Apostila Unisul Didatica II

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Universidade do Sul de Santa Catarina Palhoça UnisulVirtual 2007 Didática II Disciplina na modalidade a distância

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Palhoça

UnisulVirtual

2007

Didática IIDisciplina na modalidade a distância

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Créditos

Unisul - Universidade do Sul de Santa CatarinaUnisulVirtual - Educação Superior a Distância

Campus UnisulVirtualAvenida dos Lagos, 41 Cidade Universitária Pedra BrancaPalhoça – SC - 88137-100Fone/fax: (48) 3279-1242 e3279-1271E-mail: [email protected]: www.virtual.unisul.br

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Design InstrucionalDaniela Erani Monteiro Will (Coordenadora)Carmen Maria Cipriani PandiniCarolina Hoeller da Silva BoeingFlávia Lumi MatuzawaKarla Leonora Dahse NunesLeandro Kingeski PachecoLigia Maria Soufen TumoloMárcia LochViviane BastosViviani Poyer

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Tecnologia

Osmar de Oliveira Braz Júnior(Coordenador)Jeff erson Amorin OliveiraRicardo Alexandre Bianchini

FICHA_24-05-07.indd 2FICHA 24-05-07 indd 2 18/6/2007 14:07:4418/6/2007 14:07:44

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Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina Didática II.

O material foi elaborado, visando a uma aprendizagem

autônoma. Como este objetivo, aborda conteúdos especial-

mente selecionados e adota uma linguagem que facilite seu

estudo a distância.

Por falar em distância, isso não signifi ca que você estará

sozinho(a). Não se esqueça de que sua caminhada nesta disci-

plina também será acompanhada constantemente pelo Sistema

Tutorial da UnisulVirtual. Entre em contato sempre que sentir

necessidade, seja por correio postal, fax, telefone, e-mail ou

Espaço Unisul Virtual de Aprendizagem. Nossa equipe terá o

maior prazer em atendê-lo(a), pois sua aprendizagem é nosso

principal objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual.

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Clovis Nicanor Kassick

Palhoça

UnisulVirtual

2007

Didática IILivro didático

Design instrucional

Karla Leonora Dahse Nunes

Viviani Poyer

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Copyright © UnisulVirtual 2007 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição --- Livro Didático

Professor Conteudista Clovis Nicanor Kassick

Design Instrucional

Karla Leonora Dahse Nunes Viviani Poyer

ISBN 978-85-60694-66-2

Projeto Gráfico e Capa

Equipe UnisulVirtual

Diagramação Vilson Martins Filho

Revisão Ortográfica

Amaline Boulus Issa Mussi

371.3 K31 Kassick, Clovis Nicanor

Didática II : livro didático / Clovis Nicanor Kassick ; design instrucional Karla Leonora Dahse Nunes, Viviani Poyer. – Palhoça : UnisulVirtual, 2007.

144 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-60694-66-2 1. Didática. I. Nunes, Karla Leonora Dahse. II. Poyer, Viviani.

III. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

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Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03

Palavras do professor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09

Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

UNIDADE 1 – Do projeto pedagógico à prática docente: a epistemo- logia subjacente à ação didática do professor . . . . . . . . . 15

UNIDADE 2 – Do projeto pedagógico à prática docente: as teorias de educação e a organização didática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

UNIDADE 3 – O projeto político pedagógico da escola . . . . . . . . . . . . . . . 65

UNIDADE 4 – Planejamento do trabalho pedagógico: os projetos e planos como organização da ação didática do professor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

Sobre o professor conteudista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

Respostas e comentários das atividades de auto-avaliação . . . . . . . . . . . . 125

Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

Sumário

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Palavras do professor

Caro(a) aluno(a):

Seja bem-vindo(a) à disciplina Didática II.

A formação do professor exige um constante repensar

de sua prática educativa, o que signifi ca dizer que, como

professores, estamos permanentemente em formação.

Esta refl exão a respeito da prática deve ser guiada e

orientada à luz dos referenciais teóricos sobre os quais

nos debruçamos, ao realizarmos as leituras que consti-

tuem o nosso dia-a-dia.

O objetivo fundamental deste “pensar a prática

docente” é possibilitar inovar, modifi car, transformar a

ação didático-pedagógica da escola através da modi-

fi cação na maneira como organizamos e ministramos

“nossas aulas”, sempre que nosso olhar atento e obser-

vador de professor indicar que a alteração é necessária

para que algum ou alguns de nossos alunos tenham

maior, melhor e mais efetiva aprendizagem.

Nesta perspectiva, a disciplina Didática II, que você

agora inicia, deve constituir-se num momento de

convergência e síntese das etapas e disciplinas por

você já trabalhadas no Curso, de maneira que possam

melhor instrumentalizá-lo(a) para entender as relações

que ocorrem no interior da escola e, assim, melhor

organizar a sua ação docente junto aos alunos, como

forma de garantir a aprendizagem.

Lembre-se do eminente educador brasileiro, Paulo

Freire (1980), quando afi rmava que somente está

apto para mudar e transformar o mundo quem dele

se apropria e dele tem consciência, quem conhece a

realidade em que vive.

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Portanto, para que possa constituir-se num(a) professor(a)

transformador(a) da realidade escolar, é imprescindível que você

conheça as razões pelas quais a escola está organizada, didática e

administrativamente, da maneira que está. É preciso conhecer as

causas para, sobre elas agir, como garantia de que as conseqüên-

cias serão as desejadas.

Para isso, a disciplina de Didática II o(a) desafi a a ler atenta e

criteriosamente os textos apresentados, bem como a resolver

as atividades sugeridas, pois eles são as ferramentas que você

necessita para entender, analisar e criticar a organização didático-

administrativa da escola expressa no Projeto Político Pedagó-

gico; e, para que possa, deste modo, propor alternativas de orga-

nização, a partir de suas próprias aulas, isto é, a partir da prática

pedagógica transformadora que você for capaz de implantar.

Bom trabalho!

Professor Clovis Nicanor Kassick

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Plano de estudo

O plano de estudos visa orientar você no desenvolvimento da Disciplina. Ele possui elementos que o ajudarão a conhecer o contexto da Disciplina e a organizar o seu tempo de estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam, portanto, a construção de competências se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das diversas formas de ação-refl exão.

São elementos desse processo:

O Livro didático.

O EVA (Espaço Virtual de Aprendizagem).

Atividades de avaliação (complementares, a distância e presenciais).

Ementa da disciplina

Planejamento: do projeto pedagógico à prática docente. Estrutura e elaboração do projeto pedagógico. O trabalho docente: planejamento, execução e avaliação. Desenvolvimento de prática de ensino. Projeto de prática de ensino para inserção do aluno na realidade da escola.

Carga horária

60 horas – 4 créditos

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Objetivo(s)

Geral

Possibilitar a análise e refl exão sobre a relação entre as teorias de educação e a organização didático-administrativa da escola, expressa através dos diferentes tipos de planejamentos.

Específi cos

Identifi car e relacionar as diferentes teorias de educação com a matriz epistemológica que as origina.

Relacionar as teorias de educação com as diferentes possibilidades de organização didática do professor.

Analisar, interpretar e comparar as concepções de homem, mundo, sociedade-cultura, conhecimento, educação, escola, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia e avaliação, presentes nas teorias de educação.

Identifi car os elementos que constituem o Projeto Político Pedagógico, estabelecendo sua inter-relação.

Analisar o Projeto Político Pedagógico, à luz das teorias de educação, estabelecendo relação entre as concepções por ele expressas e a organização didática prevista.

Relacionar e analisar diferentes possibilidades metodológicas para concretizar, na prática pedagógica diária do professor, o Projeto Político Pedagógico.

Elaborar o Projeto (Plano de Ensino) a ser desenvolvido na Prática de Ensino em consonância com as concepções expressas no Projeto Político Pedagógico da escola campo de estágio.

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Didática II

Conteúdo programático

Os objetivos de cada unidade defi nem o conjunto de conhecimentos que você deverá deter para o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias à sua formação. Neste sentido, veja a seguir as unidades que compõem o Livro Didático desta Disciplina, bem como os seus respectivos objetivos.

Unidades de estudo: 4

Unidade 1 – Do projeto pedagógico à prática docente: a epistemologia subjacente à ação didática do professor

Esta unidade irá capacitá-lo(a) a entender a organização didática que o professor imprime em sua sala de aula, a partir das diferentes epistemologias que sustentam os modelos pedagógicos.

Unidade 2 – Do projeto pedagógico à prática docente: as teorias de educação e a organização didática

Nesta unidade, você será capaz de identifi car, caracterizar e comparar as três principais teorias de educação presentes na organização didática da escola brasileira.

Unidade 3 – O projeto político pedagógico da escola

Esta unidade lhe possibilitará entender a fi losofi a da legislação (LDBEN – Lei 9394/96), no que se refere ao Projeto Político Pedagógico da escola, bem como os procedimentos necessários à sua realização.

Unidade 4 – Planejamento do trabalho pedagógico: os projetos e planos como organização da ação didática do professor

Nesta unidade, você terá condições de interligar as análises interpretativas, anteriormente realizadas, com a realidade da organização escolar (didático-administrativa) expressa através do Projeto Político Pedagógico da escola e dos Planos de Ensino dos professores, verifi cando e avaliando a sua legitimidade e coerência para a ação efetiva na prática de ensino.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Agenda de atividades / Cronograma

Verifi que com atenção o EVA, organize-se para acessar periodicamente o espaço da disciplina. O sucesso nos seus estudos depende da priorização do tempo para a leitura; da realização de análises e sínteses do conteúdo; e da interação com os seus colegas e tutor.

Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço a seguir as datas, com base no cronograma da disciplina disponibilizado no EVA.

Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas ao desenvolvimento da disciplina.

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)

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UNIDADE 1

Do projeto pedagógico à prática docente: a epistemologia subjacente à ação didática do professor

Objetivos de aprendizagem

Caracterizar cada uma das epistemes que sustentam a ação docente.

Relacionar os diferentes modelos pedagógicos às diferentes epistemologias.

Descrever a organização didática em cada um dos modelos pedagógicos.

Seções de estudo

Seção 1 Epistemologia: matriz fi losófi ca das teorias de educação

Seção 2 Os modelos pedagógicos como decorrência dos modelos epistemológicos

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de conversa

Como elemento organizacional da ação do professor, a didática se alicerça em determinada epistemologia. E é a partir desta que decorrem todas as concepções por ela abrangidas, como a concepção de homem; sociedade-cultura; mundo; conhecimento; educação; escola; processo ensino-aprendizagem; relação professor-aluno; metodologia e avaliação.

Assim, a didática não faz mais que concretizar estas concepções através do professor, que é o seu agente. E, por esta razão, devemos ter clareza em como organizar a nossa ação pedagógica. Afi nal -- repetimos --, ela refl ete as concepções que nós, professores, temos de homem; sociedade-cultura; mundo; conhecimento; educação; escola; processo ensino-aprendizagem; relação professor-aluno; metodologia e avaliação.

É importantíssimo ter clareza de que a forma, a maneira de organizarmos a sala de aula evidencia estas concepções. De outro modo, corremos o risco de pensar que estamos formando um tipo de homem para uma determinada sociedade, quando, efetivamente, através de nossa ação concreta, estamos formando um outro perfi l de homem, para uma outra sociedade. Ou seja: esta clareza conceitual sobre as concepções é importante para que não sejamos dicotômicos e contraditórios; para que não ocorra termos um discurso sobre o homem e a sociedade que desejamos formar, divergente de nossa prática, que aponta e concretiza outro perfi l.

É, portanto, a didática a responsável pela coerência entre o discurso (teoria) e a prática. E a forma, a maneira como organizamos a “nossa aula” evidenciam estas concepções.

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Didática II

Unidade 1

SEÇÃO 1 – Epistemologia: matriz fi losófi ca das teorias de educação

Você já reparou que as pessoas agem, no cotidiano, de forma diferente? Quando você entra numa loja, que já conhece, por exemplo, por que prefere que um determinado vendedor(a) lhe atenda? Você já reparou que, numa mesma família, pai e mãe agem, por vezes, de forma diferente, com o mesmo fi lho?

Imagine uma situação em que um fi lho, uma criança de oito anos, por exemplo, cometa uma travessura.

Diante disso, um dos pais (pai ou mãe) poderá adotar uma ação sobre o fi lho, como, por exemplo, castigá-lo, seja proibindo-o de sair de casa para ir brincar com os amigos; de ir à casa de um amiguinho; de ir a uma festa de aniversário; de ir ao cinema; ou, até mesmo, castigando-o fi sicamente, com algumas “palmadas”, dependendo do grau e importância que o pai, ou a mãe, atribui à travessura do fi lho.

O outro, ao invés de castigar o fi lho, poderá adotar a atitude de chamá-lo e, frente a frente, exigir-lhe explicações sobre as razões que o levaram a cometer aquela travessura, para que, sabendo os motivos, possa levar o fi lho a entender que agiu de forma “errada” e não mais cometa aquela falha.

Ambos os pais querem uma mesma coisa – educar o fi lho!

Mas um agiu de uma forma – castigando; e o outro agiu de outra forma – conversando, dialogando.

Não se trata, aqui, de julgar qual dos pais agiu mais corretamente, e sim de mostrar, simplesmente, que os pais reagiram de forma diferente, diante da travessura do fi lho. O que devemos fazer é nos perguntarmos por que agiram de forma diferenciada. Por que, no exemplo do(a) vendedor(a) da loja, preferimos um, e não outro?

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Se levarmos estes exemplos para dentro da escola, devemos questionar-nos: Por que alguns professores organizam a classe e agem, com seus alunos, de forma diferenciada?

E aí? Respondeu?

A resposta é simples, não?

Tanto no caso dos pais que agem de forma diferente com o fi lho, quanto do professor em sala de aula, você deve ter respondido que isto se deve ao fato de que cada um dos pais, ou professores, possui um jeito de educar, assim como, no exemplo do vendedor da loja, este tem um jeito de vender que mais lhe agrada e que faz com que você o escolha para lhe atender. Ou seja: cada um possui uma concepção sobre como deve agir para educar (fi lhos ou alunos); e, para vender.

A partir dessas questões, interessa-nos saber como são estas diferentes formas de educar, ou então, o que determina que diferentes professores organizem, de forma distinta, a sua ação

didática e a sala de aula.

Para responder a estas inquietações, é necessário estudar, de modo mais aprofundado, as teorias de educação que

asseguram sustentação às diferentes organizações didáticas realizadas pelos professores em suas práticas.

Retomando parte do que você já estudou em outras disciplinas, vale lembrar que, segundo Becker (1994), a organização da atividade didática do professor pode estar fundamentada em três epistemologias, em três visões de mundo ou ideologias, que ele denomina assim:

empirista;

inatista;

relacional ou interacionista.

Teorias de educação: conjunto

de princípios que organizam a

ação didática tendo em vista uma

determinada visão de mundo.

Epistemologia: parte da fi losofi a

que estuda os limites da faculdade

humana de conhecimento e

os critérios que condicionam a

validade dos nossos conhecimentos

(Dicionário da Língua Portuguesa),

ou, estudo crítico da teoria do

conhecimento; explicação da

gênese e do desenvolvimento do

conhecimento.

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Didática II

Unidade 1

Estas visões de mundo, ou estas ideologias, determinam a forma com que o Sujeito (S) se relaciona com o Objeto (O) do conhecimento, e são determinadas por ela.

Assim, para este autor, a cada modelo epistemológico corresponde um modelo pedagógico, o qual pode apresentar, por sua vez, mais de uma teoria de educação.

O modelo epistemológico é representado pelas letras (S) de Sujeito e (O) de Objeto.

O modelo pedagógico é representado pelas letras (A) de aluno e (P) de professor.

EPISTEMOLOGIA PEDAGOGIA

Teoria Modelo Modelo Teoria

Empirismo S O A P Diretivismo

Apriorismo S O A P Não-Diretivismo

Construtivismo S O A P Pedagogia Relacional

Fonte: Becker, 1994, p.94

Portanto a epistemologia que dá sustentação às pedagogias diretivas é o empirismo, o qual considera o organismo sujeito às contingências do meio, sendo o conhecimento apenas a cópia de algo já dado no mundo externo. Há, portanto, ênfase no objeto, no meio. Para estas pedagogias, o conhecimento é apenas uma “descoberta”, isto é, ele já pré-existe na realidade exterior, e o indivíduo (S) apenas o “des-cobre”, ou seja, retira o véu que o encobria.

Nas pedagogias não-diretivas, esta sustentação segue a visão de mundo apriorista, segundo a qual o conhecimento está predeterminado no sujeito, ou seja, nasce, ou não, com ele.

Para as pedagogias relacionais (críticas), a epistemologia que a sustenta é o “cognitivismo”, o qual considera o conhecimento como uma construção contínua e fruto da ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento, ou seja, fruto da relação que o sujeito estabelece com o objeto. Daí a designação Pedagogias Relacionais.

Nas seções seguintes, nos deteremos no aprofundamento destas três pedagogias.

S = SUJEITO: é o

elemento conhecedor do

conhecimento, Sujeito do

Conhecimento, ou ainda,

Sujeito Cognoscente.

O = OBJETO DO

CONHECIMENTO: tudo

aquilo que não é o Sujeito

do Conhecimento.

Cabe ressaltar que,

embora Becker

(1994) utilize o termo

“construtivismo”

para a designação da

epistemologia, a qual

origina as pedagogias

relacionais, opto pelo

termo “cognitivismo”

por considerá-lo

mais abrangente,

contemplando todas as

teorias de educação cujo

pressuposto é a atividade

mental da “cognição”,

a qual contempla o

construtivismo.Conforme

o Moderno Dicionário

da Língua Portuguesa

Michaelis: Cognição

– sf. (lat. Cognitione)

Ato de adquirir um

conhecimento.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

SEÇÃO 2 – Os modelos pedagógicos como decorrência dos modelos epistemológicos

Aqui você inicia o estudo sobre os três modelos pedagógicos citados na seção anterior. Acompanhe as discussões a seguir.

2.1 - A epistemologia empirista e a Pedagogia Diretiva

Ao estabelecer a relação entre o modelo epistemológico e o modelo pedagógico, afi rma Becker (1994) que, na Pedagogia Diretiva, o professor fala e o aluno escuta; o professor ensina e o aluno aprende; o professor acredita que o conhecimento pode ser transmitido ao aluno, considerado tábula rasa, uma folha de papel em branco. A epistemologia subjacente a este modelo pedagógico é o empirismo, segundo o qual “não há nada no nosso intelecto que não tenha entrado lá através de nossos sentidos” (Becker, 1994, p.89).

Neste modelo epistemológico, o Sujeito é totalmente determinado pelo mundo do objeto ou meio físico e social, daí a representação S O (Sujeito Objeto), onde o sentido unidirecional da seta indica que o Sujeito é totalmente determinado pelo Objeto, ou seja, as condições externas ao Sujeito cognoscente determinam o próprio Sujeito.

Sendo o modelo pedagógico decorrente do modelo epistemológico, teremos uma relação pedagógica onde A (aluno) é determinado por P (professor). O que não podemos esquecer é que o Sujeito cognoscente da relação pedagógica, o Sujeito que busca e precisa conhecer o mundo, a realidade na qual ele vive, ou ainda, o(s) Objeto(s) de conhecimento que constituem esta realidade que o circunda, é o aluno (A).

Contudo, segundo este modelo epistemológico e pedagógico, é o P (professor) que determina todas as ações do A (aluno) de forma unidirecional (A P), é ele que defi ne o que ou quais Objetos de conhecimento (quais realidades) o aluno deve ou não deve

conhecer. O aluno (A) é considerado tábula rasa em relação aos conteúdos informacionais (Objetos de conhecimento). Assim, o professor e/ou conhecimento exerce um poder determinante sobre o aluno.

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Didática II

Unidade 1

Com base nesta episteme e pedagogia, encontramos as seguintes teorias pedagógicas: Tradicional; Tecnicista e a da Qualidade Total. Todas elas organizam a ação didática de tal forma, que o professor e/ou os instrumentos institucionais que usa, exercem poder sobre o aluno, determinando o que ele deve aprender e como deve aprender de forma passiva, caracterizando aquilo que Paulo Freire (1987) chamava de Educação Bancária.

2.2 - A epistemologia apriorista e a Pedagogia não-diretiva

A pedagogia não-diretiva apresenta-se totalmente oposta à pedagogia diretiva. Nela, o professor é um auxiliar do aluno, um facilitador da aprendizagem. Ele acredita que o aluno aprende por si mesmo e, por esta razão, interfere o mínimo possível. O pressuposto é que o aluno já nasce com conhecimento e que o papel do ensino é só o de organizar as ações para que este conhecimento, que é inato, possa afl orar, vir à tona, isto é, seja trazido à consciência do aluno.

A epistemologia que fundamenta este modelo pedagógico é a apriorista, que concebe o ser humano dotado de uma inteligência genética, de nascença, e, também, o seu contrário, isto é, o indivíduo nasce inteligente, ou não. Nesta concepção, é determinado geneticamente o ser inteligente, ou não; o ter a capacidade de aprender, ou não.

Esta pedagogia não considera que os fatores externos ao Sujeito (aluno), como as condições econômicas e culturais, a sua inexistência, ou precariedade, exerçam alguma infl uência sobre o aprendizado do aluno. Desconsidera, portanto, o meio circundante ao aluno como um dos fatores que infl uenciam na aprendizagem.

De forma simplista, esta pedagogia considera que, se o aluno não aprende, isto acontece porque seus pais não transmitiram geneticamente a ele, quando de sua concepção, os genes responsáveis por esta capacidade.

O modelo epistemológico (S O) e o modelo pedagógico (A P) são representados também de forma unidirecional, tal

Para Paulo Freire, a

Educação Bancária se

caracteriza pela idéia de

que o professor deposita

no aluno o conhecimento,

para depois exigir a

sua devolução, ou seja,

o professor “ensina”

através da transmissão

do conhecimento – que

representa o depósito;

e depois, através de

provas, exige que o aluno

devolva o conhecimento

depositado.

A priori: o que vem

antes como condição

determinante do que

vem depois. No caso

do Sujeito, a priori é a

bagagem hereditária que

lhe permitirá, ou não, o

aprendizado.

Determinado

geneticamente: Como

a cor da pele, dos olhos,

do cabelo, etc. são

determinados pelos

genes dos pais, também

a inteligência e a

capacidade de aprender

seriam determinadas,

unicamente, pelos genes.

Page 22: Apostila Unisul Didatica II

22

Universidade do Sul de Santa Catarina

qual o anterior (diretivo), só que em sentido inverso. Agora é o Sujeito (aluno) quem tudo determina, ou seja, as condições prévias do Sujeito é que são as responsáveis pelo aprendizado. O aluno que aprende, aprende porque possui, geneticamente, as condições para tal. O que não aprende e, portanto, reprova na escola, é porque seus pais não tinham, e, portanto, não transmitiram a ele (aluno) a capacidade de aprender. Logo, nestes casos, não adianta a escola e o professor se empenharem em querer “ensinar” o aluno, pois ele não tem a capacidade, isto é, os genes necessários para aprender.

As pedagogias decorrentes desta episteme são as que atribuem um grande valor à questão psicológica no desenvolvimento do Sujeito.

2.3 - A epistemologia cognitivista e a Pedagogia Relacional

Na pedagogia relacional, ou interacionista, o Sujeito interage, se relaciona com o Objeto do conhecimento.

Diferentemente das outras pedagogias que apresentam uma única direcionalidade da relação Sujeito-Objeto (S

O, ou S O), nesta pedagogia, ao interagir com o Objeto de conhecimento, o Sujeito modifi ca o Objeto e é, simultaneamente, por ele modifi cado.

A modifi cação que o Sujeito sofre, refere-se, aqui, à modifi cação cognitiva. Quando interfi ro sobre um objeto, eu o altero fi sicamente. Por exemplo: quando movimento uma bolinha de gude que estava parada, eu alterei o seu estado (de repouso ou inércia, para o de movimento). Ao mesmo tempo, cognitivamente, eu me modifi co, pois constatei e apreendi que, quando impulsiono um objeto esférico que estava parado, em estado de inércia, eu o coloco em movimento, e este movimento provoca um deslocamento do objeto. E mais: aprendi que, de acordo com a força que eu utilizo para movimentar o objeto, será maior o deslocamento, a distância que este objeto esférico vai percorrer, ou menor. Ou seja, eu apreendi algo, e, ao apreender, eu me modifi co, modifi co as minhas estruturas de pensamento.

