Anemias Classificação Diagnóstico Diferencial

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1 ANEMIAS – CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Paulo Cesar Naoum Professor Titular pela UNESP Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto Introdução As anemias obedecem a um padrão de análises que necessita de uma visão introdutória da hematopoiese e de valores referenciais devido à intrínseca relação de causas e efeitos dos seus diferentes tipos. Hematopoiese e valores referenciais em hematologia são abordagens distintas, porém, extremamente ligadas no sentido do entendimento do resultado de um hemograma. Nesse contexto a avaliação se faz, sob o ponto de vista dos resultados numéricos, nas formas independentes das três séries celulares do sangue, quais sejam, a série vermelha – em que são considerados os eritrócitos e seu principal componente, a hemoglobina, a série branca – em que se avaliam os diferentes tipos de leucócitos, e a série trombocítica ou plaquetária – em que se determinam as plaquetas. A avaliação do plasma e de alguns de seus inúmeros componentes, também se reveste de grande importância, uma vez que, diante de um quadro patológico, o médico e o profissional de laboratório precisam de analisar o conjunto de informações para interpretar o resultado de um determinado exame, conforme o exemplo abaixo: Paciente masculino adulto com hemorragia crônica e inflamação de garganta Resultado Laboratorial Resultado que interessa ao médico CE: 3.930.000/mm 3 Ht: 29% Hb: 8,6 g/dL Hb: 8,6 g/dL VCM: 73,7 fL HCM: 21,8 pg HCM: 21,8 pg CHCM: 29,6 g/dL

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Classificação das anemias.

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    ANEMIAS CLASSIFICAO E DIAGNSTICO DIFERENCIAL

    Paulo Cesar Naoum Professor Titular pela UNESP Diretor da Academia de Cincia e Tecnologia de So Jos do Rio Preto

    Introduo

    As anemias obedecem a um padro de anlises que necessita de uma viso

    introdutria da hematopoiese e de valores referenciais devido intrnseca relao de causas

    e efeitos dos seus diferentes tipos.

    Hematopoiese e valores referenciais em hematologia so abordagens

    distintas, porm, extremamente ligadas no sentido do entendimento do resultado de um

    hemograma. Nesse contexto a avaliao se faz, sob o ponto de vista dos resultados

    numricos, nas formas independentes das trs sries celulares do sangue, quais sejam, a

    srie vermelha em que so considerados os eritrcitos e seu principal componente, a

    hemoglobina, a srie branca em que se avaliam os diferentes tipos de leuccitos, e a srie

    tromboctica ou plaquetria em que se determinam as plaquetas. A avaliao do plasma e

    de alguns de seus inmeros componentes, tambm se reveste de grande importncia, uma

    vez que, diante de um quadro patolgico, o mdico e o profissional de laboratrio precisam

    de analisar o conjunto de informaes para interpretar o resultado de um determinado

    exame, conforme o exemplo abaixo:

    Paciente masculino adulto com hemorragia crnica e inflamao de garganta

    Resultado Laboratorial Resultado que interessa ao mdico

    CE: 3.930.000/mm3

    Ht: 29%

    Hb: 8,6 g/dL Hb: 8,6 g/dL

    VCM: 73,7 fL

    HCM: 21,8 pg HCM: 21,8 pg

    CHCM: 29,6 g/dL

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    RDW: 15%

    Morfologia: Microcitose e hipocromia Morfologia: Microcitose e hipocromia

    Ferro srico: 38 ug/dL Ferro srico: 38 ug/dL

    CTLFe *: 320 ug/dL

    IST **: 11,8% IST: 11,8%

    Ferritina: 360 ug/dL Ferritina: 360 ug/dL

    Leuccitos: 14.700/mm3 Leuccitos: 14.700/mm3

    Plaquetas: 195.000/mm3 Plaquetas: 195.000/mm3

    * CTLFe: Capacidade total de ligao de ferro.

    ** IST: ndice de Saturao de Transferrina

    Obs: Exemplo meramente ilustrativo, inclusive em relao opo de interesse do mdico.

    A pergunta que se faz : Por que entre as 14 avaliaes laboratoriais apenas

    oito interessaram ao mdico? A resposta simples: objetividade analtica dos resultados.

    Essa objetividade inclui a histria clnica do paciente e resultados que realmente podem

    colaborar para explicar a situao, naquele momento, do paciente. A Hb: 8,6g/dL indica

    anemia moderada, o HCM: 21,8 g/dL (diminudo) indica que se trata por deficincia de

    hemoglobina, que confirmada pela hipocromia da morfologia. Diante do fato que a maior

    causa de anemia no Brasil por deficincia de ferro (no presente caso devido perda

    crnica de sangue) a avaliao de ferro e ndice de saturao da transferrina so

    fundamentais. O ferro srico de 38 ug/dL est diminudo e o IST de 11,8% patognomnico

    de anemia por deficincia de ferro. A ferritina de 360 ug/dL est elevada, e por ser um

    sensvel marcador de fase aguda de infeco/inflamao, confirma a inflamao de garganta

    do paciente. A discreta leucocitose justifica a inflamao e o nmero normal de plaquetas

    mostra que, apesar do processo hemorrgico, sua atuao no est comprometida.

    Para se chegar a essa forma de raciocnio preciso conhecer muito bem a

    hematopoiese, e notadamente a eritropoiese, para relaciona-la com os resultados de um

    eritrograma.

  • 3

    A Eritropoiese

    Essa terminologia se refere exclusivamente formao dos eritrcitos, desde

    a clula tronco pluripotencial primitiva, das clulas nucleadas intermedirias (eritroblastos),

    reticulcitos, eritrcitos, fatores da eritropoiese (eritropoietina ou EPO, vitamina B12, cido

    flico e ferro), fatores genticos, fatores ambientais (infeco, queimadura, etc). Portanto a

    eritropoiese no se refere apenas ao desenvolvimento morfolgico e funcional dos

    eritrcitos e de seus precursores, mas tambm so dependentes de situaes inesperadas,

    por exemplo: incompatibilidade materno-fetal de Rh, entre outras.

    Para entender o conjunto da eritropoiese a figura abaixo resume os principais

    eventos do seu sucesso e insucesso.

  • 4

    SUCESSO INSUCESSO

    DNA Normal DNA Mutante: Hemoglobinopatias, e IL-3 Deficincias de Enzimas e de protenas de membrana

    Clula tronco

    Pluripotencial

    EPO Deficincia de EPO por ex: tumor renal. DNA Mutante: Sndrome mielodisplsica Clula tronco Mielide

    Vit. B12 Deficincia de vit. B12 e/ou

    Ac. Flico Ac. Flico (vrias causas)

    Proeritroblasto

    Ferro Deficincia de Ferro (vrias

    causas)

    Eritroblastos Basfilo, Poli e Ortocromtico

    Ferro Idem

    Reticulcitos

    Incompatibilidade Rh 120 dias de vida til Infeces virais e parasitrias Queimaduras

    Eritrcito Hemorragias Transfuses incompatveis Excesso de oxidantes Anemia hemoltica auto-imune Microangiopatias, etc.

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    O tempo total da eritropoiese, do momento em que a clula tronco

    pluripotencial estimulada pela Interleucina-3 ou IL-3 a se dividir, at a formao do

    eritrcito demanda um perodo aproximado de oito dias. Somente o reticulcito consome

    cerca de trs dias nesse processo. O eritrcito, ao sair da medula ssea, adquire a forma

    bicncava nos primeiro momentos de exposio na circulao sangunea, processo que

    promovido por fatores fsico-qumicos que regulam a permeabilidade celular com destaques

    para as bombas de sdio, potssio, clcio e ATPase. O eritrcito normal ter bom

    desempenho por 100 dias, aproximadamente. Entre o 100 ao 120 dias de vida eritrocitria,

    as bombas de permeabilidades perdem gradualmente suas aes biolgicas e a morfologia

    bicncava muda para a forma esfrica. Os eritrcitos esfricos e envelhecidos rolam com

    dificuldades na microcirculao, notadamente na do sistema reticuloendotelial, onde 80 a

    85% sero fagocitados pelos macrfagos, enquanto que cerca de 15 a 20% hemolisam

    espontaneamente na prpria circulao. Por essas razes observam-se alguns poucos

    eritrcitos deformados em pessoas sem anemia, alguns com corpos de Heinz corpsculo

    indicativo de degradao da hemoglobina e, portanto, possibilidade de apoptose

    eritrocitria. No processo de fagocitose dos eritrcitos envelhecidos pelos macrfagos,

    estabelecem-se aes imunolgicas de reconhecimento dos produtos fagocitados e que

    resultaro na liberao de interleucina 3 (IL-3) para estimular as clulas tronco

    pluripotenciais a se reproduzirem, bem como, os tomos de ferro acumulados pelos

    macrfagos e obtidos das molculas de hemoglobinas dos eritrcitos fagocitados sero

    passados por meio de receptores celulares especficos aos eritroblastos basfilos,

    policromticos e ortocromticos, para serem utilizados na sntese de molculas de

    hemoglobinas.

