dos Moradores(Macuco, Mata Dois, Pinheiro e

    Gravat) / MG

    Comunidades Negras Rurais de Castro / PR

    Quilombo Curia / AP

    22| REGISTRO DA MEMRIA | SER NEGRO, TORNARSE NEGRO

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    SER NEGRO,TORNARSE NEGRO

    SER NEGRO, TORNARSE NEGRO|REGISTRO DA MEMRIA |23

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    SABEMOS CANTAR E TEMOS A ALEGRIA QUE TALVEZ POVO NENHUM TENHA.Voc passa na rua e v aquela gente muito simples, muito negra na beira da orla marti-ma... E da, muita gente pergunta assim, por que aquelas pessoas esto rindo? Sorrindocom a situao delas... porque isso ningum pode roubar da gente: a alegria, a felici-

    dade, a dignidade. Ningum pode tirar isso da gente.MRCIA DRIA PEREIRA ME MRCIA DE OXUM, EGBE ILE IYA OMIDAYE / RJ

    a

    A GENTE J PENSA, NO, O NEGRO NO CHEGA L, no chega l, no chegal, mas eu acho que tem que cair a ficha, igual muitas pessoas j sabem que o negro tam-bm pode chegar no mesmo lugar que o branco chega, no tem assim diferena. maissofrido? , com certeza, mas que ele chega, chega. Quando o ministro (Edson Santos)

    apontou l, tipo assim, quando eu vi ele, para mim era como se eu estivesse vendo tipo umirmo, uma coisa assim da famlia. Agora se fosse uma pessoa branca, toda assim, coisaassim, ento, a gente tinha receio de chegar at ele. Mas, para mim, igual para muitaspessoas foi assim, mas para mim eu senti como se ele estivesse chegando em casa.JUCILENE SOIER, ASSOCIAO DOS MOR ADORES MACUCO, MATA DOIS, PINHEIRO E GRAVAT / MG

    a

    A GENTE EDUCADO PARA NO SER NEGRO. No meu caso, eu fui educado para noser uma pessoa negra. O que aparece na mdia? No livro didtico? Vocs j viram algum livrodidtico que tivesse uma boneca negra? Aparece a figura branca, quando aparece uma figuranegra de porte subalterno e esto apanhando, esto sofrendo. uma estratgia. Com esseprocesso da lei de (1888) comeou a convencer eles e elas a dizer que quilombola, entoeu sou quilombola, eu sou negro, mas o que acontece conosco, negros e negras urbanos?RUIMAR BATISTA, ESCRITOR E PESQUISADOR, ASPAJA ASSOCIAO SANTURIO SAGRADO PAI

    JOO DE ARUANDA / PI

    a

    PELA HISTRIA QUE A GENTE CONHECE E VEIO A CONHECER DEPOIS, quandons fundamos a associao, a gente nem sabia ainda que a gente era remanescente doquilombo. Depois, mediante as histrias, a gente disse sabe de uma coisa, isso o quens somos, de onde que ns viemos? Ns no somos portugueses, tem que ser ndio oudescendente de quilombo, ou dos escravos. Depois, com o andar da carruagem, a gentefoi descobrindo, ns tambm viemos de l, somos descendentes, somos remanescentesdo quilombo; porque no somos ndios.

    SR. GERALDO BARROSO, ASSOCIAO DOS MORADORES MACUCO, MATA DOIS, PINHEIRO E GRA

    VAT / MG

    a

    ENTO EU J NASCI NESTE SEIO DA CULTURA NEGRA MUITO FORTE, com ainiciao dos meus pais e depois a gente veio com este trabalho cultural, que a gentetava aqui envolvida 100%, desde quando chegou a capoeira aqui. A gente foi entenden-do a importncia de participar, ento foi tudo muito natural e a gente foi criando razestambm e hoje transmite um pouco do conhecimento que a gente teve.RENATA RIBEIRO, COORDENADORA/PRESIDEN TE DO CENTRO CULTURAL ORNMIL / SP

    VOCS J VIRAM

    ALGUM LIVRODIDTICO QUE

    TIVESSE UMA

    BONECA NEGRA?RUIMAR BATISTA, ESCRITOR

    E PESQUISADOR, ASPAJA

    ASSOCIAO SANTURIO

    SAGRADO PAI JOO DE ARUANDA / PI

    Foto pg. 18:Maria Nunes Rodrigues, Associao dos Moradores

    (Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravat) / MG

    24| REGISTRO DA MEMRIA | SER NEGRO, TORNARSE NEGRO

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    a

    UM PONTO CURIOSO QUE ASSIM, nem na minha famlia tinha tanta vivncia

    negra como tem hoje, hoje eu consegui incrementar mais, porque as pessoas seassumem negro, antigamente ah, eu sou moreninho, sou meio branquinho, hojeno, as pessoas da minha famlia no, falam: Oh! Eu sou negro.MAICON, RDIO ORNMIL, CENTRO CULTURAL ORNMIL / SP

    a

    EU SOU ENGENHEIRO AGRIMENSOR, ento eu ia fazer pesquisa em engenharia, clcu-lo numrico; de repente eu ia para a histria, livro do Abdias Nascimento (...) Jlio Romo,

    descobri Joo Cndido (...) ento eu descobri e foi sem querer, eu estava fazendo umestudo (...) eu tambm descobri o Zumbi a eu disse ah, eu sou negro.RUIMAR BATISTA, ESCRITOR E PESQUISADOR, ASPAJA ASSOCIAO SANTURIO SAGRADO PAI

    JOO DE ARUANDA / PI

    a

    NS TEMOS QUE FAZER COM QUE ESTA SOCIEDADE RECONHEA quem real-mente ns somos, oriundos, africanos que vivemos e nascemos no Brasil, mas temosa nossa etnia, temos a nossa histria, temos a nossa origem e temos a nossa viso demundo. J nos apelidaram de n coisas, j fomos povo de santo, fomos afrodescen-dentes, ns fomos me de santo, sacerdotisa, sacerdote, pai de santo, cacique nosei do qu, qualquer coisa, menos o que realmente ns somos. A nossa f um valorcivilizatrio; no uma religio, no uma bblia, uma hstia, no nem o smbolo dequalquer outra religio, mas ns temos uma maneira prpria de viver e o terreiro o quemantm isso, este espao que a gente insiste, reafirma de chamar de terreiro.ME VERA SOARES, CEN TRO MEMORIAL DE MATRIZ AFRICANA 13 DE AGOSTO / RS

    a

    ELES NO CONHECEM A HISTRIA DELES e isso me chamou muito a ateno, elesno sabem nada da origem deles, tudo muito solto. Ento eu tenho um grupo aqui emcima que digo assim: No! Mas tua famlia, t l na Serra do Apon. No, mas euno conheo, eu nasci aqui em Castro. Eles acham que nasceram aqui em Castro, maseles no ligam as famlias, tm os mesmos nomes, os mesmos sobrenomes, mas elesno acham que so parentes e eu encontro a mesma parentela aqui do lado e do outro e

    na Serra do Apon e no Limito, e, ento pra gente fica at meio difcil porque eles no sereconhecem. Ento, eles no tm uma coisa assim, eles no conhecem a histria, elesno sabem, esto aprendendo a ser negro porque a gente t dizendo: voc quilombola,voc negro, voc isso, e os negros faz isso, faz aquilo, mas eles cresceram no meiodos holandeses, trabalhando pros holandeses. Esto naquela conscincia de que vocno pode nada e vocs s podem at aqui, e voc tem, come o que tem ali, eles no tmuma comida prpria, eles no sabem. A Dona Vani que conta do av dela, mas nem elalembra do que realmente eles comiam, do que eles viviam, do que eles... ento a genteque fica criando a histria pra eles.PROFA. RIZALVA DE BARROS E SILVA, COLABORA COM AS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS DE

