AR07 Estrutura Familial e Domiciliária de Vila Rica

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    A ESTRUTURA FAMILIAL E DOMICILIRIA EM VILA RICA NO ALVORECER DOSCULO XIX (*)

    Iraci del Nero da Costa

    Faz-se imperativo, antes de discorrermos sobre o tema em epgrafe, esboarmos o perfilde Vila Rica como se apresentava no incio do sculo passado. Para tanto, servir-nos-emos das crnicas de quatro viajantes europeus: Auguste de Saint-Hilaire, visitou OuroPreto em dezembro de 1816; John Mawe, ali esteve pelos anos de 1809-10; Joo MaurcioRugendas, a conheceu nos primeiros anos do segundo quartel do sculo XIX e,finalmente, W. L. Eschwege -- chegou a Minas em 1811, residiu por vrios anos em VilaRica deixando-a, em abril de 1821, encetando viagem de retorno Europa (1).

    O quadro desta rea mineira, ao abrir-se o sculo XIX, revelava-se desolador. Superada a"febre" do ouro a economia estagnara-se e ocorria franca recesso populacional Nos

    arredores de Vila Rica descortinavam-se campos desertos, sem lavouras ou rebanhos.Dos morros, esgaravatados at a rocha, havia-se eliminado a vida vegetal; nelesrestavam montes de cascalhos e casas, a maioria em runas.

    A pobreza dos habitantes remanescentes, a existncia de ruas inteiras quaseabandonadas, provocava imediata admirao nos visitantes da urbe. Das duas milcasas, quantidade considervel no estava ocupada, o aluguel mostrava-se cadente; nastransaes imobilirias a queda dos preos alcanou 50%. A populao que alcanara,como atesta Saint-Hilaire, vinte mil pessoas, reduzira-se a oito milhares; tal quebra nonmero de habitantes teria sido ainda maior, no fosse Vila Rica a capital da capitania,centro administrativo e residncia de um regimento.

    A acompanhar a decadncia geral deteriorava-se, tambm, a assistncia educacional ehospitalar. O Seminrio de Mariana, fundado por mineiros ricos para educar seus filhossem que fosse necessrio envi-los Europa, no conseguia sobreviver crise, asterras que a entidade possua esgotaram-se, os escravos morreram; os mineradores,cuja riqueza minguara, no mais podiam sustentar o educandrio. Segundo Saint-Hilaire"era o momento de as autoridades eclesisticas e civis se reunirem para vir em socorrode um estabelecimento to til provncia... porm, ... achou-se mais cmodo fechar oseminrio" (2).

    O mesmo autor deplorava, ainda, que -- numa capital onde despendera-se grande somade dinheiro na ereo de templos religiosos -- o nico hospital fosse mantido pelaIrmandade da Misericrdia sem contar com apoio governamental (3).

    A atividade manufatureira, proibida durante largo espao de tempo, revelava-se tmida.Existiam na vila e suas proximidades, to-somente, a manufatura de plvora,pertencente ao governo, e uma fbrica de loua, estabelecida a pequena distncia deVila Rica.

    Ao que parece, o comrcio e atividades artesanais compunham os elementos desustentao econmica da urbe. Conforme John Mawe, poucos habitantes, excetuadosos lojistas, tinham de que se ocupar; as casas comerciais voltadas para a venda dos

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    produtos da rea revelavam-se pobres e em pequeno nmero. Existia quantidadesubstancial de artesos: alfaiates; costureiras, sapateiros, latoeiros, seleiros etc.

    Por outro lado, a lavoura, atividade a ressurgir, no se desenvolveu em decorrncia, aoque parece, do despreparo e mentalidade do colonizador.

