Apostila 01 - História e Princípios

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1 CURSO DIREITO Disciplina: DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - 4ª Série Professor: FLAVIO ERVINO SCHMIDT APOSTILA 01 – HISTÓRIA E PRINCÍPIOS DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO Sumário: 1 CONCEITO DE DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 2 HISTÓRICO 2.1 HISTÓRIA DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO NO BRASIL 3 PRINCÍPIOS 3.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA 3.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS 3.3 FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS 3.4 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL 3.4.1 Princípios Informativos 3.4.2 Princípios Fundamentais 3.4.2.1 Princípio da Igualdade ou Isonomia 3.4.2.2 Princípio do Contraditório 3.4.2.3 Princípio da Ampla Defesa 3.4.2.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz 3.4.2.5 Princípio da Motivação das Decisões 3.4.2.6 Princípio do Devido Processo Legal 3.4.2.7 Princípio do Acesso Individual e Coletivo à Justiça ou Inafastabilidade do Controle Jurisdicional ou Ubiquidade ou Indeclinabilidade da Jurisdição 3.4.2.8 Princípio da Razoabilidade da Duração do Processo 3.4.2.9 Princípio da Cooperação ou Colaboração 3.4.2.10 Princípio do Ativismo Judicial 3.5 PRINCÍPIOS COMUNS AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E AO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 3.5.1 Princípio Dispositivo ou da Demanda 3.5.2 Princípio Inquisitivo ou do Impulso Oficial 3.5.3 Princípio da Instrumentalidade 3.5.4 Princípio da Impugnação Especificada 3.5.5 Princípio da Estabilidade da Lide 3.5.6 Princípio da Eventualidade 3.5.7 Princípio da Preclusão 3.5.8 Princípio da Economia Processual 3.5.9 Princípio da Perpetuatio Jurisdictionis 3.5.10 Princípio do Ônus da Prova 3.5.11 Princípio da Oralidade 3.5.12 Princípio da Lealdade Processual 3.6 PRINCÍPIOS PECULIARES DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 3.6.1 Princípio da Proteção 3.6.2 Princípio da Finalidade Social 3.6.3 Princípio da Busca da Verdade Real 3.6.4 Princípio da Indisponibilidade 3.6.5 Princípio da Conciliação

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CURSO DIREITO Disciplina: DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - 4ª Série Professor: FLAVIO ERVINO SCHMIDT

APOSTILA 01 – HISTÓRIA E PRINCÍPIOS

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO Sumário:

1 CONCEITO DE DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 2 HISTÓRICO 2.1 HISTÓRIA DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO NO BRASIL 3 PRINCÍPIOS 3.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA 3.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS 3.3 FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS 3.4 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL 3.4.1 Princípios Informativos 3.4.2 Princípios Fundamentais 3.4.2.1 Princípio da Igualdade ou Isonomia 3.4.2.2 Princípio do Contraditório 3.4.2.3 Princípio da Ampla Defesa 3.4.2.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz 3.4.2.5 Princípio da Motivação das Decisões 3.4.2.6 Princípio do Devido Processo Legal 3.4.2.7 Princípio do Acesso Individual e Coletivo à Justiça ou Inafastabilidade do Controle Jurisdicional ou Ubiquidade ou Indeclinabilidade da Jurisdição 3.4.2.8 Princípio da Razoabilidade da Duração do Processo 3.4.2.9 Princípio da Cooperação ou Colaboração 3.4.2.10 Princípio do Ativismo Judicial 3.5 PRINCÍPIOS COMUNS AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E AO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 3.5.1 Princípio Dispositivo ou da Demanda 3.5.2 Princípio Inquisitivo ou do Impulso Oficial 3.5.3 Princípio da Instrumentalidade 3.5.4 Princípio da Impugnação Especificada 3.5.5 Princípio da Estabilidade da Lide 3.5.6 Princípio da Eventualidade 3.5.7 Princípio da Preclusão 3.5.8 Princípio da Economia Processual 3.5.9 Princípio da Perpetuatio Jurisdictionis 3.5.10 Princípio do Ônus da Prova 3.5.11 Princípio da Oralidade 3.5.12 Princípio da Lealdade Processual 3.6 PRINCÍPIOS PECULIARES DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 3.6.1 Princípio da Proteção 3.6.2 Princípio da Finalidade Social 3.6.3 Princípio da Busca da Verdade Real 3.6.4 Princípio da Indisponibilidade 3.6.5 Princípio da Conciliação

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1 CONCEITO DE DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Direito Processual do Trabalho é o ramo da ciência jurídica, dotado de normas e princípios próprios para a atuação do direito do trabalho e que disciplina a atividade das partes, juízes e seus auxiliares, no processo individual e coletivo do trabalho.

Carlos Henrique Bezerra Leite1, em feliz conceito, leciona que:

Conceituamos o direito processual do trabalho como ramo da ciência jurídica, constituído por um sistema de princípios, normas e instituições próprias, que tem por objeto promover a pacificação justa dos conflitos decorrentes das relações jurídicas tuteladas pelo direito material do trabalho e regular o funcionamento dos órgãos que compõem a Justiça do Trabalho.

Coqueijo Costa2, in, Direito Processual do Trabalho (1986, p. 12-13), também cita o conceito de direito processual do trabalho de vários doutrinadores.

Vejamos:

E assim surgiu o Direito Processual do Trabalho consagrado em 1930, quando Carnelutti proclamou-o diverso do Direito Processual Comum e que, na síntese feliz de Nicola Jaeger, é “o complexo sistemático de normas que disciplinam a atividade das partes, do juiz e de seus auxiliares, no processo individual, coletivo e intersindical não coletivo do trabalho”.

Ou, nas palavras de Luigi de Litala3, “é o ramo da ciência jurídica que dita as normas instrumentais para a atuação do Direito do Trabalho e que disciplina a atividade do juiz e das partes, em todo o procedimento concernente à matéria de trabalho”.

Ou ainda, mais simplificadamente,

[...] aquele setor do direito objetivo que regula o processo do trabalho, entendendo-se por processo do trabalho aquele que tem como objeto ou matéria um litígio fundado numa relação de trabalho4

Em relação à autonomia do direito processual do trabalho perante o direito processual comum, ainda existem divergências na doutrina, nascendo duas teorias, a monista e a dualista.

A teoria monista, minoritária, preconiza que o direito processual é unitário, formado por normas que não diferem substancialmente a ponto de justificar a divisão e autonomia do direito processual do trabalho, do direito processual civil e do direito processual penal.

Neste contexto, para a teoria monista, o processo do trabalho não seria regido por leis e estruturas próprias que justificassem a sua autonomia em relação ao processo civil, constituindo-se o direito instrumental laboral em simples desdobramento do direito processual civil.

A teoria dualista, significativamente majoritária, sustenta a autonomia do direito processual do trabalho perante o direito processual comum, uma vez que o direito instrumental laboral possui regulamentação própria na Consolidação das Leis do Trabalho, sendo inclusive dotados de princípios e peculiaridades que o diferenciam, substancialmente, do processo civil. Frise-se, também, que é o próprio texto consolidado que determina a aplicação, apenas subsidiária, das regras de processo civil, em caso de lacuna da norma instrumental trabalhista (art. 769 da CLT).

1 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 2ª ed.. São Paulo: LTr, 2004, p. 77

2 COSTA, Coqueijo. Direito Processual do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 12-13

3 Apud. ARLAS, José A. Caracteres generales del regimen procesal laboral de Ia Ley n. 14.188, Nuevo Proceso Laboral Uruguayo,

p. 17 4 Idem

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José Augusto Rodrigues Pinto5, defendendo a autonomia do processo laboral, leciona que:

Os caminhos para a autonomia do Direito Processual do Trabalho, em face do processo comum, não poderiam ser diversos dos seguidos por todos os ramos que obtiveram sua identidade própria, dentro da unidade científica do Direito. Foram por ele observados os estágios clássicos da formação de princípios e doutrina peculiares, legislação típica e aplicação didática regular. Todos esses estágios estão cumpridos, no Brasil, sucessivamente, pelo Direito Processual do Trabalho. Acha-se ele sustentado por princípios peculiares, ainda que harmonizados com os gerais do processo, por ampla construção doutrinária, que se retrata em consistente referência bibliográfica, e por um sistema legal característico, incluindo-se, além do mais, nos currículos de graduação em Direito, na condição de disciplina nuclear. Aduza-se, ainda, a observação de Coqueijo Costa sobre ter 'juiz próprio', ou seja, jurisdição especial, o que nem chega a ocorrer em todos os países do mundo ocidental industrializado.

Em última análise, embora seja verdade que a legislação instrumental trabalhista ainda é modesta, carecendo de um Código de Processo do Trabalho, definindo mais detalhadamente os contornos do processo laboral, não há dúvida que o Direito Processual do Trabalho é autônomo em relação ao processo civil, uma vez que possui matéria legislativa específica regulamentada na Consolidação das Leis do Trabalho, sendo dotado de institutos, princípios e peculiaridades próprios, além de independência didática e jurisdicional.

2 HISTÓRICO

As condições de trabalho foram modificando-se no decorrer dos anos. Inicialmente, o trabalho era tido como atribuição dos escravos e dos servos. Os nobres não se dedicavam ao trabalho.

Com a Revolução Industrial, a partir do momento em que passaram a ser utilizadas máquinas na produção, começaram a surgir novas condições de trabalho. O tear foi um elemento causador de desemprego na época. Houve aumento de mão de obra disponível, causando, em consequência, a diminuição dos salários pagos aos trabalhadores. A partir desse momento, os operários passaram a reunir-se para reivindicar novas condições de trabalho e melhores salários, surgindo os conflitos trabalhistas, principalmente coletivos.

Os obreiros paralisavam a produção, ocasionando a greve, como mecanismo de autodefesa, visto que inexistiam normas que resolvessem esses conflitos. Só se retomava o trabalho quando uma das partes cedesse em suas reivindicações.

O Estado não se imiscuía para resolver os conflitos surgidos entre empregados e empregadores. Mais tarde, o Estado verificou que era necessário intervir para solucionar os conflitos trabalhistas, pois com a paralisação do trabalho arrecadava menos impostos.

Havia também a alegação de que as controvérsias trabalhistas geravam conturbações sociais, prejudicando a ordem interna.

Num primeiro momento, o Estado ordenava às partes que chegassem a um acordo sobre a volta ao trabalho mediante conciliação obrigatória. Isto não chegou, porém, a produzir os resultados desejados.

Passou-se, então, à fase de mediação, em que o Estado designava um seu representante para participar das negociações como mediador.

5 PINTO, José Augusto. Processo Trabalhista de Conhecimento, 6ª ed. São Paulo: LTr, 2001.

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Posteriormente, o Estado, em vez de designar um mediador, passou a indicar um árbitro para julgar a controvérsia existente entre as partes. Nasce assim, embora timidamente, o Direito Processual do Trabalho, como forma de solucionar os conflitos trabalhistas.

Ao examinarmos o Direito Processual do Trabalho há necessidade de lembrar de sua gênese e de seu desenvolvimento no decorrer do tempo, o atendimento de novos conceitos e instituições que foram surgindo com o passar dos lustros. O Direito tem uma realidade histórico-cultural, não admitindo o estudo de quaisquer de seus ramos sem que se tenha uma noção de seu desenvolvimento dinâmico no transcurso do tempo.

Ao se pretender estudar o passado, é possível compreender o desenvolvimento da ciência no decorrer dos anos, o que se mostra uma necessidade premente.

Segundo as lições de Waldemar Ferreira (1962, p.1), "nenhum jurista pode dispensar o contingente do passado a fim de bem compreender as instituições jurídicas dos dias atuais".

2.1 HISTÓRIA DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO NO BRASIL

O Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, mencionava que as ações sobre contratos de trabalho eram apreciadas pelos juízes comuns, aplicando-se o rito sumário.

Os primeiros órgãos que surgiram no Brasil para a solução de conflitos trabalhistas foram os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem em 1907, previstos pela Lei nº 1.637, de 5-11-1907, mas que sequer foram implantados. Tinham composição mista e paritária. Destinavam-se, contudo, a solucionar todas as divergências entre o capital e o trabalho.

Em 1922, são criados os Tribunais Rurais em São Paulo pela Lei estadual nº 1.869, de 10 de outubro, compostos pelo juiz de direito da comarca e de dois outros membros.

Um deles era designado pelo locador de serviço (trabalhador) e o outro pelo locatário (fazendeiro). As controvérsias resolvidas eram principalmente de salários, mas também decorrentes da interpretação e execução de contratos de serviços agrícolas, até o valor de "quinhentos mil réis".

Nosso sistema foi criado copiando-se literalmente, em muitos aspectos, o sistema italiano da Carta del Lavoro, de 1927, de Mussolini, adotando-se o regime corporativista.

A outra causa foi o advento das convenções coletivas de trabalho. Havia dois órgãos incumbidos de dirimir os conflitos: as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação.

O Conselho Nacional do Trabalho foi criado no âmbito do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio pelo Decreto nº 16.027, de 30 de abril de 1923. Era um órgão consultivo em matéria trabalhista.

As antigas Juntas de Conciliação e Julgamento foram criadas pelo Decreto nº 22.132, de 25-11-1932, tendo competência para resolver os dissídios individuais.

As Juntas eram compostas de um juiz presidente, estranho aos interesses das partes, sendo de preferência um advogado e dois vogais, um representando os empregados e outro o empregador, além de dois suplentes, escolhidos com base nas listas que eram enviadas pelos sindicatos e associações ao Departamento Nacional do Trabalho. A reclamação era apresentada aos procuradores do Departamento Nacional do Trabalho ou órgãos regionais, sendo que a audiência era comunicada às partes por via postal.