    CASTRO / PR

    EU SOFRI PRECONCEITODENTRO DA ESCOLA,

    MAS NO S POR SER

    NEGRO, SER DA PERIFERIA,

    MAS EU NO ME SENTIA

    ALI ACHADO COMO UM

    SER HUMANO, DENTRO

    DAQUELE ESPAOMAICON, RDIO ORNMIL,

    CENTRO CULTURAL ORNMIL / SP

    SER NEGRO, TORNARSE NEGRO|REGISTRO DA MEMRIA |25

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    EU TENHO CERTEZA QUE AQUI O AX S VEIO CONFIRMAR o que eu j nasci,porque minha me negra e meu pai branco, filho de italiano, bem branco mesmo.

    Sou crescido num ambiente que meu tio tocava, queria tocar samba. E teve uma po-ca que eu era muito fissurado em carnaval e este meu tio desfilava, quando moravaem So Paulo e meu av e eu fui saber h pouco tempo atrs que a me dele era mede santo e que este meu av era og. ... s vem confirmar o que j nasceu comigo, en-to eu nunca tive problema de aceitao, nunca tive problema nenhum, pelo contrrio.RAFAEL, MEMBRO DO EGB AH A Y MESAN ORUN, CENTRO CULTURAL ORNMIL / SP

    a

    O QUE ME IDENTIFICOU MESMO, EU ENCONTREI MINHA ANCESTRALIDADE, foi aque me marcou assim e eu falei: Nossa! Essa minha vida, assim que eu vivi, ento assim que eu tenho que viver, e foi isso que me identificou. Ento por isso que a genteest aqui at hoje. Eu vivia num espao totalmente preconceituoso, que eu sa da escola naverdade por este motivo. Eu sofri preconceito dentro da escola, mas no s por ser negro,ser da periferia, mas eu no me sentia ali achado como um ser humano, dentro daqueleespao. ... tanto que quando eu voltei para a escola j cheguei questionando: Olha, porque no tem... a histria dos negros aqui? No esta histria dos livros. Ento a partir doOrnmil eu comecei a conhecer mesmo a minha verdadeira histria, minha histria negra

    e a comecei a questionar, levei atividades negras pra escola...MAICON, RDIO ORNMIL, CENTRO CULTURAL ORNMIL / SP

    Quilombo Curia / AP

    X

    26| REGISTRO DA MEMRIA | SER NEGRO, TORNARSE NEGRO

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    SER QUILOMBOLA

    Associao dos Moradores(Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravat) / MG

    SER QUILOMBOLA|REGISTRO DA MEMRIA |27

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    MEU NOME JUCILENE ALVES COSTA SOIER, eu tenho vinte e oito anos, eu sou ca-sada, eu tenho trs filhos e eu moro aqui na comunidade do Macuco desde que eu nasci.Eu nasci aqui e moro aqui. Ser quilombola assim, pode ser tanta coisa, poder a genteter orgulho da cultura da gente, saber que a gente mora num territrio que foi o lugar, que

    foi onde comeou a famlia, comeou a era escrava (...) ser conhecido como quilombola,a gente no sabia esse termo ainda, quilombola, essas coisas. Mas j sabia que de umaforma ou de outra, vamos dizer assim, no vamos dizer que a gente diferente, mas agente j sabia que era de uma raa diferente do que a outra. Ento, j sabia que a gente eraquilombola, mas no tinha assim esse conhecimento e com esse reconhecimento mudoumuita coisa porque, igual mesmo hoje, quando voc vai fazer uma faculdade. Antigamenteno tinha isso, agora hoje voc j pode entrar nas cotas raciais, voc j tem chance deconseguir vaga. Igual, vamos supor, se tem cem alunos, antigamente tem dois, trs negros,com certeza aqueles negros no iam conseguir, e hoje no, hoje j tm aquelas vagas ali

    que j so reservadas para os negros. Mas assim, eu acho que essas cotas raciais, tambm de uma forma ou de outra ainda est mostrando aquela diferena porque se dividiu aliquer dizer que os negros no tm capacidade de, vamos supor, de disputar aquelas vagasl, que so para todo mundo. As cotas raciais bom porque a gente tem aquele caminhoali que consegue, de uma forma ou de outra a gente acaba, ... mas, vamos dizer que ali agente menor, a gente tem menos capacidade.JUCILENE SOIER, ASSOCIAO DOS MORADORES MACUCO, MATA DOIS, PINHEIRO E GRAVAT / MG

    B

    SER QUILOMBOLA PRA MIM UM MOTIVO DE ORGULHO que eu tenho, porque agente conhece um pouco da tradio da histria do Mesquita, eu acho que a pessoa queno quer ser quilombola, ela nunca tentou aparecer aqui, ela nunca soube realmente oque um quilombo, o que uma tradio do povo, a pessoa que no entende (...). Quea pessoa que sabe uma tradio, participa de coisas da comunidade, a pessoa fica maisativa, fica mais sabida. Eu sou uma pessoa de pouco estudo, s fiz o primeiro ano do se-gundo grau, mas assim aqui a pessoa quilombola nem que ele no tem estudo nenhum,

    mas so pessoas de boa formao, pessoas educadas, porque naquela poca os nossospais no tinham estudo nenhum, mas eles educaram a gente, educao nossos pais de-ram pra ns. Eles falaram: meu filho, eu no tenho condio de te dar um estudo, masvou te dar uma coisa pra voc, que vai transformar melhor do que um estudo, voc temeducao, voc sabe entrar, sabe sair de qualquer lugar, em qualquer pas. Nesta partea gente agradece. Naquela poca eu no tinha condio de manter um estudo, mas aeducao era em primeiro lugar.DIVINO XAVIER DA SILVA, COMUNIDADE QUILOMBOLA MESQUITA / GO

    NO VAMOS DIZERQUE A GENTE

    DIFERENTE, MAS

    A GENTE J SABIA QUE

    ERA DE UMA RAA

    DIFERENTE DO QUE

    A OUTRA. ENTO,

    J SABIA QUE A GENTE

    ERA QUILOMBOLAJUCILENE SOIER,

    ASSOCIAO DOS MORADORES MACUCO,

    MATA DOIS, PINHEIRO E GRAVAT / MG

    28| REGISTRO DA MEMRIA | SER NEGRO, TORNARSE NEGRO

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    COMO VIVEMAS COMUNIDADES

