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    JORGEVASCONCELLOS

    ARTE, SUBJETIVIDADEEVIRTUALIDADE:ensaios sobre Bergson, Deleuze e Virilio

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    PAPEL VIRTUAL EDITORARua Miguel Lemos, 41 sala 605Copacabana - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 22.071-000Telefone: (21) 2525-3936E-mail: [email protected] Eletrnico: www.papelvirtual.com.br

    Copyright 2005 por Jorge VasconcellosTtulo Original: Arte, Subjetividade e Virtualidade: ensaios sobreBergson, Deleuze e Virilio

    EditorTomaz Adour

    Editorao EletrnicaLuciana Figueiredo

    CapaJlio Pereira

    VASCONCELLOS, JORGE.Arte, Subjetividade e Vi rtualidade: ensaiossobre Bergson, Deleuze e Vi ri lio. Rio de Janeiro: PUBLIT, 2005, 138 pp.

    1.Esttica. 2. Filosofia. 3. Filosofia Francesa. 4. Teoria da Arte.5. Teoria do Cinema.

    6. Bergson, Henri, 1859-1941 7. Deleuze, Gilles, 1925-1995 8.Virilio, Paul, 1932.

    I. Ttulo. II. Livro. III. Filosofia Contempornea.

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    Silvia e ao Guilherme

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    SUMRIO

    Apresentao .......................................................................... 7Vitalismo e Virtualidade: uma introduo ao bergsonismo ..... 9

    A Ontologia do virtual: a metafsica da mudana em HenriBergson ................................................................................ 19

    Bergson e Godard: a percepo cinematogrfica do real ........ 31

    Porcelana e Cristal: arte e ontologia em Gilles Deleuze ......... 51F de Falso, M de Mentira: Fico e Falsificao no DocumentrioCinematogrfico .................................................................. 65

    A Crise do especular: ou consideraes acerca do problema darepresentao na pintura....................................................... 77

    A cidade sob controle: sociedade de controle e novas tecnologias

    do virtual. Wim Wenders e o O fim da violncia .............. 93Subjetividade & Velocidade, Deleuze e Virilio e o tempopresente.............................................................................. 103

    Campos de guerra, campos de mdia: Virilio e a Logstica daPercepo ........................................................................... 111

    Ver Sem Os Olhos - apontamentos acerca da noo de mquina

    de viso em Paul Virilio. .................................................... 121Por Uma Cronopoltica Do Poder, ou apreciaes sobre os meiosde virtualizao do mundo em Paul Virilio. ........................ 129

    MATRIX, o filme: a virtualizao da realidade.................... 135

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    APRESENTAO

    Os textos que compem este livro foram escritos em dife-rentes perodos de meu percurso profissional, sempre como pro-fessor de filosofia, esttica e teoria do cinema, sendo que elesso o efeito de intervenes dos mais variados propsitos. Isso,desde escritos com o objetivo de servir a comunicaes acadmi-cas, passando por resenhas de livros, crticas cinematogrficas,artigos para peridicos e textos para utilizao em sala de aula.

    parte isso, pode-se ver neles um fio condutor: desde omais antigo, A crise do especular: ou consideraes acerca doproblema da representao na pintura, de 1994 - palestra na Es-cola de Belas Artes da UFRJ, poca em que l lecionava Esttica;ao mais recente, F de Falso, M de Mentira: Fico e Falsificaono Documentrio Cinematogrfico, em sua verso final, de 2004- texto de comunicao a um congresso acadmico e que doravanteserve de introduo s minhas aulas de teoria do cinema e intro-duo ao documentrio. Esse fio condutor so as relaes entreas formas constitutivas da arte, em especial do cinema, da litera-tura e da pintura, sob um prisma: a crtica representao clssica,que subordina a elaborao da arte ao modelo da semelhana e domesmo, fazendo da arte imitao e duplicao do mundo,mimeses.

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    Isso elaborado sob uma vigorosa crtica poltica, que procura articular aseguinte questo: a arte e seu fazer so, de fato, operadores da consti-tuio de subjetividades?Dessa questo deriva uma outra: toda arte ,necessariamente, tica e poltica?Nesse sentido, h uma contundentecrtica filosfica representao clssica, isto , ao pensamento metafsicoe s suas formas polticas de dominao que ensejam dispositivos depoder, biopolticas sobre os corpos e controle sobre o cidado.

    O livro se articula sob o signo de trs pensadores contempor-neos: Henri Bergson, Gilles Deleuze e Paul Virilio. Esses artigos, muitomais do que textos escritos para esclarecer determinados aspectos daobra e do pensamento daqueles filsofos franceses, procuram pensar com eles, os filsofos questes contemporneas, questes do nos-so tempo, de nosso tempo presente.

    A idia de virtualidade, desdobrada em uma perspectivaontolgica uma ontologia do virtual, pensada a partir de Bergsone Deleuze e sob o prisma de seus desdobramentos no mundocontemporneo a emergncia das novas tecnologias do virtual,pensada a partir de Paul Virilio, unifica nosso ponto de vista acer-ca das relaes entre arte e subjetividade no tempo presente.

    Defendo que Bergson, em certa medida, inaugurou umconjunto de idias sobre o virtual que tm em Deleuze e Viriliodois importantes continuadores. Enquanto Deleuze apropriou-sedo pensamento do virtual sob a perspectiva do tempo, Viriliodesdobrou a ontologia do virtual sob o signo da velocidade. Emambos, Deleuze e Virilio, a presena do conceito bergsoniano devirtualidade constitutivo em suas filosofias.

    Este livro apresenta, em forma de ensaios que pensam aarte em sua relao com a produo de novas subjetividades nassociedades contemporneas, uma leitura da idia de virtualidade.Noo j muito falada e discutida, tanto nos bancos universitri-os quanto nas mdias, mas ainda pouco problematizada em seusfundamentos filosficos. Este livro pretende propor, a partir des-ta relao entre arte e subjetividade, pensar o virtual como crticas formas de representao clssica.

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    VITALISMOEVIRTUALIDADE:UMAINTRODUOAOBERGSONISMO

    Cinco so as idias-fora fundamentais do pensamentobergsoniano: durao, memria, virtualidade, lan vitale intui-o. A idia de durao j aparece em seu primeiro livro, EnsaioSobre os Dados Imediatos da Conscincia, onde Bergson estabelece-ria a chave para o entendimento dos mistos a partir da noo demultiplicidade. Duas so as multiplicidades: aquelas que do contada espacialidade, das coisas, da matria e aquelas que se apresen-tam no tempo, nos afectos, no esprito. s primeirasmultiplicidades ele chamou de quantitativas e s segundas de qua-litativas. Saber ver as diferenas de natureza entre o que quanti-tativo do que qualitativo tarefa primeira do pensamento, ofazer fundamental da filosofia. Pois dessa maneira que a filosofiacomea a esculpir seu objeto de investigao e seu campo proble-mtico de questes. preciso, segundo Bergson, recolocar emoutras bases os problemas para que possamos entender o que sejafilosofar problematicamente.

    A durao o conceito que nos serve de porta de entradapara esse filosofar a que se prope o bergsonismo, pois nela queencontramos os elementos para chamar o pensamento bergsonianode uma filosofia do tempo.

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    Podemos apontar duas caractersticas gerais para a dura-o: a continuidade e a heterogeneidade. A maior preocupaobergsoniana ao pensar o misto, ou seja, o dualismo em que defato estamos imersos a matria e o esprito vencer qualquerforma de psicologizao disso que ele chama esprito. Da suainveno conceitual ao propor multiplicidades que possam darconta simultaneamente da matria e da espacialidade o quanti-tativo; e do esprito e da temporalidade o qualitativo. Assim, possvel dizer que a durao continuidade e fluxo. Ela umalinha que sustenta o ser em puro devir. E por outro lado, ela heterogeneidade que engendra as mudanas e a diferena. As ca-ractersticas gerais da durao propostas por Bergson so na ver-dade um dilogo com a filosofia crtica. Se em Kant espao etempo so o a prioride toda experincia possvel, em Bergsontoda experincia possvel fundada no espao e no tempo, emsua dupla durao. O bergsonismo nos apresenta uma durao dedupla face: uma interna e outra externa. A primeira uma suces-so puramente interna, sem exterioridade, j que ela encontra-seno tempo; enquanto a outra uma durao externa ou exterior,implica-se com o espao, construindo uma exterioridade sem su-cesso. A durao interna possibilita uma viso direta do espritopelo esprito, ou seja, uma maneira imediata de chegar s coisas.A durao o ponto de acesso ao bergsonismo, mas no seu centro.O corao da doutrina bergsoniana sua concepo de memria.A memria como coexistncia virtual.

    Matria e Memria o livro mais desconcertante de HenriBergson. Seu primeiro captulo nos apresenta uma curiosa con-cepo da matria: a matria um conjunto de imagens. Ima-gens que formam um universo acentrado onde se do os encon-tros, os encontros dos corpos. Ao problematizar o papel do corpoe investigar a seleo das imagens para a representao, Bergsonabriu novos horizontes para uma srie de questes: as relaessujeito/objeto, percepo/conhecimento, crebro/conscincia.Questes que foram deslocadas de um eixo psicolgico para se

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    tornarem problemas ontolgicos. A fora de sua argumentaonos faz novamente voltar durao e s suas relaes com a me-mria e o tempo.

    A identidade entre memria e durao apresentada deduas maneiras: a primeira nos diz que ela conservao e acumu-lao do passado no presente. Dito de outro modo, o presentecontm distintamente a imagem de seus cessar todos os seus pas-sados, sendo esses passados a testemunha para sua contnua mu-dana de qualidade. Ou ainda: a memria, sob essas duas formas,tanto recobre um tecido de lembranas em um fundo de percep-es imediatas quanto contrai uma multiplicidade de momentos.Essas duas tendncias fazem a durao se distinguir de uma sriedescontnua de instantes que se repetiriam idnticos a eles mes-mos: de um lado, o momento seguinte continua sempre mais queo precedente, que a lembrana faz; de outro lado, os dois mo-mentos se contraem e se condensam um sobre o outro, j que umno pra enquanto o outro continua. Essas duas memrias, essesdois aspectos da memria so indissociveis. Dito de outro modo,a memria se expande e se distende a partir das aes e reaes ede pontos de afeces suscitados pelos encontros de corpos; poroutro lado, ela pura concentrao e intensidade capaz de redo-brar-se sobre si mesma infinitas vezes. De um lado uma memriaextraordinariamente distentida, de outro uma memria absoluta-mente contrada. possvel chamar a esse desdobramento damemria em Bergson de memria-lembrana e memria-contrao. Para melhor entendermos a concepo de memria etempo em Bergson precisaremos necessariamente de sua noo devirtual.