    No devemos afastar, aqui, o provvel europocentrismo que informava as opinies dosviajantes estrangeiros no referente s crticas tecidas aos coloniais (4). Segundo osvisitantes o desemprego, em Vila Rica, decorria do desprezo dos habitantes pela "belaregio que os cerca"; as terras, se devidamente cultivadas, compensariam comgenerosidade o esforo despendido. Conforme diagnosticaram, a educao; hbitos epreconceitos hereditrios tornaram os coloniais inaptos para a vida ativa. A perspectivado enriquecimento sbito, devido ao acaso, operaria no sentido de afrouxar acapacidade produtiva. Por outro lado, mostrar-se-ia generalizada a incapacidadegerencial dos donos de escravos. Segundo John Mawe: "os negros constituem suaprincipal propriedade e ele os dirige to mal que os lucros do trabalho deles raramentecompensam as despesas de sua manuteno; com o decorrer do tempo tornam-sevelhos e incapazes de trabalhar; ainda assim o senhor continua a viver na mesma

    negligncia e na ociosidade [...] Esta degenerao deplorvel constitui o traocaracterstico da maior parte dos descendentes dos primeiros colonos; todas asespcies de indstria esto nas mos ou dos mulatos ou dos negros; estas duas classesde homens parecem exceder em inteligncia a seus senhores, porque fazem melhor usodessa faculdade" (5).

    Conforme o autor citado, a rea oferecia condies favorveis a vrias culturas: pereira,oliveira, amoreira, vinha, milho e trigo. O gado, por sua vez, se bem tratado e fornido dealimentao adequada, propiciaria o estabelecimento de promissora indstria delaticnios.

    Nosso propsito no apresentar o balano minucioso das causas da decadncia

    econmica da rea mineratria. No entanto, permitimo-nos, como mera conjectura,arrolar os principais condicionantes do aludido recesso. A nosso ver o empobrecimentoda regio em apreo deveu-se a um conjunto de fatores. exausto dos depsitos maisricos de ouro (6) somam-se o meio fsico relativamente adverso; inexistncia demercados significativos e boas vias de transporte (7); despreparo no que se refere atcnicas mais sofisticadas para trabalhar o solo, bem como a mentalidade docolonizador que desprezava o trabalho manual e rotineiro, em geral, e a faina agrcola emparticular (caso tpico dos mineradores segundo alegam alguns viajantes que osconheceram).

    Neste quadro movimentava-se, ao fim do sculo XVIII e incio da dcima nona centria, apopulao ouro-pretense da qual analisaremos a estrutura familiar e domiciliria. Para

    tanto utilizamos os dados empricos revelados por Herculano Gomes Mathias (8)relativos ao levantamento populacional efetuado em Minas Gerais em 1804; o autor deu apblico as listas referentes rea que corresponderia, na atualidade, ao permetrourbano de Ouro Preto (9). Na obra em pauta observou-se rigorosamente o contedo edisposio formal correspondente aos cdices que lhe deram origem. O autor restringiu-se a algumas observaes qualitativas e a apresentar dados quantitativos genricos,sem tratamento estatstico minucioso. Relacionou os distritos de Antnio Dias, OuroPreto, Alto da Cruz, Padre Faria, Cabeas e Morros.

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    Conforme as normas vigentes na poca, efetuou-se o levantamento em nvel residencial;apesar das informaes variarem de acordo com os responsveis pelo recenseamento, anota acrescentada pelo Capito de Distrito Lus Jos Maciel -- o primeiro a encerrar oarrolamento -- d-nos idia clara dos dados em foco: "Em cada uma das casas que vaiseparadamente com duas linhas vai primeiro o cabea de casal e depois toda a maisfamlia com as idades, pouco mais ou menos que pude alcanar e ofcios, e ocupaes

    que tudo vai declarando nas suas competentes casas. No meu Distrito no hnegociantes nem agricultores que faam extraes de gneros, at as vendas que l seacham so as chamadas dos gneros da terra. Os mineiros, e faiscadores vo anotadosnas suas casas aonde a se v a escravatura, que cada um possui, suas qualidades eidades. Isto o que a minha diligncia pde alcanar que pessoalmente andei correndoo Distrito na forma da Ordem" (10).

    Como afirmado acima o censo em pauta realizou-se em nvel de Residncia, ou seja:edificao considerada como "unidade fsica habitacional" por aqueles que elaboraram olevantamento censitrio. Em alguns casos, grupos de pessoas ou famlias totalmenteindependentes --, com referncia a laos de sangue, parentesco ou subordinao --,coabitavam. Tal evento parece-nos insignificante se relacionado com o nmero total de

    residncias: 56 sobre 1.753 ou 3,2% (11). Dez destes casos, por tratarem-se decoabitantes sem liames aparentes de parentesco ou subordinao, foram enquadrados --no referente ao estudo domiciliar -- na categoria 2.c, abaixo discriminada. Subdividimosas demais 46 residncias em domiclios (vide definies subseqentes) estudados

    juntamente com as demais residncias que podem, sem restrio, ser assimiladas aoconceito de Domicilio, ou seja: conjunto de pessoas coabitantes que mantm laos deparentesco e/ou subordinao e vivem sob a autoridade do Chefe de Domicilio(indivduo, homem ou mulher, a encabear a lista nominativa correspondente aodomicilio e que pode ou no ser chefe de famlia).