Caso o reclamado criasse embaraços ou não fosse encontrado era notificado pela polícia ou por edital.

À audiência deveriam comparecer as partes com suas provas e testemunhas; se o reclamado não comparecesse haveria revelia. Os empregadores poderiam ser representados por gerentes ou administradores. Os menores e as mulheres casadas poderiam pleitear sem a assistência do responsável legal ou pai.

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O presidente poderia determinar diligências, sendo que se assim procedesse deveria adiar a audiência. Os membros da Junta votavam na solução do feito. Era admitida a reconvenção. O empregado que propusesse reclamações temerárias sofria a penalidade da perda do direito de reclamar pelo prazo de até dois anos, sendo também suspenso dos seus direitos de sindicalizado por igual tempo. Seus julgamentos eram feitos em uma única instância, porém não poderiam ser executados pelas referidas Juntas, mas apenas na Justiça Comum, que inclusive poderia anular as citadas decisões. A Justiça do Trabalho tinha notio, que é o poder de conhecer e julgar os dissídios.

Não tinha, porém, imperium, que é o poder de cumprir suas próprias decisões. Qualquer processo com decisão proferida há menos de seis meses poderia ser requisitado pelo Ministro do Trabalho, a pedido do interessado, que passava, então, a decidir, desde que houvesse parcialidade dos juízes ou violação do direito.

Esse chamamento pelo Ministro, de chamar para si o processo e fazer o julgamento, era denominado de "avocatória". Tal procedimento, inclusive, poderia ser até mesmo político, como ocorria. Na época os juízes presidentes eram nomeados pelo Presidente da República, devendo ser bacharéis em Direito e ter idoneidade moral, tendo mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos.

As Comissões Mistas de Conciliação foram instituídas pelo Decreto nº 21.364, de 4-5-32, com a função de dirimir os conflitos coletivos, principalmente os decorrentes de interpretação das questões relativas às convenções coletivas, sendo que nos municípios onde não existiam sindicatos de empregados e empregadores as Comissões tinham relevante papel.

Eram compostas de um presidente, alheio aos interesses profissionais das partes envolvidas, que poderia ser um advogado, um magistrado ou um funcionário federal, estadual ou municipal e representantes de empregados e empregadores, em igual número (seis), escolhidos de acordo com as listas enviadas pelos sindicatos ou associações.

O funcionamento das Comissões era esporádico, pois poucas eram as controvérsias decorrentes de convenções coletivas, funcionando aquelas mais como órgão arbitral. Havia a primeira reunião da Comissão no prazo de 48 horas da comunicação do dissídio ao presidente, fazendo proposta de conciliação. Uma segunda reunião era marcada para no máximo três dias depois, na qual era feita nova proposta conciliatória.

A Comissão podia requisitar toda diligência que entendesse necessária, inclusive determinando a realização de parecer técnico em cinco dias. Na audiência de conciliação o presidente propunha às partes a solução pelo juízo arbitral. Se as partes o aceitassem, assinavam um termo de que iriam se submeter à decisão.

Os juízes eram escolhidos por sorteio. Enviava-se o laudo arbitral para o Ministério do Trabalho, onde era guardado para cumprimento da decisão.

Se as partes se recusassem à solução arbitral, era remetido o processo ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio para que proferisse a solução. Se o Ministro conhecesse dos motivos da recusa, poderia nomear uma comissão especial que proferisse laudo sobre o dissídio (art. 15 do Decreto nº 21.396, de 12-5-32). Existindo paralisação do trabalho, o empregador ficava sujeito a pena de multa e o empregado, ao despedimento.

O Decreto nº 27.784, de 14 de julho de 1934, determinou que o Conselho Nacional do Trabalho era órgão deliberativo de cúpula do sistema judicante trabalhista.

O Decreto-lei nº 9.797 elevou o mandato dos juízes classistas para três anos.

Previa o suplente de Junta, que não fazia concurso e não tinha acesso à promoção na carreira. Era nomeado pelo Presidente da República para substituir o presidente da Junta de Conciliação e Julgamento.

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Tais órgãos pertenciam ao Poder Executivo, não tendo autonomia administrativa ou jurisdicional, pois eram anexos ao Ministério do Trabalho, Comércio e Indústria. Os juízes eram demissíveis ad nutum não tendo, portanto, qualquer independência para o julgamento das questões que lhes eram submetidas.

Entretanto, a maioria da doutrina da época entendia que os referidos órgãos tinham natureza judiciária. As referidas decisões tinham natureza de título executivo, sendo executadas no Cível, mediante o procedimento de execução de sentença, em que a parte poderia alegar apenas nulidade, pagamento ou prescrição da dívida.

Os processos de acidente do trabalho eram dirimidos na Justiça Comum e não pelas Juntas.

Somente os empregados sindicalizados tinham acesso às Juntas ou Comissões Mistas (art. 1º do Decreto nº 22.132/32).

As Comissões Mistas faziam a tentativa de conciliação, mas não o julgamento dos dissídios coletivos. O Conselho Nacional do Trabalho é que tinha competência de tribunal arbitral, prolatando decisões irrecorríveis em dissídios coletivos e de último grau de jurisdição para os empregados estáveis ou questões atinentes à previdência social.

Posteriormente foram criados outros órgãos, não pertencentes ao Poder Judiciário, que decidiam questões trabalhistas, como as Juntas das Delegacias de Trabalho Marítimo (1933), o Conselho Nacional do Trabalho (1934) e uma jurisdição administrativa relativa a férias (1933).

A Constituição de 1934 estabeleceu que, para dirimir questões entre empregados e empregadores, regidas pela legislação social, foi instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no capítulo que trata do Poder Judiciário (art. 122). Isso mostra que a Justiça do Trabalho não era órgão do Poder Judiciário.

A constituição dos tribunais trabalhistas e das comissões de conciliação obedecia ao princípio da eleição de seus membros, metade pelas associações representativas dos empregados e metade pelas dos empregadores. O presidente era de livre nomeação do governo, escolhido entre pessoas de experiência e notória capacidade moral e intelectual (parágrafo único do art. 122).

A Constituição de 1937 repete em certos aspectos a redação da Norma Ápice anterior, dizendo que a Justiça do Trabalho iria dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, regulados na legislação social, porém sua regulamentação, seria feita por lei e à qual não se aplicavam as disposições daquela Lei Maior relativas a competência, ao recrutamento e às prerrogativas da justiça comum (art. 139).

Continuava a Justiça do Trabalho, portanto, a ser um órgão administrativo, não fazendo parte do Poder Judiciário.

Waldemar Ferreira, em 1937, travou intenso debate doutrinário com Oliveira Viana a respeito do poder normativo da Justiça do Trabalho. Afirmava o primeiro que o poder de criar normas sobre condições de trabalho nos dissídios coletivos contrariava os princípios da Constituição. Haveria sentenças de caráter geral, aplicáveis de modo abstrato a pessoas indeterminadas, invadindo a Justiça do Trabalho a esfera do Poder Legislativo.

A competência normativa dos juízes do trabalho importava delegação legislativa, não prevista na Constituição de 1934. Esta Constituição era democrática e dela não constava o Poder Normativo da Justiça do Trabalho. As sentenças deveriam obrigar apenas os litigantes e não terceiros (Princípios de legislação social e direito judiciário do trabalho. São Paulo: São Paulo, 1938).

Oliveira Viana, que era sociólogo e jurista, contestou a afirmação de Waldemar Ferreira, dizendo que a função do juiz não é de mero autômato diante da lei, pois tem função criativa e não de mero intérprete. O juiz teria, assim, maior liberdade de atuação, tendo por base a escola sociológica do direito e o realismo jurídico.

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A delegação legislativa é um fato reconhecido em vários países. Havia necessidade do atendimento de novas realidades, mediante técnicas próprias, existindo compatibilidade entre a competência normativa e a função judiciária. A separação dos poderes não é rígida, sendo legítimas as sentenças normativas. Oliveira Viana dizia que o poder normativo era uma verdadeira arbitragem, "um laudo de perito" (Problemas de direito corporativo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938). Ao final, prevaleceu a tese de Oliveira Viana, que era assessor do Ministro do Trabalho.

O Decreto-lei nº 39, de 3-12-37, estabeleceu que na execução dos julgados das juntas perante o Cível, a defesa ficaria restrita a nulidades, prescrição ou pagamento da dívida.

O Decreto-lei nº 1.237, de 2-5-39, regulamentado pelo Decreto nº 6.596, de 12-12-40, organizou a Justiça do Trabalho, que passou a ser órgão autônomo, não só em relação ao Poder Executivo, como também em face da Justiça Comum, mas ainda não pertencia ao Poder Judiciário, embora exercesse função jurisdicional.

A partir dessa data as decisões da Justiça do Trabalho poderiam ser executadas no próprio processo, sem necessidade de ingresso na Justiça Comum. Havia três instâncias. As Juntas de Conciliação e Julgamento ou Juízes de Direito, sendo as primeiras compostas de um presidente bacharel em Direito, nomeado pelo Presidente da República, e dois vogais, representantes dos empregados e empregadores, tendo competência para conciliar e julgar os dissídios individuais entre empregados e empregadores e os contratos de empreiteiro, operário ou artífice.

Os Conselhos Regionais do Trabalho, órgãos de segundo grau, eram sediados em várias regiões do país, tendo competência para julgar os recursos das juntas. Os Conselhos Regionais do Trabalho substituíram as Comissões Mistas de Conciliação "para apreciar em competência originária os dissídios coletivos, permitindo-se que suas decisões tivessem força normativa". O Conselho Nacional do Trabalho era composto de duas Câmaras, sendo uma da Justiça do Trabalho e outra de Previdência Social. Foi criada a Procuradoria da Justiça do Trabalho, funcionando junto ao Conselho Nacional do Trabalho e procuradorias regionais.

O art. 94 do Decreto-lei nº 1.237 destacava que "na falta de disposição expressa de lei ou de contrato, as decisões da Justiça do Trabalho deverão fundar-se nos princípios gerais do direito, especialmente do direito social, e na equidade, harmonizando os interesses dos litigantes com os da coletividade, de modo que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público".

Em 1939, havia oito Conselhos Regionais do Trabalho e 36 Varas do Trabalho.

Em 1º de maio de 1941, o Presidente da República instalou a Justiça do Trabalho. No dia seguinte, os oito Conselhos Regionais, com as 36 juntas, começavam a funcionar.

A CLT trata do processo do trabalho a partir do art. 643 até o 910, reunindo a legislação esparsa existente na época.

A Constituição de 1937, na época, não incluía a Justiça do Trabalho entre os órgãos do Poder Judiciário, o que somente veio a ocorrer com a promulgação da Constituição de 1946. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal já reconhecia a natureza jurídica dos tribunais trabalhistas.

O Decreto-lei nº 9.797, de 9-9-46, antecipou-se à Constituição de 1946 já conferindo aos juízes togados trabalhistas as garantias inerentes à magistratura, ou seja: inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade, além de ingressarem na carreira por meio de concursos de títulos e provas, havendo critério de promoção, alternadamente, por antiguidade e merecimento.

O inciso V, do art. 94, da Constituição de 1946, de 18-9, deixou claro que os tribunais e juízes do trabalho passavam a pertencer ao Poder Judiciário da União. Estabelecia o art. 122 da referida norma que os órgãos da Justiça do Trabalho eram o Tribunal Superior do Trabalho (substituindo o Conselho Nacional do Trabalho), os Tribunais Regionais do Trabalho (substituindo os Conselhos Regionais do Trabalho) e as Juntas de Conciliação e Julgamento.

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A lei também iria dispor sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho, assegurada a paridade de representação de empregadores e trabalhadores, o que foi repetido nas Constituições posteriores. Iria ser fixado em lei o número de Tribunais Regionais do Trabalho e suas sedes. As Juntas seriam instituídas por lei, podendo, nas comarcas onde elas não fossem instituídas, atribuir as suas funções aos juízes de direito. Poderiam ser criados por lei outros órgãos da Justiça do Trabalho (§ 4º). OS juízes trabalhistas togados gozavam de irredutibilidade de vencimentos, inamovibilidade e vitaliciedade de maneira expressa como membros pertencentes ao Poder Judiciário (art. 95).

O art. 107 da Constituição de 1967 repete a Norma Magna anterior, estabelecendo que os tribunais e juízes do trabalho pertenciam ao Poder Judiciário da União. A divisão da Justiça do Trabalho continuava a ser feita da mesma forma no art. 133, em Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais de Trabalho e Juntas de Conciliação e Julgamento. Podiam ser criados por lei outros órgãos da Justiça do Trabalho (§ 3º).

O art. 135 estabelecia que as decisões do TST eram irrecorríveis, salvo quando se tratasse de matéria constitucional. O TST tinha seis classistas temporários, sendo três de empregados e três de empregadores (art. 133, § 1º, b). Os Tribunais Regionais do Trabalho tinham um terço de juízes classistas temporários (§ 5º do art. 133), com metade de representantes de empregados e metade de representantes de empregadores. O § 4º do art. 133 assegurava a paridade de representação de empregadores e trabalhadores.

Os Tribunais e Juízes do Trabalho eram tratados no art. 141 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Repetia praticamente nos mesmos termos as determinações da Constituição de 1967. Os classistas continuavam a ser seis no TST (art. 141, § 1º, b). Os classistas nos tribunais regionais eram no total de um terço de juízes do tribunal (§ 5º do art. 141). O § 4º do art. 141 assegurava a paridade de representação de empregadores e trabalhadores.