    Bergson, em sua luta para resgatar metafsica um novosentido, no mais associada ao ser e a permanncia mas ao devire mudana, contraps a dualidade esculpida por Toms deAquino a partir do Aristotelismo da relao entre o real e opossvel - por um novo dualismo. No bergsonismo, o real e opossvel somente podem ser pensados junto espacialidade e

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    matria. O tempo e o esprito precisam de novas categorias paraserem expressos, e para tanto Bergson props: o atual e o virtual.

    A idia de virtualidade signatria da potncia do tempo eda memria; memria aqui entendida como tempo, como tempopuro. O tempo se faz constitutivo das duraes, nas duraesqualitativas, assim como o espao surge das duraes quantitativas.

    Na virtualidade todas as duraes coexistem, elas estoemaranhadas, coladas, praticamente imbricadas. Essa simultanei-dade das duraes o que possibilita prpria virtualidade ga-nhar vida no bojo de seu processo de atualizao: as mltiplasvirtualidades se abrem em um sem nmero de atualizaes. As-sim, ao falarmos da conscincia bergsonianamente, no estamosfalando de uma conscincia doadora de sentido determinado,provedora de razo, e intencionalmente dirigida a uma finalidadeprojetiva, pois isto retiraria a virtualidade do seu campo de atua-lizaes. A conscincia bergsoniana acaba por se tornar um pro-duto dessas duraes, ou seja, ela est sujeita s virtualidades dodescentrado universo de imagens que constitui a matria. Umaconscincia um centro de ao de fato e no de direito, j que aconscincia tambm uma imagem, como todas as outras cons-cincias e, por conseguinte, como todos os demais viventes domundo material. O que a conscincia possibilita o aparecimen-to das afeces para o corpo,j que ela tornar-se, mesmo que porinstantes, um centro de indeterminao, centro esse que teria opapel de promover o nascimento de representaes. Dito isto,afirmamos que Bergson produziu um conceito de conscincia queprescinde quase que por completo da idia de sujeito. A conscin-cia bergsoniana no mais a ancoragem de um eixo pessoal, mes-mo que seja residual; o que temos, bergsonianamente falando,so extratos de conscincia, feixes de memria, fragmentos desubjetividade, ou seja, partculas de tempo, algo como jorros delembranas, que tambm so, por sua vez, imagens. Dessa manei-ra, o psicolgico, enquanto retrato inteiro do eu, torna-se incuopara o bergsonismo.

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    A filosofia de Bergson est bem prxima do empirismo cls-sico, mas tambm diramos demasiado distante. Apesar de se va-ler da mesma fragmentao do eu-pessoal e do eclipse da for-ma-homem, o bergsonismo no se utiliza da combinao doselementos nem da associao entre os dados, como faz o empirismoingls. A idia de impresso, to cara a um empirismo como o deDavid Hume, por demais limitada para Bergson; ela d contado mundo material, mas insuficiente para pensar o esprito.Pois a grande ambio do bergsonismo a de propor um pensa-mento a espiritualizaramatria. Para isso, o conceito fundamen-tal o afecto, e seu motor a virtualidade.

    A virtualidade nos d a possibilidade terica de afirmar queo empirismo de Bergson implica em um processo de re-subjetivao, ou seja, na retomada de novos processos desubjetivao, ou ainda, na inveno de novos modos-de-vida e naconfigurao de novas subjetividades. O empirismo bergsonianoaspira a todo momento ao novo. A virtualidade abre um grandecampo de possibilidade para pensarmos as relaes entre sujeito eobjeto, extinguindo-os como referncias de conhecimento e tam-bm como pressupostos da representao clssica. A objetividadee a subjetividade foram substitudas por Bergson pelasmultiplicidades quantitativas e pelas multiplicidades qualitativas,pelo material e pelo espiritual.

    H uma interseo entre o material e o espiritual, ou sequisermos dizer de outra maneira, entre a matria e a memria.Para apreendermos as distines entre as duraes preciso desta-car a principal entre diferenas de natureza: aquela que distingueo mundo material (as imagens) do esprito ou memria (as inter-sees das duraes entre as imagens: seus encontros). Pois hmatria no mundo, mas a matria do mundo no explica o mun-do. O que explica o mundo o esprito, da a importncia daespiritualizao da matria. Assim, a matria constitui o mundomas no o faz mover-se. A matria funda o mundo mas no oseu fundamento. Da matria nasce o novo, mas no a matria

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    que produz essa novidade. Tanto que h diferenas de grau nomundo - as multiplicidades quantitativas: um homem alto e ou-tro baixo, um homem gordo e outro magro. Porm, o que deveinteressar, preferencialmente, para o pensamento tornar-se criati-vo, so as diferenas de natureza - as multiplicidades qualitativas:a rosa vermelha, o lrio branco. Isso explica o quanto a capacidadede renovao e instaurao de novas formas de viver, novos mo-dos-de-vida, fundamental para o bergsonismo. O novo no podesair da matria; ele parte desta, mas somente se d pela potnciado esprito. Em resumo, h em Henri Bergson uma fsica de grau(as multiplicidades quantitativas) da matria; e uma metafsica denatureza (as multiplicidades qualitativas) do esprito.

    As multiplicidades, tanto quantitativas quanto qualitati-vas, nos apontam o caminho trilhado pelo bergsonismo para com-bater todas formas de psicologismos. As querelas travadas porBergson com a emergente psicologia do final do sculo XIX, in-cio do sculo XX, da advm. O vivente no fica merc doscaprichos de uma conscincia definidora, nem mesmo do crebroque funciona como um rgo de ateno vida. Para Bergson,ambos so imagens - no caso da conscincia, uma imagem privi-legiada, mas ainda assim uma imagem. No se trata, todavia, deconfundir crebro e conscincia. A conscincia est para o espri-to como o crebro est para a matria. O crebro obedece aosditames da matria e por isso o rgo mais essencial sobrevi-vncia do vivente; por sua vez, a conscincia a faculdade que nospossibilita ligar o crebro ao pensamento, a instncia realmenteimportante para dar sentido vida, j que para o bergsonismo opensamento o lugar da diferenciao, da produo e gestaodo novo: pura inveno. O pensamento o que desencadeia olan, olan vital. Porm, o erro mais comum das leituras sobre aobra bergsoniana foi o de querer identificar lan alma, alma queseria uma designao psicolgica da conscincia. Desta leituraerrnea concluiu-se que o bergsonismo seria dualista, proposioexatamente oposta s intenes da filosofia bergsoniana. Isto tan-

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    to fato que Bergson no se sentia vontade, inclusive, para seutilizar de categorias humanistas ou animistas: homem e almano so, definitivamente, noes bergsonianas. Um dos grandesprojetos do bergsonismo enfraquecer o eu-pessoal, possibili-tando assim um maior potencial de criatividade e inveno para ovivente. Para isto, segundo Bergson, precisamos estar atentos passagem do sensrio-motor - a ao e reao dos corpos sobre oscorpos - para o tico e sonoro puro - o intervalo ou a hesitaoque o vivente produz entre o agir e o reagir perante o dado. Nestecurto espao de hesitao, um quase nada pode esconder um enor-me feixe de criaes - a potncia enlouquecedora, quase aberranteda vida, sempre aberta ao criar, sempre aberta s virtualidades.Apesar do eu-pessoal, territorializado sobre seus sentimentalismos,apoiado pelo bom senso e protegido pelo senso-comum, a vidacontinua a criar, a reinventar-se a todo momento.

    somente com a idia de virtual que podemos compreendero bergsonismo como uma filosofia do tempo. Em Bergson, o passado a durao intensivamente concentrada e o futuro a durao extre-mamente expandida, e o presente faz o papel de atualizador dasvirtualidades, em relao tanto ao passado quanto ao futuro. Isto de-manda que entendamos melhor o papel do presente no bergsonismo.

    O sentido de presente contrasta, de uma certa maneira,com a idia de atual. O atual diferente do presente, apesar detodo presente ser uma atualidade. Enquanto o presente umaespcie de espacializao, dura, macia, da virtualidade, o atual uma corporificao, uma mscara, um dubl de corpo do virtu-al. As virtualidades se atualizam e as atualizaes podem sepresentificar, ou seja, tornarem-se existentes, palpveis a qualquerforma de experincia. O que o empirismo clssico, de forma ain-da ingnua, viu, era apenas esse primeiro momento: apresentificao das atualidades; no o momento mais fundamen-tal, segundo o bergsonismo - a atualizao das virtualidades.

    Ento, o pensamento para ser criativo, inventar e aspirarao novo, deve buscar o carter das atualizaes. E preciso ver o

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    presente como uma atualidade. Esse presente atualizado nos leva coexistncia com o passado, ou melhor, com todos os passados,logo, com o virtual e suas atualizaes. O presente em Bergson um ponto entre os passados e os futuros. O presente est sempregrvido de todos os futuros e tem em seu seio, contrado, todos ospassados.

    A contrao do passado no presente e o futuro que se es-tende todo frente a sntese perfeita do tempo bergsoniano. Eatravs dessa sntese que poderemos verificar o trajeto das ima-gens que passam de um tempo psicolgico para o tempo puro,para a pura memria, ou ainda, para o ontolgico. No tempopuro ou ontolgico, as imagens no se apresentam a partir derepresentaes, elas no so efeito de um modelo ou dubls dequaisquer paradigmas. Atrs das imagens existem apenas outrasimagens, e atrs destas imagens mais outras imagens, em umasucesso infinita, como o tempo. Assim, mesmo que em um dadomomento haja a necessidade da interveno do psicolgico (asimagens que se fazem um centro de indeterminao), logo de-pois, ou quase simultaneamente, h o deslocamento para oontolgico, para o puro tempo (as imagens passam, novamente, acompor o universo acentrado). Esse talvez seja o momento maisrico da vida: o liame, a fissura, o intervalo que separa (e por issomesmo une) a passagem do psicolgico para o ontolgico. Essapassagem s possvel por que somos, alm de matria, memria.A memria pura a fundao do tempo em Bergson.

    O quarto grande conceito do bergsonismo olan vital. Anoo que melhor caracteriza esse conceito bergsoniano a ten-dncia. A vida no busca ou no se afirma por fixao, ela umjorro incessante de tendncias que ora encaminha os viventes parauma direo, ora os encaminha para outra direo, dependendosempre do conjunto de encontros que esses viventes mantero aolongo de sua existncia. O bergsonismo foi a primeira das gran-des filosofias a valorizar um saber novo que foi gestado no sculoXIX: a biologia e a teoria da evoluo das espcies. Contudo,

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    Bergson no deixou de criticar certos pressupostos gerais tanto dabiologia quanto da teoria da evoluo, opondo-se ao cartermecanicista que esse saber tinha no sculo XIX assim como pouca maleabilidade proposta para as terias darwinistas.

