Artigo equina 26 nov dez-2009

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Roberto Arruda de Souza Lima Engenheiro agrônomo, Doutor em Economia Aplicada, Prof. da ESALQ/USP, Pesquisador do CEPEA [email protected] Quanto vale um cavalo? Ricardo III foi o último rei da Inglaterra da Casa de York. Com sua morte, ao final da Guerra das Rosas, iniciou-se o reinado da extraordinária Di- nastia Tudor. Ricardo III foi morto na Batalha de Basworth Field em 1485 e suas últimas falas, na versão de Willian Shakespeare, foram “Um cavalo! Meu reino por um cavalo!”. Talvez esta tenha sido a mais alta oferta por um cavalo… E nos dias atuais, quanto vale um cavalo? A res- posta a esta pergunta seria importante não apenas para compradores e vendedores, mas para um uni- verso de agentes econômicos mais amplo, incluin- do, por exemplo, seguradoras. No caso de auto- móveis, para conferir se estamos realizando um bom negócio, há tabelas (como a divulgada pela FIPE) com valor de cada modelo e ano. Quando é cobra- do o IPVA, também é divulgada uma tabela com o valor de cada automóvel. Os contratos de seguro prevêem que, em caso de sinistro, o valor da inde- nização será determinado de acordo com o valor constante da tabela de referência de cotação para o veículo, e assim por diante. Para os cavalos não há uma tabela similar, inviabilizando ações semelhan- tes às referidas nesse parágrafo. No caso dos contratos de seguro de animais, há clausulas que buscam resguardar a avaliação do animal, como em: “se, no momento do sinistro, for verificado que o valor do animal segurado é inferior ao Limite Máximo de Indenização (valor estipulado na apólice sobre cada animal), seja por ter havido redução de seu valor em consequência de sua inuti- lização ou de diminuição de suas aptidões para cum- prir a utilização declarada na apólice, seja por qual- quer outra causa, a indenização a cargo da Segura- dora não excederá o valor arbitrado para o animal na ocasião do sinistro”. Note que não fica claro como será definido o preço, o valor do animal. É uma situação muito diferente daquela encontrada em seguro de automóvel (o valor é da indenização é de uma tabela pública de valores de referência). No caso da seguradora, esta situação de falta de transparência quanto ao valor do animal implica em problemas que dificultam a operação. Se for esta- belecido um valor baixo, não haverá interesse na contratação do seguro. Se for estabelecido um va- lor alto, será um incentivo para que ocorram pro- blemas de risco moral e fraudes. Animais “commoditizados”, como o boi gordo para o abate, são mais fáceis de serem valorados. Para esses existem indicadores de preços, como aqueles elaborados pelo CEPEA/USP. Para os ani- mais de elite, ou seja, para aqueles não “commodi- tizados”, a tarefa é árdua e ainda carente de meto- dologia robusta para avaliação. Afinal, quanto vale um cavalo? Uma resposta poderia ser obtida atra- vés da análise dos resultados dos diversos leilões que ocorrem no Brasil. Embora existam mais de uma centena de em- presas atuando em leilões de cavalos, poucas em- presas concentram o maior volume dos negócios e eventos. Trata-se de um mercado que vinha cres- cendo consistentemente ano após ano (Figura 1), mas que deverá encerrar 2009 com resultados pouco inferiores aos de 2008. Figura 1: Brasil: evolução do número de lotes e renda, por ano, em leilões de equinos FONTE: DBO

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Roberto Arruda deSouza Lima

Engenheiro agrônomo,Doutor em

Economia Aplicada,Prof. da ESALQ/USP,

Pesquisador do [email protected]

Quanto vale um cavalo?Ricardo III foi o último rei da Inglaterra da Casa

de York. Com sua morte, ao final da Guerra dasRosas, iniciou-se o reinado da extraordinária Di-nastia Tudor. Ricardo III foi morto na Batalha deBasworth Field em 1485 e suas últimas falas, naversão de Willian Shakespeare, foram “Um cavalo!Meu reino por um cavalo!”. Talvez esta tenha sidoa mais alta oferta por um cavalo…

E nos dias atuais, quanto vale um cavalo? A res-posta a esta pergunta seria importante não apenaspara compradores e vendedores, mas para um uni-verso de agentes econômicos mais amplo, incluin-do, por exemplo, seguradoras. No caso de auto-móveis, para conferir se estamos realizando um bomnegócio, há tabelas (como a divulgada pela FIPE)com valor de cada modelo e ano. Quando é cobra-do o IPVA, também é divulgada uma tabela com ovalor de cada automóvel. Os contratos de seguroprevêem que, em caso de sinistro, o valor da inde-nização será determinado de acordo com o valorconstante da tabela de referência de cotação para oveículo, e assim por diante. Para os cavalos não háuma tabela similar, inviabilizando ações semelhan-tes às referidas nesse parágrafo.