    Por todas essas razes fundamental o conhecimento da eritropoiese, o

    desenvolvimento normal das aes de sucesso na formao eritrocitria, bem como as

    possibilidades de causas de insucesso na eritrognese. Ao conhecermos essas possibilidades,

    as anlises quantitativas e qualitativas (citolgicas) dos eritrcitos se tornam explicveis

    quando normais ou alteradas. Para que esse processo de anlise se tornasse possvel de ser

    avaliado por diferentes profissionais, surgiram os valores referenciais para as trs sries

    celulares.

  • 6

    Valores referenciais em hematologia

    Os valores referenciais em hematologia comearam a ser adotados na dcada

    de 20 do sculo passado em laboratrios americanos e europeus, e na dcada de 30 no

    Brasil. Esses valores obedecem basicamente a distribuio normal obtida do clculo

    matemtico da funo de densidade de probabilidade, conhecida como distribuio de

    Gauss. Por meio de anlises de populaes sadias, estratificadas por faixas etrias e sexo,

    obtiveram-se valores mdios das avaliaes desejadas e de seus respectivos desvios

    padres, estabelecendo-se o que denominamos atualmente de valores mnimo e mximo.

    Todos os valores obtidos em anlises hematolgicas obedecem esse modelo

    de estrutura estatstica. Inicialmente, os valores hematimtricos foram obtidos de anlises

    qumicas e fsico-qumicas realizadas por processos manuais. Desses processos obtiveram-se

    no apenas os valores referenciais, mas os conhecimentos bsicos de suas reaes qumicas,

    das quantificaes e das escalas de medies (mm3, g/dL, pg, fL, etc.).

    Com o advento da automao e, posteriormente, da automao

    informatizada, obedeceram-se no somente os princpios fsico-qumicos das anlises, bem

    como a adoo dos valores padres obtidos pelos mtodos manuais. Nas sequncias de

    transferncias de procedimentos manuais para os automatizados, e destes para os

    automatizados informatizados, surgiram novos dados obtidos de avaliaes

    computacionais de dados, por ex.: RDW (avaliao da superfcie eritrocitria), MPV (volume

    mdio plaquetrio, etc.).

    importante ressaltar que os valores referenciais, por mais consagrados que

    sejam na literatura cientfica, sofrem interferncias enormes na sua configurao. Entre

    essas interferncias destacam-se:

    a. extratos scio-culturais das populaes analisadas;

    b. condies de saneamento e estrutura social e ambiental das

    comunidades (cidades, bairros, hospitais) em que o laboratrio atua;

    c. qualidade tcnica dos procedimentos analticos, quer sejam manuais,

    automatizadas ou automatizadas-informatizadas.

  • 7

    Por todas essas razes, o desejvel seria que os valores referenciais fossem

    extrados da populao sadia na comunidade em que o laboratrio atua. Essa uma questo

    singular, porm de difcil aplicabilidade. Por isso buscam-se valores referenciais mais

    abrangentes, por exemplo: ...na populao brasileira os valores referenciais so os

    seguintes....

    Entretanto, mesmo na populao brasileira h que se considerar as diferenas

    regionais, sociais e culturais, alm das estruturas fsicas da cidade (ex.: saneamento bsico

    adequado, sistema de sade atuante, etc.) em que o laboratrio est inserido, como j foi

    apresentado anteriormente.

    Os valores referenciais que apresentamos nas tabelas 1 e 2 a seguir foram

    obtidos de uma ampla populao cujos participantes eram provenientes de cinco cidades do

    interior dos estados de So Paulo e de Minas Gerais. possvel que esse contingente

    represente com mais especificidade a populao brasileira.

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    TABELA 1 Valores mnimos e mximos dos valores eritrocitrios, conforme a faixa etria e sexos

    masculino e feminino em adultos obtidos de populaes de cinco cidades brasileiras #.

    Eritrograma RN* 1 a 11 meses

    1 a 2 anos 3 a 10 anos 10 a 15 anos

    Adulto** masc.

    Adulto** fem.

    Eritrcitos 5.2 4.0 4.9 4.0 5.1 4.0 5.1 4.0 5.1 4.5 6.1 4.0 5.4

    Hemoglobina 17.0 10.6 13.0 11.5 14.5 11.5 14.5 11.5 14.5 12.5 16.5 11.5 - 15.5

    Hematcrito 52.0 33 41 34 42 34 42 34 42 40 54 36 48

    HCM 27 31 25 29 26 29 26 29 26 29 27 29 27 29

    VCM 80 100 75 90 77 90 77 90 77 90 77 92 77 92

    CHCM 30 35 30 35 30 35 30 35 30 35 30 35 30 35

    RDW 10 - 15 10 - 15 10 15 10 - 15 10 - 15 10 - 15 10 - 15

    * Valores mdios

    ** O termo adulto nesse caso considerado quando os nveis hormonais esto bem estabelecidos e a massa corporal bem definida, geralmente acima dos 15 anos.

    #: So Jos do Rio Preto, SP; Cedral, SP; Jos Bonifcio, SP; Fronteira, MG; Frutal, MG.

    TABELA 2 Valores mnimos e mximos dos valores globais (contagem absoluta) e especficos

    (contagem percentual) de leuccitos obtidos de populaes de cinco cidades brasileiras #.

    Leuccitos 1 a 3 anos 4 a 14 anos Acima de 14 anos

    % absoluta** % absoluta** % absoluta**

    Leuccitos

    Totais

    ---- 5.0 15.0 ---- 4.5 13.5 ----

    4.0 10.0

    N. Bastonete * 2 - 8 0.1 0.6 2 - 4 0.1 0,4 2 - 4 0.1 0.4

    N. Segmentado * 20 - 40 2.0 6.0 35 - 55 2.0 6.0 36 - 66 2.0 7.5

    Eosinfilo 4 - 10 0.2 1.5 4 8 0.3 1.0 2 4 0.1 0.4

    Basfilo 0 1 0.0 0.1 0 1 0.0 0.1 0 1 0.0 0.1

    Linfcito 40 60 2.0 8.0 30 55 1.5 6.5 25 45 1.5 4.0

    Moncito 4 10 0.2 1.5 4 10 0.2 1.0 2 10 0.2 0.8

    * N: Neutrfilo **: x 109/L ou x 1000/mm3 #: So Jos do Rio Preto, SP; Cedral, SP; Jos Bonifcio, SP; Fronteira, MG; Frutal, MG.

  • 9

    Anemias Conceitos Bsicos

    Anemia uma palavra latinizada (anaemia) proveniente do significado grego

    de aima (sangue) e o prefixo an (falta de), resultando a palavra anaima (pessoa com falta de

    sangue).

    Atualmente considera-se por anemia a constatao clnica e laboratorial de

    uma pessoa com valor de hemoglobina abaixo do esperado para sua faixa etria, conforme

    mostra a tabela 3, a seguir:

    Tabela 3 Valores normais para hemoglobinas em diferentes fases do desenvolvimento

    etrio.

    Faixas Etrias Hb (g/dL)*

    Sangue de cordo (RN) 13,0 20,0

    Primeiro dia de vida 15,0 23,0

    Crianas de 1 ms a 6 anos 10,5 14,5

    6 anos a 14 anos 11,5 14,5

    Homem acima de 14 anos 12,5 16,5

    Mulheres acima de 14 anos 11,5 15,5

    *As variaes de valores variam discretamente entre diferentes laboratrios.

    As causas que induzem o estado de anemia em uma pessoa so muito

    diversas, entretanto as principais delas se observam como consequncias de vrios tipos de

    doenas (ex.: hemorragias, cncer, aplasia de medula, etc), bem como por alteraes

    decorrentes de insucessos biolgicos da prpria eritropoiese. Por essas razes, a definio

    de anemia a reduo de concentrao do teor de hemoglobina.

    O estado de anemia, notadamente a anemia crnica, tem consequncias ao

    portador e que podem ser resumidas em dois mecanismos que alteram processos

    fisiolgicos resultantes de sua ao normal, a saber:

  • 10

    a) O transporte deficitrio de oxignio pela reduo da hemoglobina

    diminuem as atividades metablicas de todas as clulas e induz em

    disfunes orgnicas generalizadas, cujos principais sintomas

    caracterizam-se por cansao, fraqueza e mal estar geral.

    b) Particularmente nos processos crnicos de anemia, o organismo procura

    se adaptar situao patolgica com evidentes desgastes fisiolgicos,

    especialmente para o sistema crdio-respitatrio.

    Deve-se ressaltar que ao considerarmos o estado anmico de uma pessoa

    necessrio que, alm de avaliar a concentrao do teor da hemoglobina, preciso a

    avaliao completa do hemograma, observando com detalhe os resultados do eritrograma e,

    com especificidade, os valores dos ndices hematimtricos de VCM (volume corpuscular

    mdio) e HCM (hemoglobina corpuscular mdia). Justamente esses dois ndices determinam

    a classificao laboratorial das anemias em microcticas/hipocrmicas,

    normocticas/normocrmicas, e macrocticas.