    O que existe so tendncias entre os viventes e o processoseletivo se d em meio s injunes do meio, mas fundamental-mente orientado por umlanque se realiza como instaurao deuma singularidade. Dito de outra maneira, os viventes, pensadoscomo espcie, se afirmam como tal diferenciando-se, tornando-se o que so. Um processo de diferenciao o que caracteriza olan vital. O lan vital em ltima instncia o virtual que se atu-aliza e se realiza simultaneamente, fazendo um feixe de tendnci-as a se abrir nas direes mais variadas. A vida antes de maisnada criao incessante da diferena. Mas se podemos dizer que adiferenciao o modo original e incessante pelo qual umavirtualidade se realiza, tambm podemos inferir que olan vitala durao que se diferencia e, por conseqncia, que a prpriadurao a virtualidade. Em suma, o bergsonismo comporta umvitalismo irrigado pelo virtual. A filosofia de Henri Bergson colo-cou na ordem dia a vida como fonte inesgotvel para o apareci-mento do novo.

    Se o nascimento da novidade para a vida o horizonte quese descortina ao pensamento para o bergsonismo, a tarefa da filo-sofia ser encontrar meios para chegar de modo imediato a essenovo. Esse deve ser o mtodo da filosofia, ter acesso imediato scoisas, essncia das coisas, ao Absoluto. Porem, um Absolutono sujeito s regras da representao clssica. Um Absoluto quese exprime em sentido estrito como virtualidade. O mtodo dobergsonismo a intuio.

    A intuio como mtodo seria o procedimento mais rigo-roso para chegarmos de forma direta s coisas, abandonando qual-quer mediao para termos acesso ao real. Esse mtodo implicauma multiplicidade qualitativa e virtual. A intuio se desdobra enos d a ver a posio e criao dos problemas; a descoberta das

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    vrias diferenas de natureza; e a apreenso do tempo real. A in-tuio o mtodo da metafsica. A metafsica, como entendeBergson, sinnimo de filosofia. A intuio, como mtodo filo-sfico, compreende regras precisas: a primeira implica na anlisedos problemas para o pensamento, denunciando os falsos proble-mas. Essa primeira regra enseja uma regra complementar: os fal-sos problemas seriam de dois tipos - os problemas inexistentes -cujos termos implicariam confuso para mais ou para menos;e os problemas mal colocados - cujos termos seriam mal analisa-dos. A segunda regra a luta contra a iluso, e o encontro dasvrias diferenas de natureza em suas articulaes com o real. Tam-bm a segunda regra consigna uma regra complementar, em queo real no se estabelece somente seguindo as articulaes naturaisou as diferenas de natureza, pois ele tambm se comporta se-guindo as direes convergentes para um mesmo ponto ideal ouvirtual. E, por ltimo, a terceira regra: colocar os problemas eresolv-los em funo do tempo mais que do espao.

    Resumiramos dizendo que a intuio : essencialmenteproblematizante (critica os falsos problemas e a inveno das ver-dades); diferenciante (se coloca a partir da diferena); etemporalizante (pensa em termos de durao). A colocao doproblema uma das grandes questes apontadas por Bergson aolongo de sua trajetria filosfica. Trata-se de aprendermos a dis-tinguir um verdadeiro problema de um falso problema. E mais,trata-se no s de identificar os verdadeiros problemas como tam-bm de coloc-los com a devida preciso e rigor.

    A filosofia de Henri Bergson um pensamento vertigino-so, com toda a vertigem que um vitalismo do virtual pode ensejar.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BERGSON, Henri. Oeuvres. Paris: PUF.

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    A ONTOLOGIADOVIRTUAL: AMETAFSICADAMUDANAEMHENRIBERGSON

    Falar de metafsica na obra do filsofo Henri Bergson produzir uma investigao de ordem rigorosa e precisa, que nosleve a colocar em xeque alguns conceitos cannicos da histria dafilosofia. Os primeiros seriam o de imagem e matria. Pois, emBergson as imagens o que constitui todo o universo material.Dito de outro modo, tudo o que existe imagem.

    Para entendermos a posio bergsoniana frente imagem,precisamos explicitar idia de virtualidade, assim como entendero que seja afecto para o filsofo, a fim de compreender sua con-cepo empirismo. Denominaremos essa concepo de empirismosuperior, porque Bergson construiu uma posio filosfica queprocurou espiritualizar a matria. Dito de outra maneira, aindaaqui enigmtica, seu empirismo fruto das afeces em seus jor-ros de virtualidades.

    O que jorra, ento? As imagens em seu fluxo contnuo.A idia de virtualidade postulada a partir da potncia do

    tempo e da memria, a memria aqui entendida como tempo,como tempo puro. O tempo se faz aparecer nas duraes, nasduraes qualitativas, assim como o espao surge das duraesquantitativas.

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    Na virtualidade todas as duraes coexistem, elas estoemaranhadas, coladas, praticamente imbricadas. Essa simultanei-dade das duraes o que possibilita prpria virtualidade ga-nhar vida no bojo de seu processo de atualizao: as mltiplasvirtualidades se abrem em um sem nmero de atualizaes. As-sim, ao falarmos da conscincia em Bergson no estamos falandode uma conscincia doadora de sentido determinado, provedorade razo e intencionalmente dirigida a uma finalidade projetiva,pois isto retiraria a virtualidade do seu campo de atualizaes. Aconcepo de conscincia na filosofia bergsoniana produto dasduraes, ou seja, ela est sujeita s virtualidades do descentradouniverso de imagens que constitui a matria. Uma conscincia um centro de ao de fato e no de direito, j que a conscinciatambm uma imagem, como todas as outras conscincias e, porconseguinte, como todos os demais viventes do mundo material.O que a conscincia possibilita o aparecimento das afecespara umcorpo, j que ela se torna, mesmo que por instantes,um centro de indeterminao. Este teria o papel de promover onascimento de representaes1 . Dito isso, afirmamos que Bergsonproduziu um conceito de conscincia que prescinde quase quepor completo da idia de sujeito. A conscincia bergsoniana no mais a ancoragem de um eixo pessoal, mesmo que seja residual; oque temos so extratos de conscincia, feixes de memria, frag-mentos de subjetividade, ou seja, partculas de tempo, algo comojorros de lembranas, que tambm so, por sua vez imagens. Des-sa maneira, o psicolgico, enquanto retrato inteiro do eu, torna-se incuo para o bergsonismo. Nesse ponto, a filosofia de Bergsonest bem prxima do empirismo clssico, mas dele se distancia:

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    1Essas representaes para Bergson nada devem quelas no sentido metafsicoplatnico, s que simplesmente se alojam na duplicao do real. Elas so produtodas intersees das duraes, da hesitao produzida entre uma ao e uma reao,na verdade, as representaes so filhas das afeces.

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    apesar de se valer da mesma fragmentao do eu-pessoal e doeclipse da forma-homem que marca o empirismo ingls, Bergsonno se vale da combinao dos elementos nem da associao en-tre os dados. A idia de impresso, to cara ao empirismo como ode David Hume2 , por demais limitada para Bergson; ela so-mente daria conta do mundo material, nunca do esprito. Pois agrande tarefa do bergsonismo talvez seja, como dissemos, a deespiritualizar a matria. Para isso, a idia possibilitadora o afecto,e seu campo conceitual a virtualidade.

    A virtualidade, ento, nos d a possibilidade terica de afir-mar que o empirismo de Bergson implica um processo deresubjetivao, ou seja, a retomada de novos processos desubjetivao, ou ainda a inveno de novos modos-de-vida e aconfigurao de novas subjetividades. O empirismo bergsonianoaspira a todo momento ao novo. A virtualidade abre um grandecampo de possibilidade para pensarmos as relaes entre sujeito eobjeto3 , extinguindo-os enquanto referncias de conhecimento e

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    2Cf. DELEUZE, Gilles, Empirisme et Subjectivit. Paris: PUF, 1953.3Essa questo do subjetivo e do objetivo tambm nos remete ao prprio mote dafilosofia bergsoniana: a espiritualizao da matria (como j mencionamos). EmBergson, no h uma hierarquia entre o material e o espiritual, ou entre a matria ea memria; mas h, isto sim, uma diferena de natureza entre o mundo material (asimagens) e o esprito ou memria (as intersees das duraes entre as imagens:seus encontros). H matria no mundo mas a matria do mundo, no explica omundo. O que explica o mundo o esprito, da a importncia da espiritualizaoda matria para Bergson. Assim, a matria constitui o mundo, mas no o faz mover-se. A matria funda o mundo mas no o seu fundamento. Da matria nasce onovo, mas no a matria que produz esta novidade. Tanto que h diferenas degrau no mundo - as multiplicidades quantitativas: um homem alto e outro baixo,um gordo outro magro; mas o que interessa preferencialmente a Bergson so asdiferenas de natureza - as multiplicidades qualitativas: a rosa vermelha, o lrio branco.Isso explica o quanto a capacidade de renovao e instaurao de novas formas de

    vida fundamental ao bergsonismo. O novo no pode sair da matria; ele partedesta, mas somente se d pela potncia do esprito. Em resumo, h em Bergson,uma fsica de grau (as multiplicidades quantitativas) na matria; e uma metafsicade natureza (as multiplicidades qualitativas) do esprito.

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    tambm enquanto pressupostos da representao clssica: a obje-tividade e a subjetividade foram substitudas por Bergson pelasmultiplicidades quantitativas e pelas multiplicidades qualitativas.

    As multiplicidades, tanto quantitativas quanto qualitativas,nos apontam o caminho trilhado pelo bergsonismo para comba-ter todas as formas de psicologismos. As querelas travadas porBergson com a emergente psicologia do final do XIX, incio doXX da advm. O vivente no pode, para o bergsonismo, ficar merc dos caprichos de uma conscincia definidora: ela indicadacomo imagem, como mais uma imagem. Porm, o erro mais co-mum das leituras feitas sobre a obra de Bergson foi o de quereridentificarlan alma, alma que teria uma designao psicolgicada conscincia. Desta leitura errnea concluiu-se que o bergsonismoseria dualista, proposio exatamente ao avesso das suas intenes.Tanto isso no verdade que Bergson no se sentia vontade, in-clusive, para se utilizar de categorias humanistas ou animistas: ho-mem e alma no so, definitivamente, noes bergsonianas. Umdos grandes projetos do bergsonismo enfraquecer o eu-pessoal,possibilitando, assim, um maior potencial de criatividade e inven-o para o vivente. Para isso, precisamos estar atentos passagemdo sensrio-motor - a ao e reao dos corpos sobre os corpos -para tico e sonoro puro - o intervalo ou a hesitao que o viventeproduz entre o agir e o reagir perante o dado. Nesse curto espao dehesitao, um quase nada pode esconder um enorme feixe de cria-es - a potncia enlouquecedora, quase aberrante da vida, sem-pre aberta ao criar, sempre aberta s virtualidades. Apesar do eu-pessoal, territorializado sobre seus sentimentalismos, apoiado pelobom-senso e protegido pelo senso-comum, a vida continua a criar,a reinventar-se a todo momento. Dessa maneira, podemos dizerque a idia de mudana essencial ao bergsonismo. Essa capacida-de de mudar fez dele uma filosofia do novo.