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Didática II

Unidade 1

Logo, da minha ação sobre o objeto de conhecimento decorre uma reação dele que provoca uma modifi cação na minha forma de entendê-lo, ou seja, o objeto de conhecimento também agiu sobre mim.

A centralidade do processo de aprendizagem, portanto, está na relação entre o Sujeito e o Objeto, ou seja, na ação do Sujeito sobre o Objeto e a reação (cognitiva) que este provoca no Sujeito cognoscente, o que implica compreender: ao mesmo tempo que atuo sobre o Objeto de conhecimento, eu o modifi co e sou por ele modifi cado.

As pedagogias que resultam desta episteme são as que costumamos chamar de “Pedagogias Críticas”, ou “Pedagogias Cognitivas”, cujo foco central é a construção do conhecimento pelo Sujeito.

Atividades de auto-avaliação

Após a leitura criteriosa da unidade 1, efetue as atividades de auto-avaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas.

1) Justifi que por que a epistemologia empirista afi rma a supremacia do Objeto sobre o Sujeito.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Caracterize a ação do professor e do aluno na pedagogia não-diretiva.

3. Justifi que por quais razões o professor, ao organizar a sua ação didática, deve preferir organizá-la segundo a pedagogia relacional, ao invés da pedagogia diretiva e da não- diretiva.

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Didática II

Unidade 1

Síntese

Você viu, nesta unidade, que a ação didática do professor, no momento em que planeja a sua aula e, posteriormente, quando a executa, está ligada a uma determinada epistemologia, isto é, está ligada à forma como ele entende que o aluno adquire o conhecimento.

Podemos também dizer que todos nós, todos os Sujeitos do conhecimento (pais, profi ssionais vendedores e professores), agimos de acordo com um determinado paradigma epistemológico, o qual representa a forma como cada um de nós vê e entende o mundo, ainda que não tenhamos clareza e consciência disso.

Contudo o professor não pode agir, não pode planejar, organizar e executar a sua ação didática, a sua aula, desconsiderando que a forma como ele a organiza, determina quem ele está formando. Logo, a ação do professor deve levar em conta as diferentes epistemologias e as teorias de educação que delas decorrem.

Saiba mais

Para aprofundar este assunto, leia o texto: “A Escola e a construção do conhecimento”, in CORTELLA, Mario Sergio. A Escola e o Conhecimento. São Paulo: Editora Cortez: Instituto Paulo Freire, 1999.

Leia, também, o 2º capítulo: “A concepção bancária da educação como instrumento da opressão. Seus pressupostos, sua crítica”, in FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 18ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

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UNIDADE 2

Do projeto pedagógico à prática docente: as teorias de educação e a organização didática

Objetivos de aprendizagem

Identifi car e comparar, a partir de seus fundamentos epistemológicos, as principais teorias de educação, as quais organizam, no Brasil, a ação didática nas escolas.

Caracterizar, em seus aspectos fundamentais, cada uma das teorias de educação.

Analisar as decorrências de cada teoria de educação na organização da ação didática da escola.

Avaliar e justifi car qual teoria de educação confi gura-se como a mais apropriada na organização das ações didáticas da escola brasileira, dadas as necessidades de uma educação transformadora.

Seções de estudo

Seção 1 A Pedagogia Tradicional

Seção 2 A Pedagogia Humanista

Seção 3 A Pedagogia Cognitivista

2

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de conversa

O que é uma teoria? Para que serve?

Quais são e para que servem as teorias de educação?

O Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis apresenta o seguinte verbete sobre teoria: sf. (gr theoría) 1. Princípios básicos e elementares de uma arte ou ciência. 2. Sistema ou doutrina que trata desses princípios. 3. Conhecimento especulativo considerado independente de qualquer aplicação. 4. Conhecimento que se limita à exposição sem passar à ação, sendo, portanto, o contrário da prática. 5. Conjectura, hipótese. 6. Utopia. 7. Noções gerais, generalidades. 8. Opiniões sistematizadas. 9. Relação entre um fato geral e os fatos particulares que dependem dele.

Diante do que o dicionário conceitua como teoria, podemos livremente interpretar teoria como sendo:

“Um conjunto, um sistema de princípios sobre uma determinada ciência ou parte dela, que busca explicar sua organização, a partir da forma como os elementos que a constituem se relacionam, para compreender os acontecimentos que ocorrem em seu interior na geração dos fatos e/ ou fenômenos evidenciados”.

Ora, diante deste conceito de teoria, fi ca evidente sua função. Ou seja: a teoria serve para explicar como e por que um fato/ fenômeno ocorre, de modo a podermos (re)organizar, a partir desta compreensão, sucessivamente, o ambiente e seus elementos e, com isso, garantir que os mesmos fatos e/ ou fenômenos ocorram segundo sua manifestação original ou primitiva.

Transpondo-se para a educação este entendimento de teoria, podemos dizer que as teorias de educação servem para organizar o nosso fazer, o fazer do professor, isto é, servem para organizar a ação didática do professor, de forma que ele tenha garantias de que os resultados desejados serão alcançados a partir de um conjunto de princípios educativos e/ ou concepções sobre a realidade e o relacionamento do homem com ela.

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Didática II

Unidade 2

É, portanto, a partir deste entendimento de teoria e de seu papel organizador que iremos abordar, doravante, as teorias de educação.

Nas páginas seguintes, buscaremos entender como as diferentes teorias de educação balizam a ação didática do professor na organização didática da escola.

SEÇÃO 1 – A Pedagogia Tradicional

Conforme já afi rmamos, as teorias servem para organizar o pensar e fazer, de uma determinada forma, segundo o conjunto de princípios e conceitos que as estruturam. Isto signifi ca dizer, em outras palavras, que o professor atingirá os resultados apontados por determinada teoria de educação, se organizar a sua ação didática segundo os princípios e concepções que a regem e que são expressos por ela.

Por esta razão é que podemos afi rmar, conforme o fi zemos na unidade anterior, que, por trás de todo o fazer do professor, por trás da forma como ele organiza a sua ação didática, a sua sala de aula, há uma teoria de educação, quer ele a conheça, ou não, tenha ele consciência, ou não, da teoria de educação que ele pratica.

De acordo com o que você já estudou na unidade anterior, as teorias de educação são decorrentes de diferentes epistemologias, isto é, cada teoria de educação se organiza segundo um conjunto de princípios decorrentes da forma de se conceber como o homem (Sujeito) conhece a realidade (Objeto), ou seja, se o homem é totalmente determinado pela realidade (Empirismo), se esta realidade existe a priori no homem (Inatismo), ou se há uma relação (ação-reação) entre homem e realidade (Interacionismo).

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Universidade do Sul de Santa Catarina

O estudo das teorias de educação que você desenvolverá aqui terá por base as concepções de homem, mundo, sociedade-cultura, conhecimento, educação, escola, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia e avaliação que cada uma delas expressa, defi nindo, determinando e/ou orientando a organização didática e, consequentemente, o fazer do professor.

Você já viu que três teorias de educação ou vertentes pedagógicas (como preferem alguns autores) decorrem da epistemologia empirista. Agora passará a estudar a teoria da Educação Tradicional ou, simplesmente, Pedagogia Tradicional, por ser a mais signifi cativa das três (e por ter dado origem às outras duas: Pedagogia Tecnicista e Pedagogia da Qualidade Total).

A pedagogia tradicional surge, ou melhor, se consolida em 1657, quando Comenius escreveu e publicou a “Didática Magna”, em oposição e contestação à pedagogia jesuítica implantada a partir de 1534 pela Igreja Católica. Inácio de Loyola funda a Companhia de Jesus como uma das ações do movimento de “contra-reforma”, reforçado posteriormente, a partir da publicação e implantação, em 1599, da Nova Educação Católica por meio do documento “Ratio at que Institutio Studiorum” ou simplesmente “Ratio Studiorum”.

Assim, ainda que não pareça, a pedagogia tradicional já foi, ou melhor, surgiu como uma pedagogia “revolucionária”(considerando o tempo, a época em que surge e a sociedade da época), portanto reformadora de métodos e concepção de ensino.

Características gerais da pedagogia tradicional

Dado o momento histórico em que surge e o papel que assume -- o de auxiliar a consolidação do emergente estado burguês pela afi rmação do seu ideário liberal, o que efetivamente acontece com a revolução francesa em 1789 -- podemos dizer que a Pedagogia Tradicional foi a marca na educação do terceiro estado, até o fi nal do século XIX.

Pela preponderância da Pedagogia Tradicional na prática educacional, pode-se dizer que ela persiste em muitas escolas, de diferentes formas, até os dias de hoje. A sua organização fundamenta-se na imitação de modelos, cujo objetivo é levar o aluno, pelo contato com as grandes obras da humanidade e

Para mais informações sobre o

contexto político-social em que

surge a pedagogia tradicional

como um dos instrumentos de

consolidação da emergência

do estado burguês, leia o texto

“Raízes da Organização Escolar

(Heterogestionária), de KASSICK,

Clovis N. In: PEY, Maria Oly. Esboço

para uma História da Escola

no Brasil: Algumas Refl exões

Libertárias. Rio de Janeiro:

Achiamé, 2.000.

Somente a partir da segunda

metade do séc. XIX, a Pedagogia

Tradicional e a Jesuítica passam

a ser contestadas através do

movimento operário internacional

(primeira internacional socialista),

quando, em 1867, no Congresso

de Lausane, Paul Robin é

encarregado de estruturar uma

educação voltada a atender os

interesses e necessidades da classe

trabalhadora. Posteriormente, a

educação tradicional é questionada

no fi m dos anos de 1890 e início

de 1900, principalmente através

dos médicos Maria Montessori

e Ovídio Decroly, que buscaram

estruturar uma pedagogia voltada a

atender as então chamadas crianças

“defi cientes”, e cujos métodos

de ensino e ações infl uenciaram

diretamente as “escolas

convencionais”.

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Didática II

Unidade 2

com os grandes mestres da literatura e da arte, à imitação dos raciocínios e respectiva demonstração por eles alcançados.

Portanto dá-se ênfase aos modelos em todos os campos do saber e privilegia-se o “especialista”. Daí a importância creditada ao professor, elemento imprescindível na transmissão dos conteúdos, e para que seja o “dono do saber”, o “dono da verdade”, uma vez que é um especialista. Também ele é, e deve ser, um modelo a seguir-se. E, também por esta razão, o ensino está centrado nele, como garantia de que o aluno aprenda, mesmo contra seu interesse e necessidades: afi nal, o professor, que é adulto e que representa a sociedade, é, ainda, quem sabe o que é ou não conveniente para o aluno.

O aluno é considerado um “adulto em miniatura” que precisa ser “atualizado” pelas informações do professor (que é um adulto pronto, acabado). Ele é considerado como uma “tábula rasa”, como “folha de papel em branco”, na qual o adulto-professor irá inscrever as verdades do mundo. Por esta razão o aluno é passivo nas ações, apenas deve executar as ordens (prescrições) que são emanadas de autoridades exteriores, ou seja, do professor.

O ensino, neste processo, volta-se para o que é externo ao aluno: o programa, as disciplinas e o professor que tudo determina.

A concepção de homem

É um receptor passivo até que esteja repleto de informações julgadas necessárias para que possa bem desenvolver seu papel na sociedade e repeti-las a outros que ainda não as possuam.

É determinado pelas condições do meio. No início de sua vida, é considerado como tábula rasa, na qual são impressas imagens e informações fornecidas pelo ambiente (físico/ social), as quais o irão moldando para que venha a se constituir em homem.

A concepção de mundo

O mundo é externo ao indivíduo, e este dele se apossa de forma gradativa, à medida que se confronta com os modelos, com os ideais, com as aquisições científi cas e tecnológicas, os raciocínios e respectiva demonstração, as teorias elaboradas através dos séculos.

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Neste processo de aquisição da realidade e conhecimento do mundo, é fundamental o papel que exercem as instituições do estado, entre elas a escola, a família e a Igreja.

Concepção de sociedade-cultura

Como o homem é considerado um ser passivo, que deve ser moldado através do exemplo dos modelos, esta pedagogia pode ser utilizada por qualquer sociedade, uma vez que o objetivo é simplesmente a reprodução dos valores sociais e culturais, visando à sua perpetuação. Assim, os programas escolares são organizados tendo em vista os valores e a cultura da sociedade em que o indivíduo se insere.

Para o aluno que não conseguir assimilar e reproduzir o mínimo cultural exigido, a reprovação é o instrumento que irá garantir esta aquisição mínima, a qual foi estabelecida para cada série e/ou etapas do processo de educação. Já para o aluno que se moldou, que se sujeitou a esse processo, a recompensa é o diploma, o qual representa o reconhecimento social e garante ao indivíduo que o possui, certa hierarquia na escala social. Trata-se de hierarquia fundada no saber que atribui, ao seu possuidor, o direito de “dizer a palavra”, porque possuidor da “verdade”.

O processo de busca pelo indivíduo, do reconhecimento social, da posição hierárquica superior que dele decorre e do qual o diploma é o estatuto legal, alicerça-se na disputa e na competição, pois nem todos podem ocupar esta posição. Isto determina a formação de indivíduos competitivos e individualistas, para uma sociedade competitiva e individualista.

A concepção de conhecimento

Considerando que o objetivo da sociedade é a sua própria reprodução, pela reprodução de seus princípios e valores, de sua ideologia, esta pedagogia parte do pressuposto de que a inteligência é a capacidade do Sujeito em armazenar informações para poder posteriormente repeti-las.

Assim, tão mais inteligente é o indivíduo quanto mais capaz de armazenar informações ele for. Indivíduo inteligente, portanto, é aquele que acumula e sabe repetir uma grande quantidade de informações.

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Didática II

Unidade 2

As informações a serem armazenadas são as informações do passado, dos modelos a serem imitados. Assim, a atividade intelectual do indivíduo é a de incorporar informações sobre o mundo físico, social, cultura, econômico, político, etc., as quais devem ir das mais simples às mais complexas.

Em síntese, nesta pedagogia o papel do indivíduo é o de memorizar defi nições, enunciados, classifi cações, sínteses e resumos que lhe são oferecidos pelo processo de educação formal. Como todo conhecimento é exterior ao indivíduo, os sentidos são a sua porta de entrada. A propósito, bem afi rmou Locke: “não há nada no nosso intelecto que não tenha entrado lá através dos nossos sentidos”.

A concepção de educação

Educação é entendida como sinônimo de instrução, caracterizada como transmissão de conhecimento, e restrita à ação da escola, que deve apresentar ao indivíduo os modelos, as obras-primas dos grandes mestres para serem seguidas, pois, em algum momento da vida do indivíduo, lhe serão úteis.

A educação é entendida como um “produto”, pois o objetivo dela é que o aluno atinja, pela imitação, o modelo. Portanto o “molde” está pronto e acabado e é exterior ao indivíduo, o qual deve persegui-lo para alcançá-lo.

Assim, a educação é entendida como a transmissão de um conjunto de idéias selecionadas e organizadas logicamente.

A concepção de escola

É o “loccus” privilegiado da educação, isto é, da transmissão de conhecimento (informações).

Para que possa cumprir sua função, a escola deve se constituir em um ambiente austero, sério, para que o aluno não se distraia e possa raciocinar.

O professor, enquanto transmissor das verdades dos modelos, deve manter-se distante (afetivamente) dos alunos, estabelecendo uma relação vertical, hierárquica, pois ele é autoridade intelectual, ele é a verdade (ou a representa).

John Locke: fi lósofo

nascido em Wrington

(Inglaterra, 1632-1704). Foi

um dos grandes nomes do

empirismo inglês. Foi um

dos primeiros a afi rmar em

suas idéias pedagógicas

que o ensino tem de partir

das coisas, da observação

direta e da experiência

pessoal. Condenava o

verbalismo, isto é, o

aprendizado por palavras

sem relação com as coisas.

E, quanto ao método,

propunha o abandono

do mero procedimento

expositivo.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

A busca da imitação mais fi el possível dos modelos, que é individual, exige um trabalho solitário do aluno e, ao mesmo tempo, competitivo na disputa de quem mais se aproxima do modelo a ser imitado.

Concepção do processo ensino-aprendizagem

Como a educação é entendida como um produto, o que importa é o resultado fi nal, isto é, a imitação do modelo, e não, o processo para se chegar a ele. Neste sentido, a ênfase são as situações da sala de aula onde os alunos devem ser “instruídos” e “ensinados” pelo professor, pela repetição constante, até a garantia de que aquela idéia, aquele princípio, aquela classifi cação, aquele raciocínio existente no modelo seja “assimilado”, o que se evidencia na ação do aluno em memorizar para poder repetir.

A repetição tem em vista a formação, no aluno, do “hábito”, que são reações estereotipadas, impostas e desejadas pela

sociedade; são os automatismos, geralmente isolados uns dos outros e aplicáveis, sempre, nas mesmas condições em que foram adquiridos.

O processo de ensino, portanto, é comum a todos os alunos, não considera que os indivíduos possam ter diferenças, pois

considera que todos aprendem, isto é, podem repetir as mesmas coisas do mesmo modo, bastando para isso, exercícios de

repetição. O processo de ensino, assim, preocupa-se unicamente em que o aluno memorize e repita uma grande quantidade de informações, e não, com a formação do pensamento refl exivo.

A relação professor-aluno

Como o professor é o centro do processo de ensino-aprendizagem, ele estabelece uma relação vertical com o aluno, isto é, hierarquizada. O professor é aquele que fala e o aluno aquele que escuta, ou seja, o professor é o responsável pelo planejamento, organização e execução do processo. É ele que detém o poder decisório (por delegação da própria instituição escola), quanto à metodologia, conteúdo, avaliação e forma de interação na sala de aula.

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Didática II

Unidade 2

Como os objetivos educacionais a serem alcançados são externos ao sujeito cognoscente, isto é, ao aluno, compete ao professor regular e conduzir todo o processo para garantir que os objetivos sociais, ou o conjunto de princípios e valores da sociedade, sejam alcançados.

Portanto o papel do professor está ligado à transmissão das verdades que ele representa, e o papel do aluno, à assimilação e reprodução destas verdades. Isto justifi ca que apenas o professor tenha o direito da palavra que professa a todos, enquanto que os alunos devem limitar-se a ouvir e, quando estritamente necessário, dirigir-se diretamente ao professor e não aos demais alunos.

Vê-se, aqui, que também a palavra é unidirecional: do professor para os alunos.

A concepção de metodologia

Sendo o ensino a transmissão da cultura da sociedade às novas gerações, para que estas a assimilem, a metodologia é baseada na aula expositiva e na demonstração das verdades pré-estabelecidas que o professor faz à classe.

A organização didática pode ser sintetizada em “dar a lição” e em “tomar a lição”, pois o professor já traz o conteúdo pronto, e o aluno deve se limitar a escutar com o máximo de atenção, para memorizar e poder repetir, de forma automática, o que foi dito ou feito. Caso o aluno consiga fazer isso, considera-se que houve aprendizado, isto é, o aluno atinge o objetivo de reproduzir o modelo, a verdade pré-estabelecida.

Para favorecer esta aprendizagem, o professor aplica, após a exposição, uma série de exercícios iguais, para que, pela repetição, o aluno retenha o conhecimento. São os célebres “exercícios de fi xação”, que podem ainda compreender a aplicação e a recapitulação.

Como garantia do aprendizado, o passo seguinte, após os exercícios de fi xação, é a “verifi cação”, com objetivo de verifi car se o aluno foi capaz de repetir o que o professor expôs e que procurou fi xar através dos exercícios. Ou seja, a verifi cação busca medir a quantidade de informação que o aluno reteve e é capaz de repetir.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

A metodologia não se preocupa em saber se um determinado aluno consegue ou não repetir as informações, como também não se predispõe a um atendimento individualizado. É que, se isso fosse feito, o restante da classe fi caria sem atividade enquanto o professor estivesse atendendo a um aluno em particular. Contudo, como na sala apenas o professor fala, ele normalmente sequer sabe se algum aluno está ou não compreendendo o que ele está explicando.

A metodologia, portanto, parte do pressuposto de que todos os alunos são iguais, sabem, ou melhor, não sabem as mesmas coisas e aprendem da mesma forma. Todos devem seguir o mesmo ritmo de trabalho, estudar pelos mesmos textos, com os mesmos exercícios, nos mesmos tempos, usando os mesmos materiais didáticos e repetindo as mesmas coisas, os mesmo conteúdos.

A pedagogia tradicional considera que alguns conteúdos são mais difíceis do que outros e, por esta razão, destina a alguns deles ou a algumas matérias de ensino, um tempo maior para a aprendizagem, ou seja, maior carga horária na grade curricular. Desta forma, como o conteúdo de matemática é considerado mais importante e difícil do que o de educação artística, por exemplo, para ele são destinadas 6 horas semanais e, para as artes, 2 horas semanais; e, assim, sucessivamente.

A concepção de avaliação

A partir do que você já viu até aqui, o papel da avaliação não podia ser diferente, surge como algo claro, ou seja, o de controlar, de verifi car, de medir, de quantifi car se o aluno sabe repetir o que o professor expôs. Se a repetição se aproxima do modelo desejado e estabelecido, ou seja, se o aluno conseguiu moldar-se, ajustar-se ao modelo, ele é aprovado; caso contrário, a repetição do ano e/ou da disciplina é a garantia para que este “disciplinamento” e ajustamento venham a ocorrer.

Através das concepções expressas por cada uma das categorias (homem, mundo, sociedade-cultura, conhecimento, educação, escola, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia e avaliação), você pode perceber que o aluno, nesta pedagogia, é considerado um indivíduo que nada sabe,

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Didática II

Unidade 2

um ser passivo em quem tudo e todas as informações devem ser gravadas. Sua mente é considerada uma folha de papel em branco. Enquanto ser passivo, ele não age, apenas “sofre” um processo de deposição de informações.

O perfi l do homem formado pelo conjunto de conceitos e princípios desta pedagogia tem ressaltado, entre outras características, o caráter individualista e competitivo do indivíduo.

SEÇÃO 2 – A Pedagogia Humanista

Como você pôde estudar até aqui, a pedagogia tradicional é extremista no sentido de total sujeição do aluno em favor da centralidade do papel do professor. Nas pedagogias humanistas, este extremismo continua, apenas troca de lado.

Na esteira da epistemologia Inatista, ou Apriorista, encontram-se aquelas pedagogias, vertentes pedagógicas, ou ainda, abordagens pedagógicas que privilegiam o Sujeito na relação com o Objeto de conhecimento. Portanto são pedagogias centradas no aluno.

S O

Neste conjunto de pedagogias, ao invés do processo ensino-aprendizagem estar centrado na fi gura do professor, conforme você viu na pedagogia tradicional, inverte-se o pólo de domínio, e o aluno passa a ser o centro das atenções. É ele que “tudo pode”. É ele, e cabe a ele, direcionar o que quer fazer, como quer fazer, com quem quer fazer e quando quer fazer. O professor, os recursos, os métodos, enfi m, toda a escola deve estar à sua disposição. Estas pedagogias caracterizam-se, também, por privilegiarem os métodos de ensino, a psicologia de desenvolvimento, colocados sob a ótica do aluno.

A este conjunto de pedagogias, abrangidas por estas características gerais, estamos chamando de “Humanistas”,

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Universidade do Sul de Santa Catarina

justamente por este caráter de privilegiar o aluno e o seu desejo de realização pessoal e individual.

A pedagogia humanista, portanto, privilegia as relações interpessoais e está centrada no desenvolvimento da personalidade do aluno. Em seu conjunto é, também, o que poderíamos chamar de pedagogias personalistas, pois buscam o desenvolvimento da personalidade ou das personalidades, consideradas a partir do fato de que cada aluno representa uma personalidade própria, individual e genuína e defi ne-se como tal.

Enfatizam estas pedagogias o subjetivo, a auto-realização e o vir-a-ser contínuo, que é característica do ser humano enquanto ser inacabado e, portanto, em permanente formação.

Os conteúdos, o conhecimento vindo de fora, exterior ao indivíduo, têm importância secundária, pois o principal é o desejo, a vontade do aluno. Por esta razão, o diretivismo do ensino é abominado, pois sufoca a emergência (inatismo) do eu.

