Apostila Teoria Geral Dos Contratos
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1
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
CIVIS E DE CONSUMO
Francisco Vieira Lima Neto
Renata Helena Paganoto Moura
2014
2
SUMÁRIO:
Apresentação
1. A nova realidade do contrato (função social do contrato);
2. CC e CDC
2.1 Conceito de Consumidor
2.1.1 Consumidor e Usuário
2.1.2 Fornecedor
2.1.3 Consumidor por equiparação
3. Interpretação dos contratos
3.1 Interpretação no CDC
4. Princípios contratuais:
4.1 Autonomia da Vontade e Autonomia Privada
4.2 Consensualismo
4.3 Força obrigatória da convenção
4.4 Relatividade dos efeitos do contrato
4.5 Boa-fé objetiva
4.5.1 Função Interpretativa da boa-fé
4.5.2 Deveres Acessórios da boa-fé
4.5.2.1 Informação
4.5.2.2 Colaboração
4.6 Equilíbrio contratual
5. Classificação dos contratos:
5.1 Contratos unilaterais, bilaterais e plurilaterais
5.2 Contratos onerosos e gratuitos
3
5.3 Contratos comutativos e aleatórios
5.3.1 A lesão e os contratos aleatórios
5.4 Contratos paritários e por adesão
5.5 Contratos consensuais; solenes e reais
5.6 Contratos nominados/típicos e contratos atípicos
5.7 Contratos de execução imediata ou instantânea / contratos de
execução continuada ou de trato sucessivo/
5.8 Contratos pessoais ou impessoais
5.9 Contratos administrativos/ trabalho/ comercial
5.10 Contratos principais e acessórios;
5.11 Outras classificações:
5.11.1 Autocontrato ou contrato consigo mesmo
5.11.2 Contrato sob condição potestativa
5.11.3 Contrato preliminar
6. Formação do contrato
6.1 Negociações Preliminares
6.2 Proposta
6.2.1Proposta no CC
6.2.2 Oferta no CDC
6.2.2.1 A publicidade de consumo. Algumas questões
6.3 Aceite
6.4 Conclusão
6.5 Lugar do contrato
6.5.1 Foro de eleição nos contratos civis
6.5.2 Foro de eleição nos contratos de consumo
7. Efeitos do contrato:
7.1 Efeitos do contrato com relação a terceiros
4
7.1.1 Estipulação em favor de terceiro
7.1.2 Promessa de fato de terceiro
7.1.3 Contrato com pessoa a declarar
7.2 Vício Redibitório
7.2.1 Vício Redibitório no CC
7.2.1.1 Vício Redibitório e Erro
7.2.1.2 Vício Redibitório e Inadimplemento Contratual
7.2.1.3 445, §1°
7.2.2 Vício e Defeito no CDC
QUADRO COMPARATIVO
7.3 Evicção
7.4 Direito de Retenção
7.5 Exceção de contrato não cumprido
7.6 Arras
8. Revisão Judicial do Contrato
8.1 Teoria da Imprevisão
QUADRO COMPARATIVO
9. Extinção do contrato
9.1 Causas anteriores
9.2 Causas contemporâneas ou supervenientes
10.Responsabilidade pré-contratual, contratual e pós-contratual
10.1 Responsabilidade e obrigação
10.2 Responsabilidade Civil: contratual e extracontratual
10.3 Responsabilidade Contratual
10.4 Responsabilidade pré-contratual
10.5 Responsabilidade pós-contratual
5
Apresentação
Há muitos anos lecionando a disciplina de Teoria geral dos
Contratos, onde tradicionalmente nas faculdades de direito
recebem designação numérica, com alguma variação, mas que mais
comumente é conhecida como Direito Civil V, sinto a dificuldade de
realizar uma abordagem exclusivamente civil, ou mais
propriamente, exclusivamente do direito expresso no Código Civil.
É que não há dúvida que a maior parte dos contratos realizados
hoje em dia são contratos de consumo, principalmente as
contratações em massa de consumo (contratos de seguro, contratos
bancários, contratos de serviços, como telefonia, internet etc.).
Isso faz com que a abordagem da teoria geral do contrato acabe
remetendo à análise da relação de consumo.
Como tratar por exemplo de vício redibitório no CC sem responder
às perguntas que surgem sobre defeitos dos produtos em relações
de consumo. Ou se opta por dizer que esse assunto será tratado em
outra disciplina (no caso das faculdades que tenham essa
disciplina), ou, no caso das faculdades que não tenham essa
disciplina, se deixa o aluno sem resposta ou, numa estratégia
docente comum, responde-se ao final da aula. Mas se a opção for
responder em aula, seria necessário começar do começo, e aí
explicar a diferença entre uma relação civil e de consumo, quando
se aplicará o CC e quando se aplicará o CDC, que os institutos
apesar de próximos tem uma roupagem diferente, desde requisitos
até seus prazos.
E isso vai ocorrer em vários outros tópicos da teoria geral dos
contratos, como nos princípios, nos efeitos do contrato, na revisão
judicial dos contratos etc.
Então ou se opta por delimitar a matéria e somente tratar da teoria
geral dos contratos no CC ou arrisca-se a elaborar uma aula de
6
teoria geral dos contratos que aborde tanto esta no CC como no
CDC.
Foi o que fiz, como professora diante da dificuldade de fazer esse
recorte em sala de aula e por ver que a maior inquietação dos
alunos dizia respeito ao tratamento destas questões nas relações
de consumo, e, eles não deixam de ter razão, pois como comecei
dizendo, não há dúvida que a maior parte dos contratos realizados
atualmente envolve uma relação de consumo.
7
1.0 A NOVA REALIDADE DO CONTRATO (função social do
contrato)
Importância da vontade – vícios da vontade
Dirigismo contratual
Publicização dos contratos
Constitucionalização dos contratos
Sociedade de massa: relações contratuais despersonalizadas
Supremacia da ordem pública (?) Art. 2035, § único. Nenhuma
convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais
como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social
da propriedade e dos contratos.
Princípios inspiradores do atual Código Civil: eticidade, socialidade e
operabilidade.
8
2.0 CC e CDC
Como esse estudo pretende estabelecer uma relação entre os contratos
civis e de consumo, devemos inicialmente diferenciar essas figuras.
São diferentes os contratos civis e de consumo? O que é um contrato
civil e o que é um contrato de consumo são as perguntas que queremos
responder.
Poderíamos numa concepção civilista (ou privatística) dizer que não
há uma categoria contrato de consumo, tudo são contratos civis.
Porém não podemos deixar de perceber que existem regras diferentes,
que consequentemente trazem efeitos diversos a uma e outra
disciplina.
Muitos institutos são geneticamente os mesmos, porém com
contornos diferentes.
Haja vista que o CDC deixa claro o seu caráter de norma pública,1
enquanto o CC na parte do direito contratual ainda prevalece o
princípio da autonomia privada, quiçá não sendo o mesmo de
antigamente, ainda confere um caráter privatístico a esta relação. É
só tomarmos como exemplo institutos como o da formação do
contrato, do vício redibitório e do vício e defeito do produto, da revisão
judicial dos contratos, todos esses apesar de serem os mesmos
institutos, tem um contorno diferente quer se trate de um contrato
puramente civil, quer se trate de um contrato de consumo.
Então sendo esta a proposta deste estudo, devemos começar
estabelecendo a diferença entre eles, para sabermos quando estamos
diante de um contrato civil e quando estamos diante de um contrato
de consumo.
1 A Lei 8.078/90 estabelece em seu Art. 1° “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do
consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da
Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.
9
Vamos começar pelo contrato de consumo, já que o contrato civil será
definido por exclusão.
O contrato de consumo é definido na Lei 8.078/90 pelos seus
personagens, ou seja, é um critério (inicialmente) subjetivo.
Estabelece o art. 2° do CDC que “Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final”.
Por sua vez, estabelece o art. 3° que “Fornecedor é toda pessoa física
ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Para que possamos definir um contrato como de consumo é necessário
que de um lado se encontre o consumidor e de outro lado se encontre
o fornecedor. Os dois, consumidor e fornecedor, tem que estar
presentes nos polos do contrato. É um conceito, como se costuma
dizer, relacional.2
Mas não é só isso, há também um elemento objetivo nesta definição,
o consumidor, diz o art. 2°, adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final. Por isso, explicam os autores do projeto, O conceito
de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter
econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o
personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então
contrata a prestação de serviços, como destinatário final,
pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma
2 Mister frisar, explica Claudia Lima Marques, que a figura do consumidor (um civil ou leigo) somente
aparece frente a um fornecedor (um empresário ou profissional). O campo de aplicação do CDC ou a relação
de consumo (contratual ou extracontratual) é sempre entre um consumidor e um fornecedor, é um campo
de aplicação relacional, in Manual de Direito do Consumidor, p. 68.
10
necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra
atividade negocial.3
Vamos pensar em alguns exemplos. Imaginemos uma pessoa (física)
que esteja comprando um carro e outra pessoa (física) que esteja
vendendo seu carro para esta.
Quem está comprando, adquire o carro como destinatário final (art.
2°)?
Resposta: sim. Afinal ele está comprando para seu uso particular.
E quem está vendendo, é fornecedor nos termos do art. 3°?
Resposta: não. Pois quem está vendendo não é fornecedor de carros.
Logo, não se trata de um contrato de consumo.
Para que seja, voltamos a repetir, é necessário que de um lado esteja
o consumidor, aquele que adquire o produto como destinatário final e
de outro lado esteja presente o fornecedor, nos termos da definição do
art. 3°.
Agora vejamos esse outro exemplo: João, está comprando um carro
para uso pessoal em uma Concessionária de Veículos.
João é consumidor? Resposta: sim, pois, nos termos do art. 2° adquire
o veículo como destinatário final.
E a concessionária, é fornecedora? Resposta: sim, pois nos termos do
art. 3°, comercializa este produto.
Logo, trata-se de um contrato de consumo.
Mas ao contrário do que se possa parecer num primeiro momento,
consumidor não é a pessoa física e fornecedor a pessoa jurídica.
3 Grinover, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, V. 1, p. 23.
11
Veja que o art. 2° e o art. 3°, não fazem essa diferenciação, em nenhum
momento eles dizem que consumidor é a pessoa física e fornecedor a
pessoa jurídica.
Foi uma opção do nosso legislador, há diplomas legislativos que a
definição de consumidor e fornecedor está atrelada a essa distinção.4
Talvez se o nosso legislador tivesse optado por esse caminho teria nos
poupado de alguns problemas, mas como não o fez, não podemos nós
fazermos, então temos que interpretar a norma através de seus
elementos.
Dessa forma se não houve essa distinção pelo legislador é possível que
o consumidor seja pessoa jurídica e o fornecedor seja pessoa física?
A resposta deve ser sim, mas não sem algumas dificuldades.
Vamos primeiro enquadrar a pessoa física como fornecedora.
Imaginemos o seguinte exemplo: Dona Maria é uma exímia doceira e
faz doces e bolos para casamento. Dona Maria é uma pessoa física e é
fornecedora de bolos e doces. Quando a Dona Maria vende o bolo
encomendado ela se coloca nesta relação como fornecedora, afinal ela
produz o bolo e o comercializa, nos termos do art. 3° do CDC.
Porém quando se trata de enquadrar a pessoa jurídica como
consumidora, a questão pode se complicar um pouco mais, até porque
como dissemos acima o destinatário final age com vistas ao
atendimento de uma necessidade própria e não para o
desenvolvimento de uma outra atividade negocial.
A resposta está novamente no entendimento do que seja destinatário
final.5
4 E, aliás, essa posição do nosso legislador é criticada, autores de peso na área de direito do consumidor
entendem que o legislador deveria ter restringido o conceito para abranger somente as pessoas naturais,
que adquirem produtos ou serviços para um uso não profissional, a pessoa jurídica, não se encontra em
posição de vulnerabilidade que mereça a proteção desse sistema. Benjamin...
5 Afirma Brito Filomeno que a pessoa jurídica, também pode ser considerada consumidora, desde que,
assim como a pessoa física, seja destinatária final de determinado produto ou serviço, p. 26.
12
Na explicação de José Geraldo Brito Filomeno a aquisição ou utilização
de produto ou serviço se dá como destinação final quando atende uma
necessidade efetiva ou imposta a uma pessoa jurídica e não são
utilizados como insumos, componentes, ou valor agregado a outros
produtos ou serviços.
Como então caracterizar a pessoa jurídica como consumidora se tudo
que ela adquire está relacionado direta ou indiretamente à sua
atividade negocial?6
Vamos começar utilizando dois exemplos:
1 Uma empresa adquire alimentos para fornecer aos seus empregados;
2 Uma empresa compra um carro para transportar o produto que
comercializa.
Nesses dois casos, a empresa pode ser considerada consumidora?
No primeiro exemplo talvez não haja dúvida, de que a empresa é
consumidora, pois na aquisição de alimento para oferecer aos seus
empregados, pode ser entendida como destinatária final desse produto
ou também porque esse bem não entra em sua cadeia produtiva.
Mas o segundo exemplo, já deixa alguma dúvida. Imaginemos mais
que essa empresa seja uma padaria, que comprou esse carro para
entregar as encomendas de seu negócio. Nessa aquisição do carro ela
seria consumidora?
Não se trata do trigo do pão e do bolo que ela fornece, mas de um
carro, que não é o produto que ela oferece, mas que será utilizado para
a venda do produto que ela oferece.
Para responder principalmente a esta questão surgiram 2 teorias: a
teoria finalista e a teoria maximalista.
6 É por isso que autores como Cláudia Lima Marques são contrários ao enquadramento da pessoa jurídica
como consumidora.
13
Pela teoria finalista o conceito de destinatário final deve ser
interpretado de maneira restrita, para que não se amplie
demasiadamente o âmbito de aplicação do CDC. Assim, para essa
teoria, destinatário final é aquele que dá uma destinação fática e
econômica ao produto, ou seja, o consumidor tem que tirar o produto
do mercado e não pode mais colocar aquele produto numa relação de
negócio, por conseguinte, não pode mais ter qualquer tipo de lucro
com aquele produto.7
Pela teoria maximalista, não importa a questão econômica, apenas a
questão fática. Basta que o consumidor retire do mercado para que ele
passe a dar destinação final. Basta que ele seja o destinatário final dos
produtos ou serviços, incluindo aí não apenas aquilo que é adquirido
ou utilizado para uso pessoal, familiar ou doméstico como aquilo que
é adquirido para o desempenho de atividade ou profissão, bastando,
para tanto, que não haja a finalidade de revenda.8
Ou seja, para essa teoria (maximalista) não seria consumidor se o bem
é recolocado no mercado, ainda que transformado. Por exemplo, a
padaria quando compra trigo não é consumidora porque este produto
(trigo) é recolocado no mercado transformado em pães.
Por sua vez, já se percebe que pela teoria finalista dificilmente uma
pessoa jurídica seria consumidora, pois direta ou indiretamente, o
produto por esta adquirido, é sempre um instrumento de produção do
seu produto final.
Então respondendo aquela pergunta anterior a padaria que compra o
carro para transportar os produtos que vende é consumidora?
7 Como explica Claudia Lima Marques, “Não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de
produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem,
não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um
instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu”, op. cit., p.
71.
8 Almeida, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor, p. 61.
14
Pela teoria finalista, não. Pois, não está adquirindo o produto como
destinatária final. Este produto (carro) terá seu preço incluído no
produto final que esta oferece, assim como o freezer onde se
armazenam os produtos, os fornos industriais, as estufas etc para
uma empresa tudo que está ligado ao produto que oferece é insumo,
mesmo aquele para atração da clientela. (*)
Já para a teoria maximalista, sem dúvida a padaria seria
consumidora, pois adquire o produto como destinatária final, já que
não o recoloca no mercado.
Já se percebe que neste confronto, Teoria Finalista X Teoria
Maximalista a pessoa jurídica dificilmente seria consumidora em uma
e facilmente seria consumidora em outra.
Os críticos da teoria maximalista alegavam que assim não sobrariam
mais contratos civis, pois sempre que se estivesse adquirindo um
produto ou serviço, essa situação se enquadraria numa relação de
consumo.9
O STJ com o tempo foi solidificando a aceitação da teoria finalista em
seus julgados, mas abrandando-a para casos de consumidores-
profissionais em que na relação com o fornecedor encontrem-se numa
situação de vulnerabilidade.
Assim temperou-se a teoria finalista, para enquadrar como
consumidoras pequenas empresas que adquirem produtos,
principalmente fora de sua área de expertise e estando diante do
fornecedor numa situação de vulnerabilidade.
Em diversos julgados o STJ já se manifestou pela possibilidade da
pessoa jurídica ser consumidora, desde que reunidos aqueles
99 O problema desta visão é que transforma o direito do consumidor em direito privado geral, pois retira do
Código Civil quase todos os contratos comerciais, uma vez que comerciantes e profissionais consomem de
forma intermediária insumos para sua atividade-fim, de produção e distribuição, in Marques, op. Cit., p.
72.
15
elementos: vulnerabilidade do consumidor profissional frente ao
fornecedor.
Bastante elucidativo e pedagógico o julgado que a seguir se transcreve,
revelando a posição daquela Corte:
PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.
CABIMENTO. AGRAVO. DEFICIENTE FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO.
AUSÊNCIA DE PEÇA ESSENCIAL. NÃO CONHECIMENTO. RELAÇÃO DE
CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. DESTINAÇÃO FINAL FÁTICA E ECONÔMICA
DO PRODUTO OU SERVIÇO. ATIVIDADE EMPRESARIAL. MITIGAÇÃO DA
REGRA. VULNERABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA. PRESUNÇÃO RELATIVA.
(...)
A jurisprudência consolidada pela 2ª Seção deste STJ entende que, a rigor, a
efetiva incidência do CDC a uma relação de consumo está pautada na existência
de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se
total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer
atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o
próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4º, I,
do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do
produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade
empresarial, haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. - Uma
interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma
vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto
que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição
excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do
consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que
não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor,
previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma, prevalece a regra geral
de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática
e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do
consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades
empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando
comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa
16
jurídica. - Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção
do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando
de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária
de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte
contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau
de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar
aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A
paridade de armas entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora
afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema
relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se
mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não.
Recurso provido. (STJ, RMS 27512 / BA, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI).
Essa decisão do STJ explica bem o posicionamento daquela Corte
quando se trata de enquadrar a pessoa jurídica como consumidora.
Ao dizer que “A jurisprudência consolidada pela 2ª Seção deste STJ entende
que, a rigor, a efetiva incidência do CDC a uma relação de consumo está
pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou
serviço” adota-se claramente o conceito finalista de consumidor. Mas
para considerar-se a pessoa jurídica nesse conceito como
consumidora exige-se a sua vulnerabilidade na relação com o
fornecedor, não se trata necessariamente de ser uma pequena ou
grande empresa mas de encontrar-se numa posição vulnerável com
aquele fornecedor. Tanto que essa decisão, é tão explicativa quanto a
isso que ao final conlui “Tal consideração se mostra de extrema relevância,
pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar
vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não”.