    Alm dos valores do eritrograma importante ressaltar a essncia da

    morfologia eritrocitria que se obtm da criteriosa anlise citolgica efetuada em

    microscpio. Por mais parmetros que tenha o mais moderno contador automatizado de

    clulas, jamais ele alcanara as centenas de parmetros que a mente humana de um

    profissional experimentado poder realizar.

    Outros testes importantes so fundamentais no estabelecimento de causas e

    consequncias de anemias, conforme o exposto na tabela 4.

  • 11

    Tabela 4 Principais anlises para determinar causas e consequncias de anemias.

    Anlises (*) Significado

    Contagem de Reticulcitos Diminuda: anemias hipoproliferativas

    Aumentada: anemias hemolticas, hemorragia aguda

    Normal: importante realizar mielograma

    Ferro srico Diminudo: ferropenia

    Aumentado: sobrecarga de ferro

    Normal: incio de anemia (*)

    Capacidade total de ligao

    do ferro

    Diminuda: neoplasias, nefropatias, hipotransferrinemia (*)

    Aumentada: ferropenia

    Normal: pode ocorrer no incio da anemia

    Saturao de transferrina Diminudo: ferropenia

    Aumentada: anemias hemolticas e sobrecarga de ferro

    Normal: anemias por outras causas

    Ferritina Diminudo: ferropenia (**)

    Aumentado: Infeces, inflamaes, sobrecarga de ferro, anemias hemolticas, leses hepticos e alcoolismo (***)

    Normal: anemias por outras causas que no seja ferropenia ou hemoltica

    Eletroforese

    de hemoglobinas

    Alterada: Hb S (doena falciforme e outras variantes)

    Hb H (talassemia alfa) Hb A2 aumentada (tal. Beta menor), etc

    Normal: anemias por outras causas

    Dosagem de G6PD Diminuda: deficincia de G6PD

    Aumentada: anemias por outras causas

    Normal: anemias por outras causas

    (*) em casos de suspeita clnica de anemia.

    (**) na ausncia de inflamaes, infeces, etc, a ferritina diminui antes da reduo do ferro

    srico.

    (***) por ser a ferritina uma protena de fase aguda, suas variaes so dependentes do

    estado clnico do paciente.

  • 12

    Classificao das Anemias

    A classificao das anemias pode obedecer vrios critrios, entre os quais, os

    mais utilizados na prtica laboratorial, destacam-se a classificao laboratorial e a

    classificao fisiopatolgica.

    A classificao laboratorial da anemia se suporta nos resultados dos ndices

    hematimtricos (VCM e HCM), resultando em trs tipos de anemias:

    normoctica/normocrmica, microctica/hipocrmica e macroctica, conforme o esquema

    abaixo:

    Classificao Laboratorial

    de anemias

    Normoctica Microctica

    Normocrmica Hipocrmica Macroctica

    Eritrcitos /N

    Hemoglobina

    Hematcrito

    VCM N

    HCM N N

    CHCM N N/ N

    RDW

  • 13

    A classificao laboratorial de anemias , portanto, a forma mais comum na

    comunicao entre laboratrio e mdico, entretanto h de se destacar que nem sempre a

    anemia normoctica/normocrmica indicativo que os eritrcitos estejam normais em seus

    tamanhos, formas e cromias.

    Na realidade a maioria das anemias normocticas/normocrmicas tem

    diversidades morfolgicas caracterizadas por macrcitos, micrcitos e poiquilcitos, em que

    o valor mdio do volume eritrocitrio (VCM) resulta normal. Da mesma forma a diferena de

    cromia, por exemplo, micrcitos hipocrmicos e macrcitos normocrmicos resulta em valor

    mdio de hemoglobina intraeritrocitria (HCM) normal.

    Por fim, em casos de anemia normoctica/normocrmica com alteraes

    morfolgicas de eritrcitos, esses fatos devem ser relatados, por exemplo: anemia

    normoctica/normocrmica com morfologia eritrocitria composta por micrcitos

    hipocrmicos, esquiscitos, clulas em alvo e macrcitos.

    O valor de RDW quando associado ao VCM facilita a configurao da

    morfologia eritrocitria que poder ser encontrada na anlise morfolgica, conforme o

    quadro a seguir:

    RDW VCM Normal VCM Diminudo VCM Aumentado

    Normal Normocitose Microcitose

    homognea

    Macrocitose

    Macro-poiquilcitos

    Aumentado Anisocitose

    Micro-macroctica

    Micro-poiquilcitos

    (*)

    Macro-poiquilcitos

    (**)

    * : Dacricitos, micro-esquiscitos, leptcitos, etc.

    **: Macrcitos policromatfilos (reticulocitose), megalcitos, etc.

  • 14

    Quando se tem informaes clnicas do paciente, a classificao laboratorial

    se torna mais fcil de ser compreendida, porm, nem sempre essas informaes so

    prestadas ao laboratrio, conforme a exposio a seguir:

    a) Situaes patolgicas mais comuns nas anemias

    normocticas/normocrmicas: cncer, doena renal, invaso tumoral da

    medula ssea, hemorragia aguda, inflamao, anemia hemoltica

    adquirida, anemia falciforme e fase inicial da deficincia de ferro.

    b) Situaes patolgicas mais comuns nas anemias

    microcticas/hipocrmicas: deficincia crnica de ferro, hemorragia

    crnica, talassemias menor, intermdia e maior, S/beta talassemia, S/alfa

    talassemia e anemia sideroblstica.

    c) Situaes patolgicas mais comuns nas anemias macrocticas: deficincias

    de vitamina B12 e folatos, mielofibrose, doenas hepticas e anemia

    megaloblstica, anemia hemoltica com reticulocitose.

    Por outro lado as anemias classificadas por meio das alteraes

    fisiopatolgicas do paciente determina o que denominamos por classificao fisiopatolgica

    da anemia, conforme mostra o esquema a seguir:

    Classificao Fisiopatolgica

    das Anemias

    Aguda Hereditria Deficit nutricional Insuficincia

    Crnica Adquirida Deficit absoro medular

    As causas de cada um dos processos que originam as falhas fisiopatolgicas

    so muito variadas, mas as principais so:

    Hemorrgica Hemoltica Hipoproliferativa Aplstica

  • 15

    Hemorragia aguda: sangramento volumoso, interno ou externo.

    Hemorragia crnica: sangramento contnuo, de pequeno volume, nos tratos

    gastrointestinal, urinrio ou reprodutivo.

    Hemoltica hereditria: hemoglobinopatias, enzimopatias e doenas de

    membrana.

    Hemoltica adquirida: malria, queimadura, auto-imune, hiperesplenismo,

    hemoglobinria paroxstica noturna, doena hemoltica do recm-nascido e transfuso ABO

    incompatvel.

    Hipoproliferativa por dficit nutricional: deficincias de vitamina B12, cido

    flico ou ferro.

    Hipoproliferativa por dficit de absoro: deficincia de receptor celular para

    vitamina B12 (fator intrnseco), deficincia de transferrina, sndrome de mal absoro e

    gastrectomia.

    Aplstica por insuficincia de produo medular: destruio do tecido

    medular por vrus, toxicidade, mieloftise (mielofibrose, mieloma, metstase e leucemia).

    De todas as situaes apresentadas as dificuldades mais frequentes se devem

    diferenciao laboratorial das duas principais causas das anemias microcticas e

    hipocrmicas, ou seja, anemia ferropriva e talassemias alfa ou beta menor.

    Diagnstico Laboratorial das Anemias Microcticas e Hipocrmicas

    O diagnstico laboratorial das anemias microcticas e hipocrmicas inicia-se

    com a avaliao do eritrograma, conforme mostra a tabela 5. O caso 1 exemplifica um

    eritrograma tpico de anemia ferropriva, enquanto que o caso 2 exemplifica a anemia

    microctica e hipocrmica de talassemia beta menor.

  • 16

    Tabela 5 Eritrogramas tpicos de anemia ferropriva (caso 1) e talassemia beta menor

    (caso 2), independente de sexo e idade.

    Caso 1 Caso 2

    Eritrcitos (/mm3) 4.000.000 () 5.000.000 (N)

    Hematcrito (%) 30 () 34 () Hemoglobina (g/dL) 10 () 10 () VCM (fL) 75 () 68 () HCM (pg) 25 () 20 () CHCM (g/dL) 33 (N) 29 (N)

    RDW (%) 17 () 17 ()

    Morfologia Comum

    Anisocitose

    Poiquilocitose

    Micrcitos

    Leptcitos

    Cls. Alvo

    Hipocromia

    Anisocitose

    Poiquilocitose

    Micrcitos

    Esquiscitos

    Dacricitos

    Cls. Alvo

    Hipocromia

    PonXlhados baslos

    Obs.: As setas () indicam os principais diferenciadores citolgicos, comuns em portadores

    de talassemias

  • 17

    As avaliaes especficas com a utilizao de tcnicas que dimensionam o

    status de ferro, as eletroforeses qualitativa e quantitativa de hemoglobinas e a contagem

    de reticulcitos, so capazes de diferenciar a grande maioria dos casos de anemia

    microctica e hipocrmica.