Podemos situar o surgimento da pedagogia humanista no contexto histórico da transição do século XIX para o século XX. Então, Maria Montessori e Decroly, preocupados em como ensinar as crianças

que apresentavam determinadas “defi ciências”, passam a efetuar adequações e a realizar uma série de adaptações tanto nos métodos de ensino quanto no mobiliário da sala de aula, adaptando-os às características específi cas destas crianças.

É o momento de surgimento de uma nova pedagogia ou de uma nova escola que, no caso brasileiro, caracterizou-se como “Escola Nova”. O correspondente movimento foi chamado de “Escolanovista” ou “Escolanovismo”.

É também um movimento de renovação pedagógica, decorrente de um novo momento social, político, econômico e cultural que vinha ocorrendo na sociedade mundial. Não podemos esquecer o episódio da Primeira Guerra Mundial (1914), com todas as suas conseqüências para os educadores. Naquele período, a sociedade passou a atribuir à educação e à escola, parte da responsabilidade dos males sociais que estiveram na origem, inclusive, da guerra.

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Era, portanto, necessária uma nova educação, uma nova escola, para evitar que erros semelhantes voltassem a acontecer. De certa forma, a educação aparece, naquele momento, como a redenção da humanidade, a partir, exatamente, da redenção do que deve sobressair de humano, no homem, ou seja, através da valorização do Eu. Junte-se a estes fatos outro igualmente importante: o desenvolvimento, o avanço de estudos sobre as evoluções psicológicas da criança, os quais colocaram à disposição dos educadores novos elementos. Temos, aí, os ingredientes necessários à efervescência da educação através das pedagogias humanistas.

Frente à pedagogia da velha escola, apoiada em uma estrutura piramidal, fundamentada no formalismo e memorização, no didatismo e na competência, no autoritarismo e na disciplina, a Escola Nova é levada a enfatizar a signifi cação, o valor e dignidade da infância, a privilegiar os interesses espontâneos das crianças, a permitir que ela realize ações, respeitando-se a sua liberdade e autonomia, que passa a ser palavra de ordem.

Segundo Gonzales (1978, p.29), os estatutos de 1921, estabelecidos pela Liga para a Educação Nova, dão bem a dimensão dessa importância:

preparar o menino para o triunfo do espírito sobre a matéria;

respeitar e desenvolver a personalidade da criança;

formar o caráter e desenvolver os atrativos intelectuais artísticos e sociais próprios da criança, particularmente através do trabalho manual;

organizar uma disciplina pessoal, livremente aceita e o desenvolvimento do espírito de cooperação, a co-educação e a preparação do futuro cidadão e de um homem consciente da dignidade de todo ser humano.

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A concepção de homem

Considerado como sujeito único situado no mundo e em constante formação pela contínua descoberta do seu Eu, neste processo de constante auto-conhecimento, a experiência pessoal e subjetiva é fundamental. Não existem modelos prontos nem regras exteriores a seguir, pois estas impediriam o vir-a-ser subjetivo. O objetivo fundamental do sujeito, enquanto homem, é a auto-realização pelo uso pleno de suas potencialidades e capacidades.

O homem não nasce com um fi m determinado, pré-concebido (tanto no plano existencial quanto espiritual); sua determinação é a felicidade e, para alcançá-la, desfruta de plena liberdade para constituir-se, constituindo a sua existência. Daí a noção de um projeto permanente e inacabado, de um constante “vir-a-ser”. O homem sempre almeja ser, e será o que a sua vontade determinar.

Para Roger (1978, p. 53), ser humano signifi ca:

Ser uma totalidade, um organismo em processo de integração; ser independente, diferente, autônomo e, como tal, devendo ser aceito e respeitado.Ser uma pessoa na qual os sentimentos e as experiências exerçam um papel muito importante, como fator de crescimento.Ser uma pessoa que possui uma capacidade, uma tendência a desenvolver-se, a autodirigir-se, a reajustar-se, tendência e capacidade estas que devem ser liberadas não diretivamente.Ser uma pessoa considerada num presente imediato, aqui e agora.Ser uma pessoa interagindo com outras pessoas, compreendida e aceita como tal, por parte de quem a ajuda.

Para ele, a crença na fé e a confi ança na capacidade da pessoa, em seu próprio crescimento, constituem o pressuposto básico do seu desenvolvimento.

Assim, nesta pedagogia, o homem tem consciência de sua incompletude, o que o torna “no arquiteto de si mesmo”, e isto implica construir-se. Sendo um ser incompleto, é,

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Didática II

Unidade 2

simultaneamente, um ser em constante transformação. Ao transformar-se, transforma o mundo que o rodeia.

A concepção de mundo

As pedagogias humanistas consideram que a realidade é um fenômeno subjetivo, pois o ser humano reconstrói em si o mundo exterior a partir da sua percepção, e, de acordo com sua experiência, atribui-lhe determinados signifi cados. Nesse sentido, em cada indivíduo, há uma consciência autônoma que atribui signifi cados à realidade, sendo papel da educação preservar e favorecer o desenvolvimento desta consciência.

Enquanto pedagogia centrada no sujeito, afi rma que o mundo é por ele produzido. O mundo é, assim, um projeto humano de cada um. É expressão do potencial criador de cada pessoa em sua auto-realização.

Como a interpretação do mundo é inerente a cada personalidade, as pedagogias humanistas consideram que não há um mundo objetivo, pois a objetividade está ligada ao olhar, às referências de quem (da personalidade) olha o mundo. Portanto cada “Eu” (personalidade) vê o mundo de sua forma, da forma que lhe permite a auto-realização, ou seja, cada personalidade atribui, ao mundo, um determinado signifi cado.

A concepção de sociedade-cultura

Decorrente da visão de mundo, a sociedade e a cultura não devem condicionar as ações individuais: estas devem ser livres na atribuição de signifi cado ao mundo, em acordo com a percepção que dele se tenha. Ao invés de dever moldar-se às regras de conduta, de moral, de ética, impostas pela sociedade e sua cultura, o homem deve ser livre para readaptá-las às suas necessidades, tendo em vista a sua auto-realização. E isto só será possível através do convívio em liberdade e na liberdade.

A concepção de conhecimento

O conhecimento é o resultado da experiência pessoal e subjetiva de cada personalidade, em seu processo próprio de vir-a-ser.

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Como não há um mundo (objetivo), mas “os mundos” que cada um é capaz de detectar, o que há de real é a capacidade de percepção de cada personalidade. Este pressuposto reafi rma, portanto, ao sujeito, a centralidade do conhecimento e a centralidade da sua vivência, da sua experiência na atribuição de signifi cados ao mundo, de acordo com sua percepção sobre ele. Este mecanismo funciona como ponto de partida para as transformações que cada personalidade realiza no mundo e sobre o mundo, em função de seu objetivo de auto-realização.

A concepção de educação

A educação assume signifi cado amplo. Trata-se de educação do homem, e não, apenas, de um indivíduo em situação escolar, numa instituição de ensino.

Como esta pedagogia sustenta-se na episteme inatista, o ensino é centrado no sujeito, e a responsabilidade da educação é do próprio estudante, o qual defi ne os rumos que ela deverá tomar.

A educação alicerça-se, portanto, na auto-aprendizagem, tanto no que diz respeito ao desenvolvimento intelectual quanto emocional. Da auto-aprendizagem decorre a formação da autonomia, isto é, a formação de um sujeito com iniciativa, responsabilidade, discernimento, autodeterminado, com capacidades necessárias para que o próprio sujeito busque a resolução dos problemas que ele próprio se coloca.

Outra característica básica da educação, nestas pedagogias, é a capacidade de adaptação e fl exibilização do sujeito às novas situações, aos novos problemas, onde, para superá-los, ele utiliza as experiências já vividas, readequando-as.

A decorrência imediata destes pressupostos é que a educação é entendida não como algo que será útil no futuro, quando a criança tornar-se adulta, mas está dirigida para a criança mesma, para o sujeito no momento presente, como garantia de que possa viver e viver de forma feliz.

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A concepção de escola

Diante do que se viu, de como esta pedagogia concebe a educação, podemos bem entender a seguinte afi rmação: “A escola não é uma preparação para a vida, mas a vida mesma das crianças” (Gonzáles, 1978, p.16).

Esta afi rmação traz implícita a noção de praticidade presente na escola e de sua organização, que deve estar voltada para despertar a curiosidade da criança pela realidade, para que sobre ela atue.

É uma escola, portanto, que respeita a criança como ela é e oferece as condições necessárias para que ela possa desenvolver-se em seu processo de vir-a-ser.

O respeito à criança, em não impor a ela nada que não queira, implica um currículo não estruturado, ou um conceito de currículo aberto, composto da mais ampla variedade de atividades que a criança poderá ou não realizar, de acordo com seu interesse, proveniente de suas necessidades.

A concepção de processo ensino-aprendizagem

Dada a concepção de criança, presente nesta pedagogia, a organização do processo ensino- aprendizagem leva em conta, fundamentalmente, o respeito à vontade da criança e a sua liberdade.

Estas pedagogias consideram também que as estratégias de ensino a serem utilizadas no processo ensino-aprendizagem devam partir, e tenham como ênfase, o jogo, isto é, o lúdico e a livre atividade da criança. Por esta razão, as pedagogias humanistas consideram que não há aprendizagem efetiva que não parta de alguma necessidade ou interesse da criança, o que justifi ca a defesa que faz de que o ponto de partida da educação deva ser o interesse da criança, a sua vontade em conhecer algo a partir de sua curiosidade.

É também, por esta mesma razão, que o princípio da “atividade” é importante e que está representado na afi rmação: “aprender fazer-fazendo”.

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Estas pedagogias privilegiam a idéia de que a ação deve preceder a representação. Vale aqui lembrar a afi rmação de Piaget (in Gonzáles, 1978, p.17), “tudo aquilo que ensinamos à criança, impedimos que ela invente por si mesma”. Ela recoloca a importância dos princípios educativos da atividade criadora e construtiva da criança, garantia de um aprendizado autêntico, vivo e real. Vale dizer: esta pedagogia considera que a criança é livre e deve viver num ambiente de liberdade, razão pela qual nem a escola nem o processo ensino-aprendizagem podem tolher ou impedir o exercício desta liberdade. De outra forma, se estará rejeitando um principio básico e fundamental desta pedagogia: o respeito à criança e ao seu processo de vir-a-ser.

Também por esta razão, o processo ensino-aprendizagem estrutura-se na não-diretividade, a qual consiste num conjunto de técnicas que implementam a atitude básica de confi ança e respeito ao aluno.

De acordo com Puente (1978, p.73),

A não diretividade pretende ser um método não estruturante do processo de aprendizagem, pelo qual o professor se abstém de intervir diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo valores, objetivos etc., constituindo-se apenas num método informante do processo de aprendizagem do aluno, pelo qual o professor não dirige propriamente esse processo, mas apenas se limita a facilitar a comunicação do estudante consigo mesmo, para ele mesmo estruturar seu comportamento experiencial.

A concepção de relação professor-aluno

Esta pedagogia considera que não é possível especifi car, em termos de estratégias de ensino, quais competências deve o professor ter ou desenvolver, pois cada professor é também uma personalidade única e desenvolverá suas próprias estratégias de ensino. A competência básica necessária é a habilidade de compreender-se e compreender os outros.

O professor assume o papel de facilitador da aprendizagem, devendo aceitar o aluno tal qual ele é e compreender os sentimentos que ele possui. Este é o clima favorável e desejável

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para que a aprendizagem ocorra. Já o aluno deve responsabilizar-se pelos objetivos que deseja atingir, isto é, defi nir o que quer aprender, a partir de seu interesse. Deve ser entendido como capaz de se autodesenvolver e, para tanto, o seu processo de aprendizagem deve ser facilitado.

Também como conseqüência direta da liberdade concedida às crianças, o professor deve desempenhar um papel muito diferente na educação. A relação poder-submissão da escola tradicional é substituída por uma relação de afeto-camaradagem que, inclusive, extrapola o espaço escolar. Nestas circunstâncias já não há lugar para professor como representante do mundo exterior e da autoridade; seu papel só tem razão de ser como auxiliar do desenvolvimento livre e espontâneo da criança.

A nova atitude envolve uma supervalorização da conduta do professor sobre a sua palavra. É que esta pedagogia acredita ter o exemplo mais valor que a palavra. Conta para a formação e instrução da criança o que o professor faz e o que é, e não, o que ele lhe diz. O professor tem, portanto, consciência de ser um modelo para a criança; um modelo atual, vivo e presente, o que contrasta vivamente com os modelos que a didática tradicional oferecia, isto é, as grandes personagens da história, do passado, com os quais a identifi cação da criança era muito mais difícil de ser estabelecida.

Deve-se também considerar que esta pedagogia atribui um grande valor à atitude solidária entre as crianças. A cooperação e a solidariedade substituem, deste modo, o individualismo fomentado pela escola tradicional: as classes e as escolas são grupos e comunidades, mais que a soma de seres isolados. Com freqüência, além disso, as crianças trabalham, em grupo, o que fomenta as relações interpessoais.

O autogoverno é um dos princípios básicos da ação educativa, pois sua capacidade quase terapêutica é muito valorizada: o autogoverno, com efeito, libera tensões através da discussão honesta, provoca menos ressentimento que a autoridade adulta; evita associar os professores a outros adultos disciplinadores que a criança conhece; ensina a democracia e a solidariedade.

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De qualquer ângulo considerado, a relação professor-aluno vê-se profundamente modifi cada, e a nova dinâmica que se estabelece entre os alunos caracteriza bem o espírito desta pedagogia.

A concepção de metodologia

A metodologia assume papel secundário, pois não há uma metodologia que deva ser seguida, pois cada criança, cada aluno é quem irá defi nir como irá trabalhar, isto é, como irá organizar o seu fazer, as suas experiências.

O professor, enquanto facilitador da aprendizagem do aluno, é quem deve conhecer diferentes metodologias, para colocá-las à disposição do aluno, de modo que este escolha a que irá empregar, para realizar a atividade.

Para Rogers (1972, p.182-183), ao invés de prescrições metodológicas, o professor deve organizar o ambiente de aprendizagem de tal forma, que:

restaure, estimule e intensifi que a curiosidade do aluno;

encoraje o aluno a escolher seus próprios interesses;

promova todos os tipos de recursos;

permita ao aluno fazer escolhas responsáveis quanto às suas próprias orientações, assim como assumir a responsabilidade das conseqüências de suas opções erradas, tanto quanto das certas;

dê ao aluno papel participante na formação e na construção de todo o programa de que ele é parte;

promova interação entre meios reais;

focalize, por meio de tal interação, problemas reais;

desenvolva o aluno autodisciplinado e crítico, capaz de avaliar tanto as suas quanto as contribuições dos outros;

capacite o aluno a adaptar-se inteligente, fl exível e criativamente a novas situações problemáticas do futuro.

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O principal mérito da metodologia do professor é o de criar um clima favorável ao desenvolvimento do vir-a-ser do aluno, um clima próprio de liberdade para aprender.

A concepção de avaliação

Todos os autores desta pedagogia consideram que a auto-avaliação é a única e verdadeira avaliação possível e que deve existir, pois só o próprio sujeito pode avaliar o quanto ele se desenvolveu, o quanto ele mudou. Isto porque só o próprio indivíduo pode conhecer e saber a sua experiência, e esta só pode ser julgada a partir dos critérios estabelecidos pelo próprio sujeito.

Pode-se constatar, na pedagogia humanista, uma grande preocupação com o desenvolvimento da personalidade e singularidade dos sujeitos.

Ainda que se deva ressalvar o seu caráter extremista, se considerarmos a preocupação que ela tem com a formação humana, não podemos deixar de considerar que representa um avanço em relação à pedagogia tradicional.

SEÇÃO 3 – A Pedagogia Cognitiva

Quando utilizo o título de Pedagogias Cognitivas, estou referindo-me a todas as abordagens ou teorias de educação baseadas em diferentes autores, como Piaget, Freinet, Wallon, Vygotsky, Lúria, Paulo Freire, Dermeval Saviani e outros, que partem do princípio da cognição, isto é, de que o conhecimento do indivíduo sobre a realidade é resultado do seu esforço em assimilar esta mesma realidade e de que esta (re)age sobre o próprio indivíduo, modifi cando as suas estruturas de pensamento.

Assim, estão contempladas, nestas pedagogias, as chamadas Pedagogia Libertadora; Pedagogia Libertária; Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos; o Sociointeracionismo; o Construtivismo; a Pedagogia Sociocultural, enfi m, todas as teorias, com o nome e a classifi cação que os diferentes autores

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atribuem àquela forma de organizar a ação didática do professor: a partir da oportunidade que a didática promove em colocar o Sujeito em contato com o Objeto de conhecimento, isto é, com a realidade a ser conhecida; ou ainda, onde o processo ensino-aprendizagem se alicerça numa pedagogia relacional, cujo pressuposto epistemológico é a relação Sujeito-Objeto.

S O

Becker (1994, p. 92), ao explicitar este paradigma epistemológico, realça a importância de que o processo de aprendizagem esteja fundamentado na oportunidade oferecida pelo professor ao aluno de este se relacionar com o objeto de conhecimento, em consonância com a organização da sua ação didática. Segundo ele, “[...] o aluno só aprenderá alguma coisa, isto é, construirá algum conhecimento novo, se ele agir e problematizar a sua ação[...]”, ou seja, o professor acredita que o conhecimento só é possível a partir de duas condições: a primeira – que o aluno aja sobre o material que o professor presume que tenha algo de cognitivamente interessante e signifi cativo para o aluno e, por esta razão, o desafi a com a apreensão daquele conhecimento específi co; e a segunda - que o aluno responda para si mesmo as perturbações provocadas pela assimilação do conhecimento novo, isto é, que refl ita sobre o novo no momento de sua assimilação, o que ocorrerá a partir das questões levantadas pelos próprios alunos e, principalmente, pelo professor.

Assim, retoma-se a maiêutica socrática no fazer e na organização didática do professor, quando se afi rma que professor é aquele que pergunta.

Como decorrência deste paradigma epistemológico relacional, há que se explicitar e compreender todo um conjunto de princípios, valores e conceitos, para que a pedagogia relacional se efetive.

Esta pedagogia possui como característica geral o fato de fundamentar-se nas relações, sejam interpessoais, sejam do sujeito com o objeto de conhecimento, isto é, a forma como o indivíduo “inter-age” com a realidade para conhecê-la. Logo, a metodologia do processo de aprendizagem é eminentemente investigativa e está centrada na capacidade do aluno em processar e integrar as informações para constituí-las em conhecimento. Conhecimento

maiêutica - mai.êu.ti.ca - sf (gr

maieutikós) 1 Pedag Uma das formas

pedagógicas do método socrático,

que consiste em multiplicar as

perguntas a fi m de obter, por

indução dos casos particulares e

concretos, um conceito geral do

objeto em estudo. 2 Ginec Arte de

partejar; obstetrícia. (Moderno

Dicionário da Língua Portuguesa

Michaelis).

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que possui uma destinação específi ca, a de transformar as condições reais de existência no sentido do bem comum.

A organização didático-pedagógica desta teoria se estrutura segundo as concepções a seguir.

A concepção de homem - mundo

O homem é considerado como pessoa situada no mundo. Não nasce com um fi m determinado, goza de liberdade e se apresenta como um sistema aberto em re-estruturações sucessivas, em busca de um estágio fi nal nunca alcançado por completo. Não é um resultado, cria-se a si próprio num movimento contínuo de adaptação endógena através dos processos de equilibração, como resultado do movimento da assimilação do novo às estruturas de pensamento e da adaptação destas à nova realidade, compondo novas e cada vez mais complexas estruturas mentais. Neste processo, cria a si e o mundo circundante. Ao modifi car-se, modifi ca o meio como resultado do novo olhar sobre a mesma realidade. Simultaneamente, o meio por ele modifi cado retroage sobre ele, reiniciando o movimento, numa permanente espiral ascendente.

O desenvolvimento do ser humano consiste em alcançar o máximo de operacionalidade em suas atividades, sejam estas motoras, verbais ou mentais. Nesta perspectiva, todo indivíduo possui um grau de operatividade motora, verbal e mental, de acordo com o nível de desenvolvimento que, individualmente, alcançou, o que defi ne a sua visão de organização do mundo e a forma como nele irá intervir. Ou seja, o homem chegará a ser sujeito através da refl exão sobre seu ambiente concreto. Quanto mais ele refl ete sobre a realidade, sobre a sua própria situação concreta, mais se torna, progressiva e gradualmente, consciente desta realidade, comprometendo-se a nela intervir para mudá-la.

Assim, segundo Freire (1974), sendo o homem sujeito de sua própria educação, toda a ação educativa deverá promover o próprio indivíduo e não constituir instrumento de seu ajuste à sociedade.

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A concepção de sociedade-cultura

O desenvolvimento da sociedade deve caminhar no sentido da democracia, que implica deliberação comum e responsabilidade pelas regras que os indivíduos seguirão. O pacto democrático, com deliberação comum e responsável, é relativo ao nível de desenvolvimento mental e do exercício da autonomia que o indivíduo é capaz de exercer.

A liberdade está relacionada, portanto, à participação ativa na elaboração de regras comuns para o grupo e no exercício da autonomia, tanto moral quanto intelectual.

A sociedade democrática só será possível a partir, fundamentalmente, da autonomia moral, de que decorre a autonomia intelectual. Ainda que os indivíduos, ao se inserirem na sociedade, o façam de uma forma inicial heterônoma (tanto pela moral e, consequentemente, intelectual), o objetivo é que eles se tornem sujeitos, isto é, autônomos, condição para a sociedade democrática. Portanto a moral, enquanto lógica de conduta, é uma construção gradual, que inicia pelas regras impostas (heteronomia) até o contrato social (autonomia), onde deve ocorrer a deliberação coletiva e livre em direção a uma forma conciliatória. Esta deve satisfazer ao máximo os membros do grupo e, assim, da sociedade.

Neste sentido, a própria sociedade está em constante construção, pela passagem das novas gerações da condição de heteronomia à autonomia. A democracia, portanto, não é um produto fi nal, pronto e acabado, mas uma construção que se fundamenta na conciliação e re-equilibração entre autonomia-heteronomia. Logo, não se tem um modelo de sociedade como produto fi nal da evolução humana, pois, sendo o homem um ser em permanente re-construção, é ele o responsável, através de sua atuação, pela construção do meio que também se apresenta em constante re-construção.Deste modo, o homem cria a sociedade e a sua cultura, à medida que, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, refl ete sobre ela e dá respostas ao desafi o que encontra, re-construindo as informações iniciais, constituindo-as em conhecimento pela sua re-elaboração, re-criação e adequação às novas e peculiares situações a que deve responder.

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Segundo Freire (1974, p.41), “cultura é o resultado da atividade humana, do esforço criador e re-criador do homem, de seu trabalho em transformar e estabelecer relações dialogais com outros homens”.

Portanto a cultura é uma aquisição sistemática a partir da refl exão do homem sobre o objeto de criação, ou, podemos dizer, de conhecimento, e não, de um puro e simples armazenamento de informações justapostas. Ou, conforme afi rma:

[...] o homem cria a cultura no ato de estabelecer relações, no ato de responder aos desafi os que a natureza coloca, como também no próprio ato de criticar, de incorporar a seu próprio ser e de traduzir por uma ação criadora a experiência humana feita pelos homens que o rodeiam ou que o precederam. (FREIRE, 1997, p.41).

A concepção de conhecimento

Como pressuposto básico tem-se que o conhecimento é uma construção contínua, a qual o sujeito é capaz de realizar a partir das relações que estabelece com o objeto de conhecimento e a partir do mesmo. Portanto o conhecimento (não a informação) é fruto da experiência pessoal e subjetiva e se caracteriza pela formação de novas estruturas mentais, que não existiam anteriormente no indivíduo. Esta a razão para afi rmar-se que o conhecimento humano é essencialmente ativo.

Para Piaget (1970, p.30),

Conhecer um objeto é agir sobre e transformá-lo, apreendendo os mecanismos dessa transformação vinculados com as ações transformadoras. Conhecer, é, pois, assimilar o real às estruturas de transformações, e são as estruturas elaboradas pela inteligência enquanto prolongamento direto da ação.