No caso dos contratos de seguro de animais, háclausulas que buscam resguardar a avaliação doanimal, como em: “se, no momento do sinistro, forverificado que o valor do animal segurado é inferiorao Limite Máximo de Indenização (valor estipuladona apólice sobre cada animal), seja por ter havidoredução de seu valor em consequência de sua inuti-lização ou de diminuição de suas aptidões para cum-

prir a utilização declarada na apólice, seja por qual-quer outra causa, a indenização a cargo da Segura-dora não excederá o valor arbitrado para o animalna ocasião do sinistro”. Note que não fica clarocomo será definido o preço, o valor do animal. Éuma situação muito diferente daquela encontradaem seguro de automóvel (o valor é da indenizaçãoé de uma tabela pública de valores de referência).No caso da seguradora, esta situação de falta detransparência quanto ao valor do animal implica emproblemas que dificultam a operação. Se for esta-belecido um valor baixo, não haverá interesse nacontratação do seguro. Se for estabelecido um va-lor alto, será um incentivo para que ocorram pro-blemas de risco moral e fraudes.

Animais “commoditizados”, como o boi gordopara o abate, são mais fáceis de serem valorados.Para esses existem indicadores de preços, comoaqueles elaborados pelo CEPEA/USP. Para os ani-mais de elite, ou seja, para aqueles não “commodi-tizados”, a tarefa é árdua e ainda carente de meto-dologia robusta para avaliação. Afinal, quanto valeum cavalo? Uma resposta poderia ser obtida atra-vés da análise dos resultados dos diversos leilõesque ocorrem no Brasil.

Embora existam mais de uma centena de em-presas atuando em leilões de cavalos, poucas em-presas concentram o maior volume dos negócios eeventos. Trata-se de um mercado que vinha cres-cendo consistentemente ano após ano (Figura 1),mas que deverá encerrar 2009 com resultados poucoinferiores aos de 2008.

Figura 1:Brasil: evolução do

número de lotes erenda, por ano, emleilões de equinos

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Os leilões, abrangendo as diversas raças (Tabe-la 1) ocorrem em todo território nacional (Tabela2), mas cerca de dois terços, em termos de rendagerada, ocorrem em São Paulo, Rio Grande do Sule virtualmente (Canal Rural, Terraviva e Agroca-nal). O valor médio obtido em leilões foi de R$18.545/animal em 2008 e, até outubro, a média de2009 estava em R$ 16.285/animal.

Segundo Neves & Castro (2007) o processo dedecisão envolve diversas etapas, entre elas a identi-ficação da necessidade, busca de informações eavaliação de alternativas. Neste momento, já ficaevidente a subjetividade na escolha do que será com-prado e no valor a ser atribuído ao animal. No casode leilões, Leite (2008) ressalta que os participantesutilizam seu feeling e sua experiência para imaginarqual será o preço de determinando animal, o queimplica em alto grau de incertezas. Metodologiasbaseadas na teoria microeconômica e em econo-metria podem auxiliar na estimativa do valor médioesperado dos animais (lotes), o que, além de redu-zir a incerteza na tomada de decisão, permitiria aformação de referencias de preços para o mercado.

É interessante observar que conhecer o proces-so de formação de preços é importante não apenaspelo seu resultado final, o valor do animal, mas tam-bém pelas informações sobre os fatores que o de-terminam. Isto permite que sejam elaboradas asmelhores estratégias de venda. Diante da escassezde trabalhos sobre equinos, pode-se utilizar o exem-plo da formação de preço de bezerro para compre-ender como pode ser afetada a estratégia de venda.Christofari (2008), em sua tese de doutorado, ana-lisou a influência de características relacionadas àgenética animal (grupo genético, musculosidade etamanho animal), peso vivo médio na comercializa-ção e características relacionadas ao momento doleilão (como uniformidade, ordem de entrada e tem-po de permanência em pista e estratégias de divul-gação) sobre o preço final, por quilograma de pesovivo, obtido em leilão no Rio Grande do Sul emdiferentes estações de comercialização. Observou-se que em momentos de grande oferta, o preço édeterminado pela qualidade do lote (por exemplo,genética e uniformidade), enquanto que quando aoferta é escassa, o peso médio dos lotes ofertadostem maior efeito no preço final. A partir dessas in-formações, produtores de bezerros podem selecio-nar quais animais devem compor o lote, de acordocom o tipo de mercado (vendedor ou comprador)para que seja obtido maior sucesso na comerciali-zação. Reforçando este entendimento, Christofariet al (2209) apresentam a seguinte conclusão emseu estudo: “as estratégias de divulgação e unifor-mização dos lotes e a ordem de entrada de bezerrosem leilão influenciam o preço final, especialmente FO

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Tabela 2 - Brasil: Renda gerada em leilões de equinos, por local, acumulado no ano