A vulnerabilidade, segundo a doutrina, pode se apresentar em 3
aspectos: técnico, jurídico e fático.
Na vulnerabilidade técnica o comprador não possui conhecimentos
específicos sobre o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais
17
facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto a
sua utilidade.10
A vulnerabilidade jurídica ou científica é a falta de conhecimentos
jurídicos específicos, conhecimentos de contabilidade ou de
economia.11
Por último, a vulnerabilidade fática ou sócio-econômica tem seu ponto
de concentração no outro parceiro, o fornecedor que, por sua posição
de monopólio, fático ou jurídico, por seu grande poder econômico ou
em razão da essencialidade do serviço, impõe sua superioridade a
todos que com ele contratam.12
A vulnerabilidade é o elemento essencial para determinar a qualidade
de consumidor às pessoas jurídicas. As decisões judiciais tem
reconhecido que apenas quando a pessoa jurídica contrata numa
posição de vulnerabilidade com o fornecedor é que pode ser
enquadrada como consumidora.
Veja nesta decisão do TJ/SP, que reconheceu a pessoa jurídica como
consumidora numa compra de motor de caminhão, pois para esta
relação seria vulnerável diante do consumidor que detém o
conhecimento técnico do produto (vulnerabilidade técnica):
AGRAVO. CONTRATO DE VENDA E COMPRA
DE MOTOR DE CAMINHÃO. ATIVIDADE
COMERCIAL DA COMPRADORA QUE NÃO
TEM EXATA IDENTIDADE COM A
FINALIDADE DA COMPRA. RELAÇÃO DE
CONSUMO. CONFIGURAÇÃO. INTELECÇÃO
DO ART. 2º DO CDC. TEORIA FINALISTA
APROFUNDADA. AGRAVO NESTA PARTE
IMPROVIDO. Forçoso o reconhecimento de
10 Marques, op.cit., p. 74.
11 Ib.idem, p. 74.
12 Ib idem, p. 75.
18
que o motor instalado em um caminhão da
empresa não desnatura a condição de
consumidora da agravada na compra. A
aquisição desse componente não retira a
vulnerabilidade técnica da agravada sobre a
composição, funcionamento, apuração e
reparação de eventuais vícios do produto. A
fabricante, sim, vende esse produto a quem se
dispõe adquirir, seja comerciante ou não,
mantendo, em qualquer caso, seu domínio
técnico (Agravo de Instrumento nº 2007952-
45.2013.8.26.0000)
O STJ já se posicionou em diversas oportunidades quanto a
possibilidade da pessoa jurídica ser consumidora atendido o requisito
da vulnerabilidade, como nesse julgado.
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. RELAÇÃO DE
CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. DESTINAÇÃO
FINAL FÁTICA E ECONÔMICA DO PRODUTO
OU SERVIÇO. ATIVIDADE EMPRESARIAL.
MITIGAÇÃO DA REGRA. VULNERABILIDADE
DA PESSOA JURÍDICA. PRESUNÇÃO
RELATIVA.1. O consumidor intermediário, ou
seja, aquele que adquiriu o produto ou o serviço
para utilizá-lo em sua atividade empresarial,
poderá ser beneficiado com a aplicação do
CDC quando demonstrada sua vulnerabilidade
técnica, jurídica ou econômica frente à outra
parte. 2. Agravo regimental a que se nega
provimento (AgRg no AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 1.316.667 - RO
(2010/0105201-5) RELATOR MINISTRO
VASCO DELLA GIUSTINA).
19
Assim, reconhece-se qualidade de consumidora a pessoas jurídicas
nestas situações: a aquisição de produto ou serviço como destinatária
final, ou então, que encontre-se numa posição de vulnerabilidade
(técnica, científica ou fática) com o fornecedor na aquisição deste
produto ou serviço.
E, faltando esses requisitos, nega-se a qualidade de consumidora às
pessoas jurídicas. O que, inclusive, é mais comum, diante da restrição
do conceito de destinatário final na teoria finalista, pois para esta,
como vimos, não basta que o produto ou serviço não seja revendido
ou transformado, desde que haja uma utilização econômica, mesmo
que para atração da clientela ou incremento do negócio, são inclusive
estes os termos utilizados nos julgados, não se poderá dizer que se
adquire como destinatário final, como nesse julgado do STJ:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. INDENIZAÇÃO.
DANO MORAL CUMULADO COM DANO
MATERIAL. RELAÇÃO DE
CONSUMO.VIOLAÇÃO AO ART. 2º DO CDC.
NÃO CONFIGURADA. INCIDÊNCIA DO
ENUNCIADO 83 DE SÚMULA/STJ. 1. "A
aquisição de bens ou a utilização de serviços,
por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de
implementar ou incrementar a sua atividade
negocial, não se reputa como relação de
consumo e, sim, como uma atividade de
consumo intermediária." (REsp 541867/BA,
Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO,
Rel. p/ Acórdão Ministro BARROS MONTEIRO,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/11/2004,
DJ 16/05/2005 p. 227). 2. Incidência do
enunciado nº 83 de Súmula desta Corte
Superior. 3. Recurso Especial a que se nega
provimento. (REsp 603763 / RS RECURSO
ESPECIAL 2003/0191786-9).
20
Veja também esse outro julgado, do STJ, em que fica claro, que o
produto ou serviço adquirido, quando necessário para o exercício da
atividade empresarial, mesmo que não seja o produto ou serviço que
ao final ela oferecerá, não se enquadra como consumo, pois é um
insumo da empresa:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
CONTRATO PARA USO DE SOFTWARE DE
VENDAS ON LINE. INAPLICABILIDADE.
PRECEDENTES DA CORTE. 1.- Quanto à
aplicação do CDC, conforme entendimento
firmado por esta Corte, o critério adotado para
determinação da relação de consumo é o
finalista. Desse modo, para caracterizar-se
como consumidora, a parte deve ser
destinatária final econômica do bem ou serviço
adquirido. 2.- No caso dos autos, em que
pessoa jurídica contrata uso de software de
vendas on line, não há como se reconhecer a
existência de relação de consumo, uma vez
que o programa teve o propósito de fomento
da atividade empresarial exercida, não
havendo, pois, relação de consumo entre as
partes. 3.- Agravo Regimental improvido (AgRg
nos EDcl no AREsp 245697 / PR AGRAVO
REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL 2012/0222041-6).
E, dessa forma tem-se decidido em diversas situações que a empresa
que adquire o serviço de telefonia, não é consumidora, como também
21
não o é, quando contrata seguro, ou quando adquire sementes para
plantio.13
E, ao final, a importância desta distinção, baseado neste critério legal,
é identificar a aplicação do CDC ou do CC na situação concreta.
2.1.1 CONSUMIDOR E USUÁRIO
Uma distinção que devemos apontar aqui é entre consumidor e
usuário.
Num primeiro momento, poderia parecer que a aplicação do CDC
restringe-se àqueles que consomem, ou seja, àqueles que adquirem os
produtos e serviços.
Mas para o CDC consumidor não é somente aquele que adquire o
produto ou serviço, mas também quem somente o utiliza, sem ter, por
exemplo, adquirido.
A nossa lei consumerista não fez essa distinção.
O art. 2° do CDC estabelece que: Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final.
Com isto quer se dizer que o vínculo contratual é prescindível, ou seja,
tanto a pessoa que adquire junto ao fornecedor um produto ou serviço,
bem como aquela que simplesmente utiliza produto ou serviço são
considerados consumidores.14
2.1.2 FORNECEDOR
13 Jurisprudências:
14 Conforme Gustavo Ribeiro, para quem ainda, “A existência de um vínculo contratual entre consumidor
e fornecedor não é necessária, portanto, para a caracterização da posição jurídica de consumidor. O simples
utente de produto ou serviço também será juridicamente considerado consumidor”, op. Cit., p. 30.
22
Até agora definimos o consumidor, mas quem é o fornecedor, já que
como dissemos acima para se identificar uma relação de consumo é
necessário que tenhamos de um lado o consumidor e do outro o
fornecedor.
O CDC em seu art. 3° estabelece que: Fornecedor é toda pessoa física
ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
O rol exemplificativo é grande, parece que nada escapa, nesse sentido,
como bem sintetiza Brito Filomeno, fornecedor, em última análise, é
todo aquele que provê o consumidor de produtos e serviços.15
Assim é fornecedor o supermercado que vende os produtos e a loja que
comercializa, mas também quem fabrica, produz, constrói, monta e
transforma esses produtos comercializados, e também quem o importa
ou exporta, e aquele que distribui.
Aqui a técnica legislativa parece ter sido inversa, enquanto para o
consumidor o legislador restringiu a sua abrangência, neste o
legislador ampliou.16
2.1.3 CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO
Além da busca de uma definição do conceito de consumidor baseado
nos arts. 2°e 3°, que chamaremos de consumidor padrão, identifica o
CDC outros consumidores, que são chamados de consumidores por
equiparação, além da própria jurisprudência que em determinados
15 Op. Cit., p. 32.
16 No dizer de João Batista de Almeida a definição legal praticamente esgotou todas as formas de atuação
no mercado de consumo, nesse ponto, a definição de fornecedor se distancia da definição de consumidor,
pois enquanto este há de ser o destinatário final, tal exigência, já não se verifica quanto ao fornecedor, que
pode ser o fabricante originário, o intermediário ou o comerciante, bastando que faça disso sua profissão
ou atividade principal, op. Cit., p. 63.
23
casos amplia o conceito de consumidor, para abarcar os
‘consumidores profissionais’, diante de sua hipossuficiência diante do
fornecedor.17
Estudemos esses casos:
1) O primeiro deles encontra-se no parágrafo único do art. 2° ao
estabelecer que “Equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo”.
O Código de defesa do consumidor não é um diploma que tutela
somente o direito individual daquele que adquiriu ou usou um
produto ou serviço, estende a sua tutela à coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis.
O CDC constrói um sistema de proteção ao consumidor que vai
além dessa proteção individual em que seriam legitimados a
buscar uma tutela somente aquela pessoa que adquiriu ou
consumiu um produto em desamparo com a lei (seja com defeito,
errôneo etc) mas também a própria coletividade, daí porque se
legitimar na parte processual deste diploma (arts. 81 e
seguintes), entidades representativas desses interesses de
grupo.18
2) A segunda equiparação ocorre no art. 17, ao prescrever que:
“Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores
todas as vítimas do evento”.
17 A técnica da equiparação, como bem coloca Gustavo Ribeiro, proporciona a extensão do campo de
aplicação das normas tutelares do Código de Defesa do Consumidor, visando proteger muitas pessoas que
podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado, mesmo sem adquirir
ou utilizar produto ou serviço como destinatárias finais, op. Cit., p. 34.
18 Para tanto o CDC construiu toda uma tutela coletiva que vai desde a definição de consumidor até a
legitimidade para a tutela desses direitos, estabelecendo o art. 81 que A defesa dos interesses e direitos dos
consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
24
O CDC também estende a qualidade de consumidor às vítimas
de um evento de consumo.
Imagine que João adquiriu um carro e ao dirigi-lo, por um
defeito de fabricação, ocorre um acidente. João sofre várias
lesões e Augusto, pedestre, que andava na calçada onde o carro
vem a colidir, também sofre lesões.
João é consumidor, porque adquiriu um produto como
destinatário final e poderá ajuizar uma ação para obter a
reparação de seu dano, beneficiando-se de todas as vantagens
estabelecidas nas normas consumeristas para o consumidor,
como a responsabilidade objetiva do fornecedor, maior prazo
prescricional, foro privilegiado etc.
E Augusto? O que poderá fazer? Ajuizará uma ação em face de
João ou poderá também ajuizar uma ação em face da montadora
do veículo ou até mesmo da concessionária onde este foi
adquirido?
Ao estender a condição de consumidor às vítimas do evento,
Augusto passa a ser consumidor por esta equiparação.
Sendo consumidor poderá se beneficiar das vantagens
estabelecidas àqueles. Logo nesse caso concreto, poderá ajuizar
demanda reparatória contra a fabricante do veículo e/ou todos
os demais fornecedores desse produto (quem comercializou,
quem distribuiu etc).
Esta equiparação atende a um princípio de igualdade, seria
injusto e desigual pensarmos que quem adquiriu o produto é
consumidor e poderá se valer dessa estrutura legal mas quem
sofreu o dano deste produto não o é.
3) Art. 29:
25
Estabelece o art. 29 “Para os fins deste Capítulo e do seguinte,
equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis
ou não, expostas às práticas nele previstas”.
4) Hipossuficiência:
A interpretação restritiva da teoria finalista acabou por conduzir
a uma criação jurisprudencial ampliando a condição de
consumidor aos, vamos assim chamar, consumidores
profissionais.
Ou seja, aquele que não adquire o bem como destinatário final,
pois o utiliza em sua produção, mas pela hipossuficiência que
se coloca frente ao fornecedor é considerado consumidor.
Imaginemos a seguinte situação: Dona Maria faz salgadinhos em
casa para vender. Ao comprar farinha de trigo no supermercado,
Dona Maria é consumidora? A princípio a resposta seria não,
pois Dona Maria não adquire o bem como destinatária final,
afinal ela o utiliza no preparo do seu produto (salgadinho). Mas
Dona Maria apesar de ser uma fornecedora de salgadinhos, deve
ser considerada consumidora na sua relação com o fornecedor
de farinha de trigo, pois nesta relação ela se mostra
hipossuficiente.
E assim vem entendendo nossos Tribunais em relação a diversos
profissionais.
E quais seriam os contratos civis?
Esses, nós vamos definir por exclusão, são civis os contratos que não
são de consumo.
Claro que esta definição se prende a este ramo do direito privado, pois
há contratos administrativos, contratos de trabalho etc.
26
3.0 INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS
1- Ao interpretarmos os contratos partimos da noção de interpretação
da lei. Tanto para interpretar a lei, como para interpretar o negócio
jurídico, o que procuramos é fixar o sentido de uma manifestação de
vontade. Na vontade da lei, temos em mira um número indeterminado
de pessoas, no negócio jurídico o declarante e no contrato, duas
vontades.
2- Dois elementos (que integram qualquer manifestação de vontade) :
elemento externo, que é a declaração contratual propriamente dita, que
na relação contratual, materializa-se pela palavra escrita ou falada e,
mais raramente, por gestos ou condutas dos contratantes.; elemento
interno, o que foi realmente pensado, raciocinado e pretendido pelos
contratantes, qual seja, o substrato de sua declaração, sua vontade
real.19
3- Por maior que seja o número de doutrinas que buscam explicar a
problemática, o intérprete sempre ficará preso a dois parâmetros, dos
quais não pode fugir: de um lado estará a vontade declarada,
geralmente externada por palavras; de outro lado, se colocará a
necessidade de perscrutar a verdadeira intenção dos agentes
envolvidos.
4- A interpretação do negócio jurídico em geral, e do contrato em
particular, situa-se na fixação do conteúdo, compreensão e extensão,
da elaboração de vontade.Para isso, o julgador se valerá muito mais
de regras empíricas, da experiência, do que de normas interpretativas
estabelecidas na lei.
191919 Aqui como observa Carlos Gonçalves não se trata de buscar a vontade interna, psicológica, mas a
vontade objetiva, o conteúdo, as normas que nascem e sua declaração. In Direito Civil Esquematizado, p.
265.
27
5- O CC optou em não tratar com detalhes o instituto da interpretação
dos negócios jurídicos (diferente do legislador francês e italiano).
Ainda na parte geral do Código estabeleceu em dois artigos as
principais regras sobre interpretação:
Art. 112: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção
nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
O CC/1916 em dispositivo semelhante, estabelecia em seu art. 85 que:
“Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao
sentido literal da linguagem”.
Veja que a mudança resultou no acréscimo da expressão nelas
consubstanciada o que levou muitos intérpretes a concluirem que
diferentemente do diploma de 1916 o legislador não deu prevalência à
teoria da vontade. O oposto desta seria a teoria da declaração. E será
que o nosso legislador optou agora por esta? Parece que também não.
O código afastou-se de extremos, pois ao que parece não adotou
unicamente a teoria da declaração ou a vontade. Parece ter querido
dizer, que o intérprete deve partir inicialmente da declaração, e dela
procurar o verdadeiro alcance da vontade. Para outros intérpretes,
mas também nessa linha, o legislador preferiu a busca de uma
vontade objetiva, que partisse da declaração escrita para se buscar a
intenção manifestada no contrato e não simplesmente a busca do
pensamento íntimo, subjetivo do declarante.20
Art. 113: Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”;
Art. 114: Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se
estritamente.
3.1 Outros dispositivos do Código Civil que tratam de interpretação:
20 É o pensamento de Carlos Gonçalves, in Direito Esquematizado, p. 265.
28
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas
ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao
aderente.
Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se
transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos.
Art. 819: A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação
extensiva.
Art. 1899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de
interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a
observância da vontade do testador.
3.2 Diz-se que há duas espécies de interpretação: a interpretação
declaratória e a interpretação construtiva ou integrativa.
Diz-se que a interpretação contratual é declaratória quando tem como
único escopo a descoberta da intenção comum dos contratantes no
momento da celebração do contrato e é construtiva ou integrativa
quando objetiva o aproveitamento do contrato, mediante do
suprimento das lacunas e pontos omissos deixados pelas partes.21
Claro que nem sempre é fácil identifica essa separação.
Veja nesse interessante acórdão do TJ/SP, um exemplo de
interpretação de contrato:
Qual a interpretação utilizada pelo julgador?
Parece ter havido uma interpretação declarativa, o que se buscava era
entender o alcance da expressão: lâmpada elétricas.
Mas a interpretação não se baseou somente numa busca gramatical
do sentido da expressão àquela época, mas em outros elementos que
21 In Carlos Gonçalves, Direito Civil Esquematizado, p. 711.
29
conduziram o intérprete a entender que não só o sentido da expressão
era aquele como também a forma como as partes vieram se
comportando ao longo de todos esses anos, deduz ter sido este o
sentido que elas quiseram dar à expressão.
3.3 Interpretação dos contratos no Código de Defesa do
Consumidor:
Seria diferente a interpretação dos contratos no Código de Defesa do
Consumidor? Haveria outras regras de interpretação ou aquelas
poderiam ser utilizadas?
Podemos começar dizendo que as regras de interpretação são as
mesmas, o mesmo art. 112 que determina a busca da intenção das
parte vale para o CDC.
Mais o CDC traz regras interpretativas e estas devem ser somadas ao
CC, apesar de que o contrário a princípio não se admite.22
Art. 4º, III: harmonização dos interesses dos participantes das relações
de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a
necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a
viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art.
170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio
nas relações entre consumidores e fornecedores.
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não
obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de
tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos
instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de
seu sentido e alcance.
22 Ou seja, na interpretação de um contrato civil não podemos utilizar as regras do CDC, pois estas partes
sempre da consideração de que o consumidor é hipossuficiente o que não ocorre, a princípio, numa relação
civil em que se parte de uma igualdade.
30
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais
favorável ao consumidor.