    Comunidade Quilombola Mesquita / GO

    COMO VIVEM AS COMUNIDADES|REGISTRO DA MEMRIA |29

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    A COMUNIDADE DE MACUCO UMA COMUNIDADE muito prxima aqui da cidadee elas so praticamente, so quase 100% pessoas de pele negra, so negros. Porquea gente trabalha a questo das comunidades tradicionais no pela cor da pele, pelaidentificao mesmo. Mas a questo da comunidade Macuco, como Gravat, Pinheiro eMata Dois, que esto ali no entorno, a maioria das pessoas so negras mesmo e isso uma coisa que o nosso municpio aqui, por mais que tenha comunidade e tenha mani-festaes culturais fortssimas com os negros participando, ainda h uma certa parcela

    da sociedade que ainda so racistas com as comunidades Macuco, aqui bem pertinho.O histrico da comunidade o seguinte: quando a gente comeou a trabalhar l, eramcerca de sessenta, setenta famlias associadas a uma associao, poucas famlias par-ticipavam das atividades dessa associao. E a gente comeou a trabalhar essa ques-to da importncia da comunidade se autorreconhecer, a importncia da comunidadequilombola, a importncia dos programas tambm que tinham e o pessoal comeou aentender que seria importante e comeou ento a participar muito mais. A partir daa comunidade hoje uma comunidade com mais de duzentas famlias associadas, so

    quatro comunidades na associao, que Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravat. Be-nefcios, conquistas, alm das pessoas tomarem mais conscincia da importncia delas,se identificarem como pessoas que tenham um p no Brasil e outro l na frica, quens somos negros mesmos, que ns somos afrodescendentes, que eles entenderemisso. Quer dizer, eles tinham vergonha da cor da pele e hoje j no tm mais, voc podeperceber que eles j no tm mais essa vergonha de serem negros. Mas vieram as con-quistas sociais, foi a prpria organizao da associao, a nica associao aqui querecebeu j dois ministros de estado, que j visitaram.ITAMAR ALVES DE SOUZA, ASSESSOR DA ASSOCIAO DOS MORADORES MACUCO, MATA DOIS,

    PINHEIRO E GRAVAT / MG

    D

    O CURIA, QUE ERA A MATA DA PICADA, por causa da histria de como surgiu, quequando os antigos escravos vieram pra c, quando Francisco Incio... vieram perambu-lando a cavalo e se embrenhou nesta mata e fez um pique pra varar do campo, que oque a gente chama aqui pro lago de Marabaixo. Ento era uma mata muito grande e elefez o pique e a gente cresceu escutando a histria que dobrava de picada. Isso era uma

    diviso natural porque existia uma mata que dividia o Curia de baixo e o Curia de fora.SR. SEBASTIO SILVA, QUILOMBO CURIA / AP

    ASPAJA AssociaoSanturio Sagrado Pai

    Joo de Aruanda / PI

    30| REGISTRO DA MEMRIA | COMO VIVEM AS COMUNIDADES

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    DIFICULDADES TODAS ELAS TM, mas assim a sobrevivncia das pessoas nas co-munidades, por exemplo, Serra do Apon, tm mais pessoas aposentadas, e os filhos,os netos vivem desta renda, tambm tem o bolsa-famlia, e trabalho da roa em geral,milho e feijo, o que eles sabem fazer. Serra do Apon tem em torno de 60 famlias, 55a 60 famlias cadastradas conosco, nem todas so remanescentes cadastradas nestaassociao, nem todas. s vezes a prpria pessoa no aceita o cadastramento, nemtodas a gente sabe que so das famlias, mas nem todas esto cadastradas. Tem es-colinha primria, mas vem pro Socavo, tem transporte escolar, s que a estrada, meiorural de pssima, choveu, s vezes tambm fica sem transporte. As condies de guatambm precrio, Posto de Sade tambm, um posto central que fica no Socavoe l tem uns minipostinhos que eles chamam de Ponto de Atendimento Mdico, masque vai uma vez por ms ou a cada dois meses que o mdico vai. No Limito a mesmacoisa, as pessoas so boia-fria, trabalho braal. Tem 22 a 28 famlias cadastradas. NoLimito so mais aposentados e as pessoas trabalham na roa, escolinha tambm notem pra comunidade, vm pra So Lus do Machado. O transporte escolar se choverno vem, estrada ruim, tambm a gua precria, no tem poo artesiano eles quepuxam do jeito que d, da nascente. Fica um ncleo no Socavo, no Serra-Azul e outro

    na Imbuia, so assim: Pinhalzinho, Pinhal Grande, gua-Morna, Imbuia, Barra. Socinco ncleos, em cinco localidades diferentes, bairros diferentes que ficam as famlias territrio quilombola s o territrio de gua-Morna ou Ribeiro do Meio, gua-Morna(Comunidade dos Mams) a mesma coisa. Hoje l no interior tem umas 20 famlias,mas somando todas estas, os remanescentes, as pessoas que s vieram morar l pracidade, so umas 30 famlias. O quilombola trabalha pra comer, o sustento bsico eisso o que a gente vem batalhando pra mudar esta histria, pra poder ter mais, maisnimo, mais local de plantao. Mora l no terreno do vizinho, que morou a vida inteira,mas o vizinho comprou o terreno dele, trocou por abbora, por porco ou por alguma

    coisa, o terreno dele, e ele ainda trabalha para o outro.ROZILDA CARDOSO, COMUNIDADES NEGRAS RURAIS DE CASTRO / PR

    Fotos pgs. 26 e 27:Associao dos Moradores

    (Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravat) / MG

    COMO VIVEM AS COMUNIDADES|REGISTRO DA MEMRIA |31

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    32| REGISTRO DA MEMRIA | SER NEGRO, TORNARSE NEGRO

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    ESPIRITUALIDADE

    ESPIRITUALIDADE|REGISTRO DA MEMRIA |33

    NO ENTENDO QUE CANDOMBL SEJA UMA RELIGIO i d d

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    NO ENTENDO QUE CANDOMBL SEJA UMA RELIGIO. uma viso de mundo,uma forma de ser colocada, de resistncia, (...) um modo civilizatrio.ME VERA SOARES, CENTRO MEMORIA L DE MATRIZ AFRICANA 13 DE AGOSTO / RS

    N

    OLHA, TEM MUITAS IGREJAS... as igrejas evanglicas nas comunidades esto influen-ciando bastante, so poucas as pessoas que falam assim: Ah! Eu sou macumbeiro!Ningum fala muito, nossa famlia que fala mesmo e eu no estou nem a para o que elesfalem. A minha famlia ela , ela tem uma rvore toda dentro da Umbanda, antigamentechamava de feiticeiro Brache, os antigos chamavam de feiticeiro, porque no sabia o queera Umbanda, se aquilo era ou no da religio da Guiana Francesa. Tem os Tamaracas,a Umbanda, os Curadores, que tm uma influncia muito grande e mais o Preto Velho. O

    povo das comunidades discrimina muito, pois recebeu influncia muito grande da igrejaevanglica, dos catlicos, transformando os Quilombos. S tem uma comunidade que decabo a rabo, do menor ao maior, que afrorreligioso, que da Umbanda, o Tambor de Mina.NBIA DE SOUZA, CONAQ, SOBRE QUILOMBO CURIA / AP