    O enfraquecimento do eu-pessoal na exploso torrencialque a vida nos deixa ver o quanto o bergsonismo tenta, a todocusto, mostrar a inoperncia do psicolgico para explicar as imagens

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    que constituem o universo material: h uma claradesantropomorfizao das imagens em Bergson. Logo, o pensa-mento deve procurar fugir de um modelo determinado, mesmoque seja ele a forma-homem. O pensamento deve revestir-se decoragem para ir em direo ao novo. Esta a tarefa qual obergsonismo se props.

    O que o novo, ento? A novidade est em sua origemassociada a que lado da vida? possvel o novo na matria? Estasquestes somente podem ser respondidas se esclarecermos algunspressupostos gerais do pensamento de Bergson.

    Apesar de no hierarquizar a matria frente ao esprito, opensamento bergsoniano coloca a necessidade de fazermos umadistino entre ambos. Uma distino que no foi feita peloempirismo ingls. fundamental saber que h uma diferena denatureza entre a matria e a memria, e no uma diferena degrau. O mundo material no se estende em uma continuidade,alicerado pelas impresses produzidas a partir das coisas parachegarmos na ordem do esprito. Isso no possvel para Bergson. preciso haver uma ponte para unir essas duas instncias que, defato, no se separam, mas que, de direito, se abrem em dois le-ques. Esse elemento unificador a intuio. atravs da intuioque o vivente pode estabelecer um liame que unifique, de fato, asduraes quantitativas da matria e as duraes qualitativas doesprito. Dessa forma, estamos preparados para afirmar que o novo a irrupo da diferena no seio da vida. Esse desabrochar se fazpela proliferao de novas imagens que se produzem no interstcioentre a matria e a memria, ou melhor dizendo, no intervaloque se produz entre a ao e a reao frente ao mundo, ou entre oesprito e a matria. Afirmamos que, em ltima instncia, o novo,para o bergsonismo, fruto de uma hesitao do vivente. E essahesitao somente pode ser lida pela intuio. S a intuio podenos levar ao Absoluto.

    O Absoluto, em Bergson, nada tem a ver com a aboliodas diferenas e a supremacia da identidade; o sentido bergsoniano

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    de Absoluto o corolrio da prpria diferena. Este Absoluto noimplica em universalidade, e sim em continuidade: ele fluxo. OAbsoluto provoca uma aliana entre Bergson e o spinozismo -Absoluto como potncia deserepensar, que no bergsonismo podeser lido como devire pensar. Assim, tambm o Absoluto no sedaria na matria, mas no esprito, ou seja, chega-se ao Absolutopela ordem do esprito. Porm, esse esforo de captao do Abso-luto s pode ser atingido pela intuio. De forma imediata, comoque de assalto, como por um salto: em um esforo nico, dura-douro e simultaneamente fugaz, ultrapassando em muito as for-mas perceptivas, que se instaura pelas vias da intuio. Temos,ento, uma viso do Todo. Entretanto, esse Todo no um pro-cesso de totalizao fechado; ele , na verdade o Aberto.

    intuio do Absoluto, Bergson denomina simpatia. Estano um processo de inteleco, no estando presa matria ousubordinada vida - seu salto sempre qualitativo, logo, tempo-ral. A simpatia no o tempo da transcendncia, nem o tempo daoniscincia: a simpatia o tempo do encontro, do encontroafectivo. A simpatia simultnea ao prprio acontecimento. Elase abre sobre mltiplos leques, produzindo infinitas possibilida-des para os viventes. Estamos, com a simpatia, diante davirtualidade e no do possvel.

    Em suma, o Absoluto em Bergson aspira simpatia, ultra-passando em muito os limites do real e do campo do possvel. Seugrau de efetiva participao entre os corpos se efetua nas miradesde virtualidades que podem desembocar em atualizaes. Dito deoutro modo, o Absoluto se abre virtualmente em atualizaes,constituindo-se a em imagens. Imagens no tempo, no imagenstemporrias. Essas imagens se imbricam e ganham sentido atra-vs da intuio, ou seja, sabemos de sua atualexistncia por umprocesso simptico, no intelectual. Estamos diante de um certograu de divinizao das coisas, ou como queria Bergson, em umprocesso de espiritualizao da matria.

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    A metafsica bergsoniana o esforo do pensamento paradeslocar o campo de atividade do vivente do habitual para o cria-tivo. A metafsica em Bergson sinnimo de movimento, e node imobilidade.

    Dito isso, algumas apreciaes podem ser feitas sobre asrelaes entre o conceito de metafsica em Bergson e a idia devirtualidade, to importante para demonstrarmos o carterontolgico das imagens bergsonianas.

    O virtual, em certo sentido, o mesmo que o ontolgicoem Bergson. Para entendermos esta associao entre ontologia evirtualidade, fundamental falar do novo sentido dado pelobergsonismo para palavras j consagradas na histria da filosofia:metafsica e ontologia.

    Bergson tenta re-escrever a palavra metafsica, aplicando-lhe um novo sentido. Para tal, seu primeiro esforo foi dissoci-lada metafsica de origem platnica. Seu esforo foi o deimanentizar o transcendente, isto , mostrar que a metafsicapode, a partir de novas bases explicar a matria. Este explicar damatria precisa passar pelo esprito.

    Em primeiro lugar, a metafsica passa a ser um ato do pen-samento, capaz de lidar com o mltiplo e com o devir, deixandode lado o uno e o ser. Temos a, claramente, um deslocamento doparadigma metafsico clssico. Enquanto a metafsica de origemplatnica se esmera em lidar com a identidade - o uno e o ser - ametafsica bergsoniana se atm diferena - as multiplicidades eo devir. O pensamento em Bergson no remete ao ser, e conse-qentemente ao no-ser. Em Bergson, estamos diante do esforoda vida para pensar o tempo e o movimento. A metafsicabergsoniana uma metafsica da mudana, no da imobilidade.

    Para Bergson, a questo do ser apresenta, necessariamen-te, seu avesso - o nada. Diria um metafsico clssico: por que oser e no o nada? No bergsonismo este um falso problema,

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    logo, um obstculo ao pensamento ou uma iluso, como no sen-tido nietzschiano. A questo do nada quimrica. O Nada noexiste. Em seu bojo, a idia de Nada traz todo um processo denegao, que implica na impossibilidade de vermos o pensamen-to como criao. O pensar bergsoniano por si afirmativo, alme-ja a positividade. Para demonstrar a inaptido da idia de Nada ede sua negatividade para pensar a vida, Bergson se utiliza de umaargumentao empirista:

    ... para um esprito que seguisse pura e simplesmente o fio da

    experincia, no haveria o vazio, no haveria o nada, mesmorelativo ou parcial, no haveria negao possvel. Um tal es-prito veria os fatos sucederem-se aos fatos, os estados aosestados, as coisas s coisas. Aquilo que se conheceria a cadainstante seriam as coisas que existem, os estados que se mani-festam, os fatos que se produzem. Viveria dentro do atual e,se fosse capaz de julgar, s seria capaz de afirmar a existnciado presente.4

    Bergson fala como um empirista - a premncia da experi-ncia, mas ainda como um empirista que no sentiu a brisa dotempo atravs de sua face. Esse empirismo ainda est preso emdemasia matria, apesar de vislumbrar que h algo que escapa experincia e pode, por conseguinte, torn-la ontolgica, torn-la temporal. Mas o sentido de presentificao nos d a ver umbergsonismo preocupado com o falso problema do Nada, com operigoso problema do Nada, que pode nos levar s iluses da cons-cincia e negatividade no pensar.

    O sentido de presente colocado por Bergson contrasta, deuma certa maneira, com a idia de atual. O atual diferente dopresente, apesar de todo presente ser uma atualidade. Enquanto opresente uma espcie de espacializao, dura, macia, da

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    4BERGSON, H. Lvolution Cratrice, in Oeuvres, p. 743.

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    virtualidade, o atual uma corporificao, uma mscara, umdubl de corpo do virtual. As virtualidades se atualizam e asatualizaes podem se presentificar, ou seja, tornarem-se existen-tes, palpveis a qualquer forma de experincia. O que o empirismoclssico, de forma ainda ingnua, viu, era apenas esse primeiromomento: a presentificao das atualidades; no o momento maisfundamental - a atualizao das virtualidades.

    Ento, o pensamento para ser criativo, inventar e aspirarao novo, deve buscar o carter das atualizaes. preciso ver opresente como uma atualidade. Este presente atualizado nos leva

    coexistncia com o passado, ou melhor, com todos os passados,logo, com o virtual e suas atualizaes.

    Bergson prossegue em sua argumentao apontando ospassados no horizonte do presente:

    Concedamos a este esprito a memria, e sobretudo o desejode se apoiar no passado. Confiramos-lhe a faculdade de

    dissociar e de distinguir. Deixar de verificar apenas o estadoatual da realidade que passa. Representar-se- a passagemcomo uma mudana, e portanto como um contraste entreaquilo que existiu e aquilo que existe.5

    O presente em Bergson um ponto entre os passados e osfuturos; ele est sempre grvido de todos os futuros e tem em seuseio, contrado, todos os passados.

    A contrao do passado no presente e o futuro que se es-tende todo frente a sntese perfeita do tempo bergsoniano6 .

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    5BERGSON, H. Lvolution Cratrice, in op. cit., pp. 743-744.6Deleuze vai chamar esta sntese perfeita do tempo em Bergson, de segunda sntesedo tempo: o passado puro. Nela, encontramos o tempo feito memria, memria pura.Deleuze diz: O hbi to a fundao do tempo, o solo movente ocupado pelo presenteque passa. Passar precisamente a pretenso do presente. Mas o que faz com que opresente passe e que se aproprie do presente e do hbi to deve ser determinado como fun-damento do tempo. O fundamento do tempo a Memria. DELEUZE,Gilles,Diffrence et rptition. 5a. ed., Paris: PUF, 1985, p. 108.