12 REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DE POTHIER (utilizadas no Código
Francês):
1. Nas convenções mais se deve indagar qual foi a intenção comum
das partes contraentes do que qual é o sentido comum das
palavras.
2. Quando uma cláusula é suscetível de dois sentidos, deve
entender-se naquele em que ela pode ter efeito; e não naquele
em que não teria efeito algum.
3. Quando em um contrato os termos são suscetíveis de dois
sentidos, deve entender-se no sentido que mais convém à
natureza do contrato.
4. Aquilo que em contrato é ambíguo interpreta-se conforme uso
do país.
5. O uso é de tamanha autoridade na interpretação dos contratos
que se subentendem as cláusulas do uso ainda que se não
exprimissem.
6. Uma cláusula deve interpretar-se pelas outras do mesmo
instrumento, ou elas precedam, ou elas sigam àquela.
7. Na dúvida, uma cláusula deve interpretar-se contra aquele que
tem estipulado uma coisa em descargo daquele que tem
contraído a obrigação.
8. Por muito genéricos que sejam os termos em que foi concebida
uma convenção, ela só compreende as coisas sobre as quais
parece que os contraentes se propuserem tratar, e não as coisas
em que eles não pensaram.
9. Quando o objeto da convenção é uma universalidade de coisas,
compreende todas as coisas particulares que compõem aquela
31
universalidade, ainda aquelas de que as partes não tivessem
conhecimento.
10. Quando em um contrato se exprimiu um caso, por causa
da dúvida que poderia haver, se a obrigação resultante do
contrato se estenderia àquele caso, não se julga por isso ter
querido restringir a extensão da obrigação, nos outros casos que
por direito se compreendem nela, como se fossem expressos.
11. Nos contratos, bem como nos testamentos, uma cláusula
concebida no plural se distribui muitas vezes em muitas
cláusulas singulares.
12. O que está no fim de uma frase ordinariamente se refere a
toda a frase, e não àquilo só que a precede imediatamente;
contanto que este final da frase concorde em gênero e número
com a frase toda.
10- Interpretação Integrativa e Integração dos Contratos (exemplos,
art. 157, §2°, art. 51, §2°, CDC)
11- Interpretação objetiva: aplicação dos princípios contratuais (
princípio da boa-fé, princípio da conservação do contrato e princípio
da extrema ratio (menor peso e equilíbrio das prestações).
32
4.0 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL:
Toda ciência é composta por princípios, que a orienta e legitima.23 O
Direito contratual é também regido por princípios, alguns podemos
chamar de fundadores, estão presentes efetivamente na origem dos
contratos, outros, mais atuais, foram fruto da evolução desse
instituto, baseados numa idéia de justiça e socialidade dos
contratos.24
Mas a tarefa de definir princípio não é fácil e hoje ainda convive-se
com outro instituto jurídico muito próximo e, que por vezes, são
tratados como sinônimos que são as Cláusulas Gerais. Seriam os
princípios e as cláusulas gerais sinônimos?
Preferimos não nos aprofundar nesse tema, mas tomar uma posição
em relação a eles.
Assim entendemos por princípios...
E, por cláusula geral...
Como dissemos acima os princípios do direito contratual podem ser
divididos nos fundadores e nos atuais, comecemos pelos princípios
fundadores.
4.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E
AUTONOMIA PRIVADA
Este princípio é, com certeza, o que mais se identifica com a própria
idéia de contrato, ou mais especificamente, com a de contratar.
Contrata-se porque pode, porque temos liberdade para isso.
Por isso sempre se define autonomia da vontade como o poder das
partes de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante
23 De uma forma bem clara e objetiva Gagliano e Stolze definem princípios como “ditames superiores,
fundantes e simultaneamente informadores do conjunto de regras do Direito Positivo. Pairam, pois, por
sobre toda a legislação, dando-lhe significado legitimador e validade jurídica”. Novo Curso, vo. 4, p. 65.
24 Paulo Luiz Netto Lôbo, fala em princípios individuais e princípios sociais. In Pablo Stolze, v. 4, p. 79.
33
acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos
tutelados pela ordem jurídica.25
Esses efeitos tutelados pela ordem jurídica são na opinião de diversos
autores três: a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o
outro contraente e de fixar o conteúdo do contrato.26
É claro que nenhuma dessas liberdades são absolutas, até porque não
se coaduna com nosso Direito regras absolutas.
Todas comportam exceções:
A liberdade de contratar ou não contratar não é absoluta. Apesar de
em regra termos a liberdade de decidir se contratamos ou não
contratamos, nem sempre podemos fazer isso. Os seguros obrigatórios
dos veículos automotores, é uma contratação imposta.
Se pensarmos nas relações de consumo, essa liberdade é mitigada ao
fornecedor, que não pode deixar de vender ao consumidor e, por vezes,
pode até ser compelido a fazer isso.27
A liberdade de escolher o outro contratante, também não é absoluta.
Se pensarmos nos serviços públicos concedidos sob a forma de
monopólio, essa liberdade deixa de existir. Também é mitigada nas
relações de consumo para o fornecedor, que não pode escolher para
quem vende.
Por último a liberdade de fixar o conteúdo do contrato. Esta é sem
dúvida onde mais encontramos limitações.
25 Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 3 vol. 1999, p. 31.
26 Gonçalves, Carlos Roberto, p. 41, Diniz, Maria Helena, p. XX.
27 Trataremos dessa matéria na formação dos contratos. O fornecedor não pode recusar a proposta por ele
realizada, podendo até ser compelido a cumpri-la.
34
Para começar podemos distinguir aqui, aquilo que alguns autores
chamam de autonomia privada. Há uma distinção realizada por
civilistas entre autonomia da vontade e autonomia privada.28
A primeira estaria restrita a esse campo de liberdade de contratar ou
não contratar e de escolher com quem se contrata.
Já a fixação do conteúdo do contrato, está associada a um poder
maior, que é o poder de normatizar as nossas relações, de escolhermos
as regras que queremos estabelecer com o outro.
E justamente pelo poder maior que se tem aqui é que há também uma
limitação maior.
Imagine deixar à livre disposição das partes a fixação do conteúdo do
contrato? Teríamos com certeza muitos abusos, principalmente
daquele que detivesse o poder econômico na relação. Como seria hoje
um contrato de locação se não tivéssemos a lei de locação?
Quanto maior a desigualdade entre as partes maior a intervenção, daí
porque nos contratos de consumo o dirigismo estatal ser bem maior.
Podemos até questionar se não há um excesso de intervenção,
possibilitando muitas vezes que o judiciário reveja o conteúdo do
contrato.
Decisões judiciais pela abusividade de juros, nulidade de cláusulas
etc, são o reflexo dessa intervenção. Dessa intervenção no conteúdo
do contrato.
Pensando de forma tradicional, isso seria um absurdo. Como pode o
judiciário rever e até modificar o conteúdo de um contrato realizado
entre pessoa maiores e capazes cujo objeto é lícito?
No entanto todos sabemos que isso ocorre e a cada dia mais. É comum
no judiciário de hoje, questionar o contrato.
28 Autonomia da vontade X Autonomia privada.
35
Mas aqui como comentamos na introdução, isso surge por 2
caminhos: um é o chamado dirigismo estatal, há intervenção estatal
no contrato com a elaboração de leis que regulam o conteúdo deste,
tenha-se como exemplo, a locação, o transporte, a doação etc Outro é
uma intervenção que surge realizada pelo Judiciário com o objetivo de
equilibrar o contrato e buscar vamos dizer uma justiça social.
Aí entra em profusão a aplicação de princípios sociais como a função
social do contrato e a boa-fé objetiva.
A aplicação desses princípios em matéria contratual é tão grande que
parece que os princípios fundadores, tradicionais foram revogados.
Pouco se fala em autonomia da vontade, força obrigatória do contrato.
Falar em pacta sunt servanda parece querer transportar-se para a
idade média.
E no entanto, o contrato só é contrato porque as partes tem autonomia
para contratar e para estabelecer as suas obrigações, e,
consequentemente, estar obrigadas ao seu cumprimento.29
4.2 PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO:
Segundo esse princípio, o simples acordo de duas ou mais vontades
basta para gerar contrato válido, pois a maioria dos negócios jurídicos
bilaterais é consensual, embora alguns, por serem solenes, tenham
sua validade condicionada à observância de certas formalidades
legais.
Diz-se também que esse princípio contrapõe-se ao formalismo e
simbolismo que vigoraram em termos primitivos.
29 Apesar de raro, nesta profusão de decisões judiciais aplicando princípios justificadores da revisão dos
contratos, ainda encontramos decisões que privilegiam a autonomia da vontade, como esta do TJSP:
“Seguro de vida em grupo e acidentes pessoais – Indenizatória – Dano moral – Cláusula de renovação
automática. Pedido da segurada no sentido de se restabelecer o seguro. Desinteresse da seguradora em
renovar a apólice. Fundamento no fato de que houve extinção do contrato por decurso do prazo nele
previsto. Admissibilidade. Seguradora que não está obrigada nem por lei, nem pelo contrato, a manter a
avença, sob pena de afronta ao princípio da autonomia da vontade. Não violação ao CDC. Prescrição
afastada. Recurso provido para julgar improcedente a ação (Apelação n° 0084913-03.2009 – Botucatu-SP,
27ª Câmara de Direito Privado).
36
Muitas vezes a idéia de contrato confunde-se com a de seu
instrumento. Diz-se contrato para falar do acordo de vontades como
também, do papel, por exemplo, que instrumentalizou esse acordo: -
vou entregar o contrato para você.
Diferenciando-se os dois compreende-se o princípio do
consensualismo: o acordo de vontades entre as partes é que faz o
contrato, este por sua vez, pode ser instrumentalizado, num
documento escrito, numa gravação, ou hoje, como é tão comum,
virtualmente.30
É claro que num mundo da linguagem escrita, o ‘papel’ ganhou tanta
importância, a ponto de haver essa confusão.
Há também uma importância da escrita em virtude da prova. Como
provar que houve um acordo de vontades entre as partes? Claro que
havendo um documento escrito, isso será mais fácil.
Mas se o contrato é o acordo de vontades, temos como plenamente
válido o contrato verbal.
Aliás por mais que se estranhe quando se fale isso, a maioria dos
contratos são verbais: ou se faz contrato escrito quando se compra
uma roupa numa loja? Quando se tiram cópias de documentos?
Quando se contrata o encanador? O pintor? O pedreiro. A numerosa
–e, pequena contratação diária é verbal.
O contraponto do consensualismo seria o formalismo, que pode
ocorrer nos contratos reais como em exigências formais do legislador.
Os contratos reais, que será melhor explicado no capítulo da
classificação dos contratos, são aqueles que se aperfeiçoam com a
entrega do objeto contratado, logo não há contrato, mesmo que já
tenha ocorrido o acordo de vontades, se não houver a entrega do
objeto. Também são contratos formais aqueles em que o legislador
30 Estão aí os contratos eletrônicos.
37
exige para sua validade que o contrato seja escrito, ou que seja
realizado por meio de escritura pública.31
Tudo isso torna o contrato formal, porque, nestes casos, não basta o
acordo de vontades, é necessário além disso que seja entregue o bem,
que seja realizado por um instrumento escrito ou que seja realizado
por um instrumento público.
Mas interessante é a possibilidade que as partes contratantes tem de,
mesmo sem exigência legal, tornar formal o contrato. Privilegiando a
autonomia da vontade das partes estas podem formalizar o contrato
exigindo para sua validade o instrumento público, conforme art. 109
do CC.32
Assim, a regra é o consensualismo, sendo exceção o formalismo, que
pode surgir por lei ou pela vontade das partes.
4.3 PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA CONVENÇÃO
(Força Obrigatória dos Contratos):
Por esse princípio, as estipulações feitas no contrato deverão ser
fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial contra o
inadimplente.33
É deste princípio que surge a tão famosa expressão que o contrato é
lei entre as partes.
E por que isso? Porque o contrato é uma norma jurídica, criada pelas
partes, por força de sua autonomia da vontade, obrigando-as a seu
cumprimento. (*o contrato é uma norma? Ver posição do prof.
Junqueira*)
31 Diz o legislador civil no art. 819 que a fiança dar-se-á por escrito, logo não há fiança verbal. Na promessa
de compra e venda exige-se a forma pública, conforme art. 1417 do CC.
32 Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da
substância do ato.
33 Diniz, op. cit, 1999, p. 34.
38
É difícil pensar o contrato como norma pois há muito tempo vivendo
uma supremacia constitucional, parece que somente as normas
públicas são normas, são leis. Mas mesmo Kelsen no desenho de sua
pirâmide normativa colocava na base os contratos.*
É também deste princípio que surge a não menos famosa expressão:
pacta sunt servanda. Numa tradução atual e politicamente correta diz-
se que os pactos devem ser cumpridos, mas mesmo para o latim
percebe-se claramente que o seu significado está relacionado a idéia
de servidão, algo como você se torna servo do pacto.
Por isso diz-se que o contrato é intangível, daí também receber esse
princípio o nome de princípio da intangibilidade dos contratos. A única
limitação a esse princípio, dentro da concepção clássica, é a escusa
por caso fortuito ou força maior, consignada no art. 393 e parágrafo
único do Código Civil34:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,
cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Um efeito imediato desse princípio, é que além das partes estarem
obrigadas ao seu cumprimento (irretratabilidade), não podem alterar
o seu conteúdo (intangibilidade). Numa síntese muito clara dessa
idéia, explica Carlos Roberto Gonçalves que “como foram as partes que
escolheram os termos do ajuste e a ele se vincularam, não cabe ao juiz
preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem
ser atacadas sob a invocação dos princípios de equidade. O princípio
da força obrigatória do contrato significa, em essência, a
irreversibilidade da palavra empenhada”35.
34Gonçalves, op. Cit., p. 49.
35 Op. Cit. P. 49.
39
É o princípio da segurança jurídica no campo contratual. Como
conviver harmoniosamente na sociedade se os pactos estabelecidos
pelos cidadãos não forem cumpridos? Onde estará a segurança?
Perguntam.36
Mas é claro que essa visão irretratável e intangível do contrato, não é
absoluta, como nada dentro do Direito.
Como dissemos na apresentação desse trabalho o contrato é um
instituto jurídico e como tal não deixa de evoluir.
Essa visão (intangível) modificou-se ao longo do tempo permitindo que
o contrato fosse revisto, poderíamos numa cadeia histórica dizer que
inicialmente isso ocorreu com o reconhecimento da ocorrência de fatos
imprevisíveis que levavam a uma onerosidade excessiva do contrato
lesando um dos contratantes, posteriormente com o reconhecimento
de princípios de conotação social como a função social do contrato e o
princípio da boa-fé objetiva, chegando até um diploma legislativo
como o CDC prevê as chamadas cláusulas abusivas que não podem
conter um contrato, interferindo efetivamente no conteúdo do contrato
e já estabelecendo uma invalidade de antemão caso essas cláusulas
sejam inseridas num negócio.
4.4 PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO
CONTRATO
Por esse princípio, a avença apenas vincula as partes que nela
intervieram, não aproveitando nem prejudicando terceiros.
O contrato como dito, é lei ‘entre’ as partes. Ou como se diz, o contrato
é res inter alios acta, aliis neque nocet neque potest.37
36 Há uma frase famoso no Mercador de Veneza em que Shyloc argumenta no Tribunal “onde ficará a
segurança dos cidadãos de Veneza se os contratos puderem não ser cumpridos?”. Politicamente esse
também é um discurso sempre utilizado, principalmente em tempos de crise, assegura-se que apesar desta
os contratos serão cumpridos, para que credores e investidores não se assustem. 37 Tradução:
40
Todavia, como os demais, o princípio também comporta exceções.
Alguma dessas são antigas, existem junto com o próprio princípio,
outras, são atuais, consequências em linhas gerais da função social
do contrato.
Assim, diga-se, o contrato atinge terceiros quando o contratante falece
e os seus herdeiros são obrigados a cumpri-lo. O contrato como regra
não se extingue com a morte do contratante, os seus sucessores
herdam também essa obrigação, de cumprir aquilo que foi
estabelecido pelo contratante, claro que isso não pode ultrapassar as
forças da herança.38
Outra exceção, conhecida há muito tempo, é a possibilidade das
partes estabelecer no contrato obrigações em face de terceiros.
Desde o Código anterior eram previstas algumas exceções a este
princípio, com as chamadas estipulações de terceiros e que foram
mantidas no Código atual. Assim, por exemplo, o art. 439 estabelece
que aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas
e danos, quando este o não executar.
Veja, é possível que o contrato preveja um efeito a terceiro, mas
justamente pelo fato do terceiro não ter feito parte da obrigação ele
não estará obrigado.
Mais curioso é a estipulação em favor de terceiro, que permite que o
contrato traga um efeito que beneficie um terceiro que não fez parte
da avença.
De qualquer maneira essas sempre foram exceções previstas pelo
próprio legislador e que não afetavam na essência o princípio, pois o
contrato podia afetar terceiro mas desde que esse terceiro consentisse.
38 Conforme art. 1.792 do CC.
41
O que chama atenção na atualidade é o princípio da função social do
contrato.
Quando se diz que o contrato – marco da individualidade – tem uma
função social, está dizendo que o contrato mesmo que seja realizado
entre as partes e para as partes afeta outras pessoas, tem um impacto
social.
A questão é saber se em virtude disso, aquele que não fez parte no
contrato pode nele intervir? E qual alcance dessa intervenção?39
Cita-se o art. 51, §4º do CDC, como um exemplo de intervenção
externa ao contrato. Este, por sua vez, estabelece que
É facultado a qualquer consumidor ou entidade
que o represente requerer ao Ministério Público
que ajuíze a competente ação para ser declarada
a nulidade de cláusula contratual que contrarie
o disposto neste Código ou de qualquer forma
não assegure o justo equilíbrio entre direitos e
obrigações das partes.
Tal dispositivo encontra-se com razão no Código de Defesa do
Consumidor, pois as contratação de consumo são contratação de
massa, são contratos que se reproduzem e se multiplicam para
diversos consumidores.
A intervenção do MP então pretende evitar que um modelo contratual
lese diversos consumidores.
Daí que a atuação do MP...
Imagine um contrato estabelecido por um Plano de Saúde restringindo
tempo de internação médica. O Ministério Público ciente dessa
situação pode atuar para declarar a nulidade dessa cláusula
39 Carlos Roberto Gonçalves em análise a esse princípio conclui que é permitida essa intervenção diante do
abrandamento do princípio da relatividade dos efeitos do contrato diante dessa nova concepção de sua
função social, tal fato, diz o autor, tem como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não
são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem por ele atingidos de maneira
direta ou indireta, in Direito Civil Esquematizado, p. 698.
42
contratual e exigir que o fornecedor não a insira nos próximos
contratos. Claro que cada consumidor também poderá fazer isso, mas
a tutela coletiva é sempre mais democrática, pois todos serão
beneficiados, ao contrário de uma atuação individual, que dependerá
a priori inclusive de conhecimento.40
É por isso que concluiu-se na XX Jornada de Direito Civil que “A
função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil,
constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade
dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela
externa do crédito”.
