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José Guilherme de Araújo Jorge Antologia Poética Volume 1

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José Guilherme de Araújo Jorge

Antologia Poética

Volume 1

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A Banda

Meu verso será como a bandatocará música para o povo.

Irá para o coreto da praça fazer retretapassará pelas ruas com um carneirinho branco- é a mascote -,as mulheres virão de avental à janela,os homens pararão o trabalho,atravessarão a rua, e os garotos, - ah, os garotos! -acompanharão a banda.. .

Tocarei o Hino da Liberdade, tocarei a Marcha doSocialismo,às vezes uma valsa - Danúbio Azul -e a Protofonia do Guarani.

De qualquer forma todos me ouvirão:estarei no coreto da praça - os instrumentos brilhando-e os garotos me acompanharão pela ruaaté o futuro.

Se preciso - se preciso - estarei à frente das tropasabrindo passagem para a bandeira.

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A Companhia

Do amor não quero mais a aventura,quero a companhia.

Já não procuro ilusões e surpresasse todos os caminhos foram percorridos,se oblíquo sol da tarde alonga a minha sombrapresa ainda a meus pés, a fugir, para onde?

Quero a compreensão, a tranqüila ternura,a presença melhor depois que amada,a que sabe ser luz clareando a estrada,ser aragem na fronte ardente a inquieta;

- alta maré para encobrir escolhos,ser água para a sede que atormenta,sombra, quando a luz doer nos olhos.

- A que inteira se dá sem pedir nadasó pela humilde alegria de se dar!

A que é pousada para o amor que vinhajá cansado de tudo e que não tinhaonde ficar.

A que tem mãos felinas, mãos que arranhaminfladas de amor,sem a gente sentir,mãos que enlaçam, depois, cantam ternuras,e que emberçam as nossas amargurase nos fazem dormir...

A que é mulher, - mar alto, porto e abrigo –a que fica a nossa espera,a que se pode voltar a qualquer hora...A que sabe perdoar nossos pecados

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nossos marinheiros desejos desgarradose não nos mandam embora...

Do amor não quero mais a aventuraquero a companhia:a que depois do beijome dará a mão,a que será minha - à noite se entregarásem pejo -e impoluída e pura,continuará comigo, com a mesma ternurano coração...

Quero a doce, a permanente companhia ...

A que depois da noiteé o meu dia,e, com o braço em meu braçohá de acertar seu passona mesma direção...

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A diferença...

E afinal há uma sutil diferençaem nosso amor,(ninguém o diz...)

Tu, queres ser feliz...Eu, quero... te fazer feliz!

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A mesma história...

 A história continua a mesma:- um dia, um soldado (ou será civil?)também não faz diferença,baterá à tua porta,estarás almoçando, ou estarás escrevendo,estarás amando, ou apenas dormindo, não importa,e te dirá que a pátria precisa de ti.

Ninguém perguntará tua opinião. Não tens escolha:- tens que ir, assim farão todos,senão a pátria dirá que és um desertor, ( ou quem [sabe? um covarde)e todos acreditarão e todos te perseguirão.

Largaras tua mulher na cama, deixaras teus filhos na mesa;abandonarás teu arado, a receberás uma linda metralhadora.No lugar da cátedra, do laboratório, da oficina,dirigirás um poderoso tanque ou um superbombardeiro;deixaras a máquina de escrever, o tear, e pincel, o linotipo,e levaras um fuzil;saltaras de pára-quedas - as imensas    medusas do espaço, -ou descarregarás bombas H sobre outras mulheres e outros filhospois teus olhos não distinguirão os seres humanasdas pedras do chão.

Não te perguntarão se tens pais, esposa ou filhosque dependem de tua presençase sobreviverão para esperar-tenem mesmo te garantirão se ficarão protegidos.

Tambores, cornetas, hinos e ordens marciaisnão te deixarão pensar:reaprenderás a marcharenquanto o medo te espreitará todas as horas,e, quem sabe? te tornará um futuro candidato

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a paciente de um hospital psiquiátrico.

A história continuará a mesma:- um dia, o Governo se lembrará que existes,e te mandará buscar onde estiveres:e te dará instrução militar, farda vistosa, armas modernas,galões nos ombros, medalhas, homenagens,tudo de graça,para morrer pela pátria............................................................................................

Ah, meu Deus,quando chegará aquele dia, em que os Governosse lembrarão de nos chamarpara viver pela pátria?

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A morte

A morteé como o amor:a coisa mais comum, mais repetida.

A morteé como a dor,é como a Vida

Sempre que chega é “nova”,imprevista, estranha,desconhecida,e entretanto está sempre conoscoe sempre nos acompanha,desde o primeiro haustode vida.

Apesarde ser a coisa mais comum,(prosaica, heróica, trágica, banalou bela)nunca nos acostumamos a ela!

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A palavra Mãe

Do pátrio idioma és a mais bela florunipétala flor nunca esquecida,sinônimo de nossa própria vida,traço de união entre a alegria e a dor...

Superlativo da palavra “amor”!Verbo do coração; ternura e lida;- tudo em ti se resume, e és tão querida,que igual não há, seja em que idioma for!

Antes que as outras todas te aprendemos,e desde quando te tornaste em falasimbolizas o amor capaz de extremos...

- “Mamãe”... Palavra azul, cor da distância...Quem não pode um dia pronunciá-la,nasceu... cresceu... mas nunca teve infância!

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A pior solidão

    Por certo, a pior solidãoé aquela que a gente sentesem ninguém no coração...no meio de muita gente...  Pior do que a solidão pura e simples,a solidão dos ascetasou dos insanos

(a mansa solidão, torre de êxtase e preceou a áspera solidão que aterra e que apavora),

é esta povoada pelo fantasma de um amorque havemos de carregar pelos anos afora...

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A primeira...

Foste o nosso primeiro balbucioa primeira palavra pronunciada;o primeiro aconchego, se fez frio,- nosso primeiro passo pela estrada.

O primeiro conselho, ante o desvioque pudesse levar a uma emboscada;a presença, mais que outras, desejada,nos momentos de dor ou desvario...

Foste tudo de bom que aconteceu:o beijo puro, o gesto carinhoso,a mão primeira que nos protegeu...

Tudo nos deste: o próprio Ser e o nome,e foi teu seio farto e generosoque silenciou nossa primeira fome!

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A Vida

Ó pobre vida suicida!Teu destino é uma ironiase o que chamamos de vidaé um morrer de cada dia!

Numa amizade perdida,num amor que se desgraça,a morte desconta a vidaa cada dia que passa!

Vive a vida bem vividae ao mais, esquece e revela,que a gente leva da vidaa vida que a gente leva...

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Algum sentido

Não falo das torres altas, das torres engradeadas,isolado nas alturas, olhando tudo distante,sem a exuberância, sem os detalhes insignificantesque são as grandezas trágicas da vida...

Não estou longe, não sou reflexo, não sou eco,não sou um som perdido que ninguém sabe a origem...

Sou a boca que grita, a boca que pronuncia o som,a mão que se eleva, não o gesto irreconhecível,o coração que bateu, não a pulsação anônima,a alma que luta, não o espírito que se acovardounum canto introvertido...

Não falo do meu quarto fechado onde me tranquei a sete chavespara não ouvir a algazarra dos tempos,e a agitação das ruas,nem receio descer os degraus que me levam à multidãoporque em verdade a nossa revolta não tem degraus!

Não temo as suas explosões porque seus estilhaços nunca me ferirãonem atingirão nunca os que tiverem coragem de ser justose os que não se atropelam com a própria consciência...

Falo das ruas e das praças, estou perdido no meio da multidão,não tenho medo porque eu sou ela e porque ela está em mim,seu corpo fala pela minha voz na hora da compreensãosinto a responsabilidade de falar em nome de seu destino...

Não me fechei na torre alta, isolado e indiferente,meus pés estão no chão sei quetodas as torres altas, ante a avalanche dos temposse destruirão...

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Amanhã Socialista

E de repenteele  se sentiu como um homem.

E o que estava no campo amanhando com os pés,e o que estava nas obras, como um humilde tijolo,e o que estava na máquina a ordenhar energia,;e o que estava na estrada arranhando a montanhapara a estrada passar;e o que estava no mar a levar o navio;e no ar, no avião; e nos trilhos, no apito;e o que estava na boca do forno, queimando;e o que estava na noite a escrever, poetando;e o que estava no palco, e o que estava pintando;e o que estava entre os filhos, lutando;todos eles e elas, sem nome, sem leis, sem futuro,há milênios nas fainas do suor e do sonhotodos pobres, plebeus,

de repente também se sentiram criaturascomo  as outras criaturasde Deus!

( E ó grande ironia, ó suprema ironia,foi preciso também libertar nesse diaaté Deus...)

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Ambição Socialista

 ISou o mais lírico socialista do mundo.Viva a propriedade privada!A propriedade privada de todos!

Que todos tenham a sua casa, e os mais ambiciosostenham duas, três, mil casas,e que morem em todas elas se puderem.

Também sou ambicioso : hei de ter três casas.A primeira, na cidade grande, onde me desgasto e me percosem nunca me encontrar, a não ser em certas madrugadasdepois que todos partiram, e então abro a janelapara a noite, que é a minha noite, estrelada ou vazia,mas, meu Deus! a minha noite, onde posso ser euem paz, algumas horas.

A segunda, na serra, junto às nuvens a aos ventos friospara semear melhor o silêncio, de poesia,enquanto as águas cantarolam nas pedras canções imemoriaiscom letras do Senhor;

e, finalmente, a terceira, na praia distanteentre amendoeiras enferrujadas e pescadores felizes,onde as crianças poderão correr livres, como as ondas,tatuando as brancas areias com as garatujas de seuspés.

IISim, quero as minhas três casas: preciso delascomo de dois pulmões para respirar,de dois olhos para chorar,de dois lábios para sorrir,de dois pés para caminhar.

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Quero a alegria de saber que há uma porta em algum lugarque me faz falta,e que se abre a minha chavenum gesto de paz e amor, ao milagre de chegar.

E quero aquele ninho nas serras, para debruçar-mesobre os muitos que sou, a oferecê-losaos muitos que me esperam, na palavra e na música.Sim, quero aquela praia, entre quatro paredesabrindo claras janelas para o mar,e aquelas areias invioladas que ainda cantam sob os péspara que meus filhos se alimentem de liberdadee cresçam no sonho das gaivotas e das vagas.

IIICom meus versos construirei minhas três casassobre a terra de todos(minhas três arvores),e, por certo, hei de devolve-las, ao partir.Eu morto, meus filhos construirão suas casase colherão as paisagens que desejaremsem mim.

Partilharei o fruto da minhapoesia,com que mato a fome de doçura do meu povoe sua sede de liberdade.

O povo me emprestará a terra para plantarminhas três árvores.Nelas quero me recolherpara ouvir seus pássaros à tarde,e com seus ramos fortes modelarei minha mesa,minha cama, meu neto.

Nelas, nas madrugadas, - as madrugadas são as tardes dos poetas-como um pássaro vindo de todos os céustornarei sempre fiel

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e guardarei meu canto.

IVSou o mais lírico socialista do mundo. Viva a propriedade privada!A propriedade privada de todos!Todos terão sua casapara cantar.

E todos nos despediremos, de mãos leves e vaziaso coração feliz da missão cumprida,conscientes de que ninguém pode se apropriar daobra de Deussem seu consentimento.

Ser livre! Saber que nada é de ninguém!Que nada nos pertence : nem mesmo este coraçãoque carregamosalguns anosemprestado, por quem? para sonhar;

que somos feitos de nós, de nós? de quem? com pedras e ânsiasnuma caminhão, sem escravos;que nenhum remorso nos tolhe, e atravessamos o espaçocomo um meteoro que cintila na noite, um segundoe segue seu destino.

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Amor horizontal

Nosso amor horizontaltinha que ser efêmero.

Em vão eu o quis arquitetar de pécomo uma torre,em vão o envolvi de nuvens brancas de sonhose o enchi de cantos esvoaçantes.

Tu o quiseste horizontal,como devem ser as coisas que nascem no tempojá em posição pra morrer.

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Amor... de mentiras...

IEram beijos de fogo, eram de lavas,e sabiam a sonhos e ambrosias.Como  pensar que a boca com que os davaera a mesma  afinal com que mentias?

Se eras as mais humilde das escravasem dádivas, anseios, alegrias,- como prever que o amor que me juravasseria mais uma das tuas heresias ?

Como supor ser tudo um falso jogo?E crer que se extinguisse aquele fogoque acendia em teus olhos duas piras?

E descobrir, - no instante em que me amavas, -que em tua boca ansiosa misturavasao mesmo tempo beijos e mentiras ?

IIEram brancas as mãos, brancas e puras,mãos de lã, de pelúcia, mãos amadas...Como prever, vendo-as fazer ternuras,que nas unhas traziam emboscadas ?

Era tão doce o olhar... em conjeturasfelizes, e em promessas impensadas...Como enxergar, portanto, as amargurase as frias traições nele guardadas ?

Como pensar em duas, se somenteuma eu tinha em meus braços, e adorava,e a outra, - uma impostora, - se mantinha ausente.

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E, afinal, como ver, nessa alegria,que o amor que tanta Vida me ofertavaseria o mesmo que me mataria?

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Amor... e Carnaval...

01Tudo riso, sonho e cor...Tudo passou... Não faz mal...Nem sei mesmo se esse amorfoi amor... ou carnaval...

02Fui tudo para esse amorbelo, puro, cruel, devasso...- fui Pirata, fui Pierrot,fui Arlequim, fui Palhaço!

03No Carnaval de verdadeda Vida, não tive nada...- Quem dera a felicidadenem que fosse mascarada!

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Amor: Positivo

A gente sabe que é amor, quando de repente encontrarazões para perdoar o que nunca se perdoou,quando os mais duros pensamentos são palavras de ternurafora da boca- a gente sente, sentemas não pensa...

Que o diga o meu coração, que deseja ofender-tee transforma em poesia a minha mágoa imensa.

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Âncora

Estou preso ao meu idealismocomo uma âncora ao fundo do mar.

Que importa se os outros barcos fugirão,todas as velas se desgovernarão,se haverá todas as transigênciase temporais?

Que importa se não houver senão, o limpo horizontesem um gesto de terra,a solidão...

Estou preso ao meu idealismocomo uma âncora ao fundo do mar.não navegarei sem leme, não serei levado pelos ventos,pelas correntes,não soçobrarei aos temporaisnada me desarvorará.