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    atravs desta sntese que poderemos verificar o trajeto das ima-gens que passam de um tempo psicolgico para um tempo puro,para a pura memria, ou ainda, para o ontolgico. No tempopuro ou ontolgico, as imagens no se apresentam a partir derepresentaes, elas no so efeito de um modelo ou dubls dequaisquer paradigmas. Atrs das imagens existem apenas outrasimagens, e atrs destas mais outras imagens, em uma sucessoinfinita como o tempo. Assim, mesmo que em um dado momen-to haja a necessidade da interveno do psicolgico (as imagensque se fazem um centro de indeterminao), logo depois, ou qua-se simultaneamente, h o deslocamento para o ontolgico, para opuro tempo (as imagens passam, novamente, a compor o univer-so acentrado). Este talvez seja o momento mais rico da vida: oliame, a fissura, o intervalo que separa (e por isso mesmo une) apassagem do psicolgico para o ontolgico. Esta passagem s possvel porque somos, alm de matria, memria. A memriapura a fundao do tempo em Bergson.

    A virtualidade faz uma associao sem par com a memria.Porm, a memria lembrana o ponto de contato com o virtual,nunca a memria hbito. O virtual no aparece preso ao hbito.O hbito produziria uma outra sntese do tempo, desvinculadada virtualidade7 . Somente as lembranas podem servir como umaespcie de suporte para os canais que levem uma memria j des-provida de sonhos, devaneios e lembranas, a tornar-se, de direi-to, memria pura. Esta memria pura um outro nome para avirtualidade, pois est sempre grvida de uma infinidade semnmero de virtuais imagens, que podem ou no se atualizar.Bergson nos diz que essa memria, na verdade, existe de direito e

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    7Deleuze apresenta uma outra sntese do tempo para falar do hbito. Essa snteseno est ligada, propriamente, a Bergson e sim a David Hume. Ele a chamou deprimeira sntese do tempo: o presente vi vo. Cf. DELEUZE, G.,Diffrence et rptition,p. 96.

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    no de fato, mas exatamente por isso, pelo seu carter devirtualizao, encontramos nela o mais puro tempo: o tempoontolgico.

    O tempo a resposta ontolgica para o aparecimento dasimagens no mundo. Ontologia sinnimo de tempo e virtualidadeem Bergson. O tempo puro o tempo ontolgico. Um tempoque no reivindica a univocidade da identidade nem a clausurado ser; mas um tempo que dialoga com as multiplicidades dadiferena e espelha o fluxo do devir.

    Essa ontologia das imagens do real, que faz de Bergson oescultor de uma metafsica, no prima pelo serou pelaimobilida-de, mas implica uma metafsica que persegue odevire que almejao movente. Em Bergson, estamos diante de uma metafsica damudana, isto , uma ontologia do virtual.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    BERGSON, Henri. Oeuvres - di tions du Centenaire. 4 ed., Pa-ris : PUF, 1984.DELEUZE, Gilles. Diffrence et Rptition. 5 ed., Paris: PUF,1985. _____________ .Empirisme et Subjectivi t. 5 ed., Paris: PUF,1993. _____________ . Le Bergsonisme. 5 ed., Paris: PUF, 1994.

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    BERGSONEGODARD: APERCEPOCINEMATOGRFICADOREAL

    1. a percepo e o problema da conscincia

    Bergson formulou vrios enunciados de combate s teses dorealismo e do idealismo, no que concerne ao problema da percepo.Ambas as teses seriam excessivas e acabariam por esbarrar no mesmoerro: percepo = conhecimento. Na hiptese bergsoniana no pode-mos, de modo algum, associar percepo e conhecimento; haveriauma clara diferena de natureza entre o conhecimento e a percepo.A percepo estaria indissoluvelmente ligada ao. Sendo que aao estaria para o tempo, assim como a percepo estaria para oespao. Quer dizer, toda a percepo espacializada, engendra umtopos, aspira a um lugar; enquanto a ao almeja temporalidade,sem fazer-se no tempo. A ao seria o ponto de contato dos viven-tes com as coisas, com os corpos, com a vida. Vive quem pode instau-rar-se em uma atualidade, ou melhor, a vida busca a atualizao.

    Essa atualizao necessariamente indeterminada, j que ocorpo um modo centrado em um universo de imagensacentradas. No movimento de acentramento e reacentramentodeste corpo, ele torna-se um centro de ao, logo um centro deindeterminao. Bergson nos diz que:

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    A parte de independncia de que um ser vivo dispe, ou,como diremos, a zona de indeterminao que cerca sua ativi-dade, permite portanto avaliar a prioria quantidade e a dis-

    tncia das coisas com as quais ele est em relao. Qualquerque seja essa relao, qualquer que seja portanto a naturezantima da percepo, pode-se afirmar que a amplitude dapercepo mede exatamente a indeterminao da ao con-secutiva, e conseqentemente enunciar esta lei: a percepodispe do espao na exata proporo em que a ao dispe dotempo.8

    De princpio Bergson postulou uma lei rigorosa que ligariaa extenso, daquilo que o filsofo chamou de percepo consci-ente, intensidade de ao de que dispe o vivente. Ao falar depercepo consciente, o que pretendia o pensador? A nosso ver,Bergson j aqui comea a propor uma nova maneira de entendero processo perceptivo dos viventes. O filsofo j iniciava umatentativa de descolar, de separar, as percepes das lembranas.

    Isto foi feito quando ele props, de direito, uma percepo pura.Por que a percepo pura existe de direito e no de fato?

    Ora, sabemos que nossas percepes, mesmo as mais banais, asmais cotidianas e viscerais, esto impregnadas de lembranas. Apercepo um torvelinho de flashese relmpagos que clarei-am e, por conseguinte, obscurecem uma determinada ao de umdeterminado vivente. Pelo simples fato de estarmos mergulhados,

    imersos em uma durao - em que o presente contemporneode todos os passados - nada mais natural que nossas mais ele-mentares percepes estejam imbricadas de souvenirs.

    Ento, nosso filsofo, para melhor entender o processoperceptivo, achou por bem criar a possibilidade de pensarmosuma percepo sem os mltiplos signos que impregnam os acon-tecimentos. Criar uma percepo pura.

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    8Bergson,Oeuvres,p. 183.

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    Restabeleamos, ao contrrio, o carter verdadeiro da per-cepo; mostremos, na percepo pura, um sistema de aesnascentes que penetra no real por suas razes profundas: esta

    percepo se distinguir radicalmente da lembrana; a reali-dade das coisas j no ser construda ou reconstruda, mastocada, penetrada, vivida; e o problema pendente entre o re-alismo e o idealismo, em vez de perpetuar-se em discussesmetafsicas, dever ser resolvido pela intuio.9

    A intuio foi a tentativa de Henri Bergson de esculpir,metodicamente, uma forma imediata de acesso s coisas. Umaespcie de anterioridade prpria conscincia. A intuio pos-sibilitaria aocorpo apropriar-se de algo como que por um saltoqualitativo: como que de assalto. Por isso os racionalistas estra-nham a pergunta bergsoniana: como algo que no consciente,pode estar antes da conscincia? Mas tambm estranham os no-racionalistas e signatrios da tese que defende que a vida sejagovernada por foras impulsivas e anmicas: como algo que anterioridade prpria conscincia, no consciente, pr-cons-ciente, ou mesmo inconsciente? Na verdade, a intuio a pos-sibilidade mais rpida do ser de fazer-se presena - visitar ascoisas. No como prope a fenomenologiade Husserl e deMerleau-Ponty, que em sua dmarche, nos diz que as coisas socomo que fundadas pela conscincia. O bergsonismo nos pro-pe exatamente o oposto: as coisas fundariam a conscincia, ascoisas desenhariam o prprio ser. Podemos inclusive afirmar,sem temor, que Bergson inverteu a clebre mximafenomenolgica: toda conscincia conscinciadealguma coisa10 ;

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    9op. cit. p., 216.10Portanto, no preciso perguntar-se se ns percebemos verdadeiramente ummundo, preciso dizer, ao contrrio: o mundo aquilo que ns percebemos.Merleau-Ponty, Maurice, Fenomenologia da Percepo. So Paulo: Martins Fontes,1994, p. 13-4.

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    em Bergson esta mxima ganharia outras cores: toda conscin-cia alguma coisa.11

    A orientao bergsoniana para o problema da conscinciatraz a nu as contradies da prpria fenomenologia. Essa orienta-o, no s coloca em xeque a idia da percepo como doadorade sentido, ou produtora de conhecimento, mas tambm questi-ona a capacidade que teria o processo perceptivo de criar as con-dies de possibilidade para a efetuao plena da presena, comonos indica a fenomenologia. Essa corrente de pensamento toinfluente em nosso tempo, ao tentar elidir do mundo a contradi-o cartesiana do sujeito e objeto - o clssico dualismo metafsico- nada mais fez que criar uma espcie de pan-dualismotranscendental, ao fincar na intencionalidade (que somente po-deria ser do Eu) o sentido do real. A conscincia, para afenomenologia, acabou por reproduzir, de modo distinto, as prer-rogativas cartesianas do Grande Racionalismo do sculo XVII:a razo (conscincia) pode tudo. Por seu lado, Bergson pergunta -o que pode a conscincia? O filsofo responde que ela pode am-parar a luz, e servir de suporte para a emergncia de uma manh.A conscincia no o algoz da noite, que com sua auto-ilu-minao nos furtaria das trevas. A conscincia, em Bergson, atela negra, a placa opaca, que garante o aparecimento redentor dodia. A conscincia, no pensamento bergsoniano, nos d a ver a

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    11H a uma ruptura com toda tradio filosfica, que situava a luz antes do ladodo esprito, e fazia da conscincia um feixe luminoso que tirava as coisas da suaobscuridade nativa. A fenomenologia ainda participava inteiramente desta tradioantiga; simplesmente em vez de fazer da luz uma luz de interior, abria-a para oexterior, um pouco como se a intencionalidade da conscincia fosse de uma lmpa-da eltrica (toda conscincia conscincia dealguma coisa... ). Para Bergson, exatamente o contrrio. So as coisas que so luminosas por si mesmas, sem nada

    que as ilumine: toda conscincia alguma coisa, confunde-se com a coisa, isto ,com a imagem de luz. Deleuze, Gilles, LImage-Mouvement, p. 89-90. Nesta cita-o do livro de Gilles Deleuze, procuramos deixar claras, as posies fenomenolgicase bergsonianas no que se refere ao problema da conscincia.

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    possibilidade da garantia ao corpo de segurar o fio incessante damemria. Este um de seus papis mais importantes.