O Decreto-lei nº 779/69 dispôs sobre a aplicação de normas processuais trabalhistas à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias e fundações.

A Lei nº 5.584/70 tratou, entre outros aspectos processuais trabalhistas, da concessão e prestação da assistência judiciária na Justiça do Trabalho. Unificou prazos de recursos.

A redação original da Constituição de 1988 tratava do tema nos arts. 111 a 117, praticamente nos mesmos moldes das Constituições anteriores. No TST, os classistas passaram a ser dez (art. 111, § 1º, II), sendo cinco de empregados e cinco de empregadores.

Nos tribunais regionais, os classistas eram um terço dos juízes dos tribunais (art. 115). Os classistas eram indicados para os tribunais regionais em listas tríplices pelas diretorias das federações e dos sindicatos com base territorial na região (art. 115, parágrafo único, III) e no TST por meio de indicação do colégio eleitoral integrado pelas diretorias das confederações nacionais de trabalhadores ou empregadores.

Nas Varas, existiam dois classistas, um representante de empregados e outro de empregadores (art. 116). Os juízes classistas das Varas eram nomeados pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho. O mandato os representantes classistas era de três anos, em qualquer instância. O artigo 116 da Constituição passa a denominar os antigos vogais de juízes classistas.

A Lei nº 7.701/88 versou sobre a competência dos processos no TST e a especialização dos tribunais trabalhistas em processos coletivos.

A Emenda Constitucional nº 24, de 9-12-99, extinguiu a representação classista em todas as instâncias, transformando as Juntas de Conciliação e Julgamento em Varas do Trabalho. A competência e demais questões da organização da Justiça do Trabalho passaram a ser previstas nos arts. 111 a 116.

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Instituiu a Lei nº 9.957/2000 o procedimento sumaríssimo no processo do trabalho para causas até 40 salários mínimos, acrescentando artigos à CLT, objetivando dar maior celeridade na prestação jurisdicional a tais processos.

Estabeleceu a Lei nº 9.958/00 as Comissões de Conciliação Prévia. Os empregados devem passar por esses órgãos, desde que existentes no local, antes de ajuizar a reclamação trabalhista.

A Emenda Constitucional nº 45/04 trouxe alterações na organização da Justiça do Trabalho e deu nova redação ao artigo 114 da Constituição, que trata da competência deste órgão.

Não é adequada a extinção da Justiça do Trabalho, com a transferência para a Justiça Federal de seus juízes e da competência. Haveria problemas de acomodação dos juízes nos tribunais para efeito de apuração de antiguidade. Existiria maior demora na solução dos problemas trabalhistas, como já ocorre na Justiça Federal, que é extremamente lenta.

A tendência tem sido a especialização do Judiciário em certa matéria e não um critério de competência generalista, que seria até mesmo retrógrado. É preciso, portanto, melhorar a instituição e não suprimi-Ia ou absorvê-Ia em outra.

Não se pode, assim, pretender eliminar a instituição, visando a forçar o desaparecimento dos dissídios. Justifica-se a manutenção do TST, pois é o órgão de cúpula da Justiça do Trabalho. Tem por objetivo a uniformização da jurisprudência dos Tribunais Regionais. Não pode ser simplesmente extinto. Quem vai fazer esse papel?

3 PRINCÍPIOS

3.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA

A coerência interna de um sistema jurídico decorre dos princípios sobre os quais se organiza. Para operacionalizar o funcionamento desse sistema, torna-se necessária a subdivisão dos princípios jurídicos. Extraem-se, assim, os princípios gerais e os princípios especiais, conforme a natureza de cada subdivisão.

Debruçando-nos, por exemplo, sobre o direito processual e o direito processual civil, verificaremos que o direito processual possui seus princípios gerais, e o direito processual civil, que é um dos seus ramos, possui princípios especiais.

A harmonização do sistema ocorre porque os princípios especiais ou estão de acordo com os princípios gerais ou funcionam como exceção. Nessa ordem, as normas, regras, princípios especiais e princípios gerais seguem a mesma linha de raciocínio, com coerência lógica entre si.

Além da coerência lógica, deve haver uma coerência teleológica entre os princípios que compõem o sistema, consentânea com determinados fins políticos, filosóficos, éticos e sociológicos. Com isso, as normas assumem, no sistema, um caráter instrumental na busca de determinados valores idealizados pela sociedade.

Nesse sentido, Claus-Wilhelm Canaris6 define "o sistema jurídico como ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos gerais".

A importância dos princípios foi identificada por Jorge Miranda7 nos seguintes termos:

O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si, o Direito é ordenamento ou conjunto

6 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Trad. A. Menezes Cordeiro. 2. ed.

Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996. p. 280. 7 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. tomo 1, p. 197-198.

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significativo e não conjunção resultante de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor, projeta-se ou traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos. Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles - numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais - fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições.

O jusfilósofo Norberto Bobbio8 refere a importância dos princípios gerais de direito como fator determinante da completude do ordenamento jurídico.

Segundo esse notável mestre, os princípios gerais são apenas

[...] normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?

Mais adiante, o mestre peninsular sublinha, com inteira razão, que:

Ao lado dos princípios gerais expressos há os não expressos, ou seja, aqueles que se podem tirar por abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios, ou normas generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando normas

aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema.9

3.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS

A doutrina de Bobbio sobre princípios assume especial importância para o ordenamento jurídico brasileiro, mormente com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Com efeito, a norma-ápice do ordenamento jurídico pátrio, logo no seu Título I, confere aos princípios o caráter de autênticas normas constitucionais. Vale dizer, já não há mais razão para a velha discussão sobre a posição dos princípios entre as fontes do direito, porquanto os princípios fundamentais inscritos na Constituição Federal passam a ser as fontes normativas primárias do nosso sistema.

Daí a pertinência, com maior razão ainda diante do texto constitucional, da afirmação de Celso Antônio Bandeira de Mello10, para quem princípio:

[...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-Ihes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano.

8 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora UnB, 1997. p. 158-159.

9 Ibidem, p. 159

10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 538.

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É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra.

Colhe-se, neste passo, a lúcida observação de Geraldo Ataliba11, para quem, em direito,

[...] o princípio é muito mais importante do que uma norma, uma vez que o princípio é também uma norma; mas é muito mais do que uma norma, uma diretriz, é um norte do sistema, é um rumo apontado para ser seguido por todo o sistema, sempre que se vai debruçar sobre os preceitos contidos no sistema.

É importante assinalar que atualmente surge na academia uma nova compreensão do papel dos princípios constitucionais fundamentais em nosso ordenamento jurídico, o que passa, necessariamente, pela leitura das obras de Ronald Dworkin12 e Robert Alexy13, pois ambas inspiraram novos estudos sobre hermenêutica nas modernas democracias ocidentais.

Dworkin, consagrado professor de filosofia jurídica da Universidade de Oxford, criticando o modelo de "regras", propõe que a "norma" (norm) em sentido lato, alberga tanto as "regras" (rules) quanto os "princípios" (principIes).

Transplantando a teoria de Dworkin para o nosso ordenamento, poderíamos dizer que as normas constitucionais são o gênero que tem como espécies os princípios e as regras. Essa teoria possui o grande mérito, com o qual concordamos, de desvendar que, ao contrário das regras, princípio não revoga princípio; antes se harmonizam, abrindo espaço para a aplicação da justiça no caso concreto, mediante outro princípio: o da razoabilidade, proporcionalidade ou ponderação de bens.

Alexy14, por sua vez, enfatiza o aspecto deontológico dos princípios. Diz ele que:

[…] tanto Ias regIas como los principios son normas porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos pueden ser formulados con Ia ayuda de Ias expresiones deónticas básicas deI mandato, Ia permisión y Ia prohibición. Los principios, aI igual que Ias regIas, son razones para juicios concretos de debe ser, aun cuando sean razones de un tipo muy diferente. La distinción entre regIas y principios es pues una distinción entre dos tipos de normas.

3.3 FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS

Os princípios constitucionais fundamentais exercem tríplice função no ordenamento jurídico, a saber: informativa, interpretativa e normativa.

A função informativa é destinada ao legislador, inspirando a atividade legislativa em sintonia com os princípios e valores políticos, sociais, éticos e econômicos do ordenamento jurídico. Sob essa perspectiva, os princípios atuam com propósitos prospectivos, impondo sugestões para a adoção de formulações novas ou de regras jurídicas mais atualizadas, em sintonia com os anseios da sociedade e atendimento às justas reivindicações dos jurisdicionados.

11

Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Os princípios do direito processual civil e o processo do trabalho. In: BARROS, Alice Monteiro de (coord.). Compêndio de direito processual do trabalho: obra em homenagem a Celso Agrícola Barbi. 2. ed. São Paulo: L Tr, 2001. p. 49. 12

DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously, passim. 13

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, passim 14

Op. cit., p. 83.

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12

A função interpretativa é destinada ao aplicador do direito, pois os princípios se prestam à compreensão dos significados e sentidos das normas que compõem o ordenamento jurídico. Entre os diversos métodos de interpretação oferecidos pela hermenêutica jurídica, os princípios podem desempenhar um importante papel na própria delimitação e escolha do método a ser adotado nos casos submetidos à decidibilidade.

A função normativa, também destinada ao aplicado r do direito, decorre da constatação de que os princípios podem ser aplicados tanto de forma direta, isto é, na solução dos casos concretos mediante a derrogação de uma norma por um princípio, por exemplo, o princípio da norma mais favorável aos trabalhadores (CF, art. 7º, caput), quanto de forma indireta, por meio da integração do sistema nas hipóteses de lacuna (CPC, art. 128), como se dá, por exemplo, com a aplicação do princípio da preclusão no campo processual.

Cremos ser possível alinhar outras importantes funções que os princípios constitucionais fundamentais desempenham no ordenamento jurídico brasileiro:

a) integram o direito positivo como normas fundamentais;

b) ocupam o mais alto posto na escala normativa;

c) são fontes formais primárias do direito (superação da LICC, art. 4º, que coloca os princípios gerais na posição de meras fontes subsidiárias nas hipóteses de lacunas do sistema);

d) passam a ser normas de introdução ao ordenamento jurídico brasileiro;

e) entre princípio (justiça) e regra (lei), preferência para o primeiro;

f) propiciam a atividade criativa (e vinculativa) do juiz, impedindo o dogma da neutralidade e os formalismos legalistas (supremacia dos valores superiores na interpretação do direito sobre o legalismo restrito);

g) prestigiam a verdadeira segurança jurídica, pois a atividade legislativa e a judicante ficam vinculadas à observância dos princípios constitucionais fundamentais;

h) vinculam todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário): judicialização da política e politização da justiça (Judiciário);

i) estabelecem a função promocional do Ministério Público (defesa do regime democrático e do ordenamento jurídico)

3.4 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL

A doutrina costuma classificar os princípios do direito processual em princípios informativos e princípios fundamentais.

3.4.1 Princípios Informativos

Os princípios informativos do direito processual, também chamados por alguns de meras regras informativas do processo, são considerados axiomas, prescindindo, pois, de demonstração. Não se baseiam em outros critérios que não os estritamente técnicos e lógicos, não possuindo praticamente nenhum conteúdo ideológico.

Os princípios informativos são universais e, por tal razão, são praticamente incontroversos.

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Por serem axiomas, os princípios informativos servem de base para a elaboração de uma teoria geral do processo. Segundo Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco15 são princípios informativos do direito processual:

a) Princípio Lógico

Consiste na escolha dos fatos e forma mais aptos para descobrir a verdade e evitar o erro. Este princípio informa a logicidade a que está jungido o processo, de maneira que a petição inicial deve preceder a contestação, a decisão judicial ao recurso etc.

b) Princípio Jurídico

Seu papel é proporcionar aos litigantes igualdade na demanda e justiça na decisão, mediante regras claras e preestabelecidas, evitando-se que o processo seja uma "caixinha de surpresas";

c) Princípio Político

Seu objetivo é prover os direitos dos cidadãos da máxima garantia social com o mínimo de sacrifício da liberdade individual. Este princípio estabelece a regra política que determina ao juiz o dever de sentenciar, mesmo no caso de lacunas. É este princípio, portanto, que justifica a completude do ordenamento jurídico; e

d) Princípio Econômico

Consiste, de um lado, em fazer com que as lides não sejam tão dispendiosas e demoradas, e, de outro, em propiciar o acesso dos pobres ou dos hipossuficientes econômicos ao aparelho judiciário, por meio dos institutos da assistência judiciária e da justiça gratuita.

3.4.2 Princípios Fundamentais

Os princípios fundamentais do processo, também chamados de princípios gerais do processo, são os princípios sobre os quais o sistema jurídico pode fazer opção, considerando aspectos políticos e ideológicos. Por essa razão, admitem que em contrário se oponham outros, de conteúdo diverso, dependendo do alvedrio do sistema que os está adotando.

3.4.2.1 Princípio da Igualdade ou Isonomia

O princípio da igualdade está consagrado no art. 5º, caput, da CF, segundo a qual todos são iguais perante a lei. É importante notar que a igualdade aqui mencionada é apenas a formal. Todavia, essa norma constitucional deve se amoldar ao figurino das normas-princípios constitucionais fundamentais a dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre-iniciativa, bem como aos objetivos fundamentais da República, consubstanciados, entre outros, na erradicação da pobreza e da marginalização e na redução as desigualdades sociais e regionais (CF, arts. 1 º e 3º).