Para ele, o conhecimento é fruto de duas etapas: a exógena, que é a fase da constatação, da cópia, da repetição e reprodução das informações do meio; e a endógena, onde as informações são processadas, compreendidas em suas inter-relações e

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combinações, que se dá através da análise das comparações, da crítica e da criatividade inventiva de readequar o conhecimento às novas situações.

Deve-se considerar que a aprendizagem pode parar na primeira fase do conhecimento, isto é, fi car na pura e simples repetição informacional. O verdadeiro conhecimento implica a fase endógena, isto é, a reestruturação da informação, constituindo-a em conhecimento pela reestruturação mental que o indivíduo é capaz de realizar.

Sobre isso, Chiarottino (1980, p.82), valendo-se de estudos de Piaget, afi rma que:

[...]As estruturas orgânicas (estruturas mentais) que constituem a inteligência, não são nem inatas nem determinadas pelo meio, mas são o produto de uma construção, devido às perturbações do meio e à capacidade do organismo de ser perturbado e de responder a esta perturbação. É através das ações do indivíduo, a partir dos esquemas motores, que se dá a compensação a essas perturbações, ou seja, a troca do organismo com o meio, graças a um processo de adaptação progressivo no sentido de uma constante equilibração que permite a construção de estruturas específi cas para o ato de conhecer.

A decorrência lógica deste pressuposto é a de que não há receitas ou modelos pré-estabelecidos de respostas a uma dada realidade, mas tantas respostas quantos forem os desafi os, sendo possível, inclusive, encontrar diferentes respostas para um mesmo desafi o.

Dependendo da resposta que o sujeito dê a determinado desafi o, não só modifi ca a realidade circundante em que está inserido, como também modifi ca a si próprio. Caso a resposta a determinado desafi o seja a repetição da que foi dada por outro, sem a compreensão, reestruturação e readequação à nova situação, o indivíduo constrói-se como um repetidor, um reprodutor de verdades pré-estabelecidas por outros, as quais aceita, sem criticá-las.

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A concepção de educação

O processo educacional, decorrente das concepções de desenvolvimento do sujeito e da construção do conhecimento, tem um papel importantíssimo, uma vez que é ele (o processo educacional) o responsável pela concretização do sujeito, e é ele que deve provocar situações as quais sejam desequilibradoras para o aluno, de modo que este possa responder aos desafi os, construindo-se ao construir, progressivamente, as estruturas mentais necessárias ao conhecimento.

Esta é a razão pela qual Piaget (1973, p.69) ressalta a importância de que a autonomia intelectual e moral andem pari passu. Diz ele:

[...] não se pode formar personalidade autônoma no domínio moral se por outro lado o indivíduo é submetido a um constrangimento intelectual de tal ordem que tenha de se limitar a aprender por imposição, sem descobrir por si mesmo a verdade: se é passivo intelectualmente, não conseguiria ser livre moralmente. Reciprocamente, porém, se a sua moral consiste exclusivamente em uma submissão à autoridade adulta, e se os únicos relacionamentos sociais que constituem a vida da classe são os que ligam cada aluno individualmente a um mestre que detém todos os poderes, ele também não conseguiria ser ativo intelectualmente (...) o pleno desenvolvimento da personalidade, sob seus aspectos mais intelectuais, é inseparável do conjunto de relacionamentos afetivos, sociais e morais que constituem a vida da escola.

Assim, podemos melhor entender que o objetivo da educação não deve ser a “transmissão” de verdades pré-estabelecidas, de informações, de demonstrações, de reprodução de modelos, e sim, aquela em que o aluno aprenda por si próprio a conquistar estas verdades, ainda que esta implique “tateios” experimentais.

A educação pode ser considerada, igualmente, como um processo de socialização, que implica equilíbrio nas relações interindividuais e ausência de regulador externo (ordens externas). Neste sentido, socializar implica criar condições de cooperação, colaboração, trocas e intercâmbio entre as pessoas, o que propiciará o desenvolvimento do respeito mútuo necessário ao desenvolvimento da autonomia (moral e intelectual).

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Para Freire (1974, p.42), a ausência desta refl exão implica a adoção de métodos educativos e diretrizes didáticas que reduzem o homem à condição de objeto, ao invés de sujeito. Afi rma ele:

É preciso que a educação esteja, em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos, adaptada aos fi ns que persegue: permitir o homem a chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo e estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história.

Assim, o objetivo básico da educação é o de provocar e criar condições para que se desenvolva, no sujeito, uma atitude de refl exão crítica, comprometida com uma ação transformadora.

A concepção de escola

Independentemente de ser de educação básica ou de educação superior, a escola deve possibilitar o desenvolvimento de ações motoras, verbais e mentais, ou, dito de outra forma, deve possibilitar o desenvolvimento do saber-fazer e do saber-saber. Para tanto, deve organizar-se didaticamente para possibilitar que a ação do aluno seja uma ação investigativa. Isso implica diretamente que a ação didática seja no sentido de criar necessidades (problemas), para que estes, uma vez instalados, promovam a motivação intrínseca do aluno para satisfazê-las, provocando a capacidade de aprender, tornando possível a criação e desenvolvimento das estruturas mentais, do ponto de vista endógeno.

Conforme Chiarottino (1980, p. 98),

[...] se o indivíduo construiu suas estruturas do ponto de vista endógeno, estas terão necessidade de ’alimento’, isto é, necessidade dos objetos que podem assimilar. Dizer que um sujeito se interessa por um resultado ou por um objeto, signifi ca que ele pode assimilá-lo ou que ele antecipa uma assimilação, e dizer que tem necessidade de algo, signifi ca que possui estruturas exigindo a sua utilização.

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Impõe considerar, também, na organização didática da escola, que o processo investigativo não deve e não pode se constituir num trabalho solitário, logo não prescinde do desenvolvimento da atitude cooperativa e solidária entre os acadêmicos e professores, na busca pelo conhecimento.

A concepção de processo ensino-aprendizagem

De tudo que se disse até aqui, fi ca claro que o processo ensino-aprendizagem é o momento em que as concepções devem ser concretizadas; também fi ca claro que a sua centralidade está posta no processo de organização didática, voltado a desenvolver no aluno as estruturas mentais de pensamento que lhe possibilitarão o saber-saber ou aprender a apreender.

Para que este processo se realize, o professor deve estar consciente de que seu papel não é mais o de “transmissor de conteúdos” ou de verdades prontas e acabadas, como advogava o ensino tradicional, mas sim, o de “problematizador” e o de “mediador” da relação entre aluno e conhecimento.

O processo, como tal, valoriza a ação, a atividade do aluno sobre o objeto de conhecimento.

É importante lembrar que a ação e a atividade, aqui referidas, não se reduzem à ação e atividade motora, apenas as incluem, quando for o caso.

Aqui cabe recorrer novamente a Piaget (1988, p.166), quando esclarece que o termo atividade pode ser tanto refl exivo e puramente gnóstico, quanto prático e manual, baseado no interesse e designando uma operação exterior e motora; e que o primeiro signifi cado é que interessa à educação. Para ele, “[...] pode-se ser ativo em puro pensamento”, e, continua ele, se o conceito de ativo, enquanto sinônimo de ações concretas do sujeito “[...] é verdadeiro para os graus elementares, não o é, entretanto, para os níveis superiores, onde o aluno pode ser inteiramente ativo, no sentido de uma redescoberta pessoal de verdades a conquistar, fazendo com que esta atividade incida sobre a refl exão interior e abstrata.” (PIAGET, 1988, p. 78).

Tomamos emprestada de

Anastasiou (2003, p.14)

a distinção que a autora

faz entre “aprender”

e “apreender”. “O

apreender, do latim,

apprehendere,

signifi ca segurar,

prender, pegar, assimilar

mentalmente, entender,

compreender, agarrar.

Não se trata de um verbo

passivo; para apreender

é preciso agir, exercitar-

se, informar-se, tomar

para si, apropriar-se,

entre outros fatores.

O verbo aprender,

derivado de apreender

por síncope, signifi ca

tomar conhecimento,

reter na memória

mediante estudo, reter a

informação, etc.”

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Vemos, assim, que a verdadeira ação e atividade desejada é a atividade mental, é o esforço,o movimento da mente (entre assimilação e acomodação) na busca e compreensão do real.

Portanto um ensino que procura desenvolver a inteligência deverá priorizar a atividade do sujeito, considerando-o inserido numa situação social. É que apreender signifi ca assimilar o objeto a esquemas mentais.

Considerando as diversidades e singularidades dos diversos e diferentes sujeitos na sala de aula, o ensino, isto é, a organização didática deverá assumir formas diversas no decurso de seu desenvolvimento, já que o “como” o aluno apreende a realidade depende dos esquemas, das estruturas mentais de cada um e da forma pela qual ele se relaciona com o objeto de conhecimento. Aí a razão de a organização didática se estruturar na forma investigativa, baseada no

ensaio-erro que a pesquisa, na busca da solução de problemas, possibilita; e não, na fi xação de fórmulas, nomenclaturas, classifi cações, defi nições e repetições de informações.

Repetimos: o ponto fundamental do ensino, da organização didático-pedagógica do professor consiste no processo e não, nos produtos da aprendizagem.

A concepção de relação professor – aluno

Se o papel do professor é o de problematizador e mediador, o do aluno é o de pesquisador, investigador.

Professor e aluno interagem com o objeto de conhecimento, através do diálogo. A dialogicidade é o instrumento mais adequado para a investigação sobre a realidade. Diálogo de quem (professor), em já conhecendo a realidade, incita a que o outro (aluno) a “des-vele”, a “des-cubra” (no sentido de retirar o véu que encobre a realidade, no sentido fenomenológico de conseguir olhar para além do aparente, para além de como o real se apresenta a nossos olhos, conseguindo “ver” não apenas os elementos que o compõem, mas, sobretudo, as relações destes elementos entre si na composição do todo que constitui o real).

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O diálogo sobre a realidade tem por objetivo não só entendê-la, mas também, e fundamentalmente, questioná-la: Por que ela é assim? Por que se constituiu desta forma? De quais outras formas poderia ser constituída? Seria necessário existirem quais elementos para que a construção desta realidade fosse diferente? Não podemos esquecer que é o diálogo questionador sobre o real que possibilita o conhecimento avançar por entre as alternativas de soluções propostas a um mesmo problema.

Assim, cabe ao professor criar situações propícias à reciprocidade intelectual e cooperação, ao mesmo tempo moral e racional. Cabe a ele evitar a rotina e a fi xação de respostas. Deve, simplesmente, propor problemas, sem ensinar-lhes a solução.

Sua função consiste, portanto, em provocar desequilíbrios epistêmicos, propor desafi os. Cabe-lhe o papel de orientador de estudos, assegurando, porém, ao aluno ampla margem de liberdade de ação na busca das soluções, de modo a permitir-lhe o desenvolvimento da autonomia e de todos os atributos e operações mentais a ela implicados.

O que se deseja, segundo Piaget (1974, p.18) “... é que o mestre deixe de ser apenas um conferencista e estimule a pesquisa e o esforço {intelectual}, em lugar de contentar-se em transmitir problemas já solucionados”.

A concepção de metodologia

A organização didático-pedagógica da sala de aula se evidencia, toma forma e movimento, isto é, dinamiza-se pela metodologia prevista e utilizada pelo professor. Coerente com o até agora exposto, a metodologia de trabalho alicerça-se na teoria dialética do conhecimento.

Devemos ter presente que a realidade é contraditória e que, para superá-la, é necessário compreender a relação entre os elementos que a constituem e por quais razões ela está constituída desta forma e não, de outra.

Neste sentido, devemos também ter presente que a primeira visão do sujeito sobre a realidade é sincrética, isto é, o real se apresenta aos nossos olhos, num primeiro momento, em seu todo,

“Sala de aula”, como se

entende aqui , refere-se

a todo espaço-tempo

previsto e utilizado

pelo professor na

organização didático-

pedagógica do ensino,

independentemente do

local e tempo onde irá

realizar-se a atividade;

e não, simplesmente, ao

espaço geográfi co limitado

pelas quatro paredes da

sala de aula convencional.

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de forma confusa e indistinta. Para que possamos compreendê-lo integralmente e termos sobre ele uma relação e ação consciente, devemos analisar não só suas partes, os elementos que o constituem, mas, sobretudo, a forma como estas partes e elementos se “inter-relacionam” para compor o todo.

Não devemos esquecer a afi rmação efetuada, já em 1848, por Proudhon (1990). Segundo ele, o todo é maior que a simples

soma de suas partes. Por esta razão, fundamentalmente, torna-se necessário ao aluno desenvolver a capacidade (operações mentais) de identifi car, observar, comparar, classifi car, interpretar, criticar, relacionar, sintetizar, avaliar e transferir conhecimentos em novas situações, pois estes são os instrumentos que lhe permitirão

olhar analiticamente e criticamente o real, para sair da visão sincrética e chegar à visão de síntese. Exatamente,

com esta visão de síntese, o aluno se torna capaz de explicar e compreender o todo, de forma clara e sistemática, com plena compreensão das partes que o constituem. Isto lhe permitirá, em decorrência, uma ação consciente e efetiva sobre o real, com vistas à sua transformação e/ou readequação.

A concepção de avaliação

Como a ênfase é no processo de aprendizagem, a avaliação também segue este paradigma.

Ao invés de uma avaliação enquanto medição, quantifi cação, classifi cação e punição, adota-se o paradigma de avaliação processual, pois o que interessa é que professor e aluno possam acompanhar, avaliando-as, as atividades em realização; diagnosticar seu desenvolvimento permanentemente; e tomar as medidas necessárias à correção da atividade no próprio processo, sendo o caso. Neste sentido, a avaliação é entendida como refl exão sobre as práticas individuais e sociais, com vistas a uma nova ação, tendo por função a modifi cação de comportamentos ante as modifi cações da realidade circundante.

Enquanto diagnóstica e mediadora, a avaliação constitui-se em um contributo fundamental para o desenvolvimento individual e coletivo na busca do saber científi co, tornando-se um instrumento cujo objetivo é diagnosticar o estágio de desenvolvimento do aluno e subsidiar a ação do professor, no sentido de sanar as

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Didática II

Unidade 2

difi culdades apresentadas. A partir daí, a organização, re-elaboração, sistematização e construção das estruturas mentais necessárias ao conhecimento fi cam asseguradas.

Diante do exposto, podemos constatar que:

a pedagogia tradicional está centrada no papel do professor;

a pedagogia humanista está centrada no papel do aluno; e

a pedagogia cognitiva está centrada na relação que professor e aluno estabelecem com a realidade, ou o conhecimento.

Desenvolva agora as atividades referentes ao estudo desta unidade.

Atividades de auto-avaliação

Após a leitura criteriosa da unidade 2, efetue as atividades de auto-avaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas.

1) Com base no que você estudou nessa unidade, complete o quadro, relacionando as características sobre cada uma das concepções, de acordo com o modelo pedagógico. Consulte também o texto de Fernando Becker que se encontra em anexo, no fi nal do livro.

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PEDAGOGIAS

CONCEPÇÕES DIRETIVAS NÃO-DIRETIVAS RELACIONAIS

1-Características gerais

2-Homem

3-Mundo

4-Sociedade-cultura

5-Conhecimento

6-Educação

7-Escola

8-Ensino-aprendizagem

9-Professor-aluno

10-Metodologia

11-Avaliação

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Unidade 2

2) Conforme você viu, as teorias de educação têm por fi nalidade orientar a ação e a organização didática do professor, segundo um conjunto de princípios educativos de determinado paradigma epistemológico. Tendo em vista esta afi rmação, descreva uma ação didática do professor, baseada no paradigma epistemológico relacional da teoria de educação cognitivista.

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Síntese

As teorias de educação estruturam e orientam a organização didática do professor, a partir dos seus princípios.

As teorias de educação presentes na história da educação brasileira podem ser agrupadas em três grandes grupos, a saber:

a) as Pedagogias diretivas – que são aquelas provenientes da episteme empirista e que, portanto, têm seu foco centrado no predomínio do objeto do conhecimento;

b) as Pedagogias não-diretivas – que são decorrentes da episteme inatista e que, portanto, estão centradas na primazia do sujeito do conhecimento;

c) as Pedagogias relacionais ou interacionistas, ou ainda cognitivistas – que são aquelas cujo pressuposto epistemológico não está centrado nem no objeto de conhecimento (como preconiza o empirismo), nem no sujeito (como preconiza o inatismo), mas sim, na relação que o sujeito estabelece com o objeto de conhecimento, isto é, com a realidade a ser conhecida.

A cada uma destas pedagogias corresponde uma série de características próprias, as quais distinguem e diferenciam a organização didática que o professor pode estabelecer em sua sala de aula.

Conhecer estas pedagogias, para conhecer como pode organizar a sua ação didática, é de fundamental importância para o professor. É que, só a partir desse conhecimento, terá condições de saber se está organizando didaticamente a sua aula, voltada ao Homem que deseja formar.

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Unidade 2

Saiba mais

Leia o texto de Fernando Becker intitulado “Modelos Pedagógicos & Modelos Epistemológicos” que se encontra em anexo no fi nal do livro.

Assista ao fi lme - ou reveja: “Nenhum a menos” (Título original: “Not one less”, da Columbia Pictures – vencedor do Leão de Ouro de melhor fi lme do Festival Internacional de Cinema de Veneza de 1999). Anote suas impressões sobre em quais situações do fi lme a professora substituta (Wei Minzhi) age segundo uma pedagogia tradicional; e em quais momentos e como age, segundo uma pedagogia cognitivista.

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UNIDADE 3

O projeto político pedagógico da escola

Objetivos de aprendizagem

Identifi car e analisar a fundamentação legal que justifi ca o Projeto Político Pedagógico da escola.

Identifi car, relacionar e caracterizar os itens que constituem o Projeto Político Pedagógico da escola.

Analisar e avaliar a importância do Projeto Político Pedagógico da escola como elemento organizador de suas ações didáticas.

Identifi car, relacionar e analisar, no Projeto Político Pedagógico da escola, a teoria de educação que o orienta.

Seções de estudo

Seção 1 Projeto Político Pedagógico: fundamentação legal

Seção 2 Elementos constituintes do Projeto Político Pedagógico

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Para início de conversa

Você sabe que, se desejamos e/ou vamos realizar algo, devemos planejar nossos passos, nossa atuação, para que dê certo aquilo que vamos realizar. É própria do ser humano a capacidade de “pré-ver”, ou seja, ver o que será realizado, antes mesmo de realizá-lo. É esta capacidade de prever, através do planejamento, que distingue o homem dos demais animais.

Ora, se a capacidade de previsão, de planejamento é própria do homem, fi ca lógico que ela também está presente na escola.

A escola utiliza o planejamento educacional como instrumento de previsão, para que as ações que pretende realizar sejam efetuadas na forma desejada, pensada e pretendida.

Este planejamento da escola, ao longo dos anos, já se chamou “Regimento Interno”; “Planejamento Escolar”; “Plano Global”, etc. Atualmente, este mesmo planejamento recebeu, através da legislação própria (LDBEN), o nome de Projeto Político Pedagógico.

Todos nós sabemos que a escola sempre utilizou um planejamento (tenha recebido o nome que fosse), como forma de organizar-se tanto na questão didática, quanto administrativa. Portanto planejamento na escola não é novidade para ninguém.

Importante ressaltar aqui que a novidade no Projeto Político Pedagógico não é apenas o seu nome, mas sim, o fato de que uma legislação federal tenha OBRIGADO todas as escolas a fazer e escrever o seu próprio Projeto Pedagógico.

E é este o tema que estaremos abordando nesta unidade.Nela, você saberá por que e para que existe o Projeto Político Pedagógico, bem como fi cará sabendo como elaborá-lo.

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Unidade 3

Seção 1 – Projeto Político Pedagógico: fundamentação legal

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394, de 20 de outubro de 1996) que defi ne, normaliza e organiza o sistema educacional brasileiro, estabelece no Título II - Da Organização da Educação Nacional, as responsabilidades e competências a cada esfera administrativa: da União, dos Estados, dos Municípios e da Escola.

Quando se refere à Escola, no artigo 12, defi ne claramente que é de responsabilidade da escola a elaboração e execução da proposta pedagógica.

Diz o Art. 12:

Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as de seu sistema de ensino, terão a incumbência de:I - Elaborar e executar sua proposta pedagógica;(...)IV - Zelar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;(...)VI - Articular-se com as famílias e a comunidade, criando processo de integração da sociedade com a escola;(...)

É importante observar que, quando a legislação defi ne como responsabilidade da escola a elaboração e execução da sua proposta pedagógica (Projeto Político Pedagógico - PPP), também faz entender não ser a escola composta, apenas, por seus dirigentes ou professores, mas por toda a comunidade escolar. Leia-se constituir incumbência da escola ( inciso VI do artigo 12 da LDB) a articulação com as famílias e comunidade. Está claro que a responsabilidade na elaboração do Projeto Político Pedagógico é de toda a comunidade escolar.

Mas a LDB vai mais longe, pois atribui responsabilidades e competências não apenas à União, aos Estados, Municípios e à Escola, como também atribui co-responsabilidade e competências diretamente ao professor quando afi rma em seu artigo 13:

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Diz o Art.13.

Os docentes incumbir-se-ão de:I - Participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;II - Elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo os pressupostos pedagógicos do estabelecimento de ensino;(...)VI -Colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Vejam que, de acordo com a LDB, é da responsabilidade direta do professor participar da elaboração do Projeto Político Pedagógico da escola, ou seja, é de sua obrigação e de seu dever elaborar junto o Projeto Político Pedagógico.

Esta situação legal, que a LDB atribui diretamente ao professor, denuncia prática bastante recorrente, muito freqüente mesmo, em nossas escolas. É que, seja por comodismo, ou por não querer “se incomodar”, por “não ter tempo”, o professor não participa das reuniões para discussão, elaboração e/ou re-elaboração do Projeto Político Pedagógico, delegando a um pequeno grupo de professores, normalmente ao diretor, vice-diretor e pessoal técnico-administrativo da escola, o trabalho ou a prerrogativa de o elaborarem.

Quando assim ocorre, o professor não apenas abre mão do seu direito de se fazer ouvir, de ver suas idéias, suas concepções do homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, educação, escola, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia e avaliação, conforme você viu nas seções anteriores, todas elas presentes e contempladas no Projeto Político Pedagógico, como também se torna relapso, descumprindo o que a LDB determina: “(...) participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”.

Claro que também vamos encontrar escolas onde o professor é impedido pela direção da escola de participar da elaboração do Projeto Político Pedagógico. Esta chama unicamente a si a responsabilidade ou o “direito” de elaborar o Projeto Político Pedagógico e o elabora “quase que escondido”, de forma furtiva, sem ninguém sabê-lo, com exceção de quem redigiu o que nele consta.

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Didática II

Unidade 3

Quando isto ocorre, elabora-se o Projeto Político Pedagógico não para reger e organizar as ações na escola, coerentemente, tendo em vista o que sente, diz e necessita a comunidade escolar; mas, unicamente, para atender uma formalização, uma fi nalidade burocrática.

Nestes casos, o Projeto Político Pedagógico, ao invés de ter fi nalidade organizativa, tem por fi m a gaveta, ou seja, foi feito para atender apenas a fi nalidade burocrática e, como tal, irá para o fundo de uma gaveta no gabinete do diretor.

Não serve como orientação das ações de alunos, pais, professores e corpo técnico-administrativo da escola.

Torna-se apenas um papel que ninguém lê e que poucos sabem que existe. E as ações na escola continuam sendo realizadas de forma fragmentária, cada um fazendo as coisas do “jeito que sabe” ou do “jeito que pensa ser o melhor”, ou ainda do “jeito que quer”.

A conseqüência direta desta atitude, seja do professor que não quer se incomodar, seja da direção que impede a participação da comunidade com medo de perder seu poder, sua “autoridade” de diretor, é a perda da oportunidade de educação de toda a comunidade escolar (pais, alunos, professores, corpo técnico-administrativo da escola), para a cidadania.

A educação para a cidadania é que deve constituir-se no foco de atuação do professor. Este deve ter presente que, se efetivamente quer ser um “educador”, seu papel não é apenas o de educar o seu aluno, mas o de educar, ou ajudar a educar toda a comunidade.

Neste sentido, o processo de elaboração do Projeto Político Pedagógico, quando realizado segundo o “espírito” da Lei, se constitui num excelente instrumento para que esta educação ocorra.