    O papel terico da conscincia na percepo exterior, dizamosns, seria o de ligar entre si, pelo fio contnuo da memria,vises instantneas do real. Mas, na verdade, no h jamaisinstantneo para ns. Naquilo que chamamos por esse nomeexiste j um trabalho de nossa memria, e conseqentemente denossa conscincia, que prolonga uns nos outros, de maneira acapt-los numa intuio relativamente simples, momentos tonumerosos quanto os de um tempo indefinidamente divisvel.12

    Desta maneira, a conscincia impediria a volatizao doreal e a perda das lembranas, logo, a efetuao da durao. Estfeito o embate: bergsonismo versusfenomenologia.13

    Bergson explicitamente nos fala que o sujeito e o objeto seunem a partir da contrao da memria:

    numa percepo extensiva, ao contrrio, que sujeito e objetose uniriam inicialmente, o aspecto subjetivo da percepo

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    12Bergson,Oeuvres,p. 216-17.13A refutao das teorias fisiolgicas da memria, em Bergson por exemplo, si-tua-se no terreno da explicao causal; ela consiste em mostrar que os traos cere-brais e os outros dispositivos corporais no so a causa adequada dos fenmenos dememria; que, por exemplo, no corpo no encontramos com o que dar conta daordem na qual as recordaes desaparecem em casos de afasia progressiva. A discus-so assim conduzida certamente desacredita a idia de uma conservao corporaldo passado: o corpo no mais um receptculo de engramas, um rgo de panto-mima encarregado de assegurar a realizao intuitiva das intenes da conscin-cia. Merleau-Ponty, M., Fenomenologia da Percepo, p. 553. Como podemos verpor esse texto, Merleau-Ponty, sustenta um combate s teses bergsonianas, tanto damemria e do corpo, quanto da conscincia. O fenomenlogo, acredita que o cor-po pode tudo, que a conscincia doadora de sentido, e que a memria, como querecolhe as impresses dos acontecimentos do dia-a-dia. Bergson, com certeza, noconcordaria com tais afirmaes. A conscincia bergsoniana no mais que umcran, como uma tela cinematogrfica. Ela recebe a luz, e a projeta... e a sim, se fazo sentido.

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    consistindo na contrao que a memria opera, a realidadeobjetiva da matria confundindo-se com os estmulos mlti-plos e sucessivos nos quais essa percepo se decompe interior-

    mente. Tal , pelo menos, a concluso que se tirar, esperamos,da ltima parte deste trabalho: as questes relativas ao sujei to eao objeto, sua distino e sua unio, devem ser colocadasmais em funo do tempo que do espao.14

    Merleau-Ponty e os fenomenlogos teriam uma outra po-sio: a intencionalidade da conscincia garantiria para eles o fimda ciso sujeito e objeto.15

    Por fim, entendemos que Bergson produziu um novo modode ver a percepo das coisas. Pensou em uma nova possibilidadepara compreendermos os viventes, ao colocar a percepo ao ladoda ateno vida e no do conhecimento. Ao colocar a percepodo lado da matriae no da memria.

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    14Bergson,Oeuvres,p. 217-18.15Duas citaes de Merleau-Ponty talvez nos ajudem a situar melhor as discussesda fenomenologia com o bergsonismo: O erro de Bergson acreditar que o sujeitomeditante possa fundir-se ao objeto sobre o qual ele medita, o saber se dilatar con-fundindo-se com o ser; o erro das filosofias reflexivas acreditar que o sujeitomeditante possa absorver em sua meditao, ou apreender sem sobras, o objetosobre o qual medita, nosso ser se reduzir a nosso saber. Nunca somos, enquantosujeito meditante, o sujeito irrefletido que procuramos conhecer; mas tambm nopodemos nos tornar inteiramente conscincia, reduzir-nos conscinciatranscendental. Se fssemos a conscincia, deveramos possuir, como sistemas derelaes transparentes, o mundo diante de ns, nossa histria, os objetos percebidosem sua singularidade.op. cit., pp.97-8.Aqui Merleau-Ponty evoca a ineficinciado bergsonismo para elucidar o dualismo metafsico do sujeito e objeto, e toma opartido da conscincia para solucionar este problema que se arrasta por sculos nahistria do pensamento ocidental. O pensador nos diria ainda: O tempo constitu-do, a srie das relaes possveis segundo o antes e o depois no o prprio tempo, seu registro final, o resultado de sua passagemque o pensamento objetivo semprepressupe e no consegue apreender. Ele espao, j que seus momentos coexistentes

    diante do pensamento, presente, j que a conscincia contempornea de todosos tempos. op. cit.,p. 556.O fenomenlogo, mais uma vez, coloca a conscinciacomo o epicentro de seu pensamento: a conscincia tornar-se o oscopo datemporalidade, engolindo assim, a durao.

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    Poderamos resumir, com efeito, nossas concluses sobre apercepo pura dizendo quehna matria algo alm, mas noalgo diferente, daquilo que atualmente dado. Sem dvida a

    percepo consciente alcana a totalidade da matria, j queela consiste, enquanto consciente, na separao ou nodiscernimento daquilo que, nessa matria, interessa nossasdiversas necessidades. Mas entre essa percepo da matria ea prpria matria h apenas uma diferena de grau, e no denatureza, a percepo pura estando para a matria na relaoda parte com o todo. Isso significa que a matria no poderiaexercer poderes de um tipo diferente daqueles que ns perce-

    bemos.16

    ***

    Gilles Deleuze apropriou-se da idia de percepo pura e atransformou em um poderoso conceito: o percepto. Aqui no estamosmais em Bergson, nem nos encontramos mais a discutir as querelas da

    fenomenologia frente ao bergsonismo, no que toca o problema doaparato perceptivo. Estamos em uma outra zona de problemas, nomais metafsicos (o modelo e a cpia) ou relativos ao conhecimento (osujeito e o objeto); nosso campo de investigao caminha em direoao percepto deleuziano e ao problema da obra de arte.

    O que um percepto? preciso que se diga: os perceptosno so percepes, assim como os afectos no so afeces, nos

    ensinam Deleuze e Guattari17 . Esses elementos, perceptos e afectos,

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    16Bergson, op. cit., p. 218.17Os perceptos no mais so percepes, so independentes do estado daquelesque os experimentam; os afectos no so mais sentimentos ou afeces, transbordama fora daqueles que so atravessados por eles. As sensaes, perceptos e afectos, soseresque valem por si mesmos e excedem qualquer vivido. Existem na ausncia dohomem, podemos dizer, porque o homem, tal como ele fixado na pedra, sobre atela ou ao longo das palavras, ele prprio um composto de perceptos e afectos. Aobra de arte um ser de sensao, e nada mais: ela existe em si. Deleuze, Gilles eGuattari, Flix, O que a fi losofia?Rio de Janeiro: Editora 34, 1992, p. 213.

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    so fundamentais para a arte e no para o conhecimento. Eles noesto para ocorpo como esto uma percepo e uma afeco. Elesnoso o efeito dos encontros dos corpos, seja esse efeito externo(percepes), seja esse efeito interno (afeces). Os perceptos, eaqui no caso os afectos, compem blocos, blocos de sensaes,que possibilitam a emergncia de um fazer artstico.

    Quando Czanne pintou mas sobre uma mesa, essas fru-tas no foram retiradas de sua imaginao, no foi obra de intensaemoo ou sentimentos, muito menos essa imagem lanada so-bre a tela foi produto de alguma reminiscncia da infncia. Ocampo perceptivo limitado para entendermos este problema.Torna-se necessria a construo de uma nova categoria que pos-sa, ao mesmo tempo, abarcar o fora (as percepes) e o dentro(as afeces). Uma categoria que se mobilizasse em funo doextra-real sem deslocar-se da realidade. Uma categoria que in-ventasse uma paisagem anterior ao homem, na ausncia do ho-mem18 . Esta categoria o percepto.

    A pincelada do pintor, a sintaxe do escritor e o plano decomposio do msico somente so possveis porque h um des-prendimento desses homens, de certa forma, de tudo o que h dehomem neles. Como se precisassem deixar o humano para se tor-narem inumanos no momento prprio ao criar, no momentoda emergncia da obra. A obra os engole, solapa seus egos,minimiza seus eus, faz a percepo contrair-se e a afeco enco-lher-se: surgem, ento, afectos e perceptos; surge, ento, um mo-numento - a obra de arte.

    Quando um cineasta como Jean-Luc Godard passeia suacmera por sobre Paris (com um filme positivo, o que faz a cidadetornar-se um mar de escurido e penumbras), como emAlphaville(1965), o que vemos no mais Paris, Alphaville, mas ainda

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    18 O percepto a paisagem anterior ao homem, na ausncia do homem.BERGSON, op. cit., p. 219.

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    assim, continua sendo Paris. O cineasta-pensador reelabora a ci-dade como um demiurgo e a faz ser outro ser. Passamos ento, ano mais perceber Paris, e sim Alphaville.

    O percepto pode cumprir o enunciado do pintor Paul Klee:tornar visvel o invisvel, ou como querem Deleuze e Guattari,tornar sensveis as foras insensveis.19

    Como o cinema seria a arte a dar maiores contribuiespara inaugurar novas formas perceptivas, nada melhor que a asso-ciarmos ao percepto. Principalmente o cinema moderno e, emespecial, o cinema de Jean-Luc Godard.

    Porm, antes de iniciarmos uma investigao mais rigorosaacerca da mquina-cinema e do crebro-cinema-godardiano, preciso explicitar a noo de iluso cinematogrfica em Bergsone destacarmos a inveno do cinematgrafo.

    2. a iluso cinematogrfica e o cinematgrafo

    Uma primeira imagem se combina a uma segunda ima-gem, que por sua vez, se combina a uma terceira imagem, que secombina ainda com uma quarta imagem, e esta se combinaria auma quinta imagem... as combinaes continuariam sem fim,em uma relao de mltiplas combinaes e imbricaes de ima-gens... De que falamos? Talvez de um caleidoscpio - aquele pe-queno instrumento cilndrico, em cujo fundo h fragmentosmveis de vidro colorido, os quais ao se refletir sobre um jogo deespelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem umnmero infinito de combinaes de imagens, de cores e de varie-dades. Mas alm do caleidoscpio poderamos estar falando davida, das relaes entre os viventes, dos encontros dos corpos, comonos prope Henri Bergson. Na verdade, os corpos (as imagens)

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    19No esta a definio do percepto em pessoa: tornar sensveis as foras insens-veis que povoam o mundo, e que nos afetam, nos fazem devir? op. cit., p., 235.

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    quando centradas engendram movimento, que acabam por pro-duzir uma viso caleidoscpica do real.

    H um sistema de imagens que chamo minha percepo douniverso, e que se conturba de alto a baixo por leves variaesde uma certa imagem privilegiada, meu corpo. Esta imagemocupa o centro; sobre ela regulam-se todas as outras; a cadaum de seus momentos tudo muda, como se girssemos umcaleidoscpio.20

    Essa percepo caleidoscpica da realidade produto deum reacentramento que uma determinada imagem privilegiada(um corpo) obteve quando do seu efetivo centramento, mesmoque momentneo. Como se dissssemos que as imagens se puses-sem a desfilar a olhos vistos quando uma determinada imagem(um corpo) ganhasse o estado, momentneo, de centro deindeterminao. Criar-se-ia, ento, uma mquina de viso21 .