    Depois desta fase classificatria passamos a transcrever, em cartes prprios paraanlise computacional, os dados relativos a cada indivduo; integramo-los em grupos

    correspondentes a cada domiclio. Baseados neste arquivo analisamos a estrutura dasfamlias e domiclios.

    Fato lamentvel, ao qual reportamo-nos desde logo, refere-se cor e condio de"forro". Conforme pudemos verificar -- baseados no confronto entre os dadoscensitrios e os registrados nos cdices da Parquia de Antnio Dias -- houve, por partedos responsveis pelo levantamento populacional, nmero impondervel de omissesrelativas tanto cor quanto situao de "forro". Destarte, encontramos quantidadesubstancial de africanos para os quais no se registrou o posicionamento de forros(explicitado nos cdices aludidos). Por outro lado, para os "crioulos" (negros nascidosno Brasil) verificamos faltar tanto este qualificativo quanto o relativo condio delibertos. Tais eventos impediram as anlises correspondentes cor e aos forros.

    Para o Brasil, o estudo da estrutura familiar vincula-se, necessariamente, quele relativoaos domiclios, pois, sistematicamente, encontramos vrias famlias coabitantes aguardar vnculos de subordinao ou dependncia, vale dizer, podiam viver num mesmodomiclio famlias "independentes" (12), de agregados e de escravos. Indubitavelmente,tal fato influa na composio das famlias, no seu relacionamento com o corpo social e,ainda, na diviso do trabalho e da renda. Assim, tanto do ponto de vista econmicocomo do social, parece-nos altamente relevante distinguirmos estes trs tipos bsicosde famlia. Destarte, o estudo da unidade familiar dever referir-se, sempre, sua

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    posio relativa no domiclio.

    Para efeito deste estudo consideraremos trs categorias de famlia: independentes, deagregados e de escravos. Por Famlia (13) entenderemos o casal (unido ou no perantea Igreja) com seus filhos, caso haja; os solteiros (homem ou mulher) com filhos e osvivos e vivas com filhos. Em qualquer dos casos os filhos devero ser solteiros, sem

    prole e coabitar com os pais. Por Chefe de Famlia entende-se o "cabea de casal".Destarte, teremos tantas famlias quantos forem os "cabeas de casal".

    Para as famlias independentes, como explicita o quadro abaixo, admitimos trs sub-categorias: a) famlia do chefe de domiclio; b) famlias de filhos do chefe de domiclio; c)famlias de parentes do chefe de domiclio. Como categorias distintas aparecem as dosagregados e escravos. Os vivos ou vivas solitrios bem como aqueles que viviamcom filho(s) com prole, no constituem, de per si, uma famlia, e enquadram-se no grupo"Pseudo Famlias" subdividido em trs sub-categorias: uma relativa aos vivos queviviam ss, outra referente aos moravam com filho(s) e respectiva prole e a terceiracomposta de vivos ou vivas -- agregados ou escravos -- que no constitussemfamlias.

    Os resultados numricos (Cf. Tabela 1) indicam a larga predominncia das famliasindependentes, em geral, e das de chefes de domiclio, em particular (14). Taisevidncias parecem indicar que a famlia nuclear tendia a estabelecer-se em domicliosprprios, fato que pode, em parte, condicionar-se pela ampla oferta de residnciasdecorrente da decadncia da atividade exploratria.

    QUADRO 1Famlias: Por Categorias e Sub-Categorias

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------CATEGORIAS SUB-CATEGORIAS

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------1. Independentes a. do chefe de domicilio (C.D.);b. de filhos do C.D.;c. de parentes do C.D.