Retomemos o Artigo 13, quando diz que “os docentes incumbir-se-ão de:” e a complementação que aparece no inciso VI, a qual remete ao professor a incumbência de “colaborar com as atividades de articulação da escola com a família e a comunidade”.

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Este estatuto legal credencia o professor como educador da comunidade, ou exige dele uma educação para a cidadania e, deste papel, o professor-educador não pode fugir. No momento

que o professor participa ativamente na elaboração do Projeto Político Pedagógico da escola, trazendo os alunos, pais e funcionários para esta discussão e elaboração, está formando sujeitos conscientes de seu papel no mundo. Está formando sujeitos que se relacionam com a realidade, portanto, com o objeto de conhecimento, no sentido de nela interferir para transformá-la. Neste momento e nesta forma de agir, estará já, o professor, a praticar uma pedagogia

relacional segundo uma episteme relacional, conforme você viu nas seções anteriores, isto é, estará fazendo da sua prática de construção do Projeto Político Pedagógico uma prática dialogal (como diria Paulo Freire), estará educando na perspectiva relacional.

Mas é também importante trazer à discussão o que diz o inciso II do mesmo Artigo 13, que, propositadamente, deixamos para apresentar após o inciso VI.

Ele afi rma que:

Art.13.

Os docentes incumbir-se-ão de:II - Elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino.

Vejam que este inciso obriga a que o professor atue, exerça a sua docência, ou simplesmente, organize a sua ação didática em acordo com o Projeto Político Pedagógico da escola. Portanto, para elaborar o seu plano de ensino, os seus planos de aula, o professor precisa – obrigatoriamente – conhecer e saber o que diz o Projeto Político Pedagógico. Caso contrário, como poderá ele elaborar e cumprir o seu plano de trabalho (da sua disciplina) segundo a proposta pedagógica da escola?

Temos aqui, assinalada, a importância e a necessidade de que o professor conheça o Projeto Político Pedagógico da escola onde está atuando e tenha participado de sua elaboração. Mas poderiam pensar e dizer alguns de vocês! Quando cheguei para

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Didática II

Unidade 3

trabalhar na minha atual escola, o Projeto Político Pedagógico já estava feito, já tinha sido elaborado pelas pessoas que, na época, constituíam a comunidade escolar.

O que dizer a esta indagação?

A resposta é simples!

O mínimo que o professor deve fazer é solicitar uma cópia do Projeto Político Pedagógico para ler e se informar sobre as concepções que expressa, a saber, a sua concepção de homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, educação, escola, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia e avaliação. Então poderá organizar didaticamente a sua atuação de acordo com os princípios lá explicitados.

Mas o professor-educador, com certeza, questionará seus pares, a direção, enfi m, a comunidade escolar, sobre a realidade atual dos conceitos e princípios expressos no Projeto Político Pedagógico, considerando as mudanças (sociais, políticas econômicas, educativas, enfi m, ideológicas) ocorridas após o momento em que aquele Projeto Político Pedagógico foi elaborado, e advogará a necessidade de sua discussão e atualização constante. Ou seja, ele deve colocar ou re-colocar o Projeto Político Pedagógico em discussão, pois não deve existir um Projeto Político Pedagógico pronto e acabado.

O estar pronto e acabado signifi ca que o Projeto Político Pedagógico perdeu sua efi cácia, está morto, ninguém mais dele se lembra, está dentro de uma gaveta qualquer, não é mais utilizado.

O grande mérito do Projeto Político Pedagógico é ser um eterno vir-a-ser! Ou seja, seu grande mérito é estar sempre na pauta de discussão da comunidade escolar, seja na reunião de professores, na reunião de pais e mestres, nas reuniões das secretarias e diretorias de escolas, nos corredores da escola, na sala de professores, entre comentários e, principalmente, nas

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salas de aula, na organização didática do professor em discussão com os alunos.

Você não pode esquecer-se de que o Projeto Político Pedagógico é um excelente argumento para realizar a educação para a cidadania, portanto ele deve estar sempre presente na sala de aula. Alunos e professores devem falar dele e com ele.

Não bastassem estes dois artigos (Art. 13 e 14) da LDB para nos informar da importância do Projeto Político Pedagógico, não apenas sobre a forma como a escola deve se organizar, mas também e fundamentalmente, para o professor, há ainda o Art. 14, que defi ne o Projeto Político Pedagógico como um dos dois instrumentos da gestão democrática da escola.

Veja o que diz na integra o Art. 14:

Os sistemas de ensino defi nirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:I - Participação dos profi ssionais da educação na elaboração do Projeto Pedagógico da escola;II - Participação da comunidade escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Observe que, aqui, a LDB remete aos sistemas de ensino (Federal, Estadual e Municipal) a responsabilidade na defi nição de normas que assegurem a gestão democrática da escola, sempre de acordo com suas peculiaridades, isto é, de acordo com suas condições próprias e de acordo com suas necessidades. Mas condiciona esta gestão democrática aos dois princípios seguintes, dos quais ela não abre mão:

1º - de que os profi ssionais de educação participem da elaboração do Projeto Político Pedagógico da escola; isto é, não pode o Estado ou o Município, através de sua secretaria de educação, elaborar um Projeto Político Pedagógico, padrão ou não, e entregá-lo pronto para a escola, para que ela apenas o execute. A LDB assegura o direito e o dever, conforme já vimos, de a comunidade escolar elaborar este projeto;

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Unidade 3

2º - de que a comunidade escolar participe dos conselhos escolares.

Você consegue perceber aqui a importância do Projeto Político Pedagógico? E, mais do que isso, a importância da participação do professor na sua elaboração?

E podemos ir mais longe, na análise desta importância do Projeto Político Pedagógico. Veja que a LDB coloca que o professor não apenas possui o direito de participar da elaboração do Projeto Político Pedagógico, mas o coloca em termos de dever.

Nesta perspectiva é que se encontra, justamente, o caráter de educação para a cidadania, da qual falamos um pouco antes. E é por esta razão que o Projeto Político Pedagógico não pode nunca ser entendido como algo pronto e acabado, o qual pode ir “dormir em berço esplendido no fundo de uma gaveta” depois de feito!

E sempre nesta perspectiva, a da educação para cidadania - que ele assegura- , devemos entender que nenhum Projeto Político Pedagógico deve estar pronto, mas sim, em contínua construção. Por isso ele é sempre um processo.

Se o professor o entende como um dos mecanismos de gestão democrática da escola e o exercita como tal, isto é, participa, através do Projeto Político Pedagógico, da gestão da escola e o leva para dentro de sua sala de aula - como deve levar para que os alunos também participem da gestão da escola -, jamais poderá ser um professor déspota na relação pedagógica, na relação professor-aluno.

A organização da atividade didática do professor, tendo como parâmetro o Projeto Político Pedagógico, exigirá que ele promova a participação do aluno na organização didática ou, podemos dizer, na gestão didática da sala de aula. Logo este professor estará educando seus alunos para a participação ativa e consciente na sociedade, isto é, estará educando para a cidadania.

Perceba, aqui, que o Projeto Político Pedagógico deixa de ser apenas um papel para se constituir num instrumento dinâmico,

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não apenas de organização da escola, mas de organização dinâmica das relações sociais que se estabelecem na escola. Em síntese: o Projeto Político Pedagógico passa a se constituir num instrumento para o exercício de relações democráticas.

Agora que você já sabe reavaliar e re-qualifi car a importância do Projeto Político Pedagógico, tanto para a organização da escola, como também e fundamentalmente, para a sua organização didática e o seu desempenho enquanto professor-educador;

agora que você já está consciente de que toda a comunidade escolar é responsável pela sua elaboração e re-elaboração constante, e, acima de tudo, que é você, no seu papel de

professor, quem coloca o Projeto Político Pedagógico em prática, em ação, vamos ver os elementos que o constituem.

SEÇÃO 2 – Elementos constituintes do Projeto Político Pedagógico

Você verá, a partir de agora, os elementos que constituem o Projeto Político Pedagógico (PPP) de uma escola.

O Projeto Político Pedagógico da escola apresenta, em sua primeira página, os elementos de identifi cação da unidade escolar, sua vinculação institucional, endereço, ano letivo a que se refere e o lema da escola, caso ela o possua.

Para facilitar o estudo sobre esse tema, acompanhe como exemplo o projeto político pedagógico da escola Municipal Francisco Ferrer y Guardia.

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Unidade 3

Escola Municipal Francisco Ferrer y Guardia

“A Escola da Vida: a Vida da Escola”

Mantenedora: Secretaria Municipal de Educação do Município de Liberdade – Estado Futuro

End.: Avenida sem fi m, nº 2707. Bairro Esperança.

Município de Liberdade – Estado Futuro

Fone:

E-mail: <[email protected]>

Ano letivo: 2007

Nas páginas seguintes, estão os dados gerais da escola, como você pode ver.

1. Horário de atendimento

Período matutino: (das 8.00 h às 12.00 h)

Período vespertino: (das 13h10min às 17h10min)

2. Modalidade de ensino

Educação Básica: Ensino Fundamental: da 1ª à 9ª série

3. Número de turmas: 36

18: Meio período

18: Período integral

4. Número de alunos: 720

180: Período Matutino

180: Período Vespertino

360: Período Integral

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5. Distribuição das turmas

Série Matutino Vespertino Integral Totais

1ª 1 1 2 4

2ª 1 1 2 4

3ª 1 1 2 4

4ª 1 1 2 4

5ª 1 1 2 4

6ª 1 1 2 4

7ª 1 1 2 4

8ª 1 1 2 4

9ª 1 1 2 4

Totais 9 9 18 36

6. Quadro de pessoal

Diretor 1

Vice-diretor 1

Professor 38

Especialistas 4

Bibliotecário 2

Secretaria 2

Auxiliar de ensino 6

Merendeira 2

Serviços gerais 4

Vigias 2

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Unidade 3

7. Dependências físicas

Salas de aula 27

Auditório 2

Biblioteca 1

Sala de informática 2

Gabinete da direção 1

Gabinete do vice-diretor 1

Gabinete de especialista 2

Sala dos professores 1

Secretaria 1

Ofi cina de artes 2

Sala de apoio pedagógico 4

Almoxarifado 1

Depósito 1

Cozinha 1

Refeitório 1

Banheiros 20

Quadra de esportes 2

Pátio coberto 2

Nestas primeiras páginas, tanto na identifi cação da escola, quanto nos dados gerais dela, você deve colocar todos os que estejam disponíveis e que sirvam para melhor identifi cá-la.

Pense em você mesmo!

Você foi aprovado em concurso público, no seu Estado, e deverá assumir suas funções de professor. Como foi o primeiro classifi cado, você pode escolher qualquer escola entre as que tenham vaga, em qualquer município, mas você não conhece pessoalmente nenhuma delas. Para escolher a escola, você

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tem acesso ao Projeto Político Pedagógico de todas as escolas, e é, através dele, que você efetuará a sua escolha. Veja aí a importância de o Projeto Político Pedagógico conter todas as informações possíveis.

Após estes dados mais quantitativos e informativos, você deve começar a descrever como é a escola, como ela está organizada, o que ela pretende fazer, quem é o “homem” que ela deseja formar e para qual sociedade.

Claro que você já percebeu que este projeto de “homem e sociedade” que a escola possui, está expresso através das defi nições que o Projeto Político Pedagógico traz e que, em última análise, estruturam a teoria de educação que lhe dá sustentação. Portanto, a partir deste ponto, a escrita do Projeto Político Pedagógico deve contemplar tais defi nições.

Para tanto, é sempre bom iniciar, contando a história da escola: como ela surgiu; quem foram os seus fundadores e em que ano; por que surgiu neste bairro; como estava estruturada quando surgiu (fi sicamente e pedagogicamente); os diferentes nomes que teve (caso tenha mudado de nome, por que possui o nome que possui); enfi m, todas as informações que contem a história da escola com relação a si própria.

Depois disso, ainda no histórico da escola, você deve contar um pouco da história do bairro onde a escola está inserida: quais são suas principais características quanto à população: de onde provem seus moradores; aspectos político-econômico-culturais; qual a vocação produtiva do bairro (se é industrial, habitacional, comercial, etc.) e as implicações disso na escola; como o bairro se formou: particularidades, curiosidades do bairro, marcos históricos, monumentos e seus signifi cados; aparelhos públicos como praças, playground, locais de recreação; tipos de lazer disponíveis à população; tipos e níveis de escolas existentes (públicas/particulares; de ensino fundamental-médio-superior).

Todos estes dados que você deve levantar sobre a escola e o bairro permitem entender como ocorre a vida na escola, e também serão muito úteis para o diagnóstico sobre a realidade educativa do bairro; para que a comunidade escolar possa saber como orientar e organizar a escola; e, assim, como atender as necessidades numa linha de prioridades, o que se constitui no próximo passo do Projeto.

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8 - Diagnóstico da realidade

Aqui você pode iniciar, fazendo um breve histórico sobre a realidade educacional brasileira e de seu Estado, mas o foco principal deve ser o seu município. Você deve buscar os dados sobre a educação no município, na Secretaria de Educação, Secretaria de Cultura, Arquivo Municipal, enfi m, onde for viável colher os dados necessários para o melhor diagnóstico possível sobre a situação da educação municipal.

A pergunta que você deve se fazer neste momento é: Como está a educação pública municipal? Quais seus problemas, suas difi culdades, suas facilidades, índice de aprovação/reprovação/evasão? Para onde vão os alunos, quando concluem a escola municipal? Etc.

Na questão dos índices de aprovação/reprovação/evasão, você deve saber se há estudos que apontem alternativas de solução para estes problemas, se as alternativas foram ou estão sendo implantadas, e seus resultados, caso já haja.

A partir dos dados da educação no município, você deve analisá-los em confronto com a realidade do bairro. Este confronto deve ser feito a partir dos dados que você coletou na história do bairro, para poder avaliar se as condições e situações do bairro são as mesmas do município. Neste diagnóstico, você não pode esquecer de levantar os dados sobre a demanda de crianças para a escola no bairro. Isto é, se a escola está conseguindo absorver todas as crianças, ou se há excedentes, ou seja, crianças que não conseguem matrícula, etc. Aqui também é importante que você traga os elementos socioeconômicos e culturais das famílias do bairro e como isto repercute na escola.

Você deve analisar também a vocação produtiva do bairro e que repercussões e demanda isto gera para a escola.

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Por exemplo: um bairro industrial que emprega, majoritariamente, a mão-de-obra feminina e cuja jornada de trabalho inicia às 7 horas da manhã. Com certeza, tal contexto irá demandar à escola que inicie as atividades o mais cedo possível no dia letivo, para que as mães possam trabalhar. Também irá demandar que esta escola funcione preferencialmente em período integral; que tenha refeitório para as crianças; que ofereça atividades complementares às crianças, considerando a realidade do bairro, etc.

É importante que, neste diagnóstico, você não deixe nenhuma informação de lado, pois é a partir de todas elas que você deverá organizar ou reorganizar as ações da escola.

Posteriormente, você poderá anexar uma relação de todos os funcionários que atuam na escola, incluindo nome, matrículas, cargo, regime de trabalho, etc.

9. Filosofi a da Escola

A partir daqui, o grupo, a comunidade escolar deve ter clareza sobre quem é o homem que deseja formar e para qual sociedade deseja formar este homem. Tem de deixar isto bem claro no projeto, pois serão estas as concepções que irão reger toda a vida e toda a organização da escola e, nela, toda a ação de seus atores (alunos, pais, professores, técnicos, especialistas).

Deve-se começar explicitando o lema da escola (caso tenha), isto é, o que ele signifi ca para aquela comunidade; por que escolheram tal lema; quais as implicações da afi rmação contida no lema, para a escola, para os professores, para os pais, para os alunos, e, sobretudo, para a sociedade. A afi rmação do lema ajuda a explicar quem é o homem que a escola quer formar e para qual sociedade. Ajuda a explicar os valores humanos e sociais da escola, os quais ela irá trabalhar com os alunos.

É no estabelecimento da fi losofi a da escola que deve fi car marcada a atuação da escola na formação dos valores. É importante que, neste momento, sejam já explicitados quais são os valores que irão nortear a ação formativa da escola:

Para saber mais sobre como

realizar um planejamento

participativo, leia o livro de

GANDIN, Danilo. Planejamento

como Prática Educativa. São Paulo:

Loyola, 1983.

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Didática II

Unidade 3

Justiça, solidariedade, democracia, responsabilidade, respeito, fraternidade, trabalho, cidadania, etc.

Para sustentar os valores e argumentar em favor deles, descreva-os e explicite-os (a escola deve dizer o que entende por cada um desses valores). Para tal podem ser utilizadas citações de trechos de obras que referenciam o pensamento, a posição e o entendimento que a escola tem daquele valor. Ao fazer isso, ao utilizar o pensamento de autores, a escola ajuda as pessoas que venham a ler o projeto, a melhor entender aonde à escola quer chegar com a educação dos alunos. Ajuda a perceber quem é o homem que a escola quer formar, pois se eu sei que a escola utiliza como referência teórica um autor “X” e sei como pensa esse autor “X”, sei que a escola pensa igual ao autor “X”, e os rumos que ela pretende tomar são os mesmos deste autor, pois seguem as suas indicações e orientações.

A explicitação deste olhar fi losófi co para o mundo e sobre o mundo exige a explicitação das concepções envolvidas por este olhar fi losófi co, isto é, exige que a escola diga, no projeto, o que entende por homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, educação, escola, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia e avaliação.

Relativamente a cada um destes itens a seguir, os quais devem constar no Projeto Político Pedagógico, a escola deve dizer como os entende, pois estes serão os princípios e as metas, bem como os objetivos que a escola buscará alcançar na educação dos alunos. Sua organização e ação deverão ser guiadas por estas concepções. Por esta razão é que cada um destes itens deve fi car bem claro e explicitado, assim como o seu signifi cado para a escola.

São eles que dão corpo, sustentação à fi losofi a da escola.

9.1. Concepção de Mundo

9.2 Concepção de Homem

9.3 Concepção de Sociedade-Cultura

9.4 Concepção de Conhecimento

9.5 Concepção de Educação

9.6 Concepção de Escola

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Universidade do Sul de Santa Catarina

9.7 Concepção do Processo Ensino-Aprendizagem

9.8 Concepção da Relação Professor-Aluno

9.9 Concepção de Metodologia

9.10 Concepção de Avaliação

A partir da explicitação das concepções que envolvem a fi losofi a da escola e, coerentemente com elas, deverá ser formulado o objetivo geral da escola e os seus objetivos específi cos.

O passo seguinte é o de descrever como ocorrerá, na escola, o planejamento do processo educativo. Aqui deve fi car assegurado como, com qual periodicidade a escola irá reunir-se para pensar, planejar, avaliar e re-planejar as ações desenvolvidas e/ou a serem desenvolvidas no âmbito de toda a escola e de todos os seus integrantes.

Fica evidente que este planejamento deve ser coerente com o que foi expresso nos objetivos e, portanto, também coerente com as concepções que dão sustentação à fi losofi a da escola. Este planejamento escolar é o que vai constituir o currículo escolar, entendido aqui como planejamento de todas as ações a serem desenvolvidas na escola.

Lembre-se de que tudo o que acontece na escola deve ser pensado, planejado, desejado. Logo tudo o que acontece na escola é curricular, isto é, faz parte do currículo.

Pode ocorrer que nem sempre as coisas aconteçam conforme foram pensadas e desejadas, mas aí o problema não decorrerá do fato delas, destas coisas, não terem sido pensadas, planejadas e desejadas, mas sim, que, em algum momento, elas não foram executadas conforme o planejado; ou, então, que o planejamento não foi o mais correto e, por esta razão, as coisas saíram erradas

ou não saíram conforme o planejado. Aí a questão é de avaliação e re-planejamento destas ações, e não, um problema de currículo.

Na elaboração do currículo escolar, é claro que há determinações a serem seguidas pela escola. Determinações

Inclusive as festas, comemorações

que a escola realiza, devem

ser previstas, pois são ações

curriculares.

Lembre que você já estudou

estas diferentes concepções nas

diferentes teorias de educação.

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Unidade 3

que são emanadas do Conselho Nacional de Educação, através de leis, decretos, pareceres, normas, etc, como, por exemplo, a LDBEN; as que são emanadas do Conselho Estadual de Educação, também através de leis, decretos, pareceres e normas; e, ainda, através do Conselho Municipal de Educação, caso a escola pertença à esfera político-administrativa de um município.

Seguindo estas determinações e a sua realidade, a escola se organiza curricularmente. Este planejamento curricular deve também fazer referência à metodologia a ser utilizada no processo ensino-aprendizagem, que envolva a relação professor-aluno e o processo avaliativo. Trata-se, neste momento, de dar concretude, de corporifi car os conceitos, as concepções já estabelecidas, mostrando e evidenciando como elas ocorrerão na prática; como será seu movimento; como será a sua articulação, para garantir que o homem e a sociedade desejada e pensada sejam alcançados pela ação prática de todos os atores escolares.

No que diz respeito, mais especifi camente, à avaliação, é importante que fi que registrado, no Projeto Político Pedagógico, que a avaliação abrange no mínimo dois focos, a saber: a avaliação da escola como um todo (dos aspectos organizacionais e procedimentais); e a avaliação do rendimento escolar do aluno.

A avaliação do rendimento escolar do aluno implica determinações legais e como a escola se organiza para realizá-lo a partir da concepção de avaliação que fi cou estabelecida. Ela deve contemplar todo o processo avaliativo em seus instrumentos e critérios, como também, a forma que será utilizada para a sua expressão (se através de notas numéricas, conceitos, etc). Deve, ainda, fi car estabelecido quais procedimentos a escola utilizará para a realização da recuperação de estudos; e qual o sistema de promoção.

Dentro das defi nições sobre a avaliação, cabe um destaque para o conselho de classe, o qual deve estabelecer quem dele participa, como participa; e, sobre as fi nalidades e objetivos do mesmo.

Outro item que merece destaque dentro da organização curricular da escola é o que defi ne e orienta os projetos didático-pedagógicos que serão desenvolvidos pela escola, no âmbito de toda a escola, isto é, com a participação de toda a comunidade

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escolar, logo, por todos os professores, pais, alunos, especialistas e funcionários. É importante que haja, ao longo do ano letivo, o desenvolvimento de alguns projetos, pois estes têm a capacidade de aglutinar todos os atores e todas as ações da escola em torno do desenvolvimento de alguns princípios e valores específi cos.

um projeto permanente de coleta seletiva do lixo produzido na escola;

um projeto de sociabilidade que trabalhe princípios de respeito, solidariedade, urbanidade entre alunos, professores, funcionários e pais;

um projeto de produção e mostra de conhecimentos produzidos a partir da sala de aula (como as feiras de ciências, história, geografi a, artes etc) etc.

O planejamento do processo educativo deve prever, ainda, a sistemática das reuniões pedagógicas e o processo de formação continuada dos professores. Estes dois momentos são importantíssimos até mesmo para o aprimoramento constante do Projeto Político Pedagógico.

As reuniões pedagógicas devem ser reuniões não apenas administrativas e burocráticas, mas, fundamentalmente, reuniões para discussão do Projeto Político Pedagógico e, sobretudo, para discussão de questões como, por exemplo, se os objetivos estão sendo alcançados; se as ações estão em acordo com as concepções e valores defendidos pela escola. Estas reuniões devem ser de avaliação constante do Projeto Político Pedagógico e de seu re-planejamento, portanto devem ser reuniões abertas a todos os atores e/ou à sua representação.

É através destas reuniões pedagógicas que o Projeto Político Pedagógico mantém-se vivo, atual e dinâmico. Este processo evita que o Projeto Político Pedagógico permaneça apenas no fundo de uma gaveta. E é ele que faz com que os seus conteúdos passem para a cabeça de todos os atores escolares. E não é outra a fi nalidade do processo.

Se o projeto é permanentemente discutido, avaliado e re-planejado, a decorrência lógica deste processo é o pressuposto de que os professores tenham condições de realizar estudos, de se

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Unidade 3

atualizarem para conseguirem agir em consonância com o que defi ne o Projeto Político Pedagógico.

Então, o projeto deve também prever qual e como será o espaço de formação continuada dos professores daquela escola.

