Artigo Equilibrio químico

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Quimica

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    ESTADO DE EQUILBRIO QUMICOCOMO OS ESTUDANTES CONCEBEM O

    Esta seo de Qumica Nova naEscola tem discutido aspectossobre as concepes dosestudantes em relao a conceitosqumicos. Essas discusses tm semostrado importantes como materialde referncia para a reflexo de pro-fessores de qumica e cincias, nos porque oferecem pistas sobre opensamento de nossos alunos, mastambm porque possibilitam a opor-tunidade de rever o que ns, profes-sores, pensamos e fazemos em nos-sas salas de aula.

    O conceito de equilbrio qumicotem sido apontado por muitos autores e tambm por muitos professores como problemtico para o ensinoe a aprendizagem (Maskill & Cacha-puz, 1989).

    Ao que parece, esse conceito temgrande riqueza e potencial para o ensi-no de qumica, uma vez que articulamuitos outros temas, tais como reaoqumica, reversibilidade das reaes,cintica etc. Em geral, as abordagensencontradas nos livros didticos, bemcomo as observadas em salas de aulado ensino mdio, tendem a enfatizar

    aspectos quantitativos (matemticos)relacionados ao conceito, em detri-mento de uma abordagem qualitativa.Ou seja, percebe-se que ao final doestudo desse assunto muitos alunosso capazes de calcular constantes deequilbrio a partir das concentraes dereagentes e produtos e conseguemprever se o equilbrio se desloca nosentido de favorecer a formao dereagentes ou de produtos. Mas umainvestigao mais detida, que buscas-se perceber como compreendem o queocorre em um sistema no estado deequilbrio no nvel atmico-molecular,provavelmente revelaria que essacompreenso fica muito comprometi-da. A mera execuo mecnica declculos, sem o estabelecimento de re-lao com os aspectos observveis emensurveis, bem como com aquelesaspectos relacionados aos modelospara a constituio das substncias,dificulta e, em alguns casos, pode im-possibilitar a compreenso dos aspec-tos fundamentais do conhecimentosobre o estado de equilbrio qumico.

    Neste artigo, vamos apresentar umestudo realizado com o objetivo de

    perceber como os estudantes com-preendem, a nvel atmico-molecularo que ocorre em um sistema em esta-do de equilbrio qumico. As concep-es aqui apresentadas resultam deuma investigao1 que envolveu umaclasse da segunda srie do ensinomdio de uma escola da rede munici-pal de Belo Horizonte, constituda por37 alunos.

    Para termos acesso s idias dosalunos, realizamos, durante dois me-ses, o acompanhamento das aulas daturma em questo, registrando-as emfitas cassete. Alm disso, realizamosentrevista com os alunos, solicitamosque realizassem atividades envolven-do a representao de sistemas noestado de equilbrio e que respondes-sem por escrito a algumas questes.Examinamos tambm o material pro-duzido por eles, como avaliaes etrabalhos propostos pelo professor.

    O que os alunos sabem sobreequilbrio?

    Na escola, o ensino do conceito deequilbrio qumico est restrito apenas disciplina de qumica. Entretanto,quando esse conceito introduzidoem sala de aula, os estudantes j tra-zem consigo concepes e experin-cias relacionadas idia de equilbrio,o que pode ocasionar dificuldades naaprendizagem do conceito cientfico.

    Ao que parece, as concepes deequilbrio manifestadas pelos alunosadvm de experincias com algumassituaes tais como andar de bicicleta,observar uma balana ou, ainda, deestudos formais envolvendo tal con-ceito que tm lugar, sobretudo, na dis-ciplina de fsica. Tais idias, de natu-reza macroscpica e sensorial,apresentam-se associveis apenas aomundo cotidiano concreto e no aoabstrato. Em consonncia com essasexperincias, as concepes de equi-lbrio aparecem associadas idia de