    2. De Agregados3. De Escravos4. Pseudo Famlias a. vivos ou vivas solitrios;

    b. vivos ou vivas em vivncia com filho(s) queconstituam famlia;

    e. vivos ou vivas -- agregados ou escravos --que no constituam famlia.

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    TABELA 1Famlias: Por Categorias e Sub-Categorias

    (Vila Rica - 1804)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Categorias e sub-categoria Nos. absolutos % % por categoria-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------1.a 891 78,50

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    1.b 70 6,181.c 13 1,14 85,822 82 7,22 7,223 34 3,00 3,004.a 37 3,264.b 4 0,35

    4.c 4 0,35 3,96

    Total 1.135 100,00 100,00-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Como se verifica, o peso relativo das famlias de agregados equilibra-se com o referentes de filhos e de parentes do chefe de domiclio. O porcentual modesto explica-se pelofator acima posto aliado ao fato de predominarem, entre os agregados, indivduos queno constituam famlia.

    Quanto aos escravos a prpria precariedade das informaes (15) aliada aos bices

    colocados ao estabelecimento de famlias regulares de cativos aparecem comoelementos explicativos do baixo peso relativo observado.

    Com referncia ao nmero mdio de filhos com 20 ou menos anos, levada em conta afaixa etria do chefe de famlia,verificou-se existir pequena discrepncia entre famliasindependentes e de agregados. O mesmo no ocorreu com respeito s famlias deescravos que apresentaram marcada divergncia vis--vis as duas categorias aludidas.As diferenas observadas devem-se, certamente, taxa de mortalidade mais elevadapara os filhos de cativos, mais baixa esperana de vida para escravos em geral e aofato de separarem-se, talvez, pais e filhos por motivo de transaes a envolver cativos.Por outro lado, relativamente aos chefes de famlia com menos de 25 anos, verificou-semdia mais elevada para cativos do que para livres, este diferencial explicar-se-ia pelo

    mais livre intercurso sexual entre os escravos.

    TABELA 2Nmero Mdio de Filhos Com 20 ou Menos Anos,

    Segundo a Faixa Etria do Chefe de Famlia e Categorias de Famlia(Vila Rica - 1804)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Faixa etria do No. mdio de filhos .chefe de famlia Independentes Agregados Livres Escravos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------menos de 25 anos 1,36 1,33 1,35 1,40

    25 - 34 1,89 1,31 1,83 1,1935 - 44 2,41 2,13 2,39 1,4445 - 54 2,42 2,00 2,40 0,6755 - 64 1,36 0,80 1,34 0,00

    65 e mais anos 0,55 0,28 0,54 --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Obs.: Computados os filhos sobreviventes a viver com os pais.

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    Na Tabela 3 reunimos as famlias independentes e de agregados, consideramos a faixaetria do chefe de famlia e apresentamos o nmero de famlias com filhos vivos (nmeroa variar de zero a sete e mais) a viver com o progenitor ou progenitores; note-se,ademais, que computamos os filhos com 20 ou menos anos de idade. Para efeito deanlise os nmeros absolutos de cada linha foram transformados -- Tabela 4 -- emnmeros proporcionais com total igualado a 1.000.

    TABELA 3Livres: Nmero de Famlias a Contar com Filhos Vivos Presentes com 20 ou Menos Anos

    (nmero de filhos variando de 0 a 7 e mais)(Vila Rica - 1804)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Faixa etria do Nmero de Famlias (a) Nmero total dechefe de famlia 0 1 2 3 4 5 6 7 e + Total Filhos

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Menos de 25 anos 7 41 20 5 1 - - - 74 100

    25 - 34 42 73 57 30 24 7 3 1 237 43335 - 44 46 73 45 22 42 18 8 14 268 64145 - 54 57 43 36 21 24 9 6 21 217 52155 - 64 65 27 17 9 6 7 5 1 137 184

    65 e mais anos 84 22 10 5 1 1 - - 123 66

    Total 301 279 185 92 98 42 22 37 1.056 1.945-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Obs.: (a) Nmero de filhos variando de 0 a 7 e mais.