    Bergson - o filsofo das mquinas de viso - ao relacionar per-cepo e movimento de imagens ele abriu caminho para interro-garmos o que seria o ver. Mas o ver, aqui, no a matria denossa meditao. Estamos interessados em desvendar, isto que oautor de Lnergie Spiritualle, chamou de mecanismo cinemato-grfico da percepo.

    O ponto de partida da reflexo bergsoniana a discusso

    sobre o movimento em Lvolution Cratrice, especificamente emseu quarto captulo: Le mcanisme cinmatographique de pense etli llusion mcanistique. Apesar do ttulo do captulo referir-se ex-plicitamente ao problema do ento totalmente novocinematgrafo, neste texto Bergson discutiria exausto o pro-blema do Nada (nant) e os paradoxos de Zeno de Elia. O quenos parece curioso que o filsofo em seu primeiro livro enalteceu

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    20Bergson,Oeuvres, p. 176.21Cf. VIRILIO, Paul. Mquina de viso(?).

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    o papel insurgente do cinema, ento em sua mais tenra aurora. Jno livro que lhe valeu o Nobel de Literatura houve uma espciede acerto de contas, de regresso de opinio. Quero dizer que, seemMatire et Mmoireo cinema ganha ares enobrecedores e fun-dadores, emLvolution Cratriceo cinematgrafo passa a ser nomais que uma mera iluso: a iluso cinematogrfica. Aplicadaque foi percepo natural ou habitual, houve um enfraqueci-mento do fazer cinematogrfico no texto de 1907 para o filso-fo. Ns perguntamos: por que?

    Tentemos ento perseguir a letra da escritura bergsonianaem Lvolution Cratrice e busquemos o esclarecimento para oproblema proposto: como equacionar a questo da iluso cine-matogrfica.

    A introduo do exemplo cinematogrfico se d em certaaltura do quarto captulo da Lvolution Cratrice, quando o pen-sador tenta nos explicar os movimentos qualitativos diferencia-dos do devir. Ele demonstra que nossa atitude natural diantedas coisas no tem outra opo seno perceber a multiplicidadeda vida. Como? Bastaria olharmos a realidade nossa volta. Umaflor e um fruto, por exemplo. Os movimentos que iriam da florpara o fruto seriam qualitativamente diferentes daqueles que iri-am da ninfa larva... Libertemos a crislida, como diria Bergsonem La Pense et le Mouvant. Deixemos a lagarta transformar-seem borboleta, ou ainda mais explicitamente: restituamos ao mo-vimento sua mobilidade, mudana sua fluidez, ao tempo suadurao, nos diz Bergson. Precisamos entender o movimento pelasua mobilidade e no pelo repouso; a mudana pelos fluxos inter-mitentes que enchem de vida o real; e pensar o tempo, necessari-amente, ligado durao. Esta discusso se prolonga at o mo-mento em que o filsofo exemplifica seu problema com uma cenaanimada reproduzida em uma tela: o desfile de um regimento.Em primeiro lugar, para dar conta do movimento poderamosrecortar figuras representando os soldados, imprimindo a cadauma delas o movimento de marcha, projetando na tela este conjunto

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    - os soldados a marchar. Mas existiria uma segunda maneira bemmais eficaz: bater instantneos (fotos) em sries que seriam subs-titudas rapidamente por outras para realar a impresso de mo-bilidade do regimento: teramos o cinematgrafo.

    Portanto, e em resumo, o processo consistiu em extrair detodos os movimentos prprios a todas as figuras um movi-mento impessoal, abstrato e simples, por assim dizer omovi-mentoemgeral, em introduzi-lo no aparelho, e em reconstituira individualidade de cada movimento particular pela com-

    posio desse movimento annimo com as atitudes pessoais. esse o artifcio do cinematgrafo. E esse tambm o donosso conhecimento. Em vez de nos prender ao devir interi-or das coisas, colocamo-nos fora delas para recompor o seudevir artificialmente. Temos vises quase instantneas da re-alidade que passa e, como elas so caractersticas dessa reali-dade, basta-nos alinh-las ao longo de um devir abstrato,uniforme, invisvel, situado no fundo do aparelho do conhe-

    cimento, para imitar o que h de caracterstico nesse mesmodevir. Percepo, inteleco, linguagem, em geral procedemassim. Quer se trate de pensar o devir ou de o exprimir, ouat de o percepcionar, o que fazemos apenas acionar umaespcie de cinematgrafo interior. Resumiramos portantoassim tudo o que atrs ficou dito:o mecanismo do nosso conhe-cimento vulgar de natureza cinematogrfica.22

    Nossa maneira mais comum de perceber a realidade imita-ria um filme. Mas no esta a questo que particularmente nosinteressa aqui, e sim, como se d este processo cinematogrficoda percepo.

    A percepo garante o movimento de exterioridade dos vi-ventes em Bergson. Percebemos as coisas por nos movimentar-nosem direo a um de-fora, do mesmo modo que somos afetados

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    22BERGSON, op. cit., p. 753.

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    pelas aes de refluxos dos movimentos perceptivos. O que estamostentando dizer que, na verdade, a concepo bergsoniana depercepo enseja a possibilidade para pensar operceptodeleuziano.Como? Ora, quando falamos deste de-fora, estamos afirmandoque existiriam, de direito, em Bergson, duas formas perceptivas,que o prprio filsofo, batizou de percepo pura e perceponatural. A percepo pura nos coloca no campo dos aconteci-mentos cotidianos e faz as vezes de instrumento de ateno vida. Mas a percepo pura, queremos crer, nos d a possibilida-de de pensarmos a vida como paisagem, como percepto. O

    percepto no a percepo do homem, assim como o afecto noso os seus sentimentos. Percepto e afecto so novas possibilidadessubjetivas, ou se quisermos ainda, eles ensejariam novas subjetivi-dades. Subjetividades sem nenhum compromisso com qualquerforma de humanismo. Subjetividadesinumanas. Acreditamos quea noo de iluso cinematogrfica nos d a ver o perceptoe noa percepo. Como se mudssemos a ordem das coisas. Esses no-

    vos ngulos, perspectivas, volumes e luzes, criados pelo cinemamoderno, devem muito mais a Bergson do que o prprio cinemapode imaginar. Esta viso bergsoniana das relaes entre ocinematgrafo e o aparato perceptivo encontra um dilogo com afenomenologia23. No entanto, a fenomenologia de Merleau-Ponty

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    23Diga-se, inicialmente, que um filme no uma soma de imagens, porm umaforma temporal. o momento de recordar a famosa experincia de Pudvkin,(Merleau-Ponty se refere, neste momento, s experincias de Lev Kulechov, divulgadasna Frana por Pudvkin, que por l viajou e fez conferncias, fato que provavel-mente ocasionou o equvoco na citao) que coloca em evidncia a sua unidademeldica. Certo dia, ele tomou um grande plano de Mosjquin impassvel e proje-tou-o, precedido, a princpio, de um prato de sopa, em seguida, de uma jovemmorta em seu caixo e, finalmente, antecedido por uma criana a brincar com umursinho de pelcia. Notou-se, de incio, que aquele ator dava a impresso de olhar o

    prato, a jovem e a criana e, depois, que fitava o prato com ar pensativo, a jovem,com tristeza, e a criana, mediante um sorriso radiante e o pblico ficou surpreen-dido pela variedade de suas expresses, quando, na verdade, a mesma tomada haviasido utilizada trs vezes e era flagrantemente inexpressiva. O sentido de uma imagem

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    no compreende a revoluo que foi o cinema moderno fazendo desuas referncias cinematogrficas, referncias clssicas narrativas.

    3. a mquina-cinema, um crebro-cinema

    Mas ento tentemos responder: o que o cinema? Comcerteza mais que a iluso retiniana. Mais que a impresso de rea-lidade. Mais que a tecnologia das imagens. De qualquer forma, ocinema tambm a iluso retiniana, a impresso de realidade euma tecnologia de imagens.

    Vemos imagens em movimento porque a viso humana noconsegue identificar as muitas imobilidades que compem um filme.Sabemos que um filme uma srie de fotografias, feitas seqencialmente,a partir de uma mquina (o cinematgrafo), que projetadas a umadeterminada velocidade (vinte e quatro fotos - fotogramas - por segun-do) nos d a impresso de movimento. Essa impresso de movimento, na verdade, uma impresso de realidade: ser que o cinema, realmen-te, copia a vida?Ser que o cinema chegou para ocupar o espaodeixado pela pintura retratista e pela fotografia, como forma exemplarde representao do real? duvidoso pensarmos que sim. O cinema ,antes de mais nada, uma forma de expresso esttica que se ancora emimagens e signos. Tudo imagem, nos diz Bergson.

    O cinema enriqueceu a histria das tcnicas na passagem dosculo XIX para o XX. Tudo comeou com a lanterna mgica...

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    depende, ento, daquelas que a precedem no correr do filme e a sucesso delas criauma nova realidade, no equivalente simples adio dos elementos empregados.Merleau-Ponty, O Cinema e a Nova Psicologia inA Experincia do Cinema. Xavier,Ismail (org.). Rio de Janeiro: Graal, 1983, pp. 110-11. Por esta citao, ficou evi-dente a associao que Merleau-Ponty faz entre cinema e montagem. O artifcio derecortar e colar, e novamente, recortar e colar as imagens, seria para o fenomenlogo,a essncia do fazer cinematogrfico. Esta concepo de cinema ainda est traba-lhando no registro das imagens que Gilles Deleuze chama de imagens-movimento,aquelas que estariam presas ao aparelho sensrio-motor e ao e reao frente aodado. Ou seja, para a fenomenologia, o cinema moderno ainda no havia nascido.

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    para nascer o cinematgrafo. Antes dele existiram outrasengenhocas maravilhosas: o Kinetoscope de Thomas Edison foiuma delas. Mas em dezembro do ano da publicao deMatire etMmoire(1895), era feita a primeira exibio pblica de cinema.Rara forma de seduo, o cinema viria para ficar e se desenvolver.Construir uma linguagem, com Griffith e Eisenstein: a monta-gem tornar-se-ia, nesse momento, o corao do cinema. Imitan-do os movimentos da vida, agindo e reagindo aos acontecimen-tos, viviam os personagens. Mas uma revoluo estava a caminho.Esta revoluo corresponde a dois nomes: Roberto Rosselini e oNeo-realismoitaliano, e Orson Welles e seuCidadoKane. Daquiem diante o cinema se transformou, os personagens no maisagiriam e reagiriam frente ao dado, agora os personagens deixari-am as coisas acontecerem, o tempo passar...