    N

    DA MINHA BISAV, TEREZA. ELA TINHA UM TRAO MUITO FUNDAMENTAL quea gente percebia por conta at das coisas que ela usava. Ela fumava um cachimbo,

    alguns deles faziam cigarro de palha. Teve algum da minha famlia que teve terreiro.Essa foi uma tia minha, chamava Luzia, ela era irm do meu pai. Ento so pessoas quetinham dom e ela chamava Luzia, eu conheci, ela tinha terreiro, ela formou um terreirol em Belo Horizonte e veio e montou ele aqui, nisso ela teve um bom seguimento deterreiro. A a famlia dela cresceu, andou morrendo alguns, ficou uma filha dela e aresolveu no dar seguimento, pulou, passou a ser crente e a acabou. Mas aqui mesmoem Minas Novas tem uns terreiros por a.MESTRE ANTONIO BASTIO, ASSOCIAO DOS MORADORES MACUCO, MATA DOIS, PINHEIRO E GRAVAT / MG

    N

    HOJE EU ATENDO COMO ME DE SANTO, tenho meus clientes, eu fao algumasBag, Oy, mas eu s fao interno, eu no fao publicamente. Hoje, o pessoal prestigiamuito e me respeita graas a Olorun. Ultimamente eu cedi e abri o espao pro CentroCultural, ento agora ficou tudo junto, a gente no tem outros espaos, ento tudoacontece aqui, tudo aqui e permitido. Oy que a dona da casa permitiu, ento tudobem, eles entraram e eu fiquei mais acanhada.

    ME NEIDE RIBEIRO, EGB AH A Y MESAN ORUN, CENTRO CULTURAL ORNMIL / SP

    N

    O TERREIRO UM ESPAO QUE ACOLHE, um espao onde a discriminao nopesa, onde o preconceito na realidade no existe; e tambm no tem aquele olhar espe-culador de quem tem dinheiro e de quem no tem. O terreiro um espao que recebetodas as pessoas, porm, at uns 15 ou 20 anos atrs eu no tinha essa conscincia,fazia por instinto, fazia por tarefa, por amor ao prximo e porque tinha uma doutrina,

    tinha uma educao dentro da ento religiosidade, de um passado, que hoje a gentereporta isso, enquanto um passado benfico na nossa histria e que nos fez chegar at

    Centro Memorial de Matriz Africana 13 de Agosto / RS

    Me Vera Soares, Centro Memorialde Matriz Africana 13 de Agosto / RS

    34| REGISTRO DA MEMRIA | ESPIRITUALIDADE

    aqui E em muitos terreiros como o meu at anos atrs no sabiam desse papel no

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    aqui. E em muitos terreiros como o meu, at anos atrs no sabiam desse papel, notinha conscincia do que se faz para essa sociedade, quantas vezes ns fizemos papelde educadores, papel de mdicos, psiclogos, psiquiatras, porque a gente lida com todoe qualquer tipo de pessoa. Mas os tempos e a prpria orientao imaterial, ou seja, dasnossas divindades vo nos estimulando e soprando atravs de fatos, que aquilo tem umpapel, tem uma fora e tem um nome, que so as aes afirmativas. Hoje se discute isso.ME VERA SOARES, CEN TRO MEMORIAL DE MATRIZ AFRICANA 13 DE AGOSTO / RS

    N

    NOSSA RELIGIO, ELA UMA RELIGIO QUE ACOLHE, ela a que acolhe mais,porque quem chega na nossa porta, no estamos preocupado com quanto ganha, nemquem e nem o que faz, mas v ali o ser humano que chegou precisando de alguma

    coisa, precisando de alguma palavra, especialmente de uma palavra, de se sentir aco-lhido, que s vezes no tem na famlia. Chega aqui e s vezes no nada, s falta deateno, de dilogo, de algum para escutar aquela pessoa. s vezes a pessoa est toperturbada, s faz conversar e eu fico s escutando, porque est precisando que alguma escute e tambm que algum fale para ela. Ento a gente tem que ter uma responsa-bilidade muito grande de saber separar quando espiritual, quando no .ME LCIA DE OLIVEIRA, IL AX OMIDEW / PB

    N

    O CANDOMBL ANTI TUDO QUE NOS OPRIME. Apesar de ser uma religio hierr-quica, essa hierarquia no faz com que se menospreze o outro. Ento, o valor do abi omesmo do ebomi, porque o abi, ele se tornar um ebomi. O ebomi respeita o abi que apessoa que ainda est dando os primeiros passos dentro do terreiro, como o abi respeitao ia e o ebomi e assim sucessivamente, porque a gente respeita o ser humano. Ento,quando diz, a minha casa matriarcal, certo, mas no deixa de respeitar o homem, osalabs os que tocam para o orix, o xogum que faz o sacrifcio, a emulao, um grandepai, os ogs, eles so nossos pais, a gente respeita como filho e como pai. No existea separao, existe o respeito, um respeito mtuo pelo sexo do homem e pelo sexo damulher, a questo do gnero respeitada dentro da nossa casa. Ns respeitamos todos,todas as pessoas dentro da religiosidade so importantes, no existe uma mais importantedo que a outra. Dentro da hierarquia cada um est dentro do seu grau e sabe como seconduzir e fora da hierarquia sacerdotal so seres humanos que merecem respeito, mere-cem cuidados, merecem ateno.ME LCIA DE OLIVEIRA, IL AX OMIDEW / PB

    N

    OS JOVENS NO TERREIRO NO SO IRRESPONSVEIS, porque desde cedo elestm a responsabilidade com o divino, com o sagrado. Do zero ano ao fim da sua vida,em todas as etapas da sua vida, voc tem algo a fazer no terreiro. Quando voc crianavoc brinca de ser grande, de ter a responsabilidade dos menores com os maiores. Agente entende que dentro do terreiro tudo sagrado, o lavar, a terra, o passar, o arrumaros santos, o cuidar, o terreiro tem essa coisa do cuidar, do acolher. O trabalho que nstemos ultrapassa as portas do terreiro. No existe eu vim aqui orar e ir embora, ns no

    fazemos uma casinha ali pra recolher 500 jovens, no, mas se ns podemos salvar 20,bem salvos at a escola, at a universidade, fazemos a nossa parte. Tem um a e eu vi queIl Ax Omidew / PB

    ESPIRITUALIDADE|REGISTRO DA MEMRIA |35

    ele tinha mais tendncia musicalidade os tambores faziam o efeito nele e ele fica na

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    ele tinha mais tendncia musicalidade, os tambores faziam o efeito nele, e ele fica naconversa, ele no sai daqui, ns estamos aqui pra te ajudar, ns damos a casa pra ele eno uma casa separada para ele, no uma casa de menores infratores, vo pra algumlugar, no. a nossa casa. Por que que o terreiro no pode ter 3.000 fiis, 4.000 fiis?Porque a gente d a ele comida, cama, abrao, beijo, a gente chama a ele de filho, ningumolha diferente porque ele tava ali na rua. No d para fazer isso com todos. Um terreirono tem condies de fazer isso com todos, mas com o que ns podemos, ns fazemos.MRCIA DRIA PEREIRA ME MRCIA DE OXUM, EGBE ILE IYA OMIDAYE ASE OBALAYO / RJ