    TABELA 4

    Livres: Nmero Proporcional de Famlias a Contar comFilhos Vivos Presentes com 20 ou Menos Anos(Vila Rica - 1804)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Faixa etria do Nmero Proporcional de Famlias (a) .chefe de famlia 0 1 2 3 4 5 6 7 e + Total

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Menos de 25 anos 94 554 271 68 13 - - - 1.000

    25 - 34 177 309 241 126 101 29 13 4 1.00035 - 44 172 272 168 82 157 67 30 52 1.00045 - 54 263 198 166 97 110 41 28 97 1.000

    55 - 64 474 197 124 66 44 51 37 7 1.00065 ou mais anos 683 179 81 41 8 8 - - 1.000-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Obs.: (a) Nmero de filhos variando de 0 a 7 e mais.

    Teoricamente poder-se-ia esperar que a coluna relativa s famlias sem filhosapresentasse um ponto de mnimo intermedirio (via de regra situado na faixa etria dos35 aos 44 anos). Este movimento explica-se, de um lado, porque grande parcela de pas

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    jovens no pode contar sequer com um filho e, por outro, pelo fato de que osprogenitores mais idosos j no contam com filhos com vinte ou menos anos, observe-se que o mnimo esperado situar-se-ia na faixa de idade correspondente aos pais que jcontariam um ou mais filhos. Conforme se observa nas tabelas em foco os dadosempricos no confirmaram esta expectativa. Este fato no parece decorrerexclusivamente de casamentos celebrados em idade relativamente baixa, mas,

    sobretudo, da substancial quantidade de mes solteiras que, ainda bem jovens, jtinham um ou mais filhos.

    Estes mesmos fatores explicariam os elevados nmeros proporcionais relativos scolunas referentes s famlias com um e dois filhos para a faixa etria dos chefes defamlia com menos de 25anos. J para as famlias com trs ou mais filhos verificam-sepontos de mximo bem marcados, nestes casos valem. razes explicativas anlogas aosfatores tericos acima anotados.

    Os mesmos argumentos expendidos com respeito s famlias de livres valem para as deescravos conforme se infere das tabelas 5 e 6.

    TABELA 5Escravos: Nmero de Famlias a Contar com Filhos Vivos com 20 ou Menos Anos

    (nmero de filhos variando de 0 a 3 e mais)(Vila Rica - 1804)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Faixa etria do Nmero de Famlias (a) Nmero total dechefe de famlia 0 1 2 3 e + Total Filhos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------menos de 25 anos -- 3 2 -- 5 7

    25 - 34 3 8 4 1 16 1935 - 44 2 2 2 3 9 13

    45 - 54 1 2 -- -- 3 255 ou mais anos 1 -- -- -- 1 0

    Total 7 15 8 4 34 41-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Obs.: Nmero de filhos variando de 0 a 3 e mais.

    TABELA 6

    Escravos: Nmero Proporcional de Famlias a Contar comFilhos Vivos com 20 ou Menos Anos

    (Vila Rica - 1804)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Faixa etria do Nmero Proporcional de Famlias (a) .chefe de famlia 0 1 2 3 e + Total

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------menos 25 anos -- 600 400 -- 1.000

    25 - 34 188 500 250 62 1.00035 - 44 222 222 222 334 1.00045 - 54 333 667 -- -- 1.000

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    55 ou mais anos 1.000 -- -- -- 1.000-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Obs.: Nmero de filhos variando de 0 a 3 e mais.

    Em tpico precedente j explicitamos a definio de Domiclio adotada neste estudo;resta-nos, agora, caracterizar a entidade em tela quanto a categorias e sub-categorias.A partir do quadro conceitual de Peter Laslett e Jean-Claude Peyronnet (16) -- cujasqualificaes ao esquema proposto por Laslett endossamos plenamente -- compusemosum universo categrico apropriado s condies sociais e econmicas do perodocolonial brasileiro. Destarte, realamos os domiclios nos quais aparecem escravos e/ouagregados -- a constituir ou no famlias -- e evitamos tom-los como simplesdesdobramento de categorias a envolver indivduos sem os laos de subordinao oudependncia apontados.

    Por outro lado, adicionamos ao esquema original sub-categorias relativas aoscelibatrios com filhos; este modus faciendi nos imposto pela realidade social

    brasileira do perodo em anlise, no qual era majoritrio o grupo dos filhos naturais.