Há um porto na minha bússola,só levantarei âncora no rumo da minha decisãoestou preso ao meu idealismo .

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As seis faces...

Quando te encontro e observo que ficaste mais lindae soltaste os cabelos para me agradar,e me entregas os lábios num beijo leve e morno como a aragem,e tranças os teus dedos em meus dedos, e me olhascomo no dia em que te tirei para dançar pela primeira vez,é que percebo que continuasa namorada.

Quando te preocupas com o tempo porque vou sair,e recomendas detalhes como se me visse criança,e repreendes a minha falta depois que as visitas se foram,e endireitas a minha gravata, e escolhes a minha camisa,e me fazes trocar os sapatos que não combinam;

quando surpreende o meu cansaço, e me enlaças,e recosta a minha cabeça em teu colo,e me dás conselhos como se eu pudesse segui-los,é que descubro que há em ti, para mim, até mesmoum pouco de mãe.

Quando te consomes muito mais com as minhas preocupaçõese advinhas meus pensamentos, me prevines contra falsos amigos,e te empenhas em partilhar também minha luta;

e economizas, como se com isso poupasses minhas forças,e, sem querer, com uma palavra, desvendas uma soluçãotão próxima e tão evidente, mas que meus olhos não percebiam;quando à noite , na sombra, sem tocarmos os corpos,conversamos, esquecidos, como dois amigos numa encruzilhada,é que compreendo que tu ésa companheira.

Quando chego, e ao abrir a porta, estás à esperacom tua felicidade que me envolve e me aconchega,e tiras da minha mão a pesada pasta de couro,

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e me entregas os lábios (úmidos e trêmulos);

quando te encontro depois, em todos os detalhes cotidianose prosaicos, que fazem o melhor da vida:minha toalha de banho no lugar; meus chinelos no seu canto;minha roupa limpa sobre a cama; aquela jarra com flores arrumada;aquela mesa posta, com seus talheres brilhando;aquele odor de refeição que é o perfume do lar;quando te vejo, leve e diligente, a circular pela casaque consideras teu Reino, teu Mundo, teu Universo;sei que tu és entãoa esposa.

Quando à noite, de tarde, ou de manhã, (é um momento imprevistoe nunca marcado) sinto que precisas de mim, que te faço falta,como do ar, ou da água, de alimento, ou de vida,e te encontro ao meu lado sempre irrevelada, e te dispo,e se desencontram as mãos e nossos corpose subitamente nos jogamos, como banhistascontra o mar, contra as ondas, o mar desconhecidoas ondas que afogam e arrastam,e de súbito estamos salvos na areia, como náufragos, ésa amante.

Quando te encontro ao meu lado, deitada numa nuvema acompanhar outras nuvens preguiçosas e itinenrantesno céu do coração;

quando te pões a falar como crianças nas brincadeirasem diminutivos, em “faz-de-contas” de pura imaginação,e de ti restou apenas o contato dos nossos corpos, que permaneceu em nósentretanto distante, imaterial, a planarcomo aquela gaivota na vaga luz da tarde que se esvai;quando estirados na areia, cansados, mas felizes,já podemos conversar, eu diria nesta hora que tu éssimplesmentea irmã.

Quando penso em ti, e te sei tantas, no milagre da multiplicaçãodo amor,

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recolho-me a ti, como pássaro às ramagens, onde encontraa sombra, o ninho, o balanço, o fruto, - o impulsopara o vôo.

E amo, e trabalho, e sonho, e canto.

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Auto-retrato

A fronte larga como larga pistapara as idéias levantarem vôo...Os olhos verdes: - sinal sempre abertopara a vida passar, sem obstáculos...

E estas narinas dilatadas, comose fossem feitas para grandes haustossaborear o mais simples dos prazeres:- o de encher os pulmões... e respirar!

Um coração desordenado e boêmio,e um sentimento de justiça, intenso,como traço marcante do caráter.

A humildade de ser, para os pequenos,o orgulho de enfrentar os poderosose a alegria de amar sem ter limites!

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Balada do Zé Civil

Em tempo de paznão bato continêncianão estou na paradanão ganho medalhas

meu soldo é salário,salário sub-mínimoe sem comissões;sou o homem da rua,sempre na retaguardasem postode lado...

Em compensação...Em tempo de guerraeu morro na frete...... fardado.

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Batida de Amor...

Desconfio que você esta “tomada”, amor...

Às vezes você me olha como se eu fosse formidávelcomo se eu fosse uma beleza,fosse um sputnik, uma bomba atômica, que sei eu?- fosse uma vista do Rio de Janeiro...Acho até que você me olha às vezes,como se eu fosse Nosso Senhor...

Você me põe uns olhos vidrados de cabrocha em transee eu sinto suas mãos me percorrendo, me descobrindo,e eu já nem sei quem sou eunem pra onde vou.

Bobagem, amor, eu não sou ninguém,ou por outra, sou apenas alguém que abraça você com ternura,que descobre sua nuca, que segura seu traseiro,que morde suas coxas,que acaricia seus quadris, todo o seu corpo,como se você fosse um violãoe eu quisesse fazer você virar músicae quisesse ouvir você tocar, no coração.

às vezes, amorvocê me olha de um jeito que eu até me sintonum altar,(que Deus me perdoe o sacrilégio)mas é bom a gente se sentir assim gostadodesse jeitocomo a coisa mais importante, mais formidável do mundo

E é por isso que eu apanho você em meus braçose a amarro toda,todinha, até soltar você, e ouvir você dizer que morreu,que morreu bem morrida,

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e que então já nada mais importa, nada, nem mesmo sputnik,nem a bomba atômica, nem o Rio de Janeiro,nem a vida.

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Borboleta

Borboleta multicortu me lembras, ao passar,um bilhetinho de amordobrado em dois, a voar...

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Cabeça

Companheirosaqui está a minha cabeça.

Além dos telegramas, dos jornais, dos partidos,não sei se valerá mais que uma laranjatalvez seja inútil até mesmo para o inimigo.

Mas é a única coisa que vos ofereço.Se houver alguma luz utilizai-atalvez sirva apenas para marcar o caminhocomo uma pedra.

Ao menos podereis dizer se vos julgardes perdido:- é por aqui.

Não julgueis que a valorizo, seu único valor é não ter preçoninguém a comprará, ela nada valerá,e por isso ficará no chão, enterrada no chão, como uma pedra.

Companheirosaqui está a minha cabeça.Dela nasce e escorre este filete insignificante:talvez seja poesia.

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Cachos de uva

Vejo em teu corpo, teus seiosredondos, belos, pesados,como ao tempo das vindimasos cachos de uva dourados...

E tomo-os nas minhas mãos,sazonados de calorpara meus lábios sedentosdo vinho do teu amor

Teus seios são cachos de uva- uvas da terra ou do céu?Sei que embriagam mais que o vinho!Que são doces mais que o mel!

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Canto ao Futuro

O trabalho não pesará. Será como a tua cabeçaque carregas todos os dias sem sentir.

Os caminhos serão os mesmos - subindo as montanhas -rasgando as planícies - serão os mesmos -

A inveja não minará a bondadea bondade não será apenas a face que ri.

Nem haverá caridade. - só a justiça -ninguém agradecerá, ninguém se curvará,a gratidão se purificará.

Todos chegaremos a ser homensdepois de ser crianças,não virá a ferramentasem passar pelo brinquedo,não chegará a ciênciaantes da história de fadas,

A necessidade não atropelará a infância .Oh! a infância, sagrada infância!não será privilégio, - estará em todos os passados,subiremos a serra para encontrá-la .

Sairá das tuas mãos o que nela estiverteu cérebro trabalhará contigo para melhor ate ofereceres.

Não haverá rumos impostos,escolheremos a direção.Nem haverá boléias, - todos conduziremosos nossos carros, as novas vidas.

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Canto do poeta menor

Sou o poeta menor, o trovador humilde,que nasceu nesse Brasil grande, numa vila sem nome,em meio às árvores, aos pássaros, aos rios e jacarésporque o resto não há.

Não me recebem. Estão sempre em reunião importante.

Estou na rua, com o povo, que “a praça é do povocomo o céu é do condor”,já cantou o grande Poeta.

Não trago quatrocentos anos na sacola,não sou de ferro, não sou de bronze,não desci orgulhoso da alta montanhafalando como Zaratustra,- sou um poeta, de barro,como qualquer homem...

Não cheguei de Ita, com alma palaciana,disposto a conquistar a grande capital,não invadi os jornais e suplementosconstruindo “igrejinhas” sem fieis.

Sou o poeta menor, o poeta humilde, sem história,que nasceu nesse Brasil grande, numa vila sem nome,pra lá, muito pra lá...- a vila de Tarauacá.

Poeta sem brasão, sem orgulhos, sem rodinhas,apátrida entre irmãos,poeta nú e sozinho, com sua poesia,pelos quatro cantos de sua terramisturado com o povo.

Sou o poeta antigabinete ministerial

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sem rondós e sem falsas luxúrias,não sou amigo dos reis,sou simplesmente o poeta da rua,como um violeiro e sua viola,como um cego e seu realejo...

Quando toca a minha poesiaa criançada vem correndo para ouvir,os trabalhadores param o serviçoe comentam,as empregadas e os transeuntes fazem roda.as moças se debruçam nas janelase ficam cantarolando.

Sou o poeta menor. Não me recebem.Estão sempre em reunião importante.

Não faz mal. De mãos dadas com o povo,como em noite de luafaço ciranda na rua.

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Canto solitário e triste

à Memória de Medgar Evers

(Líder negro assassinado traiçoeiramente, em sua lutacontra a segregação racial nos Estados Unidos)

A maldade e a covardia caminham de mãos dadassobre a tua memória.

Os versos vertebrados de Langsthon Hughes(Ó soturnas e graves badaladas!)antecipavam tua sortee descreviam tua história.

Colheu-te a morte, megera branca,- noiva do nada,sem ter coragem de olhar-te a facetransfigurada.

Nos campos de Springfield os restos de Lincoln,teu velho Presidente, - o que caiu por teu amor,-sofreram como as raízes que no âmago da terrasofrem, quando o tronco recebe os golpes do lenhador.

Tombaste, tal como Lincoln,o velho Presidente,e sobre o solo, teu sangue rubroé essa bandeira, cor da revolta,que segue à frente!

E agora, feito luzque se liberta e irradia,- diáfano, sem cor,chegaste à verdadeira Democraciaque é o Reino do Senhor!

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Irmão negro que caíste à traiçãovítima do Caim-branco norte-americanona mais nefanda guerra,guarda este canto, - misto de hino e de prece,-que de meu peito fugiu,

- canto de um poeta nascido em outra terrafeliz e orgulhosa de ser mestiça,onde os homens brancos, negros, amarelos,são todos Brasil!

Guarda este canto em tua memóriade um poeta teu irmão que hoje queria apenasa glóriade poder ser negro como tu,ao menos um minuto,para, por tua morte e pela espécie humana,pôr-se também de luto!

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Caridade...

Tão boazinha, acenandointenções puras e nobres,distrais os ricos, brincandocom o sofrimento dos pobres...

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Comandante

Nesta manhã de sol, de praia em festa,de feriado para o coração- olho apenas.

Uns jogam peteca na areia...Outros passeiam de mãos dadas.Ela carrega o futuro no carrinho.

Há também um navio branco como espátulacortando a onda verde,e gaivotas riscando abstraçõesna manhã transparente,e um menino que assovia...e outro menino que berra........................................................................................

Oh! Meu Deus, todo mundo é comandante de navio,só eu fiquei em terra...

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Conquista

Debruçado sobre teus olhos, ainda ofegantede escalar alturase preso ainda aos teus cabelos para não cair,eu me punha a falar como sonâmbulonum deslumbramento de vertigem...

E então tu me apertavas contra o seio,como se eu acabasse de ser salvoem tua vida,e me revelavas que aquelas palavras sem nexoque eu, como um tonto, te repetia,não eram palavrasera poesia...

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Conselho ao primo rico

Cresceste depressaforte demais,rico demais,não tiveste tempo ainda( e será que o terás? )para parar, e conversar,para fazer amigos.

Arrombaste fronteirasdissolveste cidades,encampaste povos,e de Corporation em Corporationte apossaste do mundoe já alcançaste a Lua.

Não tiveste tempo aindapara um segundo de pausa,a pausa necessáriaa verdadeira criação,ao pensamento, ao amor.

Cresceste depressarico demais,e chamas civilizaçãoa uma mistura de “cow-boys”,“gangsters”, tecnocratas,e fuzileiros navais:não fazes sequer idéia de coma seriasdescascado do dólar.

Ah, a tua liberdadeé uma bela estátua de pedrade archote em punho,pronta para tocar fogo no mundosempre que o exigirem

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os seus capitalistas.....................................................................................

Agora, o conselhoprimo rico:- vai estudar Historia.

Lembra-te da Pérsia, de Dario,da Grécia, de Alexandre,ea Roma, de César,simples fichas nos arquivas do tempoonde o sangue e a glória amarelaram.

Para um momento, meu velhovamos apear um poucoe conversar:quero emprestar-te uma alma,quero salvar-te da tua ulceraou de um destino piordo que o que deste a Hiroshima.

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Contraste

Vou pela rua, solitário, miserável em minha tristeza,como um vagabundo friorento e sem dormida...

Tinha vontade que me encontrasse, para te dizer:afinal, sem ti, eis o que resta da minha vida,eis de mim tudo que resta.................................................................................................

E a noite segue ao meu lado, feliz, indiferentecomo uma adolescentede vestido de baile a caminho da festa...

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Coral

O hino nacionaldos oprimidose dos espoliados,(da África negra à longínqua Ásiados povos do Pacífico aos da América  Central)pintado pelas madrugadas de vigílianos muros de todo mundo,

tem uma letra curta, tem um verso sóna, mesma língua estrangeira:

- “ Yankees, go home!”

Sua música é uma revolta surdapoderosainsopitávelcrescendo no coração;

no coração do mundocomo um fantástico “ coral”...

-  Coral de Libertação!

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De mãos dadas

Ando na vida de mãos dadascom a tua lembrança...

- E para que falar em esperança?

Não sei onde me levará esta ansiedade,ou esta melancoliacheia de umidade,a me envolver como uma cerração...

Para a loucura?Para a felicidade?Ou para este morrer de cada diade quem vai tateando em noite escura ...cego do coração?