Vale dizer, o princípio da igualdade há de ser entendido no seu sentido amplo, isto é, tanto no aspecto da igualdade formal quanto no da igualdade substancial. Disso resulta a necessidade de adaptação da aplicabilidade deste princípio nos domínios do direito processual do trabalho, no qual se observa, não raro, manifesta desigualdade econômica entre as partes que figuram no processo.

Por outro lado, o próprio sistema cuida de estabelecer exceções ao princípio da igualdade das partes, como, por exemplo, as normas que outorgam prerrogativas materiais e processuais a certas instituições, como a Fazenda Pública, o Ministério Público e a Defensoria Pública, as quais foram instituídas e nome do interesse público e em razão da natureza e organização do Estado.

15

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et aI. Teoria geral do processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 49-50.

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Assim, a ampliação dos prazos estabeleci da no art. 188 do CPC e no art. 1 º do Decreto-Lei nº 779/1969, alterando as condições em ambos, como autores ou como réus, quadruplicando seus prazos para contestar ou dobrando-os, em regra, para falar nos autos. Tais prerrogativas não se confundem com privilégios, pois encontram justificativa no interesse público em função das características de tais entes: a Fazenda, diante da complexidade dos serviços estatais e da necessidade de formalidades burocráticas; o MP, por causa do número geralmente deficiente de membros, da sobrecarga de trabalho, do desaparelhamento funcional e da distância das fontes de informação e das provas, bem como das novas funções de órgão agente que lhe foram cometidas pela Constituição e pelas leis; a Defensoria Pública, por semelhantes razões.

Além da dilação do prazo, há também outras formas de mitigação do princípio da isonomia formal ou substancial, como o caso da dispensa de custas aos necessitados e carentes, desde que beneficiários de justiça gratuita, assim declarados na decisão judicial; a isenção de caução para os trabalhadores; o duplo grau de jurisdição, obrigatório nas causas em que as pessoas jurídicas de direito público são venci das total ou parcialmente (CPC, art. 475; Decreto-Lei nº 779/1969, art. 1 º; Súmula nº 303 do TST) etc.

Cumpre advertir que o princípio da isonomia é implementável não apenas a título individual, mas, também, a título coletivo. Abre-se, assim, espaço para a coletivização do processo, que, como veremos mais adiante, oferece novo enfoque para o problema do acesso - individual e coletivo - à justiça.

3.4.2.2 Princípio do Contraditório

O princípio do contraditório é também garantia constitucional, estabelecido entre nós pelo art. 5º, LV, da Carta de 1988.

Esse princípio é de mão dupla, isto é, implica a bilateralidade da ação e a bilateralidade do processo, aproveitando, portanto, o autor e o réu.

O princípio em tela também é útil para estabelecer o moderno conceito de parte no processo. Vale dizer, parte é quem participa, efetiva ou potencialmente, do contraditório na relação jurídica processual.

3.4.2.3 Princípio da Ampla Defesa

Encontra-se positivado no art. 5º, LV, da CF, funcionando como complemento do princípio do contraditório.

Com efeito, a não se admitir a relação processual sem a presença do réu, não teria sentido tal regramento se, comparecendo a juízo para se defender e opor-se à pretensão autoral, o réu ficasse impedido ou inibido de excepcionar, contestar, recorrer ou de deduzir toda a prova de seu interesse.

Advirta-se, porém, que esse princípio também é de mão dupla, uma vez que a bilateralidade da ação e da defesa aproveita tanto o réu quanto o autor.

Vale dizer, reconhece-se, atualmente, em virtude da aproximação cada vez maior entre o direito material e o direito processual, que o autor quando vai a juízo encontra-se em situação de "defesa" do seu direito material lesado ou ameaçado de lesão pelo réu. É por isso que o princípio da ampla defesa, em favor do autor, permite ao juiz conceder tutelas antecipatórias para proteção imediata do direito material do autor.

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3.4.2.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz

Avocando a si a missão de prestar a tutela jurisdicional, que não deixa de ser também a prestação de um serviço público, salta aos olhos que, ao exercer esse poder-dever-função, o Estado-juiz deverá agir com absoluta imparcialidade.

Imparcialidade, para nós, não se confunde com neutralidade. O juiz, embora agente público com responsabilidades complexas, é um ser humano como outro qualquer. Logo, não se pode ignorar que ele tenha a sua própria "visão de mundo", com as suas próprias preferências políticas, filosóficas e ideológicas. Afinal, o homem é um animal político, já dizia Aristóteles. Todavia, ao desempenhar a função jurisdicional, o juiz deverá agir com imparcialidade, isto é, sem tendências que possam macular o devido processo legal e favorecer uma parte em detrimento da outra no que tange ao direito fundamental de acesso à justiça.

O princípio em tela significa, por outro lado, que, na justa composição da lide, a solução do conflito de interesses entre as partes só pode ser obtida por meio de processo regular, em que as partes tenham igualdade de tratamento, sob o regime do contraditório e da ampla defesa e perante um juiz imparcial. O princípio da imparcialidade implica repúdio aos juízes secretos e de caráter inquisitivo do período reinol.

Para efetivar a imparcialidade do juiz, a Constituição Federal (art. 95) confere à magistratura garantias especiais, a saber: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios.

Como desdobramento desse princípio, exsurge um outro: o princípio constitucional da obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX).

3.4.2.5 Princípio da Motivação das Decisões

Correlato ao princípio da imparcialidade, o princípio da motivação das decisões constitui uma garantia do cidadão e da sociedade contra o arbítrio dos juízes.

Com efeito, vaticina o art. 93, IX, da CF, in verbis:

Art. 93, IX. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes em casos no quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

O preceptivo em causa, na verdade, consagra dois outros princípios: o da obrigatoriedade da fundamentação das decisões e o da publicidade dos julgamentos, ressalvando-se, com relação a este último, as hipóteses em que o interesse público exigir a sua relativização.

3.4.2.6 Princípio do Devido Processo Legal

Leciona Nelson Nery Junior16, com razão, que o princípio do devido processo legal é a base sobre a qual todos os outros princípios se sustentam.

Segundo esse ilustre processualista, [...] bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies.

16

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 6ª ed.. São Paulo: RT, 2000, p. 30.

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O princípio em tela encontra raízes no due process of law, do direito norte-americano, e está albergado explicitamente no art. 5º, LIV, da CF, in verbis: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"

Em sentido genérico, pois, o princípio do devido processo legal caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade.

O princípio ora focalizado não se restringe ao terreno processual (procedural due process of law), porquanto os valores vida, liberdade e propriedade também são ínsitos ao direito material. Daí a afirmação, por exemplo, de que o princípio da autonomia privada encontra fundamento no sentido substantivo do princípio do devido processo legal (substantive due process).

Do princípio do devido processo legal, extraem-se outros princípios, de ordem constitucional e legal, tais como o do juiz natural, proibição de tribunais de exceção, promotor natural, duplo grau de jurisdição, recorribilidade das decisões e motivação das decisões judiciais, além do princípio da obediência às formas previamente estabelecidas.

3.4.2.6.1 Princípio do Juiz Natural

O princípio do juiz natural encontra residência no art. 5º, LIII, da CF, in verbis: "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente."

Por princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII), entende-se aquele que não só consagra a tese de que juiz é aquele investido de função jurisdicional, afastando julgamentos por outro poder, como ainda impede a criação de tribunais de exceção ou ad hoc para o julgamento de causas cíveis ou penais.

Os tribunais especializados não constituem exceção ao princípio do juiz natural, pois estão previstos na própria Constituição, que prevê a existência de Justiças especializadas, com competência para julgar causas trabalhistas, militares e eleitorais.

3.4.2.6.2 Princípio do Promotor Natural

O princípio do promotor natural decorre da interpretação sistêmica do Texto Constitucional. Vale dizer, o princípio do promotor natural está albergado 10S arts. 5º, XXXV e LIII, 127 e 129, I, da Constituição Federal, e "assenta-se as cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição".

Além disso, esse princípio "quer significar que o jurisdicionado : em a garantia constitucional de ver-se processado e julgado pelas autoridades competentes, previamente estabelecidas nas leis processuais e de organização judiciária".

A rigor, bem observa Paulo Cezar Pinheiro Carneiro17, o princípio do promotor natural,

[...] na realidade, é verdadeira garantia constitucional, menos dos membros do Parquet e mais da própria sociedade, do próprio cidadão, que tem assegurado, nos diversos processos que o MP atua, que nenhuma autoridade ou poder poderá escolher o Promotor ou Procurador específico para determinada causa, bem como que o pronunciamento deste membro do MP dar-se-á livremente, sem qualquer tipo de interferência de terceiros.

Os princípios do juiz e do promotor natural interagem com o princípio da imparcialidade do juiz e do Ministério Público e devem servir de norte para garantir às partes a lisura da prestação jurisdicional.

O STF (HC n. 90.277-DF, relª Min. Ellen Gracie), porém, não reconhece o postulado do promotor natural como inerente ao direito brasileiro.

17

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: o promotor natural, atribuição e conflito. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 52-53.

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17

3.4.2.6.3 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

O duplo grau de jurisdição é previsão normativa contida em um sistema jurídico para que as decisões judiciais de um processo possam ser submetidas, por intermédio de um recurso voluntário ou de ofício, a um novo julgamento por um órgão judicial, geralmente colegiado, e hierarquicamente superior.

O duplo grau de jurisdição foi previsto expressamente no art. 158 da Constituição brasileira de 1824. As demais Cartas republicanas, inclusive a CF de 1988 (art. 5º, LIV, LV, LVI, §§ 2º e 3º), não contemplam de forma explícita, o que propicia divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca não somente de sua existência como também de seu status constitucional.

O que podemos afirmar é que o duplo grau de jurisdição além de ser princípio é também um direito humano conferido a toda pessoa de interpor recurso das decisões judiciais para um juiz ou tribunal superior. É, pois, em nosso sistema, um direito fundamental à luz dos §§ 2º e 3º do art. 5º da CF/88.

3.4.2.7 Princípio do Acesso Individual e Coletivo à Justiça ou Inafastabilidade do Controle Jurisdicional ou Ubiquidade ou Indeclinabilidade da Jurisdição

Está consagrado expressamente no art. 5º, XXXV, da CF, in verbis: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Este princípio tem por destinatário não apenas o legislador ("a lei não excluirá ... "), pois o comando constitucional atinge a todos indistintamente. Em outros termos, a ninguém é permitido impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.

O problema do acesso à Justiça ganhou nova dimensão a partir da Constituição Federal de 1988, que, inovando substancialmente em relação à Carta que lhe antecedeu, catalogou os princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal no rol dos direitos e garantias fundamentais, especificamente no capítulo concernente aos direitos e deveres individuais e coletivos.

Amplia-se, então, no plano mais elevado do nosso ordenamento, o conceito jurídico de acesso ao Poder Judiciário, não somente para a tutela jurisdicional na hipótese de lesão, mas, também, na de ameaça a direito.

E mais, a expressão "direito", embora esteja gramaticalmente empregada no singular, comporta interpretação extensiva e sistemática, isto é, abarca tanto os "direitos" como os "interesses", quer sejam "individuais", quer sejam "coletivos" lato sensu.

Não é incorreto afirmar, pois, que esses dois princípios constitucionais indeclinabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) e devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV) - servem de aporte à temática do efetivo acesso, tanto individual quanto coletivo, ao Poder Judiciário brasileiro.

Neste passo, e considerando a existência de diversas normas constitucionais e infraconstitucionais criadoras de direitos e garantias metaindividuais, bem como a atual tendência legislativa a ampliar e regular a proteção desses "novos direitos", salta aos olhos que o ortodoxo modelo liberal-individualista, inspirador do CPC e da CLT (Título X, Capítulo III), mostra-se inválido, insuficiente, inadequado e ineficaz para solucionar os novos conflitos civis e trabalhistas de massa, pois, como adverte Marcelo Abelha Rodrígues18,

[...] tratar-se-ia de, por certo, se assim fosse, uma hedionda forma de inconstitucionalidade, na medida em que impede o acesso efetivo à justiça e fere, em todos os sentidos, o direito processual do devido processo legal. Isto porque, falar-se em devido processo legal, em sede de

18

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. São Paulo: RT, 2000. v. 1, p. 73.

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direitos coletivos lato sensu, é, inexoravelmente, fazer menção ao sistema integrado de tuteIa processual trazido pelo CDC (Lei n. 8.078/90) e LACP (Lei n. 7.347/85).

Esse moderno sistema integrado de acesso coletivo à justiça é implementado por aplicação direta de normas jurídicas da CF (arts. 5º, XXXV, 129, 111), da LACP, do CPC (Título III) e, por aplicação subsidiária, das normas do CPC, desde que estas não sejam incompatíveis com aquelas.

Alguns processualistas apelidaram esse novo sistema de "jurisdição civil coletiva", o que implica dizer que, atualmente, a "jurisdição civil" abrange dois sistemas: o da tutela jurisdicional individual, regido basicamente pelo CPC, e o da tutela jurisdicional coletiva (ou "jurisdição civil coletiva"), disciplinado, em linhas gerais, pelo sistema integrado de normas contidas na CF, na LACP, no COC e, subsidiariamente, no CPC.

Com relação ao direito processual do trabalho, pode-se inferir que, com a promulgação da CF, de 1988, do CDC, de 1990, e, mais tarde, da LOMPU, de 1993, a "jurisdição trabalhista" passou a ser constituída de três sistemas:

a) o sistema de acesso individual (dissídios individuais e plúrimos);

b) o sistema de acesso coletivo (dissídios coletivos); c) o sistema de acesso metaindividual (ação civil públlca.