    Alterao relevante -- com respeito ao quadro de Laslett refere-se classificao dosdomiclios -- bem como das famlias que os compunham -- em funo do chefe dedomiclio, fosse ou no chefe de famlia, vivesse ou no junto de seus progenitores oucom apenas um ascendente em linha direta (17).

    Quanto s categorias e sub-categorias adotadas, furtamo-nos de descriopormenorizada por entendermos ser auto-explicativo o quadro em que as dispusemos(18).

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    As evidencias observadas (vide Tabelas 7 e 8) indicam a predominncia dos domicliosdo tipo simples (categorias 1, 2 e 3) sobre os domiclios complexos (grupos 4 e 5).

    Do total de domiclios considerados, 5,53% corresponderam categoria 4 ("domiclio

    familiar ampliado") e 3,54% 5 (relativa aos "domiclios mltiplos"), destarte, menos deum dcimo (exatamente 9,07%) dos domiclios enquadrar-se-iam no grupo caracterizadocomo complexo.

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    Dentre as categorias entendidas como do tipo simples, cabe realce especial scategorias 1 ("domiclios singulares") e 3 ("domiclios simples"). A esta ltimacorrespondeu 43,87% do total de domiclios computados, enquanto os "domicliossingulares" compreenderam 39,30%. Aos "domiclios sem estrutura familiar" (categoria

    2) coube porcentual bem modesto: 7,13%.Por fim, categoria 6 ("domiclios com estrutura indeterminada, comportando algumlao de parentesco entre seus componentes") coube peso relativo insignificante: 0,63%.

    TABELA 8Participao das Categorias de Domiclios Segundo Distritos (em porcentagem)

    (Vila Rica - 1804)

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    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Categorias Distritos . Vila Ricade domiclios Antnio Dias Ouro Preto Alto da Cruz Pe. Faria Morro Cabeas (Total)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    1 39,74 45,75 33,52 27,27 31,76 44,11 39,30

    2 6,51 10,31 5,60 11,10 5,10 2,28 7,133 44,95 32,55 52,16 55,24 47,45 49,43 43,874 5,21 7,59 5,60 2,80 6,67 1,90 5,535 3,58 2,53 2,59 2,80 9,02 1,52 3,546 --- 1,27 0,43 0,70 --- 0,76 0,63

    TOTAL 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Outra perspectiva analtica para caracterizao da maior ou menor complexidade dasunidades domiciliares refere-se presena de escravos e/ou agregados.

    Quanto aos escravos, registramo-los em 40,9% dos domiclios. Acima desta cifracolocaram-se as categorias domiciliares 3, 4 e 5 que apresentam como caractersticacomum a existncia de famlias de chefes de domiclios ou de parentes dos mesmos.Com porcentuais menos significativos aparecem os domiclios sem estrutura familiarimediatamente vinculada aos chefes de domiclios (Cf. Tabela 9).

    TABELA 9Porcentagem de Domiclios com e sem Escravos

    (Vila Rica - 1804)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Categorias No.Total de Domiclios sem escravos Domiclios com escravosde Domiclio Domiclios Nos. Absolutos % Nos. Absolutos %-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------1 689 430 62,4 259 37,62 125 83 66,4 42 33,63 769 432 56,2 337 43,84 97 48 49,5 49 50,55 62 36 58,1 26 41,96 11 7 63,6 4 36,4

    Total 1.753 1.036 59,1 717 40,9-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Verificou-se, por outro lado, que em 29,61% dos domiclios apareciam agregados.Ressaltou-se, neste caso, o grupo relativo aos domiclios familiares ampliados -- 42,3%deles contavam com agregados; para as demais categorias encontramos porcentuaisbem inferiores e com pequena discrepncia em torno de 29,0%. Exceo deve ser feitacom referncia categoria 2, colocada em ntida inferioridade relativa (Cf. Tabela 10).

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    TABELA 10Porcentagem de Domiclios com e sem Agregados

    (Vila Rica - 1804)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Categorias Domiclios sem agregados Domiclios com agregadosde Domicilio Nos. Absolutos % Nos. Absolutos %

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------1 486 70,5 203 29,52 95 76,0 30 24,03 546 71,0 223 29,04 56 57,7 41 42,35 44 70,9 18 29,16 7 63,6 4 36,4

    Total 1.234 70,4 519 29,6-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Computados domiclios com escravos ou agregados chega-se cifra de 54,42%. Valedizer, mais da metade dos domiclios contavam com escravos ou agregados -- 13,52%apenas com agregados, 24,81% s com escravos e 16,09% com ambos grupos emconsiderao.