Que fazer?  Ando na vidacomo quem anda- perdido, andando em vão...

Ando na vida de mãos dadascom a tua lembrança,a fazer roda em silêncio... numa triste cirandasem canção...

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Definição

Afinal que é o amor,senão esta predisposição do homem para o sofrimento,

este sadismo do Destinoque atrai, para o tédio ou para o adeus....

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Descida

O que tinha que ser já foi...E está perdidaaquela ânsia de espera, de desejo e fé,e tudo o que virá será cópia esbatidada Vida que foi Vida e hoje Vida não é...

Muito pouco de tudo ainda resta de pé...Agora, nunca mais estréias... Repetida,a alma se reverá num desespero, atéque a vida ja não valha a pena ser vivida. ..

Do que foi canto e flor restam só as raízes,e ao tédio que envenena os dias mais risonhosrepito: nunca mais estréias... só “reprises”...

E que importa o que vier? Sejam anos ou sejam meses?- Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos ! - Nunca mais a surpresa das primeiras vezes! 

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Despedida 1

Toda vez que nos despedimos, tontos de amor,enquanto me afagas, enquanto te afago,teus olhos escuros,  vidrados,tem um brilho interiorde lua no fundo de um lago...

Toda vez que nos despedimosà espera de uma inquietante outra vez,enquanto recostas tua cabeça em meu peitote olho nos olhos, pensando que nunca nos vimos,e me olhas também, mas parece que não me vez...

Toda vez que nos despedimos,- toda vez -há um mundo de ternura em teus olhos, um mundoestranho e profundo,como os reflexos da luz , no vinho que ficouno fundode duas taças, após a embriaguez...

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Despedida 2

Tristeza é das mãos se unindosobre um corpo já sem vida,como que se despedindona última despedida...

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Dia de chuva

Dia de chuva,dia cinzento,dia de névoa,dia de vento...

Vento que venta,chuva que chove,névoa cinzentaque me comove...

Cinza tão friaque cobre tudo:alma de um diatedioso e mudo.

O mar de espumas,- prata brunida -tal como em brumasa minha vida.

O céu pareceque vem a mim,e a chuva descemansa, sem fim.

Faz bem à almaesta tristezae a doce calmada natureza.

Turva aquarelaà nossa vista,como uma telaimpressionista.

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No chão das ruas,pelos dois lados,há poças nuasde olhos pisados.

Dançam letreirosbêbedos, frios,qual marinheirossem seus navios.

Frios letreirospiscam nervosos,quais sinaleirosde inúteis gozos.

Noite de chuva,noite de vento,noite viúva,- pranto e lamento.

Vento que venta,chuva que chove,névoa cinzentaque me comove.

Chuva morfinaque assim, tão calma,tão mansa e finachove em minha alma.

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Diálogo impossível...

01Chama-me tu, por favor,Se estamos juntos, e a sós...- não ponhas este Senhortão importuno... entre nós...

02Tu tão moça, eu tão vivido...Tantos anos de permeio.- Bem poderias ter sidoo grande amor que não veio...

03Tu, moça, bela, tão calma...Eu, inquieto, a alma ferida...- O diabo leve a minha alma!- Quero o amor de Margarida!

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Diógenes

Repito a indagação feitaaos nobres:- será que os ossos dos ricossão diferentes dos ossosdos pobres?

E respondo também a Alexandrediante do meu tonel:- quero apenas um pouco de sole um pouco de céu.

E ergo minha poesialanternaem que todas as minhas forçasse consomem,

e pergunto, como ele- onde estará o Homem?

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Dualidade

Sei que é Amor, meu amor... porque o desejoo meu próprio desejo tão violento,dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,quando estás junto a mim, quando te vejo.

É um clarim a vibrar como um harpejo,misto de impulso e de deslumbramento.Sei que é Amor, meu amor... porque o desejoé desejo e ternura a um só momento.

Beijo-te a boca, as mãos, e hei de beijar-tenessa dupla emoção, (violento e terno)em que a minha alma inteira se reparte,

- e a perceber em meu estranho ardor,que há uma luta entre o efêmero e o eterno,entre um demônio e um anjo em todo Amor!

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Educação(a libertação)

Pés de chumbo. É o analfabetismo.Mais que isto, a ancestralidade de nossa ignorância,como uma crosta.

É preciso ensinar ao povo ler e escrever.

Eis o programa. Nada mais. Para quê ?

Não adianta falar sanscrito ou chinês,contentemo-nos em preparar o largo degrau necessáriopara o povo subir.

Amanhã, irá além, pisara adiante, mais alto.

Ler e escrever, dois pés, e o povo andara sozinho,tem cabeça, coração, tem braços,sabe o que quersabe cantar, sabe gemer.

Abaixo os que não querem ver o povo andar com seuspróprios péscarregando nos braços a nação livre,abaixo os que atropelam a marcha do povoe se agarram aos seus pés como argolões de ferro.

Vinde irmãos, Bebei estas poucas letras.Que elas circulem em vosso sanguecomo hemoglobinase vos dêem forças para a libertação.

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Educação

A criança estava brincando de matar...Um dia, ela será homem...... e continuará a brincar...

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Elegias para um amor perdido...

IVivemos pior que dois estranhos,como condenados, carregandoum hediondo segredoa nos torturar...

Pesada solidão essa a das almas nuasque continuam juntas, sempre duas,sem nada que esperar...

IILevamos escondidoo corpo de um amorque em vida, nos enlevoue hoje, nos oprime...

A verdadeé que simulamos dolorosamenteuma felicidade,como quem oculta algum crime...

IIIA nossa covardia( e quais serão as razões,se não há para nós amanhã ou depois? )- inventou esta agoniaa dois...

E assim, como preso sem grades,em nossa mútua presença,vamos cumprindo cada diade uma interminável sentença...

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IVCrueldade do destino!Quantas vezes cansado,sem saber com que forças, me pergunto,e a mim mesmo me digo:

- por que, pelo mal que fizemosapenas a nós mesmosum tão duro castigo ?

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Era música...

(Para leres, ouvindo a “Transfiguração do AmorMorte, de Tristão e Isolda” , de Wagner)

E então soprou um vento de ternura intensa.

E as nuvens se dispersaram, e eu vi que meu coração emergiacomo um alto cume de montanha, dourado de sol,musicado de pássaros e éguas.

Olhava teus olhos, tuas mãos, teus cabelos, teu corpo...Teu corpo era como um caminho sinuoso por onde saí desesperadoa procurar-te.

E de repente, tomei-te nos braços, afaguei-te a cintura, recolhi-te ao meu peito,Teu coração inquieto pulsava mais que o córrego das montanhas,batia asas de pássaro encandeado.

E de repente saímos livres e felizes, como simples animais de Deuscom a direção dos ventos.

Faminto, colhi-te como fruto! Sedento, bebi-te como a água!Marquei meus dentes em tua carnee escorreste pela minha boca, pelo meu pescoço, pelo meu peito.Meus braços foram tuas formas. Minhas mãos te conheceram.Desmanchei-te os cabelos, e me perdi. Nossas bocas se uniram, e se esqueceram.

Tatearam meus lábios escalando cumes,devassando vales.

E fiquei em ti, vivo e silencioso, como o sangue nas veias,como a seiva na raiz.E desci sobre ti e me entranhei, como a chuva descendo e molhando.

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E quando falamos: era música.

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Eram duas cidades

Se não estivesses na história pelo teu progressoostentoso,por teus Presidentes assassinados,tua lei do Lynch, teus “gangsters”, teus investidores,estarias, de qualquer forma, por essa ignóbil coragemque um dia te tornou o único povo do mundocapaz de apagar do mapa duas cidades inteiras,com teus cogumelos de horror.

Lá em baixo, entre chaminés, pontes, estaçõeshavia escolas, jardins, laboratórios, bibliotecas, maternidades,e casas simples, simples casas aconchegando-se umas às outrascomo uma ninhada de pacíficos pintainhos;

e sob suas asas, crianças brincando, mulheres gravidasesperando,homens maduros realizando,homens novos projetando,homens velhos em suas lembranças se balançando,todo um mundo tranqüilo, insignificante, tecido de gentecomo nós, alheia e indefesa, a viver sem saberque vivia, seus últimos momentos.

Teus superbombardeiros, aves monstruosas, fizeram das cidadespacatas, desprevenidasseus ninhos cegos,desovaram seus engenhos atômicos, a assim como a Lídice tchecados nazistas,ou Sodoma e Gomorra, hebraicas, do Senhor,como num passe de mágica transferiste da geografiapara a tragédia : Nagasaki e Hiroshima.

Ah, teus loucos aviadores ficaram lúcidos muito tardenos hospitais psiquiátricos,mas teus lúcidos generais, esses continuarão loucos ,

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(por quanto tempo?)no Pentágono.

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Escrevo dentro da noite

Estou escrevendo para não gritar. Para não acordaros que dormem felizes lado a lado,os que repousam, aconchegados,os que se encontram e continuam juntose não precisam sonharporque não dizem adeus...

Estou escrevendo para não gritar. Para enfunar o coraçãoao largo...

E as palavras escorrem salgadas como um córrego de águas mortasnum silencioso pranto.Tão perto, e nem percebes minha insônia. Nem ouves a confidência.que põe nódoas no papel para não ter que acordar-tee se transmuda em palavras, que são estátuas de sal.

Estou escrevendo para não gritar. Para não ter tempode acompanhar a noite,para não perceber que estou só, irremediavelmente só,e que te trago comigosem outra alternativa que o pensamento- cela em que me debato a olhar a lua entre grades.

Estou escrevendo para não gritar. Para não perturbar os que se amame se juntam, e se estreitam, e sussurram na sombrae passeiam ao luar,para que as palavras chovam num dilúvio, silenciosamente,e me alaguem, e me afoguem, e me deixem pela noite a dentrocomo um corpo sem vida e sem alma,a flutuar...

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Estou olhando as minhas mãos

Estou olhando as minhas mãos agora, te escrevendo,mãos loucas,te mandando mensagens como um telegrafistaque se pusesse a transmitir para a Lua...

Estas mãos não foram apenas as mãos que te acariciaramque te seguraram tantas vezes a cabeça,pelos teus  cabelos,como uma taça em que se vai beber...

...que te conheceram toda, e ante a tua surpresa,te descobriramtu que não sabias mesmo que existias,até aqueles momentos em que te achei como umtesouro ignorado...

estas mãos que olho, batendo nos teclados, sob a luzcomo duas estranhas aranhas tecendo poesia na noiteem pensamentos vãos,tecendo uma inútil teia que já não prende mais,-elas guardam tantas lembranças em sua táctilmemóriade mãos...

Eram elas que, trêmulas e ansiosas,todas as vezes, como a primeira vez,participavam do decisivo instante:davam a volta na chave, enclausurando-te, avarentas,e então eu podia pensar, com uma louca alegria antecipada:-já está comigo, é minha!

Eram elas que em sua impaciência, cegas, tantas vezescomplicarama minha ânsia natural de o mais depressa possívelquerer ver-te nessa beleza de sonho

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com que Deus te vestiu...

E foram elas, também, que algumas vezes, recalcitrantes,- sem aceitar o tempo e sem tê-lo visto passar -tão sem jeito e sem vontade, só a custo conseguiramabotoar em teu vestido aqueles colchetes inacreditáveis.

Estou olhando as minhas mãos, e se elas não fossem minhas,palavra de honra que não acreditaria em nada dissoque  estão pensandoe temiam em te escrever.

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Eterno drama

Por que esse desencontro tão constante?Por que tão raro o amor completo, inteiro?Sempre uma alma a se dar toda, exultante,e um frio coração por companheiro.

Sempre um a querer mais, a cada instante,o desejo a queimar como braseiro;e o outro apenas seguindo, ao lado, e adiante,quase como um estranho caminheiro.

Um, tranqüilo, confiante, satisfeito;o outro, o ciúme a levar no coraçãocomo um cão a rosnar dentro do peito;

eis, a toda hora, o drama que desponta:- há sempre um que ama, escravo da paixão,e o que se deixa amar... sem se dar conta.

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Ética

Não pisarás sem deixares manchasse houver lama no caminho.

Nem salvarás teus irmãosse te perderes a ti mesmo.

Não haverá luzse não lhe deres o óleo, a energia.

Nada justificará a tua chegadanem haverá beleza nem haverá paz,nem haverá igualdade,se houver remorso, se houver traição,se pisares o homem.

Ou matarias tua mãepara chegares à humanidade?

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Existo

Seu amor me fez real, e me deu o sentidoda alegria de ser, total, completamente...Fez de um pobre poeta em sonhos consumidoalguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente!

Seu amor foi a vida a irromper da sementede um velho coração cansado e ressequido,o verde que voltou ao ramo nu, pendente,a imprevisível flor, o fruto inconcebido...

Seu amor foi milagre a cantar pelo chãocomo a água, no agreste, a acenar ao viajantea esperança, o prazer, a vida, a salvação...

Passo a existir, quem sabe? apenas porque a amei...E ela existe talvez, a partir deste instanteporque ela e o seu amor... em versos transformei!

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Falta de ar

Há dias que posso passar sem sol, sem luz,sem pão,sem tudo enfim...

(Tenho até a impressão de que não preciso de nada...... nem mesmo de mim...)

Mas há dias, amor... (e parece mentira)- nem eu sei explicar o porquêde tão grande aflição -

em que não posso passar sem Vocêum segundo que seja!- de repente preciso encontrá-la, é preciso que a veja -

- Você é o ar com que respirameu coração!

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Família...

Da janela do meu apartamento, à noite, quando chegovejo defronte, a mulher sentada à máquina de costurasob um foco de luz.

São oito a meia. As janelas da sala, dos quartos, de todo o apartamentoestão apagadas.

A mulher continua costurando, costurando. Ao seu ladoestão sempre brincando um menino a uma menina,(devem ter 5 a 6 anos)e sobre a cama de casal ha um menorzinho, quase sempre pulandosobre o colchão.

Vez por outra a mulher se volta para eles, ( não ouço o que diz)mas faz pouca diferença porque eles continuam fazendo a mesma coisa.

De repente, ela para de costurar.As crianças desaparecem.Um minuto depois, ele se curva para beijá-la, ela se levanta e sai.As crianças se agarram as pernas dele, entram e saemcorrendo por todos os cômodos....................................................................................................................

Da janela do meu apartamento, à noite,todas as noites,me emociono a pensar, não sei o que...