O último aspecto que deverá constar no Projeto Político Pedagógico da escola é o calendário escolar, com todas as previsões, com todos os dias letivos, os destinados às comemorações, aos conselhos de classes, às reuniões com a comunidade, o tempo destinado à formação pedagógica, enfi m todos os dados previsíveis.

Pode acontecer que uma determinada escola se estruture, através do Projeto Político Pedagógico, com uma visão maior de futuro e estabeleça projetos pedagógicos para um prazo maior do que o período letivo anual: que projete suas ações para um qüinqüênio.

Neste caso, é conveniente que o Projeto Político Pedagógico do ano em curso estabeleça qual a agenda de projeto, ou qual e/ou quais a(s) etapa(s) daqueles projetos será/ serão desenvolvida(s) naquele ano letivo a que corresponde o Projeto Político Pedagógico (não se esqueça de que cada ano letivo demanda um novo projeto pedagógico).

Cabe ainda lembrar que outros documentos podem compor o Projeto Político Pedagógico da escola. Entre eles, temos:

Documento síntese do Projeto Político Pedagógico - orientações gerais para os alunos (documento opcional o qual se sugere ser uma síntese breve do projeto);

Regimento do Conselho Deliberativo Escolar.

Para a elaboração destes dois regimentos, você encontra orientações específi cas nas Secretarias de Educação.

Desenvolva a seguir as atividades referentes a esta unidade. Bons estudos!

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Atividades de auto-avaliação

Após a leitura criteriosa da unidade 3, efetue as atividades de auto-avaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas.

1) Explique como e por que o Projeto Político Pedagógico se constitui em instrumento de gestão e relações democráticas na escola.

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Unidade 3

2) Leia o Projeto Político Pedagógico da escola onde você está realizando ou irá realizar a prática de ensino, identifi que nele e descreva as concepções de homem; mundo; sociedade-cultura; conhecimento; educação; escola; processo ensino-aprendizagem; relação professor-aluno; metodologia e avaliação, que ele apresenta.

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3) A partir da identifi cação e descrição das concepções, analise a coerência conceitual entre elas; e, delas, com a teoria de educação que sinalizam.

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Unidade 3

Síntese

Nesta seção, você pôde ver que a responsabilidade do professor-educador extrapola a sala de aula e os limites estreitos da disciplina, do conteúdo que leciona.

A LDB, em apenas três artigos (o 12; o 13; e o 14), responsabiliza o professor a promover a educação de toda a comunidade escolar para a cidadania.

Estes artigos o obrigam à participação na elaboração, re-elaboração constante e aplicação do Projeto Político Pedagógico.

Sobretudo, o obrigam a exercer, na sua sala de aula, através da sua organização didática, com seus alunos, a gestão cooperativa, a gestão compartilhada da ação didática, transformando a sala de aula, de um espaço autoritário do professor sobre os alunos, em um espaço democrático na construção coletiva do conhecimento.

Saiba mais

Releia a Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), no livro de MANHÃES, Luiz Carlos Lopes. Implantando a educação básica, publicado em Florianópolis, pela editora da UFSC em 1998. Veja, especialmente, os comentários que o autor coloca no livro.

Entre no site da ANPED e ENDIPE e faça uma pesquisa sobre os trabalhos já apresentados nesses eventos, sobre Projeto Político Pedagógico.

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UNIDADE 4

Planejamento do trabalho pedagógico: os projetos e planos como organização da ação didática do professor

Objetivos de aprendizagem

Relacionar as teorias de educação com as diferentes possibilidades da organização didática do professor, expressa no Plano de Ensino.

Relacionar e analisar diferentes possibilidades metodológicas para concretizar, na prática pedagógica diária, o Projeto Político Pedagógico.

Elaborar o Projeto (Plano de Ensino) a ser desenvolvido na Prática de Ensino em consonância com as concepções expressas no Projeto Político Pedagógico da escola campo de estágio.

Seções de estudo

Seção 1 A organização do trabalho docente

Seção 2 O plano de ensino

Seção 3 A coerência organizacional necessária à organização didática: afi nando as ações

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Para início de conversa

Conforme foi dito na unidade anterior, a didática é a área de estudo que orienta o professor na utilização de recursos humanos e materiais e nos procedimentos, a partir de um conjunto de princípios teóricos, isto é, a partir de determinadas teorias de educação (as quais derivam de determinação epistemológica) e das experiências educacionais. O objetivo é a criação de uma dinâmica do processo ensino-aprendizagem, que assegure o máximo desenvolvimento dos alunos, ou seja, que oriente o professor em como organizar a sua ação didática, tendo em vista um conjunto de princípios educativos expressos por determinada teoria de educação.

Para tanto, o primeiro desafi o a superar é o do dogmatismo e formalismo didático comeniano (de Comenius), que faz supor que exista uma didática capaz de ensinar tudo a todos, e da mesma forma. O professor deve ter presente que a organização didática de sua ação irá variar sempre que variem os grupos e/ou as circunstâncias em que ele se encontra. A organização didática exige do professor esta fl exibilidade de modo a que possa atender as variações demandadas pelos alunos e pelas circunstâncias.

Ter sempre presente este princípio da fl exibilidade e da adequação da organização didática é fundamental para que o professor compreenda que a articulação entre o ensino e a sociedade supõe a compreensão de qual concepção de homem, educação e sociedade fundamenta determinada forma de organização dos objetivos, conteúdos, procedimentos, recursos utilizados no processo ensino-aprendizagem; e, também, na relação professor-aluno, enquanto uma prática social.

Como garantia de que a organização da ação didática assuma este papel -- o de consolidar os objetivos-- , é necessário que, antes de executar a ação, o professor planeje, sem perder de vista todos os elementos aí intervenientes. Só assim terá garantias mínimas de que aconteça o que foi planejado.

Entre outras, estas são razões bastante importantes, a meu ver, para que o professor se construa também como um bom planejador.

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Unidade 4

SEÇÃO 1 - A organização do trabalho docente

Como o tema básico desta unidade é o planejamento, importa que você refl ita sobre as seguintes questões:

O que signifi ca planejar?

Por que se planeja?

Para que se planeja?

Qualquer que seja a resposta que você tenha dado, com certeza ela não foge muito da afi rmação: “planeja-se para que as coisas que queremos fazer dêem certo”; ou, então, “planeja-se para que as coisas que queremos que aconteçam, aconteçam do jeito que queremos”.

Em termos mais elaborados, podemos dizer que “planejar é a capacidade de prever para prover”.

Ora, se precisamos prover algo, isto é, se precisamos de alguma coisa, se é nossa função, quer como pai, professor, etc. assegurar aos nossos fi lhos ou alunos que algo aconteça ou que eles tenham algo de que precisam (por exemplo, nossos fi lhos precisam de vestuário, alimentação, amor, etc.), então é necessário prever, ou seja, “pré-ver”, no sentido de ver antecipadamente; de ver antes de os fatos e as necessidades surgirem. É que, assim, quando necessárias, estas coisas estarão disponíveis.

Um exemplo bastante simples, que ilustra esta situação, é o seguinte: todos sabem que, no inverno, nossos fi lhos (os que ainda estão sob nossa guarda) precisam de roupas mais quentes para protegê-los do frio. Então, antes que o frio chegue, antes que nossos fi lhos passem frio, nós, pais, “pré-vendo” que fará frio, providenciamos para eles um vestuário apropriado, quer seja indo à loja e comprando-o, quer seja retirando do armário as roupas de inverno já disponíveis. Ou seja, nós prevemos que fará frio (provavelmente seguindo a indicação da meteorologia) e tomamos as medidas necessárias, antecipadamente, para que eles não sofram com o frio.

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Ora, com nossos alunos o processo é o mesmo, isto é, nós, professores, pré-vendo que os alunos precisam desenvolver determinadas atitudes, habilidades e conhecimentos, para que possam entender o mundo, a realidade em que vivem, devemos antecipar-nos a esta necessidade, fornecendo-lhes ou, possibilitando-lhes adquirir, construir o instrumental que os capacite a este entendimento do mundo.

E este é o momento do planejamento. Trata-se do momento -- antes da aula acontecer, antes que as situações didáticas ocorram --, em que o professor procura prever todas as condições necessárias para que aconteça com os alunos o que ele quer que aconteça; ou, melhor dizendo, o que ele quer que aconteça, porque é o que está previsto no Projeto Político Pedagógico que aconteça.

Assim, o momento do planejamento é um momento de ideação, isto é, é o momento de colocar as idéias em ação!

Mas você poderia questionar: se é um momento de criação mental, não é ação – é abstração!

Diante da provável dúvida, cabe relembrar a teoria dos arquétipos, a qual justifi ca que “as coisas” existem, primeiro, no plano das idéias. A idéia é a primeira criação. Posteriormente, esta idéia é “coisifi cada”, isto é, construída, transformada de idéia em objeto concreto, ou “coisa”.

Assim, podemos afi rmar que a organização do trabalho docente compreende três momentos distintos, porém complementares entre si, a saber:

1º - o momento de ideação – que diz respeito ao pensar, ao campo mental, ao projetar as ações que precisam ser realizadas, ao pré-ver. E um momento futurístico, porém com base no presente, no real imaginado e pré-visto;

2º - o momento de documentação – que é o momento da escrita das idéias, de sua confi guração, de sua conscientização, de sua organização, com os diversos e diferentes elementos que serão reunidos, para que a ação pensada ocorra;

Piaget (1988) diria que colocar

as idéias em ação é próprio da

atividade mental e, portanto, um

momento de criação mental.

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Unidade 4

3º - o momento da operacionalização ou execução – onde o professor intervém na realidade, junto com o aluno, de acordo com a organização prevista.

Fixo a seguir, a partir das idéias de Benedet (2002), algumas considerações que o professor deve levar em conta no momento do planejamento e de execução de sua ação didática, como garantia de que alcance os resultados desejados.

Todo o planejamento tem por objetivo intervir na realidade, para transformá-la.

O que garante a transformação não é o plano em si, mas a prática. Contudo a prática sem direção, sem a idéia e sem orientação, é inócua e não leva a nenhum lugar.

Toda intervenção, sobretudo a educacional, se faz segundo uma dimensão dialética; ou seja, toda realidade se constitui de positividades e negatividades. Sendo assim, o ato de planejar, no ensino, vai permitir que o professor identifi que o pólo dominante, vale dizer, onde deve intervir.

Toda prática educativa é complexa e se caracteriza pela:

a) multidimensionalidade: são muitas as ações que devem ser realizadas e que implicam -- cada uma delas -- , dimensões e aspectos diferentes (materiais, organizacionais, sociais, pessoais, etc);

b) simultaneidade: as tarefas devem ser realizadas simultaneamente;

c) rapidez: ainda que muitas tarefas sejam previstas, é comum a necessidade de tomada de decisões rápidas diante de situações emergentes e inesperadas, requerendo do professor intuição;

d) subjetividade ou idiossincrasia: que é a forma particular e pessoal de cada professor pensar e atuar.

A organização da prática docente – o ato de planejar, se orienta por uma dimensão técnica e uma dimensão artística. A dimensão técnica compreende o conjunto de

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princípios defi nidos por determinada teoria, cuja prática já atestou sua validade naquelas circunstâncias. Trata-se, portanto, de certa forma, de acompanhar as experiências já realizadas, seguindo determinados preceitos os quais garantam um determinado resultado. Contudo não podemos confi ar cegamente nestes preceitos, uma vez que a realidade que estamos vivenciando, não corresponde, necessariamente, à realidade da qual aqueles princípios e preceitos se originam. Assim, é sempre necessário estar o professor atento às condições que a nova realidade, a sua realidade produz.

Provavelmente por esta razão, alerta Sacristan y Gómez:

A epistemologia da didática moderna debate hoje como uma de suas preocupações básicas, como conjugar o caráter único e até certo ponto imprevisível da prática, com a possibilidade de extrair princípios de ações gerais, que ‘nas forma de leis’ sirvam para não estar inventando constantemente a prática, acumular e transmitir experiências para alcançar limites de compreensão com alguma realidade, quanto a sua possível generalização.A observação da prática, a experiência subjetiva de cada um e a incapacidade histórica das pretensões de fazer da educação em geral e do ensino em particular, um processo dirigido por leis, demonstram que uma ação cientifi camente regulada é impossível. Esta condição leva a aceitar a dimensão artística ou intuitiva, que apela para o “bom senso” de quem a exerce, sem expressar que um conjunto de leis cientifi cas, ou um conjunto de técnicas as possam determinar. (SANCRISTAN, 2000 , p. 209).

Desta forma, como a dimensão técnica não é garantia absoluta do alcance dos objetivos educacionais, se recoloca e enfatiza, na prática docente, a dimensão artística e intuitiva. Contudo é importante ter presente que a metáfora “Ensino como arte” não signifi ca improvisação ou ausência de regras, mas que se apóia, também, esta dimensão em alguns pressupostos que a fundamentam:

O professor, ao realizar sua prática, faz julgamentos simultâneos à ação, apoiando-se em determinados padrões de qualidade.

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A atividade docente se faz em contextos mutáveis e, por isso, precisa ser constantemente analisada, para se acompanharem as mudanças que se estão produzindo, pois cada situação educativa em que se tomam decisões é única.

Os resultados alcançados no ensino adquirem signifi cados, ou se originam, muitas vezes, no próprio processo de seu desenvolvimento prático, o que faz, da prática docente, uma ação técnica e artística.

Assim, em síntese, podemos dizer que o planejamento é um instrumento para guiar, orientar a prática. Uma prática que exige professores capazes de pensar, discutir e decidir com certa racionalidade. É a condição artística, é o elemento que irá favorecer a união entre as idéias, os princípios gerais e os conteúdos educativos, com a realidade prática.

Vemos, assim, a importância do princípio da fl exibilidade norteando a atuação do professor no momento da execução do planejamento.

O planejamento não se deve constituir numa “camisa de força” da atuação do professor. O planejamento é, e deve ser considerado como um repositório de idéias, portanto, de ferramentas de que o professor dispõe para intervir na prática, na realidade. Não é um papel carbono para garantir a reprodução dogmática de idéias, desconsiderando a realidade vivencial dos alunos.

Siga seus estudos e veja, na próxima seção, como elaborar um plano de ensino.

SEÇÃO 2 – O instrumento de organização do trabalho docente: o plano de ensino

Conforme você já estudou noutros momentos, é através da ação do professor, isto é, através de como ele organiza a sua ação didática que o Projeto Político Pedagógico da escola se concretiza, se materializa e forma o homem e a sociedade que ele prevê.

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Na seção anterior desta mesma unidade, você estudou que o planejamento é o momento da ideação, vale dizer, é o momento de acionar as idéias, de documentá-las, antes de executá-las. Dentre os instrumentos para esta ideação, temos o Projeto Político Pedagógico, que é um instrumento de planejamento da escola como um todo e que rege a ação de todos, segundo as concepções e ideologia ali expressos; e, o plano de ensino, que é o instrumento de planejamento do professor.

A partir de tudo o que já foi dito, você já percebeu que o plano de ensino é decorrente do Projeto Político Pedagógico, ou seja, o plano de ensino deve executar o que prevê o Projeto Político Pedagógico, assim deve ser coerente com o Projeto Político Pedagógico, e não, o contradizer.

Então, para o professor começar a elaborar e construir o seu plano de ensino, é imprescindível que tenha presente, que tenha em mente o Projeto Político Pedagógico e o tenha fi sicamente em mãos, para consultá-lo, sempre que necessário.

Responda, com suas palavras: O que é plano de ensino e qual a sua fi nalidade?

Confronte a resposta que você deu com as idéias que seguem.

O plano de ensino é um roteiro organizado das unidades didáticas previstas para serem desenvolvidas num determinado período letivo. É, portanto, uma organização seqüencial de decisão sobre a ação do professor, na busca por infl uenciar o processo de aprendizagem dos alunos, tornando-o mais efi ciente.

Afi rmar que o plano de ensino é um roteiro organizado numa determinada seqüência implica dizer que ele é constituído por

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determinados elementos e que estes elementos estão dispostos numa determinada seqüência.

Por vezes, é comum encontrar professores que confundem plano de ensino com uma seqüência de conteúdos os quais deverá desenvolver ou “transmitir” à classe. Esta supremacia dos conteúdos a serem “transmitidos” a um grupo de alunos, os quais devem “assimilá-los”, você sabe, é a tônica da Pedagogia Tradicional.

Como estamos trabalhando desde a perspectiva das pedagogias críticas, das pedagogias relacionais, temos presente que, antes do conteúdo ser trabalhado, o mais importante é saber que objetivos queremos atingir com os alunos.

Assim, a seqüência dos elementos que compõem o plano de ensino é:

1º - Dados de identifi cação

Aqui devem aparecer todos os elementos que ajudam a identifi car quem oferece, o que oferece, a quem se destina, quando será oferecido e em que quantidade de tempo será realizado este processo de ensino-aprendizagem, ou seja:

Quem oferece: a instituição promotora e professor.

O que oferece: nome da disciplina X.

A quem se destina: a série, grau, nível, etc.

Quando: Cronograma com horários ou ainda dias da semana em que ocorrerá a disciplina.

Tempo: 1º semestre de 2007, ou ano de 2007.

A seguir, veja um exemplo do cabeçalho do plano de ensino.

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Dados de identifi cação

Escola Municipal Francisco Ferrer y Guardia

Professor: Ferrer Jr.

Disciplina: Educação e Cidadania

Série: 3ª série do ensino fundamental

Período: 2ª a 6ª feira, das 8.00h às 11h30min

Ano letivo: 2007

2º - Justifi cativa da disciplina

É importante que o professor escreva a justifi cativa, para que ele detenha com clareza a razão de ser daquela disciplina no conjunto da educação que o Projeto Político Pedagógico quer desenvolver. Abordando o porquê e o para quê, a justifi cativa deve responder à pergunta:

Qual a importância da disciplina para o desenvolvimento das capacidades do aluno?

3º - Objetivos

O terceiro elemento do plano de ensino são os objetivos, os quais pretende-se que o aluno atinja. Normalmente são estabelecidos em termos de objetivos gerais e específi cos.

Os objetivos gerais da disciplina devem dar conta dos objetivos previstos no Projeto Político Pedagógico. Os objetivos específi cos referem-se mais à disciplina em si e à sua contribuição em termos do desenvolvimento das habilidades/atitudes e conhecimento, mas sempre em consonância com os objetivos gerais.

No momento em que estiver formulando os objetivos, você deve ter bem claro quem é o sujeito que quer formar e para qual sociedade; ou seja, os objetivos devem expressar as competências que se deseja no aluno e remeter para a sua formação.

É importante, aqui, entender o conceito de competência.

Entende-se como competência, a capacidade do sujeito em mobilizar recursos (conhecimento, habilidades e atitudes)

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para atuar numa determinada situação, de forma a atingir o desempenho esperado e necessário para a resolução de determinado problema.

Assim, a competência é o resultado da mobilização de conhecimentos, habilidades e atitudes, e não, um estoque de recursos informacionais à espera de sua aplicação.

A competência só se efetiva em situação real, no momento em que as circunstâncias exigem a tomada de decisão.

Ou, dito de outra forma, a maneira e a efetividade de como um determinado problema é resolvido e/ou evitado constitui o parâmetro que indica o quão competente é, ou foi, o sujeito, isto é, o quanto ele foi capaz de mobilizar os recursos mais apropriados que aquela situação específi ca exigia.

Logo, irão balizar o seu planejamento e, por decorrência, a sua ação e organização didática, a competência que você deve querer do seu aluno e, portanto, os objetivos que você deve querer que ele atinja.

Para tanto, você deve ter presente que o aluno precisa capacitar-se para entender o mundo, a realidade, para agir sobre ela, ou, simplesmente, precisa saber-fazer. Contudo o saber-fazer necessário nos dias de hoje não é mais o saber-fazer de tempos atrás, onde bastava saber repetir ou fazer algo mecanicamente.

O saber fazer de hoje exige:

um saber o que fazer;

um saber como fazer;

um saber por que fazer e,

um saber para que fazer.

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A este conjunto de saber-fazer, podemos chamar de saber-saber.

Mas como conseguir que o aluno desenvolva esta capacidade de saber-saber?

Obtê-lo, implica que você trabalhe com o seu aluno os diferentes objetivos de aprendizagem e os diferentes conteúdos escolares.

O saber-saber implica que você trabalhe com o seu aluno, os seguintes aspectos:

os objetivos cognitivos: que dizem respeito aos conteúdos factuais e/ou conceituais;

os objetivos atitudinais e / ou comportamentais: que correspondem à formação de atitudes e valores; e

os objetivos operacionais: que dizem respeito às habilidades motoras.

É, portanto, a partir desta tríade de objetivos, que você deve estruturar o seu plano de ensino.

Importa ter presente que um processo de ensino transformador não se pode deixar conduzir por objetivos que explicitem somente a aquisição do conhecimento. Na defi nição dos objetivos é fundamental a explicitação dos diferentes níveis de aprendizagens a serem atingidos como sistemática de produção de conhecimento, e, portanto, devem estar voltados para ações que remetam à refl exão crítica, à curiosidade científi ca, à investigação e à criatividade.

Mais que informar os alunos (domínio conceitual), os objetivos precisam formar, isto é, precisam desenvolver a sua capacidade de raciocínio e de refl exão, ou desenvolver as operações mentais, isto é, que ele saiba, diante de

uma situação-problema, diante de uma realidade nova: identifi car, classifi car, compor, decompor, analisar, interpretar, comparar, criticar, sintetizar, avaliar e

aplicar. Estes são os mecanismos necessários para a solução de problemas e que irão defi nir as competências do Sujeito.

Para cada um deste grupo de

objetivos há verbos próprios que

especifi cam a ação desejada.

Para conhecer mais sobre isto, e

sobre a formulação de objetivos

educacionais, você pode consultar a

página www.eduteka.org.br

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Estes, portanto, são os objetivos da educação. Trata-se do ponto aonde o aluno deve chegar. E é neste sentido que o professor precisa pré-ver as suas ações, para que o aluno chegue lá!

Pelo tanto que se disse no item dos objetivos, você deve ter percebido a sua importância.

4º - Seleção de Conteúdos

Para tanto, você deve ter em mãos as recomendações de ordem geral (como PCN, Diretrizes curriculares, etc.) e a realidade dos alunos com que irá trabalhar.

Se você considerar que o conteúdo mais importante é o desenvolvimento das operações mentais, você saberá relativizar os conteúdos informacionais, adequando-os à realidade dos seus alunos.

5º - Metodologia de Ensino

Neste ponto, novamente você deve ter muito presente o Projeto Político Pedagógico e os seus próprios objetivos de aprendizagem.

Se você elegeu que é importante desenvolver a cooperação entre seus alunos, então, com certeza, não será um trabalho individualizado que permitirá que o aluno alcance este objetivo e se torne cooperativo e solidário com seus colegas.

É óbvio que, para o aluno atingir este objetivo, você deverá realizar vários trabalhos em equipe, reconfi gurando os grupos em vários momentos, mudando seus integrantes para que todos os alunos se integrem com todos. Através deste exemplo, você percebeu que a metodologia e as técnicas de ensino, bem como os recursos que irá utilizar, dependem dos objetivos que você quer que seus alunos alcancem naquela aula.

E se você perceber que os procedimentos metodológicos escolhidos para aquela atividade não surtem os resultados desejados e esperados, nesse momento deve mudá-los.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

6º - Avaliação

O passo seguinte é a avaliação, ou melhor, os procedimentos avaliativos de que você deve lançar mão para saber se o seu aluno está ou não atingindo os objetivos que você previu que ele atingisse.

Perceba que, propositadamente, estou abordando o tema avaliação como instrumento de acompanhamento do desenvolvimento de aprendizagem do aluno, não como sinônimo de atribuição, numérica ou conceitual, de nota.

Também neste ponto, você deve fi car muito atento para o tipo de acompanhamento que irá fazer sobre o desempenho e aprendizagem do seu aluno.

Se você organizou uma atividade prática com seus alunos, para que eles pudessem desenvolver a motricidade fi na, como você vai avaliar, como você poderá saber quais alunos já a desenvolveram, quais estão em desenvolvimento e quais alunos ainda não a adquiriram?

Que instrumento de avaliação você irá utilizar para saber quem já tem desenvolvida a motricidade?

Veja que, neste caso, novamente se coloca a necessidade da coerência. Coerência entre objetivo, metodologia e avaliação.

