Artigo Aniversário AEB 2016

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    Presente de Aniversrio para a Agncia Espacial Brasileira

    Jos Monserrat Filho *

    Tenham coragem. No tenham medo de sonhar coisas grandes.Papa Francisco

    A AEB completa 22 anos de existncia agora no dia 10 de fevereiro . Qual seria o melhorpresente para festejar a data? o que tento sugerir aqui.

    A certido de nascimento da AEB a Lei n 8.854, de 10 de fevereiro de 1994,sancionada pelo ento Presidente Itamar Franco depois de aprovada pelo Congresso Nacional. Essalei continua em plena vigncia, ainda que com algumas atualizaes.

    Seu art. 1 anuncia algo histrico: Fica criada, com natureza civil, a Agncia EspacialBrasileira (AEB), autarquia federal vinculada Presidncia da Repblica, com a finalidade de

    promover o desenvolvimento das atividades espaciais de interesse nacional. E mais: o art. 2 dota aAEB de autonomia administrativa e financeira, com patrimnio e quadro de pessoal prprios.

    Vale enfatizar: a AEB rgo civil, no militar. Era o que pleiteavam entidades como a

    Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC) e a opinio pblica em geral, aps ademocratizao do pas, em 1985. A AEB veio substituir com nove anos de atraso, diga-se aComisso Brasileira de Atividades Espaciais (COBAE), criada em 1971 pelo regime militar paraassessorar o Presidente da Repblica. O Estado-Maior das Foras Armadas desempenhava papelcentral na COBAE.

    A AEB tem ampla competncia, que comea pelo dever de executar e fazer executar aPoltica Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE) e propor sua atualizao,

    bem como de elaborar e atualizar os Programas Nacionais de Atividades Espaciais (PNAE). OPNAE atual refere-se ao perodo 2012-2021. Ao todo, conforme o art. 3 da Lei n 8.854, so 14mandatos da AEB. Apenas para dar uma ideia deles, eis aqui os oito mais importantes:

    I executar e fazer executar a Poltica Nacional de Desenvolvimento das Atividades

    Espaciais (PNDAE), bem como propor as diretrizes e a implementao das aes dela decorrentes;II propor a atualizao da Poltica Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais

    e as diretrizes para a sua consecuo;III elaborar e atualizar os Programas Nacionais de Atividades Espaciais (PNAE) e as

    respectivas propostas oramentrias;IV promover o relacionamento com instituies congneres no Pas e no exterior;V analisar propostas e firmar acordos e convnios internacionais, em articulao com o

    Ministrio das Relaes Exteriores e o Ministrio da Cincia e Tecnologia, objetivando acooperao no campo das atividades espaciais, e acompanhar a sua execuo;

    VI emitir pareceres relativos a questes ligadas s atividades espaciais que sejam objeto deanlise e discusso nos foros internacionais e neles fazer-se representar, em articulao com oMinistrio das Relaes Exteriores e o Ministrio da Cincia e Tecnologia;

    VII incentivar a participao de universidades e outras instituies de ensino, pesquisa edesenvolvimento nas atividades de interesse da rea espacial;

    VIII estimular a participao da iniciativa privada nas atividades espaciais;...No pouca coisa. So mandatos de alta relevncia para o desenvolvimento espacial do

    pas. Ainda mais que os benefcios do espao so hoje essenciais vida normal de todos os pases.No se pode confundir a Poltica Nacional de Desenvolvimento das Atividades

    Espaciais (PNDAE) com o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).A PNDAE foiinstituda pelo Decreto n. 1.332, tambm firmado pelo Presidente Itamar Franco em 8 de dezembrode 1994, nove meses aps a fundao da AEB. Elaborada pela prpria AEB, a PNDAE estabelece

    objetivos e diretrizes para os programas e projetos da rea espacial e tem no PNAE seu principalinstrumento de planejamento e programao para perodos de dez anos. Ela nasceu, certamente,como parte do esforo do governo brasileiro para demonstrar aos pases mais desenvolvidos que o

    programa espacial brasileiro era civil. O Regime de Controle de Tecnologia de Msseis (Missile

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    Technology Control Regime MTCR), institudo em 1987, liderado pelos Estados Unidos e outraspotncias, bloqueou em 1988 a construo do VLS (Veculo Lanador de Satlites), parte essencialda Misso Espacial Completa Brasileira (MECB), anunciada em 1980. Acusao: o VLS seria narealidade um mssil de longa distncia. Em resposta, o Brasil aderiu ao MTCR em 1995, um anoaps a fundao da AEB e a aprovao do PNDAE, deixando claro que seu programa espacial era

    pacfico, e que o VLS no tinha pretenses a ser mssil.

    O PNAE elaborado pela AEB e aprovado pelo seu Conselho Superior. Composto porrepresentantes de todos os ministrios ligados s atividades espaciais, nomeados pelo Presidente daRepblica, o Conselho Superior da AEB tem extrema importncia jurdica e operacional. Suasdeliberaes so fundamentais para a execuo da PNDAE e do prprio PNAE.

    As atividades espaciais brasileiras sero organizadas sob forma sistmica, estabelecidapelo Poder Executivo, determina o art. 4 da Lei que criou a AEB. Ou seja, as instituies querealizam atividades espaciais devem funcionar de modo a constituir um sistema coerente, entrosadoe cooperativo, ainda que cada uma delas mantenha sua autonomia.