    O status de ferro no processo da investigao laboratorial composto por

    trs dosagens bioqumicas (ferro srico, ferritina e capacidade total de ligao do ferro ou

    CTLF) e uma avaliao obtida por clculo matemtico que resulta na saturao de

    transferrina (Ferro srico x 100/CTFL). Por meio do painel de avaliao de Ferro srico,

    ferritina, CTLF e saturao da transferrina possvel supor as principais causas de anemia

    microctica e hipocrmica (tabela 6).

    Muitas vezes, entretanto, os resultados da avaliao do status de ferro no

    consegue identificar a causa da anemia microctica e hipocrmica. Nessas situaes as

    eletroforeses qualitativas e quantitativas de hemoglobinas podem auxiliar a definio do

    diagnstico. A consulta tabela 6 facilita essa interpretao.

    A contagem de reticulcitos auxilia o diagnstico laboratorial da anemia

    microctica e hipocrmica. Nas situaes decorrentes da deficincia de ferro e na anemia

    sideroblstica, os valores de reticulcitos se situam abaixo da normalidade (< 0,5%). Nas

    talassemias alfa e beta menor comum observar discreta reticulocitose (> 2,5% a 3,5%). Nas

    talassemias interativas (Tal. Beta/Hb S e Tal. Beta/Hb C) h evidente reticulocitose (> 3,5%).

    Nos casos por intoxicao de chumbo a contagem de reticulcitos pode estar normal, porm

    mais frequente a sua diminuio.

    Finalmente, o diagnstico diferencial para anemia microctica e hipocrmica

    em pessoas intoxicadas pelo chumbo se faz por meio da dosagem de chumbo sanguneo.

    Para a anemia sideroblstica comum os procedimentos da colorao dos eritrcitos e

    eritroblastos de esfregaos de sangue medular com o corante azul da Prssia.

  • 18

    Tabela 6 Painel de avaliao do status de ferro das principais anemias microcticas e

    hipocrmicas.

    Painel do status de ferro

    Causas Ferro Srico Ferritina CTLF Saturao(*)

    Def. Ferro D D N/A D

    Inflamao +

    Def. Ferro

    D A N/D D

    Talassemias N N/A N N/A

    Sideroblstica N N/A N N/A

    A = aumentado, D = diminudo, N = normal.

    (*) = ndice de saturao da transferrina, ou saturao da transferrina.

  • 19

    DIAGNSTICO LABORATORIAL DAS HEMOGLOBINOPATIAS

    INTRODUO

    As alteraes das hemoglobinas envolvem a sntese estrutural e quantitativa dos

    aminocidos que compem as diferentes cadeias de globinas, bem como as molculas e enzimas

    que participam da formao do grupo heme.

    As alteraes que envolvem as globinas se devem s modificaes nos genes

    responsveis pelo sequenciamento e estrutura de cada tipo de polipeptdeo de globina, bem como

    naqueles destinados regulao quantitativa da sntese equilibrada entre as globinas alfa e no-alfa

    (, e ). Quando um determinado gene apresenta uma de suas bases nitrogenadas substituda por outra diferente, resulta na formao de molculas de hemoglobinas com caractersticas bioqumicas

    alteradas em relao s hemoglobinas normais, e so por isso denominadas hemoglobinas

    variantes. Por exemplo, a hemoglobina S se deve introduo do aminocido valina (Val) no lugar

    do cido glutmico (Glu) na posio nmero 6 da cadeia polipeptdica da globina beta por meio de

    um processo conhecido por mutao. Essa anormalidade se deve a uma troca da base nitrogenada

    adenina (A) pela timina (T), conforme a seqncia representada a seguir:

    Aminocidos 5 6 7

    Bases nitrogenadas da globina A CCT GAG GAG

    Aminocidos da globina A Pro Glu Glu

    Bases nitrogenadas da globina S CCT GTG GAG

    Aminocidos da globina S Pro Val Glu

    As mutaes que afetam o controle dos genes para as snteses equilibradas entre as

    globinas alfa e no-alfa so muito diversificadas. Em geral, essas mutaes provocam diminuies

    no volume de sntese de uma das globinas com intensidades variveis, ou at mesmo ausncia de

    sntese. Nesses casos ocorrem desequilbrios do contedo entre a globina produzida normalmente e

  • 20

    a alterada. Quando a mutao bloqueadora de sntese de globina atinge, por exemplo, o gene alfa

    (talassemia alfa), h diminuio do contedo de globina alfa dentro das clulas eritrides, enquanto

    a sntese de globina beta se faz normalmente. Essa diferena de sntese entre globinas alfa e beta

    promove o desequilbrio entre elas, e as conseqncias fisiopatolgicas so proporcionais ao

    tamanho do desbalanceamento ocorrido.

    Dessa forma, conceitualmente se denominam hemoglobinas variantes aquelas que

    apresentam estrutura qumica diferente da sua hemoglobina normal correspondente (A, A2 ou

    Fetal), motivada pela mutao de uma ou mais bases nitrogenadas que resultam na substituio de

    um ou mais aminocidos nas globinas alfa, beta, delta ou gama. As hemoglobinas anormais so

    aquelas consideradas variantes, bem como as hemoglobinas normais com alteraes quantitativas,

    por exemplo: Hb A2 elevada, Hb Fetal elevada, Hb A2 diminuda. As talassemias consistem um

    conjunto de sndromes motivadas principalmente por alteraes de snteses quantitativas de

    globinas alfa e beta, causando desequilbrio entre elas e variveis graus de anemias hemolticas,

    alm de vrias outras conseqncias patolgicas.. As hemoglobinopatias so designaes

    destinadas s hemoglobinas variantes que causam anemia hemoltica, policitemia, cianose ou

    falcizao.

    Finalmente, h as hemoglobinas anormais e hemoglobinopatias no-hereditrias,

    que representam um grupo restrito de alteraes das hemoglobinas normais causadas por agentes

    indutores, e so tambm conhecidas como formas adquiridas. Entre as hemoglobinas anormais no-

    hereditrias destacam-se a Hb A2 diminuda nas ferropenias, a Hb A2 aumentada na malria, no

    diabetes e na doena de Chagas; a Hb Fetal elevada em certas doenas mielides, em

    transplantados renais, em portadores de HIV ou por uso de determinadas drogas, e a Hb H adquirida

    nas doenas linfo e mieloproliferativas. Por outro lado, as hemoglobinopatias no-hereditrias mais

    comuns so as metaemoglobinas elevadas por induo de drogas oxidantes (sulfa e derivados,

    nitritos, anilina etc.), gases e solventes oxidantes.

    O grupo heme to importante quanto a globina por duas razes: como o agente

    que coloca o oxignio disposio da clula, que a ativa e transfere eltrons, e pelo fato de ser um

    pigmento corado que possibilita o estudo da diferenciao e maturao dos precursores

    eritrocitrios. Assim, alteraes das enzimas que participam das transformaes dos compostos

    qumicos envolvidos na sntese do anel de porfirina, para compor com o ferro o grupo heme do

    origem s porfrias e protoporfrias eritropoiticas.

  • 21

    AS HEMOGLOBINAS VARIANTES

    A maioria das variantes estruturais originada por simples substituies de

    aminocidos, resultantes de mudanas nas seqncias de nucleotdeos. As alteraes estruturais,

    com conseqncias nas atividades fsico-qumicas da molcula, esto na dependncia da extenso

    do processo mutacional e dos locais em que esses ocorrem. Dessa forma, as hemoglobinas variantes

    podem originar-se por:

    a) Substituio de um aminocido por outro, de caractersticas diferentes, na

    superfcie externa da molcula. Pode ocorrer tambm a substituio de dois

    aminocidos por outros dois, em uma mesma cadeia, sendo, entretanto,

    condio muito rara. As substituies de aminocidos na superfcie externa,

    com exceo feita s Hb S, Hb C e Hb E, no produzem alteraes significantes

    no funcionamento da molcula. Nesse grupo esto cerca de 650 tipos de Hb

    variantes no patolgicas (ex.: Hb O, Hb J, Hb I, Hb N, Hb D, etc.). Substituies

    de aminocidos na superfcie interna da molcula, envolvendo resduos polares

    e no-polares, tem ocorrido preferencialmente nos locais invariantes da

    molcula, incluindo aqueles que fazem parte do "pacote" do grupo heme, cuja

    principal funo proteg-lo da entrada de gua, bem como dos aminocidos

    que participam dos contatos 1 1. Qualquer substituio na superfcie interna causa instabilidade molecular, geralmente iniciando-se pela oxidao do grupo

    heme com a formao excessiva de metaemoglobina e precipitao da globina

    instvel. Citologicamente possvel observar a precipitao intra-eritrocitria

    da globina instvel por meio da presena de corpos de Heinz. Nesse grupo

    esto cerca de 350 tipos diferentes de Hb Instveis.

    b) Substituies de aminocidos que participam dos contatos 12, das ligaes qumicas com o 2,3 DPG, e do resduo histidina C-terminal da

    cadeia beta promovem a formao de hemoglobinas variantes com alteraes

    na sua afinidade pelo oxignio. So poucas as Hb variantes com afinidade

    aumentada ou diminuda por oxignio. As que tem afinidade aumentada se

    destacam por eritrocitoses, enquanto aquelas com afinidade diminuda

    manifestam-se notadamente por anemia hemoltica.