Se o objetivo que você pretendeu ver seu aluno atingir é um objetivo comportamental e você utilizou os procedimentos metodológicos adequados para ele atingir esta habilidade, não pode avaliá-lo utilizando um instrumento e critérios de avaliação para os objetivos cognitivos, como uma prova, por exemplo.

Então, é importante que você tenha sempre presente o seguinte:

o objetivo a alcançar é que defi ne os procedimentos metodológicos, os quais você utilizará com seus alunos; e,

o objetivo e o modo como você trabalhou e organizou didaticamente a sua aula é que defi nirão como irá acompanhar (avaliar) o desenvolvimento e a aprendizagem do seu aluno.

Para saber mais sobre avaliação em

processo e avaliação em produto,

leia o texto de LUCKESI, Cipriano

Carlos. Avaliação da aprendizagem

escolar: estudos e proposições. São

Paulo: Cortez, 1995.

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Didática II

Unidade 4

7º - Bibliografi a

Por fi m, como último item, você deverá relacionar a bibliografi a que você está utilizando, tanto para as suas referências quanto as do aluno.

E, temos aí, o plano de ensino formulado!

SEÇÃO 3 - A coerência organizacional necessária à ação didática: afi nando as ações

Diante do que estudou até aqui, você já pode constatar que, para bem cumprir o seu papel, a escola deve ser um todo previamente pensado e organizado, isto é planejado.

A qualidade da educação que a escola oferece à sua comunidade é, em grande parte, resultado desta organização e, sobretudo, da coerência entre os elementos que constituem a organização didático-administrativa da escola; ou, ainda podemos dizer: a qualidade da educação que a escola oferece está diretamente ligada à sua capacidade de organizar-se coerentemente e de conseguir fazer com que o seu planejamento se concretize na realidade do dia-a-dia escolar.

Esta qualidade educativa se revela, quando o professor, em sua sala de aula, pela forma de organizar a sua atividade, isto é, por sua organização didática, se mantém coerente com os demais instrumentos que compõem a organização do todo da escola.

Portanto, a prática pedagógica do professor deve ser coerente com o que planejou através de seu Plano de Ensino!

Este plano de ensino deve atender ao que prescreve o Projeto Político Pedagógico!

O Projeto Político Pedagógico deve ser coerente internamente, entre os elementos que o constituem, e, simultaneamente, com os princípios educativos da teoria de educação que expressa.

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A teoria de educação, por sua vez, é resultante de um determinado paradigma epistemológico.

Perceba novamente aqui, que a escola deve estar organizada e planejada segundo uma coerência e lógica entre os diferentes níveis de planejamento. Contudo, em conformidade com o que já dissemos repetidas vezes, é no momento em que o professor programa e concretiza a sua organização didática, isto é, no momento da prática docente, que se efetiva ou não a formação do homem e sociedade que a comunidade escolar deseja e projetou através do Projeto Político Pedagógico.

Assim, o Plano de Ensino e a ação do professor são os instrumentos responsáveis para a efetivação do previsto no Projeto Político Pedagógico. Então, quando o professor defi ne, no seu Plano de Ensino, os objetivos educacionais, a seleção dos conteúdos e dos procedimentos metodológicos bem como a forma que utilizará para avaliar as atividades, ele deve seguir

o que dizem as concepções expressas no Projeto Político Pedagógico.

Como dissemos que é através do Plano de Ensino e da prática docente do professor que o Projeto Político Pedagógico da escola se concretiza e efetiva, da mesma forma, quando o professor escolhe a metodologia, ou seja, os procedimentos metodológicos para determinada atividade, ele efetiva ou não os objetivos previstos para aquela atividade. Logo, o alcance dos objetivos educativos depende da forma, do como o professor organiza a sua ação didática.

Portanto o procedimento metodológico, em especial, é o momento de concretização de todas as concepções. É o momento em que o professor organiza didaticamente a sua ação, o como irão agir professor e alunos, para atingirem os fi ns ou objetivos educativos que são, em última análise, o projeto de homem e de sociedade expressos no Projeto Político Pedagógico.

E o que são os fi ns educativos?

Podemos responder que nada mais são do que a ação do professor, o qual busca instrumentalizar o aluno para que ele possa olhar o

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mundo, entendê-lo e agir sobre ele de forma consciente, portanto, crítica e criativa, para transformá-lo no sentido desejado.

A partir do exposto, você pode perguntar:

O que são estes instrumentos e ferramentas dos quais se fala?

Os instrumentos e ferramentas não são mais do que o conhecimento! O conhecimento que eu preciso ter do mundo, para poder agir sobre ele, conscientemente. Estes conhecimentos do mundo são de diferentes ordens:

há o conhecimento cognitivo – que, conforme já vimos, são as informações existentes no mundo e sobre o mundo, isto é, que já foram produzidas pela sociedade;

há também o conhecimento atitudinal e/ou comportamental – que são os conhecimentos que devo ter sobre os valores éticos e morais, do mundo, ou da sociedade onde eu convivo, para que eu saiba como me conduzir nesta sociedade, inclusive o conhecimento, a atitude ética ao utilizar e aplicar o conhecimento cognitivo;

e, por fi m, porém não em último lugar (estas três ordens de conhecimento existem na simultaneidade de ver, entender e agir no mundo), o conhecimento operacional – que me diz sobre como aplicar, como manipular, instrumentos e objetos e como operar com eles. Que me informa sobre as habilidades e destreza que devo ter para trabalhar com um conjunto de objetos.

É por esta razão que, quando falamos sobre os diferentes níveis de objetivos no plano de ensino, nos referimos aos objetivos cognitivos; atitudinais e/ou comportamentais; e os operacionais. Ou seja, os objetivos enquanto fi m da educação que eu desejo para o meu aluno são que determinam a metodologia, isto é, como eu devo organizar a minha ação didática na sala de aula.

Assim, se o meu objetivo educativo é fazer com que um grupo de alunos da terceira série do ensino fundamental, os quais moram

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na periferia de uma cidade -- onde não há coleta de esgoto e que o mesmo “corre a céu aberto” --, compreendam que não devem brincar ou caminhar sobre este esgoto, pois as ulcerações (feridas) que quase todos eles têm nas pernas decorrem, provavelmente, dele, então eu preciso organizar a minha ação didática para superar este problema.

Se eu quiser esta mudança na forma de agir das crianças (a de não brincarem junto ao esgoto), não basta que elas intelectualizem esta informação; é necessário que elas a internalizem, o que fi cará evidenciado através de suas ações. Para tanto, eu devo me valer do conhecimento cognitivo, isto é, das informações já existentes para entender que aquelas feridas são causadas por bactérias presentes no esgoto e que, quando elas andam por sobre o esgoto, estas bactérias se localizam em suas pernas. Para tanto, vou me valer também de um outro conhecimento que a humanidade já produziu e que resultou na construção de um objeto chamado microscópio, o qual me permite ver coisas que “a olho nu” o homem não consegue ver. Vou me valer, também, de outros conhecimentos, os quais me permitem entender como devo agir para eliminar estas bactérias que infectam e causam as feridas nas pernas das crianças.

Colocar na vala por onde corre o esgoto, periodicamente, um bactericida. Ou, sabendo que este tipo de ação não resolve defi nitivamente o problema, vou organizar com os alunos e com a comunidade do bairro, uma série de ações e gestão junto à administração pública, para que aquele esgoto seja canalizado e, assim, não mais contamine as crianças.

Veja que, neste exemplo bem simples de ação didática, o professor trabalha com as três ordens de conhecimento junto aos alunos: com o conhecimento cognitivo ou informacional – quando utiliza os conhecimentos já produzidos, os quais permitem entender serem as bactérias as causadoras das feridas nas pernas das crianças; quando estuda os diferentes tipos de bactérias, para saber qual dos tipos está presente naquele esgoto; quando o conhecimento me diz poderem as bactérias ser eliminadas com o uso do produto X, que é um bactericida; ou, mesmo, pelo conhecimento de que a melhor forma de evitar a contaminação das crianças é a captação e canalização do esgoto.

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Todos estes conhecimentos informacionais, já existem, já foram produzidos pela humanidade, e o papel do professor é usá-lo como ferramenta para que as crianças entendam por quais razões suas pernas têm feridas.

Quando as crianças trabalham com o microscópio para identifi car o tipo de bactéria, elas precisam saber operá-lo de forma correta, com destreza, com perícia, isto é, precisam do conhecimento operacional sobre aquele objeto específi co.

E, quando o professor trabalha com elas a questão das lesões nas pernas e suas possíveis conseqüências, está trabalhando com um valor, que é a saúde. Portanto está trabalhando com o conhecimento atitudinal e/ou comportamental.

Perceba que, ao organizar desta forma a minha aula, a minha ação didática, com certeza os alunos desta terceira série não terão problemas para falar sobre bactérias – o que são, como agem e quais danos podem causar no ser humano e como devemos combatê-las. Não terão problemas sobre como manusear um microscópio, não terão problemas sobre como redigir uma carta solicitando que a administração pública providencie a canalização do esgoto e não terão problemas para falar sobre os benefícios de um corpo com saúde.

Veja, também, que o meu objetivo de ensino, que era a saúde das crianças, foi alcançado e, para isso, eu usei o conhecimento científi co (conteúdo escolar) de uma determinada forma (procedimentos metodológicos) e, à medida que o trabalho ia sendo feito, o grupo ia avaliando as suas ações e re-planejando o trabalho (por exemplo: só colocar bactericida no esgoto não resolve o problema, é preciso canalizá-lo).

Percebam, igualmente, que Objetivo, Conteúdo, Metodologia e Avaliação aparecem , aqui, de uma forma única, em uma única ação, estão integrados e coerentes!

E, o resultado? A transformação da realidade (a canalização do esgoto).

No desenvolvimento desta atividade, já no fi nal chegaremos, com

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certeza, a uma conclusão bastante simples e lógica: os alunos construíram conhecimentos sobre saúde, bactérias, bactericidas, microscópio, canalização de esgoto, maneiras de evitar doenças, etc., mas, sobretudo, aprenderam a cooperar – operar juntos, que é um dos valores, um dos objetivos atitudinais e/ou comportamentais de toda a educação que se quer transformadora.

Neste exemplo, podemos também identifi car claramente qual a teoria de educação que organiza a ação didática desta forma!

Atividades de auto-avaliação

Após a leitura criteriosa da unidade 4, efetue as atividades de auto-avaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas.

1) Quais as razões de não podermos afi rmar existir uma didática com possibilidade de ser aplicada em qualquer situação e/ou atividade?

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2) Uma das principais características do Planejamento é o de ser fl exível. Explique esta afi rmação.

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3) Faça uma relação dos verbos que podem ser utilizados na formulação dos objetivos, segundo o nível de domínio cognitivo, ou a categoria de

objetivo.

Categoria Verbos

Conhecimento

Compreensão

Aplicação

Análise

Síntese

Avaliação

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4) Elabore seu projeto de prática de ensino, tendo por referência o que você estudou sobre epistemologia; teorias de educação (concepções); Projeto Político Pedagógico e Plano de Ensino, mantendo a coerência interna necessária ao plano; e, externa, com relação aos documentos citados.

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Síntese

Nesta unidade, discutimos a necessidade do planejamento, enquanto elemento de organização didático-administrativa da escola.

Além disso, você pôde constatar a importância que assume o planejamento escolar e que ele seja realizado com a participação de toda a comunidade escolar; e, acima de tudo, que os diferentes planejamentos da escola (Projeto Político Pedagógico e Plano de Ensino) tenham coerência entre si para que as ações sejam efetivamente realizadas, segundo o desejado.

Especifi camente, com relação ao plano de ensino, você pôde constatar que, para além da dimensão técnica, ele deve garantir também uma dimensão artística e criadora, que diz respeito, diretamente, à fl exibilidade e criatividade do professor, no momento de execução do plano de ensino.

Na seção 2, você teve a oportunidade de estudar os elementos que compõem o plano de ensino. O que representa cada um destes elementos, sua importância e, fundamentalmente, a sua coerência. Coerência que deve existir de um plano para outro, isto é, coerência do plano de ensino com o Projeto Político Pedagógico; e, internamente, coerência entre os elementos constitutivos do plano de ensino.

Acima de tudo, viu a importância do professor que, ao elaborar o plano de ensino, deve resguardar esta coerência entre objetivo, procedimentos metodológicos, avaliação.

Por estas razões, afi rmamos que o Plano de Ensino -- o planejamento da atividade do professor --, é, e deve ser o resultado de suas concepções de homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, educação, escola, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia e avaliação, que estão expressos no Projeto Político Pedagógico. Ou seja, parodiando o saudoso Paulo Freire, podemos dizer que o Plano de Ensino do professor denuncia/anuncia sua visão de homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, educação, escola, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia e avaliação.

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Saiba mais

Pesquise e descreva o que diz a teoria dos arquétipos.

Você se lembra do gênio criador chamado “Leonardo Da Vinci”?

Você se lembra da quantidade de inventos por ele criados e construídos?

Será que ele conseguiu construir tudo o que a sua mente criou?

Pesquise a biografi a de Leonardo Da Vinci, investigue e identifi que quais foram as criações de Leonardo Da Vinci e, destas, quais ele efetivamente construiu.

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Para concluir o estudo

Na disciplina Didática II, você teve oportunidade de estudar as epistemologias que dão sustentação e origem às diferentes teorias de educação. Em cada uma das teorias de educação, você estudou as concepções que as constituem, identifi cando como e por que cada uma das teorias concebe um ideal de homem e sociedade e, por esta razão, entende educação, conhecimento, cultura, escola, processo ensino-aprendizagem, metodologia e avaliação de uma forma própria e específi ca, isto é, de acordo com a ideologia que lhe dá sustentação.

Você também estudou a organização didático-administrativa da escola através do Projeto Político Pedagógico. Discutiu, ainda, as razões que levaram o legislador brasileiro da LDBEN a delegar competência à comunidade escolar, para que esta participe da elaboração do Projeto Político Pedagógico de sua escola.

Por fi m, você estudou o Plano de Ensino do professor, seus elementos constitutivos e a coerência necessária entre seus elementos e dele (Plano de Ensino) com o Projeto Político Pedagógico.

A partir disso, você já possui as ferramentas (conhecimentos) necessárias e que o(a) habilitam a planejar o seu Projeto de Prática de Ensino para a escola onde irá realizar o seu estágio docente.

Veja no organograma a seguir os conhecimentos que você possui:

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Estas são as suas

ferramentas

Portanto você tem

condições de

elaborar o seu

Projeto de

Prática de

Ensino

PLANO DE

ENSINO

TEORIAS DE

EDUCAÇÃO

EPISTEMOLOGIA

PPP

LDBEN

CONCEPÇÕES DE

HOMEM, MUNDO;

SOCIEDADE,

CULTURA, CONHECI-

MENTO PROCESSO

ENSINO-

APRENDIZAGEM;

RELAÇÃO

PROFESSOR-ALUNO;

METODOLOGIA

AVALIAÇÃO

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Sobre o professor conteudista

Clovis Nicanor Kassick é professor formado pela Faculdade de Educação da UFRGS (1971); Pedagogo pela FEEVALE-RS (1976), com cursos de Pós-Graduação lato-sensu em Administração de Sistemas Educacionais pela UNISINOS-RS (1979) e strictu-sensu – Mestrado em Educação pela UFSC (1992) na linha de pesquisa de Teoria e Prática Pedagógica; e Doutorado em Educação pela UNICAMP-SP (2002) na área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte, cuja pesquisa foi realizada na Escola Paidéia, da cidade de Mérida – Espanha, e versou sobre a Organização Didático-Administrativa da Escola Libertária na formação do Sujeito Singular.

Foi professor do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries (1972-1989), das Séries Iniciais através do desenvolvimento de Projetos Integrados de Ensino e do Ensino médio, da rede pública municipal e estadual do Estado do Rio Grande do Sul. No Ensino Superior, é professor da UFSC desde 1990 (atualmente aposentado), tendo lecionado em diversos Cursos de Formação de Professores, em especial, no Curso de Pedagogia. Atualmente é Professor da Unisul, com atuação no Curso de Graduação em Pedagogia (Tubarão); na Pós-Graduação lato-sensu no Curso de Especialização em Docência para o Ensino Superior, onde é professor e coordenador; e, no strictu-sensu – no Programa de Pós-Graduação: Mestrado em Educação (Tubarão). Também atua no Programa de Formação Pedagógica Continuada dos Professores da Unisul, junto à Diretoria de Ensino – PROAC (Tubarão).

Possui vários livros, capítulos de livros e artigos publicados na área da organização de processos educativos e formação de professores, onde desenvolve e orienta pesquisas. É, ainda, participante do Conselho Editorial da Revista VERVE, da PUC-SP; Professor Avaliador do INEP; e presta Assessoria Pedagógica na área de Planejamento de Projetos Pedagógicos.

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Respostas e comentários das atividades de auto-avaliação

UNIDADE 1

1) Justifi que por que a epistemologia empirista afi rma a supremacia do Objeto sobre o Sujeito.

R: A resposta deve abranger a relação Sujeito-Objeto segundo o que afi rma o empirismo.

2) Caracterize a ação do professor e do aluno na pedagogia não-diretiva.

R: Você deverá descrever como age o professor, principalmente como ocorre a relação professor-aluno nesta pedagogia.

3) Justifi que por quais razões o professor, ao organizar a sua ação didática, deve preferir organizá-la segundo a pedagogia relacional, ao invés da pedagogia diretiva e da não- diretiva.

R: A resposta deverá apontar as decorrências no aprendizado do aluno, quando sob esta organização didática.

UNIDADE 2

1) Com base no que você estudou nessa unidade, complete o quadro, relacionando as características sobre cada uma das concepções, de acordo com o modelo pedagógico. Consulte também o texto de Fernando Becker que se encontra em anexo, no fi nal do livro.

R: Você deve completar o quadro, citando as características, descritas no texto, de cada um dos elementos nas diferentes pedagogias.

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2). Conforme você viu, as teorias de educação têm por fi nalidade orientar a ação e a organização didática do professor, segundo um conjunto de princípios educativos de determinado paradigma epistemológico. Tendo em vista esta afi rmação, descreva uma ação didática do professor, baseada no paradigma epistemológico relacional da teoria de educação cognitivista.

R: Você deverá criar e/ou descrever uma situação real de sala de aula, em que o professor evidencia as características da pedagogia relacional.

UNIDADE 3

1) Explique como e por que o Projeto Político Pedagógico se constitui em instrumento de gestão e relações democráticas na escola.

R: Você deverá argumentar, a partir dos artigos da LDBEN, que a escola possui dois instrumentos legítimos, o Projeto Político Pedagógico e o Conselho Escolar, para organizar a gestão da escola de forma participativa e democrática.

2) Leia o Projeto Político Pedagógico da escola onde você está realizando ou irá realizar a prática de ensino, identifi que nele e descreva as concepções de homem; mundo; sociedade-cultura; conhecimento; educação; escola; processo ensino-aprendizagem; relação professor-aluno; metodologia e avaliação, que ele apresenta.

R: Após a leitura do Projeto Político Pedagógico da escola em que realizará seu estágio, você deverá elaborar um quadro (semelhante ao que preencheu na unidade 2 – questão 1), caracterizando as concepções que embasam o trabalho pedagógico da escola.

3) A partir da identifi cação e descrição das concepções, analise a coerência conceitual entre elas; e, delas, com a teoria de educação que sinalizam.

R: Uma vez elaborado o quadro, você deverá analisar as características listadas (que foram retiradas do Projeto da escola), confrontá-las com as concepções apresentadas na unidade 2 e avaliar se estas concepções são coerentes entre si e com o que está apresentado no texto.

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UNIDADE 4

1) Por quais razões não podemos afi rmar que existe uma didática que possa ser aplicada em qualquer situação e/ou atividade?

R: A resposta deverá considerar que diferentes grupos possuem diferentes conhecimentos e que vivem diferentes realidades, logo, ao organizar didaticamente a sua ação no planejamento, o professor deve levar em consideração estas diferenças.

2) Uma das principais características do Planejamento é o de ser fl exível. Explique esta afi rmação.

R: A argumentação nesta questão deve estar interligada às questões das diferenças entre os grupos.

3) Faça uma relação dos verbos que podem ser utilizados na formulação dos objetivos, segundo o nível de domínio cognitivo, ou a categoria de objetivo.

R: Os verbos a serem utilizados na elaboração dos objetivos devem estar em acordo com cada umas das categorias de objetivos que expressam o nível de exigência cognitiva do aluno, isto é, as diferentes operações mentais.

4) Elabore seu projeto de prática de ensino, tendo por referência o que você estudou sobre epistemologia; teorias de educação (concepções); Projeto Político Pedagógico e Plano de Ensino, mantendo a coerência interna necessária ao plano; e, externa, com relação aos documentos citados.

R: O projeto a ser elaborado deve contemplar os itens apresentados nesta unidade.

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Anexos

Modelos Pedagógicos & Modelos Epistemológicos

BECKER, Fernando. EDUCAÇÃO E REALIDADE, Porto Alegre, 19(1): 89-96, jan/jun. 1994.

Podemos afi rmar que existem três diferentes formas de representar a relação ensino/aprendizagem escolar ou mais especifi camente, a sala de aula. Falaremos, inicialmente, de modelos pedagógicos e, na falta de terminologia mais atualizada ou adequada, falaremos em pedagogia diretiva, pedagogia não-diretiva e, talvez criando um novo termo, pedagogia relacional. Mostraremos como tais modelos são, por sua vez, sustentados, cada um deles, por determinada epistemologia. Epistemologia que se mostrou refratária a toda exuberante crítica da sociologia da educação que se desenvolveu no país, do fi nal os anos 70 até agora.

a) Pedagogia diretiva e seu pressuposto epistemológico

Pensemos no primeiro modelo. Para confi gurá-lo é só entrar numa sala de aula: é pouco provável que a gente se engane. O que encontramos aí? Um professor que observa seus alunos entrarem na sala, aguardando que se sentem, que fi quem quietos e silenciosos. As carteiras devidamente enfi leiradas e sufi cientemente afastadas uma da outra para evitar que os alunos troquem conversas. Se o silêncio e a quietude não se fi zerem logo, o professor gritará para um aluno, xingará outra aluna até que a palavra seja monopólio seu. Quando isto acontecer, ele começará a dar a aula. Como é esta aula? O professor fala e o aluno escuta. O professor dita e o aluno copia.

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O professor decide o que fazer e o aluno executa. O professor ensina e o aluno aprende. Se alguém observasse uma sala de aula na década de 60 ou de 50, ou, quem sabe, de dois séculos atrás, diria, provavelmente, a mesma coisa: falaria como Paulo Freire, no Pedagogia do Oprimido. Por que o professor age assim? Muitos dirão, porque ele aprendeu que é assim que se ensina. Para mim, esta resposta é correta, mas não é sufi ciente. Então, por que mais?

Penso que o professor age assim porque ele acredita que o conhecimento pode-ser transmitido para o aluno. Ele acredita no mito da transmissão do conhecimento - do conhecimento enquanto forma ou estrutura: não só enquanto conteúdo. O professor acredita, portanto, numa determinada epistemologia. Isto é, numa “explicação” – ou, melhor, crença - da gênese e do desenvolvimento do conhecimento, “explicação” da qual ele não tomou consciência e que, nem por isso, é menos efi caz. Diz um professor (Becker, 19921): O conhecimento “se dá à medida que as coisas vão aparecendo e sendo introduzidas por nós nas crianças...”. Outro professor diz: O conhecimento “é transmitido, sim: através do meio-ambiente, família, percepções, tudo”. Outro, ainda: o conhecimento se dá “na medida em sue a pessoa é estimulada, ela é perguntada, ela é incitada, ela é questionada, ela é, até, obrigada a dar uma ‘resposta...”. Como se confi gura esta epistemologia?