3.4.2.8 Princípio da Razoabilidade da Duração do Processo

Com a promulgação da EC n. 45/2004, que acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da CF, um novo princípio fundamental foi insculpido em nosso sistema processual, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

O princípio da razoabilidade da duração do processo foi inspirado, certamente, na constatação de que o sistema processual brasileiro, tanto no âmbito judicial quanto administrativo, padece de uma enfermidade crônica: a morosidade.

Vê-se, assim, que o nosso ordenamento jurídico passa a se preocupar não apenas com o acesso do cidadão ao Poder Judiciário, mas, também, que esse acesso seja célere, de modo a que o jurisdicionado e o administrado tenham a garantia fundamental de que o processo, judicial ou administrativo, em que figurem como parte, terá duração razoável em sua tramitação.

O escopo do princípio ora focalizado, portanto, reside na efetividade da prestação jurisdicional, devendo o juiz empregar todos os meios e medidas judiciais para que o processo tenha uma "razoável duração" que, na verdade, é uma expressão que guarda um conceito indeterminado, razão pela qual somente no caso concreto poder-se-a afirmar se determinado processo teve ou está tendo tramitação com duração razoável.

Alguns meios que garantirão a celeridade processual foram inseridos na própria Carta Magna, por força da EC n. 45/2004, tais como: a previsão de que "a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente" (CF, art. 93, XII); a permissão para que os servidores recebam "delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório" (idem, XIV) e a determinação de que "a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição" (idem, XV).

Além disso, a alínea e do inciso II do art. 93 da CF, com redação dada pela EC n. 45/2004, estabelece uma importante medida de natureza administrativa para assegurar a celeridade da tramitação do processo, na medida em que será proibida a promoção do "juiz que, injustificadamente, retiver autos

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em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-Ios ao cartório sem o devido despacho ou decisão".

3.4.2.9 Princípio da Cooperação ou Colaboração

O principal objetivo do Estado Democrático de Direito não é somente positivar os direitos fundamentais, especialmente os sociais, mas também, e principalmente, garanti-Ios. Daí a importância do Poder Judiciário (e do processo) na promoção da defesa dos direitos fundamentais, especialmente por meio do princípio da cooperação que, segundo lição de Fredie Didier Jr.19,

[...] orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras. Essa participação não se resumiria à ampliação dos seus poderes instrutórios ou de efetivação de decisões judiciais (arts. 131 e 461, § 5º, do CPC). O magistrado deveria adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando estiver com dúvidas e, ainda, dando orientações necessárias quando for o caso. Encara-se o processo como produto de atividade cooperativa: cada qual com as suas funções, mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do ato final ( ... ). O princípio da cooperação gera os seguintes deveres para o magistrado (seus três aspectos): a) dever de esclarecimento; b) dever de consultar; c) dever de prevenir.

3.4.2.10 Princípio do Ativismo Judicial

Um outra consequência da vinculação do Estado Democrático de Direito com o processo, sendo este um dos instrumentos de realização daquele, é o reconhecimento do princípio do ativismo judicial. Como bem lembra Hermes Zaneti Júnior20:

O que é fundamental ao Estado Democrático de Direito é a prevalência dos direitos fundamentais individuais e coletivos, sua relação com os fins e objetivos da sociedade multicultural (plúrima), e sua abertura para a construção da futura democracia integral (representativa, direta, política e social). (39)

Reconhece-se, pois, a expansão do princípio do ativismo judicial nas sociedades democráticas contemporâneas, alcançando sobremaneira o Brasil, mormente com a promulgação da Constituição Republicana de 1988. Daí a importante advertência de Gisele Cittadino21:

O protagonismo do Poder Judiciário pode ser observado tanto nos Estados Unidos como na Europa, ainda que nos países da common law esse ativismo judicial seja mais favorecido pelo processo de criação jurisprudencial do direito. De qualquer forma, mesmo nos países de sistema continental, os textos constitucionais, ao incorporar princípios, viabilizam o espaço necessário para interpretações construtivistas, especialmente por parte da jurisdição constitucional, já sendo até mesmo possível falar em um "direito judicial". No Brasil, do mesmo modo, também se observa uma ampliação do controle normativo do Poder Judiciário, favoreci da pela Constituição de 1988, que, ao incorporar direitos e princípios fundamentais, configurar um Estado Democrático de Direito e estabelecer princípios e fundamentos do Estado, viabiliza uma ação judicial que recorre a procedimentos interpretativos de legitimação de aspirações sociais. [...] Esse processo de ampliação da ação judicial pode ser analisado à luz das mais diversas perspectivas: o fenômeno da normatização de direitos, especialmente em face de sua natureza

19

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed. Salvador: Podivm, 2008. p. 59. 20

ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 116. 21

CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia. Disponível em: <http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n9_cittadino.pdf >. Acesso em: 01.08.2012.

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coletiva e difusa; as transições pós-autoritárias e a edição de constituições democráticas - seja em países europeus ou latino-americanos - e a consequente preocupação com o reforço das instituições de garantia do estado de direito, dentre elas a magistratura e o Ministério Público: as diversas investigações voltadas para a elucidação dos casos de corrupção a envolver a classe política, fenômeno já descrito como 'criminalização da responsabilidade política'; as discussões sobre a instituição de algum tipo de poder judicial internacional ou transnacional, a exemplo do tribunal penal internacional; e, finalmente, a emergência de discursos acadêmicos e doutrinários, vinculados à cultura jurídica, que defendem uma relação de compromisso entre Poder Judiciário e soberania popular. Se considerarmos qualquer uma dessas chaves interpretativas, podemos compreender porque a expansão do poder judicial é vista como um reforço da lógica democrática. Com efeito, seja nos países centrais, seja nos países periféricos, na origem da expansão do poder dos tribunais, percebe-se uma mobilização política da sociedade. Não é por outra razão que esse vínculo entre democracia e ativismo judicial vem sendo designado como judicialização da política.

O princípio do ativismo judicial está expressamente previsto no art. 2º, letra "i", do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual22.

O princípio do ativismo, inspirador da conduta habitual do magistrado, auxilia na formação de material jurídico positivo, na medida em que se reconhece que a aplicação do direito é produção de direito como norma agendi. Nas palavras de Evandro Gueiros Leite, ministro aposentado do STJ:

O ativismo condiz, pois, com a contextualidade do Direito Processual Civil, no pertinente à atividade jurídica e à ação judiciária: atuação de um Poder (política); função do jus dicere (finalidade); processo e organização (instrumentalidade). Dentro desse quadro, o estudioso pode aderir a um novo princípio de legitimidade ou a uma nova ideia de direito, com o juiz como figura principal ( ... ) O ativismo do juiz atua sobre o comportamento deste no processo, em busca de um direito judicial, menos submisso às leis ou à doutrina estabelecida e às convenções conceituais. Não importa numa simples, embora ágil, aplicação da norma e que a deixe inalterada. Nem é atitude voluntariosa, mas tomada de consciência no presente e diretriz de decisões futuras.

É preciso distinguir o juiz ativo do juiz ativista, pois, como bem observa Roberto C. Berizonce23:

[...] o juiz que pronuncia suas decisões e cumpre os seus deveres funcionais com diligência e dentro dos prazos legais pode ser considerado ativo; será ativista se, ademais disto, e a partir de uma visão progressista, evolutiva e reformadora, souber interpretar a realidade de sua época e conferir às suas decisões um sentido construtivo e modernizante, orientando-se para a consagração dos valores essenciais em vigor.

Se o princípio do ativismo judicial encontra-se em franca expansão nos sítios do processo civil, salta aos olhos a necessidade de sua urgente aplicação no terreno do processo do trabalho. Afinal, neste há, em regra, situações de desigualdades de armas entre os litigantes, sendo o espaço natural para as demandas metaindividuais e uma atuação mais ativa do magistrado.

Afinal, os arts. 84 do CDC, 461 do CPC e 765 da CLT demonstram que o nosso sistema estimula (e determina), a nosso ver, uma atuação mais ativa do magistrado em prol de um processo a serviço da tutela efetiva dos direitos.

22

Disponível em : www.direitoprocessual.org.br 23

Apud LEITE, Evandro Gueiros. Ativismo judicial. Disponível em: < http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16980 >. Acesso em: 01.08.2012.

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3.5 PRINCÍPIOS COMUNS AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E AO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Tendo em vista que os princípios jurídicos é que dão coerência ao sistema, investigaremos, a seguir, com os olhos voltados para a teoria geral do processo, alguns princípios, previstos ou não em lei, que tradicionalmente transitam de forma interativa nos domínios do direito processual civil e do direito processual do trabalho.

Os princípios a seguir arrolados encontram inspiração no direito processual constitucional ou no direito constitucional processual.

3.5.1 Princípio Dispositivo ou da Demanda

Na esfera civil, o poder de provocar a tutela jurisdicional foi entregue à própria parte interessada, isto é, àquela que se sentisse atingida pelo comportamento alheio, podendo ela vir a juízo apresentar a sua pretensão, se quiser ou da forma que lhe aprouver, assim como dela desistir, respeitadas as exigências legais.

Trata-se, pois, da livre iniciativa da pessoa que se sente lesada ou ameaçada, da em relação a um direito de que se diz titular.

O princípio dispositivo, também chamado princípio da demanda ou da inércia da jurisdição, é emanação do princípio da livre-iniciativa. Sua residência legal está no art. 2º do CPC, que diz: "Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais."

Vale dizer, o nosso sistema adota o apotegma romano nemo judex sine actore, segundo o qual sem autor não há jurisdição.

Cabe aqui a observação de Ada Pellegrini Grinover24, para quem o sistema confere às pessoas o poder dispositivo, sendo certo que "esse poder dispositivo é quase absoluto, no processo civil, mercê da natureza do direito material que se visa a atuar. Sofre limitação quando o direito material é de natureza indisponível, por prevalecer o interesse público sobre o privado".

No direito processual do trabalho, há algumas exceções ao princípio dispositivo, uma vez que neste setor especializado há previsão, por exemplo, da reclamação trabalhista instaurada por ofício oriundo da DRT (CL T, art. 39), da execução promovida ex officio pelo juiz (CL T, art. 878) e da "instauração da instância" pelo juiz presidente do Tribunal, nos casos de greve (CL T, art. 856).

Sobre esta última norma consolidada, parece-nos que ela já se mostrava incompatível com a redação original do art. 114, §§ 2º e 3º, da CF, entendimento que se reforça pela sua novel redação introduzida pela EC n. 45/2004.

3.5.2 Princípio Inquisitivo ou do Impulso Oficial

Está consagrado expressamente no art. 262 do CPC, que dispõe textualmente: "O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial."

Após o ajuizamento da ação, o juiz assume o dever de prestar a jurisdição, de acordo com os poderes que o ordenamento jurídico lhe confere. No que concerne à imbricação deste princípio com o princípio dispositivo, é importante a advertência de Ada Pellegrini Grinover25, para quem "o processo civil não é mais eminentemente dispositivo como era outrora; impera, portanto, no campo processual penal, como no campo processual civil, o princípio da livre investigação das provas, embora com doses maiores de dispositividade no processo civil".

24

Teoria geral do processo, cit., p. 61. 25

Ibidem, p. 57.

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O princípio do impulso oficial também é extraído do art. 267, II e III, do CPC, que permite a extinção do processo, sem exame do mérito, por contumácia das partes, bem como dos arts. 128 e 460 do mesmo Código.

No que concerne ao direito processual do trabalho, o art. 765 da CL T estabelece que "os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas".

Além disso, há algumas hipóteses que operacionalizam o princípio inquisitivo no direito processual do trabalho, a saber: a reclamação trabalhista instaurada pelo juiz do trabalho em virtude de expediente (processo administrativo) oriundo da DRT (CLT, art. 39), a execução promovida ex oficio (CLT, art. 878) e a "instauração da instância" pelo juiz presidente do Tribunal, nos casos de greve (CLT, art. 856), sendo que esta última hipótese, como já afirmado na epígrafe anterior, mostra-se incompatível com o art. 114, §§ 2º e 3º, da CF.

3.5.3 Princípio da Instrumentalidade

O processo não é um fim em si mesmo. Ao revés, o processo deve ser instrumento de Justiça. É por meio dele que o Estado presta a jurisdição, dirimindo conflitos, promovendo a pacificação e a segurança aos jurisdicionados.

Nesse sentido, é que se diz que o processo deve estar a serviço do direito material, e não o contrário. O processo é meio, é instrumento, é método de realização do direito material.

Princípio da instrumental idade, também chamado de princípio da finalidade, é aquele segundo o qual, quando a lei prescrever ao ato determinada forma, sem cominar nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

O CPC, em seus arts. 154 e 244, consagra o princípio da instrumentalidade, nos seguintes termos:

Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. ... Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

Essas normas do CPC são aplicáveis ao direito processual do trabalho, por força do art. 769 da CLT.

3.5.4 Princípio da Impugnação Especificada

Corolário do contraditório, o princípio da impugnação específica está previsto no art. 302 do CPC, segundo o qual "cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial".

A inobservância do princípio deságua na presunção de serem verdadeiros os fatos não impugnados. Esse ônus atribuído ao réu somente não ocorrerá:

I - se não for admissível, a seu respeito, a confissão;

II - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato;

III - se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.

Demonstrando que também há exceções ao princípio da isonomia, o parágrafo único do preceptivo em causa dispõe, in verbis, que não se aplica tal ao advogado dativo, ao curador especial e ao

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órgão do Ministério Público. Há cizânia doutrinária quanto à incidência do princípio da impugnação específica nos domínios do processo do trabalho. O maior argumento invocado reside na permissão do jus postulandi (CLT, art. 791), que, em princípio, impediria a aplicação supletiva do art. 302 do CPC.