    O ALUNO EM FOCO

    A seo O aluno em foco traz resultados de pesquisas sobreconcepes alternativas de estudantes, sugerindo formas delidar com essas concepes ao se ensinar conceitoscientficos.Este artigo discute concepes de alunos do nvel mdiosobre equilbrio qumico, com base em dados obtidos numainvestigao realizada no contexto de sala de aula. Naanlise, so destacadas as idias que relacionam o estado deequilbrio qumico ausncia de alteraes nos sistemas eas que consideram reagentes e produtos em recipientesseparados. Tambm analisada a dificuldade em sediferenciar o que igual do que constante no estado deequilbrio qumico e so discutidas concepes relacionadas constante de equilbrio.

    equilbrio qumico, concepes de estudantes, constante de equilbrio

    QUMICA NOVA NA ESCOLA Equilbrio Qumico N 4, NOVEMBRO 1996

    Andra Horta MachadoRoslia Maria Ribeiro de Arago

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    igualdade, apresentando tambmdimenses relacionadas s caracters-ticas estticas que envolvem essestipos de equilbrio.

    O que os alunos aprenderamsobre equilbrio qumico?

    Ao analisarmos as idias dos estu-dantes sobre o estado de equilbrioqumico, foi possvel perceber quemuitas dessas idias estavam asso-ciadas ao que eles entendiam sobreequilbrio em geral. Nesse sentido,muitos alunos relacionam o estado deequilbrio qumico ausncia de alte-raes no sistema, o que inclui a con-cepo de que a reao no acontecemais. Os alunos tendem a conceber oequilbrio como um estado no qual na-da mais ocorre, ou seja, uma concep-o de equilbrio limitada ao equilbrioesttico (Gorodetsky & Gussarsky,1987).

    Alguns aspectos so essenciaispara a compreenso do estado deequilbrio qumico: a igualdade dasvelocidades das reaes de formaode produtos e de reconstituio dereagentes; a reversibilidade das rea-es; a coexistncia de reagentes eprodutos em um mesmo recipiente; odinamismo que envolve a reorgani-zao constante das espcies reagen-tes e produtos da reao. Vamos ana-lisar mais detidamente esses aspectose como eles se relacionam com asconcepes dos estudantes.

    A concepo de igualdade apa-receu relacionada, muitas vezes, per-cepo por parte do aluno de quealgo no equilbrio qumico igual. Issopode ser observado nas seguintesmanifestaes, selecionadas a partirdas entrevistas com os estudantes: oequilbrio quando se igualam as for-as ou no equilbrio a setinha do pro-duto e do reagente so [sic] do mes-mo tamanho ou ainda a reao estem equilbrio, ou seja, a velocidade, oupresso, ou temperatura, ou con-centrao esto iguais.

    Essa questo pode ainda serpercebida na considerao de que noestado de equilbrio as quantidades dereagentes e produtos, ou suas con-centraes, so iguais. Parece haveruma dificuldade em se diferenciar o

    que igual do que constante, no es-tado de equilbrio qumico.

    A reversibilidade das reaes deformao dos produtos e de reconsti-tuio dos reagentes foi outro aspectoque se evidenciou problemtico. Paramuitos alunos, no estado de equilbrioqumico no existem mais espciesreagentes. Para outros, a reversibili-dade at possvel, mas para que osreagentes sejam formados ao longoda reao preciso, primeiramente,que todos tenham se transformado emprodutos. Apenas a partir da formaodos produtos, envolvendo o consumototal dos reagentes, possvel que es-ses sejam reconstitudos.

    Ao representarem o estado deequilbrio qumico por meio de mode-los, muitos alunos utilizaram formasanlogas s das equaes qumicas.A representao a seguir exemplificabem o que se quer apontar.

    A representao dos alunos parao estado de equilbrio, na maioria doscasos, parece conter a idia de queas espcies qumicas se encontrariamem recipientes separados. Isso evi-dencia que os alunos tendem a nodiferenciar o fenmeno da reao qu-mica de sua representao, aequao qumica2. Outros alunos tam-bm concebem reagentes e produtoscompartimentalizados, sem contudoaproximar seu desenho ao de umaequao qumica. Na Figura 2, apre-senta-se um exemplo de represen-tao feita por um aluno, onde serevela tal concepo. De qualquermodo, a maioria dos alunos investi-gados representam reagentes e pro-dutos em recipientes separados.