    Neste caso aparece com significativa importncia relativa a categoria 4 (domicliofamiliar ampliado), como ocorreu na situao acima analisada. Em posicionamentorelativamente inferior situou-se a categoria 2 -- domiclios sem estrutura familiar. Para asdemais, a discrepncia apresentou-se de pequena monta com cifras pouco superiores a50%(vide Tabela 11).

    TABELA 11Porcentagem de Domiclios com e sem Escravos ou Agregados(Vila Rica - 1804)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Categorias Domics. sem escravos ou agregados Domics. com escravos ou agregadosde Domiclio Nos. Absolutos % Nos. Absolutos %-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    1 323 46,9 366 53,12 71 56,8 54 43,23 338 44,0 431 56,04 33 34,0 64 66,0

    5 30 48,4 32 51,66 5 45,5 6 54,5

    Total 800 45,6 953 54,4-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Em concluso pode-se afirmar que, de acordo com o critrio alternativoconsubstanciado na presena de escravos e/ou agregados, a maioria dos domiclios em

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    anlise teria composio complexa. O grau de complexidade apresentar-se-ia maismarcado se considerados escravos e agregados; altamente significativo quandocomputados apenas os escravos (19) e menos relevante se considerados to-somenteos agregados.

    Tomadas as categorias de domiclios, e considerados os distritos que compunham Vila

    Rica, no se verificaram discrepncias de monta com referncia ao peso relativo de cadacategoria no conjunto de unidades domiciliares dos seis distritos em pauta (Cf. Tabela8).

    Quanto ao nmero mdio de pessoas por domicilio no se observam, igualmente,grandes divergncias entre os distritos. Em mdia 5 pessoas por domiclio, nmero emtorno do qual pouco variaram as cifras distritais (Cf. Tabela 12).

    TABELA 12Nmero Mdio de Pessoas por Domiclio

    (Vila Rica - 1804)

    ---------------------------------------------------------Distritos Mdia

    ---------------------------------------------------------Antnio Dias 5,31Ouro Preto 5,19Alto da Cruz 4,53Padre Faria 4,33Morro 5,06Cabeas 5,33Vila Rica (Total) 5,06

    ---------------------------------------------------------

    NOTAS

    (*) O autor agradece as valiosas sugestes e criticas da Profa. Alice Piffer Canabrava.

    (1) SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Provncias do Rio de Janeiro e MinasGerais, Itatiaia e Editora da USP, traduo. de Vivaldi Moreira, So Paulo, 1975, (ColeoReconquista do Brasil - vol. 4), XII + 378 p. ESCHWEGE, W. L. von. Pluto Brasiliensis,Editora Nacional, So Paulo, s/d, il., 2 volumes, (Brasiliana, Biblioteca PedaggicaBrasileira, vol. 257 e vol. 257-A), 377 p. e 469 p. MAWE, John. Viagens ao Interior do

    Brasil, Zlio Valverde, traduo. de Solena Benevides Viana, Rio de Janeiro, 1944, il., 347p. RUGENDAS, Joo Mauricio. Viagem Pitoresca Atravs do Brasil, Martins e Editora daUSP, traduo. de Srgio Milliet, So Paulo, 1972, (Biblioteca Histrica Brasileira), il., 161p.

    (2) SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. cit., p. 80.

    (3) A situao de penria deste nosocmio j fora denunciada no comeo do ltimoquartel do sculo XVIII: "Esta casa ao presente muito pobre por ser pequeno o seu

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    patrimnio, porm, os Exmos. Governadores, a socorreram sempre, concedendograndes privilgios, a um homem de cada freguesia, para nela pedirem para a SantaCasa, e cada um destes alm das esmolas que tirava, concorria da sua parte, com o quepodia, s a fim de aparecer com avultada esmola, para lhes serem conservados os seusprivilgios. Estes foram abolidos por alguns governadores, e os que lhes sucederam nose lembraram mais de os conceder, em beneficio to Pio, vindo com esta falta a

    deteriorar-se a Misericrdia, e se acha no estado mais miservel", ROCHA. JosJoaquim da. "Memria Histrica da Capitania de Minas Gerais", in Revista do ArquivoPblico Mineiro, ano II, fascculo 3, Imprensa Oficial de Minas Gerais, Ouro Preto, 1897,p. 445.