Cremos, porém, que a razão está com a corrente que admite a aplicação subsidiária da norma do direito processual civil.

Como bem salienta Júlio César Bebber26, em obra de fôlego, "a incumbência destinada ao réu para que se manifeste precisamente quanto às alegações do autor são de ordem lógica e de bom-senso, não devendo ser confundida com questões técnicas”.

No mesmo sentido, Wagner Gíglío27 pontifica: "A resposta deve examinar os fatos com exaustão e fazer-se acompanhar da prova documental. A defesa por negação geral não produz efeito, correspondendo à inexistência de contestação".

3.5.5 Princípio da Estabilidade da Lide

Este princípio informa que se o autor já propôs sua demanda e deduziu os seus pedidos, e se o réu já foi citado para sobre eles se pronunciar, não poderá mais o autor modificar sua pretensão sem anuência do réu e, depois de ultrapassado o momento da defesa, nem mesmo com o consentimento de ambas as partes isso será possível.

O princípio da estabilidade da lide ou da demanda está consagrado no plano subjetivo e no plano objetivo. O art. 41 do CPC consagra o critério subjetivo da estabilização da demanda.

No plano objetivo, o princípio em tela está inscrito no art. 294 do CPC, segundo o qual, "antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa".

Essa norma é complementada pela prevista no art. 264 do mesmo Código, que prescreve: "Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei."

No que tange à aplicação do princípio da estabilização da demanda no processo do trabalho, convém reproduzir, em primeiro lugar, o que diz o parágrafo único do art. 264 do CPC: "A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo."

Ora, no processo do trabalho não há o instituto do saneamento, razão pela qual, a nosso ver, embora lacunoso o texto obreiro, a aplicação supletiva do CPC deve merecer a necessária adaptação quando transplantada para o processo especializado.

Assim, tendo em vista a peculiaridade, no processo laboral, de a audiência ser realizada antes mesmo da apresentação da defesa (CLT, arts. 846 e 847), seria ilógico não permitir a alteração (ou aditamento) do pedido ou da causa de pedir, desde que isso não implique comprometimento aos princípios do devido processo legal e do contraditório, que, segundo pensamos, não serão olvidados se o juiz conceder prazo ao réu (reclamado) para se pronunciar sobre as alterações ou aditamentos perpetrados.

26

BEBBER, Júlio César. Princípios do processo do trabalho. São Paulo: L Tr, 1997. p. 393. 27

GIGLlO, Wagner D. Direito processual do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 173.

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24

3.5.6 Princípio da Eventualidade

As partes devem alegar, na oportunidade própria prevista em lei, ou por ocasião do exercício de faculdade processual, todas as matérias de defesa ou de seu interesse. É o princípio da eventualidade, que está inserto no art. 300 do CPC, in verbis:

Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.

Como decorrência lógica da posição que adotamos no sentido de admitir a aplicação ao direito processual do trabalho do princípio da impugnação especificada, pensamos ser de todo conveniente, tendo em vista a lacuna do texto obreiro (CLT, art. 769), a absorção do princípio da eventualidade na Justiça especializada, pois não se revela incompatível com a principiologia da processualística laboral, desde que o juiz aja com razoabilidade e com a necessária prudência.

Para tanto, deverá orientar ou advertir expressamente as partes no sentido de que deverão produzir todas as suas razões de defesa no momento oportuno, sob pena de serem consideradas verdadeiras as alegações do autor.

3.5.7 Princípio da Preclusão

O princípio da preclusão decorre do princípio dispositivo e com a própria logicidade do processo, que é o "andar para a frente", sem retornos a etapas ou momentos processuais já ultrapassados.

Este princípio está inscrito no art. 245 do CPC, segundo o qual "a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à arte falar nos autos, sob pena de preclusão".

O parágrafo único do referido artigo excepciona a incidência da regra da reclusão, ao dispor que "não se aplica esta disposição às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão, provando a parte legítimo impedimento".

O princípio em tela também está previsto no art. 473 do CPC, segundo o qual “é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão".

Essa norma tem por destinatários todos os que figuram no processo, inclusive o juiz, na medida em que este não poderá examinar questão já superada, sendo-lhe permitido, no entanto, a qualquer momento, antes da prol ação da sentença, conhecer de questão de ordem pública, tal como preveem os arts. 267, § 3º, 301, § 4º, e 303, II, do CPC.

No âmbito do direito processual do trabalho, o princípio encontra-se implícito no art. 795 da CLT, que diz: "As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argui-Ias à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos."

Tem-se entendido que, em virtude da audiência una legalmente prevista o processo do trabalho, e, também, em razão da inexistência de recurso próprio .para atacar imediatamente as decisões interlocutórias, o prazo para a parte manifestar sua irresignação - o chamado protesto nos autos - pode ser feito ,até as razões finais.

Não há corno negar a incidência do princípio da preclusão no direito processual do trabalho, pois a própria CLT, no seu art. 879, §§ 2º e 3º, o prevê expressamente, nos seguintes termos:

Art. 879 - Sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos. [...] § 2º - Elaborada a conta e tornada líquida, o Juiz poderá abrir às partes prazo sucessivo de 10 (dez) dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão.

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§ 3º Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação por via postal do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio do órgão competente, para manifestação, no prazo de dez dias, sob pena de preclusão.

3.5.7.1 Preclusão Consumativa

É a que ocorre com a própria prática do ato processual, isto é, urna vez praticado o ato, não poderá a parte fazê-lo novamente (exemplo: interposição tempestiva do recurso ordinário impede que outro recurso ordinário seja interposto contra a mesma decisão).

3.5.7.2 Preclusão Temporal

É a mais conhecida. Opera-se a preclusão temporal quando a parte não pratica um ato processual no prazo legalmente previsto, ou quando o pratica serodiamente (exemplo: perda do prazo para interposição de um recurso).

3.5.7.3 Preclusão Lógica

É a perda da prática de um ato, por estar em contradição com atos anteriores, ofendendo a lógica do comportamento das partes. A preclusão lógica, portanto, ocorre quando a parte pratica um 'ato incompatível com o já praticado (exemplos: CLT, art. 806, que veda à "parte interessada suscitar conflitos de jurisdição quando já houver oposto na causa exceção de competência", ou seja, se a parte interessada excepcionou a incompetência, implica preclusão lógica para sua pretensão posterior de suscitar o conflito de competência; em vez de recorrer da sentença, a parte simplesmente cumpre o comando nela prescrito, este ato implica preclusão lógica do direito de recorrer).

3.5.7.4 Preclusão Ordinatória

É a perda da possibilidade de praticar o ato (ou exercer faculdade), se precedido do exercício irregular da mesma possibilidade. Em outros termos, a validade de um ato posterior depende da prática de um ato anterior (exemplos: não podem ser recebidos os embargos do devedor antes de garantido o juízo pela penhora, não será conhecido o recurso se não houve o pagamento das custas).

3.5.7.5 Preclusão Máxima

Também conhecida por coisa julgada, consiste na perda do prazo para a interposição de recurso contra sentença que transitou em julgado com ou sem resolução de mérito. Por este princípio é defeso à parte pleitear, e ao juiz decidir, no mesmo processo em que houve a preclusão máxima (coisa julgada).

A coisa julgada constitui uma garantia fundamental do cidadão e encontra fundamento na necessidade de segurança das relações jurídicas processuais, impedindo que no mesmo processo sejam rediscutidas questões já decididas por sentença não mais sujeita a recurso.

O direito processual do trabalho agasalha expressamente o princípio da reclusão máxima, como se infere do art. 836 da CLT.

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3.5.7.6 Preclusão Pro Judicato

O art. 836 da CLT veda ao juiz conhecer de questões já decididas, salvo nas hipóteses dos embargos de declaração e de ação rescisória. Eis um exemplo de preclusão pro judicato, que retira do magistrado o poder de revogar ou modificar decisão prolatada e publicada, impondo-lhe a observância do devido processo legal, dando estabilidade ao ordenamento jurídico.

Outro exemplo é extraído do juízo de admissibilidade do Recurso de Revista que é feito pelo órgão a quo e pelo ad quem. O pronunciamento do primeiro não gera preclusão pro judicato para o segundo, que tem o poder-dever de proceder a novo exame dos requisitos de admissibilidade do recurso independentemente de provocação da parte contrária.

3.5.8 Princípio da Economia Processual

Trata-se de princípio aplicável em todos os ramos do direito processual, e consiste em obter da prestação jurisdicional o máximo de resultado com o mínimo de atos processuais, evitando-se dispêndios desnecessários de tempo e dinheiro para os jurisdicionados.

O princípio da economia processual autoriza o juiz a aproveitar ao máximo os atos processuais já praticados, tal como prevê, por exemplo, o § 4º do art. 515 do CPC.

3.5.9 Princípio da Perpetuatio Jurisdictionis

Melhor seria falar não em princípio da perpetuação da jurisdição, e sim em princípio da perpetuação da competência. Este princípio está previsto no art. 87 do CPC, segundo o qual a competência é fixada no momento em que a ação é proposta, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência, em razão da matéria ou da hierarquia.

Este princípio é relativizado em sede de processos coletivos, como se infere do art. 98, § 2º, I, do CDC.

3.5.10 Princípio do Ônus da Prova

Está previsto no art. 333 do CPC, que diz:

O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O direito processual do trabalho consagra-o no art. 818 da CLT, in verbis: "A prova das alegações incumbe à parte que as fizer."

Modernamente, tem-se mitigado o rigor das normas acima transcritas, quando o juiz, diante do caso concreto, verificar a existência de dificuldades para o trabalhador se desincumbir do onus probandi.

Daí o surgimento de um novo princípio, que permite ao juiz inverter o ônus da prova de acordo com a aptidão de quem se encontra em melhores condições de trazer a juízo a prova da verdade real.

O próprio CDC, que, segundo pensamos, aceita a aplicação subsidiária na espécie, admite a inversão do ônus da prova, como se depreende do seu art. 6º, VIII, que prescreve, entre os direitos básicos do consumidor, a "facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência".

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Ora, se é uma regra aplicável ao processo civil, cremos que, a par da omissão do texto consolidado, não existe qualquer incompatibilidade na sua aplicação supletória, porquanto em perfeita sintonia com a principiologia protetiva do direito processual do trabalho (CLT, art. 769). Aliás, há nítida correlação social e política entre trabalhadores e consumidores hipossuficientes.

Ademais, a jurisprudência trabalhista já trilhava a direção aqui proposta, como se depreende da Súmula n. 212 do TST, segundo a qual "o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado".

Nas ações trabalhistas submetidas ao procedimento sumaríssimo, há franca abertura para o juiz do trabalho operacionalizar a aplicação do princípio da inversão do ônus da prova. Com efeito, diz o art. 852-D que o "juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica".

3.5.11 Princípio da Oralidade

Este princípio não encontra residência em nenhuma norma expressa do CPC ou da CLT. A rigor, ele se exterioriza interagindo com outros quatro princípios:

I- princípio da imediatidade;

II- princípio da identidade física do juiz;

III- princípio da concentração; e

IV - princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias.

Com a instituição dos chamados Juizados Especiais, o princípio da oralidade passou a ter um papel de destaque no direito processual civil, que finalmente reconheceu que os resultados, a eficácia do processo e a efetividade da prestação jurisdicional encontram forte aliado na discussão oral da causa, na presença do magistrado, a fim de que este possa sopesar a validez e a confiabilidade dos elementos probatórios nos autos.

No direito processual do trabalho, o princípio da oralidade encontra solo fértil para a sua aplicação, a começar pela previsão expressa da chamada reclamação verbal, de que cuida o art. 840, § 2º, da CLT.

Outra manifestação do princípio na seara laboral se revela em audiência, oportunidade em que as partes se dirigem direta e oralmente ao magistrado, propiciando diversos debates orais (requerimentos, contraditas, razões finais, protestos etc.), sendo certo que, também oralmente, o magistrado, via de regra, resolve as questões surgidas em audiência, mediante registro em ata.

Pode-se dizer, ainda, que nas chamadas "ações trabalhistas de alçada", disciplinadas pela Lei n. 5.584/70 (art. 2º, § 3º), há o nítido predomínio da palavra falada sobre a escrita.

3.5.11.1 Princípio da Imediatidade ou da Imediação

Significa que o juiz da causa está obrigado ao contato direto com as artes e a sua prova testemunhal, ou pericial, com a própria coisa litigiosa ou om terceiros, para que possa obter os elementos necessários ao esclarecimento da verdade real e dos autos, e, em consequência, decidir e justificar o seu livre convencimento.

Este princípio se encontra albergado nos arts. 342, 440 e 446,11, do CPC.

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A base legal de sua inserção no direito processual do trabalho está no art. 820 da CLT, segundo o qual as partes e testemunhas serão inquiridas pelo juiz ou presidente, podendo ser reinquiridas, por seu intermédio, a requerimento das partes, seus representantes ou advogados.

O princípio da imediatidade é aplicável, com maior ênfase, no direito processual do trabalho, em razão da larga incidência da prova oral.

3.5.11.2 Princípio da Identidade Física do Juiz

Está previsto no art. 132 do CPC, segundo o qual o juiz fica vinculado ao processo que presidiu e concluiu a instrução probatória, devendo ser o natural prolator da sentença, exatamente porque estará ele em melhores condições para tanto, diante da prova colhida.