  • 22

    c) Substituio dos resduos de histidina distal ou proximal, que esto ligados ao

    grupo heme, causam anormalidades que se caracterizam pela oxidao

    espontnea e contnua do ferro, com formao excessiva de metaemoglobina,

    fato que do origem s hemoglobinas variantes do tipo M (Hb M). Os

    portadores de Hb M so sempre cianticos, com ou sem anemia.

    d) Adio de um ou mais aminocidos ao ltimo aminocido (C-terminal)

    das globinas alfa e beta, tornando-as longas e manifestando-se como fentipos

    talassmicos alfa e beta.

    e) Fuso entre duas cadeias de globinas diferentes, em especial das cadeias delta-

    beta que resultam na formao da hemoglobina variante conhecida por Hb

    Lepore. A fuso inversa, ou seja, beta-delta conhecida por Hb anti-Lepore.

    Outras fuses tm sido descritas na literatura e todas essas ocorrncias se

    devem ao "crossing-over" desigual no pareamento dos cromossomos 11.

    Assim, somam-se atualmente perto de 1000 variantes estruturais, poucas delas

    associadas com manifestaes clnicas e alteraes hematolgicas, que podem ser agrupadas em:

    - hemoglobinas de agregao;

    - hemoglobinas sem alteraes fisiolgicas;

    - hemoglobinas instveis;

    - hemoglobinas com alteraes funcionais;

    - hemoglobinas com fentipos talassmicos.

    As hemoglobinas de agregao formam tactides e cristais, com repercusses

    clnicas e laboratoriais variveis. As hemoglobinas S e C participam desse grupo.

    As hemoglobinas variantes que no causam alteraes funcionais so a maioria,

    perto de 650 tipos diferentes, e embora apresentem importncia bioqumica, gentica e

    antropolgica, no produzem efeitos clnicos e laboratoriais significantes.

  • 23

    As hemoglobinas instveis apresentam graus variveis de manifestaes clnicas e

    hematolgicas, expressando-se laboratorialmente de forma diversificada entre os diferentes tipos

    descritos na literatura.

    As hemoglobinas com alteraes funcionais causam metaemoglobinas por Hb M,

    cianose e alterao de afinidade da hemoglobina pelo oxignio.

    As hemoglobinas com fentipos talassmicos so as variantes provocadas por falhas

    no processo de regulao da sntese de globina pela adio de aminocidos ao C-terminal das

    globinas alfa e beta e pelo pareamento desigual do cromossomo 11 no processo da mitose celular.

    As tabelas 7 e 8, resumem algumas das hemoglobinas variantes relacionadas com os

    defeitos estruturais, os gentipos, seus efeitos nos eritrcitos, alm de doenas especficas causadas

    por estas hemoglobinas.

    A seguir apresentaremos um resumo das principais hemoglobinas variantes

    encontradas na nossa populao.

    Hemoglobina C (Hb C) Foi descrita pela primeira vez por Itano e Neel em 1950, e

    em 1958 Hunt e Ingram identificaram que o aminocido nmero 6 da globina beta, o cido

    glutmico (Glu), havia sido substitudo pela lisina (Lis). Devido diferena de carga eltrica envolvida

    (Glu, pI = 3,22 Lis, pI = 9,74), a globina C tornou-se muito menos negativa, fato que sua mobilidade muito lenta em eletroforese alcalina quando comparada com Hb A, S, Lepore ou Fetal.

    Entre as hemoglobinas variantes, o gentipo heterozigoto da Hb C, ou Hb AC, o segundo mais

    prevalente aps a Hb AS na populao brasileira, variando entre 0,3% a 1,0%. A homozigose da Hb C

    (ou Hb CC) rara e caracterizada por anemia hemoltica de intensidade varivel, com evidncias

    clnicas de cansao, fraqueza e, eventualmente, esplenomegalia. Laboratorialmente a hemoglobina

    total oscila entre 9 e 12g/dl, hematcrito entre 30 e 40%, leve a moderada reticulocitose (3 a 7%) e

    no esfregao sangneo h muitas clulas em alvo. Eletroforeticamente, a homozigose da Hb C tem

    concentrao de 98% desta hemoglobina, em pessoas com idade superior a seis meses. Outras

    condies associadas de Hb C com manifestaes clnicas so a doena falciforme por Hb SC e a

    interao entre Hb C e talassemia beta, ou Hb C/Tal. beta cuja avaliao eletrofortica se torna

    visvel pela Hb CF. Diferentemente da Hb CC, que no se detecta Hb Fetal com nveis acima do

    normal, na Hb C/Tal. beta a Hb Fetal geralmente est elevada (>5%). Nesses casos as evidncias

    clnicas so marcadas por palidez, cansao e esplenomegalia. Laboratorialmente a anemia

  • 24

    moderada (Hb: 9 10g/dl) do tipo microctica, hipocrmica, muitas clulas em alvo e reticulocitose

    acima de 5%.

    Hemoglobina D (ou Hb D) A Hb D uma hemoglobina variante que apresenta a

    mesma mobilidade da Hb S em eletroforese de pH alcalino. separvel da Hb S por eletroforese em

    agar pH cido (pH 5 a 6), e tambm por no se insolubilizar em solues redutoras de oxignio.

    Quando associada Hb A, a heterozigose de Hb AD, o portador totalmente assintomtico, e a

    frao anormal constitui entre 30 e 50% da hemoglobina total. A prevalncia de portadores de Hb

    AD no Brasil por volta de 1 caso para cada 5 mil pessoas analisadas. Casos de homozigoses de

    Hb D (Hb DD) so rarssimos, e podem estar associados a discreto grau de anemia (Hb: 10,5 12,0

    g/dl). Para estabelecer o diagnstico de homozigose deve-se excluir cuidadosamente, por estudos

    familiares, a interao da Hb D com a talassemia beta. Nesse caso especfico de Hb D/Tal. beta

    comum evidenciar no hemograma anemia microctica e hipocrmica, com hemoglobina total

    varivel de 9,5 a 12 g/dl, VCM abaixo de 77 fl e HCM tambm abaixo de 27 pg. Situao que oferece

    dificuldade no diagnstico laboratorial ocorre quando h associao entre hemoglobinas S e D, ou

    Hb SD caracterizando um dos tipos que compe o grupo das doenas falciformes. Neste caso

    especfico, a eletroforese de hemoglobina em pH alcalino no diferencia o gentipo SS da SD, bem

    como o teste de falcizao que positivo em ambos. O teste mais adequado para a diferenciao se

    faz por meio de eletroforese em agarose de pH cido: a Hb S mais lenta que a Hb D, que se

    posiciona igual Hb A.

    Aps ter sido descrita em 1953, vrias outras hemoglobinas que se posicionavam

    como a Hb D (e no falcizavam) foram estruturalmente diferenciadas conforme o tipo de

    substituio de aminocidos. Assim surgiram as Hb D Los Angeles ou Punjab (a mais freqente entre

    todas as hemoglobinas variantes que migram na mesma posio da Hb S), Hb D Iran, Hb D Ibadan,

    etc. todas na posio de Hb S. Atualmente, h dezenas de hemoglobinas variantes que migram na

    posio de S ou D e que foram denominados por local de origem e que so diferenciadas em

    eletroforeses em agar cido, isofocalizao, HPLC, e por biologia molecular. A tabela 9 mostra a

    relao de hemoglobinas que migram na mesma posio de Hb S em pH alcalino, e suas

    diferenciaes estruturais.

  • 25

    pH alcalino pH cido

    Figura 1: Mapa representativo dos principais gentipos de hemoglobinas, em eletroforeses de pH

    alcalino e cido.

    AA AD AS DD SD SS AA AD AS DD SD SS

    A

    S ou D

    A2

    A ou D

    S

    Origem

    +

    +

  • 26

    Tabela 7: Exemplos de hemoglobinas variantes estruturais e seus efeitos fisiopatolgicos.

    Hb variante

    Defeito estrutural

    Gentipos

    Efeitos nos eritrcitos

    S 6 Glu Val SS, SF, SD, SC, SH Falcizao

    C 6 Glu Lis CC, CF, SC Cristais de Hb

    E 26 Gli Lis EE Hemlise

    Koln (1) 96 Val Met A + Koln Heinz e hemlise

    Niteri (1) 44 a 46 deletados A + Niteri Heinz e hemlise

    Malmo (2) 97 His Glu A + Malmo Eritrocitose

    Kansas (3) 102 Asn Tre A + Kansas Metahemoglobina

    Lepore fuso - A + Lepore Microcitose

    Kenya fuso - A + Kenya Nenhuma

    B2 (4) 16 Gli Arg A + B2 Nenhuma

    F Texas (5) 5 Glu Lis A + F Texas Nenhuma

    (1) H vrios tipos de hemoglobinas instveis; (2) H vrios tipos de hemoglobinas com afinidade

    aumentada por O2; (3) H poucos tipos de hemoglobinas com afinidade diminuda por O2; (4) H

    vrios tipos de variantes de Hb A2 por mutao na globina delta; (5) H vrios tipos de variantes de

    Hb Fetal, somente detectveis em sangue de recm-nascidos.