Mas o princípio da relatividade não se aplica somente as partes, mas
também em relação ao objeto.
40 APELAÇÃO-CÍVEL. AÇÃO CÍVIL PÚBLICA. INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS.
CONTRATOS BANCÁRIOS. REVISÃO DE CLÁUSULAS. NULIDADE. PRELIMINARES.
LEGITIMIDADE. APLICABILIDADE DO CDC AOS CONTRATOS BANCÁRIOS. CLAUSULAS
ABUSIVAS. NULIDADE. O Ministério Público encontra-se legitimado constitucionalmente à propositura
de ação civil pública visando à declaração de nulidade de cláusulas contratuais existentes em contratos
bancários de adesão (direitos coletivos), bem como a sua exclusão dos contratos futuros (direitos difusos).
O fato de o objeto do pedido poder surtir reflexos nos direitos individuais homogêneos não traduz a sua
ilegitimidade, porquanto, mesmo que deles fosse tratado por presente interesse social compatível com as
finalidades da instituição, não haveria falar em carência de ação. O Código de Defesa do Consumidor
aplica-se aos contratos entre os clientes (consumidores) e as instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional em face do que dispõe o seu artigo 3º, § 2º. São abusivas e merecem nulificadas as cláusulas
contratuais que autorizem a instituição financeira a modificar unilateralmente o conteúdo dos contratos
após a sua celebração, assim como aquelas que permitam impossibilitar a não-liquidação antecipada do
débito. Sendo oportunizado o prévio conhecimento das cláusulas gerais da contratação, satisfeito está o
requisito legal, com o que, do fato de elas não constarem do instrumento de contratação que apenas traz
remissão ao local em que podem ser obtidas não traduz abusividade à luz do Código de Defesa do
Consumidor. À unanimidade, rejeitaram as preliminares de ilegitimidade ativa e de falta de interesse
em agir e, no mérito, deram parcial provimento ao apelo. APELAÇÃO CÍVEL
43
4.5 PRINCÍPIO DA BOA FÉ
Grande novidade deste Código Civil foi a inserção no art. 422 do
princípio da boa-fé objetiva.
Sem dúvida, junto com a função social do contrato este princípio tem
revolucionado o tratamento do contrato (?), desde a sua interpretação
até no tratamento de questões relacionadas com a possibilidade de
sua revisão ou mesmo de sua resolução.
Segundo esse princípio, na interpretação do contrato, é preciso ater-
se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol
do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes
deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se
mutuamente na formação e na execução do contrato.41
Uma questão inicial é saber se este é um novo princípio ou apenas o
aspecto objetivo do princípio da boa-fé. Ou seja, haveria o princípio da
boa-fé e este se dividiria em boa-fé subjetiva e objetiva ou teríamos um
novo princípio, a boa-fé objetiva?42
Concordamos com a segunda opção, trata-se de um novo princípio.
Deveres anexos:
4.5.1 INFORMAÇÃO
A informação é um dever contratual que se liga muito proximamente
da boa-fé e nesta também poderia se encaixar. Afinal aquele que não
informa o contratado sobre o objeto do negócio age com má-fé.
Mais a informação principalmente nas relações de consumo ganha
uma importância muito grande pois como acentua Fábio Ulhôa “O
consumidor certamente não conhece o produto ou serviço que
41 Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 3, p. 55.
42 Para Carlos Gonçalves a primeira opção seria a correta o princípio da boa-fé se bipartiria em boa-fé
subjetiva e boa-fé objetiva. In Direito Esquematizado, vol. 1, p. 701.
44
pretende adquirir na mesma medida do fornecedor, e isso é uma das
mais importantes razões de sua vulnerabilidade”.
Ver art. 6º, III, CDC.
4.5.2 COLABORAÇÃO
Surge também como um importante dever contratual o da colaboração
entre as partes.
Porém mais uma vez poderíamos resumir na boa-fé objetiva, pois
negar-se a colaborar, dificultando ou mesmo impedindo a satisfação
do contrato viola aquele grande princípio.
Função interpretativa da Boa-fé:
Venire contra factum proprium
Supressio, surrectio e tu quoque
Também trazem os autores a discussão sobre novos princípios ou
deveres contratuais que nesta nova ordem jurídica devem ser
colocados ao lado daqueles pela importância que vem assumindo:
4.6 EQUILÍBRIO DOS CONTRATANTES
Fábio Ulhôa Coelho elenca o equilíbrio como um dos princípios
contratuais.
Para o autor a ordem jurídica somente deve reconhecer validade e
eficácia à composição dos interesses pelos próprios titulares, mediante
acordo de vontades, se eles possuírem iguais meios para defende-los
na mesa de negociação. Caso contrário, o mais forte acabará fazendo
45
prevalecer seus interesses, e não se realizará a articulação de
interesses amparada na autonomia privada.43
Ver art. 4º, III, CDC
43 Curso de Direito Civil, v. 3, p. 28.
46
5.0 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
O estudo da classificação dos contratos, não tem utilidade somente
teórica. De acordo com a espécie de contrato sob exame, há distintas
conseqüências com distintas formas de interpretação e enfoque da
posição das partes e do objeto contratado.
Por exemplo, o CC estabelece no art. 445 que o efeito do vício
redibitório aplica-se somente aos contratos comutativos, também
estabelece em outro momento que ...
Porém o Código não conceitua essa classificação utilizada cabendo
essa tarefa à doutrina, como também a de classificar o contrato em
diversas modalidades, inclusive para fins didáticos, pois do estudo de
sua classificação podemos posteriormente compreender diversos
efeitos dos contratos como também ter uma visão melhor do mesmo.
No direito romano os contratos classificavam-se em: reais, verbais,
literais e consensuais. Os contratos reais são os que implicam a
entrega de uma coisa (res), de um contraente a outro. Para que se
exista é necessário que se entregue a coisa (traditio). Contratos orais
são os que se formam com o pronunciamento de certas palavras.
Contrato oral típico, entre outros, na época clássica, era a stipulatio.
A obrigação nasce de uma resposta que o futuro devedor dá a uma
pergunta do futuro credor. Contratos literais são os que necessitam
da escrita Contratos consensuais são os que se perfazem pelo simples
consentimento das partes, independentemente de qualquer forma oral
ou escrita.
Os contratos podem ser classificados em diversas modalidades
segundo o critério que se adota, assim os contratos podem ser
classificados quanto aos seus efeitos, quanto à sua formação, quanto
ao momento de sua execução etc e claro que há também uma
diferença entre os autores, mas procuramos a seguir classificar os
47
contratos segundo as divisões mais utilizadas, tanto pela doutrina
como, principalmente pelo legislador.
Quanto à natureza da obrigação entabulada:
1- Contratos unilaterais e bilaterais: A distinção se refere a carga
de obrigação no negócio jurídico e não ao número de
contratantes. Serão unilaterais se uma só das partes assumir
obrigações em face da outra; p. ex. comodato, mútuo, mandato,
depósito, etc. Serão bilaterais se cada contraente for credor e
devedor do outro, produzindo direitos e obrigações para ambos
(CC, art. 476); p. ex. compra e venda, troca, locação, etc. Os
contratos não são pela natureza bilaterais ou unilaterais, pois
as partes podem alterar a natureza primária de um contrato.
Assim, por exemplo, a doação pura e simples é contrato
unilateral, a doação com encargo passa a ser bilateral. Mesmo
exemplo no comodato e mútuo. A lei trata com maior rigor
aquele que não possui obrigação no contrato unilateral. Art.
392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o
contraente, a quem o contrato aproveite, e por dolo, aquele a quem
não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das
partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.
Os contratos bilaterais também são chamados de
sinalagmáticos, pois a obrigação de um tem por causa a do
outro. Utilizemos o exemplo do contrato de compra e venda, pois
conforme o próprio art. 481, um dos contraentes se obriga a
transferir o domínio e outro a pagar-lhe o preço.
Contratos plurilaterais.
Outra subclassificação desta espécie contratual é a que
identifica o contrato que se inicia unilateral e eventualmente
torna-se bilateral, identificando esta modalidade como Contrato
48
Bilateral Imperfeito. Assim seria, bilateral imperfeito, o contrato
de depósito que no curso da contratação gerasse para o
depositante a obrigação de indenizar o depositário. Também
seria o contrato de comodato, que, iniciando-se unilateral,
poderia no curso do contrato surgir para o comodante a
obrigação de indenizar o comodatário pelas despesas realizadas.
2- Contratos onerosos e gratuitos: Os onerosos são aqueles que
trazem vantagens para ambos os contratantes, que sofrem um
sacrifício patrimonial correspondente a um proveito almejado; p.
ex: locação. Os gratuitos oneram somente uma das partes,
proporcionando à outra uma vantagem, sem qualquer
contraprestação; p. ex.: doação pura e simples (doação sem
encargo), comodato, mútuo sem pagamento de juros, depósito e
mandato gratuitos. Por isso esses contratos são também
denominados de contratos benéficos. Não retira a gratuidade a
previsão, p. ex., do mandante reembolsar o mandatário das
despesas (art. 675 a 681), nem a doação ser revogada por
ingratidão do donatário (art. 555). Há também uma distinção
lembrada por alguns autores entre o contrato gratuito e o
contrato desinteressado. Aqueles, como observa Carlos
Gonçalves, acarretam uma diminuição patrimonial a uma das
partes, estes, não produzem esse efeito, malgrado beneficiem a
outra parte.44Seria então exemplo do contrato gratuito, a doação
pura e exemplo do contrato desinteressado, o comodato.
Há uma relação direta entre os contratos bilaterais e onerosos e
os contratos unilaterais e gratuitos. Mas haveria a possibilidade
dos contratos bilaterais serem gratuitos e os unilaterais serem
onerosos? Todos os contratos bilaterais são onerosos, mas nem
todos os contratos unilaterais são gratuitos, p. ex., o mútuo
feneratício, em que se convenciona o pagamento de juros.
44 In Direito Civil Brasileiro, V. III, p. 93.
49
Geralmente os contratos gratuitos são intuitu personae, pois a
pessoa do contratante beneficiado no contrato é essencial, doa-
se para aquela pessoa, por isso nesses contratos, avultam de
importância, as questões atinentes ao erro quanto à pessoa e à
ingratidão do donatário. Faz-se diferença estes contratos com
relação a interpretação, pois de acordo com o art. 114 do CC, os
contratos benéficos sofrem interpretação restritiva Na revogação
do negócio por fraude contra credores, os contratos gratuitos são
tratados com maior rigor (art. 158 e 159). A doação não está
sujeita a evicção.
3- Contratos comutativos e aleatórios: Os comutativos são
aqueles em que cada contraente, além de receber do outro
prestação relativamente equivalente à sua, pode verificar, de
imediato, essa equivalência; p. ex.: compra e venda. Os
contraentes conhecem, ex redice, suas respectivas prestações.
Os aleatórios são aqueles em que a prestação de uma ou de
ambas as partes depende de um risco futuro e incerto, não se
podendo antecipar o seu montante (CC, arts. 458 a 461); p. ex.:
rifa, bilhete de loteria, seguro etc. O contrato aleatório funda-se
na álea, sorte, ao menos para uma das partes. O contrato pode
ser aleatório por sua própria natureza ou a álea pode resultar
da vontade das partes. São aleatórios por natureza os contratos
de seguro (arts. 757 ss), jogo e aposta (arts. 814 a 817),
incluindo-se nessa natureza as loterias, rifas, lotos e similares,
e o contrato de constituição de renda (arts. 803 a 813). Já um
contrato que normalmente é comutativo, como a compra e
venda, pode ser transformado em aleatório pela vontade das
partes, como a compra e venda para a aquisição de uma futura
colheita, são os contratos chamados de acidentalmente
aleatórios.
Arts. 458 a 461 CC
50
A lesão e os contratos aleatórios.
Esta diferença também se faz importante porque, a doutrina
ressalta que somente os contratos comutativos estão sujeitos à
lesão. Porém havendo abuso exagerado de uma das partes,
mesmo no contrato aleatório pode ter campo a lesão.
Contrato aleatório e contrato condicional: O contrato aleatório
não se confunde com o contrato condicional, neste a condição é
aposta pelas partes como seu elemento acidental, quer seja ela
suspensiva ou resolutiva; nos contratos aleatórios, a incerteza é
seu elemento estrutural, ainda que colocado pela vontade das
partes. A incerteza, neste último, está ínsita à estipulação
aleatória, enquanto na condição, a incerteza, o fato incerto, pode
ou não ocorrer.
4- Contratos paritários e contratos por adesão: Os paritários são
aqueles em que os interessados, colocados em pé de igualdade,
ante o princípio da autonomia da vontade, discutem, na fase da
puntazione, os termos do ato negocial, eliminando os pontos
divergentes mediante transigência mútua. Os contratos por
adesão são aqueles em que a manifestação de vontade de uma
das partes se reduz a mera anuência a uma proposta da outra,
p. ex., contrato de transporte, de fornecimento de gás, água, etc.
Sílvio Venosa faz ainda outra distinção batizando-a de contrato-
tipo, aproxima-se de um contrato de adesão mas não é, aqui as
cláusulas ainda que predispostas, decorrem da vontade
paritária de ambas as partes. No contrato de adesão, segundo o
autor, as cláusulas apresentam-se predispostas a um número
indeterminado e desconhecido a priori de pessoas.45
Quanto à forma:
45 Direito Civil, V. II, p. 395.
51
1- Contratos consensuais: que se perfazem pela simples anuência
das partes, sem necessidade de outro ato; p. ex., locação,
parceria rural,,etc.
2- Contratos solenes: que consistem naqueles para os quais a lei
prescreve, para a sua celebração, forma especial; p. ex., compra
e venda de imóvel (CC, art. 108, II).
3- Contratos reais: são aqueles que se ultimam com a entrega da
coisa, feita por um contraente a outro: p. ex.: comodato, mútuo,
depósito, arras.
Explica Carlos Roberto Gonçalves que os contratos reais exigem
para se aperfeiçoar, além do consentimento, a entrega (traditio)
da coisa que lhe serve de objeto, como os de depósito, comodato,
o mútuo, penhor, anticrese, arras, esses contratos, segundo o
autor, não se formam sem a tradição da coisa. Antes pode existir
promessa de contratar, mas não existe depósito, comodato ou
mútuo. A efetiva entrega do objeto não é fase executória, porém
requisito da própria constituição do ato.46
É por isso, ainda sob a explicação do autor, que os contratos
reais são unilaterais, visto que, entregue a coisa (quando o
contrato torna-se perfeito e acabado), só resta a obrigação para
o depositário, o comodatário e o mutuário.
Venosa utiliza outra forma de classificação, para o autor aos
contratos consensuais se opõe aos contratos reais e de outro
lado haveria a classificação entre contratos solenes, formais e
não formais.
Contratos solenes são segundo o autor aqueles cuja formalidade
tem caráter constitutivo, assim eles seriam além de formais,
46 Direito Civil Brasileiro. V. 3, p. 109.
52
solenes. Entre nós o exemplo seria a escritura pública. Já os
formais seriam aqueles que a lei exige a forma escrita.47
Ver art. 215
Art. 109 . As partes podem por sua vontade determinar que um
contrato seja formal.
Uma norma processual civil que afeta diretamente ao
consensualismo dos contratos é a do art. 401 do CPC “A prova
exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo
valor não exceda ao décuplo do maior salário-mínimo vigente no
país, ao tempo em que forem celebrados.
Essa disposição normativa impõe indiretamente um formalismo
aos contratos acima de 10 s.m., pois para que as partes possam
provar a relação contratual estabelecida entre ambas é
necessário um formalismo, que o contrato seja escrito, não se
admitindo o contrato exclusivamente verbal.
Claro que também se discute a validade desta disposição,
mesmo entre os processualistas há discussão se isso não
afetaria o princípio da liberdade na produção das provas.
Quanto à sua denominação:
1- Contratos nominados ou típicos: que abrangem, as espécies
contratuais que têm nomen juris e servem de base à fixação dos
esquemas, modelos ou tipos de regulamentação específica da lei;
p. ex.: compra e venda, troca, doação, locação, empréstimo,
parceria rural, etc.
47 “Alguns autores não distinguem a formalidade da solenidade, tratando-as como sinônimos, contudo as
conseqüências jurídicas da distinção são importantes. O contrato solene entre nós é aquele que exige
escritura pública. Outros contratos exigem a forma escrita, o que os torna formais, porém não solenes. No
contrato solene, a ausência da forma torna-o nulo. Nem sempre ocorrerá a nulidade, e a relação jurídica
gerará efeitos entre as partes, quando se trata de preterição de formalidade, em contrato não solene.”,
inVenosa, p. 427.
53
2- Contratos inominados ou atípicos: que se afastam dos modelos
legais, pois não são disciplinados ou regulados expressamente
pelo Código Civil ou por lei extravagante, porém são permitidos
juridicamente, desde que não contrariem a lei e os bons
costumes, ante o princípio da autonomia da vontade e a
doutrina do número apertus em que se desenvolvem as relações
contratuais; p. ex.: contrato sobre exploração de lavoura de café,
cessão de clientela, contrato de locação de caixa forte etc. Ver
art. 425 do CC.
Quanto ao tempo de sua execução:
1- Contratos de execução imediata ou instantânea: são os que se
esgotam num só instante, mediante uma única prestação; p.ex.:
troca,compra e venda à vista.
2- Contratos de execução continuada ou de trato sucessivo: são
os que se cumprem por meio de atos reiterados, ocorrem quando
a prestação de um ou de ambos os contraentes se dá a termo; p.
ex.: compra e venda a prazo, fornecimento periódico de
mercadorias. Tais contratos são os que sobrevivem com a
persistência da obrigação, muito embora ocorram soluções
periódicas, até que, pelo implemento de uma condição ou
decurso de um prazo, cessa o próprio contrato; p. ex.: locação
de coisa ou de serviço e contrato de fornecimento de matéria-
prima;
3- Contratos de execução diferida ou retardada: são os que
devem ser cumpridos também em um só ato, mas em momento
futuro, p. ex. a entrega em determinada data do objeto
alienado.48
48 Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, p. 101.
54
O interesse prático desta classificação ocorre por diversas razões:
a) Aplicação da teoria da imprevisão (art. 478 a 480 CC);
b) Aplicação da exceptio non adimpleti contractus;
c) Efeitos da resolução do contrato (no de execução imediata a
nulidade ou resolução reconduz as partes ao estado anterior,
enquanto nos de execução continuada, respeitam-se os efeitos
já produzidos);
d) A prescrição da ação para exigir o cumprimento das prestações
vencidas, nos contratos de trato sucessivo, começa a fluir da
data do vencimento de cada prestação.49
Quanto à pessoa do contratante:
1- Contratos pessoais: são aqueles em que a pessoa do contratante
é considerada pelo outro como elemento determinante de sua
conclusão, são também chamados contratos intuitu personae.
2- Contratos impessoais: são aqueles em que a pessoa do
contratante é juridicamente indiferente.
Dois elementos nos chama a atenção nesta classificação: primeiro
a morte, que é para os contratos pessoais causa de extinção,
segundo a fungibilidade da prestação, os contratos pessoais são
infungíveis, assim o seu descumprimento leva à resolução do
contrato.