“... Ser pai é ser esperado, é parar a costura,é ser segurado pelas pernas, é, de repente...acender o apartamento todo!”

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Fascismo

Salto no vácuo, vôo cego,esmigalhaste milhões com teu impulso.

Tua presença anticatalítica, antifraternaimpediria a grande comunhão.

Tua existência é fatal como o fogo na bibliotecacomo a enchente na plantação.

Sairás como a pedra para que haja o túnelsairás como a mordaça para que haja cantos.

Em vão lançaste âncoras, raízes, amarras,as juventudes serão reconstruídascomeçaremos na base.

Não tentes persistir.  Abriremos as sombras meio a meio,o radar te morderá os calcanhares,ficarás nu no holofote, antes do fogo,se preciso, te arrancaremos com as mãos, como erva daninha.Nunca mais as culturas ficarão sem sol!

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Flor do Ocidente

Nasceste grega. Como uma coroa de louroscingiste a fronte dos heróise falaste pela voz de Péricles, o general patrícioaos guerreiros de Atenas.

Foste gregae representaste a vitória do mais forte,vicejaste sobre a escravidão de vencidos e plebeus.

Cresceste francesa. Desabrochaste pelas ruassobre a barricada das comunas. Embelezaste os discursosdos mais espertos, e os tornaste por issoos mais poderosos.

Em teu nome a guilhotina ceifou o dourado trigalda Realezapara engordar a burguesia com sua infinita colheita.

Delicada flor do Ocidente - cultivada pelos espíritos mais nobresmiragem das ruas e dos campos,repudiou-te a realeza,e desabrochaste como rubra papoula de três pétalas,- liberdade, igualdade e fraternidade -e em vão o povo intentou levar-te à lapelacomo o próprio coração.

Emigrante - renasceste em novas espécies,chegaste a ser bela quando florescias nas pontas das espadasde Washington, Bolívar, Pedro I, San Martin,mas logo te deixaste a enfeitar os jardins da nova burguesia;e nas poderosas regiões do Norte,só os brancos podem colher-te, manchada,só os ricos sabem teu nome, e podem pronunciá-lo.

Ontem, grega

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foste a liberdade do mais forte;ontem, francesafoste a liberdade do mais rico;hoje, americanacontinuas a liberdade dos poderosos.

Mas no mundo, amanhãnão serás grega, nem francesanem americana,serás apenas a humana liberdade, a liberdade humanados que hão de lutar contra os mais fortes e os mais ricospara também serem homens.

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Glória

Glória ! Meu verso amanhecerá escrito nos murosa pixe,renovará mensagens de esperança e insubmissãoquando a luz os revelar.

O operário que passa o levará na memória para repeti-loe o camponês o encontrará escrito na terrae lançará sementes sobre as suas letras.

Os trabalhadores passarão a pé e pensarão; é anúncio.O companheiro mais feliz explicará: é mensagem.

Estará nas faixas, na frente da multidão, levado no altopara que todos o leiam,irá à frente como bandeirapara que o povo chegue mesmo caindo.

Meu verso estará no discurso, na pregação, no coração, na música,como a frase importante, como o exemplo, como o amor, como a nota,só que não servirá para as festa joaninas,não é fogo de artifício.

Glória!Meu verso amanhecerá  no asfalto, nos muros, nos bondes, nos trens,e penetrará, e possuirá, e se entranharáamanhecerá na consciência, na memória, no coração,enquanto não amanhecer para o povoe sombras suspeitas estiverem nas praças policiadas.

Óleo, meu verso alimentará a chama, será calor,será fogo.

Glória!

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Gostar...

O que amargura e desgostae nos dói mais profundamenteé quando ao gostar, se gostade quem não gosta da gente...

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Gostaria...

Queria compartilhar contigo os momentos mais simplese sem importância.

Por exemplo:sair contigo para passear, sentir-te apoiada em meu braço,ver-te feliz ao meu ladoalheia a todo mundo que passasse.

Gostaria de sair contigo para ouvir música, ir ao cinema,tomar sorvete, sentar num restaurantediante do mar,olhar as coisas, olhar a vida, olhar o mundo,despreocupadamente,e conversar sobre “nós” - esse “nós” clandestinoque se divide em “tu e eu”quando chega gente.

Encontrar alguém que perguntasse. “Então, como vão vocês?”e me chamasse pelo nome, e te chamasse pelo nomee juntasse assim nossos nomes, naturalmente,na mesma preocupação.

Gostaria de poder de repente te dizer:- Vamos voltar pra casa...

( Como  se felicidade pudesse ser uma coisaa que tivéssemos direito como toda gente.)

...............................................................................................................

...

Queria partilhar contigo os momentos menores de minha vida,porque os grandes já são teus.

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Gosto quando me falas de ti...

Gosto quando me falas de ti... e vou te percorrendoe vou descortinando a tua vidana paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos tranqüilos

Gosto quando me falas de ti... e então perceboque antes mesmo de chegar, me adivinhavas,que ninguém te tocou, senão o ventoque não deixa vestígios, e se vaidesfeito em carícias vãs...

Gosto quando me falas de ti... quando aos poucos a luzvasculha todos os cantos de sombra, e eu só te encontroe te reencontro em teus lábios, apenas pintados,maduros,mas nunca mordidos antes da minha audácia.

Gosto quando me falas de ti... e muito mais adiantasem teus olhos descampados, sem emboscadas,e acenas a tua alma, sem dobras, como um lençoldistendido,e descortino o teu destino, como um caminho certo, cujaprimeira curvafoi o nosso encontro.

Gosto quando me falas de ti... porque percebo que te  desnudascomo uma criança, sem maldade,e que eu cheguei justamente para acordar tua vidaque se desenrola inútil como um noveloque nos cai no chão...

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Identidade

Se me encontrarem morto no rua(como um indigente, um desconhecido)apenas com a minha poesia.

- seria bem fácil me reconhecer...

Bastaria que entregassem à primeira moçaque passasse,a poesia, para ler,e ela haveria logo de dizer (com a alma inquieta):- é o meu poeta ...

... E, tenho certeza,(desculpem-me a imodesta convicção):- uma lágrima límpida e silenciosaturvaria seu coração...

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Ideologia

Sou o anti-Maquiavelo anti-fascista.

Na encruzilhada da minha poesiaCristo e Marx se encontrarão.

O Novo Testamento e O Capitalnão permitirão mais entrelinhas.

E acima de tudo cantarei a liberdade.

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Ilha de Coral...

Por momentos me deste a sensaçãode terra firme.

Cansado da inquietação do mar,do balanço das ondas, os horizontes inumeráveis,eu me atirei a ti, como um náufrago,e teu corpo não me soube apenas à praia providencial,mas a um país de tranqüilidadehá tanto tempo esperado...

Ilusão. Eras uma pequena ilha, de morna areiae traiçoeiros corais,onde todo me feri na ânsia de salvar-mee que logo desapareceria sob a maré cheia,para nunca mais...

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Ilha

Eis-me completamente  só em plena vida,sem uma amor sequer à vista, sem ninguém:- a que um dia julguei eterna, a mais querida,traí-a, e me traiu... já não lhe quero bem...

a outra, a que me chegou quase que despercebidae acabou sendo tudo o que a paixão contém,tal como me chegou partiu: sem despedida!e eis-me só, na lembrança, a aguardá-la também.

Completamente  só, perdido em plena vidacomo desabitada ilha, íngreme penhafora de rota, a erguer-se entre vagas bravias.

Uma ilha em pleno mar, esperando esquecidaque algum náufrago amor ( algum dia) ainda venhapor milagre encontrar suas praias vazias..

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Imortalidade

Não adianta encostar meu verso na paredepara fuzilá-lo.

Eu dobrarei os joelhos. Haverá uma líquida flor vermelha.

Sim, minha camisa se tingirá.Minha face será pálida.

Mas meu verso ficará de pé.

A policia fugirá, os prepotentes fugirão, fugirão os burgueses,que eles ainda acreditam em milagrese terão medo.

Mas meu verso ficara de pé.

Não será milagre. Meu verso não está mais em mimnão sou euestá no povoe o povo se multiplicará mesmo caindoe ficará sempre de pé, mesmo que os fuzis detoneme os joelhos se dobrem...

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Lembrança da infância

Marcha soldadocabeça de papel.................................................

(Afinal era um paísou um pátio de quartel? )

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Lembrança da Mãe Preta

Mãe Preta... Em versos, cantando,fiz teu perfil em dois traços:- és a ternura embalandoo amor, criança, em seus braços.

Partilhando sem protestoteu leite... e teu coração...unias num mesmo gestoo amor... e a abnegação...

Mãe Preta... Que bem nos fazlembrar-te o vulto ainda agora,Mãe Preta, dos nossos pais,mãe das mães brancas de outrora...

Simbolizando a belezado mais branco e puro amor,ó Mãe Preta, és, com certeza,Nossa Senhora de Cor...

Mãe Preta, um anjo bendito,velho anjo protetor...Irmã de São Benedito,babá de Nosso Senhor!

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Letra anônima

A Polícia perseguirá meu versomas não o encontrará.

O povo acolherá meu verso clandestinamentee lhe dará pão e água, (que mais terá o povo?)e despistará os “tiras”com o eterno desconhecimento.

E meu verso não precisará se esconder,porque estará presente de qualquer formae eles nunca o verão.

Sempre presente, na porta que se abre, no susto que empalidece,na preocupação que se inicia, na lembrança incomunicávelna volta macerada, no escarro de sangue.

Estará presente, sempre presente,desde que se bata à porta dalutapela liberdade e pela justiça - desde que se bataà porta dos explorados, dos injustiçados.

Ele atenderá.  Estará na revolta que acende os olhosno palavrão impossível, no pensamento de esperançase o companheiro não for encontrado.

A polícia perguntará ao meu verso pelo meu versoe levará meu verso para interrogá-loe ele ficará no entanto, milhares de vezes em liberdade,até que a polícia não ronde o ódio justo.

Os que têm no coração a música da liberdade,ouvem meus versos sem saber - eles são a letra -a letra anônima.

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Libelo em Nuremberg

Vos que ficastes na epiderme a não chegastes ao sanguesenão para derrama-lo;que intentastes tornar irreconhecível a cruze lhe entortastes as pontas inutilmente;que entrastes, na madrugada, pela janela dos povosenquanto as vossas promessas eram pombos nos céus;que arrancastes a juventude a idade e o sonhoe em troca lhe entregastes a força por ideal;que destes ao tempo mil pêndulos fantásticosarrancados as horas de heroísmo dos povose os deixastes a oscilar nos braços curvos das forças;que enchestes o ar com o odor acre do espíritoardendo como as resinas dos troncos verdes nas chamas;que dançastes na praga quando os livros eram fogoe já não eram luz, - na sombra gelada ao redor;que colhestes inocentes a os entregastes ao fimcom revoltas impotentes em paga da justa revolta;que criastes sobre a morte a liturgia desumanade mil formas imprevistas, - para o imenso extermínio;que fizestes da traição a conduta supremae nada perdoastes diante do ódio a da posse;

só tivestes uma vida - miseráveis! - e devíeismorrer milhões de vezes pelos vossos crimes!

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Lírica nº 30(A tua falta)

Em vão tento vingar em outraso amor perdido.

Só consigo ir multiplicandoa tua falta.

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Lírica nº 34(Velhas ruínas) 

    Nas lembranças deste amor, no pensamento,surges tantas vezescomo um luar se gastando inutilmentesobre velhas ruínas...

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Lumumba

“Havia nele qualquer coisa de mágico.Esse ser de fogo era um autodidata,mas tinha gênio. Enquanto os outrosse preocupavam com pequenosproblemas de tribos, ele já via aÁfrica unificada.”Aimé Césaire.

A selva ao redorera um búzio ressoando!Mas o que o embebedavaera o vozerio do povoseu povo escachoandonas praças libertas,mais forte que o Congo.

Poeta nascido, e chefenascido, a África traziaesticada no corpo,dos pés à cabeça,circulando nas artériasbatendo tan-tans de urucungono coração.

Mágico da liberdadeem passes de pura verdade,o povo se abria, como em frisosde espuma,a sua passagem!Era tão fácil acreditar:era a fé que buscavampare vestir o corpo nue alimentar o coração ferido.

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A África andavacom seus pés,nas estradas, nas selvas,nos rios, nas ruas;sentava-se com ele nos bares,cantava no seu violãodançava no seu peitobrilhava em seus olhosamava em seu amor;seguia com ele; à sua vozde comando;sua voz cimentava as vontades,as ânsias, as revoltas;seus versos levantavamtrincheiras invulneráveis.

Lumumba, poetada Áfricasem porões de negreiros,sem chibatas de fogo,sem ferros nos pés,sem pêndulos de forças,cobrando seus juros de ódiopara purificaro amor que há de vir.

Lumumba, poetaforte, da África livrea beber como um trago ardentea própria cor,e enfim sendo ouvida, temida,- lutando,morrendosem medo do brancoo antigo senhor.

Lumumba, poetada paz e da guerra,semente do povo lançada na terraofertando, em verdadecantos para a África

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esquecer suas dorese as duras convulsõesparindo a liberdade!

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Mãe

01Ó minha mãe! Em meus cantos,num grato e eterno estribilho,bendigo a Deus, que entre tantos,me escolheu para teu filho!

02É um Dom... Plebéia ou rainhatoda mãe o tem... Pareceque o amor de mãe adivinhao que aos filhos acontece...

03Se a tens, tens tudo, se a perdes,nada tens, infelizmente...Mulheres, no mundo, há muitas,mãe, no entanto, uma somente.

04Tens tanta pureza, tantaminha mãe... Que me enterneçoe chamo sempre de santaa toda mãe que conheço

05Pagar-te o amor? Que ironiaó minha mãe, com que meio?- se a vida que eu te dariafoi de ti que também veio!

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Mago

Ah! Se Deus me desse a palavrapara dizer a luz dos teus olhoseu não seria um Poeta - seria um Mago.

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Manhã para ser feliz

Esta é uma manhã para ser felizem um lugar, de algum modo,- é uma manhã para ser feliz...

Esta é uma manhã para dois, para dois juntosabraçados e tontos, num remoinhonão como nós, eu aqui, diante do sol, das árvores,de tudo- envergonhado porque estou sozinho...Esta é uma manhã que me fala de ti, nas nuvens,na transparência do ar,neste azul do céu, imaculado,na beleza das coisas tocadas de sonhoe imaturidade...