  • 27

    Tabela 8: Doenas causadas por hemoglobinas variantes estruturais.

    Anemia hemoltica e ocluso vascular falcizante

    Hb SS, Hb SS/Tal. alfa, Hb SS/PHHF

    Hb SD, Hb SC

    Hb S / Talassemia beta

    Anemia hemoltica com excreo urinria de dipirris

    Hemoglobinas instveis: Hb Koln, Hb Duarte, Hb Zurique, Hb Genova, Hb Seatle, Hb Niteri, etc.

    Eritrocitose hereditria

    Hemoglobinas com afinidade aumentada por O2:

    Hb Chesapeake, Hb Malmo, Hb Kempsey, Hb Hiroshima, etc.

    Metahemoglobina hereditria e cianose

    Hemoglobina M (Boston, Iwate, Milwakee, Hyde Park, Saskatson)

    Outras formas de cianose hereditria

    Hb variante com afinidade diminuda por O2: Hb Kansas

    Anemia microctica e hipocrmica

    Talassemias beta interativas com Hb variantes:

    (Hb S/Tal.beta, Hb C/Tal.beta, Hb D/Tal.beta)

    Hb Lepore (fuso de globinas ) Hb Constant Spring (alongamento da globina alfa)

  • 28

    Tabela 9: Relao das principais hemoglobinas variantes que migram na posio de Hb S em eletroforese de pH alcalino, que so rarssimas e menos freqente que Hb D Los Angeles.

    Hemoglobina Mutao Concentrao

    (%)

    Agarose cida**

    Outras informaes

    Memphis 23: Glu Gln < 30 S

    Hasharon 47: Asp His < 15 S Instvel

    Seally 47: Asp His < 20 A

    Arya 47: Asp Asn < 20 A

    Montgomery 48: Leu Arg < 20 A

    Russ 51: Gli Arg < 15 A

    Persepolis 64: Asp Tir < 20 C

    Daneshgah 72: His Arg < 30 A

    D Bushman 16: Gli Arg 25 40 A D Iran 22: Glu Gln 25 40 A Alabama 39: Glu Lis 25 40 A Ocho-Rios 52: Asp Ala 25 40 C Osu-Christianborg 52: Asp Asn 25 40 A Korle-Bu 73: Asp Asn 25 40 A P 117: His Arg > 40 A Hipocromia D Los Angeles 121: GluGln 25 40 A D Beograd 121: GluVal 25 40 A S-Antilhas* 23: Val Ile 25 40 A S-Providence* 82: Lis Asn 25 40 A S-Oman* 121: Glu Lis 25 40 A S-Travis* 142: Ala Val 25 40 S A Lepore Fuso - < 20 A Microcitose +

    Hipocromia

    * Duplas mutaes na globina beta, alm das mutaes apresentadas todas tem a mutao da

    Hb S (6 Glu Val). ** Posio eletrofortica similar. Entre Hb A e Hb S.

  • 29

    Hemoglobina G (ou Hb G) um grupo de hemoglobinas variantes que migram

    pouco atrs da Hb S nas eletroforeses alcalinas em acetato de celulose e agarose. A diferenciao se

    faz por meio de eletroforese em agarose cida. Entre as hemoglobinas do tipo G destacam Hb G

    Audhali ( 23 Glu Val), Hb G Waimanalo ( 64 Asp Asn), Hb Filadelfia ( 68 Asn Lis), Hb G

    Galveston ( 43 Glu Ala), Hb G Copenhagen ( 47 Asn), Hb G Accra ( 79 Asp Asn), entre outras. A Hb G Filadlfia a mais freqente entre todos os tipos de Hb G, e em especial no Brasil e

    USA pois sua origem africana. Tem baixa prevalncia na populao brasileira (cerca de 1: 15000),

    porm, por ser comum entre pessoas de descendncia africana e se situar eletroforeticamente na

    regio da Hb S em eletroforese alcalina, sua avaliao sempre importante. Por ser a Hb G Filadlfia

    uma mutante de globina alfa, geralmente afetando um dos quatro genes alfa, sua concentrao

    quase sempre abaixo de 25%.

    Hemoglobina Lepore (ou Hb Lepore) A Hb Lepore uma hemoglobina variante,

    com migrao similar Hb S (ver tabela 9), causada por um pareamento desigual do cromossomo 11

    durante a meiose. Como conseqncia dessa desigualdade na posio das cromtides irms do

    cromossomo 11, o "cross-over" entre elas promove a fuso de uma parte do gene delta com outra

    do gene beta, formando um gene hbrido delta-beta, alm dos genes delta, gama e beta. Esse gene

    hbrido delta-beta seqncia globinas em que a parte inicial formada por aminocidos da globina

    delta e a parte final por aminocidos da globina beta, conforme mostra o esquema a seguir:

    Dependendo do local em que ocorre a fuso delta-beta a Hb Lepore pode originar

    pelo menos trs sub-tipos: Lepore Boston, Lepore Baltimore e Lepore Holanda. Todas apresentam as

    mesmas caractersticas laboratoriais e eletroforticas, sendo diferenciadas por estudos de

    composio peptdica. A concentrao da Hb Lepore em eletroforese alcalina varivel entre 5 e

    NH2

    NH2

    NH2

    COOH

    COOH

    COOH

    Globina delta (Hb A2)

    Globina beta (Hb A)

    Globina delta-beta (Lepore)

  • 30

    15%, com Hb A2 normal ou diminuda; algumas vezes a Hb Fetal pode estar elevada. Nesses casos, o

    quadro hematolgico laboratorial tpico de talassemia beta menor com aniso-poiquilocitose,

    microcitose e hipocromia. Situao mais grave ocorre na homozigose da Hb Lepore, com quadro

    clnico e laboratorial semelhante talassemia maior ou intermdia. A eletroforese de hemoglobina

    alcalina nas pessoas com Hb Lepore homozigota mostra a presena de Hb Fetal e Hb Lepore com

    concentraes elevadas.

    Outras hemoglobinas raras Entre outras hemoglobinas raras que foram

    identificadas em nossa populao destacam as seguintes: N, J (Oxford, Rovigo e Baltimore), I, Porto

    Alegre, Korle-Bu, e Hb Instveis (Malmo, Koln, Hasharon, etc.). Entretanto, por no terem

    coincidncias em migraes eletroforticas com a Hb S, ou interaes de importncia hematolgica,

    no haver necessidade de relata-las com detalhes para o propsito deste livro.

  • 31

    AS TALASSEMIAS

    As talassemias so um grupo heterogneo de doenas genticas causadas pela

    reduo da sntese de globinas alfa e no-alfa (, ou ). Na realidade as formas mais comuns de talassemias se devem reduo de globina alfa ou de globina beta, situaes que originam as

    talassemias alfa ou beta, respectivamente. Situaes mais raras envolvem a reduo de sntese

    conjunta de globinas delta e beta (talassemia ), ou de delta, beta e gama (talassemia ). Em alguns casos de talassemias h reduo total de sntese de globina alfa ou de beta, caracterizando as

    talassemias 0 ou 0, respectivamente, por outro lado quando a reduo de sntese parcial denomina-se por talassemias + ou +. Pelo fato da talassemia beta, bem como as hemoglobinas S, C e E serem as mais prevalentes respectivamente nos continentes europeu, africano e asitico, no

    raro a ocorrncia de interaes entre talassemias e essas hemoglobinas variantes: Hb S/Tal. 0; Hb S/Tal. +, Hb C/Tal , Hb S/Tal. e Hb E/Tal.. As combinaes entre genes talassmicos com Hb S, principalmente, produzem grande diversidade clnica dessa doena gentica, com variaes que

    causam desde a morte fetal intra-tero at situaes assintomticas.

    A maioria das talassemias obedecem o modelo de herana Mendeliana,

    caracterizado pela falta de sintomas clnicos nos heterozigotos e pela gravidade clnica nos

    homozigotos. Assim, clinicamente, as talassemias podem ser classificadas em maior, intermdia,

    menor e mnima (tabela 10). Para melhor exposio das talassemias apresentaremos

    separadamente as talassemias alfa e beta.

  • 32

    Tabela 10: Classificao clnica das talassemias.