Falemos como na linguagem epistemológica, em sujeito e objeto. O sujeito é o elemento conhecedor, o centro do conhecimento. O objeto é tudo o que o sujeito não é. O que é o não-sujeito? o mundo onde ele está mergulhado: isto é, o meio físico e/ou social. Segundo a epistemologia que subjaz a prática desse professor, o indivíduo, ao nascer, nada tem em termos de conhecimento: é uma folha de papel em branco: é tabula rasa. É assim o sujeito na visão epistemológica desse professor: uma folha em branco. Então, de onde vem o seu conhecimento (conteúdo) e a sua capacidade de conhecer (estrutura)? Vem do meio físico e/ou social. Empirismo é o nome desta explicação da gênese do desenvolvimento do conhecimento. Sobre a tabula rasa, segundo a qual “não há nada no nosso intelecto que não tenha entrado lá através dos nossos sentidos”. diz Popper (1991): -”Essa idéia não é simplesmente errada. mas grosseiramente errada...” (P. 160).

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Voltemos ao professor na sala de aula.

O professor considera que seu aluno é tabula rasa somente quando ele nasceu corno ser humano, mas frente a cada novo conteúdo estocado na sua grade curricular, ou nas gavetas de sua disciplina. A atitude, nós a conhecemos. O alfabetizador considera que seu aluno nada sabe em termos de leitura e escrita e que ele tem que ensinar tudo. Mais adiante, frente à aritmética, o professor, novamente, vê seu aluno como alguém que nada sabe sobre somas e subtrações. No segundo grau, numa aula de física, o professor vai tratar seu aluno como alguém sem nenhum saber sobre espaço, tempo, relação causal. Já na universidade, o professor de matemática olha para seus alunos, no primeiro dia de aula, e “pensa”: “60% já está reprovado!” Isto porque ele os concebe, não apenas como folha em branco na matemática que ele vai ensinar, mas, por causa de sua concepção epistemológica, como estruturalmente incapazes de assimilar esse saber.

Como se vê, a ação desse professor não é gratuita. Ela é legitimada, ou fundada teoricamente. Por uma epistemologia. Segundo esta, o sujeito é totalmente determinado pelo mundo do objeto ou meio físico e social. Quem representa este mundo, na sala de aula, é, por excelência, o professor. No seu imaginário, ele, e somente ele, pode produzir algum novo conhecimento no aluno. O aluno aprende se, e somente se, o professor ensina. O professor acredita no mito da transferência do conhecimento: o que ele sabe, não importa o nível de abstração ou de formalização, pode ser transferido ou transmitido para o aluno. Tudo o que o aluno tem a fazer é submeter-se a fala do professor: fi car em silêncio, prestar atenção, fi car quieto e repetir tantas vezes quantas forem necessárias, escrevendo, lendo, etc., até aderir em sua mente, o que o professor deu.

Como se vê, esta pedagogia, legitimada pela epistemologia empirista, confi gura o próprio quadro da reprodução de ideologia: reprodução do autoritarismo, da coação, da heteronomia, da subserviência, do silêncio, da morte da crítica, da criatividade, da curiosidade. Nessa sala de aula, nada de novo acontece: velhas perguntas são respondidas com velhas respostas. A certeza do futuro está na reprodução pura e simples do passado. A disciplina escolar que tantas vítimas já produziu é exercida com todo rigor, sem nenhum sentimento de culpa, pois há uma

Nessa sala de aula, nada

de novo acontece: velhas

perguntas são respondidas

com velhas respostas. A

certeza do futuro está na

reprodução pura e simples

do passado.

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epistemologia, uma psicologia (da qual não falamos aqui) e uma pedagogia que a legitimam. O aluno, egresso dessa escola, será bem recebido no mercado de trabalho, pois aprendeu a silenciar, mesmo discordando, perante a autoridade do professor, a não reivindicar coisa alguma, a submeter-se e a fazer um mundo de coisas sem sentido, sem reclamar. O produto pedagógico acabado dessa escola é alguém que renunciou ao direito de pensar e que, portanto, desistiu de sua cidadania e do direito ao exercício da política no seu mais pleno signifi cado: qualquer projeto que vise a alguma transformação social escapa a seu horizonte, pois ele deixou de acreditar que sua ação seja capaz de qualquer mudança. O cinismo é seu jargão.

b) Pedagogia não-diretiva e seu pressuposto epistemológico

Pensemos no segundo modelo. Não é fácil detectar sua Presença. Ela está mais nas concepções pedagógicas e epistemológicas do que na prática porque esta é difícil de viabilizar. Pensemos, então, como seria a sala de aula de acordo com esse modelo. O professor é um auxiliar do aluno, um facilitador (CarI Rogers). O aluno já traz um saber que ele precisa, apenas, trazer a consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo. O professor deve interferir o mínimo possível. Qualquer ação que o aluno decida fazer é, a priori, boa, instrutiva. É o regime do Iaissez-faire: “deixa fazer” que ele encontrará o seu caminho. O professor deve policiar-se para interferir o mínimo possível. Qualquer semelhança com a “liberdade de mercado” do neo-liberalismo é mais do que coincidência.

O professor não-diretivo acredita que o aluno aprende por si mesmo. Ele pode, no máximo, auxiliar a aprendizagem do aluno, despertando o conhecimento que já existe no aluno. - Ensinar? - Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno. Como diz um professor (Becker. 19921): “Ninguém pode transmitir. É o aluno que aprende”. Outro professor

afi rma: “Tu não transmite o conhecimento. Tu oportuniza, propicia, leva a pessoa a conhecer”. Outro, ainda: “...acho que ninguém pode ensinar ninguém: pode tentar transmitir, pode tentar mostrar... acho que a pessoa aprende praticamente por si...”. Que epistemologia sustenta este modelo pedagógico?

O professor, imbuído de uma

epistemologia apriorista

- inconsciente, na maioria das

vezes-renuncia aquilo que seria a

característica fundamental da ação

docente: a intervenção no processo

de aprendizagem do aluno.

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A epistemologia que fundamenta essa Postura pedagógica é a apriorista. “Apriorismo” vem de apriori, isto é, aquilo que é posto antes como condição do que vem depois. - O que é posto antes? - A bagagem hereditária. Esta epistemologia acredita que o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética. Basta um mínimo de exercício para que se desenvolvam ossos, músculos e nervos e assim a criança passe a postar-se ereta, engatinhar, caminhar, correr, andar de bicicleta... assim também com o conhecimento. Está tudo previsto. É sufi ciente proceder a ações para que tudo aconteça em termos de conhecimento. A interferência do meio-físico ou social - deve ser reduzida ao mínimo. É só Pensar no Emílio de Rousseau ou nas crianças de Summerhill (Snyders. 1974). As ações espontâneas farão a criança transitar por fases de desenvolvimento, cronologicamente fi xas, que são chamadas de “estágios” e que são, freqüentemente, confundidos com os estágios da Epistemologia-Genética piagetiana: nesta, os estágios são, ao contrário, cronologicamente, variáveis.

Voltemos ao papel do professor.

O professor, imbuído de uma epistemologia apriorista - inconsciente, na maioria das vezes -renuncia aquilo que seria a característica fundamental da ação docente: a intervenção no processo de aprendizagem do aluno. Ora, o poder que é exercido sem reservas, com legitimidade epistemológica, no modelo anterior, é aqui escamoteado. Ora, a trama de poder, em qualquer ambiente humano, pode ser disfarçada, mas não eliminada. Acontece que, na escola, há limites disciplinares intransponíveis. O que acontece, então, com o pedagogo não diretivo? Ou ele arranja uma forma mais “subliminar” de exercer o poder ou ele sucumbe. Freqüentemente, o poder exercido deste modo assume formas mais perversas que na forma explícita do modelo anterior.

Assim como no regime da “livre iniciativa” ou de “liberdade de mercado” o estado aumenta seu poder para garantir a continuidade e, até, o aumento dos privilégios da minoria rica utilizando, não a perseguição política, mas a expropriação dos salários e a desmoralização das instituições representativas dos trabalhadores, assim também, por mecanismos indiretos exerce-se, por vezes, numa sala de aula não-diretiva, um poder tão predatório como o da sala de aula diretiva. Por isso, Celma (1979) afi rma que os alunos tinham pavor de sua professora não-diretiva.

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Como vimos, uma pedagogia desse tipo não é gratuita. Ela tem legitimidade teórica: extrai sua fundamentação da epistemologia apriorista. O professor parece, no entanto, não tomar consciência disso. Esta mesma epistemologia, que concebe o ser humano como dotado de um saber “de nascença”, conceberá, também, dependendo das conveniências, um ser humano desprovido da mesma capacidade, “defi citário”. Este “défi cit”, porém, não tem causa externa: sua origem é hereditária. - Onde se detecta maior incidência de difi culdades ou retardos de aprendizagem? - Entre os miseráveis, os mal-nutridos, os pobres, os marginalizados...

Está, aí, a teoria da carência cultural para garantir a interpretação de que marginalização econômico-social e “défi cit” cognitivo são sinônimos. A criança marginalizada, entregue a si mesma, numa sala de aula não-diretiva, produzirá, com alta probabilidade, menos, em termos de conhecimento, que uma criança de classe média ou alta. Trata-se, aqui, de acordo com o apriorismo, de “défi cit” herdado: epistemologicamente legitimado, portanto.

C) Pedagogia relacional e seu pressuposto epistemológico

O professor e os alunos entram na sala de aula. O professor traz algum material - algo que, Presume, tem signifi cado para os alunos. Propõe que eles explorem este material - cuja natureza depende do destinatário: crianças de pré-escola, de primeiro grau, de segundo grau, universitário, etc. Esgotada a exploração do material, o professor dirige um determinado número de perguntas, explorando, sistematicamente, diferentes aspectos problemáticos a que o material dá lugar. Pode solicitar, em seguida, que os alunos representem, desenhando, pintando, escrevendo, fazendo cartunismo, teatralizando, etc, - o que elaboraram. A partir daí, discute-se a direção. a problemática, o material da(s) próxima(s) aula(s).

Por que o professor age assim? Porque ele acredita que o aluno só aprenderá alguma coisa, isto é, construirá algum conhecimento novo, se ele agir e problematizar a sua ação. Em outras palavras, ele acredita que há duas condições necessárias para que algum conhecimento novo seja construído: a) que o aluno aja (assimilação) sobre o material que o professor presume que tenha algo de cognitivamente interessante, ou melhor, signifi cativo para

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o aluno: b) que o aluno responda para si mesmo as perturbações (acomodação) provocadas pela assimilação deste material, ou, que o aluno se aproprie, neste segundo momento, não mais do material, mas dos mecanismos íntimos de suas ações sobre este material: este Processo far-se-á por refl exionamento e refl exão (Piaget, 1977), a partir das questões levantadas pelos próprios alunos e das perguntas levantadas pelo professor, e de todos os desdobramentos sue daí ocorrerem. O professor não acredita no ensino em seu sentido convencional ou tradicional, pois não acredita que um conhecimento (conteúdo) e uma condição prévia de conhecimento (estrutura) possa passar, por força do ensino, da cabeça do professor para a cabeça do aluno. Não acredita na tese de que a mente do aluno é tabula rasa, isto é, que o aluno, frente a um conhecimento novo, seja totalmente ignorante e tenha que aprender tudo da estaca zero, não importa o estágio do desenvolvimento em sue se encontre. Ele acredita que tudo o que o aluno construiu até hoje em sua vida serve de patamar para continuar a construir e que alguma porta abrir-se-á para o novo conhecimento - é só questão de descobri-la: ele a descobre por construção. “Aprender é proceder a uma síntese indefi nidamente renovada entre a continuidade e a novidade” (lnhelder et al.. 1977, p. 263): aprendizagem é, por excelência, construção: ação e tomada de consciência da coordenação das ações, portanto. Professor e aluno determinam-se mutuamente. Como vemos, a epistemologia deste professor mostra diferenças fundamentais com relação às anteriores. Como se confi gura ela?

O professor tem todo um saber construído, sobretudo numa determinada direção do saber formalizado. Este professor, que age segundo o modelo pedagógico relacional, professa uma epistemologia também relacional. Ele concebe a criança (o adolescente, o adulto), seu aluno, como tendo uma história de conhecimento já percorrida: a aprendizagem da língua materna é um fenômeno que absolutamente não pode ser subestimado: eu ousaria dizer que a criança que fala uma língua tem condições, respeitado o nível de formalização, de aprender qualquer coisa. Aliás, o ser humano, ao nascer, não é uma tabula rasa. Antes, ao contrário, ele traz uma herança biológica que é o oposto da “folha de papel em branco”. Diz Popper, lembrando que a afi rmação de que “nada há no intelecto que não tenha passado primeiramente pelos sentidos é grosseiramente errada: “Basta que nos lembremos dos dez bilhões de neurônios do nosso córtex

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cerebral, alguns deles (as células piramidais do córtex) cada um com um total estimado em dez mil sinapses” (p. 160). Para Piaget, mentor por excelência de uma epistemologia relacional, não se pode exagerar a importância da bagagem hereditária nem a importância do meio social. O que ele rejeita, no entanto, é a crença de que a bagagem hereditária já traz, em si, programados os instrumentos (estruturas) do conhecimento e segundo a qual bastaria o processo de maturação para estes instrumentos manifestarem-se em idades previsíveis, segundo estágios cronologicamente fi xos (apriorismo). Rejeita, de outro lado, que a simples pressão do meio social sobre o sujeito determinaria nele, mecanicamente, as estruturas, do conhecer (empirismo). Para Piaget, o conhecimento tem início quando o recém-nascido age assimilando alguma coisa do meio físico ou social. Este conteúdo assimilado, ao entrar no mundo do sujeito, provoca, aí, perturbações, pois traz consigo algo novo para o qual a estrutura assimiladora não tem instrumento.

Urge, então, que o sujeito refaça seus instrumentos de assimilação em função da novidade. Este refazer do sujeito sobre si mesmo é a acomodação. É este movimento, esta ação que refaz o equilíbrio perdido: porém, o refaz em outro nível, criando algo novo no sujeito. Este algo novo fará com que as próximas assimilações sejam diferentes das anteriores, sejam melhores: equilibração majorante, isto é, o novo equilíbrio é mais consistente que o anterior. O sujeito constrói – daí, construtivismo - seu conhecimento em duas dimensões complementares, como conteúdo e como forma ou estrutura: como conteúdo ou como condição prévia de assimilação de qualquer conteúdo. No mundo interno (endógeno) do Sujeito, algo novo foi criado. Algo que é síntese do que existia, antes, como sujeito originariamente, da bagagem hereditária - e do conteúdo que é assimilado do meio social. O sujeito cria um outro, dentro dele mesmo, que não existia originariamente. E cria-o por força de sua ação (assimiladora e acomodadora). A ação do sujeito, portanto, constitui, correlativamente, o objeto e o próprio sujeito. Sujeito e objeto não existem antes da ação do sujeito. A consciência não existe antes da ação do Sujeito. Porque a consciência é, segundo Piaget, construída pelo próprio sujeito na medida em que ele se apropria dos mecanismos íntimos de suas ações, ou, melhor dito, da coordenação de suas ações. Este processo constitutivo não tem fi m, e nem começo absoluto. Ele pode ser aplicado por

A tendência, nessa sala de aula, é a

de superar, por um lado, a disciplina

policialesca e a fi gura autoritária

do professor que a representa, e,

por outro, lado, a de ultrapassar o

dogmatismo do conteúdo.

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outro prisma teórico, também de Piaget. A teoria da abstração refl exionante, uma teoria explicativa que é mais competente que a teoria da equilibração para explicar o que acontece ao nível das trocas simbólicas, ao nível da “manipulação” dos símbolos, das relações sociais e não só ao nível da manipulação dos objetos do mundo físico, com sua gama interminável de aspectos exploráveis. Deixemos, no entanto, a teoria da abstração já referida acima - para outra ocasião (Cf. Becker, 1993).

O professor acredita que seu aluno é capaz de aprender sempre. Esta capacidade precisa, no entanto, ser vista sob duas dimensões, entre si complementares. A estrutura, ou condição prévia de todo o aprender, que indica a capacidade lógica do aluno, e o conteúdo. Lembremos que, para Piaget (1967), a estrutura é orgânica, antes de ser formal. A dinamização ou dialetização do processo de aprendizagem exige. Portanto, dupla atenção do professor. O professor, além de ensinar, precisa aprender o que seu aluno já construiu até o momento condição prévia das aprendizagens futuras. O aluno precisa aprender o que o professor tem a ensinar (conteúdos da cultura formalizada. por exemplo): isto desafi ará a intencionalidade de sua, consciência (Freire, 1979) ou provocará um desequilíbrio (Piaget, 1936:1967) que exigirá do aluno respostas em duas dimensões complementares: em conteúdo e em estrutura. Para Freire, o professor, além de ensinar. Passa a aprender: e o aluno, além de aprender, passa a ensinar. Nesta relação, o professor e alunos avançam no tempo. As relações de sala de aula, de cristalizadas - com toda a dose de monotonia que as caracteriza - passam a ser fl uidas. O professor construirá, a cada dia, a sua docência, dinamizando seu processo de aprender. Os alunos construirão, a cada dia, a sua discência, ensinando, aos colegas e ao professor novas coisas. Mas o que avança mesmo neste processo e a condição prévia de todo aprender ou de todo o conhecimento, isto é, a capacidade construída de construir sempre mais e novos conhecimentos.

A tendência, nessa sala de aula, é a de superar. Por um lado, a disciplina policialesca e a fi gura autoritária do professor que a representa, e, por outro, a de ultrapassar o dogmatismo do conteúdo. Não se trata de instalar um regime de anomia (ausência de regras ou leis de convivência), ou o laissez-faire, nem de esvaziar o conteúdo curricular: estas coisas são características do segundo modelo pedagógico - com o qual

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– confunde-se, freqüentemente, uma proposta construtivista. Trata-se, antes, de criticar, radicalmente, a disciplina policialesca e construir uma disciplina intelectual ou regras de convivência, o que permite criar um ambiente fecundo de aprendizagem. Trata-se, também, de recriar cada conhecimento que a humanidade já criou (pois não há outra forma de entender-se a aprendizagem, segundo a psicologia genética piagetiana só se aprende o que é (re)criado para si) e, sobretudo, de criar conhecimentos novos: novas respostas para antigas perguntas e novas perguntas refazendo antigas respostas: e, não em última análise, respostas novas para perguntas novas. Trata-se, numa palavra, de construir o mundo que se quer, e não de reproduzir/repetir o mundo que os antepassados construíram para eles ou herdaram de seus antepassados.

O resultado desta sala de aula é a construção e a descoberta do novo, é a criação de uma atitude de busca, e de coragem que esta busca exige. Esta sala de aula não reproduz o passado pelo passado, mas debruça-se sobre o passado porque aí se encontra o embrião do futuro. Vive-se intensamente o presente na medida em que se constrói o futuro, buscando no passado sua fecundação. Dos escombros do passado delineia-se o horizonte do futuro: origina-se, daí, o signifi cado que dá plenitude ao presente. Para quem pensa que estou desenhando um mar de rosas, alerto que, para grande número de indivíduos, confi gura-se como extremamente penoso mexer no passado. Como diz a mãe de um menino de rua: para que vou lembrar o passado se ele não tem nada de bom? Aqui, os conceitos, muito próximos entre si, de tomada de consciência de Piaget e de conscientização de Freire são excepcionalmente fecundos para dialetizar o processo passado-presente-futuro. A convicção que a epistemologia genética nos traz é a de que este é o caminho para jogar- se para o futuro. Para adiantar-se aos acontecimentos. Para não andar a reboque da história, mas para fazer história: para ser sujeito, portanto.

Considerações fi nais

Em nossas pesquisas, ou em observações informais, detectamos o seguinte comportamento: professores que participavam de greve do magistério público estadual ou federal, como “militantes progressistas”, mostrando compreensão - a nível macro - do

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que acontecia na economia e na política, ao retornar a sala de aula (nível micro), após o término da greve, voltavam a ser professores plenamente sintonizados com o modelo A. Sua crítica sociológica, freqüentemente lúcida, exercida, via de regra, segundo parâmetros marxistas, mostrava-se incapaz de atingir sua ação docente (prática): nem atingia seu modelo pedagógico (teoria). Por quê?

Não se desmonta um modelo pedagógico arcaico somente pela crítica sociológica, por mais importante que seja esta. Segundo nossa hipótese, a desmontagem de um modelo pedagógico só pode ser realizada completamente pela crítica epistemológica. Em outras palavras, a crítica epistemológica é insubstituível para a superação de práticas pedagógicas fi xistas, reprodutivistas, conservadoras, sustentadas pelas epistemologias empirista ou apriorista. Note- se que estas epistemologias fundam, por um lado, o positivismo e, de forma menos fácil de mostrar, o neo-positivismo, e, por outro, o idealismo ou o racionalismo. Pensamos, também, que a formação docente precisa incluir, cada vez mais, a crítica epistemológica. Nossa pesquisa sobre a epistemologia do professor (Becker, 1992) mostrou o quanto esta crítica está ausente e quanto o seu primitivismo conserva o professor prisioneiro de epistemologias do senso comum, tornando-os incapazes de tomar consciência das amarras que aprisionam seu fazer e seu pensar.

Pudemos experienciar o quanto de fecundidade teórico-crítica – aliás, inesgotável - a epistemologia genética piagetiana possibilita. O pensamento de Paulo Freire tem mostrado, em alguns momentos, uma fecundidade similar, em termos pedagógicos: mas também em termos epistemológicos Andreola, (cf. 1993).

Uma Proposta pedagógica, dimensionada pelo futuro que vislumbramos, deve ser construída pelo poder constitutivo e criador da ação humana -”é a ação que dá signifi cado às coisas!”:- Mas não a ação aprisionada: aprisionada pelo treinamento, pela monotonia mortífera da repetição, pela predatória imposição autoritária. Mas sim a ação que, num primeiro momento, realiza os desejos humanos, suas necessidades e, num segundo momento, apreende simbolicamente o que aprendeu no primeiro momento: não só assimilação, mas assimilação e acomodação: não só refl exionamento, mas refl exionamento e refl exão: não só

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ação de primeiro grau, mas ação de primeiro e de segundo graus - e de enésimo grau: numa palavra, não só prática, mas prática e teoria. A acomodação, a refl exão, as ações de segundo grau e a teoria retroagem sobre a assimilação, o refl exionamento, as ações de primeiro grau e a prática, transformando-os. Poder-se-á, assim, enfrentar o desafi o de partir da experiência do educando, recuperando o sentido do processo pedagógico, isto é, recuperando e (re)constituindo o próprio sentido do mundo do educando ...e do educador.

Uma proposta pedagógica relacional visa a sugar o mundo do educando para dentro do mundo conceitual do educador. Este mundo conceitual do educador sofre perturbações, mais ou menos profundas, com a assimilação deste conteúdo novo. A alternativa é: responder ou sucumbir. A resposta abre um mundo novo de criações. A não resposta condena o professor às velhas fórmulas que descrevemos acima. A condição para que o professor responda, está, como vimos, numa crítica radical não só de seu modelo pedagógico, mas de sua conceição epistemológica.

Para enfrentar este desafi o, o professor deveria responder, antes, a seguinte questão: que cidadão ele quer que seu aluno seja? Um indivíduo subserviente, dócil, cumpridor de ordens sem perguntar pelo signifi cado das mesmas, ou um indivíduo pensante, crítico, que, perante cada nova encruzilhada prática ou teórica, para e refl ete, perguntando-se pelo signifi cado de suas ações futuras e, progressivamente, das ações do coletivo onde se insere? Esta parece-me, é a pergunta fundamental que permite iniciar o processo de restauração do signifi cado e da construção de um mundo de signifi cações futuras.

Bibliografi a

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BECKER, Fernando. Epistemologia subjacente ao trabalho docente. Porto Alegre: FACED/UFRGS,1992. 387p. (apoio INEP/CNPQ ).(no pre1o:VOZES). (Relatório de Pesquisas).

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_____. Ensino e construção de conhecimento: o processo de abstração refl exionante. Educação e Realidade. Porto alegre, 18(1): 43-52, jan./jun. 1993.

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CELMA, Iules. Diário de um educastrador. São Paulo, Summus, 1979. 142 p.

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_____ . Conscientização teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo, Cortez e Moraes, 1979. 102 p.

INHELDER, Barbel e colaboradores. Aprendizagem e estruturas do conhecimento. São Paulo, Saraiva, 1977. 282 p.

PIAGET, ]ean et allii. Recherches sur la abstraction réfl échissante. Paris. P. U. F., 1977. 2v, p. 153-78.

* Fernando Becker é professor na Faculdade de Educação da UFRGS e atual Coordenador do Programa de Pós-Graduação desta Universidade.

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