Uma manhã de festapara ser feliz de verdade!

Esta é uma manhãpara te Ter ao meu lado...

Quando Deus fez uma manhã como estaestava com certeza apaixonado...

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Mãos...

01Como aves desarvoradasDepois de roteiros vãosTuas mãos vieram, cansadas,Se aninhar em minhas mãos...

02Há momentos... Acontece...Puro, o amor pode ficar,Como duas mãos em prece,Esquecidas, a rezar...

03Quando é maior o carinhoÀs vezes, tenho a impressãoDe que conversam baixinho...Tua mão... em minha mão...

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Maria

01Mar adoçado com mel,dia de luz, claro dia,misto de mar, terra e céu,eis o teu nome: Maria.

02A essa Maria que passaminha oração já compus:- Maria, cheia de graça!- Maria, cheia de luz!

03Maria Clara, MariaMaria das Dores, da Conceição,E aquela que eu chamariaMaria do Coração.

04Deus pôs no céu três Mariasna mesma constelação,e na noite de meus diasmais três, no meu coração...

05Por duas Marias errameu viver de déo em déo:- a que me perde na terra,- a que me salva, no céu.

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06Ó Marias, que eu agorajunto na mesma quadrinha:- Do céu, a Nossa Senhora,- da terra, a senhora minha...

07Ó Maria, concebidapara ser o meu pecado...Nos teu braços, minha vidaé um barco desarvorado

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Missão

Meus versos terão cumprido a sua missãose puderem ser pedra e areiaservirem de barricada.

Se puderem ser o hino, quando o desânimose levantar como a poeira dos escombros.

Se puderem permanecer no alto, como a bandeirarasgada e irreconhecível, mas tremulando.

Terão cumprido a sua missão,se na hora em que precisarem delesnão negarem fogo como a boa arma,se outros puderem ouvi-lo, como o esperanto,depois da vitória do homem e da vitória do povo.

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Modelo

    IQuero que poses para mim.

Encontrarei a palavra que exprimao que em meu sangue tumultua,e a imponderável e secreta rimaque é só tua.

Serás minha obra-prima!Serei o teu pintor...Quero que poses para um poema, meu amor,toda nua.

IIQuero que poses para um poema,toda nua.

Perdoa, meu amor. Bem estranha é a exigênciacom certeza...

Sou um humilde poeta moderno que não confia na imaginação,nem faz esta injustiçaà tua beleza!

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Monólogo

Meu filho,se te dissesse que poderia haver um mundo de duas classes,em que uns trabalham e outros não,e os que trabalham. mendigam, e passam fome,e os inúteis gozam e desperdiçam.

Se te dissesse que poderia haver um mundoem que uns tem tudo: pão, remédio, crianças, futuro,- já nasceram proprietários do futuro! -e os outros não tem nada, nem mesmo meios para a luta,a grande luta desigual.

Se te dissesse que nesse mundohá homens de automóveis, tapetes, mulheres perfumadas,e homens na chuva, ao relento, mulheres nas calçadas,e aos primeiros não causam a menor impressão tal acontecimentoe os outros não se revoltam, - estendem apenas as mão vazias- e exalam lamúrias.

Se te dissesse que a justiça e a fé são mercadorias inacessíveisaos realmente necessitados:e o direito é apenas a lei que manterá tal estado de coisas;e há homens que jogam a riqueza pelo prazer de jogare outros que mereciam e morrem sem conquistá-la.

E se te dissesse que apesar de tudo esse mundo existe realmentee vive, progride, e avança,havias de me dizer: impossível, meu pai,um tal mundo jamais poderia existirnem poderia a vida afinal se tão má!

Entretanto, meu filho, basta abrires teus olhos,aí está, - parece incrível, não é? - mas aí está!

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Mulher grávida

Aquela beleza,aquela que fica para além dos olhos,que independe de formas,está em teu corpo.

Durante nove mesessilenciosamenteDeus trabalhaem tuas entranhas

Durante nove meses,- laboratório de Deus -és um milagre acontecendoem todas as suas fases.

Aquela beleza,aquela que fica para além dos olhos,que as mãos não modelam,que os homens não sabem,que as crianças não percebem,está em teu corpo.

(Não a beleza externada flor,mas, a recôndita,da raiz;não a beleza do adjetivo,mas a beleza do verbo.

No começo, era o Verbo.)

Até que, de repente,Deus se revela em ti como um novo dia!

Então

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não és apenas mulher, és símbolo, universo,estrela...

E ao ver-te, (e ao vê-la)te sigo como o pastorna direção da alvorada,me curvo como o lavradorsobre a terra já semeada,me ajoelho como o crenteante a imagem venerada,me comovo como o Poetaao olhar doce da amada.

Prosterno-meante a mais simples e inéditade todas as belezas(que importa se infinitas vezes repetida?)- e, humilde e ignorante,(a alma por um mistério inefável, possuída,)feito rei e pastorme maravilho,ouvindo a Vida cantarno choro de teu filho!

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Nossa cama

Olho nossa cama. Palco vaziosem o drama, sem a comédia,do nosso amor.

A nossa cama branca,branca página, em silêncio,de onde tudo se apagou...

(Meu Deus! quem poderia ler aquelas ânsias, aqueles silêncios,aqueles carinhosque a mão do tempo raspou, como nos velhospergaminhos?...)

A nossa camaimensa, como a tua ausência,tão ampla, tão lisa, tão branca, tão simplesmente cama,e era, entretanto, um mundo,de anseios, de viagens, de prazer,

- um oceano, que teve ondas e gritos encapelados apelados,e nele nos debatemos tanta vez como náufragosa nadar... e a morrer...

Olho a nossa cama, palco vazio,em nosso quarto, - teatro fechado -que não se reabrirá nunca mais...

Nossa cama, apenas cama, nada mais que camaalva cama, em sua solidãoem seu alvor...

Nossa cama:- campa (sem inscrição)do nosso amor.

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Noturno n.º 1

Pela madrugada o rádio põe em surdinaum fundo musical de filmeem meu desespero.

E a serenidade da noite, impassível,com sua felicidade de luar e estrelasme faz mal,parece afrontar meu desejo impossívele ainda me torna mais triste, mais sentimental...

Você está em todas as formas do pensamentoE no pensamento que conforma todas as coisas...

Em vão tento fugir com a música, tento evadir-me com a noite,em vão!

Você é a música, a noite, você é tudo!É a própria forma e o conteúdoDa minha solidão...

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Noturno n.º 5

    Estou vazio com um salva-vidas, sem vida,flutuandosobre o mar

Há um rádio não sei onde, acenandouma alegria distantee inútilà minha angústia sem remédio.

A noite perdulária esbanja estrelase não percebe que me oprime,eu, que não posso sorve-la ,eu, que estou em solidão.

A lua é um exagero, e faz mal aos meus nervos,golpeia a minha face para um duelo de amorque ficará sem resposta.

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Numa tarde como esta...

Ouço a chuva cair, e ninguém podesaber, quanto a minha alma está sozinha...

Lembro-me bem: chovia assim, chovia.- Numa tarde como esta ela foi minha.

E enquanto não chegava, eu me dizia:

- “Vai molhar-se todinha, o meu amor...Tão frágil, que receio ao vento e à chuva,antes dos beijos meus, se desintegre...Onde estará neste momento ainda? E enquanto não chegar, nada há de ver...”

E lá fora aumentando a chuva, e a chuvame olhando, indiferente ao meu sofrer...

(Na penumbra do quarto, as coisas todaseram sombras vazias, esperando.)

De repente: seus passos.  Sim! seus passos...Adivinho-lhe os olhos: não mentira. E quando a porta se fechou, penseipor um momento ainda, que não era,- que eu é que louco imaginara tudo.

Encostou-se ao meu peito, e o coraçãovaga escondida, contra o meu batia.

Beijei-lhe a boca... e então bebi-lhe as gotasno pescoço, no rosto, nos cabelos...

-”Criancice, meu amor!... - molhada e fria esta roupahá de até lhe fazer mal...”

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Tão débil era o amor a aconchegar-se:quase uma criança entre medrosa e alegre,...

Ah, a chuva que a molhou! ... E eu fui cuidá-la...e em pouco, éramos dois, ardendo em febre. .

Numa tarde como esta ela foi minha,molhada e trêmula a colhi nos braços.

Hoje, chove... A minha alma está sozinha...E nunca mais hei de escutar seus passos...

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Nunca morrer assim...

Nunca morrer aos poucos, devagar,(a Vida a se extinguir como um lamento)- sem mais nada fazer do que esperarque a brasa esfrie sob o frio vento...

Nunca morrer assim... ao sofrimentoque, como um polvo de insondável mar,nos abraça e nos tolhe ate o momentoem que, não mais podemos respirar...

Morrer, - por certo ! – em pleno vôo, em plenoprazer, sem medo e dor, forte e sereno,num tropeço imprevisto de quem corre,

como a criança que cai, a rir, contente,como a luz que se apaga de repente...- Morrer assim, sem se saber que morre!

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O eterno triângulo...

01Aos meus ciúmes doentiosTu me disseste ainda nua:- De olhos abertos sou dele!De olhos fechados, sou tua!

02Ciúme tolo, policial,Tão pretensioso, irritante,Se eras casada... e afinalEu era apenas... amante...

03Esquece, amor, meus pecados,tu me disseste a sorrir,se nos meus olhos cerradossó tu me podes possuir

04E eis a suprema ironiaAo meu coração ferido:- tu foste trair-me um dia,Mas, com quem? - com teu marido...

05Confessas sendo mulher,(mas só de pensar me humilho)- que o filho que ele te derem pensamento é meu filho!

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06(Ó Amor, como desandas!)Ontem, ciúmes... mil espreitas...Hoje, nem sei onde andas,Nem em que cama te deitas...

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O galo branco

De repente,na noite escura,molhada e nua,noite sem lua,meu passo estanco...Junto a um telhadonegro e orvalhadoque havia em frente,no alto de um muromisteriosocomo o futuro,um muro negro,um muro brancona madrugadaainda velada,surgiu um galo- um galo branco.

Branco e imponenteno alto do muro,peito estufado,batendo as asas,jogral da noiteantes do fim,- sobre os telhadosquietos das casasvibrando as notasdo seu clarim!

Depois .sumiucomo surgiuna noite escurasobre o telhadonegro e orvalhado,levando a noite,

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levando o canto,- mais do que o canto,levando o espantomudo, parado,deste meu cantodesesperado...

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O Homem

Salvando o homem chegaremos ao povo,este o caminho.

Não aceitemos traições ao homem em nome do povodo povo traído.

Pregaremos o governo do homem pelo homem e para o homemnão haverá povos felizes enquanto houve homens infelizes.

Aos Senhores dos Governos, lhes dizemos: basta!desçamos das generalidades para o homem.

Toda vez que desejais mistificar, transferir, enganar,encheis a boca com o povo, apenas palavra mágica –para todas as traições.

Ao homem o encontrareis na esquina de mão estendidae na ameaça do gesto que vos poderá fulminar,por isso não andais só, a solidão no meio do povo vos aterrorizaaterroriza temeis o homem.

Ao homem o podereis ver, nos “centros de saúde”em verdade, centros da morte,e no hospital, na mulher pálida na sala de espera, nos filhosperdidos na rua,por isso prometeis salvar o povo, o vago povo, o difuso povo,o imenso povosem detalhes.

Temeis o homem, perdereis    o sono diante da vitima doatropelamento pelo vosso automas ledes sem emoção a noticia da morte de criançastuberculosas, apenas estatísticapara os vossos olhos;o olhar do mendigo, se o encontrais, vos incomoda,

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o clichê das multidões vos é indiferente.

Por isso falais em por, porque não cumprireis vossa palavrae nada fareis pelo homem.

Temeis o homem na bomba, na faca, no tiro, no remorsona vingançapara cobrar vossas dívidas e vossas obrigações,não vedes que quando o homem for povo ele vos encontraránão transferireis as contas indefinidamente.

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O Jogo A Gondim da Fonseca

No gabinete atapetado da Wall Streetno 100.º andar,(a estátua da liberdade ao fundo, acendendo com seu isqueiroo charuto da burguesia)James Monroe à parede (a América para os americanos)ar refrigerado, coca-cola,filantrópicos senhores, doadores, benfeitores,investidores, exportadores

estão em torno a uma mesabaralhando cifrões...

Será por quê?  Canastra?  Bridge?  Buraco?Ou algum jogo clandestino?

Nada disto:entre cálculos de mihõese baforadas de “havana”,jogam apenas o destinode alguma republiqueta sul-americana...

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O óbvio

Por que casarmos, Senhora?Vivemos tão bem os dois...- Já não fazemos agorao que faremos depois?

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O poeta... a poesia

O poetaé um prestidigitador:faz mágicas com a vida.

Transforma águaem vinhopara a embriaguezda beleza.

Minha poesiaé como a águaque corre no chão.

Água(turva ou transparente)onde me vejo, às vezes, refletidoinadvertidamente...

(Alegriaé apanhar no chãoa água da minha poesiaa correr,e dar a quem tem sedeno coração,para beber...)

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O valor da Liberdade

Saberias o valor da liberdadese algum dia olhasses a vidasempre pela mesma janela.

Saberias o valor da liberdadese anoitecesses em solidãosob a ameaça do mundo.

Então quando a vissestua alma seria como a alma dos mineirosquando vêem das profundidades da terrae encontram o sol.

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O Vietnan(A Casca)

Para a tua geografia imperialistaao Sul de tuas fronteirasestão as “republicas de bananas”...

Onde há anos comes as frutase jogas as cascas no chão.

O que não estava em teus cálculosnem podias imaginaré que do outro lado do mundoem meio aos arrozais,teu passado arrogante e distraídoencontraria uma “casca de banana”deixada pelos franceses...

- E zás!

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Olho as mãos... e penso...

E dizer que estas mãos te conheceram...

Que para elas não guardavas segredose a elas tantas vezes te entregaste, em confiançacomo uma criança...

Olho-as, como se fossem as mãosde um jogador - que tudo ganha e tudo perde -mãos que tudo tiveram nervosas, aflitas,e de repente já nada tem, e estão vazias e infinitassobre o pano verde...

(Só que em minha roleta, o pano é negro,da cor dos teus olhos...)

Preocupo-me, amor, neste momento, ao fitá-las:quanta coisa puderam ter retido...