    Alteraes

    Clnico-laboratoriais

    TALASSEMIAS

    Maior Intermdia Menor Mnima

    Hb (g/dl) < 7 7 10 10 13 11 15

    Reticulcitos (%) 2 15 2 10 2 5 1 2

    Eritroblastos +++ ++/+

    Aniso-poiquilocitose ++++ +++ ++/+ +/-

    Ictercia ++ +/-

    Esplenomegalia +++ ++ +/-

    Alteraes sseas +++ ++

    Dependncia de

    transfuses

    +++ +/-

    +: pouco; ++: moderado; +++: acentuado; ++++ muito acentuado; -: ausente

    TALASSEMIA ALFA

    Entre todas as doenas das hemoglobinas a talassemia alfa a mais prevalente em

    quase todos os continentes. Est amplamente distribuda nos pases banhados pelo mar

    Mediterrneo, Oeste da frica, Oriente Mdio, ndia, Sudeste da sia, China, Tailndia, Malsia e

    Indonsia. Recentemente, com a introduo de tcnicas eletroforticas mais sensveis foi possvel

    determinar que a talassemia alfa tambm comum no Brasil. Entretanto as formas mais graves de

    talassemias alfa esto restritas ao sudeste da sia e a algumas ilhas do Mediterrneo. Para que se

    possa entender essa ampla difuso mundial do gene alfa talassmico e ao mesmo tempo a restrio

    regional das formas graves da doena, necessrio conhecer a gentica da doena.

  • 33

    Variabilidade gentica e laboratorial da talassemia alfa - Os genes que sintetizam

    globinas alfa esto no cromossomo 16 e so dois genes por cromossomo. As diferentes formas de

    talassemias alfa esto relacionadas com a inativao dos genes de globinas alfa: quando os dois

    genes alfa do mesmo cromossomo 16 esto inativados denomina-se por talassemia 0, e quando

    apenas um gene alfa do cromossomo 16 est afetado designa-se por talassemia + (figura 2). Pela

    anlise da representao esquemtica observa-se que h duas formas de trao alfa talassmico (ou

    talassemia alfa heterozigota), ambas assintomticas porm caracterizadas pela presena de Hb H

    (tetrmeros de globinas beta, ou 4) em eletroforese alcalina de hemoglobina. Da mesma forma h situaes patolgicas quando trs genes alfa esto afetados pela reduo de sntese de globina

    (doena de Hb H), ou de quatro genes alfa afetados (0 / 0) na sndrome da hidropsia fetal,

    conforme mostra a tabela 11. As delees que resultam em talassemia alfa so muito variadas e,

    consequentemente, a base molecular dessas talassemias so complicadas, notadamente na

    talassemia + pois a extenso desta leso parcial do gene muito varivel. Sob o ponto de vista de

    distribuio geogrfica, a talassemia 0 particularmente comum no Sudeste da sia e em algumas

    ilhas do mar Mediterrneo, regies em que a doena de Hb H e a sndrome da hidropsia fetal so

    mais comuns. No Brasil prevalece a talassemia + caracterizada pelo portador silencioso em 10 a

    20% da populao e trao alfa talassmico em 1 a 3% da populao (tabela 11).

    Fisiopatologia da talassemia alfa A deficincia na sntese de globina alfa resulta

    basicamente em dois grupos de efeitos patolgicos com conseqncias fisiopatolgicas e

    eritrocitrias (figura 3). As Hb H e Hb Bart's so ms transportadoras de oxignio, pois tem

    afinidade dez vezes maior que a Hb A, no desenvolvem o efeito Bohr (controle da dissociao do

    oxignio) e nem a interao dos grupos heme, resultando em hipxia tecidual com gravidades

    proporcionais ao grau de leso do gene alfa. Por serem instveis, as Hb H (4) e Hb Bart's (4) se precipitam no eritrcito e liberam o ferro, causando oxidaes com gerao de radicais livres que

    atacam a camada lipo-proteica da membrana (lipoperoxidao). Esse processo deforma os

    eritrcitos, alterando-lhes tambm a sua morfologia, fatos que somados oxidao da protena

    Banda 3 da membrana permitem o reconhecimento imunolgico dos macrfagos do sistema

    reticuloendotelial (SRE), causando o hiperesplenismo e a precoce destruio dos eritrcitos, e por

    fim a anemia. Esse processo contnuo e dependente da extenso da leso do gene alfa, resultando

    em anemia e eritropoiese acelerada, que ao longo do tempo causa a expanso da medula e

    deformidades sseas.

  • 34

    Figura 2: Representao esquemtica de genes alfa normal e nas talassemias 0 e +, nos pares de

    cromossomos 16.

    /

    normal

    / --

    Tal.0

    / -

    Tal.+

    - / --

    Doena de

    -- / --

    Hidropsia Fetal

    ou Tal.0

  • 35

    Tabela 11: Sndromes alfa talassmicas. Sinopse geral da relao entre deleo dos genes alfa e

    conseqncias fisiopatolgicas.

    Tipo de

    Talassemia

    Deleo do

    gene

    Alteraes

    hematolgicas

    Alteraes clnicas Alteraes

    laboratoriais

    Portador silencioso

    (-, / ,) Discreta microcitose

    ou

    normocitose

    VCM: 75-80

    HCM: 24-27

    Nenhuma

    Talassemia mnima

    Traos de Hb H (

  • 36

    Figura 3: Esquema representativo dos principais efeitos fisiopatolgicos e eritrocitopatolgicos

    na talassemia alfa na doena de Hb H.

    / /

    /

    4 Hb Bart s

    4 Hb H

    afinidade aumentada ao oxignio sem efeito Bohr

    sem interao Heme-Heme

    efeitos fisiopatolgicos

    hipxia tecidual

    sntese de eritropoietina

    eritropoiese aumentada

    expanso medular

    deformidades sseas

    ANEMIA

    eritrocitose e hipocromia

    efeitos eritrocitopatolgicos

    precipitao das Hbs H e Barts ferro livre Fe ++ + H 2 O 2

    Fe ++ + H + O - + HO

    diminuio da concentrao de Hb deformao dos eritrcitos radicais livres

    oxidao da banda 3 da membrana eritrocitria

    reconhecimento imunolgico ao dos macrfagos

    hiperesplenismo esplenomegalia

  • 37

    TALASSEMIA BETA

    A talassemia beta a forma mais importante de talassemias devido aos graus de

    morbidade e mortalidade causadas pelas conseqncias das intensidades de anemia hemoltica que

    afeta especialmente os doentes com talassemias beta intermdia e maior. Os constantes avanos

    teraputicos e preventivos direcionados aos pacientes com talassemia beta maior tem aumentado a

    sobrevida com qualidade, com polticas pblicas de apoio aos doentes e familiares em vrios pases,

    inclusive, o Brasil. A talassemia beta est amplamente distribuda por todos os continentes, com

    significativa prevalncia na Itlia, Chipre, Grcia e pases do Oriente Mdio, locais em que a

    prevalncia do gene beta talassmico varia entre 2 e 30%. No Brasil, a talassemia beta menor oscila

    entre 0,5 e 1,5%, e por ano nascem entre 300 e 350 crianas com talassemia beta maior.

    Variabilidade gentica e laboratorial da talassemia beta Conforme foi

    apresentado no captulo das hemoglobinas normais, os genes que sintetizam globinas beta esto

    nos cromossomos 11, sendo um gene beta por cromossomo. H dois tipos de leses genticas no

    gene da globina beta, quais sejam: a) leso que afeta integralmente o gene de globina beta, com

    reduo total de sntese, e denominado por talassemia 0; b) leso que afeta parte do gene da globina beta, com reduo parcial de sua sntese, e caracterizado por talassemia + (figura 4). Laboratorialmente as talassemias beta homozigotas (0 / 0, + / + ou 0 / +) so todas graves, com graus acentuados de anemia, dependentes de transfuso de eritrcitos, e muitos efeitos

    fisiopatolgicos. Por outro lado a talassemia beta heterozigota ou menor, independente do

    gentipo, clinicamente assintomtica, e se manifesta laboratorialmente por anemia microctica e

    hipocrmica de grau leve, com alteraes morfolgicas dos eritrcitos (esquiscitos, micrcitos,

    dacricitos e pontilhados basfilos), e bilirrubina indireta com discreta elevao. A tabela 18 resume

    as principais alteraes das talassemias beta. Os defeitos moleculares que causam os diferentes

    hapltipos da talassemia beta so pelo menos 170 tipos de mutaes quer sejam por transcrio,

    processamento de RNAm, translao e instabilidade ps-translao no gene da globina beta. Os

    estudos moleculares tem especial interesse antropolgico, e ainda no foi possvel relacion-los

    eficientemente com a clnica das talassemias beta maior e intermdia.

    Fisiopatologia da talassemia beta O processo fisiopatolgico da talassemia beta

    est relacionado com o desequilbrio que se verifica entre a sntese de globinas alfa e beta. Com a

  • 38

    sntese de globina beta afetada por reduo parcial (+) ou total (0), a relao / supera o valor de equilbrio que de 1,0. A globina alfa, que no teve sua sntese alterada, apresenta produo

    normal, e como no h globina beta suficiente para formar tetrmeros 22 resultar na precipitao de globinas alfa livres nos eritroblastos. Essa precipitao causa situaes patolgicas

    intra-eritrocitrias, deformando os eritrcitos, que so retirados precocemente da circulao pelo

    SRE, causando anemia hemoltica e esplenomegalia. A hemoglobina predominante nos eritrcitos da

    talassemia beta maior a Hb Fetal, que tem elevada afinidade por oxignio e por isso induz a

    hipxia tecidual, fato que desencadeia vrios efeitos patolgicos orgnicos, conforme mostra a

    figura 5. Resultante de todos esses processos deletrios as alteraes laboratoriais so muito

    evidentes, cuja sinopse pode ser analisada na tabela 13.