Local 2008 Até Out/2009

Virtual 31.892.090 12,9% 25.221.550 13,6%

SP 74.759.790 30,2% 49.290.850 26,5%

RS 53.098.520 21,4% 38.519.410 20,7%

MG 19.295.240 7,8% 16.953.720 9,1%

RJ 13.064.910 5,3% 16.034.380 8,6%

PR 2.974.680 1,2% 8.676.250 4,7%

RN 5.339.800 2,2% 5.656.500 3,0%

BA 11.765.390 4,8% 4.347.510 2,3%

MS 5.376.920 2,2% 3.388.176 1,8%

SC 2.554.690 1,0% 3.230.500 1,7%

AL 5.251.140 2,1% 3.223.140 1,7%

MT 1.705.660 0,7% 2.600.817 1,4%

CE 3.185.200 1,3% 1.994.400 1,1%

SE 4.245.660 1,7% 1.718.000 0,9%

PE 7.935.820 3,2% 1.649.200 0,9%

MA 224.000 0,1% 1.138.860 0,6%

PA 495.360 0,2% 798.700 0,4%

GO 839.380 0,3% 615.120 0,3%

RO 0 0,0% 319.830 0,2%

TO 61.100 0,0% 256.480 0,1%

DF 2.013.500 0,8% 170.400 0,1%

ES 184.800 0,1% 163.600 0,1%

AC 272.800 0,1% 0 0,0%

PB 1.039.200 0,4% 0 0,0%

Total 247.575.650 100,0% 185.967.393 100,0%

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Tabela 1 - Brasil: Renda gerada em leilões de equinos, por raça, acumulado no ano

Raça 2008 Até Out/2009

Quarto de Milha 114.243.580 46,15% 84.317.510 45,34%

Crioulo 60.672.110 24,51% 41.870.890 22,52%

Mangalarga Marchador 46.624.320 18,83% 35.859.590 19,28%

Campolina 3.696.520 1,49% 10.801.430 5,81%

Pampa 4.843.970 1,96% 3.861.410 2,08%

Mangalarga 4.884.020 1,97% 2.661.040 1,43%

Pantaneiro 1.086.000 0,44% 2.310.613 1,24%

Lusitano 4.335.300 1,75% 1.824.470 0,98%

Árabe 2.526.660 1,02% 1.549.040 0,83%

Paint Horse 1.186.920 0,48% 911.400 0,49%

Brasileiro de Hipismo 3.169.210 1,28% 0 0,0%

Appaloosa 287.040 0,12% 0 0,0%

Total 247.555.650 100,00% 185.967.393 100,00%

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nos períodos de grande oferta e baixopreço. A evidência de características nãoperceptíveis, além de cativar o cliente,antes ou após a venda, é uma estratégiaque pode ser aplicada na comercializaçãode bezerros”. É possível supor que algosimilar ocorra em leilões de equinos.

Panetto et al (2009) analisaram as cau-sas das variações nos preços de animaisnelore de elite no Brasil. Esses autoresobservaram que a genética dos animais évalorizado na comercialização através deleilões. No entanto, o resultado da avalia-ção dos reprodutores não teve influênciasignificativa sobre os preços médios devenda de suas progênies nos leilões.

Para a determinação do valor dos ca-valos, a análise dos resultados dos leilõesapresenta-se como um caminho interes-sante para o sucesso dessa missão. Noentanto, deve-se relembrar dois aspectosligados aos leilões no Brasil, conformerelatado por Lima & Tarasantchi em edi-ção passada desta Revista: “outro aspec-to relevante, herança do passado menosorganizado do setor, são práticas pouco

transparentes no mercado. Como qual-quer um pode dar lance em um animal,existe a possibilidade de o próprio vende-dor o fazer, com intuito de elevar o preçodo animal, tentando assim explorar aomáximo o poder de compra dos interes-sados. Pode-se questionar a ética, mas écomum que o próprio vendedor acabecomprando seu animal, uma vez que nin-guém teve interesse em cobrir o lancedado por ele. Quando isso ocorre é cha-mado de defesa. Também pode ocorrerdo animal ser comercializado (acertado opreço) antes do leilão. O animal, já vendi-do, é apresentado no leilão onde o com-prador simula a compra por valores su-periores ao real (acertado anteriormen-te). Estas duas práticas, a defesa a vendaantecipada podem representar parcela sig-nificativa de leilões. Para o mercadocomo um todo, inclusive para que sejaviabilizado um seguro eficaz dos cavalos(o que depende de um preço de referên-cia de mercado dos animais), é funda-mental que estas práticas de baixa trans-parência não ocorram”.

Por fim, deve-se destacar que os va-lores divulgados nos resultados dos lei-lões devem ser ajustados. Isto porque,em geral, os pagamentos ocorrem par-celados (chegando a 50 parcelas). O flu-xo de caixa resultante da forma de paga-mento do leilão deve ser descontado deforma a determinar o valor presente lí-quido. Surge então mais uma complexi-dade na determinação do valor do cavalo:a definição ou escolha da taxa de jurosmais adequada ao cálculo.

Como se pode observar pelo expostoneste artigo, a determinação do valor (mo-netário) de um cavalo é uma tarefa bas-tante complexa, nada trivial, repleta de as-pectos subjetivos. Encontra-se em anda-mento um projeto de pesquisa conjuntoentre diversas universidades de primeiralinha que deverá desenvolver a metodo-logia para estimar o valor de referênciapara o preço dos animais não commodi-tizados, como os equinos. Em breve ha-verá novidades para responder tecnica-mente a questão título deste artigo: quan-to vale um cavalo?