E penso:

- quem há de, agora, desabotoar atrásaquele teu vestido?

IIEstas mãos, que foram guias, ciceronesem viagens maravilhosasao redor de nós mesmos -mãos que inutilmente carrego:

- agora,mãos insones,mãos nervosas,são como guias de um cego.

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Ordem do Dia

Não chegaremos ao livro, sem o leite e o pão,nem chegaremos ao pão sem a terra e sem teto,nem chegaremos à terra sem liberdade e justiçanem chegaremos à liberdade sem coragem e honestidade,oh! a indispensável coragem para anossa luta.

Lutemos, pois - todos nós - brancos, pretos e amarelos,que choramos e comemos, que crescemos e estudamos,que sofremos e construímos, como homens sem cor,todos nós que precisamos do mesmo leite brancoe do mesmo livro, e da mesma terra, e da mesma liberdadepara viver.

Viver.  Ou ao menos, morrer, mas lutando.

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Panamá

O ianque chegou montado no dólare fez do teu Panamá, panamenho,um “panamá”.

Chegaram, te deram uma Constituição:a United Fruit Company,

- “Yes, yo quiero bananas,bananas, yo quiero to day!”

E haja bananas para matar a fomedos ianques.

Até o dia afinalem que te ajudaremos a “dar uma banana”deste tamanho!à  tio Sam.

(Uma banana do tamanhodo teu canal.)

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Pavana para uma criança morta

E afinalem meio a tantos embaraçoseis ao que chegamos, sem perceber...

Andamos de um lado para outrocom essa criança nos braçossem saber o que fazer...

Um sentimento de culpa nos persegue...Diante dela, ainda choras,e a minha alma se cala...

Fomos nós que a deixamos morrer sem um gesto sequerpara salvá-la...

E agora, a carregamossem reconhecimento, sem piedade,esquecidos de tudo que nos deu, em outros temposde felicidade...

Mas para que lembrar? Houve mesmo outros temposem que ela nos pegou pela mão, como criançasbêbedas de vidasem falsos pejos,e embriagou-nos de caríciase desejos?...

Hoje... Somos nós que a levamos, em nossos braços,pesados braços, caídos braços, já sem abraços,sem coragem de enterrá-lano coração...

E por que esperar por um milagre, se nós não cremosem milagres?

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- Se nós não cremos em ressurreição?

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Pensamentos Líricos

4Principalmentecontinuaste nas minhas mãos,onde teu perfumete guardou inteira.

12Chegas. E então esqueçoque morri tantas vezes.

E volto a acreditar na eternidade.

33Os anos rolarão sobre estes versos brancose um dia ficarão como pedras verdesao limbo do tempo...

Já não serão os teus diamantesserão as tuas esmeraldas...

34Estão acenando em teus olhos esgarçados desejoscomo nuvens numa alta montanha.

Eu chego, como o vento.

39Te amo também com as mãos, como um cego.E não me canso de procurar em teu corpoos caminhos onde me perco.

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40E ficaram nas minhas costas as marcas de tuas unhas,como as pegadas do louco viajanteantes que o abismo o tragou.

43Não dou tempo ao teu pudore te tomo sobre meus joelhos...Colho a tua graça nuafrente ao espelho...

49Sentindo o caminhar sonâmbulo de tuas mãose os passos embriagados de teus dedos,sou um homem que se dissolve.

79É sempre a mesma ânsia...Tomo-te as mãos, os lábios, e estremeces toda,e te deitas como os verdes capins nas encostasquando passa o vento...

81A verdadeé que toda vez que nossas mãos estão se despedindo,nós já estamos voltando...

84Ah! Ter sempre que te encontrar, embuçadocomo um assaltante,Ter sempre que pular o muropara te ver...

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Poema à Manhã I(Esperdício)

Hoje fiquei sem palavra- estatelado, mudo -diante da manhã.

Manhã clara e docecomo se houvessemelna luz do céu !

Como se o espaço fosse( ao ouvido ou ao olhar?)uma imersa colmeia,- e a luz um intenso zumbidono ar...

... Perdão, Senhor, se tentei buscar a palavrapara fixar um instanteda tua obra,se quiser ser Poeta nesse momento,nessa manhã que não cabia em meus olhose era um esperdício da criação:- um deslumbramento!

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Poema à manhã II(Desculpa)

Um rumor de água pura, de água de montanhacantadeira,toca música e liqüefaz violinosà distância...

Nas jardineiras das janelas,os gerânios são modestos enfeitesnume festa suntuosa.

Riscando o espaço, os pássarosdão asas ao azul!

O solé uma imensa cigarra de ouroe estridular no céu !

Senhor! Perdoai minha alma de poetaa sentir-se hoje fora de mim,irmã de S. Francisco!

Devo ter feito qualquer coisa de bompara poder sentir-me assim,- para merecer tudo isto!

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Poema à manhã III(Agradecimento )

Abri a janelapara a manhã que me tomou de surpresacom a sua adolescente beleza,seu céu azul, esmaltado,e me deixei ficar, por um momento, em silênciodeslumbrado...

E só pude dizer finalmente,com a humildade de crente:

- Obrigado!

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Poema às palavras

 Tem uns homens por aícom medo das palavras.

Tem uns poetas por aísegregacionistas.

Tem preconceitos contraas palavras:esta não serve - é mestiça,esta também não - é muito comum,é do povo, não é importante,e aquela também - não tem educaçãofala muito alto, é palavrão.

Tem poeta por aí cochichandocomo gente muito finade salão,falando entre-dentesperpetrando futilidadese maldades, como comadres.

Tem uns homens por aitratando as palavras pela corde sua pele:não cruzam com as palavras, negrasamarelas, mulatas,só fazem poemas brancos, poemaspuros, poemas arianos, poemas de raça.

Que se danem! Faço filhoscom todas as palavrasbasta que elas se entreguem, e me ameme saiam com o meu verso, à ruapara cantar.

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Poemeto Nº 4

Na branca bandeja de teu ventreserves a flor.

Ah! minha boca sedenta de delíciasé uma abelha tonta de amor...

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Política

Se o homem estiver perdido,o mundo não se salvará.Se o mundo estiver perdidosalve-se o homem.

Será novo começo.

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Por que falar de amor?

ISonhei fazer-te minha só: - rainha!Quiseste ser apenas cortesã.E o desejo a crescer, - planta daninha-foi tornando este amor sem amanhã.

Para mim, não bastava seres minha;quis no céu, por a estrela da manhã,e acabei por moldar-me ao que convinhaa essa tua paixão de terra chã.

Se não deste valor ao coração,mas aos sentidos, em que se consomemrestos de um erotismo em combustão,

por que falar de amor? Foste lograda;tu não tens aos teus pés o amor de um homem,tens um fauno de rastros... e mais nada!

IINão compreendias, quando o ciúmenum egoísmo de amor te acompanhava,mas, por que não dizer? punha perfumena ternura que em nós desabrochava...

O amor é uma arma de afiado gumeque, se cortava a ti, a mim cortava,- que tu cegaste, e agora se resumeem desejo somente, fumo e lava.

Lava que escorre, e que destrói aos poucos...E se os mais belos sonhos se consomemnesses anseios cada vez mais loucos,

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por que falar de amor? Foste lograda:tu não tens aos teus pés o amor de um homem,tens um fauno de rastros... e mais nada!

IIISe era preciso ser assim feridopara ter-te em meus braços e em meu leito,e sofrer tudo o que já foi sofridoe aceitar tudo o que já está desfeito...

Se era preciso, para ser querido,ver também, rudemente contrafeitoo coração de ciúmes corrompidoem silêncio, a chorar, dentro do peito!

Se era preciso destruir-me tantonesses desejos em que se consomemos restos de um orgulho que foi canto,

por que falar de amor? Foste lograda:tu não tens aos teus pés o amor de um homem,tens um fauno de rastros... e mais nada!

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Portugal

01Portugal, que, num segundoda História, - do “era uma vez”fizeste do mar - um mundo!E o mundo - um mar português !

02Portugal de D. Dinizque em seus pinhais, em Leiria,plantava naus que, felizo Infante Henrique, colhia!

03Araste o Mar - tuas velasabriram caminhos novos...Teus grãos - eram caravelas!E as colheitas - eram povos!

04Portugal que, sobre-humano,(talvez nem mais acredites !)fizeste do mar: Oceano!E o Oceano, sem limites!

05Portugal que, dimensõesnovas deste à Geografiae lançaste os teus “padrões”além da História que havia!

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06Não és só saudade e Históriafeitos desfeitos, sem voz...Se o mar é um ontem de glóriateu amanhã - somos nós!

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Presidente

Serei presidente por três diasme encontrarei com o povo, sem fotógrafo.

Estarei na oficina, no morro, no hospital, na escola,no campo, na rua - estareisem fotógrafo.

Promulgarei:todo homem terá casa,todo filho terá quintal,toda rua terá escolatoda escola terá livrotodo livro terá ciência,a ciência será como a rua - todos transitarão.

O livro será como ar - todos respiraremos.A saúde será como o sol, ninguém pagará.

As terras serão desamarradasos que plantarem, colherão.

Trabalharemos.Não cora a pena de hombrear com a enxada,todo homem terá trabalho.

A cruz ficará na torre, o martelo na oficina, a pena no escritório,o sabre na caserna, o microscópio no laboratório,- não haverá misturas, mas combinações.

O homem ficará no lar.Nomearei meu irmão para ele se casar.

Entre a terra e o povo haverá uma ponte- trânsito livre, condução sem preço. -

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Convocarei a pátria para a luta pela pazem defesa do cidadão.

Serei presidente por três dias.  Depois de tão longo governoreconhecida a Poesiavoltarei a ela.

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Programa

Há a terra,o homem da terra

E a terra do homem?

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Pudor

No começo,mesmo inteiramente nua,completamente nua,não te despiste ainda...

Ainda te cobres com um véude sutil transparência,- um véu de inquieto pudor...

Depoisé que realmente ficas nua,inteiramente nua,e esqueces teus embaraços:

- quando te tomo em meus braçose te enlouqueço de amor!

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Razões de Amor I

Gosto desse teu ar tristonho,desse olhar de melancolia,mesmo nos momentos de prazer e de sonho,ou nos instantes de amor e de alegria...

Gosto dessa tua expressão de ternuratão suave e feminina,desse olhar de venturacom um brilho úmido a luzir num profundo langor...Desse teu olhar de meiguice que me cativa e domina,tu que dás sempre a impressão de quem precisade proteção e amor...

Desse teu ar de menina, desse teu arque te faz mais mulherao meu olhar...

Gosto de tua voz, tranqüila, do tom mansocom que falas, como se acariciassesaté as palavras que dizes;de tua presença, que é assim como um quieto remanso,um pedaço de sombra onde me abrigoquando somos felizes...

Gosto desse teu jeito calmo, sossegado,com que te encostas em meu peitoe te deixas ficarentre ternuras e embaraços,como se tudo ficasse, de repente, parado,e teu mundo pudesse ser delimitadopelos meus braços...

Gosto de ti assim, pequenina, macia,quando te aperto contra mim e te sintominha

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(inteiramente nua)e tens um ar abandonado, como quem caminhasonâmbula, por um estranho caminhofeito de céu e de lua...

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Razões de Amor... II

Gosto de ti desesperadamente:dos teus cabelos de tardeonde mergulho o rosto,dos teus olhos de remansoonde me morro e descanso;dos teus seios de ambrósias,brancos manjares trementescom dois vermelhos morangospara as minhas alegrias;    

de teu ventre - uma enseada- porto sem cais e sem mar -branca areia à espera da ondaque em vaivém vai se espraiar;de teu quadris, instrumentode tantas curvas, convexo,de tuas coxas que lembramas brancas asas do sexo;- do teu corpo só de alvuras- das infinitas ternurasde tuas mãos, que são ninhosde aconchegos e carinhos,mãos angorás, que parecemque só de carícias tecemesses desejos da gente...

Gosto de tidesesperadamente;

gosto de ti, toda, inteiranua, nua, bela, bela,dos teus cabelos de tardeaos teus pés de Cinderela,(há dois pássaros inquietos

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em teus pequeninos pés)- gosto de ti, feiticeira,tal como tu és...

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Requerimento ao Presidente do Banco do Brasil

Do relatório do Ministro : “Durante o ano de 1945saíram do Banco do Brasil pela Carteira de CréditoAgrícola, (?!), 3 bilhões a 500 milhões de (Cruseirospara financiamento do gado zebú.”

Sr. Presidente.

Qlhai a Inglaterra: é Shakespeare, às vezes Nelson,mas sempre Shakespeare;e a Alemanha, - a entregar sempre a alma ao diabo -- Fausto, sem Margarida, não é Bismark, é Goethe;e a Itália, - oh! Divina Comedia, é Dante, já se move;Portugal é Camões, a Pérsia é Omar Kayan;França, - legenda dos séculos, - Vitor Hugo!

Olhai a América, é Whitman, credo da Democracia,a Rússia é Maiacowsky, num canto socialista,e o Brasil, o Brasil ja desafia os tempos:- e Castro Alves!

Sim, Sr. Presidente,viverão os povos mesmo sem algodão, sem petróleo, e sem trigo,de qualquer forma – olhai a China de Confúcio e do arroz,-vencerão guerras e cataclismas- não subsistirão sem poesia.

Nasce da terra, do homem. É flor, é fruto, é trigo e carne,é linho e seda, é rosa e sangue, petróleo e ferro,é água e luz.

Restarão os povos que produzirem poesianas suas terras,só eles se fixarão, só eles passarão incólumespela bomba atômica,- sobreviverão heróicos.

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Requeiro, Sr. Presidente, o financiamento da poesia,que ela seja ao menos como o algodãoou como o zebú.

P.D.

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Rico e pobre

Rico é o homem que neste dia de soldiante do céu imenso que acena nuvenssobre a montanha,pode sair em companhia de seus pés,sem outro pensamento que o da paisagemque o acompanha.

Pobre sou eu, que aqui estou inanimadodiante da paisagem pendurada à janelacomo uma fotografia,lançando sobre as teclas as sementes que deverão ser a colheitado pão de cada dia!

Pobre sou eunesta íntima agonia,diante do sol, diante do mar, diante do céu,inúteispara a minha alegria!

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Rio: Sempre Capital

Como hei de falar de ti,sem que me ocorra a poesia?Rio: poesia-mural.