Este princípio, segundo entendimento jurisprudencial majoritário, não vem sendo admitido no direito processual do trabalho mesmo após a extinção da representação classista nas Varas do Trabalho (TST, Súmula n. 136).

3.5.11.3 Princípio da Concentração

Decorre da aplicação conjunta de vários princípios procedimentais destinados a regulamentar e orientar a apuração de provas e a decisão judicial em uma única audiência. Daí o termo "concentração".

No direito processual civil, está previsto nos arts. 331 e 450 do CPC. No que concerne ao direito processual do trabalho, o princípio da concentração está explícito no art. 849 da CLT, que diz: "A audiência de julgamento será contínua; mas se não for possível, por motivo de força maior, concluí-Ia no mesmo dia, o juiz ou presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida, independentemente de nova notificação."

Igualmente, o art. 852-C da CLT determina: "As demandas sujeitas a rito sumaríssimo serão instruídas e julgadas em audiência única, sob a direção de juiz presidente ou substituto, que poderá ser convocado para atuar simultaneamente com o titular."

3.5.11.4 Princípio da Irrecorribilidade das Decisões Interlocutórias

O que justifica o princípio, no processo civil, é a expressão "em separado", que deve ser utilizada no sentido de impedir que as impugnações das decisões interlocutórias possam paralisar o curso do processo.

Nesse setor do direito processual, o princípio encontra fundamento na conjugação dos arts. 522, caput, e 497, segunda parte, do CPC, que dispõem:

Art. 497. O recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558 desta Lei. Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

A base legal do princípio no direito processual do trabalho está no art. 893, § 1 º, da CL T, segundo o qual "os incidentes do processo serão resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento as decisões interlocutórias somente em recurso da decisão definitiva".

Vê-se que, na seara laboral, o princípio tem sentido mais enfático, na media em que a apreciação das impugnações contra as decisões interlocutórias mente será admitida em recursos

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interpostos contra sentença (ou acórdão) terminativa ou definitiva, sendo certo que os arts. 497 e 522 do CPC, ao que nos parece, não são aplicáveis no processo do trabalho, já que não existem lacunas normativas, ontológicas ou axiológicas neste setor especializado'<.

3.5.12 Princípio da Lealdade Processual

Trata-se de princípio que está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana e a um dos objetivos fundamentais da República, substanciado no art. 3º, I, da CF, qual seja, o de "construir uma sociedade e, justa e solidária".

Também chamado de princípio da probidade, o princípio da lealdade processual está consignado expressamente nos seguintes artigos do CPC:

Art. 16. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente. Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I- deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II- alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI- provocar incidentes manifestamente infundados; VII- interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

O princípio da lealdade processual, portanto, tem por escopo impor aos litigantes uma conduta moral, ética e de respeito mútuo, que possa ensejar o curso natural do processo e levá-lo à consecução de seus objetivos: a prestação jurisdicional, a paz social e a justa composição da lide.

Há lacuna na CLT, e não vemos qualquer incompatibilidade na aplicação subsidiária das regras do CPC ao processo do trabalho.

A jurisprudência especializada vem admitindo a aplicação do princípio, conforme se infere dos seguintes julgados:

ESTABILIDADE PROVISÓRIA - GESTANTE DESPEDIDA QUANDO EM CURSO A PRENHEZ - FALTA DE INFORMAÇÃO DAQUELE ESTADO NO RECEBIMENTO DO AVISO PRÉVIO E DE QUITAÇÃO AO EMPREGADOR - CARGO COLOCADO À DISPOSIÇÃO DA RECLAMANTE QUE RECUSOU. O fato de a reclamante já se encontrar grávida ao receber o aviso prévio, e não dar ciência ao empregador, já demonstra a má-fé da empregada, principalmente quando recusa-se a reassumir o emprego que lhe foi posto à disposição, já na contestação pelo empregador. Uma coisa é a ignorância do empregador do estado de prenhez, outro é a ocultação pela empregada desta situação e recusar-se a reassumir o emprego. (TST - RR 82.535/93.9 - Ac. 1 ª T. 553/94 - ReI. designado Min. Ursulino Santos - DJU 13.05.1994.) AVISO-PRÉVIO INDENIZADO. Indenização adicional do art. 29 da MP n. 457/ 94, transformada no art. 31 da Lei n. 8.880/94. O período do aviso-prévio, mesmo que indenizado, constitui, efetivamente, tempo de serviço para todos os efeitos legais, devendo ser contado também para efeito da indenização adicional prevista na MP n. 457/94. Litigância de má-fé. A litigância de má-fé, prevista no art. 18 do CPC, tem aplicação no processo trabalhista. (TST - E-RR 312.567/1996.4 - SBDI1 - ReI. Min. Rider Nogueira de Brito - DJU 25.02.2000.) LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - CONFIGURAÇÃO. A litigância de má-fé é compatível com o sistema e os princípios do Direito do Trabalho, quando ocorrentes as hipóteses de sua configuração

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tipificadas nos arts. 17 e 18 do CPC. Assim, não há impedimento legal algum para que o Juízo Trabalhista aplique, após concluir que qualquer das partes agiu de má-fé, a teor do art. 17 do CPC, a multa prevista no art. 18 do mesmo diploma legal. (TST - RR 718.754/2000.7 - 5ª T. - ReI. Min. Luiz Francisco Guedes de Amorim - DJU 24.05.2001.)

3.6 PRINCÍPIOS PECULIARES DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Não há a desejável uniformidade entre os teóricos a respeito da existência de princípios peculiares ou próprios do direito processual do trabalho.

Alguns entendem que os princípios do direito processual do trabalho são os mesmos do direito processual civil, apenas ressaltando ênfase maior quando da aplicação de alguns princípios procedimentais no processo laboral. Outros sustentam que existem apenas dois ou três princípios peculiares do direito processual do trabalho.

É de suma importância reconhecer e comprovar a existência ou não de princípios próprios do direito processual do trabalho, pois isso constitui um dos critérios para justificar a própria autonomia desse segmento da ciência processual.

Cerramos fileira com a corrente doutrinária que sustenta a existência de princípios próprios do direito processual do trabalho que o diferencia do direito processual comum. Reconhecemos, porém, que a EC n. 45/2004, ao transferir para a competência da Justiça do Trabalho outras demandas diversas das oriundas da relação de emprego, e até mesmo relações entre empregadores e o Estado, bem como entre sindicatos, acabou colocando em xeque a afirmação da existência dos princípios específicos do processo do trabalho.

É preciso, contudo, atentar para a especialidade do direito processual do trabalho, o qual se notabilizou pela efetivação dos direitos sociais constitucionalmente assegurados aos trabalhadores subordinados.

No momento em que a especialidade do direito processual do trabalho é desfocada, corre-se o risco de desmoronamento dos seus princípios, o que recomenda ao intérprete e ao aplicador do novo texto constitucional redobrada cautela, pois a "desestruturação dos princípios significa uma tentativa ignóbil de desmantelo do aparato jurisdicional trabalhista, uma vez que sua atenuação reflete o esfacelamento da Justiça do Trabalho28”. Passaremos, em seguida, a enumerar os princípios tradicionalmente peculiares do direito processual do trabalho.

3.6.1 Princípio da Proteção

Nas pegadas de Américo PIá Rodriguez29, podemos dizer que o princípio da proteção ou tutelar é peculiar ao processo do trabalho. Ele busca compensar a desigualdade existente na realidade socioeconômica com uma desigualdade jurídica em sentido oposto. O princípio da proteção deriva da própria razão de ser do processo do trabalho, o qual foi concebido para realizar o Direito do Trabalho, sendo este ramo da árvore jurídica criado exatamente para compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, naturais litigantes do processo laboral.

28

ALMEIDA, Dayse Coelho de. A essência da Justiça Trabalhista e o inciso I do art. 114 da Constituição Federal de 1988: uma abordagem principiológica. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 789, 31 ago. 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7224>. Acesso em: 1 ago. 2012. 29

Visión crítica dei derecho procesal dei trabajo. In: GIGLlO, Wagner (coord.). Processo do trabalho na América Latina: estudos

em homenagem a Alcione Niederauer Corrêa. São Paulo: L Tr, 1992. p. 243-254.

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Sublinha a propósito o mexicano Enrique Alvarez deI Castillo30: "Restabelecer e manter a verdadeira igualdade processual é um propósito fundamental do direito processual do trabalho".

No que é seguido por Mario Pasco31, cuja reflexão merece ser transcrita literalmente:

Lo dicho respecto deI derecho sustantivo es plenamente válido para el procesal. Las desigualdades, el desequílibrio, Ia posición preeminente deI empleador frente aI trabajador propios de Ia relación deI trabajo, se trasladan a Ia relación jurídico procesal, donde adquiren nuevas manifestaciones. Dentro de Ias diferencias que se marcan entre Ia controversia común y Ia labor aI, acaso Ia más evidente es Ia múltiple desigualdad jurídica, económica y probatoria que separa aIos contendientes en un litigio de trabajo y que hacen de un - el empleador - Ia parte fuerte y deI otro - el trabajador -Ia parte débil.

Entre os autores pátrios que reconhecem ser o princípio da proteção peculiar ao processo do trabalho, destacamos Wagner D. Giglio32, para quem,

[...] embora muitas outras fossem necessárias, algumas normas processuais de proteção ao trabalhador já existem, a comprovar o princípio protecionista. Assim, a gratuidade do processo, com isenção de pagamento de custas e despesas, aproveita aos trabalhadores, mas não aos patrões; a assistência judiciária gratuita é fornecida ao empregado, mas não ao empregador; a inversão do ônus da prova por meio de presunções favorece o trabalhador, nunca ou raramente o empregador; o impulso processual ex officio beneficia o empregado, já que o empregador, salvo raras exceções, é o réu, demandado, e não aufere proveito da decisão: na melhor das hipóteses, deixa de perder.

Acrescentamos, ainda, que a ausência dos litigantes à audiência trabalhista implica o arquivamento dos autos para o autor (geralmente empregado) e revelia e confissão ficta para o réu (geralmente empregador).

Esse tratamento legal diferenciado constitui a exteriorização do princípio de proteção ao trabalhador no âmbito do processo laboral. É o que deflui do art. 844 da CL T, segundo o qual o "não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão, quanto à matéria de fato".

A obrigatoriedade do depósito recursal (CLT, art. 899, § 4º), exigido apenas do empregador, e nunca do empregado, revela tratamento legal diferenciado entre as partes, o que não deixa de ser uma emanação do princípio da proteção.

Na mesma esteira, Coqueijo Costa33 convida-nos à seguinte reflexão:

O processo não é um fim em si mesmo, mas instrumento de composição de lides, que garante efetividade do direito material. E como este pode ter natureza diversa, o direito processual, por seu caráter instrumental, deve saber adaptar-se a essa natureza diversa.

A desigualdade econômica, o desequilíbrio para a produção de provas, a ausência de um sistema de proteção contra a despedida imotivada, o desemprego estrutural e o desnível cultural entre empregado e empregador certamente são realidades trasladadas para o processo do trabalho.

Com efeito, a própria ideia de justiça deixa patente que "justo é tratar desigualmente os desiguais, na mesma proporção em que se desigualam, e o favorecimento é qualidade da lei, e não defeito

30

Reformar a Ia ley federal dei trabajo en 1979. México, 1980, p. 24. Apud RODRIGUEZ, Américo Piá, op. cit., p. 244. 31

"Los principios dei derecho procesal dei trabajo", exposição feita na reunião plenária da Academia Iberoamericana de Derecho dei Trabalho y de Ia Seguridad Social, celebrada na Cidade do México, em outubro de 1990. Apud RODRIGUEZ, Américo Piá, op. cit., p. 245. 32

GIGLlO, Wagner D. Direito processual do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 67. 33

COSTA, Coqueijo. Direito processual do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 5.

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do juiz, que deve aplicá-Ia com objetividade, sem permitir que suas tendências pessoais influenciem seu cornportamento34.

A jurisprudência vem admitindo a aplicação do princípio da proteção no processo do trabalho, como se vê dos seguintes arestos:

Da aplicação do Princípio da Proteção, que vigora no processo do trabalho, tem-se que toda prestação de serviço traz, em si, a presunção (relativa) da subordinação, salvo demonstração cabal em contrário, a cargo do empregador. (TRT 6ª R., RO 00027.2003.006.06.00-9, 1 ª T., ReI. Juiz Valéria Gondim Sampaio, j. 23.09.2003, unânime, DOE 25.10.2003.) REMESSA OFICIAL. DECRETO-LEI N. 779/69. LEI N. 10.352/2001. ART. 475, § 2º DO CPC. LIMITAÇÃO A 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. APLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. Aplica-se ao processo do trabalho as disposições constantes do § 2º do art. 475 do CPC, inseridas pela Lei n. 10.352/2001, que dispensa a remessa oficial nas condenações de valor não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, tendo em vista a omissão existente na legislação processual trabalhista, que não contém limitação relacionada ao valor da condenação e, também, em face da compatibilidade com o processo laboral. Registre-se, ainda, que tal aplicabilidade vem ao encontro dos princípios que influenciam ou orientam o processo do trabalho, principalmente os princípios da proteção ao hipossuficiente, da razoabilidade, da celeridade e da economia processual. Remessa oficial não conhecida. (TRT 23ª R., AI e Recurso Ordinário de Ofício n. 01284.2002.003.23.00-5, Rei. Juiz Maria Berenice, j. 02.12.2003, publ. 27.01.2004.)