    A visualizao de sistemas emequilbrio como dois sistemas separa-

    QUMICA NOVA NA ESCOLA Equilbrio Qumico N 4, NOVEMBRO 1996

    Figura 2: Representao do estado de equilbrioqumico para o sistema CO2 + NO CO +NO2 , evidenciando a concepo de reagentese produtos em recipientes separados.

    dos tambm foi observada por Johns-tone (1977) e Gorodetsky e Gussarsky(1987). O primeiro autor atribui a ori-gem de tal concepo abordagemusualmente encontrada nos materiaisinstrucionais utilizados para trabalharo conceito de equilbrio qumico, quelevaria os alunos a adquirir essa visocompartimentalizada dos sistemas emequilbrio. Segundo o autor, os alunostrazem consigo o conceito de equi-lbrio derivado de experinciasmecnicas e fsicas nas quais os siste-mas, em geral, constituem-se de doiscompartimentos, como por exemplouma balana. Alm disso, o uso dasequaes qumicas tendo a dupla setaseparando reagentes de produtos,bem como o de diagramas de energia,sem o estabelecimento de relaesentre essas representaes e osfenmenos, podem contribuir paraque os alunos adotem a viso compar-timentalizada do sistema em equilbrioqumico. Essa viso pode resultar daconsiderao de que as espcies qu-micas nos dois lados da dupla seta,na representao da reao qumica,so entidades separadas. Conceberdessa forma os sistemas em equilbriopode levar os alunos a pensar, porexemplo, que:

    possvel alterar a concentraos dos reagentes ou s dos produtos;

    as colises tm lugar apenasentre os reagentes ou entre osprodutos;

    possvel alterar a presso ou atemperatura em apenas um dos la-dos do equilbrio.

    Pode-se observar claramente aidia de que possvel alterar a pres-so em apenas um dos lados do

    Figura 1: Representao para o estado deequilbrio qumico em forma anloga de umaequao qumica para o sistema I2 + H2

    2HI.

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    equilbrio em uma representao feitapor um dos alunos (Figura 3).

    Vale destacar que muito comuma utilizao da expresso o equilbriose desloca para a direita (ou para aesquerda) quando se discute com osalunos o Princpio de Le Chatelier. Talexpresso, utilizada tambm em mui-tos exerccios propostos nos livrosdidticos, refora a concepo daexistncia de reagentes e produtos emrecipientes separados.

    A tendncia a no diferenciar o fe-nmeno de sua representao se fazpresente tambm na confuso do con-ceito de equilbrio qumico com a ope-rao de acertar os coeficientesestequiomtricos das equaes. Talconfuso recebe influncia tambm dafreqente referncia ao balancea-mento das equaes como: ...vamosequilibrar esta equao...

    A baixa freqncia de associaode caractersticas dinmicas aoconceito de equilbrio qumico pdetambm ser observada, pois a maioriados alunos entrevistados no eviden-ciou a compreenso do equilbrio qu-mico como um estado dinmico. A difi-culdade na compreenso dos aspec-tos dinmicos do equilbrio qumico foitambm detectada por Gorodetsky eGussarsky (1987) e Maskill e Cacha-puz (1989).

    Concepes sobre aconstante de equilbrio

    Em relao constante de equil-brio, parece que esta concebida co-mo uma entidade matemtica capazde influenciar diretamente o fenmenoda transformao qumica, como nosrevelam as falas de alguns alunos:

    a constante de equilbrio um valornumrico aplicado a uma reaodesequilibrada para que o equilbrioseja atingido

    ou

    a constante de equilbrio um valorno qual a reao atinge o equilbrio

    Ao que parece, os estudantesno atribuem constante de equi-lbrio significados que lhes possibi-litem, por exemplo, relacionar seuvalor numrico ao que este podeestar representando em termos deconcentrao de reagentes e produ-tos, e, portanto, em termos da exten-so da reao.