Ó cidade das cidades,que, com suas claridades,à noite, é um polvo de luznum aquário tropical,e, ao sol, ao clarão do dia,é uma flor descomunal!

Ó cidade das cidades!Rio: sempre capital

Vá o Bandeira pra Passárgada,o Cassiano pra Brasília,vá pro inferno quem quiser!Eu, não! Eu fico onde estou!Na cidade mais bonitaque o homem fez e Deus criou:- e aqui que meu corpo sofre,- é aqui que minha alma habita,- é aqui que eu amo e que eu sou!

Eu fico aqui no meu Rio,meu Purgatório e meu Céu.Rio apenas, de Janeiro,mar, de Janeiro a dezembro,que em lindas praias se assanha:Rio negro, Rio branco,Rio carioca, estrangeiro,Rio mesmo brasileiroe ate mais: universal.O meu Rio de Janeiroque corre trezentos dias

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seus enganos, suas magoas,pra desaguar suas águasnos três dias de alegriado Oceano do Carnaval!

Eu fico aqui no meu Rio,“cidade maravilhosa”,- como quem sofre, quem goza,com seus bens, suas mazelas,seus mangues, suas favelas,“café soçaite”, gafieiras,seus subúrbios, Paquetáe o tal luar, como aqueledo Catulo Cearense,“que igual no mundo não há”.

Rio, imensa Babilônia,Tijuca, Meyer, Mangueira,Castelo, Copacabana,domingos de mar e sol.Maracanã, futebol.Rio “caixa-alta”, bacana.Municipal, muita grana,que usa gravata e chapéu.Rio dos morros, cantando,que sobe a desce sambando,Rio mais perto do céu.

Sair do Rio? Bobagem!Saia daqui quem quiser.Eu, não ! Que eu sou cariocade coração e paisagem.- E que não fosse, meu Deus!Que terra há melhor que a nossa?Terra do amor e da bossa,feita pra gente chegar nuncapra dizer adeus...

Eu fico aqui no meu Rio- minha terra prometida –minha esperança, meu “norte”,

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o meu Rio que “é de morte”mas onde eu quero viver,o meu Rio, minha vida,mas onde eu quero morrer!

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Saudação à Paulo VI

Cordeiro de Deustua gloria cintila com a luz mais pura da estrela guianum novo Natal.

Desatrelaste tua Igreja, há séculos a reboquedos adoradores do “bezerro de ouro”,- e novamente convocaste Pedro - feito simples sacristãona missa dos ricos e poderosos;

não repetiras apenas um Amém acumpliciadoaos que deceparam a fé do Senhore a servem na bandeja de prata como a cabeça de João Batista.

Libertaste tua Igreja. Devolveste Cristo aos humildes,aos pescadores, as criancinhas,o Cristo forte e verdadeiroque expulsou os vendilhões do temploe por nós morreu na ascensão do Calvário;

o Cristo revolucionário dos Evangelhos:- “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulhaque um rico entrar no reino do céu.”

Restauraste a aura apostólica dos teus sacerdotese hei-los na rua a pregar, como Pedro a como Paulo,hei-los em passeatas a enfrentar o fero circo romanoe a fúria poderosa dos Neros.

Devolveste a palavra a Deus!

E novamente, no badalar dos teus sinosreconhecemos a voz do Senhora responder a um mundo desumano e aflito:

- Presente!

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Sobre a Bahia

01A qualquer de nós é dadoser baiano, bem ou mal,pois a Bahia é um estadode espírito nacional!

02Tem tal encanto a Bahia,tais magias ela temque quem a conhece um diafica “baiano” também.

03Bahia, sempre gostosamais doce que velho vinho,que ainda resiste, famosa,no Largo do Pelourinho.

04Bahia da Liberdade,de Castro Alves, seu condor,onde a palavra saudadeé negra, - tem outra cor!

05Bahia da inteligênciade suas glórias ciosa:da cultura, da eloqüência,Bahia de Rui Barbosa.

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06Bahia da Indepndência,contra a opressaõ e o esbulho...- da revolta, da violência,Bahia do 2 de julho!

07Bahia de mil petiscos,carurú e mungunzá,caju, cachaça, marisco,acarajé, vatapá.

08Qualquer coisa da Bahiatodo brasileiro tem,se até o Brasil, certo dia,nasceu baiano também.

09Ladeiras, praias, coqueiros,igrejas, lendas, poesia,“Cais do Mercado”: saveiros...- Natal da Pátria: - Bahia!

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Sobre saudades

1A saudade é este vazioque a vida, ao partir, deixou;rio seco, que foi rio,porque a água já secou...

2A saudade, intimamente,devagarzinho nos rói;é uma emoção diferente,como uma dor que não dói.

3A saudade me atormentae pesa como uma cruz,- é como a sombra que aumentaquanto mais se afasta da luz...

4A vida passa e a saudadepassa a ser a vida ausente,- é uma vaga claridadede um clarão de antigamente...

5Ah, saudade se te pegome vingo sem compaixão:dou-te esta cruz que carregosozinho, no coração!

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6Definir a eternidadeé fácil, já a defini:é o instante de saudadee eu vivo longe de ti.

7Entre as folhas da lembrançaencontrei, de uma outra idade,a verde flor da esperançaamarela... de saudade...

8Fere aos poucos: mansa fera...Maltrata... mas não destrói.Saudade é dor que ainda espera,é uma esperança que dói...

9Já não há chamas... A vidaé invisível combustão...Saudade: brasa escondidaqueimando no coração...

10Longe o amor, quem pode amar?Tudo é inquietude, aflição...A saudade é falta de arasfixiando o coração...

11Louco, aumento esta saudadeaqui sozinho, a sofrer,só pra poder ter vontade

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de voltar para te ver.

12Misto de pranto e alegria,sol e chuva, sonho e dor,a saudade é o sol num diade chuva, no nosso amor...

13Nesse jardim de surpresas,que foi o amor que me deste,as violetas são tristezas,minha saudade, um cipreste.

14No peito dos marinheirosnasceu , cresceu, emigrou...Mas nos porões dos “negreiros”foi que a saudade... chorou!

15O tempo tudo desbastamas nem a tudo desfaz:a saudade não se gastacom o tempo aumenta mais!

16Ontem, de amor tu morrias...Hoje, já te sentes farta...A saudades que sentiassó mata... no fim de carta...

17Partiu com sonhos de glória!Ficou com a dor e a tristeza!

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Eis afinal toda a históriada saudade portuguesa!

18Persistente e fina dor,sombra da felicidade,ânsia e gemido de amor,lembrança e espera... Saudade.

19Por meu coração já friouma saudade ainda passa:- lembra apagado pavioonde a restos de fumaça...

20Quando estas longe, querida,na minha angústia sem fim,saudade é o nome da vidaque morre dentro de mim...

21Saudade boa é a que existena espera... que há de chegar...Mas há uma saudade tristeque fica sempre a esperar...

22Saudade é amor que se senteno coração inseguro:é amor passado, presente,que ainda espera ter futuro...

23Saudade é fidelidade!

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e eis como a imagem se explica:partem o amor, a amizade,todos partem... ela fica.

24Saudade é permanência,algo de amor que ficou,que, mesmo longe, na ausência,só partiu... não se ausentou...

25Saudade, - estranha ilusão,que a solidão recompensa,presença no coraçãomaior que a própria presença...

26Saudade: enigma crucianteque talvez se explique assim:_ quanto mais te sei distantemais te sinto junto a mim...

27Saudade: amor, na lembrançade quem ficou a esperar.É uma dor difusa e mansaque faz sofrer... e sonhar...

28Saudade: fruto acre-doce,vem da flor do amor que cai...Se calor: acidulou-se...- só dá quando o sol se vai...

29

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Sem amor quem pode amar?Tudo é inquietude, aflição...A saudade é falta de arasfixiando o coração.

30Sempre fiel e verdadeiravigia de nossa dor,ó saudade, companheirados solitários do amor...

31Sentir saudade, não éser infeliz, - pensa bem,- mais infeliz é quem nuncasentiu saudades de alguém

32Vaga do mar sem espumaramo verde, sem botão;noite sem lua, de bruma;saudade no coração.

33Vaga em vai-vem, doloridaa rolar dentro de nós:Saudade: vida sem vida,canto ou soluça, sem voz...

34Vi teu retrato, - revivoum velho amor que foi meu...A saudade é um negativode foto que se perdeu...

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Solidão

Solidãoé de repente perceberque todos viraram multidãoe em meio às lembranças, sem rosto, desfiguradas,não conhecemos ninguém...

Solidãoé de repente compreenderque já não há mais tempo para nada,e que temos que terminar, assimcomo quem começa... do fim...

Solidão é imprevistamente estar órfãojunto dos pais,desamparado e triste quando os amigosriem a cantam,e o amor, aquele amor de sonho e sol,pesar nos braçoscomo um esquife...

Solidãoé de repente se olhar no espelhosem se encontrar,sem ver mais nada,como quem se debruça a uma janelaemparedada...

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Solo

E me ponho a falar pelos vazios corredoresde mim mesmo...

Olho com olhos de vigiaansiosamentecomo se esperasse alguma coisa,e o coração sabe que já não há nada para além do horizonte.

Meus pensamentosnão se têm mais nada que dizer:marinheiros a bordo de um navio no porto;companheiros de reclusão ao fim de anos de companhia;exilados num quarto de hotelnum dia de chuva...

Estou internado em mim mesmosem esperanças, sem remédio...E me ponho a escrever nas paredes da celado meu tédio...

Mal insidioso e sem curaNinguém o vê:

...eu vou ficando louco de Você...

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Sombra... e Luz...

Este ciúme vai-me envenenando como um tóxico...

De repente, certos fatos sem importânciadeformam-se e crescem com monstrosna lembrança,certas palavras tuas são fantasmas imprevistos,e me sinto em pânico, como uma criança num quarto escuro,entre assombrações,na hora de dormir...

Por que não vens, amor?... Tua presençaé como acender a luz...

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Soneto II

  Fino frasco de forma nobre e purae ao mesmo tempo taça de cristal,- onde a vida em beleza se emoldurae canta como órgão musical.

Em transe, o Poeta sempre te procurapara desabafar, sentimental,seu pobre coração que se amarguraou seu canto de amor belo e triunfal.

Cabe em ti, tudo quanto em nós palpita,tudo quanto se sonha ou se concebe- a infinita emoção, a alma infinita...

Vinho de uva da Vida que se pisa,- és a um só tempo, a taça em que se bebe,e o frasco em que a beleza se eterniza!

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Soneto IV  

Misto de Partenon e Catedralpor dóricas colunas sustendo;templo de mil imagens, trabalhadocom o mais nobre, e o mais puro material.

A palavra é o seu sino e o seu vitral,o mármore em que deve ser talhado, -e a inspiração - o doce sopro alado,“fiat lux” do espírito imortal!

Templo de minha crença e de minha Arte,também eu te construo, e me prosternoe me ajoelho para celebrar-te

com a minha fé e as minhas heresias,e aos pés do amor, que é Deus único e eterno,rezo mágoas, desejos e alegrias!

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Sonetos para Maria Helena

Tu que por crenças vãs a Vida arrasase ante o espelho não queres ver quem és,que imagines viver abrindo as asase to esqueces de andar com os próprios pés...

Que transformas o Sonho num revésmesmo a acender o fogo em que to abrasas,e te algemas as mãos - as mãos escravascomo as dos prisioneiros das gales.

Tu que enganas a falar de alturascom as palavras mais belas e mais purase te imolas num gesto superior,

não percebes nessa ânsia de suicidaque nada há enfim mais alto do que a Vidaquando a erguemos num brinde _ ébrios de amor!

IIQue importa o sangue quente se a alma a fria?Que importa haja no peito um coração,se a vida sem amor, sem alegria,sabe a clausura triste, a solidão?

Que importa exista o sol se não há dia,se a noite é cega, e é densa a escuridão?Que importa ser raiz na terra friase o ramo oscila nu, sem um botão?

Que importa a inquietação, a ânsia contidase nao chegamos a colher a vide,se a vivemos sem ser, no singular.

Que importa esse alto sonho que a alma expande

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se sem a Vida não há sonho grandenem vale a pena se poder sonhar!

(- Maria Helena: Poetisa portuguesa, com quem JG tem publicados dois livros:“Concerto a 4 Mãos” e “ De Mãos Dadas”.)

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Sorte...

Está aí, amor, uma coisa que às vezes me pergunto,(naqueles dias de silenciosa ternuranaqueles momentos sem assunto,)- uma coisa tola que eu pensoe que você não advinha:

- como podem os outros homens ser felizes,se Você é uma só...... e se Você é só minha?...

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Suprema revelação

Ponho a mão, de leve, sobre o teu ventre,tenso, em sua túmida rijeza,e, de repente,sou o primeiro homemdiante do desconhecido e da beleza.

(Eu orgulhoso da ciência e do saber humanos)- sou o homem primitivoignorante de tudo, temeroso de tudo- que nada explica, nada descerra -que se deslumbra ante a mensagem dos céus,e, trêmulo, se amedronta ante os mistérios da terra!)

Ponho a mão sobre o teu ventreabaulado,onde palpita uma força indefinida,como se sentisse na própria mão,indecifrado,o segredo da Vida!

Parece que Deus se utiliza de teu corpopara revelar-seem seu poder e em sua essênciae para mostrar a distância infinita entre a pretensiosavaidade do saber humano,e a sua Onisciência!

Sim. É como se Deus se comunicasse comigonesses estranhos sinais que sinto em minha mão...E perturbado e incrédulo, me interrogo, sem percebera razãopor que haveria Ele de permitir que eu e tupartilhássemos dos mistériosda Criação?

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Ponho a mão, de leve, sobre teu ventre,e entre deslumbrado e atônitoperturbado e intranqüilo,fico a pensar que Deus serviu-se de ti, para que eu- materialista e ateu -pudesse senti-lo,e - poeta - pudesse “vê-lo”,e humildemente, homem,pudesse reconhecê-lo!

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Talvez...

Talvez seja o tempo... a vida... a idade...Mas a gente vai aprendendo a renunciara tanto que se quis...

A verdadeé que me acomodei de tal modoem minha infelicidade,que quase sou feliz...

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Trovas(Várias)

“A Voz do Povo...”

É na História que me louvo...Quem diz que um poeta é o maior?Grande era Homero, que o povosabia os seus versos de cor!

“A Voz dos Sinos “

Na vida, de vez em quando,em meio aos meus desatinospercebo Deus falandonas  brônzeas bocas os sinos...