Todas essas considerações são aplicáveis na hipótese em que o processo do trabalho se apresenta como instrumento de realização do direito material do trabalho. Todavia, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar outras relações de trabalho (EC n. 45/2004), em como para cobranças de multas administrativas e contribuições previdenciárias, certamente exercerão influência na aplicação do princípio da proteção, pois nas ações em que figurarem trabalhadores autônomos, o INSS, sindicatos e a União, indaga-se: quem é o hipossuficiente? Quem será o destinatário do princípio da proteção?

3.6.2 Princípio da Finalidade Social

Segundo Humberto Theodoro Júnior35,

[...] o primeiro e mais importante principio que informa o processo trabalhista, distinguindo-o do processo civil comum, é o da finalidade social, de cuja observância decorre uma quebra do princípio da isonomia entre as partes, pelo menos em relação à sistemática tradicional do direito formal.

Theodoro Júnior inspira-se no juslaboralista mexicano Néstor de Buen36, para quem há perfeita comunhão entre o direito material e o direito processual do trabalho:

Em primeiro lugar, é óbvio que tanto o direito substantivo como o processual intentam a realização da justiça social. Para esse efeito, ambos estimam que existe uma evidente desigualdade entre as partes, substancialmente derivada da diferença econômica e, como consequência, cultural, em que se encontram. Em virtude disso a procura da igualdade como meta. O direito substantivo, estabelecendo de maneira impositiva, inclusive acima da vontade

34

GIGLlO, Wagner D. Direito processual do trabalho, cit., p. 67.

35 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Os princípios do direito processual civil e o processo do trabalho. In: BARROS, Alice Monteiro

de (Coord.). Compêndio de direito processual do trabalho ... , cit., p. 62.

36 Idem

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do trabalhador, determinados direitos mínimos e certas obrigações máximas. O direito processual, reconhecendo que o trabalhador deve ser auxiliado durante o processo pela própria autoridade julgadora, de maneira que, no momento de chegar o procedimento ao estado de solução, a aportação processual das partes permita uma solução justa.

A diferença básica entre o princípio da proteção, acima referido, e o princípio da finalidade social é que, no primeiro, a própria lei confere a desigualdade no plano processual; no segundo, permite-se que o juiz tenha uma atuação mais ativa, na medida em que auxilia o trabalhador, em busca de uma solução justa, até chegar o momento de proferir a sentença.

Parece-nos, contudo, que os dois princípios - proteção e finalidade social - se harmonizam e, pelo menos em nosso ordenamento jurídico, permitem que o juiz, na aplicação da lei, possa corrigir uma injustiça da própria lei. É o que prescreve o art. 5º do Decreto-Lei n. 4.657/1942 (LICC), segundo o qual, "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Quanto a essa possibilidade conferida ao magistrado no exercício da prestação jurisdicional, convém colacionar a lúcida observação de José Eduardo Faria37, relativa

[...] ao problema do alcance e do sentido das expressões 'fins sociais' e 'bem comum', dois princípios gerais do direito sempre presentes nas exposições de motivos dos legisladores ( ... ) Num contexto socioeconômico como o do Brasil em que os 20% mais pobres do País detêm apenas 2% da riqueza nacional, enquanto os 20% mais ricos ficam com 66%, 'sociais' e 'comum' na perspectiva de quem? Longe de possuírem um significado evidente, tais conceitos expressam várias representações conflitantes entre si; em vez de propiciarem uma visão precisa do sistema jurídico, eles funcionam como barreiras ideológicas mascarando contradições sociais profundas e antagonismos inconciliáveis. Assim, em que medida todos os grupos e classes podem ter realmente os mesmos interesses 'comuns' e anseios pelos mesmos 'fins'? Até que ponto todos os homens situados numa formação social como a brasileira, em que a miséria e a pobreza atingem 64% da população, podem ser tomados como cidadãos efetivamente iguais entre si em seus direitos, seus deveres e em suas capacidades tanto subjetivas quanto objetivas de fazê-los prevalecer.

Para enfrentar tais indagações, o referido jurista e sociólogo propõe que o direito seja uma atividade crítica e especulativa, calcada na experiência vivida e, como tal, incorporada à própria percepção da realidade por parte dos atores jurídicos. Daí por que, diz ele,

[...] a proposta de uma ciência do direito reflexiva, consciente das contradições do direito positivo, nega-se a reduzir a análise das leis e dos códigos apenas nos seus aspectos lóqico-formais.

Dessa nova função prospectiva do direito, que irradia seus efeitos no direito processual, segundo o mesmo autor,

[...] pode emergir um direito original e legítimo, voltado mais à questão da justiça do que aos problemas de legalidade, cabe a uma magistratura com um conhecimento multidisciplinar e poderes decisórios ampliados a responsabilidade de reformular a partir das próprias contradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dos sistemas legais vigentes. Sob pena de a magistratura ver progressivamente esgotada tanto a operacionalidade quanto o

acatamento de suas decisões face à expansão de conflitos coletivos38.

Com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para outras lides diversas da relação de emprego, como as oriundas da relação de trabalho autônomo, as ações para cobranças de multas

37

Ordem legal X mudança social: a crise do Judiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direito e justiça: a função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997. p. 101-102. 38

Ibidem, p. 105.

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administrativas e as ações sobre representações sindicais, o princípio da finalidade social, bem como o princípio da proteção, acabarão sofrendo grandes transformações, como já alertado na epígrafe anterior.

3.6.3 Princípio da Busca da Verdade Real

Este princípio processual deriva do princípio do direito material do trabalho, conhecido como princípio da primazia da realidade. Embora haja divergência sobre a singularidade deste princípio no sítio do direito processual do trabalho, parece-nos inegável que ele é aplicado com maior ênfase neste setor da processualística do que no processo civil.

Corrobora tal assertiva o disposto no art. 765 da CLT, que confere aos Juízos e Tribunais do Trabalho ampla liberdade na direção do processo. Para tanto, os magistrados do trabalho "velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas".

A jurisprudência tem acolhido o princípio em tela no campo da prova, mas sob a roupagem do princípio da primazia da realidade:

SALÁRIO EXTRA FOLHA. INVALIDADE DA PROVA DOCUMENTAL. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. No processo do trabalho vigora o princípio da primazia da realidade, que invalida os recibos de pagamento formais, quando estes são desconstituídos pelo restante da prova dos autos. Demonstrado, pela prova testemunhal, firme e idônea, o pagamento de prêmios em dinheiro, não contabilizados com o salário mensal, são devidas as diferenças correspondentes à integração dos primeiros na remuneração do autor, porque evidenciada a quitação de salário extra folha. (RO 7025/03, 2ª Turma do TRT da 3ª Região, Sabará, ReI. Alice Monteiro de Barros, j. 24.06.2003, unânime, DJMG. 02.07.2003). PROVA TESTEMUNHAL. No Processo do Trabalho, vigora o princípio da primazia da realidade, que faz com que a prova documental ceda espaço à testemunhal, quando esta se mostra firme no sentido da desconstituição daquela. (RO 00599.401/98-2, 5ª Turma do TRT da 4ª Região, Caxias do Sul, ReI. Francisco Rossal de Araújo. j. 20.03.2003, unânime, DJ 12.05.2003). PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE - PREVALÊNCIA DA PROVA. Um dos princípios que rege o processo do trabalho é o da primazia da realidade. Assim, se a prova documental é contraditória, prevalece, então, a prova testemunhal. (RO 770/2002 (6752/2002), TRT da 17ª Região/ES, ReI. Juiz Geraldo de Castro Pereira. j. 09.07.2002, unânime, DO 02.08.2002).

3.6.4 Princípio da Indisponibilidade

Este princípio constitui emanação do princípio da indisponibilidade ou irrenunciabilidade do direito material do trabalho no campo do processo do trabalho.

Justifica-se a peculiaridade do princípio nos domínios do processo do trabalho, pela considerável gama de normas de ordem pública do direito material do trabalho, o que implica a existência de um interesse social que transcende a vontade dos sujeitos do processo no seu cumprimento e influencia a própria gênese da prestação jurisdicional.

Numa palavra, o processo do trabalho teria uma função finalística: a busca efetiva do cumprimento dos direitos indisponíveis dos trabalhadores. Há de se destacar, contudo, que a ampliação de competência da Justiça do Trabalho para outras relações de trabalho (EC n. 45/2004), incluindo o trabalho autônomo, bem como as lides entre os sindicatos e entre os empregadores e os órgãos de fiscalização do trabalho, acabará mitigando aplicação deste princípio nos domínios do processo do trabalho.

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3.6.5 Princípio da Conciliação

O princípio da conciliação encontrava fundamento expresso nas Constituições brasileiras de 1946 (art. 123), de 1967 (art. 134), de 1969 (art. 142, redação dada pela EC n. 01/1969) e na redação original do art. 114 da Carta de 1988. Todas essas normas previam a competência da Justiça do Trabalho para "conciliar" e julgar os dissídios individuais e coletivos.

Com o advento da EC n. 45/2004, que deu nova redação ao art. 114 da F. houve supressão do termo "conciliar e julgar", cabendo agora à Justiça Trabalho "processar e julgar". A omissão, contudo, não desnatura o princípio em estudo, pois ele continua existindo no plano infraconstitucional e não se mostra incompatível com o novo texto da Carta de outubro de 1988. Embora o princípio da conciliação não seja exclusividade do processo laboral, parece-nos que é aqui que ele se mostra mais evidente, tendo, inclusive, um iter procedimentalis peculiar.

Com efeito, dispõem o art. 764 e seus parágrafos da CL T, in verbis:

Art. 764. Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. § 1 º Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos. § 2º Não havendo acordo, o juízo conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral, proferindo decisão na forma prescrita neste Título. § 3º É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório.

No mesmo sentido, o art. 831 da CLT estabelece uma condição intrínseca para a validade da sentença trabalhista, ao determinar que ela somente “será proferida depois de rejeitada pelas partes a proposta de conciliação". Há, no procedimento comum ordinário trabalhista, dois momentos obrigatórios para a proposta judicial de conciliação.

O primeiro está previsto no art. 846 da CL T e ocorre por ocasião da abertura da audiência, nos seguintes termos: "Aberta a audiência, o Juiz ou residente proporá a conciliação."

A segunda tentativa de conciliação ocorre após o término da instrução e da apresentação das razões finais pelas partes. Está prevista no art. 850 da CLT, in verbis:

Art. 850. Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão.

Outra peculiaridade do processo do trabalho repousa na equiparação prática do termo de conciliação à coisa julgada. É o que diz o parágrafo único do art. 831 da CLT: "No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas."

3.6.6 Princípio da Normatização Coletiva

A Justiça do Trabalho brasileira é a única que pode exercer o chamado poder normativo, que consiste no poder de criar normas e condições gerais e abstratas (atividade típica do Poder Legislativo), proferindo sentença normativa (rectius, acórdão normativo) com eficácia ultra partes, cujos efeitos irradiarão para os contratos individuais dos trabalhadores integrantes da categoria profissional representada pelo sindicato que ajuizou o dissídio coletivo.

Essa função especial (competência) conferida aos tribunais trabalhistas é autorizada pelo art. 114, § 2º, da CF, segundo o qual:

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Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

O princípio da normatização coletiva não é absoluto, pois encontra limites na própria Constituição, nas leis de ordem pública de proteção ao trabalhador (CF, art. 7º; CL T, arts. 8º e 444) e nas cláusulas (normas) previstas em convenções e acordos coletivos que disponham sobre condições mínimas de determinada categoria profissional (CF, art. 7º, XXVI).

3.6.7 Outros Princípios do Processo Trabalhista

Além dos princípios acima arrolados, a doutrina costuma invocar outros princípios como peculiares ao processo do trabalho, como os princípios da simplicidade, da celeridade, da despersonalização do empregador e da extrapetição. Todavia, pensamos que esses princípios são comuns ao processo do trabalho e ao processo civil.

Com efeito, o princípio da simplicidade das formas decorre dos princípios da instrumentalidade e da oralidade, já estudados nas linhas pretéritas, e, é inegável, constitui objetivo de todo e qualquer sistema processual, seja ele civil, penal ou trabalhista. Os juizados especiais cíveis e criminais são exemplos da aplicação desse princípio. É importante ressaltar, porém, que as raízes deontológicas e fenomenológicas desses órgãos da justiça comum provêm do direito processual do trabalho.

O princípio da celeridade, embora comum a todos os ramos do direito processual, assume uma ênfase muito maior nos sítios do processo do trabalho, uma vez que, em regra, os créditos trabalhistas nele veiculados têm natureza alimentícia.

A despersonalização do empregador, ou desconsideração da personalidade jurídica do empregador, constitui, a rigor, princípio do direito material trabalhista (CLT, arts. 2º, 10 e 448). Além disso, o princípio é encontrado em outros ramos, como o Direito Comercial, o Direito Civil, o Direito das Relações de Consumo, o Direito Tributário. No direito das relações de consumo, ar exemplo, ele está consagrado explicitamente, nos termos do art. 28 do CDC, in verbis:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Cumpre esclarecer, por oportuno, que o princípio da desconsideração a personalidade jurídica do empregador tem sido bastante utilizado no processo do trabalho, mormente em sede de execução trabalhistas.

O princípio da extrapetição também é admitido no processo civil, mormente nos casos em que o juiz acrescenta à condenação juros legais e correção monetária (CPC, art. 293), ainda que não pedidos pelo autor. A CLT também permite a aplicação do princípio da extrapetição, como se infere os seus arts. 137, § 2º, e 467.

REFERENCIAS: MARTINS, Sergio Pinto, Direito Processual do Trabalho: doutrina e prática forense, modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: Método, 2008. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: Ltr, 2010.