    N

    ENTO EU ME LEMBRO QUE QUANDO EU COMECEI NUNS TERREIROS muito humil-des, at a me de santo passava necessidade, mas no dia de festa, todo mundo se reunia

    para levar a sua contribuio, para depois da festa ter o que comer. No s os orixs. A priorios orixs recebem as oferendas e a gente se alimenta da prpria oferenda do orix porquealimenta o corpo e a alma. O esprito se alimenta daquela oferenda, porque depois que aquelaoferenda sacralizada, ela passa a ser um alimento sagrado e dividido com a comunidade.Ento ela vai agir de duas formas: sagrado e tambm humano, uma ritualstica muito boni-ta, a nossa hstia um alimento oferecido ao nosso orix; no outro dia est tudo bonitinho,tudo cheirosinho, o orix divide o alimento dele com os humanos.ME LCIA DE OLIVEIRA, IL AX OMIDEW / PB

    N

    COMEOU DESDE QUE EU NASCI, DESDE A MINHA AV. Quando eu nasci minhame e minha av j trabalhavam; cresci com isso, s que minha av era aqui de Pena eMarac, tambm danava Tambor de Mina. Este terreiro de Iemanj e de heranae no toa que o nome Casa da Me das guas, por conta de Iemanj e de minhame Oxum, que acabou abrindo mesmo foi com o meu Orix. Quando eu recebi meuDek eu dizia muito pra minha me de santo: Eu no quero ser me de santo, noquero. Mas, minha filha, foi feita pra tomar conta das coisas da sua me, os orixs quedeterminaram assim, t? Quando aconteceu que no teve jeito, que eu recebi, eu me videntro do Il, me de santo, Ialorix mesmo, com toda esta responsabilidade, eu fui nop da minha me Oxum e conversei com ela, eu chorei muito e disse: Minha me, asenhora no quer ver sua filha infeliz... eu no quero, eu no quero ficar, s isso, me desanto. Eu quero fazer parte desta sociedade, contribuir, de alguma forma, contribuir eraesta a palavra , eu queria contribuir de alguma forma, eu no queria ficar s... Assimeu era tola, uma me de santo nova mesmo. E com pouco tempo eu recebi um conviteda Avelina, do Maranho, se eu queria participar de uma oficina, e esta oficina era uma

    capacitao da Rede de Religies Afro-brasileiras e Sade. E eu fui e neste tempo aindaera um projeto, ainda no era a rede e depois cresceu tanto o projeto, que virou rede.Comeamos, era tudo novinho, e da trouxe pra c, peguei, gostei e me senti til e nempercebi que eu estava trabalhando para o povo de terreiro. Eu demorei muito para en-tender isso, eu estava fazendo um trabalho e pra povo de terreiro, e eu disse pra minhaIalorix: Minha me, nem sei o que minha me Oxum quer comigo! Porque elesbrincavam que eu vivia muito nesta vida social. E assim meu trabalho era muito e temque ir assim, buscando polticas pblicas para o povo de terreiro e eu fui. A minha Ialorixtem sabedoria... A velha tem sabedoria, e eu disse: verdade eu estou tambm prestando

    servio ao Orix quando estou prestando servio comunidade e ao povo de terreiro.ME NALVA VIRGINIA ALMEIDA, IL IYABA OMI ACIYOMI / PA

    ENTO A GENTE

    TEM QUE TER UMA

    RESPONSABILIDADEMUITO GRANDE DE

    SABER SEPARAR

    QUANDO ESPIRITUAL,

    QUANDO NO ME LCIA DE OLIVEIRA,

    IL AX OMIDEW / PB

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    AS CRIANAS QUE NO SO DE CANDOMBL, eu percebo quando elas chegamaqui, e talvez no de segmento nenhum religioso, os pais levam as crianas pra seremcriadas pelo psiclogo, do remdio antidepressivo, simplesmente eles no sabem edu-

    car: as crianas no chamam mais o mais velho de senhor, no pedem a licena. Veja setem alguma criana aqui nos incomodando! Ele no est preso em algum lugar, ele estl brincando com bonecas, porque ele sabe que criana, a funo dele de criana.Mas eles sabem quando a gente chama e no precisa usar fora para isso, isso educar.O que moderno? A pessoa no aprende isso quando ele vai trabalhar numa empresae o patro exige que chame de senhor, mas ele chama tambm voc? Ele cresceu cha-mando o pai, a me, o tio e o av de voc, ele no tomou a bno, ele no pede dlicena na casa dele e obviamente vai replicar isso na sociedade, no trabalho. Agora,se ele criado no terreiro, ele aprende isso como educao de base, olha quanto um

    terreiro pode ajudar uma escola ou os educadores que abriram mo disso tudo.MRCIA DRIA PEREIRA ME MRCIA DE OXUM, EGBE ILE IYA OMIDAYE ASE OBALAYO / RJ

    Egbe Il Iya Omidaye As Obalayo / RJ

    ESPIRITUALIDADE|REGISTRO DA MEMRIA |37

    QUANDO EU CHEGUEI NA COMUNIDADE, NS TNHAMOS DIVERSOS JOVENS

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    que eram do mundo da criminalidade, que usavam drogas e hoje eles no usam maisdrogas. E a o preto velho disse vocs precisam ocupar a mente deles com alguma coi-sa e ns criamos o grupo Afro Cultural (ABA). ABA significa esperana, na linguagemioruba. A partir da ns comeamos a desenvolver este projeto de canto, dana, toquee percusso e, alm disso, tinham as oficinas de esttica negra, que era trabalhar aquesto de tranados, as formas negras de se vestir, de amarrados, os colares, moda depinturas negras, enfim, fazer esses adereos. Ento tudo isso pra gente trabalhar umpouco a sua identidade daquilo que combina com a negritude. Criamos o Movimento deJuventude de terreiro no Estado.PAI RONDINELE DOS SANTOS, ASPAJA ASSOCIAO SANTURIO SAGRADO PAI JOO DE ARUANDA / PI

    N

    ENTO O QUE EU QUERO DIZER, QUE O TERREIRO TEM UMA PARTE muitopesada na sociedade, que a sua experincia poderia muito ser replicada e as pessoasparecem no querer enxergar isso. Aqui em casa deve ter uns 30 a 40 jovens iniciados,dos 30 a 40 s nos anos que eu tomo conta da casa da minha me, ou at mais. Nsperdemos dois pra mortes, eu acho que um ndice bem baixo, em se tratando de

    jovens de comunidade. Um terreiro no consegue abraar mais do que isso, da gentebotar criana aqui que a me no consegue levar pra escola, ele dorme aqui e eu acordoele seis horas da manh, pra escola vem, faz a parte religiosa, volta e toma a bno,

    no olha nem pro rosto e descer pra escola; e amanh voc volta depois da escola, ficarno terreiro. Quando eles chegam aqui eles no querem mais voltar.MRCIA DRIA PEREIRA ME MRCIA DE OXUM, EGBE ILE IYA OMIDAYE ASE OBALAYO / RJ