“Carro de Bois “

Quem tais acordes de pôsnas rodas desengonçadasó velho carro de bois,sanfoneiro das estradas?

“O Guia... “

No meu carro vou tranqüilotenha estrada sombra ou luz,pois bem sei que ao dirigi-lo:eu dirijo... Deus conduz...

“O Seringueiro “Andarilho da floresta

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onde um dia se perdeu,ele só é o que lhe restade tudo que Deus lhe deu...

“Os Sinos “Os sinos, em badaladas,são, na hora da Ave-Maria,taças de bronze emborcadasque entornam melancolia

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Trovas de Amor

1Ah, pudesse eu ser o marque te envolve e acariciae que te pode beijatodinha... como eu queria!

2Ah, quando escuto teus passosmeu coração se acelera,que um só minuto em teus braçoscompensa a angústia da espera!

3Amor de carne e de beijo,em que, bem sei, já não crês.Mesmo em sonho, ainda vejo,Tu, nem na lembrança o vês.

4Amor que sofro, que almejo,mata-me logo de vez!Longe que estejas, te vejo,Ao teu lado, nem me vês...

5Amor que tudo promete,falso amor das Colombinas:- juras e beijos: confeti!Abraços - de serpentinas!

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6Antes verdade isto fosse:dizer que não penso em ti...Mas basta ver-te, e acabou-se!Me esqueço que te esqueci.

7Às vezes não acredito:- como há de findar assimo nosso amor infinito ,se o infinito não tem fim?

8Assim mesmo te agradeçodepois que tudo passou,os momentos verdadeirosque o falso amor deixou...

9Assim tão só, como eu fico,tão sem ti, neste amargor,quem dirá que eu já fui rico,milionário de amor?!

10Bendigo o amor e percorroseu caminho, que conduza esse calvário em que morronos teus braços, minha cruz!

11Como o quadro na moldura,como a rosa no botão,como Deus na criatura,

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- estas no meu coração.

12Definir a eternidadeé fácil, já a defini:é o instante de saudadeque eu vivo longe de ti.

13Digo em vão que te maldigo(ó pretensão tola e louca!)- e tudo o que penso e digovira trova em minha boca!

14Disto a ninguém dou a palma- eu te conheço melhor:desnudei-te o corpo, a alma,sei-te, inteirinha, de cor...

15Dúvidas cruéis, verdadeira,angústias turvas, espessas...Chego a querer que não queiraspra que depois não me esqueças...

16E dizer que foste um diatudo o que eu quis... e foi meu...E hoje... nem és poesiaque foi tua... e te esqueceu...

17Eis uma flor, que em meu peitomudou de espécie, em verdade

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Era amor, - amor - perfeito!E acabou sendo... saudade!

18Em contrição te contemplodeusa a quem vou adorar...Meu coração, é o teu templo,meu amor, o teu olhar!

19Era tanto o que eu pedia?Por que negavas assim?Afinal eu só queriaque tu te desses à mim...

20Este amor nunca se apaga:é chama que me incendeia,é espuma a florir na vaga,é vaga a brincar na areia.

21Explica-me tu, querida,este absurdo, por favor:- ser Senhor de tua vidae Escravo do teu amor?

22Foi Carnaval, riso e cor,- menos sonho que alegria...E o que restou desse amor?Nada mais que fantasia.

23Foi um amor de verdade

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sei agora, ao ver a flor,pois esta flor, - a saudade –só nasce em cova de amor...

24Foram horas bem vividasque os dois souberam colher;se foram ou não fingidas,que importa agora saber?

25Fui tudo para esse amorbelo, puro, cruel, devasso...Fui pirata, fui pierrot,fui arlequim, fui palhaço...

26Louco de amor, te busquei,e ao te encontrar, percebique não fui eu que te achei;eu, sim, é que te perdi.

27Mentimos. Estamos quitesEu menti, mentiste, eu sei.E embora não acreditesmesmo mentindo eu te amei.

28Mentiste? Foste mesquinha?Que importa se já não cremos?Importa é que foste minhaque eu fui teu, e que vivemos!

29

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Mentiste. A felicidadesó mentida, assim se expande...Nem podia ser verdadefelicidade tão grande.

30Moeda de estranho valor,que o coração faz cunhar,quanto mais se gasta o amor,mais se tem para gastar...

31Na despedida - com pressa -escrever me prometeste.Esqueceste da promessa,ou apenas me esqueces-te?

32Não há remédio: estou doente.É doença este amor por ti!Não te esqueço, e justamentepor pensar que te esqueci.

33Não voltes, pois se voltassesnão me verias aqui...É que hoje sou muitas faces,mas, por dentro, já morri...

34Nesta trova tão singelameu coração vai trair-se...Quer dizer o nome dela,mas, para que iludir-se?

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35No teu olhar há dois sóis,na tua alma, um mal-me-quer,e há duas luas redondasno teu corpo de mulher...

36Nos teus lábios, há dois beijos,Nas tuas mãos, há dois ninhos...Nos teu olhos: dois desejos,no teu destino: caminhos...

37Nossos dedos: doce trança...Um balanço: nossos braços...E eis a rede da esperançaa emaranhar nossos passos...

38Ó meu amor, por quem choro,louco e cego de desejo.- Quanto mais louco, te adoro!- Quanto mais cego, te vejo!

39Os meus olhos pões à provasem desafios fatais...Teus olhos, são duas trovasque em silêncio cantam mais...

40Para ler a minha sortee saber se é má ou bela,com as minhas mãos se importe:

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vai ler cigana, as mãos dela.

41Parece coisa de louco...Como explicar na verdadeque o amor, que durou tão pouco,me doa uma eternidade ?

42Pecado ? Afirmo e te juro,é palavra sem valor,pois nada existe mais puroque se pecar... por amor!

43Pensei que o mundo acabasseFelizmente era mentira!- Apenas virara a facede um disco que eu já ouvira...

44Podes ter outro Senhor,até mais rico que um Rei,mas nunca mais outro amorhá de te dar quando dei.

45Por ironia maior,sorriste do meu desgosto,e sepultaste este amornas covinhas de teu rosto...

46Porque sabes que te cobrotu te atrasas ao chegar,

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e assim me pagas em dobroos beijos que tens que dar...

47Quanta prodigalidade!Em poucos meses, querida,gastamos felicidadeque dava pra toda a vida!

48Que eu não tenho coraçãonão és tu, sou eu que te digo...- Como hei de ter coraçãose tu o levas contigo?

49Que há de ser esse teu nomeque repito sem querer?- Substantivo? Pronome?Ou verbo, de meu viver?

50Quis tornar-me um trovadorpara dizer que ela é minha,mas tudo em vão, meu amornão coube numa quadrinha.

51Resta um consolo: pensarno amor que juntos colhemos...Nem Deus nos pode tiraros instantes que vivemos!

52Rosas tolas, tão vaidosas,

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que em belas hastes vicejam...Vem, amor, olha estas rosas,quero que as rosas te vejam...

53São céus e abismos profundosnem eu posso descrevê-los:mergulho em teus olhos fundose me afogo em teus cabelos!

54Sorris tão perto... Sorrindo,(ó estranho magnetismo!)como que em mim vou sentindoessa vertigem do abismo!

55Tanto esperei, por meu mal...Voltaste... E qual o valor?- se eu hoje sei afinalque não te quis o outro amor...

56Uma quadrinha é uma covaonde a poesia é uma flor,por isso é que numa trovavou sepultar este amor.

57Vida amarga! E na amargurada vida, eu pensei querida:- quem dera a tua doçurapara adoçar minha vida!

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Voltando, (e a julgo perdida...)- de onde quer que você andeesta minha pobre vidatiraria a sorte grande.

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Trovas de ciúme

01“Dosado”, o ciúme é temperoque à afeição da mais sabor...Mas, levado ao exagero,é o pior veneno do amor...

02Cão de guarda, ameaçador,a rosnar, furioso e cegoeis afinal, meu amor,este ciúme que carrego...

03Do amor e da desconfiançainfeliz casal sem lar,nasceu o ciúme, - essa criançatão difícil de educar...

04Perigoso, onipotente,verdadeiro ditador...o ciúme é um cego, doente,ou um doente, cego de amor?

05Eis como o ciúme defino:mal que faz mal sem alardecorte de alma, muito fino,que não se vê... mas como arde!

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06O ciúme, desajustado,por louco amor concebido,era uma amante, (coitado)a padecer... de marido!

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Trovas de Natal

Natal! É sonho e vigíliaharmonia, amor e paz...Milagre! Toda família  se reúne uma vez mais...

Natal! E tudo parece     mais feliz, sem dor nem mal.. - Quem dera o mundo pudesseser um perpétuo Natal!

Deus na terra... Eis o Natal!Repicam sinos... Festanças...Feriado nacional           no coração das crianças!

Ser criança no Natal,é uma alegria do céu...- mas a maior alegriaé a de ser Papai Noel...

Que alegria pode haverno Natal, com maior brilho,que esperar amanhecerno olhar em festa de um filho?

Nasceu Jesus! É o Natal!Nasceu apenas Jesus...Quando no mundo, afinal,há de nascer sua luz?  

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É Natal... Com humildadefaço um pedido, em segredo:- que eu ganhe a felicidadenem que seja de brinquedo!

No Natal, mais que qualqueroutra dor, há uma, sem par:- é ter-se a alguém, que se quer,e não se ter ... para dar...

Festa na terra e no céu...Só eu só... tão triste assim...- Quem dera Papai Noeltrouxesse Você pra mim!

Quem dera Papai Noeldescendo pelos espaçosme desse um pouco de céupondo Você em meus braços...

Neste dia belo e doce     de festa, - sentimental,   - quem dera que Você fossemeu presente de Natal !

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Tuas mãos...

01Ternura de cinco pontasViva, estranha, inquieta flor...Tuas mãos são duas contasDo meu rosário de amor.

02Delicados diademasTrabalhadas obras-primas......Tuas mão sãos dois poemasRimando, em vermelhas rimas...

03Tuas mãos... frágeis... parecempedir arrimo e guarida...E entretanto, se quisessemGuiariam minha vida...

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Uma hora de morrer...

IUma hora de morrer é aquelaem que, debruçado sobre teus olhos,me agarro a ti para salvar-mee sinto que afundamos juntos.

IIUma hora de morrer é aquela em que nada dizes,em que apenas me olhas como agradecendo,e em que me guardas ainda contra ti,como se quisesse Ter a certeza de que apesar de tudoficamos na terra.

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Variações sobre o amor

IAgora que te amoconcluo e proclamo:nunca haverá um amor igual ao outro,podes crer...

Como não há o mesmo beijo, o mesmo olhar,a mesma ternura,o mesmo prazer...

IIO amor é como o perfume...Uma vez que se sentenunca mais se mistura ou se pode esquecercompletamente...

IIITu pensas que amas muitas vezes...

Engano, puro engano,esse é um estranho milagre do coraçãohumanoque custei a entender,e que ainda não compreendes talvez:

- toda vez que se amaé a primeira vez...

IVNunca se ama duas vezesporque apesar de um só, o amor não se repeteno coração da gente...

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O amor é como o mar...- único, múltiplo,diferente...

VOs amores são como as ondasno mar...Parecem todas iguais quando espumam, distante,e se põem a avançar...

Entretanto, nunca haverá uma ondaigual àquela que se elevou, cresceue se desfez...Toda onda é onda somenteuma vez...

VIUm amor é sempre assimnovo, diferente,e surpreendente,nada tem com o amor que passouque floriu, que murchou,como uma onda, ou uma flor...

Um novo amor, ( que importa o coraçãoviajadoe sofrido?)é sempre um novo amor!

Que importa se é velho o barco?Importa é o novo roteiroa nova paisagem...

Um novo amor é sempre o primeiro...É sempre uma nova viagem...

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Vermelho e branco

O sangue vermelhodo homem branco,do homem preto,do homem amarelo,o sangue é vermelho,é um sangue só.

O leite brancoda mulher branca,da mulher preta,da mulher amarela,o leite é branco,é um leite só.

Deus pôs por dentro de homense mulheresde aparências tão diferentes,uma humanidade só:

- o mesmo anseio, a mesma fome,mesmo sonho, o mesmo pó;

-  o mesmo sangue vermelho,da cor da vida, da cordo amor,

e mais:

-   o mesmo leite branco,da cor da paz

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Viagem solitária na chuva

Esta paisagemmolhada e friaé uma viagem,doce viagemenvolta e suavemelancoliaque eu sempre faço;tão triste e estranha,é uma enfermeiraque me acompanhae acariciao meu cansaço...

Vou no meu carro:ouço o chiadodas quatro rodasno chão molhado,rasgando a chuvacomo um tecidofino, esticado,e o limpadorde pára-brisamarca meu compassode um tempo lassoque sem Ter sido- segue parado.

Árvores curvascoo fantasmas,passam ao ladoa gesticular,e homens de capade guarda-chuva,são como seresde um outro mundo

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no meu olhar.

No longo asfaltodas avenidasas luzes trememfrias, molhadas,- são como olharesvagos, mendigos,dos indigentesque ninguém vê...

No lusco-fuscoda claridadea luz escorre,banha a cidadepálida a fria,como um luarem pleno diae me comovenão sei por que.

Vou no meu carrohoras a fio,sempre sozinhopor esses diasde névoa a chuva,sem ter razão;nesses momentos,só, com a minha almae o pensamento,que boa e amigaé a solidão!

Um sentimentodoce, profundo,que vem do fundo,me invade todoe me faz bem,e de repente,longe do mundo,

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dentro do mundo,tenho o meu mundo,andando a esmo,como se fossepossível mesmo- felicidade, -sem ter ninguém !

Vou no meu carro,feliz, sozinho,ouvindo as rodascom seu chiadono chão molhadocantar no chão,e o limpadorde pára-brisamarcando alegrecada minutode uma alegriasem dimensão,cada batidade uma outra vida,vida esquecidano coração!

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Vocação

Sem papel,escreveria como Anchieta à Virgem,nas areias brancas...

Sem praias, rabiscaria as paredes,- que sei eu?ou riscaria o chão...

Sem chão,em suspenso, no espaço,sem nada ver, sem nada encontrar,ainda assim eu comporiano ar,no coração...

Se penso, ou sinto,a emoção é a palavra,e o silêncio é a cançãoou hino...

- Que fazer?... É o meu destino...