Alguns autores como Fábio Ulhôa também realizam esta
classificação:
Segundo o ramo jurídico de regência
49 Gonçalves, p. 102.
55
Contratos administrativos: Os contratos que possuem como uma
das partes uma pessoa jurídica de direito público são denominados
contratos da administração. Nem todo contrato da administração
pode ser classificado como contrato administrativo.
Há contratos que a administração pública celebra que são regidos
pelo direito privado, em que o poder público atua no mesmo plano
jurídico do particular. Exemplos: contratos de locação, compra e
venda, doação, etc.
Os contratos administrativos são uma modalidade de contrato
celebrado pela administração pública regulada pelo direito público,
lhe conferindo poderes especiais para assegurar a supremacia do
interesse público sobre o particular. Essas clausulas especiais são
denominadas clausulas exorbitantes.
A Lei 8.666 de 21/06/1993 enumera em seu art. 58 essas
prerrogativas da administração nos contratos administrativos, o
que inclui os poderes de alteração unilateral do contrato, rescisão
unilateral, fiscalização da execução do contrato, aplicação de
sanções, ocupação provisória de bens, pessoas e serviços
vinculados ao objeto do contrato.
Cabe a administração escolher se contratará utilizando as normas
de direito público (contratos administrativos) ou de direito privado,
nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho esclarece:
(..)Não se pode descaracterizar o contrato
de natureza privada, se foi este o tipo de
pacto eleito pela Administração, até
porque, se ela o desejasse, firmaria
contrato administrativo de concessão de
56
uso. Trata-se, pois, de opção
administrativa50.
Contrato de trabalho: A CLT define o contrato de trabalho no
artigo 442: “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou
expresso, correspondente à relação de emprego”.
Relação de emprego, por sua vez, está definida no artigo 3º da CLT.
Consiste na prestação de serviços por pessoa física para
empregador, desde que realizado com habitualidade, mediante
pagamento e sob ordens do empregador.
É na caracterização da relação de emprego que diferenciamos o
contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços. Se faltar
algum requisito para configurar a relação de emprego, não se trata
de contrato de trabalho.
A profissão não é um fator determinante para verificar se estamos
diante de um contrato de trabalho. Um advogado, por exemplo,
pode tanto trabalhar mediante contrato de trabalho (quando é
empregado de um escritório de advocacia ou de uma empresa),
como mediante prestação de serviços (quando é contratado para
cuidar de uma causa, realizar consulta jurídica, etc), a diferença
nesse caso está em obedecer ordens: o advogado que presta serviço
age conforme a sua vontade, não necessita de autorização para
escolher as horas que dedicará ao processo, que se dirigirá ao
fórum, ou para definir os processos prioritários.
O contrato de trabalho, via de regra, é um contrato de adesão, são
raros os casos de empregados que podem negociar livremente seu
contrato de trabalho. Normalmente o empregado simplesmente
adere às condições impostas pela empresa.
50 CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 24ª ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris. 2011. Pág. 175.
57
Há um nítido desequilíbrio de poder entre o empregado e o
empregador. Para corrigir esse desequilíbrio o contrato de trabalho
deve obedecer aos parâmetros mínimos estipulados pela legislação
trabalhista. Ou seja, não é permitido convencionar férias anuais
com duração de 10 dias, já um período de 45 dias é permitido.
Contrato de consumo (consumerista): O contrato de consumo já
foi definido anteriormente, para onde remetemos o leitor nesse
momento;
Contrato comercial: art. 966 CC (Os contratantes são todos
empresários, isto é, exercem profissionalmente atividade
econômica organizada para produção ou a circulação de bens ou
de serviços).
Segundo a liberdade de contratar
Voluntários
Necessários: ex. energia, água etc.
Ainda sobre a classificação dos contratos há algumas
denominações principalmente utilizadas pela doutrina, vamos citar
duas:
Contratos sob condição potestativa
Contrato consigo mesmo ou autocontrato.
CONTRATOS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS
1- Contratos principais: são os que existem por si, exercendo sua
função e finalidade independentemente de outro
58
2- Contratos acessórios: são aqueles cuja existência jurídica supõe
a do principal, pois visam assegurar a sua execução; p. ex.:
fiança, sub-locação.
OUTRAS CLASSFICAÇÕES
AUTOCONTRATO OU CONTRATO CONSIGO MESMO
CONTRATO SOB CONDIÇÃO POTESTATIVA
CONTRATO PRELIMINAR
59
6.0 FORMAÇÃO DO CONTRATO
Na realização de um contrato, via de regra, antecede-se vários
momentos. É claro que estes muitas vezes acontecem reunidos sem
que se possa muitas vezes distingui-los, mas se pudéssemos analisar
pausadamente esses momentos veríamos que a formação de um
contrato se divide em fases.
Desta forma o contrato é o resultado de uma série de fases, chamadas
de fases da formação do vínculo contratual, que são51:
Negociações preliminares
Proposta ou policitação
Aceitação
Conclusão
6.1 NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
A primeira fase identificada na formação do contrato são as
negociações preliminares, ou fase de puntuazione, para nós a fase
de pontuação.
Todos antes de contratar negociam, mesmo que solitariamente
analisando se devem ou não realizar aquele negócio.
Mas a negociação que chama a atenção para o direito é aquela que
ocorre bilateralmente, numa dinâmica de atos, conversas,
ponderações, análise do objeto contratado etc. Como bem resume
Carlos Gonçalves “O processo denominado negociações
preliminares nada mais é do que a dinâmica sucessão de propostas
51 Nesse ponto a doutrina consente, assim Maria Helena, Carlos Roberto, Pablo Stolze, Caio Mário...
60
não vinculativas e contrapropostas que paulatinamente leva ao
encontro de vontades”.
A grande discussão que se coloca atualmente em relação às
negociações preliminares é sobre o surgimento de obrigações nessa
fase: estariam as partes obrigadas a agir dentro de determinada
forma sob pena de responder por isso? Estariam obrigadas a
prestar determinadas informações sob pena de responsabilidade?
Estariam por fim obrigadas a contratar se não agissem de
determinada maneira?
A característica básica dessa fase no dizer de Pablo Stolze, é
justamente a não vinculação das partes a uma relação jurídica
obrigacional.52
Mas dizer que as partes não estão vinculadas a uma relação
jurídica obrigacional não quer dizer que não tenham obrigações.
Já se foi o tempo que negociar era um ato sem nenhuma
responsabilidade, hoje exige-se das partes um comportamento
condizente com o princípio da boa-fé objetiva: ou seja, exige-se que
as partes ajam de maneira ética, proba, que prestem as
informações necessárias para o negócio, que sejam leais.
Não se tolera mais a conta do levar vantagem, do fazer um bom
negócio ou mesmo do agir sem responsabilidade, causar dano a
outro, ou frustrar uma expectativa legítima que se criou na outra
parte.53
É por isso que sobram decisões judiciais em todos os Tribunais do
país e também nos tribunais superiores acatando condenações às
52 Novo Curso de Direito Civil, Vol. 4, Tomo 1, p. 131.
53 Com muita propriedade afirmam Stolze e Pamplona “Dizer, portanto, que há direito subjetivo de não
contratar não quer dizer que os danos daí decorrentes, não devam ser indenizados, haja vista que, como
vimos, independentemente da imperfeição da norma positivada, o princípio da boa-fé objetiva, também é
aplicável a esta fase pré-contratual, notadamente os deveres acessórios de lealdade e confiança recíprocos”.
Op. Cit., p. 131.
61
partes nesta fase da formação do contrato quando – apesar de não
obrigadas a contratar – deixaram de agir conforme os preceitos da
boa-fé objetiva.
Veja nesse caso:...
Também é de se observar que o rompimento das negociações
preliminares, ou tratativas, traz responsabilidades nos diversos
contratos, não só os contratos civis e de consumo, mas, como no
caso dessa interessante decisão, nos contratos trabalhistas:
“RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL - ARTS. 927, 186 E 187 DO CCB -
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - ARTS. 113, 187 E 422 DO CCB - TRATATIVAS
PRÉ-CONTRATUAIS - POLICITAÇÃO - CRIAÇÃO DE EXPECTATIVA DE
CONTRATAÇÃO FRUSTRADA POR ABUSO NO DIREITO DE CONTRATAR -
PRINCÍPIO DA APTIDÃO DA PROVA - DEVER DE INDENIZAÇÃO IMPOSITIVO
Consoante princípio da boa-fé objetiva, previsto nos arts. 113, 187
e 422 do Código Civil, aplicável à generalidade das espécies
contratuais, inclusive trabalhistas, as partes devem agir em
conformidade com parâmetros razoáveis de boa-fé, tratando o contratante
como parceiro e buscando relação de cooperação, boa-
fé objetiva esta que deve informar todas as fases do contrato, inclusive
as fases pré-contratuais. Logo, ainda que um dos pilares do direito contratual seja
o princípio da liberdade de contratar, quando verificado o abuso no exercício de tal
direito, possível se
evidencia a responsabilização civil quando da conduta abusiva decorrer
um dano a direito ou interesse da parte inocente. Demonstradas, no caso,
as tratativas empregatícias na sua fase pré-contratual - policitação-, bem assim
transgredido o dever das partes de agir de forma correta e honesta, antes, durante
e após a extinção da relação contratual - obrigação atualmente adotada
expressamente como cláusula geral no art. 422 do CC -, impositivo
o reconhecimento do direito ao ressarcimento pelo autor, não contratado
pela empresa que nele criou uma expectativa real nesse sentido. Sentença
reformada para se condenar a ré ao
pagamento de indenização a título de responsabilidade pré-contratual. TRT-
PR-00506-2008-024-09-00-5-ACO-27977-2008 -
4A. TURMA - Relator: SUELI GIL EL-RAFIHI - DJPR 08/08/2008”.
62
A boa-fé objetiva, como observado pela magistrada nesta decisão
trabalhista, é uma cláusula geral, aplicável a todas as relações
contratuais, não somente às relações civis.
6.2 PROPOSTA OU POLICITAÇÃO
Consiste a proposta, na oferta de contratar que uma parte faz à
outra, com vistas à celebração de determinado negócio.54
Se com relação às negociações preliminares não havia diferenças
entre os contratos civis e de consumo, com relação à proposta
existe, a começar pela terminologia que no CDC chama-se oferta.
Assim, comecemos pelo CC.
6.2.1 PROPOSTA NO CC
Dizem os autores que ela deve ser séria e concreta, para que
efetivamente possa se revestir de força vinculante, pois conforme,
o art. 427 do CC, a proposta de contrato obriga o proponente.
São consideradas suas características:
é uma declaração unilateral;
reveste-se de força vinculante;
é um negócio jurídico receptício (pois não é apenas uma
informação);
deve conter todos os elementos do negócio jurídico;
é elemento inicial do contrato.
Apesar de ser obrigatória, o próprio legislador retira a sua
obrigatoriedade quando nos arts. 427 e 428 estabelece que:
I- se o contrário não resultar dos temos dela(427);
II- se o contrário não resultar da natureza da obrigação (427);
54 Stolze, p. 132.
63
III- se o contrário não resultar das circunstâncias do caso (427);
IV- se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita.
Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por
meio de comunicação semelhante (428);
V- se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente
para chegar a resposta ao conhecimento do proponente (428);
VI- se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do
prazo dado (428);
VII- se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra
parte a retratação do proponente (428).
As 3 primeiras hipóteses, previstas no próprio art. 427, parecem
criar regras gerais, exceções baseadas até no bom senso dos
negócios.
A primeira estabelece que a proposta deixará de ser obrigatória se
o contrário não resultar dos termos dela: podemos exemplificar com
expressões comumente utilizadas em propostas, que nesse caso –
não obrigando- seria apenas informação: “não vale como proposta”;
“sujeita a confirmação”; “apenas para divulgação”.
A segunda estabelece que a proposta deixará de ser obrigatória se o
contrário resultar da natureza do negócio:
E, por último, a proposta deixará de ser obrigatória se o contrário
resultar das circunstâncias do caso: essa, por sua vez, parece ser
aquelas normas de encerramento, estabelecidas, para prevê outros
casos não citados pelo legislador.
O art. 428 por sua vez é uma norma que não faz sentido constar do
código e que a sua permanência só se explica, pela cômoda
reprodução de regras do CC anterior, mesmo que desprovidas de
aplicação prática ou de uma necessária atualização.
64
De uma atualização é o que necessitava o art. 428, pois o seu texto
no CC/16 tratava do envio de proposta por correspondência, fato
que não existe mais hoje, ou alguém imagina que uma pessoa envia
a outra uma proposta pelo correio? Se sim, é para estes que se
destina o art. 428, o que também poderia ter sido facilmente
resolvida pela própria exceção da parte final do art. 427 (quando as
circunstâncias do caso assim indicarem).
De qualquer maneira temos que dar um sentido a essas regras
aplicando-a a esse universo contratual que nos encontramos,
inclusive aos contratos cuja formação ocorre por meios eletrônicos.
O art. 428 do CC separa a proposta realizada entre pessoas
presentes (inter praesentes) e pessoas ausentes (inter absentes)
para estabelecer suas regras.
Seriam presentes as pessoas que contratam através de contato
direto e simultâneo, ou presentes fisicamente falando uma com a
outra ou, por exemplo através de telefone e seriam ausentes as
pessoas que não mantém contato direto e imediato entre si, como
as que contratam por carta.
Para as pessoas presentes estabelece apenas uma regra o
legislador, que sendo feito a proposta sem prazo e esta não for
imediatamente aceita, deixa de ser obrigatória (art. 428, I).
Para as pessoas ausentes estabelece as regras seguintes do art.
428, que dispensa comentários pois os artigos são excessivamente
explicativos.
6. 3.OFERTA NO CDC
O CDC em terminologia que lhe é mais apropriada refere-se a oferta
no lugar de proposta, pois esta parece sempre querer indicar um
65
destinatário certo enquanto aquela atinge um número
indeterminado de pessoas.
E trata com muito mais rigor da oferta, inserindo-a dentro do
Capítulo denominado PRÁTICAS COMERCIAIS (arts. 29 a 45).
Estabelece a lei em seu art. 30 que “Toda informação ou publicidade,
suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de
comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou
apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se
utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”
Por sua vez para o consumidor que for lesado no descumprimento
da oferta, surgem 3 possibilidades: exigir o cumprimento forçado
da obrigação; aceitar outro produto ou serviço ou rescindir o
contrato. (art. 35).
Veja, como dissemos acima, o CDC trata com mais rigor a oferta ou
mais propriamente a recusa da oferta, pois permite até mesmo o
cumprimento forçado do contrato e as outras possibilidades
representam apenas alternativas ao consumidor.55
Questão interessante é quando ocorre um erro no anúncio. Imagine
que uma grande loja varejista anuncie um produto por um preço
bem inferior ao de mercado, por um erro de digitação seja publicado
R$100,00 ao invés de R$1.000,00. Ela estaria mesmo assim
obrigada a cumprir a oferta?
Há decisões entendendo que nestes casos de erros grosseiros o
fornecedor não está obrigado a cumprir o contrato, pois, exige-se
não só do fornecedor mas também do consumidor que haja com
55 “Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou
publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua escolha: I- exigir o cumprimento forçado da
obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II- aceitar outro produto ou prestação de
serviço equivalente; III- rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente
antecipada, monetariamente atualizada, e as perdas e danos.”
66
boa-fé, aproveitar-se de um erro no anúncio para levar vantagem é
agir com deslealdade.56
E nos contratos civis, sendo também a proposta obrigatória,
haveria a possibilidade de se exigir o cumprimento forçado da
obrigação, por exemplo, através de uma ação de obrigação de fazer?
Não, isso não é possível nos contratos civis. Mesmo sendo a
proposta obrigatória, caso o proponente desista ou se arrependa do
negócio, não pode o aceitante, exigir, mesmo judicialmente o
cumprimento do contrato.
6.3 ACEITAÇÃO
Características:
I- não exige obediência a determinada forma (expressa ou
tácita);
II- a aceitação deve ser oportuna;
III- a aceitação deve corresponder a uma adesão integral;
IV- a resposta deve ser conclusiva e coerente (se for adicional
equivale a uma nova proposta)
Retratação do aceitante:
V- Art. 433 CC
56 Veja esta decisão de MG: “Compra e venda pela internet. Aquisição de bem móvel. Erro no anúncio.
Valor informado é inferior ao que realmente vale a mercadoria, o que impossibilitou a conclusão da compra
e entrega do bem adquirido. Pedido de indenização por dano moral e material, visto caracterização de
descumprimento do preceituado na legislação consumeirista quando da não entrega do produto, com a
inteligência dos arts. 30 e 31 do CDC. Indeferimento do pedido indenizatório ante a disparidade do valor
anunciado e o valor real do produto, ainda mais quando o consumidor é expert e saberia facilmente
identificar tal equívoco. O requisito da boa-fé exigido ao fornecedor também se aplica ao consumidor sob
pena de violação do princípio da boa-fé contratual e seu enriquecimento sem causa. (Ap. Cível n°
1.0701.12.014686-8/001- Uberaba – MG, j. 7/8/2013)
67
6.1 CONCLUSÃO
Assim, como ensina Fábio Ulhôa Coelho, o contrato nasce da
convergência da proposta e aceitação. É portanto, negócio jurídico
bilateral resultante do encontro de negócios jurídicos unilaterais.
Momento da conclusão:
Teorias:
6.1.1 teoria da informação ou cognição (quando o
ofertante tem ciência da aceitação);
6.1.2 teoria da agnição ou declaração:
6.1.2.1 declaração propriamente dita (o
aceitante formula a resposta);
6.1.2.2 expedição (o aceitante envia a resposta)(
art. 434, caput)
6.1.2.3 recepção (a resposta chega ao destino).
6.5 LUGAR DO CONTRATO
Por último estabelece o art. 435 do CC que “Reputar-se-á celebrado o
contrato no lugar em que foi proposto”.
Se para a conclusão do contrato parece ter adotado o legislador a
teoria da declaração, considerando a expedição da resposta, para o
lugar do contrato, prevaleceu o lugar da proposta.57
57 Conforme Maria Helena Diniz, o código civil, apesar de ter adotado, sob o ponto de vista do tempo, a
teoria da expedição da resposta, quanto ao lugar determinou que o contrato será tido como celebrado no
local em que se deu a oferta, in Curso, v. 3, p. 84.
68
Lembra a prof. Maria Helena Diniz, que o local do contrato é
especialmente importante para o direito internacional privado, pois
dele depende a apuração do foro competente e da lei à ser aplicada.58
Nesse sentido a LICC estabelece no art. 9°, §2° que a obrigação
resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o
proponente.
Mas, lembra-nos com propriedade o prof. Sílvio Venosa do princípio
da autonomia da vontade e dentro deste as partes contratantes podem
estabelecer a lei aplicável como também o foro competente para dirimir
litígios.59
Assim a regra da lei de introdução citada acima se aplicaria na lacuna
do contrato.