    Um cineasta particularmente nos interessa: Jean-LucGodard. O mais importante inventor do cinema moderno. Foiatravs das lentes de Godard que configurou-se o que de maisradical se fez no cinema do ps-guerra.

    Godard provocou uma revoluo cinematogrfica. Primei-ro com seus artigos-filmes nos Cahiers du Cinma, depois comseus filmes-artigos. O filsofo do cinema construiu verdadeirossintagmas cinematogrficos-filosficos.

    Antes de falarmos propriamente de Godard, precisaremosdiscutir aqui o inimigo godardiano, ou aqueles elementos que ofizeram construir uma cinematografia radical, e como tal, revolu-cionria. Falamos do chamado cinema clssico narrativo.

    O cinema clssico narrativo durante muito tempo foi confun-dido com o cinema hollywoodiano, ou com o cinema produzido nosEstados Unidos da Amrica. Claro, h um fundo de verdade nes-ta afirmao. Se quisssemos fazer uma genealogia do CinemaClssico Narrativo teramos que retornar ao cinema norte-ameri-cano, em particular a um de seus fundadores: D. W. Griffith.

    Griffith produziu duas obras-primas: Nascimento de UmaNao(1913) eIntolerncia (1916). Este ltimo filme foi fundamental

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    para o desenvolvimento da linguagem cinematogrfica. Uma tc-nica foi ali gestada e executada: a montagem paralela. Griffithcontou quatro histrias simultaneamente e, atravs da monta-gem, as enredou de tal maneira que garantiu um convincentefluxo narrativo para a obra. At Intolerncia, o cinema ainda co-piava o teatro. A cmera na maioria das vezes era fixa e toda a aodramtica era desencadeada em poucos planos. Havia pouca vari-ao de ngulos e perspectivas. Com Griffith, tudo mudaria. Ocinema como linguagem ganhou um enorme impulso. Este im-pulso, por incrvel que parea, foi retirar a arte cinematogrficada gide teatral e jog-la nos braos da literatura, particularmen-te, da arte romanesca. sabido pelos estudiosos da vida e da obrade Griffith que o cineasta pretendia, na verdade, tornar-se umescritor profissional, um romancista. Esta fascinao pelas letras,provavelmente, o levou a elaborar com muito mais rigor que seuscontemporneos os roteiros e histrias a serem filmados. E mais,algumas tcnicas romanescas passaram a ser incorporadas peloautor na tentativa de esculpir uma linguagem para ocinematgrafo. Uma linguagem que mais tarde viria a ser chama-da de cinema clssico narrativo.

    Mas ento, nos perguntamos: como identificar o CinemaClssico Narrativo?

    Basicamente, o cinema clssico narrativo o discursohegemnico das imagens-movimento. Um discurso rgido, quaseuma gramtica. Por exemplo, ao plano de um rosto far-se-ia ne-cessrio acompanhar uma voz que fale. A um plano de conjunto,por sua vez, a msica da trilha deveria ocupar seu espao. Todosns estamos completamente habituados s formas narrativasclssicas do cinema e, conseqentemente, a estas mesmas formasque aparecem nas Tvs e em todas as demais espcies de imagens-em-movimento.

    Godard foi crtico de cinema e intregou um grupo escreviana prestigiosa revista Cahiers du Cinma. Este grupo de entojovens e irreverentes intelectuais interessados em cinema era com-

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    posto dos seguintes nomes: Franois Truffaut, Eric Rohmer, JacquesRivette, Claude Chabrol. Todos tornar-se-iam cineastas e criariamum movimento cinematogrfico batizado deNouvelle Vague.

    Mas foi Godard quem construiu, talvez, a carreira maissigiificativa dos cincos citados. Por que? Porque foi com as idiase imagens godardianas que o cinema cinema clssico narrativoseria colocado em xeque.

    A narratividade foi o primeiro problema a ser atacado pelocineasta, da sua j clebre frase: Todo filme deve ter comeo,meio e fim, mas no necessariamente nesta ordem. O cinemaclssico narrativo prima pela continuidade narrativa, pela lgicada causalidade em que toda causa implica um efeito. um cine-ma ainda aristotlico. Com Godard, este seria reflexionado e, con-seqentemente, questionado.

    Outra questo colocada em xeque pelo cinema de Godard o naturalismo do cinema clssico narrativo. Para este cinema,um filme deve fazer parecer ao espectador a prpria realidade. Oprocesso de identificao deve ser imediato, e assim ficaramospassivos diante deste espetculo. Em Godard isto jamais ocorre:a todo momento o cineasta nos avisa que estamos diante de umfilme. Por exemplo, em Sauve qui peut (la vie)de 1979, a vemosuma ciclista a passear por uma estrada prxima a uma campina eouvimos uma suite sinfnica. De repente, aquela msica que ser-via de trilha como que se corporifica na tela, j que a orquestraaparece mais frente, na prpria campina. E ficamos sabendo deimediato que aquele som , na verdade, uma imagem-som. Osartifcios do cinema so como que colocados a nu na obra deJean-Luc Godard.

    Godard quebra a metfora; nada representa nada, ou seja,no h a possibilidade de uma arte representacional na obra docineasta franco-suo. Em Les Carabiniers, de 1963, dois jovensvo guerra e os seus superiores lhes prometem tudo o que con-seguirem pilhar. Mais tarde eles retornam cidade de onde parti-ram com uma mala cheia de postais. Ento, pelos postais eles tm

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    a Torre Eiffel, um belo carro, belas roupas, etc. No h metfora.EmVivre sa viede 1962, Godard nos conta a vida de uma prosti-tuta, Nana. Em um determinado momento, ela est em um cafa conversar com um homem. Este homem comea a lhe falar dePlato. Ficamos sabendo, por letreiros, que o homem o filsofoBrice Parain. O filsofo a falar de um filsofo no um atorrepresentando um filsofo. Ele um filsofo. No h metforaem Jean-Luc Godard.

    Este cinema feito por Jean-Luc Godard o que chamei deum cinema-crebro, um cinema de pensamento. A arte cine-matogrfica serve de suporte para o cineasta fazer-se pensador,inaugurando novas maneiras de pensar o prprio cinema, a arte ea vida.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    PORCELANAECRISTAL: ARTEEONTOLOGIAEMGILLESDELEUZE

    Comeo por colocar uma questo: h, propriamente, umaesttica ou uma filosofia da arte em Gilles Deleuze? Ou dito deoutro modo: as palavras esttica ou filosofia da arte, aqui uti-lizadas como sinnimos, podem ser propostas como uma das ver-tentes do pensamento deleuziano?

    No pretendo imediatamente responder a estas indagaes,mas isto sim, coloc-las como problema a ser enfrentado, buscan-do elementos para nos forar a pensar seu sentido.

    Inicialmente, talvez devssemos nos perguntar: o que umaesttica? Proposies sobre a arte? Anlises de objetos? Crtica deautores? Reflexo sobre o sentido esttico? Normalmente utiliza-mos algumas destas definies, seno todas, para designar a di-menso esttica do real. A questo que se coloca : seria a estticaum conjunto de discursos propositivos, anlises de objetos deter-minados, crtica e reflexo? Seguramente nenhuma destas alter-nativas contempla uma boa definio para o que problematizamoscomo sendo a Esttica.

    Ao percorrer diversos manuais de histria da esttica oudas filosofias da arte, quase todos os chamados grandes filsofos eseus conceitos que foram celebrizados nesse domnio da filosofia

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    so citados. Em especial: Plato e a noo de cpia e seus simula-cros; Aristteles, a catarse, a tragdiae amimeses; Kant, o gosto, osublime e o gnio; Hegel e as figurasda arte; Nietzsche, o apolneoe o dionisaco; Heidegger, o mundoe a Terra; A Escola de Frank-furt, a aura e a industrial cultural.Estes autores, via de regra, soos preferidos para serem propostos, analisados e criticados en-quanto pensadores dos fenmenos e da experincia estticos. Elesso os eleitos, tanto dos manuais quanto das aulas de Esttica, oque nos leva perguntar, simplesmente: por qu? Isto porque ape-nas Hegel escreveu uma esttica propriamente dita. Claro, con-siderando suas lies de aula, mais tarde compiladas e preparadascomo livro. Mesmo no maior dos metafsicos modernos, a arteocupa um lugar relativamente pequeno em relao sua obra(apesar dos volumes que compe suaEsttica).

    Perguntaria ainda: e Nietzsche? - o profeta sem morada,aquele que escreveu poemas e comps partituras, legando-nos aboa nova do super-homem artstico, tensionando o campo deforas da vida em direo superao dos valores universalizantes.Sim. Nietzsche, nos legou o apolneoe o dionisaco, mas no propriamente de msica, nem mesmo de arte, que trata O Nasci-mento da Tragdia: estamos aqui diante de uma obra tica e de umtexto histrico. Uma histria tica de uma queda, que o filsofochamar mais tarde de genealogia. Genealogia do comeo do fimda plenitude dos valores nobres e aristocrticos do guerreiro, paraem seu lugar nascer a moral do sacerdote contida em gnese naironia socrtica. Arrisco dizer que a chamada metafsica do artis-ta presente em O Nascimento da Tragdia bem mais que apenaso prenncio da genealogia nietzschiana. Ela aponta muito menospara uma esttica de objetos e muito mais para uma tica da expe-rincia esttica, uma espcie de esttica da existncia.

    Mesmo Heidegger, apesar de falar de Van Gogh e deHderlin em A Origem da Obra de Arte, nos d a ver que o queest em jogo no a pintura e o pintor, ou a poesia e o poeta, masa verdade e o ser. Como bem diz o filsofo da Floresta Negra: A

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    arte, enquanto o pr-em-obra-da-verdade... A verdade a desocultaodo ente como ente. A verdade a verdade do ser.24

    Isso sem falar na m-vontade-ontolgica de Plato paracom o sensvel, em especial com a experincia esttica. Ou mes-mo das anlises aristotlicas do fenmeno social da tragdia, ondea socialidade catrtica, isto , o pblico e suas inclinaes, inte-ressam tanto ao Estagirita quanto as categorizaes dos diversostipos de poesia em suaPotica.

    Em Kant, pensador que serve de referncia s reflexes so-bre a experincia esttica, o que importa, propriamente falando,no propriamente a arte, mas a questo do conhecimento: osubjetivo e o objetivo, o desinteresse, ou melhor dizendo: comoanalisar objetivamente uma experincia que se ancora na subjeti-vidade. Mesmo todo o idealismo alemo no fugiu a essa regra,subordinou