    (4) Lembremos as palavras de Caio Prado Jnior: "Asregies mineradoras no eram, emconjunto, favorveis nem agricultura nem pecuria. O relevo acidentado, a naturezaingrata do solo se opunham a tais indstrias", PRADO JNIOR, Caio. Formao doBrasil Contemporneo, Colnia, Brasiliense, 8a. edio, So Paulo, 1965, p. 51.

    (5) MAWE, John. Op. cit., p. 177.

    (6) "Se, porm, fizermos observaes completas e procedermos com seriedade apesquisas geolgicas acuradas, chegaremos logo concluso de que falsa tal opinio,e que aquelas regies, tidas como pobres, continuam ainda muito ricas, pois s foiextrado, por ser mais fcil, o ouro da superfcie, permanecendo intactos os vieiros edepsitos aurferos principais". ESCHWEGE, W. L. von. Op. cit., 2o. volume, p. 242.

    (7) "A inexistncia de boas estradas constituiu grande empecilho ao povoamento rpido,e, ainda hoje, uma das razes do quase nenhum progresso das provncias centrais".ESCHWEGE, W. L. von. Op. cit., 1o. vol., p. 41.

    (8) MATHIAS, Herculano Gomes. Um Recenseamento na Capitania de Minas Gerais (VilaRica - 1804), Arquivo Nacional, Rio Janeiro, 1909, il., XXXVI + 209 p.

    (9) O material publicado faz parte do acervo de documentos manuscritos de Ouro Pretotransferidos, em 1913, para o Rio de Janeiro.

    (10) MATHIAS, Herculano Gomes. Op. cit., p. 202.

    (11) Verificou-se, ainda, residncias (em nmero de quatro) habitadas unicamente porescravos; englobamo-las na categoria 2.c, adiante especificada.(12) Entendemos por "famlias independentes" aquelas cujos chefes no guardavamnenhum lao de dependncia (vale dizer, no eram agregados ou escravos) em face deoutros chefes de famlia ou em face do chefe do domiclio.

    (13) Tambm chamada, na literatura especializada, famlia nuclear, famlia elementar oufamlia biolgica.

    (14) Deve-se encarar, com reservas, as qualificaes e hipteses explicativas aquiexpendidas, pois, nos faltam estudos relativos a outras regies e comunidadesexistentes no Brasil colonial que nos permitiriam efetuar anlises comparativas.

    (15) Raramente identificou-se, para a massa escrava, mes e filhos, o que impediu,

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    observada a conceituao aqui adotada, o cmputo do nmero efetivo de famlias deescravos.

    (16) LASLETT, Peter. La famille et le menage: approches historiques, Annales, 27e.anne, no. 44 (nmero especial), julho/outubro de 1972, Armand Colin, p. 847-872.PEYRONNET, Jean-Claude. Famille largie ou Famille Nucleaire? L'Exemple du Limousin

    au Dbut du XIXe. Sicle, Revue d'Histoire Moderne et Contemporaine, tomo XXII,outubro/dezembro de 1975, Armand Coln, p. 568-582.

    (17) Esta modificao, por ns endossada, introduzida no esquema de Peter Laslettaparece como a principal contribuio metodolgica proposta por Jean-ClaudePeyronnet (Cf. artigo citado).

    (18) As dvidas que porventura persistirem podero ser esclarecidas mediante asimples leitura dos artigos acima citados.

    (19) O nmero mdio de escravos por categoria de domicilio -- computados osdomiclios que contavam com cativos -- no apresentou grande variao (exclusive a

    categoria 6), conforme se Infere dos valores abaixo indicados.

    Nmero Mdio de Escravos por Domiclio,Segundo Categorias

    --------------------------------------------------------------Categorias de Nmero Mdio de

    Domiclios Escravos--------------------------------------------------------------

    1 3,522 4,453 3,684 4,45

    5 4,546 10,25--------------------------------------------------------------