6.5.1 Foro de eleição nos contratos civil
Avulta de importância em matéria contratual a escolha das partes do
local competente para resolver os litígios oriundos do contrato,
conhecida esta como: CLÁUSULA DE FORO DE ELEIÇÃO.
Porém hoje em tempos de solução do conflito por meio extrajudicial
temos que lembrar da possibilidade das partes optarem pela
arbitragem, inserindo nesta caso a CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.
Nestes termos poderíamos para efeitos didáticos dividir a cláusula de
foro de eleição em judicial e extrajudicial.
JUDICIAL
FORO DE ELEIÇÃO{
EXTRAJUDICIAL (CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA)
58 Op. Cit., p. 84.
59 Direito Civil, V. II, p. 537.
69
A escolha das partes do local em que será resolvido o litígio é uma
prática extremamente comum nos contratos e autorizada pelo art. 111
do CPC.
Assim, poderia haver uma descoincidência entre o lugar do contrato e
o foro de eleição escolhido pelas partes, ou em outras palavras, poderia
se assinar o contrato em São Paulo e estabelecer o foro de eleição em
Curitiba.
Uma questão interessante seria a possibilidade de se invalidar uma
cláusula de foro de eleição que prejudicasse demasiadamente uma das
partes em detrimento da outra.
No Código de Defesa do Consumidor como veremos, isso é possível,
pois o foro de eleição não pode prejudicar a defesa do consumidor em
juízo.
Mas em se tratando de contrato civil a questão já fica um pouco mais
difícil, seja pela maior valorização da autonomia da vontade, que, em
última análise repercute numa intervenção menor do judiciário no
contrato.
Mas também não podemos esquecer que não há somente contratos de
adesão nas relações de consumo, as relações civis também tem se
tornado propícias a esse tipo de contratação, aquela visão do contrato
como objeto de uma negociação das partes, de tratativas, de minutas,
até desenhar o modelo definitivo do contrato, é uma visão quase que
romantizada deste, o contrato mesmo o civil é, via de regra, imposto
pela parte mais forte. Basta citarmos como exemplo os contratos de
locação, dificilmente o locatário consegue impor as suas condições no
contrato, principalmente quando há uma imobiliária contratada pelo
locador e intermediando o negócio.
Diz-se isso para que possamos refletir sobre o foro de eleição nos
contratos civis de adesão, aplicando-lhe por analogia os arts. 423 e
424 do CC.
70
Será que não podemos reconhecer como nula uma cláusula de foro de
eleição num contrato civil e de adesão que prejudica a parte lesada a
obter a reparação de seu direito?
É só imaginarmos um contrato de prestação de serviço onde uma
pequena empresa de informática presta para uma grande empresa
seus serviços. Por essa empresa ter várias filiais no país e matriz em
São Paulo, estabeleceu-se apesar do lugar do contrato ser Vitória-ES,
o foro de eleição em São Paulo. Havendo valores a receber pela
contratada, esta não poderia a despeito do foro de eleição contratual,
propor a ação em Vitória?
Acreditamos que sim, principalmente se isto não trouxer prejuízo para
a outra parte do contrato, mas trouxer prejuízo para a parte lesada
que quer buscar os seus direitos, nesse caso o lugar do contrato
poderia ser, em nossa análise, um foro concorrente.
Foro de Eleição Extrajudicial (CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA)
A Lei 9.307 que regulou a partir de 1996 a arbitragem no país dispôs
em seu art. 4° que “A cláusula compromissória é a convenção através
da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à
arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal
contrato”.
Sendo assim podem as partes optar pela solução arbitral do litígio do
contrato estabelecendo em uma cláusula esta possibilidade, desde que
nos termos do art. 1° da Lei o objeto envolva direitos patrimoniais
disponíveis.
Como dissemos acima, neste caso teríamos um foro de eleição
extrajudicial, pois o conflito neste caso não seria resolvido
judicialmente mas extrajudicialmente pela arbitragem.
71
Os contratos como regra envolvem direitos patrimoniais disponíveis,
pois os direitos indisponíveis não podem ser contratados, se bem que
a discussão sobre isso iria longe, pois cansamos de ver direitos
indisponíveis como os alimentos de menores serem contratados em
acordos judiciais.
Os direitos podem ser patrimoniais e não patrimoniais, podem ser
disponíveis e indisponíveis.
A lei uniu dois critérios, é necessário que seja patrimonial e disponível.
A isso se prestam a maioria dos contratos, contrato de locação,
contrato de compra e venda, contrato de prestação de serviço,
contratos de empréstimos etc
A cláusula compromissória por sua vez pode ser vazia ou cheia.
Vazia é a cláusula que apenas indica a arbitragem como forma de
solução dos litígios relacionados ao contrato, cheia é a cláusula que
além disso indica o órgão arbitral que irá solucionar o litígio (p. ex. a
câmara arbitral) ou indica o árbitro.
6.5.2 Foro de eleição nos contrato de consumo (art. 6, VIII)
6.6. PUBLICIDADE DO CONTRATO
Contrato de gaveta, negócio simulado (art. 167 CC)
72
7.0 EFEITOS DO CONTRATO (classificação segundo Maria
Helena Diniz):
O principal efeito do contrato consiste em criar obrigações,
estabelecendo um vínculo jurídico entre as partes contratantes.60
1- Efeitos jurídicos decorrentes da obrigatoriedade do contrato
Para Maria Helena Diniz da força vinculante dos contratos decorre:
a) Cada contratante fica ligado ao contrato, sob pena de execução
ou de responsabilidade por perdas e danos;
b) O contrato deve ser executado como se fosse lei para os que o
estipularam;
c) O contrato é irretratável e inalterável;
d) O juiz, ante a equiparação do contrato à lei, ficará adstrito ao
ato negocial.61
2- Efeitos do contrato quanto à sua relatividade { gerais e
particulares
Quanto aos efeitos do contrato do ponto de vista subjetivo, deve-se
lembrar:
a) O contrato em regra somente obriga as partes contratantes, não
alcançando terceiros, pois não lhes aproveita nem prejudica;
b) A obrigação contratual, exceto a personalíssima, é passível de
transmissão ativa e passiva aos sucessores a título universal e
particular das partes;
60 Curso de Direito Civil, p. 123.
61 in Diniz, Maria Helena, Curso, p. 124.
73
c) O princípio da relatividade sofre exceções, quando o contrato
ultrapassa as partes que nele intervierem, atingindo terceiros
que não o estipularam;
d) A eficácia do contrato também é relativa ao objeto, pois dele
surgem obrigações de dar, de fazer ou de não fazer.62
2.1 Efeitos gerais{ em relação aos contratantes
quanto aos seus sucessores { a título universal e a
título singular
relativamente a terceiros{ estipulação em favor de
terceiro
da promessa de fato de
terceiro
contrato com pessoa a
declarar
relatividade quanto ao objeto da obrigação
2.2 Efeitos particulares do contrato{ direito de retenção
exceptio non adimpleti contractus
vícios redibitórios
evicção
arras
7.1 EFEITOS GERAIS RELATIVAMENTE A TERCEIROS:
Terceiros no direito contratual são aqueles que não participaram
do negócio, e por isso o contrato não pode prejudicá-los.
Nesse aspecto as 3 figuras abaixo (estipulação em favor de terceiro;
promessa de fato de terceiro e contrato com pessoa a declarar)
62 Op. Cit. p. 124.
74
representam exceções ao princípio da relatividade dos efeitos do
contrato.
7.1.1 DA ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO
(art. 436-438)
“Dá-se a estipulação em favor de terceiro quando, num contrato
entre duas pessoas, pactua-se que a vantagem resultante do ajuste
reverterá em benefício de terceiro, estranho à convenção e nela não
representado”.63
Na estipulação de terceiro podemos verificar os seguintes
personagens:
estipulante – promitente – terceiro(beneficiário)
Onde:
Estipulante é o promitente a promessa em favor de
que obtém do terceiro
O exemplo clássico da estipulação em favor de terceiro é o seguro
de vida. Neste o contratante (estipulante) obtém do contratado
(seguradora/promitente) a promessa em favor de terceiro
(beneficiário do seguro).
Mas são também exemplos desse contrato: doação com encargo
(nas doações modais, o donatário se obriga para com o doador a
executar o encargo em benefício de certa pessoa) e os acordos
estabelecidos entre marido-mulher beneficiando o filho do casal na
separação de ambos.64
O terceiro (beneficiário) não é parte na contratação, mas pode exigir
o seu cumprimento, conforme art. 438, e aqui reside a
63 Sílvio Rodrigues, p. 91.
64 Por exemplo quando estabelecem que o imóvel que está financiado continuará sendo pago e ao final
será transferido ao filho.
75
peculiaridade deste contrato. O terceiro que sequer participou da
relação contratual – logo não é contratante – , e muitas vezes,
sequer tem conhecimento desse efeito que lhe favorece, torna-se
parte legítima para exigir o cumprimento do contrato.
Dessa forma surgem 3 efeitos desse contrato:
7.2 as relações entre estipulante e promitente
7.3 as relações entre promitente e terceiro
7.4 as relações entre estipulante e terceiro beneficiado
Art. 437- Se não constar esta cláusula a qualquer tempo o
estipulante pode exonerar o devedor e a exoneração do obrigado
equivale à revogação do negócio jurídico.
Art. 438 – Para Sílvio Rodrigues este artigo só se aplica quando
a estipulação for por liberalidade;
§ único, 436 – Para Venosa o texto não é suficientemente claro,
porque, ao anuir no contrato, deixa o estranho de ser terceiro.
E, mesmo que não tenha havido anuência, o promitente não
pode ser obrigado a cumprir mais do que se comprometeu.
7.1.2 DA PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO (art. 439-
440)
Há uma obrigação de fazer (conseguir ato de terceiro).
O promissário não beneficia terceiro, mas se responsabiliza por
uma prestação de terceiro. Pois ninguém pode vincular terceiro a
uma obrigação. A pessoa só se torna devedora de uma obrigação
ou por manifestação de sua própria vontade, ou por força de lei, ou
em decorrência de ato ilícito por ela praticado.
76
Mas não há iliceidade no ato do promitente, que apenas se vincula
a uma obrigação de fazer, ou seja, a de conseguir o ato de terceiro.
Promitente – contratante – terceiro
Art. 440 – A assunção da obrigação pelo terceiro libera o
promitente.
7.1.3 CONTRATO COM PESSOA A DECLARAR ( 467 a 471)
Um dos contratantes tem o interesse em fazer-se substituir por
pessoa cujo nome pretende ocultar, embora tal substituição possa
não ocorrer.
Ex. compromisso de compra e venda de imóveis, nos quais ao
promissário comprador atribui-se a faculdade de indicar terceiro
para figurar na escritura definitiva.
Cláusula pro amico eligendo
Stipulans – promittens- electus
*Efeitos gerais relativo ao objeto da obrigação
Em nosso direito o contrato não produz efeitos reais, translativos
de propriedade.
7.2 EFEITOS PARTICULARES:
VÍCIO REDIBITÓRIO E EVICÇÃO
As obrigações do alienante, do transmitente da coisa não terminam
com a entrega da res, esse realiza ao adquirente 3 garantias:
1- o transmitente abstém-se da prática de qualquer ato que
implique turbação do direito transmitido;
77
2- o transmitente garante que o adquirente não será turbado no
exercício do direito por atos espoliativos emanados de terceiros,
decorrentes de causas anteriores à transmissão (se o terceiro
triunfa e obtém a coisa para si, o alienante tem a obrigação de
indenizar o adquirente pela perda);
3- o alienante assegura a materialidade idônea da coisa,
garantindo o adquirente de vícios ocultos.
A lei preocupa-se, tradicionalmente, em disciplinar os vícios de fato
(redibitório) e de direito (evicção) na coisa transferida.
Quando falamos em vicio redibitório evicção referimo-nos não
somente à transmissão da propriedade mas também da posse,
assim o transmitente pode ser o vendedor, o locador, o comodante,o
doador etc.
Iniciemos com o vício redibitório.
Aqui temos uma diferença no tratamento do instituto em se
tratando de CC ou de CDC.
O CC tradicionalmente denomina este instituto como Vício
Redibitório, por sua vez, o CDC não se utiliza dessa denominação,
fala somente em Vício e Defeito.
Mas trata-se do mesmo instituto pois ambos visam proteger o
adquirente de um bem de suas imperfeições.
Iniciemos com o estudo do instituto no CC.
7.2.1 VÍCIO REDIBITÓRIO ( arts. 441 a 446)
Diz-se que a coisa é viciada quando apresenta alguma
impropriedade, capaz de prejudicar ou comprometer seu pleno uso
ou diminuir-lhe o valor.65 Ou seja, não é qualquer vício, mas um
65 Fábio Ulhôa Coelho, Curso de Direito Civil, v. 3, p. 133.
78
vício ou defeito oculto e não aparente. Para definir o vício oculto
leva-se em consideração o conhecimento do ‘homem médio’. Essa é
uma afirmação que prevalece para o CC e não para as relações de
consumo em que se aplica o CDC, que como veremos trata o vício
diferentemente.
A teoria dos vícios redibitórios visa aumentar as garantias do
adquirente sujeito a uma contraprestação, responsabilizando o
alienante pelos vícios ocultos do bem alienado. Presume-se que o
negócio não teria sido realizado, ou teria sido realizado de outra
forma se o adquirente soubesse do vício.66
Exemplos: automóvel que apresenta aquecimento excessivo do
motor;
prédio sujeito a freqüentes inundações em virtude das chuvas,
novilhas adquiridas para reprodução mas estéreis.
Como observa Venosa há legislação que disciplina este instituto
dentro da compra e venda, o nosso diferentemente generalizou a
sua aplicação.67
7.2.1.1 VÍCIO REDIBITÓRIO E ERRO
Apesar de aparentemente semelhante não pode ser confundido o
erro com o vício redibitório. Naquele o adquirente recebe uma coisa
por outra, o declarante forma uma convicção diversa da realidade,
a coisa em si não é viciada, o vício redibitório por sua vez decorre
da própria coisa, que é a verdadeiramente desejada pela parte, mas
66 Diz Maria Helena Diniz que o CC admitiu a teoria dos vícios redibitórios, a fim de aumentar as garantias
do adquirente sujeito a uma contraprestação, responsabilizando o alienante pelos vícios ocultos do bem
alienado, visto que o adquirente tem direito à utilidade natural da coisa.
67 Venosa, Direito Civil, V. II, p. 542.
79
o adquirente não toma conhecimento do defeito porque o vício está
oculto. Sílvio Venosa nos conta o seguinte exemplo: “quem compra
um quadro falso, pensando que é verdadeiro, incide em erro, quem
compra um quadro que apresenta fungos invisíveis, e, após a
aquisição vem a mofar, estará perante um vício redibitório.68
E daí, havendo erro, a regra jurídica aplicável é outra.
O erro é um dos defeitos do negócio jurídico previsto no art. do CC
e como tal gera a anulação do negócio jurídico no prazo de 4 anos,
conforme art. 178 do CC.
Anular um negócio é diferente de redibir, ou, mais ainda de exigir
abatimento no preço, são conseqüências jurídicas que não se
confundem.
Mas nem sempre é fácil perceber a diferença, principalmente
quando se pensa que conhecendo o defeito também não se
contrataria.
Veja esse interessante acórdão do TJDF que resolve uma questão
bem próxima:
Negócio jurídico. Hipótese de vício de consentimento, e não de vício
redibitório. Anulação do negócio. Indenização devida.Direito civil –
Compra e venda – Vício Redibitório – Inexistência – Vício de
consentimento – Omissão dolosa – Anulação do negócio. No vício
redibitório, o erro é objetivo, incidindo sobre a coisa que possui um vício
oculto. O fundamento repousa na obrigação que o alienante tem
legalmente de garantir ao adquirente o uso da coisa, desafiando a
interposição das ações edilícias. Já no caso do vício de consentimento, o
erro é subjetivo, opera-se na própria manifestação da vontade e rende
ensejo `a ação anulatória, cujo prazo decadencial é de quatro anos. Nos
termos dos arts. 138 e ss. do Código Civil, o vício de consentimento (erro,
dolo, simulação ou fraude, estado de perigo e lesão) caracteriza defeito do
68 Direito Civil, V. II, p. 543.
80
negócio jurídico, apto a dar ensejo à sua anulação. O dolo pode ser
definido como o artifício de que alguém se utiliza para induzir outrem a
praticar um ato jurídico que lhe é desfavorável. Para tanto exige-se que a
conduta dolosa tenha sido a causa determinante do ato jurídico e que
tenha tido intensidade e má-fé suficientes a justificar o engano da vítima.
Comete dolo, viciando a vontade negocial, aquele que aliena veículo
sinistrado, ocultando essa informação da parte adquirente, o que
determina a anulação do negócio com o retorno das partes ao status quo
ante. Recurso conhecido e não provido. ( Apelação Cível n°
2011011113332-2 – TJDF - 6ª Turma Cível. Julgamento 12/09/2012).
7.2.1.2 VÍCIO REDIBITÓRIO E INADIMPLEMENTO
CONTRATUAL:
Também difere o vício redibitório do inadimplemento contratual.
A garantia pode ser DIMINUÍDA, AMPLIADA ou RENUNCIADA.
A cláusula de exclusão da garantia pode limitar-se apenas a alguma
das qualidades da coisa, bem como pode excluir unicamente a
possibilidade de redibição, mantendo a ação estimatória, e vice-
versa.69
Requisitos:
coisa adquirida em virtude de contrato
comutativo ou de doação onerosa, ou
melhor, gravada com encargo
(translativo da posse e da propriedade
da coisa);
69 Venosa, op. Cit., p. 549.
81
vício ou defeito prejudicial à utilização
da coisa ou determinante de seu valor (
e não o menos excelente, o menos belo o
menos agradável);
defeito grave da coisa (não é portanto
qualquer falha que fundamenta o pedido
que visa responsabilizar o alienante por
vício redibitório;
vício oculto;
defeito já existente no momento da
celebração do ato negocial.
Conseqüências jurídicas:
a. A ignorância desses vícios pelo alienante
não o exime da responsabilidade (art.
443: o fundamento de sua
responsabilidade não é o seu
comportamento, mas tão-só a garantia);
b. Responsabilidade do alienante que
subsiste mesmo após a tradição (art.
444 CC);
c. Opção do adquirente (art. 442): a) ação
redibitória, b) ação estimatória ou quanti
minoris.
d. Prazo: C.C. : 30 dias = móvel; 1 ano=
imóvel
ii. CDC: 30 dias=bens não duráveis; 90 dias=bens
duráveis e 1 ano= imóvel.
82
a. Momento da contagem (caput do art.
445: conta-se da entrega efetiva);
b. Regra especial (§1º, art. 445) como
interpretá-la?
c. Impedimento de contagem do prazo
durante a cláusula de garantia (art. 446
CC).