    Figura 4: Representao esquemtica de genes beta normal e nas talassemias 0 e +, nos pares de cromossomo 11.

    / normal

    / - Tal. 0

    / Tal. +

    - / -

    Tal. 0 homozigota

    / Tal. +

    homozigota

    - / Tal. +

    homozigota

  • 39

    Tabela 12: Resumo das principais alteraes nas talassemias beta heterozigota e homozigota.

    Talassemias Alteraes

    Clnicas Laboratoriais Eletroforticas

    + heterozigoto Discreto grau de anemia

    Hb: 10 13g/dl

    Microcitose (+)

    Hipocromia (+)

    Hb A2 > 4%

    Hb Fetal: 0 5%

    0 heterozigoto Discreto grau de anemia

    Hb: 10 13g/dl

    Microcitose (+)

    Hipocromia (+)

    Hb A2 > 4%

    Hb Fetal: 0 5%

    + homozigoto Tal. intermdia ou maior (dependente de

    transfuso)

    Hb: 7 10g/dl

    Anisocitose (+++)

    Hipocromia (+++)

    Hb A: 60 80% (*)

    Hb A2: 2 6%

    Hb Fetal: 20 40%

    0 homozigoto Tal. maior (dependente de transfuso)

    Hb: < 7g/dl

    Anisocitose (++++)

    Hipocromia (++++)

    Eritroblastos (++)

    Hb A: ausente (*)

    Hb Fetal > 90%

    Hb A2: 2 6%

    (*) Verificar se o sangue do paciente no est contaminado por transfuso de eritrcitos.

  • 40

    Figura 5: Esquema representativo dos principais efeitos fisiopatolgicos e eritrocitopatolgicos

    na talassemia beta maior (0/0).

    / /

    2 2 2 livre

    Hb Fetal

    afinidade aumentada por O2

    hipxia tecidual

    aumento de eritropoietina

    hemopoiese extra-vascular

    esplenomegalia

    ANEMIA

    expanso medular

    precipitao de globina alfa

    extra-medular

    hemlise

    deformidades sseas hipermetabolismo deficincia de folatos gota

    deficincia de globina beta (0/0)

    - / -

    hiperesplenismo

    intra-medular

    eritropoiese ineficaz

    aumento da absoro de ferro

    ferro livre (ferritina)

    siderose tecidual cardiopatia endocrinopatia leses hepticas

  • 41

    Tabela 13: Sinopse das alteraes laboratoriais em doentes com talassemia beta maior (0/0, +/+ ou 0/+).

    TALASSEMIA BETA MAIOR

    CARACTERSTICAS LABORATORIAIS

    [ ] Hb Fetal 20 a 90%

    [ ] Anemia hemoltica e hipocrmica (Hb < 7g/dl)

    [ ] Morfologia eritrocitria: anisocitose poiquilocitose

    clulas em alvo esfercitos

    formas bizarras macrcitos

    clulas fragmentadas micrcitos

    sidercitos hipocromia

    pontilhados basfilos eritroblastos

    anel de Cabot

    [ ] Reticulcitos: aumentados

    [ ] Leuccitos: freqentemente elevados com desvio esquerda

    [ ] Plaquetas: normais

    [ ] Ferro srico e capacidade de transporte: elevada

    [ ] Ferritina: elevada

    [ ] LDH srico: elevado

    [ ] Bilirrubina indireta: elevada

    [ ] Urobilinognio na urina: elevado

    [ ] Sobrevida dos eritrcitos: diminuda

    [ ] Fragilidade osmtica: diminuda

    [ ] Fragilidade mecnica: aumentada

    [ ] Medula ssea: hiperplasia das clulas eritrides

  • 42

    Doena Falciforme

    Doena falciforme um termo genrico usado para determinar os diferentes

    tipos das sndromes falcmicas e que se caracterizam pelo predomnio da concentrao de

    Hb S frente aos outros tipos de hemoglobinas com a qual est combinada. Assim, h vrios

    tipos de doena falciforme, conforme mostra a tabela 14.

    Tabela 14 Diferenciao dos principais gentipos de Hb S relacionados aos valores de hemoglobina (Hb g/dl), volume corpuscular mdio (VCM), reticulcitos e Hb Fetal.

    Doena Gentipo Hb (g/dl) VCM (fl) Reticulcitos (%) Hb Fetal (%)

    Anemia Falciforme

    S / S

    /

    5 9 85 110 10 20 2 10

    Hb S/tal *

    S / S

    - / -

    6 10

    70 80

    5 10

    2 20

    Hb SC

    S / C /

    9 13

    75 85

    5 10

    1 5

    Hb S/tal 0

    S / 0

    /

    7 10

    60 70

    5 15

    5 20

    Hb S/tal +**

    S / +

    /

    9 11

    60 70

    5 10

    5 - 10

    * - Deleo de dois genes alfa

    ** - Em eletroforese identificam-se as fraes de Hb A, F e S; a Hb S tem concentrao maior que a Hb A.

    Com referncia especfica anemia falciforme, trata-se do estado de

    homozigose da Hb S, por isso representado quase invariavelmente por Hb SS, apesar de

  • 43

    contar nveis de Hb Fetal com concentraes entre 2 e 10%. As pessoas que padecem desta

    doena revela, quase invariavelmente, repetidos episdios dolorosos, geralmente do tipo

    vasculoclusivo, com ou sem efeitos mielodepressivos (deficincia temporria da medula

    ssea em produzir eritrcitos). Os sinais e sintomas so especialmente causados por anemia

    crnica, perodos de agravamento de anemia, dores nas juntas e nas extremidades de mos

    e ps, dores abdominais, necrose assptica da medula, acidentes cerebrovasculares, infartos

    pulmonares, entre outros. A tabela 15 resume, tambm, as alteraes especficas da anemia

    falciforme.

    Tabela 15 Alteraes laboratoriais especficas na anemia falciforme.

    Exames laboratoriais Valores esperados

    Concentrao da Hb S (*)

    Dosagem de Hb Fetal

    Tipo de anemia

    Dosagem de Hb

    Contagem de reticulcito

    Leuccitos (**)

    Plaquetas

    Fragilidade osmtica

    Bilirrubina indireta

    Urobilinognio urinrio

    Urobilinognio fecal

    Hematria

    cido rico srico

    Ferro srico

    Ferritona

    Fostatase alcalina srica

    90 98%

    2 a 10%

    Normoctica e normocrmica

    7 a 9 g/dL

    5 a 30%

    Acima de 10 mil

    Plaquetose, com anisocitose

    Dimunuda

    Acima de 5mg/dL

    Elevado

    Elevado

    Frequente

    Frequentemente elevado

    Normal ou aumentado

    Frequentemente elevada

    Elevada nas crises

    (*) Avaliada por eletroforese ou cromatografia HPLC

    (**) Durante as crises dolorosas. Pode ter desvio esquerda.

  • 44

    Os recm-nascidos com anemia falciforme geralmente no apresentam os

    problemas relatados acima devido alta concentrao de Hb Fetal presente nos eritrcitos,

    durante os dois primeiros meses de vida. A partir do terceiro ms de vida, quando os nveis

    de Hb Fetal caem para prximo de 2%, a doena comea a aparecer. A importncia da

    Hb Fetal na anemia falciforme se deve ao fato de sua interao com a Hb S, num mesmo

    eritrcito, impede que o processo de falcizao deforme a clula at o estado de falcizao

    irreversvel. Por essa razo, um dos principais controles que se faz na avaliao laboratorial

    de quem tem a anemia falciforme o nvel de Hb Fetal. Quando a Hb Fetal est acima de

    5%, comum que os episdios de crises dolorosas causadas pelas ocluses vasculares sejam

    menores.

    O trao falciforme (Hb AS) caracteriza o portador assintomtico,

    laboratorialmente representado pela associao entre as hemoglobinas A e S, ou Hb AS. A

    concentrao da Hb S no trao falciforme sempre menor que a da Hb A e, por essa razo, o

    portador heterozigoto no tem anemia e no padece da doena.

    A representao esquemtica das posies eletroforticas de gentipos AS, SS

    e SD, mostrada na figura 1, auxilia a interpretao laboratorial de algumas situaes da

    presena de Hb S.

    Por fim, a importncia que se d doena falciforme no Brasil se deve ao

    contingente populacional negro ser prximo de 40% da nossa populao. Como se sabe, a

    origem da Hb S deve ter ocorrido entre 50 a 100 mil anos em pelo menos trs regies da

    frica e em duas da sia. Com influxo de populaes africanas escravas para o Brasil desde o

    ano de 1530 at por volta de 1830, o gene da Hb S espalhou-se por todo o pas. Por essa

    razo a prevalncia do trao falciforme em nosso pas varivel entre 2 e 8%, conforme a

    regio, e uma pessoa em cada 15 mil portadora da doena falciforme.

  • 45

    Referncias Bibliogrficas

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