    Da surgiu o Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais(SINDAE), cerca de dois anos depois da AEB e da PNDAE, para organizar a execuo dasatividades destinadas ao desenvolvimento espacial de interesse nacional. O SINDAE tem base no

    Decreto n 1.953, de 10 de julho de 1996, firmado pelo ento presidente Fernando HenriqueCardoso. Embora haja dvidas, crticas e certo ceticismo quanto funcionalidade do SINDAE, essedecreto nunca foi debatido ou revisto e continua em vigor. Conformar-se ironicamente com umalei que no pegou no se coaduna com o Estado Democrtico de Direito, estabelecido no art. 1 daConstituio Brasileira.

    O SINDAE constitudo por um rgo central, responsvel por sua coordenaogeral, por rgos setoriais, responsveis pela coordenao setorial e execuo das aes contidas noPrograma Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e por rgos e entidades participantes,responsveis pela execuo de aes especficas do PNAE, reza o art. 2 do Decreto n 1.953.

    O rgo central do SINDAE a AEB e os rgos setoriais so o Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (INPE), ligado ao Ministrio da Cincia e Tecnologia e Inovao (MCTI); o

    Departamento de Cincia e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e seu Instituto de Aeronutica eEspao (IAE), e os Centros de Lanamento de Barrera do Inferno (CLBI) e de Alcntara (CLA),todos vinculados ao Comando da Aeronutica, do Ministrio de Defesa (MD). Tambm somembros do sistema as universidades e as empresas da indstria espacial. O funcionamento doSINDAE regulado por resoluo normativa aprovada pelo Conselho Superior da AEB.

    Cerca de 20 anos depois, em 2 de outubro de 2015, os ento Ministros da Defesa, JaquesWagner, e da Cincia, Tecnologia e Inovao, Aldo Rebelo, criaram o Grupo de TrabalhoInterministerial para o Setor Espacial (GTI - Setor Espacial), pela Portaria Interministerial n2.151. Esse GTI tem por fim assessorar, em carter temporrio, o Ministro de Estado da Defesa e oMinistro de Estado da Cincia, Tecnologia e Inovao nos trabalhos relativos ao aprimoramento doPrograma Estratgico de Sistemas Espaciais (PESE), do Programa Nacional de Atividades Espaciais(PNAE) e da Poltica Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE), a fim deorganizar e dinamizar as atividades espaciais no Brasil como um Programa de Estado.

    O GTI - Setor Espacial tambm tem ampla competncia:I - propor reviso do modelo de governana para as atividades espaciais no Brasil;II - propor a reviso da legislao, no que couber, com vistas a:a) formalizar um Programa de Estado para as atividades espaciais no Brasil;

    b) propor um regime diferenciado de contratao de pessoal especializado do setor espacial;e c) propor um regime diferenciado para aquisio de bens, servios, obras e informaes

    com aplicao direta nos projetos e instalaes do setor espacial;III - apresentar proposta de reviso do PNAE para o decnio 2016-2025, harmonizando as

    diversas iniciativas espaciais em curso;IV - propor um Projeto Mobilizador, para o perodo de cinco anos, visando fomentar odesenvolvimento da indstria nacional, quanto aos seus componentes basilares: satlite, lanador e

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    infraestrutura de lanamento e operao;V - identificar as necessidades e propor um plano de recomposio, readequao e

    ampliao dos quadros de pessoal especializado do setor espacial, no Comando da Aeronutica e noInstituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); e

    VI - propor um plano de valorizao e divulgao das atividades espaciais no Brasil.O GTI composto por membros titulares e suplentes indicados pelo MD e MTCI , e sua

    coordenao est a cargo do Comando da Aeronutica do MD, como reza a Portaria, acrescentandoque os relatrios e estudos produzidos pelo GTI Espacial devem ser encaminhados ao MD peloComando da Aeronutica, e ao MTCI pelo INPE. E mais: o GTI pode convidar representantes deoutros rgos ou entidades, pblicas ou privadas, para participar de suas reunies e opinar nas suas

    proposies, sem, contudo, gerar a obrigao de acatar as sugestes por eles emanadas.Em momento algum a Portaria menciona a AEB, que, alis, tomou cincia do GTI apenas

    pelo noticirio. Em termos legais, vale lembrar: uma lei aprovada pelo Congresso Nacional esancionada pelo Presidente da Repblica tem muito mais peso do que uma Portaria Interministerial.Essa no pode, de modo algum, ignorar ou desconhecer aquela. H uma hierarquia clara eimperativa entre os instrumentos jurdicos. Trata-se de um princpio elementar do direito.

    Todos os Ministros de Estado tm o direito de recorrer a portarias interministeriais, se e

    quando julgarem isso necessrio, inclusive para criar grupos de trabalho conjuntos. O que no temamparo legal criar uma portaria interministerial que se coloque acima de uma lei federal em plenovigor. Ainda mais quando a inteno manifesta alcanar um nobre e elevado objetivo nacional: acriao de uma Poltica Espacial de Estado, antigo sonho da comunidade espacial brasileira.

    Eis, ento, a minha sugesto de presente de aniversrio para comemorar os 22 anos daAEB: reconhecer a vigncia da Lei n 8.854, acatar o papel legal e legtimo da AEB, como ativa

    participante de qualquer plano de reviso da poltica e do programa nacional de atividadesespaciais, e, como consequncia natural, substituir a referida Portaria Interministerial MD-MCTI.

    A alternativa disso seria ainda mais dolorosa: anular a Lei n 8.854 e as que vieram a seguir(PNDAE e SINDAE), nela calcadas. Mas no precisamente isso o que, na prtica, parece estaracontecendo, bem diante dos nossos olhos e do nosso senso de justia?

    * Vice-Presidente da Associao Brasileira de Direito Aeronutico e Espacial (SBDA), Diretor

    Honorrio do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de

    Astronutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministrio de Cincia, Tecnologia e Inovao

    (MCTI) e da Agncia Espacial Brasileira (AEB). E-mail: .