Como deve ser interpretada a regra do art. 445, §1°? A sua leitura leva-
nos muitas vezes a uma percepção equivocada, seja do próprio objeto
– afinal se o vício redibitório é um vício oculto, que vício é esse que só
pode ser conhecido mais tarde? É um vício mais que oculto? – depois
quanto ao prazo, também o parágrafo permite alguma confusão –
haveria uma alteração do prazo do caput? Há limite para aparecimento
desse vício? Ou a qualquer momento em que ele aparecer o adquirente
teria mais 180 dias se móvel e 1 ano, se imóvel?
Não se pode dizer que se tem uma única resposta correta de um artigo
embaralhado como este, mas de acordo com a jurisprudência do
TJ/SP, entende-se que não há alteração do prazo estabelecido no
caput (30 dias – móvel e 1 ano – imóvel) apenas teríamos dois dias a
quo, o primeiro da tradição e o segundo do aparecimento do vício –
porém nesse caso, para que o alienante não se tornasse eternamente
responsável haveria um limite de 180 dias, para bens móveis.70
70 Conforme Apelação 9152014-35.2008.8.26.0000 decidida pela 31ª Câmara de Direito Privado de SP “A
correta compreensão do art. 445, §1° do Código Civil é de que esse dispositivo estabelece um dies a quo
para o início da contagem do prazo decadencial. A partir desse momento – 180 dias da tradição –
independente de conhecer o vício, inicia-se o prazo decadencial de 30 dias.
Mais que isso, a regra é supletiva, ou seja, somente vigora na hipótese de não conhecimento do vício. A
partir do momento em que ele se torna conhecido do adquirente, inicia-se a contagem do prazo.
O código civil estabelece prazo decadencial de 30 dias para reclamar de vício oculto de bem móvel
negociado em contrato comutativo, contado: 1- da data da tradição; 2- da data em que o adquirente tomar
conhecimento do vício quando este não puder ser conhecido de imediato, desde que esse conhecimento
ocorra em até 180 dias da tradição.”
83
Uma outra questão importante, ainda sobre os prazos é a observada
pelo prof. Nelson Nery Junior, que explica em seu CC comentado que
o prazo da ação redibitória é decadencial, pois se trata de uma ação
constitutiva negativa, porém o da ação quanti minoris é prescricional.71
Quando a coisa é alienada, consumida ou transformada ainda pode se
reclamar o vício redibitório?
Quem alienou não mais pode.
7.2.2 VÍCIO e DEFEITO NO CDC
Inicialmente podemos estabelecer duas diferenças na disciplina do
vício redibitório no CC e no CDC; a primeira é que para este diploma
há diferença entre VÍCIO e DEFEITO, a segunda é que diferencia-se os
chamados VÍCIOS OCULTOS dos VÍCIOS APARENTES OU DE FÁCIL
CONSTATAÇÃO.
Esta disciplina encontra-se no Capítulo IV do CDC, arts. 8 a 27.
Temos a categoria do defeito estabelecido nos arts. 12 a 17 e a dos
vícios estabelecida nos arts. 18 a 25.
Espécie
s
DEFEITO
(Responsabi
lidade pelo
fato do
produto e
do serviço)
VÍCIO (de
qualidade
ou
quantidade
que tornem
impróprios
ou
inadequado
VÍCIO (de
quantidade do
produto)
VÍCIO (de
qualidade
do serviço
que os
tornem
impróprios
ao consumo
ou lhes
71 P. 570.
84
s ao
consumo)
diminuam o
valor)
Discipli
na legal
Art. 12 -17 Art. 18 Art. 19 Art. 20
Opção
do
consum
idor
Substi
tuição
do
produ
to;
Restit
uição
da
quanti
a
paga;
Abati
mento
do
preço
Abatimen
to do
preço;
Complem
entação
do peso
ou
medida;
Substitui
ção do
produto;
Restituiç
ão da
quantia
paga
Reexe
cução
dos
serviç
os;
Restit
uição
da
quanti
a paga
Abati
mento
propo
rciona
l do
preço
Prazo 5 anos 30 dias –
produto não
durável
90 dias –
produto
durável
30 dias –
produto não
durável
90 dias –
produto
durável
30 dias –
produto não
durável
90 dias –
produto
durável
Início
da
A partir do
conhecimen
to do dano e
Vício
aparente – a
partir da
Vício aparente
– a partir da
entrega efetiva
Vício
aparente – a
partir da
85
contage
m
de sua
autoria (art.
27)
entrega
efetiva do
produto ou
do término
da execução
do serviço
(§1°, art. 26)
Vício oculto
– a partir do
momento
em que ficar
evidenciado
o vício (§3°,
art. 26).
do produto ou
do término da
execução do
serviço (§1°,
art. 26)
Vício oculto – a
partir do
momento em
que ficar
evidenciado o
vício (§3°, art.
26).
entrega
efetiva do
produto ou
do término
da execução
do serviço
(§1°, art. 26)
Vício oculto
– a partir do
momento
em que ficar
evidenciado
o vício (§3°,
art. 26).
Dever de informar: art. 12 e 20.
* Quando o adquirente aliena, consome ou transforma a coisa ficará
inibido de reclamar os vícios?
QUADRO COMPARATIVO DO CC E CDC NOS VÍCIOS E DEFEITOS:
CÓDIGO CIVIL CDC
Vício = Defeito Vício= impropriedade inócua que
não gera danos de monta ao
consumidor
86
Defeito= é a que o prejudica de
modo acentuado, ocasionando
acidentes de consumo.
2 opções: resolução do negócio
(ação redibitória) e redução
proporcional do preço (ação
estimatória)
As opções dependem da espécie
do vício (art. 18, 19 e 20).
30 dias (bem móvel)
1 ano (bem imóvel)
30 dias (produto ou serviço não-
durável)
90 dias (produto ou serviço
duráveis)
Indenização somente em caso de
culpa (CC art. 443)
Indenização subsiste mesmo sem
culpa (CDC, arts. 12, 14, 18, 19,
23).
7.3 EVICÇÃO (arts. 447 a 457)
Evicção é a perda da coisa, por força de decisão judicial, fundada
em motivo jurídico anterior, que a confere a outrem, seu verdadeiro
dono, com o reconhecimento em juízo da existência de ônus sobre
a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato (Maria
Helena Diniz).
O CC anterior trazia uma redação mais completa ao dizer que “Nos
contratos onerosos, pelos quais se transfere o domínio, posse ou
uso, será obrigado o alienante a resguardar o adquirente dos riscos
da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta
responsabilidade” (art. 1107).
87
Está presente em todo contrato oneroso, e não apenas na compra
e venda (vendedor, cedente, arrendante...): “Deve ser assegurado ao
adquirente que seu título é bom e suficiente e que ninguém mais
tem direito sobre o objeto do contrato, vindo a turba-lo, alegando
melhor direito”. (Venosa, p. 580)
Para que consista a garantia da evicção, é indispensável que ocorra
uma perturbação de direito, fundada em causa jurídica, porque as
perturbações de fato, devem ser protegidas pelo próprio adquirente,
assim como o vício deve ser anterior, pois se posterior ao negócio,
a responsabilidade é do novo titular, o adquirente.
Personagens da evicção:
EVICTOR (o vencedor que fica com a coisa) – EVICTO (o que se vê
despojado dela) – ALIENANTE .
Assim como no vício redibitório na evicção também a
responsabilidade do alienante independe de culpa.
Requisitos:
causa anterior;
sentença judicial (requisitos abrandado para também se
compreender as apreensões administrativas, realizadas, p.
ex, pela polícia em carros roubados);
Intervenção do alienante no processo em que o adquirente
é demandado (art. 456) * o art. 70, I, do CPC, disse menos,
porque a evicção não se limita à discussão de domínio.
Exclusão/diminuição/reforço da responsabilidade por evicção:
Ex. estabelecendo ainda cláusula penal (reforço)
88
Montante do direito do evicto (valor a ser indenizado):
Art. 450, § único, benfeitorias, art. 453 e 454.
Evicção parcial:
Ex. hipoteca
Evicção e Dação em pagamento
Art. 359 CC (“Se o credor for evicto da coisa recebida em
pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando sem
efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros”).
7.4 DIREITO DE RETENÇÃO
Conceito: direito de retenção é a permissão, concedida pela norma
ao credor, de conservar em seu poder coisa alheia, que já detém
legitimamente, além do momento em que a deveria restituir se o
seu crédito não existisse e, normalmente, até a extinção deste
(Arnoldo Medeiros da Fonseca, in Maria Helena Diniz).
O direito de retenção está assegurado:
a todo possuidor de boa-fé que tem direito à indenização
das benfeitorias necessárias ou úteis (art. 1219);
ao credor pignoratício (art. 1433, II e III);
ao depositário (art. 644, § único);
ao mandatário (art. 681);
ao cônjuge (art. 1652).
Para que se configure tal direito, será preciso que haja:
89
detenção de coisa alheia;
conservação dessa detenção (o direito como uma forma de
garantia será mantido enquanto o bem permanecer sob o
poder do retentor);
crédito líquido, certo e exigível do retentor, em relação de
conexidade com a coisa retida;
inexistência de exclusão legal ou convencional do direito
de retenção (ex. art. 1220, que nega ao possuidor de má-fé
o direito de retenção por benfeitorias).
7.5 EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS
Nesses contratos há uma dependência recíproca das prestações
que, por serem simultâneas, são exigíveis no mesmo momento.
Só é aplicável aos contratos bilaterais.
O fundamento desse princípio repousa no justo equilíbrio das
partes no cumprimento do contrato, fundamentalmente em razão
da equidade, portanto.72
Exceptio non rite adimpleti contractus – quando houver
cumprimento incompleto, defeituoso ou inexato.
Ex. Compra e venda de imóvel a prazo (deixa de pagar as
prestações, pois o imóvel não havia sido construído pela ré).
Solve et repete – apresenta-se como uma renúncia à exceção do
contrato não cumprido. Muito comum nos contratos
administrativos’
Não é possível imaginá-la nos contratos de consumo, pois feriria a
proibição do art. 51, IV do CDC.
72 Venosa, v. 2, p. 406.
90
O que o contratante pode fazer? Pode agir por meio de ação ou de
defesa.
Pode conforme art. 475 requerer a resolução do contrato, se não
preferir exigir o cumprimento ou caso seja acionado pelo outro
contratante, pode alegar em defesa esta exceção, que terá a
natureza de defesa indireta (fato impeditivo ou modificativo?).
Trata-se como dizem os autores de uma prejudicial de mérito.73
Todos os contratos bilaterais trazem essa chamada cláusula
resolutória implícita.
É também comum vermos a alegação de exceção de contrato não
cumprido como fundamento para a sustação de pagamentos em
cheques, em negócios parcelados.
7.6 ARRAS
Quantia em dinheiro ou outra coisa móvel fungível, dada por um
dos contraentes ao outro, a fim de concluir o contrato e,
excepcionalmente, assegurar o pontual cumprimento da obrigação
(quando no contrato for estipulado direito de arrependimento).
O sinal desempenha duplo papel na relação contratual. Em
primeiro lugar, e primordialmente em nossa lei, é uma garantia que
serve para demonstrar a seriedade do ato e tem a característica de
significar princípio de pagamento e adiantamento do preço. Em
segundo lugar, as arras podem servir de indenização em caso de
73 Em elucidante voto explica o juiz relator que “os contratos bilaterais, como é o caso do acordo discutido
nos autos, caracterizam-se pelo fato de que ambas as partes contratantes ocupam simultaneamente a posição
de credor de uma obrigação e devedor de outra. Essa é a razão pela qual uma das partes não pode, nessa
espécie contratual, exigir que a outra cumpra a obrigação sem que antes tenha cumprido a obrigação que
lhe compete. A exceção do contrato não cumprido é, portanto, modalidade de defesa que, nos contratos
bilaterais, o devedor inadimplente tem para opor ao também devedor inadimplente que figura como parte
na mesma relação contratual” (Des. Relator José Affonso da Costa Côrtes, no julgamento da Apelação
Cível n. 1.0145.07.431436-3/001,25/06/2009 TJ/MG).
91
arrependimento de qualquer dos contratantes, quando isto é
colocado e facultado na avença.74
Assim as arras podem ser:
CONFIRMATÓRIAS – art. 417
PENITENCIAIS – art. 420
74 Venosa, v. 2, p. 361
92
8 REVISÃO JUDICIAL DO CONTRATO
Tema bastante relevante na teoria geral dos contratos é a
possibilidade do juiz rever o contrato? Até onde vai esta atuação
revisional? É possível ao juiz mudar o contrato? Alterar as suas
cláusulas? Ou, constatando a sua irregularidade poderia somente
resolvê-lo?
A solução destas questões também aponta para uma diferença entre
os contratos civis e de consumo.
Um das principais teses que justificam a revisão judicial dos
contratos é a teoria da imprevisão.
Esta pode ser definida como ...
Aplica-se a teoria tanto as relações civis quanto consumeristas?
A resposta é negativa.
QUADRO COMPARATIVO
TEORIA DA
IMPREVISÃO
Previsão Legal Requisitos
CC Art. 478 Superveniência +
Imprevisibilidade +
onerosidade excessiva
CDC Art. 6°, V Superveniência +
Onerosidade excessiva
Há várias situações em que discute-se a aplicação da teoria da
imprevisão. Seria possível aplicá-la em caso de desemprego? Haveria
93
diferença se o emprego fosse privado ou público? E em caso de morte?
Para todas há decisões judiciais, a maioria negando a aplicação. 75
75 “REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS – TEORIA DA IMPREVISÃO – ALTERAÇÃO
DAS CIRCUNSTÂNCIAS OBJETIVAS DO CONTRATO – DESEMPREGO – FATO SUBJETIVO E
PESSOAL – INAPLICABILIDADE. Apenas os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que
alterem as circunstâncias objetivas do contrato, sejam alheios às partes e tornem as prestações contratadas
excessivamente onerosas para uma delas, autorizam a revisão das cláusulas contratuais. Tratando-se o
desemprego de fato subjetivo e pessoal, sua ocorrência, por si só, não autoriza a revisão das cláusulas
contratuais. (Ap. Cível, n° 1.0701.05.107068-1/001, Uberaba)
94
9 EXTINÇÃO DA RELAÇÃO CONTRATUAL
As obrigações têm como característica fundamental seu caráter
transitório. O contrato nasce para um dia ser extinto. Não existe
obrigação perene, a permanência é característica dos direitos reais.
Nesse sentido Humberto Theodoro Junior assinala que “ao contrário
dos direitos reais, que tendem à perpetuidade, os direitos
obrigacionais gerados pelo contrato caracterizam-se pela
temporalidade. Não há contrato eterno. O vínculo contratual é, por
natureza, passageiro e deve desaparecer naturalmente, tão logo o
devedor cumpra a prestação prometida ao credor”76
Como o fim normal do contrato é o seu cumprimento, cumprida a ou
as obrigações nele estabelecidas do devedor tem direito à quitação, que
nos termos do art. 320 do CC sempre poderá ser dada por instrumento
particular.
Devemos também lembrar que o pagamento nos negócios pode ocorrer
por meios indiretos como a dação, novação, compensação.
Extinção, Resolução, Resilição, Rescisão, Revogação são termos
utilizados pela doutrina para apontar o desfazimento da relação
contratual, quando esta ocorre de modo anormal, ou seja, sem ter
alcançado o seu fim.
O contrato, como dissemos, pode ter uma extinção normal ou não. A
extinção normal de um contrato se dá com a sua execução.
76 Apud Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, V. 3, p. 176.
95
Alguns autores dividem as causas de extinção do contrato em causas
anteriores ou contemporâneas à formação do contrato e causas
supervenientes à formação do contrato.77
ANTERIORES OU CONTEMPORÂNEAS:
1- Nulidade {
1.1 Nulidade relativa (art. 171-172 a 174)
1.2 Nulidade absoluta (art. 166, I a VII e 167 – 169)
2- Condição resolutiva (art. 475 a 476){
2.1 Tácita
2.2 Expressa
3- Direito de arrependimento (art. 420, art. 49 L. 8.078/90)
SUPERVENIENTES:
1- Resolução por inexecução voluntária do contrato
2- Resolução por inexecução contratual involuntária
3- Resolução por onerosidade excessiva
4- Resilição bilateral ou distrato
5- Resilição unilateral
6- Morte de um dos contratantes
9.1 CAUSAS ANTERIORES OU CONTEMPORÂNEAS
9.1.1 Nulidade absolula ou relativa (nulidade e anulabilidade)
Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves, a nulidade absoluta decorre
de ausência de elemento essencial do ato, com transgressão a preceito
77 Como Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves.
96
de ordem pública, impedindo que o contrato produza efeitos desde a
sua formação (ex tunc).78
O pronunciamento da nulidade pode ser requerido em juízo a qualquer
tempo, por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público, e
pode ser declarada de ofício pelo juiz (art. 168, CC).
Se a hipótese for de anulabilidade, haverá prazo para seu
reconhecimento e os efeitos deste não retroagirão. Só poderá ser
argüida pela parte prejudicada e não pode ser declarada de ofício pelo
juiz (art. 177, CC).
As hipóteses de anulabilidade advém, como observa Carlos Roberto
Gonçalves, da imperfeição da vontade: ou porque emanada de um
relativamente incapaz não assistido, ou porque contém algum dos
vícios do consentimento.79
9.1.2 Cláusula Resolutiva
A cláusula resolutiva representa a possibilidade atribuída ao
contratante de desfazer o contrato, ou seja, resolvê-lo diante do
inadimplemento do outro.
Não tem sentindo obrigar o contratante a permanecer em uma relação
contratual que está sendo descumprida.
Esta faculdade – de pedir a resolução do contrato – pode ser expressa
ou implícita, daí dizer o legislador no art. 474 que a cláusula resolutiva
expressa opera de pleno direito e a tácita depende de interpelação
judicial.
Aqui já chegamos em um ponto controverso: é necessário o
pronunciamento judicial para se operar a resolução do contrato?
Mesmo no da cláusula resolutória expressa?
78 Direito Civil Brasileiro, V. 3, p. 177.
79 Op. Cit., p. 178.
97
Para Carlos Roberto Gonçalves sim, em ambos os casos, diz o autor,
tanto no de cláusula resolutiva expressa ou convencional, como no de
cláusula resolutiva tácita, a resolução deve ser judicial, ou seja,
precisa ser judicialmente pronunciada.80
Outra questão interessante que envolve a sua resolução é quando o
devedor cumpriu uma grande parte do contrato, ou seja, quando
houve um adimplemento substancial. Neste caso, havendo
inadimplemento, poderia o credor exigir a sua resolução?81
9.1.3 Direito de Arrependimento
Quando previsto expressamente no contrato – pois não se presume –
o arrependimento autoriza qualquer das partes a extinguir o negócio.
Aquele que deu causa ao arrependimento, se no contrato tiver havido
arras, perderá o sinal ou devolverá em dobro (art. 420 CC).
O direito de arrependimento dever ser exercido no prazo estabelecido
pelas partes ou antes de sua execução, pois havendo esta, presume-
se que houve renúncia a este direito.
O CDC prevê modalidade de arrependimento, disposta no art. 49,
quando a contratação se der fora do estabelecimento comercial.