    Ritual Afro

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    MEMRIAE IDENTIDADE

    Dona Josefa, Quilombo Curia / AP

    MEMRIA E IDENTIDADE|REGISTRO DA MEMRIA |39

    EU BENZO DESDE CRIANA. Eu trabalhei foi em roa mais em roa, trabalhei noC h d b ( ) d

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    Curia, mais em roa, os homens roavam, derrubavam, a (...), o mato secava, quandobotavam fogo, a cada um ia construir a sua roa. Eu tinha trs irms, cada uma tinhaseu pedao pra morar e plantar. Ah! Trabalhava bem, em roa, tudo que a gente plan-tava, a gente tinha.D. TEREZA DOS SANTOS, 107 ANOS, QUILOMBO CURIA / AP

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    A GENTE FAZ SEGURANA ALIMENTAR desde que essa religio chegou ao Brasil,desde que os negros chegaram aqui foram criados inclusive pratos. Por exemplo, afeijoada era tudo aquilo que o senhor de engenho no comia. Ento, as carnes de altaqualidade e a parte do boi toda ia para o senhor de engenho, mas as vsceras, as patas

    que a gente faz o mocot hoje, foi tudo criado pelos africanos que chegaram aqui. Ele fa-zia do mocot, no jogava fora nada, enquanto o senhor de engenho jogava no rio paraalimentar os peixes, eles pegavam e tiravam para botar para cozinhar, para se alimentar,porque a rao que davam era muito pouca para a quantidade de trabalho que eles ti-nham. Ento eles faziam aquele trabalho de matar o boi, entregar a carne para o senhore as vsceras e o que o senhor no queria, a cabea, as patas, eles usavam como fontede protena e de fora para aguentar o trabalho do canavial, do cafezal. Ns no tivemosescravos, ns tivemos pessoas que saram livres da frica e foram escravizados aqui,na dispora, foi no Brasil. Mas o Brasil, eu acho que foi onde foi feito a pior condio de

    escravatura foi aqui. Eu no sei porque a falta de humanidade aqui, o colonizador, ele foimuito ruim mesmo, perverso com o povo negro. Eles tratavam meus ancestrais comomercadorias, mas eles no tinham nem pena de perder aquela mercadoria por maldademesmo, por instinto ruim mesmo. Isso me deixa triste. Algumas pessoas do movimentonegro dizem que tm que esquecer isso, ns no podemos esquecer, se esquecera nossa histria, vamos deixar que legado? Quer dizer, se no lembrar essas agruras,desse nosso povo ancestral que deu fora a esse pas, que fez esse pas enriquecer comsangue, suor e lgrima, que legado vai deixar? Temos que estar lembrando isso sempre,lembrar com tristeza, mas ao mesmo tempo com orgulho porque foram pessoas fortes,se eles no fossem fortes no tinha negro no mundo, mas eles resistiram, eles fugiram,eles no se entregavam toa. Eu sei de histrias que negros morreram porque no der-ramaram lgrimas, apanhavam trezentas, quatrocentas, quinhentas chibatadas, chibata-da at morrer entregavam o sangue, mas no entregavam a sua lgrima. Sua lgrimaera a sua dignidade, o branco tirava o sangue, mas eles no conseguiam tirar a lgrima.Podemos at morrer no cativeiro, mas morramos sem se entregar, morria lutando, mor-ria fugindo, porque a fuga uma forma de resistncia, no covardia fugir da agrura,no. luta, dignidade de ser humano. Ela comea a partir da sua resistncia, da sua

    briga. Mas o povo africano ele primordial, ele deu a origem da humanidade. A fricano tinha certas coisas, ento quando comeou o cristo a botar tudo era pecado, tudoera pecado, para ns no existe pecado, existe a lei do retorno, a lei do universo mesmo,quem planta colhe. Quem maltrata vai ser maltratado, assim, a lei da vida essa, a leido retorno. Se voc planta amor, voc no vai ter dio, se voc planta respeito, voc novai ter... eu digo que a intolerncia gera intolerante, eu estou me tornando intolerante,eu estou me tornando, eu no era intolerante, mas a gente to desrespeitado que setorna intolerante. Por qu? Porque tem que se defender do intolerante, ento tambm setorna intolerante para nos defender, ao gera reao, a gente l o evangelho, a gente

    l a ao gera reao, a Lei de Newton, n, ento isso.ME LCIA DE OLIVEIRA, IL AX OMIDEW / PB

    40| REGISTRO DA MEMRIA | MEMRIA E IDENTIDADE

    ELA DONA ANTONIA CONHECIA ASSIM AS HISTRIAS NO PASSADO da escravi-d it f id ti h h d h f d i l

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    do que era muito sofrido, que tinha o senhor do engenho, que os fazendeiros colocavaeles pra trabalhar e tudo, no dava comida, no dava dinheiro e no dava nada, era umaescravido mesmo assim; e depois os pais e os avs dela morreram tudo no chicote,tudo sofrendo, padeceu demais, sabe. Aqui, na poca, o agrupamento era muito peque-

    no, era muito sofrido (...) caso da me dela, o pai dela que trabalhava nas fazendas spelo prato de comida, que no recebia nada, no recebia salrio e quando se cobravaalguma coisa era chicotado, tinha capanga nas fazendas e no deixava os escravos saire ento assim tinha uma histria da Miniore e Luziane, que foi trocado pelos escravose alguns, muitos deles fugiram de l pra c, de Luzinia pra c, refugiado e fugiram dochicote. Porque l, alm de eles ter a explorao do ouro, ainda tinha o rio velho, quefoi tirado ali perto do Valparaso, foi tirado a remo da gua, pra chegar at em Luzinia,pelos escravos. Ento assim teve lugar que ele (o rio) passou pela altura desta parede,

    a terra era em declnio, colocavam os escravos carregando terra pra bater naquelasgamelonas de madeira e outro no couro, colocava terra no couro e saa arrastando (...)e puxando pra poder fazer o aterro pra passar e a gua foi parar em Luzinia, (...) atchegar na Igreja do Rosrio, tudo pelos escravos. Ento assim, o sofrimento deles foimuito grande nessa poca e a alguns deles que vieram, inclusive esses trs negros queganhou este terreno aqui do Manoel Pereira da Paixo e do Joo Mesquita que passoupra eles os direito dessas terras. Deixou a herana pras trs escravas, ento, era passou,passando (...) pra Jos Pereira Braga, pai do Aleixo Pereira Braga, e que vem a famliados Pereira Braga que comeou a povoar, o povoado Mesquita. A Mesquita j no era

    mais fazenda, quando a comunidade foi crescendo, foi tornando o povoado Mesquita,porque era um povoado pequeno e a foi crescendo a, mudando, at porque a comuni-dade foi crescendo, evoluindo, a j no era mais fazenda, j era povoado e este povoadoque hoje se transfere (chama?) o povoado do Quilombo Mesquita.SR. JOO ANTONIO PEREIRA, COMUNIDADE QUILOMBOLA MESQUITA / GO

    Y

    NO CASO AQUI DO MACUCO, aqui mais recente, s que no do meu tempo, quem

    era dono disso aqui era um padre, o padre Barreiro, esse que era o dono de tudo isso aqui,agora de que maneira que os outros herdaram, se apossaram dessa terra, se eles entrarame (...) os primeiros (...) dos tataravs do Andr e de outros um pouquinho... no meu conhe-cimento um pouquinho desconhecido isso a, saber, s que o dono desse Barreiro aqui,que a cabeceira do Macuco, era esse tal de um grande fazendeiro e um padre. Fazendeiro,chamado padre Barreiro, agora o nome dele completo eu no sei, o Barreiro deve ser umaassinatura, padre Barreiro. Mas isso tambm foi depois dos portugueses terem chegado atMinas Novas, Chapada no Norte e depois da sada deles, que ele veio apoderar desse local.