    Algumas reflexes sobre oensino do conceito deequilbrio qumico

    As idias dos alunos em relaoao conceito de equilbrio qumico, dis-cutidas neste artigo, evidenciam umadeficincia na compreenso deaspectos importantes desse conceito,como por exemplo, o aspectodinmico do equilbrio qumico, osignificado da constante de equilbrioe a diferena entre fenmenos e suasrepresentaes. Isto parece ter origemna forma como o conceito abordadonas aulas de qumica e nos livrosdidticos, com pouca nfase emaspectos conceituais e qualitativos.Parece no ser suficiente abordar oconceito a partir de sua definio e darealizao de exerccios quantitativos.

    Alm disso, as idias dos alunosdiscutidas neste artigo parecem colo-car-nos uma questo em relao abordagem de conceitos qumicos emnossas salas de aula: a importnciade se mudar de foco. Isto significa des-focalizar um pouco o quadro negro oua lousa, desfocalizar um pouco a pala-vra onipotente do professor, o profun-do domnio do livro didtico. Significa,ento, focalizar o fenmeno. Trazer ofenmeno para o centro de nossa salade aula, observ-lo. Dar a palavra anossos alunos e alunas e tentar perce-ber o que eles pensam sobre o queobservam e como podem explicar oque observam utilizando modelos paraa constituio das substncias. Dis-

    QUMICA NOVA NA ESCOLA Equilbrio Qumico N 4, NOVEMBRO 1996

    Referncias bibliogrficasGORODETSKY, M. & GUSSARSKY,

    E. The roles of students and teachers inmisconceptualization of aspects inchemical equilibrium. Proceedings ofthe Second International Seminar of Mis-conception and Educational Strategiesin Science and Mathematics, NovaIorque: Cornell University, 1987, v. III, p.187-193.

    JONHSTONE, A.H. Chemical equi-librium and its conceptual difficulties.Education in Chemistry, n.14, p. 169-171,1977.

    MASKILL, R. & CACHAPUZ, A.F.C.Learning about the chemistry topic ofequilibrium: the use of word associationtests to detect developing conceptua-lizations. International Journal of ScienceEducation, v. 11, n. 1, p. 57-69, 1989.

    Para saber maisVeja os trabalhos de PEREIRA,

    M.P.B.A. Dificuldades de aprendizagemem equilbrio qumico I e II, publicados emQumica Nova, v. 12, n. 2 e 3, 1989.

    Notas1 Esta investigao resultou na elabo-

    rao da dissertao de mestrado intitula-da Equilbrio qumico: concepes e dis-tores no ensino e na aprendizagem, de-fendida no Departamento de Metodologiade Ensino da Faculdade de Educao daUNICAMP, em 1992, por Andra H. Macha-do e orientada pela Professora RosliaMaria Ribeiro de Arago.

    2 Sobre esta questo leia tambm oartigo Transformaes: concepes deestudantes sobre reaes qumicas, non. 2 de Qumica Nova na Escola.

    cutir com os alunos as relaes entreo fenmeno, os modelos atmico-mo-leculares e as representaes. Essasorientaes parecem simples, masno so. Exigem de ns, professores,um trabalho constante para superar-mos nossas prprias dificuldades einseguranas para compreender osfenmenos.

    Andra Horta Machado bacharel e licenciadaem qumica pela Universidade Federal de Minas Ge-rais, mestre e doutoranda em educao pela Univer-sidade Estadual de Campinas, professora do ColgioTcnico da UFMG, Belo Horizonte - MG.Roslia Maria Ribeiro de Arago licenciadaem letras, livre-docente em educao e docente doDepartamento de Metodologia de Ensino, Faculdadede Educao, Unicamp, Campinas - SP.

    Um pistom (sic) est pressionando asmolculas dos reagentes.

    Figura 3: Representao de um aluno mostran-do que, para ele, possvel alterar a pressoapenas dos reagentes.

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