9.2 CAUSAS SUPERVENIENTES
O termo RESILIÇÃO, importado do direito francês, é a cessação do
vínculo contratual pela vontade das partes. A resilição bilateral é o
distrato mencionado no art. 472 do CC.
Já a RESCISÃO implica a noção de extinção da relação contratual por
culpa (geralmente quando uma parte imputa à outra o
80 Direito Civil Brasileiro, v. 3, p. 181.
8181 Para Carlos Roberto Gonçalves, o adimplemento substancial do contrato, todavia, tem sido reconhecido,
pela doutrina, como impedimento à resolução unilateral do contrato. Sustenta-se que a hipótese de resolução
contratual por inadimplemento haverá de ceder diante do pressuposto do atendimento quase integral das
obrigações pactuadas, ou seja, do incumprimento insignificante da avença, não se afigurando razoável a
sua extinção como resposta jurídica à preservação e à função social do contrato (CC art. 421), in op. Cit. p.
179.
98
descumprimento de um contrato, pede a rescisão em juízo e a
sentença decreta-a).
9.2.1 RESILIÇÃO UNILATERAL
Há contratos em que sua natureza permite que a parte dê por finda
unilateralmente a relação. Isso ocorre nos contratos em que o
elemento confiança assume um papel de relevante importância, ex.
comodato, mandato, depósito.
Também nos contratos de trato sucessivo, de execução continuada,
quando por prazo indeterminado permitem que mediante denúncia
prévia, sejam resilidos.
*Art. 473
9.2.2 CLÁUSULA RESOLUTÓRIA
O termo resolução é geralmente reservado, como nos ensina Sílvio
Venosa, para as hipóteses de inexecução do contrato por uma das
partes. Essa inexecução pode ser culposa ou não.
Mas quando existe o dever de indenizar o termo rescindir é mais
apropriado.
A inexecução da obrigação importa automaticamente na rescisão do
contrato, sujeito o faltoso às perdas e danos.
“Uma vez convencionada a condição resolutiva expressa, o contrato
rescindir-se-á automaticamente, fundando-se no princípio da
obrigatoriedade dos contratos, justificando-se quando o devedor
estiver em mora” (MHD, Código Civil Anotado)
9.2.3 RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA
Cláusula rebus sic standibus.
99
Teoria da equivalência contratual.
Pode se entender essa cláusula, conforme Maria Helena Diniz, como a
possibilidade da parte lesada no contrato por aqueles eventos
supervenientes, que alteram profundamente a economia contratual,
desequilibrando as prestações recíprocas, poderá evitar
enriquecimento sem causa ou abuso de direito por desvio de finalidade
econômico-social, sob a falsa aparência de legalidade, desligar-se de
sua obrigação, pedindo a rescisão do contrato, ingressando em juízo
no curso da produção dos efeitos do contrato.
Requisitos:
1- vigência de um contrato comutativo de execução continuada;
2- alteração radical das condições econômicas no momento da
execução do contrato, em confronto com as do instante de sua
formação;
3- onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício
exagerado para o outro;
4- imprevisibilidade e extraordinariedade daquela modificação.
100
10 RESPONSABILIDADE PRÉ E PÓS-CONTRATUAL
Os contratos devem ser cumpridos sob pena de responsabilidade.
Essa idéia é comum a todos. Diz-se que o contrato é lei entre as partes,
pacta sunt servanda.
Sendo assim a responsabilidade contratual sempre foi um assunto
tratado pelo nosso legislador na matéria relativa ao inadimplemento
das obrigações.
Ao descumprir uma obrigação estabelecida em um contrato sabe-se
que poderá incidir os efeitos do inadimplemento, mora, perdas e
danos, juros, cláusula penal e arras. “Não cumprida a obrigação,
responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e
honorários de advogado”, nos diz o art. 389 CC.
Mas junto a esta idéia surgem duas novas, uma responsabilidade que
surge ainda nas tratativas de negociação e outra que perdura após o
término do contrato, a essas tem-se chamado responsabilidade pré-
contratual ou culpa in contrahendo e responsabilidade pós-contratual
ou culpa post pactum finitum.
Sobre estas responsabilidades trataremos neste capítulo.
10.1 Responsabilidade e obrigação
Podemos iniciar estabelecendo a diferença entre responsabilidade e
obrigação, tão comumente confundidas.
Obrigação é o vínculo jurídico estabelecido entre credor e devedor cujo
objeto é uma prestação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa. É
clássica a definição de Justiniano nas Instituas de que obligatio est
juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei,
secudum nostrae civitatis jura (a obrigação é um vínculo jurídico que
nos obriga a pagar alguma coisa, ou seja, a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa).
101
Também se conceitua obrigação como a relação jurídica, de caráter
transitório, estabelecida entre devedor e credor, cujo objeto consiste
numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo
primeiro ao segundo.
Sendo assim o conceito de obrigação sempre esteve relacionado a uma
prestação devida pelo devedor ao credor, a fonte por excelência desta
obrigação é o contrato, mas também os atos unilaterais, e para alguns,
também a lei.
A responsabilidade surge como um segundo momento dessa relação,
quando não cumprida a obrigação.
Os dois termos se confundem pois responsabilidade também nos dá a
idéia de obrigação, muitas vezes nos dizemos responsáveis como
sinônimo de obrigados (p. ex. isso é minha responsabilidade
significando também, isso é minha obrigação).
E em certo sentido realmente se assemelham, mas no sentido jurídico
devemos estabelecer sua diferença e assim saber que obrigação refere-
se à relação estabelecida entre credor e devedor para uma prestação
que se descumprida surgirá a responsabilidade.
10.2 Responsabilidade civil: contratual e extracontratual
Quando distinguimos a responsabilidade contratual da extracontratual,
estamos diferenciando o dever que foi violado: um dever oriundo do
contrato (art. 389 CC) ou um dever geral de não causar dano a outrem
(art. 927 CC).
Para Cavalieri, “esse dever, passível de violação, pode ter como fonte uma
relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de
contrato, ou, por outro lado, pode ter por causa geradora uma obrigação
imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei.”
Assim afirmamos que uma responsabilidade é contratual quando ela
surge do descumprimento do contrato e afirmamos que uma
responsabilidade é extracontratual ou aquiliana quando ela surge do
cometimento de um ato ilícito.
102
Claro que apesar de aparentemente simples, saber se há ou não um
contrato pré-existente entre as partes para definir se a responsabilidade
é contratual ou extracontratual, nem sempre se afigura tão fácil esta
distinção.
Por exemplo, um acidente de trânsito que causa dano em um passageiro
de um carro, que tinha pegado carona com seu colega. É uma
responsabilidade contratual ou extracontratual? Há um contrato de
transporte entre as partes?
A mesma questão se coloca nos dois temas que iremos aqui discutir. Um
dano provocado nas tratativas negociais, é uma responsabilidade
contratual ou extracontratual? E um dano causado por uma conduta
indevida realizada posterior ao contrato, é uma responsabilidade
contratual ou extracontratual?
Não são questões simples de se resolver mas devem ser enfrentadas,
comecemos com a responsabilidade contratual.
10.3 Responsabilidade contratual
A responsabilidade contratual nasce do descumprimento de um contrato.
É então requisito inicial desta responsabilidade que haja um contrato
entre as partes e que este seja válido.
O descumprimento do contrato pode dar-se de várias formas: pelo
devedor ou pelo credor pode ser absoluto ou relativo, pode ocorrer com
ou sem culpa.
Os arts. 389 a 420 do Código Civil cuidam do inadimplemento das
obrigações.
Há inadimplemento absoluto quando não há mais utilidade no
cumprimento da obrigação para o credor, há inadimplemento relativo ou
mora, quando ainda é útil o cumprimento da obrigação para o credor.
Os elementos da responsabilidade contratual são os mesmos da
responsabilidade civil: culpa →dano → nexo causal.
103
É necessário que haja culpa para que surja o dever de indenizar, mas é
necessário que haja prejuízo a ser indenizado e por último é necessário
que haja nexo causal entre esses elementos, ou seja, que o dano seja
oriundo do descumprimento do contrato.
Devemos porém lembrar que a culpa civil não se identifica com a penal,
o seu sentido é mais abrangente e abrange, inclusive, o dolo.
Como para o direito civil a responsabilidade está ligada com a reparação
do prejuízo, esta é a sua preocupação, logo, importa, o prejuízo e não a
conduta do agente, pois se com dolo ou culpa o dano foi o mesmo, é este
que deve ser indenizado. Para o direito penal a responsabilidade está
relacionada com a conduta, e esta que será sancionada, importa saber se
a conduta foi culposa ou dolosa.
Assim para o direito civil, deixar de cumprir um contrato já é agir
culposamente, só não haverá culpa se o descumprimento ocorreu por um
caso fortuito ou de força maior, ou ainda se o descumprimento foi do
credor.
Os contratos podem já prevê os efeitos do inadimplemento estabelecendo
juros, cláusula penal e arras.
Neste caso não haverá necessidade de provar o prejuízo, pois este já foi
pré-estabelecido contratualmente.
Se as partes estabeleceram num contrato uma cláusula penal (multa)
para o caso de descumprimento quando este ocorrer a pena incidirá
automaticamente sem necessidade de provar o prejuízo, este como
dissemos, já foi pré-estabelecido pela cláusula.
É por isso que diz o código no art. 416, caput, “Para exigir a pena
convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”.
Também se numa obrigação de pagamento foram estabelecidas pelas
partes juros moratórios (pelo atraso), ou mesmo se não estabelecidos,
diante deste os juros incidirão automaticamente, independente da prova
do prejuízo. É o que estabelece o art. 407: “Ainda que se não alegue
prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às
104
dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que
lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento,
ou acordo entre as partes.”
Por isso, quando estes efeitos já estiverem pré-fixados num contrato, o
credor só deverá alegar seu descumprimento. O devedor, por sua vez, é
que deverá provar que o descumprimento não se deu por culpa.
Caso não haja esta pré-fixação no contrato, quando ocorrer o
descumprimento deverá o credor alegar o descumprimento e também o
prejuízo, que para ser indenizado deverá ser provado. O devedor por sua
vez neste caso poderá provar que o descumprimento não se deu por sua
culpa ou que não houve prejuízo.
10.4 Responsabilidade pré-contratual
Que o contrato gera responsabilidade este é um pensamento comum,
como dissemos no início deste artigo, todos que contratam sabem que
este deve ser cumprido sob pena de responsabilidade, pacta sunt
servanda.
Por mais que a força do contrato não seja a mesma do passado, havendo
cada vez mais considerações a ser feitas acerca da sua validade e da sua
exigibilidade diante de cláusulas abusivas, de fatos imprevistos etc, todos
sabemos que devemos cumpri-los, afinal ele foi o pacto de nossa vontade.
Mas pensar em uma responsabilidade que surge quando ainda não
contratamos, quando ainda estamos na fase das negociações
preliminares, é um pensamento novo.
Não tão novo assim, pois a tese da culpa in contrahendo ou
responsabilidade pré-contratual surgiu na Alemanha em 1861 sob a pena
de Rudolf Von Ihering.
A aceitação desta teoria repercutiu fortemente no mundo ocidental,
sendo prevista na Alemanha, na Itália, em Portugal.
105
No Brasil apesar de inicialmente rechaçada, como nos conta Rogério
Doninni82, após a obra de Antônio Chaves de 1959 com esse título
“Responsabilidade pré-contratual” passou esta a ganhar larga aceitação.
O CC de 2002 inovando em seu texto dispõe expressamente no art. 422
que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
A boa-fé, aqui objetiva, é o elemento central desta teoria. Pois diz-se que
pela boa-fé nos surgem os chamados deveres de conduta, e que devem
estar presentes também nesta fase pré-contratual. Assim informar, ser
leal, transparente na negociação são deveres exigidos de todos os que
contratam.
Discute a doutrina se esta responsabilidade é contratual ou extra-
contratual. A primeira corrente é mais aceita, pois argumentam seus
autores, que por ainda não haver contrato a responsabilidade não
surgiria de um vínculo entre as partes, mas do dever geral de não
prejudicar outrem. A segunda corrente encontra menos adeptos, mas tem
entre seus defensores Antônio Junqueira de Azevedo, para quem a
responsabilidade civil pré-contratual, embora provenha de um ato ilícito,
resulta da quebra de um dever específico de boa-fé, motivo pelo qual a
responsabilidade seria contratual e não extracontratual.83
Esta tese nos parece ser a mais acertada. Devemos entender que mesmo
na fase das negociações preliminares já existe um vínculo entre as partes,
impondo a estas deveres de conduta.
Sílvio Venosa aborda o tema da responsabilidade pré-contratual sob dois
elementos: da recusa em contratar e do rompimento das negociações
preliminares.
82 Responsabilidade pós-contratual, p. 53.
83 Revista de Direito do Consumidor, p. 23.
106
Com relação ao primeiro nos diz o autor que quem se recusa a contratar,
pura e simplesmente, ou quem, injustificadamente, desiste de contratar
após iniciar eficientes tratativas, pode ser obrigado a indenizar.
A recusa injustificada na venda ou prestação de serviços pode inclusive
representar um abuso de direito.84 Se alguém se propôs a vender um
bem, não pode simplesmente recusar a venda a alguém sem nenhum
motivo justificado. Se isto nas relações civis já é certo, mais ainda nas
relações de consumo, onde a oferta obriga o consumidor (art. 35 CDC).
Com relação ao segundo elemento, rompimento das negociações
preliminares, observa Venosa que há necessidade de que o estágio das
preliminares da contratação já tenha imbuído o espírito dos postulantes
da verdadeira existência do futuro contrato.
Não é o rompimento de qualquer negociação, mas daquela que já tinha
provocado na parte a expectativa razoável do contrato.
Dário Vicente nos coloca uma questão para começarmos a refletir sobre
a responsabilidade pré-contratual sob o prisma do rompimento das
negociações preliminares: suponhamos que um empresário estabelecido
em Porto Alegre convida um colega do Recife a viajar até àquela cidade, a
fim de negociarem um contrato. O convidado apanha um avião, aluga um
automóvel e instala-se a expensas suas num hotel. Quando chega ao
escritório do anfitrião, este informa-o de que celebrou o contrato com um
terceiro duas semanas antes. Pode o empresário pernambucano exigir do
gaúcho o reembolso das despesas que fez tendo em vista a conclusão do
referido contrato? E pode, além disso, reclamar uma indemnização por
ter perdido a oportunidade de celebrar o mesmo contrato com um
terceiro?85
A resposta é positiva diante dos elementos da responsabilidade pré-
contratual, pois não agiu com lealdade o empresário de Porto Alegre ao
84 “Art, 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
85 A responsabilidade pré-contratual no Código Civil brasileiro de 2002, p. 3.
107
deixar de informar que também estava negociando com outra pessoa esse
negócio e, mesmo que já tinha fechado negócio com este.
Venosa também no caso do rompimento das negociações preliminares
diferencia as relações civis e consumeristas. Na relação civil, não pode a
parte exigir o implemento do contrato que não foi realizado, apenas a
responsabilidade diante de seu desfazimento, mas na relação
consumerista, dada a vinculação da oferta ao fornecedor, o consumidor
pode exigir deste o implemento do contrato (art. 35, I, CDC).
10.5 Responsabilidade pós-contratual
É possível após o término do contrato continuar havendo deveres entre
as partes? É possível uma exigir da outra uma conduta, e diante da não
observância desta conduta responsabiliza-la?
São estas algumas das questões que se colocam ao discutir a
responsabilidade pós-contratual, ou culpa post pactum finitum.
Como nos relata Rogério Doninni, a idéia de responsabilizar uma pessoa
após a extinção de uma relação obrigacional, mesmo estando cumprida
a prestação, não é recente. Todavia, no plano mundial, a doutrina e a
jurisprudência acerca desse tema são extremamente escassas.86
A tese, assim como a da responsabilidade pré-contratual, surgiu na
Alemanha em 1910, conforme também nos informa o autor, mas o marco
de seu acolhimento deu-se em 1925, quando o Reichsgericht (RG) decidiu
que, após o término de uma cessão de crédito, o cedente deveria
continuar a não impor obstáculos ao cessionário. No ano seguinte, nova
decisão aplicou essa teoria ao determinar, findo um contrato de edição,
que o titular dos direitos de publicação (no caso os herdeiros de Flaubert)
estava impedido de fazer concorrência ao editor, por meio da publicação
de novas edições, enquanto não esgotadas as anteriores.87
86 Responsabilidade pós-contratual, p. 85.
87 Op. cit., p. 85.
108
Seu principal fundamento também está na boa-fé objetiva, que como
cláusula geral de nosso sistema, é interpretada no direito contratual,
como uma exigência (dever) das partes se portarem, como lealdade,
confiança, proteção. E esses deveres não são exigidos somente durante a
execução do contrato, mas antes e também depois.
Imagine que um químico tenha sido contratado para prestar serviço em
uma empresa de cosméticos e após findo seu contrato, revela segredos
desta empresa à concorrente. Esta conduta é permitida? Mesmo que o
contrato não estabelecesse essa proibição poderíamos afirmar que
haveria uma responsabilidade deste químico?
E, agora imagine uma empresa de roupas que contrata um estilista
famoso para fazer sua coleção de inverno, e este após o término de sua
prestação de serviço, vende os mesmos modelos a outra empresa?
Nos dois casos chama atenção a conduta antiética, mas isso tem proteção
no direito, principalmente no direito contratual?
Sim, pela doutrina da responsabilidade pós-contratual, nos dois casos
surgem responsabilidades das partes que infringiram deveres de
conduta.
Caso esta conduta já estivesse prescrita contratualmente ou por lei
chamaríamos então de pós-eficácia aparente.88
O art. 422 do CC que fundamenta legalmente a responsabilidade pré-
contratual, também é utilizado como fundamento da responsabilidade
pós-contratual, apesar de receber críticas por ter deixado de constar esta
expressão – pós-contratual- , é por isso que o Projeto n°6.960/2002
propõe alterar sua redação para o seguinte texto:
“Os contratantes são obrigados a guardar, assim nas negociações
preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-
88 “É mister esclarecer, contudo, que se o dever de informação, proteção ou lealdade estiver previsto em
lei, de maneira específica e que se enquadre ao caso concreto, ou ainda contratualmente, não será hipótese
de responsabilidade pós-contratual, mas exato cumprimento de determinação legal que estende os efeitos
do contrato, ou disposição contratual que estende uma certa produção de efeitos. A mera produção de efeitos
para o momento posterior à celebração do contrato não configura a responsabilidade pós-contratual, ao
menos segundo o enfoque aqui tratado.”, op. cit. p. 102.
109
contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo o mais que resulte
da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da
eqüidade”.
10.6 Conclusão
Concluímos este breve estudo observando que a responsabilidade
contratual não decorre somente do cumprimento do contrato, mas de
seus deveres acessórios baseados na boa-fé objetiva, que impõe aos
contratantes pautar-se no momento de suas negociações preliminares
com lealdade, proteção, informação para que o contrato corresponda
exatamente aquilo que foi pretendido pelas partes e não frustre suas reais
expectativas, assim também, para que o contrato forneça a segurança
esperada pelas partes mesmo após o seu término.
110
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