    SR. GERALDO BARROSO, ASSOCIAO DOS MORADORES MACUCO, MATA DOIS, PINHEIRO E GRAVAT / MG

    Y

    EU TENHO PENSADO MUITO NISSO desde que vocs (os pesquisadores) chegaramaqui. Agora eu no sei como foi que veio parar essas pessoas da frica aqui, (...) o meu,da minha famlia moraram a e o meu av como ele comprou o que era do (...) dos filhosdele e ele comprou esse terreno e que os pais dele adquiriram esse mesmo terreno, que

    aqui, que do padre Barreiro, que os parentes dele quando eram vivos vendeu eleaqui e saiu (...) do Mata Dois que era da famlia dos (...) e uniam essas famlias. Misturou

    MAS O BRASIL, EU ACHO

    QUE FOI ONDE FOI FEITO

    A PIOR CONDIO DE

    ESCRAVATURA FOI AQUI.

    EU NO SEI PORQUE A

    FALTA DE HUMANIDADEAQUI, O COLONIZADOR, ELE

    FOI MUITO RUIM MESMO,

    PERVERSO COM O POVO

    NEGRO. ELES TRATAVAM

    MEUS ANCESTRAIS COMOMERCADORIAS, MAS

    ELES NO TINHAM NEM

    PENA DE PERDER AQUELA

    MERCADORIA POR MALDADE

    MESMO, POR INSTINTO

    RUIM MESMO.ISSO ME DEIXA TRISTEME LCIA DE OLIVEIRA, IL AX OMIDEW / PB

    MEMRIA E IDENTIDADE|REGISTRO DA MEMRIA |41

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    famlia. Os meus filhos casaram nas mesmas famlias, aquelas moas casavam com osrapazes do mesmo lugar e a foi criando a famlia. Um certo tempo aqui que s tinhanegro. Tinha negro por qu? Porque meu pai era negro e casava com uma prima deleque era negra tambm. O pai do compadre Andr, o pai dele era, o av dele era irmo domeu av. Mas tinha um certo tempo que os negros s casavam na mesma comunidade.ELISABETE COSTA MACHADO, ASSOCIAO DOS MORADORES MACUCO, MATA DOIS, PINHEIRO E

    GRAVAT / MG

    Y

    L CHAMAM MOCAMBO, MAS QUILOMBO MESMO, segundo falam, quando elesiam com a jangada pegar pedra, l no Rio Pedreira, aqueles que tinham facilidade se

    jogavam na gua, nadava e iam embora, foi a que surgiu o nome ladro. Mar-acimaou Mar-abaixo, quer dizer, quando a mar enche, a vaza. Tem rio que no meio tem um

    bom lago, de criar A, pega o lago pra criar Boi Preto (Bfalo), Cria, a j o pessoaldiz: Curia. Nome original Cria, quer dizer, criador de boi preto. Voc podever que os antigos l de 70 a 81 anos no chamam de Curia, Cria. Ela (D. Teresa)me fala muito desse Mocambo, que quando ela comeou a ter noo dela, j existia ascoisas l do local do Mocambo, e os escravos ento j foram ganhando a vida e criandofamlia. Tendo o que seu e plantando, colhendo e criando os filhos. Porque eu creioque quando era para construir a fortaleza, no veio s de uma aldeia, vieram de vriasaldeias diferentes: do Muzanga, do Qunia, a Etipia, de Marrocos. Ento aqui o convvio

    j foi se tornando a famlia deles. Eles iam para o Mocambo, ao que chegava l, quem j

    estava l aceitavam ele como um membro da famlia, eu penso assim.SR. RAIMUNDO, NETO DE D. TERESA, QUILOMBO CURIA / AP

    Associao dos Moradores(Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravat) / MG

    42| REGISTRO DA MEMRIA | MEMRIA E IDENTIDADE

    ELES J ESTAVAM AQUI ANTES DA CONSTRUO DA FORTALEZA. Ento o co-mentrio que os estudiosos falam que se deu a origem quando eles j estavam

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    mentrio que os estudiosos falam que se deu a origem quando eles j estavamfugindo da fortaleza, que vieram e se esconderam nessa regio do Curia. De onde?Isso que outra questo, se soubesse a data que eles chegaram l, que primeirovieram habitar o Curia, se soubesse a data, tempo, dia e horrio, hoje ns tnhamos

    uma data que ns festejssemos, mas no tem. como to dizendo, eram analfabetose no se preocupavam e simplesmente queriam viver e no temos nada que possase confirmar de onde eles vieram e quando. A gente tem, contado por eles, da ondeeles surgiram e vieram de parte da regio do Nordeste e entraram pelo Rio Pedreira,por a que ns temos conhecimento que j foi relatado no livro e circulado por a,contado por eles o nico documento mais antigo que ns temos. Mas isso a o que

    j foi depois deles saberem que tava impresso, nenhum deles sabia escrever e ler. Temoutros fatos que se contam, mas depois que eles j estavam com o documento na

    mo, que teve outras e outras histrias, que j em outras direes.SR. SEBASTIO SILVA, QUILOMBO CURIA / AP

    Y

    QUANDO VIVIA S OS SETE IRMOS ESCRAVOS, que eles viviam numa casa gran-de aqui, a famlia vivia tudo ali junto, e comeou a se separar e cada um tinha a sua casae comeou a aumentar o vilarejo aqui como (...) e as casas aqui eram tudo de barro comas telhas de arame, de cip, foram aumentando as casas e foram fazendo e at hoje a

    gente sabe pela tapera onde o antigo tinha a sua casa, e a vida dele era plantar... Ento outra coisa que eu digo, que aqui tem trs verses, aqui tem uma rea de quilombo,aqui tem rea rural e aqui tem uma comunidade tradicional, so trs coisas diferentes eeu explico se algum precisar saber. E tem gente que fica at surpreso por causa disso.A criao de Alemo aqui era extensa de gado, cavalo, porco, enfim... no existia cerca,animal at hoje um costume de animal andar perambulando por a e indo comer asplantas do vizinho. E a comea a destruir a plantao das pessoas e ningum consente.A comea a brigar entre as famlias. Quando as coisas no conseguiam se consertar ali,a teve a facilidade de se chegar mesmo a p na cidade e comearam a levar o caso pra

    polcia. Naquele tempo era a ditadura e pior, rigorosamente, mas pra saber quem tinharazo e quem no tinha, veio da a preocupao de procurar o documento das terras,pra tirar as terras. O documento das terras e voc v neste documento e quem conhecea razo e o fato, v uma situao onde t frisado uma situao, que at voc leu e nopercebeu, porque voc no tem o conhecido da causa... Por isso to dizendo (...) e noobserva certos pontos. Ento a pessoa que foi buscar os documentos, ele no botou queos outros eram irmos e que tinham os mesmos direitos, porque eles eram sete irmosescravos. Ele sempre botou que eram vizinhos.SR. SEBASTIO SILVA, QUILOMBO CURIA / AP

    ENTO EU PENSO QUE

    ANCESTRALIDADE ELA

    TODO ESSE CONJUNTO,

    QUE NS TEMOS DO

    ELO FAMILIAR E QUE A

    GENTE CONTINUE ELE,

    CONTINUE PERPETUANDO

    DE VRIAS FORMAS,

    SABERES, DOS COSTUMESSANDRA PEREIRA BRAGA,

    COMUNIDADE QUILOMBOLA MESQUITA / GO

    MEMRIA E IDENTIDADE|REGISTRO DA MEMRIA |43

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    OS PAIS NASCERAM AQUI, OS ESCRAVOS VEIO DA POCA DOS ESCRAVOS (...)eles nasceram por aqui, nessa regiozinha aqui, escravos do Capo do Alto. E eles co-mearam a ser perseguidos e uma parte saiu, outros morreram a, outros saram, comomeu pai, o tio Miguel (...) e bastante gente saiu da, saiu tudo, agora quem t vindo prac eu e os meus filhos, a Vani (...) e aquele outro ali, aquela morenada tudo saram,

    nasceram a e esto a. E uma parte veio aqui pro Apon, vieram sim pra esta regio, eus conhecia com a Nomia, uma que era escrava, da ns ia que l em Castro, comuma de suas herdeiras, ela era escrava e ela contava tudo pra ns, ela contava do tempode escravido, surravam e tem fazenda l que eles amarravam os escravos do CapoAlto e (...) at surravam eles, t l pra ver e ela contava...SR. MANOEL PEDRO RODRIGUES DA SILVA, COMUNIDADES NEGRAS RURAIS DE CASTRO / PR

    Y

    A MINHA IDEIA DE ANCESTRALIDADE TUDO ISSO QUE NS VIVENCIAMOSat hoje aqui, esta a concepo pra mim de ancestralidade, porque voc traz o elofamiliar que veio se perpetuando de geraes em geraes, isso uma ancestralidade, e voc reafirmar isso, enquanto eu aqui, Sandra Pereira Braga, eu tenho ancestralidadeque vem dos meus avs, dos meus bisavs e dos meus tataravs, que aqui viveram. Eeu continuo da gerao ainda e como outros meus sobrinhos e os que viro tambmvo continuar. Ento eu penso que ancestralidade ela todo esse conjunto, que nstemos do elo familiar e que a gente continue ele, continue perpetuando de vrias formas,

    saberes, dos costumes.SANDRA PEREIRA BR AGA, COMUNIDADE QUILOMBOLA MESQUITA / GO

    Me Lcia de Oliveira, Il Ax Omidew / PB

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    AGORA O QUE EU ENTENDO, A MATRIZ ELA VEM DE FRICA, ELA A NICA,ento todos os outros segmentos: candombl, batuque e outros todos nomes que tmse originam dentro de uma essncia chamada matriz africana e ganha vrios nomes, deacordo com vrias regies. No entendo que candombl seja uma religio. uma visode mundo, uma forma de ser colocada, de resistncia e colocao. Como o Batuque doRio Grande do Sul, ele uma viso de mundo, um modo civilizatrio que tem tudo a vercom o modo civilizatrio que o candombl traz. A diferena do toque do tambor tambm

    tem a ver com a migrao dos africanos, que l chegaram, que l conseguiram manterpelo processo e que eu no sei dizer qual , mas com mais fora, a lngua, a linguagem e otoque do atabaque e que medida em que ele foi descendo, chegando at o fim do Brasil,ele foi sofrendo modificaes. E aqui ns ganhamos este nome de batuqueiros por causadisso que acontecia na Senzala e ficou: o Batuque, o Batuque, o Batuque... NoRio Grande do Sul, Batuque era o barulho do tambor, ento os capites-do-mato, que tinhanas fazendas: Ah! a negrada batucando l em cima, ento gerou o nome do Batuque.Eu quero colocar com respeito a todos os olhares de todas as naes, de todos os povos.Mas eu vou falar do meu olhar, da minha maneira de entender: eu entendo que existe

    uma matriz, o nome j t dizendo, matriz que vem de frica, que a matriz africana, elaganha vrios ttulos e nomes de acordo com a questo regional, por exemplo, ns temos ocandombl que nasce em Salvador e se espraia para outras cidades. Ns temos em Recifeo Tambor de Recife, temos o Xang, ns temos em Natal o Culto s Juremas, aonde oZ Pelintra o grande mestre e ns temos a Umbanda Branca, que se miscigena com amatriz africana e ns temos no Rio Grande do Sul o Batuque. Agora, o Batuque pra ns o barulho do tambor, a essncia, a f, o espao da f, a viso de mundo, a civilizao e issoinclui a lngua, o costume, o modo de andar, a harmonia do povo do terreiro, o povo que

    vem e tem essa viso de mundo nico, que a matriz africana.ME VERA SOARES, CEN TRO MEMORIAL DE MATRIZ AFRICANA 13 DE AGOSTO / RS

    Y

    OS NOSSOS VELHOS SO SUPERVALOROSOS, todo mundo quer o velho do lado.No que eu conheo da nossa religio, nossos velhos todo mundo quer eles bem pertinho,porque eles so a nossa memria, nossa biblioteca e so tudo de saber e a gente querficar perto, absorvendo sabedoria. E tem isso, por isso que eu disse que o velho nunca fica

    abandonado, no fica. Ele a fonte da sabedoria, nossa religio d muito valor ao idoso.ME NALVA VIRGINIA ALMEIDA, IL IYABA OMI ACIYOMI / PA

    Associao dos Moradores(Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravat) / MG

    MEMRIA E IDENTIDADE|REGISTRO DA MEMRIA |45

    O REGISTRO PAROQUIAL QUE EU J CHEQUEI PORQUE EU QUERIA ENTENDERum pouco a minha histria, a da famlia, eu queria entender um pouco esta ancestralidadef

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    familiar da comunidade. Ento eu tive, sim, muita curiosidade de buscar este conhecimen-to, e a eu cheguei ao meu tatarav que na verdade foi o registro de 1830, e desta data,quando eu cheguei, eu fiquei muito emocionada porque eu vi que o registro paroquial da

    poca no se tinha cartrio; ento era registro paroquial, e a eu fui buscar este registro. Eume lembro como hoje o livro, assim que voc tinha que ler com lupa, bico de pena ainda,eu fiquei muito emocionada porque eu queria entender, como que era esta famlia, a fam-lia que realmente ns pertencamos e a eu tive naquele momento assim um grande bl-samo pra entender, pra lutar, pra buscar o reconhecimento oficial da comunidade porqueali eu tinha encontrado um elo muito forte e no era ningum que estava me contando,eu acho, no, existe de fato, esta